Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa Capítulo 7 - Wattímetros 7.1 Introdução Os wattímetros eletromecânicos pertencem à uma classe de instrumentos denominados instrumentos eletrodinâmicos. Os instrumentos eletrodinâmicos possuem dois circuitos independentes que permitem que os mesmos sejam utilizados como amperímetros, voltímetros, wattímetros (medidores de potência ativa) e varímetros (medidores de potência reativa). O torque produzido nestes instrumentos surge de forças magnéticas produzidas por correntes elétricas que circulam em duas bobinas, sendo que uma bobina é fixa e a outra é móvel. O princípio de funcionamento pode ser explicado, qualitativamente, com base no galvanômetro de d’Arsonval (galvanômetro de bobina móvel) onde o imã permanente é substituído pela bobina fixa. Esta bobina é disposta de modo tal que o campo magnético produzido pela corrente que circula na mesma seja praticamente uniforme. A Figura 7.1 ilustra uma representação esquemática de um instrumento eletrodinâmico. Figura 7.1: Esquema de um instrumento eletrodinâmico. Na Figura 7.1 a bobina fixa C é dividida em duas partes, sendo que o campo magnético que envolve a bobina móvel P é praticamente uniforme. A interação do campo, produzido na bobina fixa C pela corrente ic, com a corrente ip que circula na bobina móvel P, resulta em um torque (de modo semelhante ao observado no galvanômetro de d’Arsonval). O ponteiro então 1 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa sofre um deslocamento angular até uma posição tal que o torque resultante seja anulado pelo torque produzido pela mola. A escala pode ser calibrada em volts (V), ampéres (A), watts (W) ou volt-ampére reativo (Var) dependendo da maneira como as bobinas são conectadas. 7.2 Expressão do Torque para Instrumentos Eletrodinâmicos A energia armazenada no campo magnético do sistema mostrado na Figura 7.1 é expressa por: W= 1 1 Lc ⋅ ic 2 + Lp ⋅ i p 2 + M ⋅ ic ⋅ i p 2 2 (7.1) Na equação (7.1) Lc e Lp são respectivamente, as indutâncias próprias das bobinas C e P e M é a indutância mútua devido ao acoplamento magnético entre estas bobinas. As correntes ic e ip são, respectivamente, as correntes nas bobinas C e P. O torque instantâneo, ao qual é submetida a bobina P, é dado por: Tθ = δW δθ (7.2) Na equação (7.2) Ɵ é a posição angular do ponteiro que está acoplado à bobina P. Portanto, a partir de (7.1), o torque instantâneo em função de Ɵ será escrito como sendo: Tθ = ic ⋅ i p ⋅ δM δθ (7.3) Observe que a derivada dos dois primeiros termos de (7.1) é nula devido a indutância mútua ser uma função de Ɵ mas as correntes ic e ip e as indutâncias próprias Lc e Lp não. Isto porque a indutância mútua depende da permeância magnética do meio de acoplamento magnético das bobinas (neste caso o ar) e esta permeância varia em função do descolamento do ponteiro de um ângulo Ɵ (rotação da bobina P). Sabe-se que o ponteiro será deslocado até uma posição angular tal que o torque produzido pelas correntes ic e ip seja igual ao torque restaurador TR produzido pela mola. Então teremos: TR = Tθ ⇒ S ⋅ θ = ic ⋅ i p ⋅ 1 δM ⋅ ic ⋅ i p S δθ θ = ⋅ δM ⇒ δθ (7.4) 2 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa O instrumento pode ser construído de modo tal que o termo δM seja constante. Deste δθ modo a posição angular do ponteiro torna-se: 1 k θ = ⋅ ic ⋅ i p (7.5) A expressão (7.5) mostra a posição angular instantânea do ponteiro. Conforme apresentado no capítulo 6, em regime permanente, o ponteiro do galvanômetro de bobina móvel (sendo o sistema eletrodinâmico de funcionamento equivalente) alcança uma posição fixa que corresponde ao valor médio de Ɵ. Deste modo, a posição final Ɵav do ponteiro de um instrumento eletrodinâmico será dada por: θ av = 1 T ∫ T 0 θ ⋅ dt (7.6) Sendo: Ɵav: Posição angular média do ponteiro; T: Período do movimento angular do ponteiro. Substituindo (7.5) em (7.6) teremos: 1 1 θ av = ⋅ k T ∫ T 0 ic ⋅ i p ⋅ dt (7.7) Exemplo 1: Mostre que o instrumento eletrodinâmico mostrado na Figura 7.2 pode ser utilizado como um amperímetro que mede valor RMS verdadeiro. Figura 7.2: Instrumento eletrodinâmico como amperímetro. 3 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa 7.3 Wattímetros As Figuras 7.3 e 7.4 ilustram duas configurações básicas que possibilitam a utilização de um instrumento eletrodinâmico como sendo um medidor de potência ativa (wattímetro). Figura 7.3: Configuração A. Figura 7.4: Configuração B. Nas Figuras 7.3 e 7.4 C e P são as bobinas de corrente e potencial, respectivamente. A bobina de corrente possui uma resistência que é representada pelo resistor Rc e a bobina de potencial possui uma resistência Rp. O resistor Rext é uma resistência externa (de valor elevado) que deve ser conectada em série com a bobina de potencial. 4 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa 7.3.1 Wattímetros na Configuração A A Figura 7.5 mostra um wattímetro na configuração A conectado a uma carga genérica. Figura 7.5 – Wattímetro na Configuração A Na Figura 7.5 ic(t) e ip(t) são, respectivamente, as correntes nas bobinas de corrente e de potencial. A carga está submetida a uma tensão e(t) e a corrente que circula na mesma é i(t). A posição angular do ponteiro do wattímetro é obtida a partir da equação (7.7) considerando um instante de tempo t qualquer. Desta forma temos: 1 1 θ av = ⋅ k T ∫ T 0 ic (t ) ⋅ i p (t ) ⋅ dt (7.8) Do circuito da Figura 7.5 temos ainda que: ic (t ) = i p (t ) + i (t ) (7.9) Substituindo (7.9) em (7.8) fica: 1 1 θ av = ⋅ k T ∫ (i T 0 p (t ) + i (t ) ) ⋅ i p (t ) ⋅ dt ⇒ T 1 1 T ⋅ ∫ i p (t )2 ⋅ dt + ∫ i (t ) ⋅ i p (t ) ⋅ dt 0 k T 0 θ av = ⋅ (7.10) Desprezando a reatância da bobina P, a corrente ip(t) pode ser escrita como sendo: i p (t ) = e(t ) R p + Rext (7.11) Substituindo (7.11) em (7.10) temos: 5 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa 1 1 k T θ av = ⋅ ⋅ ∫ T 0 (R e(t ) 2 p + Rext ) 2 ⋅ dt + 1 T e(t ) ⋅∫ ⋅ i (t ) ⋅ dt ⇒ T 0 R p + Rext 2 1 1 T e(t ) 1 T θ av = ⋅ ⋅∫ ⋅ dt + ⋅ ∫ e(t ) ⋅ i (t ) ⋅ dt T 0 42444 k ⋅ ( R p + Rext ) T 0 ( R p + Rext ) 144 3 1444 2444 3 Pav PdA (7.12) Na equação (7.12) PdA é a potência média (ativa) dissipada na resistência Rp da bobina de potencial e na resistência externa Rext enquanto que Pav é a potência média (ativa) fornecida para a carga. Portanto, independente da carga ou da forma de onda da tensão aplicada no circuito, a posição angular do ponteiro do wattímetro da Figura 7.5 é proporcional à soma da potência média fornecida para a carga com a potência média dissipada no instrumento. 7.3.2 Wattímetros na Configuração B A Figura 7.6 mostra um wattímetro na configuração B conectado a uma carga genérica. Figura 7.6: Wattímetro na Configuração B A posição angular do ponteiro do wattímetro na Figura 7.6 é dada por: 1 1 θ av = ⋅ k T ∫ T 0 ic (t ) ⋅ i p (t ) ⋅ dt (7.13) Desprezando as reatâncias das bobinas C e P e considerando o somatório de tensões na malha I da Figura 7.6 temos: v p (t ) − vc (t ) − e(t ) = 0 ⇒ ( R p + Rext ) ⋅ i p (t ) − Rc ⋅ ic (t ) − e(t ) = 0 ⇒ 6 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa i p (t ) = e(t ) + Rc ⋅ ic (t ) R p + Rext (7.14) Substituindo (7.14) em (7.13) fica: ( e(t ) + Rc ⋅ ic (t ) ) ⋅ dt ⇒ 1 1 T ⋅ ∫ ic (t ) ⋅ k T 0 R p + Rext θ av = ⋅ 1 1 T 1 T 2 θ av = ⋅ ⋅ ∫ e(t ) ⋅ ic (t ) ⋅ dt + ⋅ ∫ Rc ⋅ ic (t ) ⋅ dt 0 0 T T k ( R p + Rext ) 144 42444 3 144 42444 3 Pav PdB (7.15) A equação (7.15) mostra que o deslocamento angular do ponteiro do wattímetro, na configuração B, é proporcional à soma da potência média (ativa) Pav fornecida para a carga com a potência dissipada PdB no instrumento. 7.3.3 Análise das Perdas no Wattímetro Foi mostrado na seção anterior que, na configuração A, o valor da medida fornecida pelo wattímetro inclui as perdas na bobina de potencial e que na configuração B a leitura inclui as perdas na bobina de corrente. Na configuração A, conforme a equação (7.12) as perdas no instrumento são escritas como sendo: 1 1 T e( t ) 2 1 1 1 T PdA = ⋅ ⋅∫ ⋅ dt = ⋅ ⋅ ⋅ ∫ e(t )2 ⋅ dt ⇒ k ⋅ ( R p + Rext ) T 0 ( R p + Rext ) k ⋅ ( R p + Rext ) ( R p + Rext ) T 0 E 2 1 RMS ⋅ PdA = k ⋅ ( R p + Rext ) ( R p + Rext ) (7.16) Analogamente ao desenvolvimento matemático feito para as perdas na configuração A também é feito para a configuração B considerando PdB na equação (7.15). Assim temos que as perdas na configuração B são escritas como sendo: PdB = 1 ⋅ Rc ⋅ I RMS 2 k ( R p + Rext ) (7.17) Nas equações (7.16) e (7.17) os termos ERMS e IRMS são, respectivamente, os valores RMS da tensão e da corrente na carga. A partir das equações (7.16) e (7.17) observa-se que ambas as configurações possuem vantagens e desvantagens dependendo do projeto do equipamento e de sua aplicação. Na 7 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa configuração A, analisando a equação (7.16), percebe-se que para um dado valor nominal de tensão, o valor das perdas é constante e não depende do valor da carga. Na configuração B, analisando a equação (7.17), nota-se que para um dado valor nominal de tensão, o valor das perdas varia com a corrente do circuito e portanto com a carga do circuito, pois o valor da corrente é função da carga. A conclusão imediata é a de que a configuração A é mais adequada quando a aplicação do instrumento se dá em casos de tensão constante e portanto a perda pode ser compensada através da calibração da escala fazendo com que o valor mostrado pelo wattímetro corresponda somente a potência média (ativa) consumida pela carga. Wattímetros analógicos comerciais apresentam um número de escalas de tensão e de corrente que ditam os níveis de tensão e corrente máximos de utilização do equipamento e que podem ser utilizadas para compensar as perdas do equipamento em ambas às configurações. Por outro lado, a configuração B também pode ser utilizada para equipamentos que possuem a resistência Rc da bobina de corrente muito pequena de modo que as perdas possam ser desprezadas para diferentes valores de carga. De qualquer forma o fabricante deve informar qual a configuração mais adequada para seu equipamento. 7.4 Conexão de um Wattímetro em Circuitos Monofásicos A Figura 7.7 ilustra um wattímetro conectado na configuração A para medir a potência ativa da carga. (a) (b) Figura 7.7: (a) Conexão do wattímetro na configuração A; (b) sentido das correntes nas bobinas. Na Figura 7.7 os terminais 1 e 2 correspondem aos terminais da bobina de corrente enquanto os terminais 3 e 4 são os terminais da bobina de potencial. Na Figura 7.8 é ilustrada a conexão do wattímetro na configuração B. 8 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa (a) (b) Figura 7.8: (a) Conexão do wattímetro na configuração B; (b) sentido das correntes nas bobinas. Comparando as conexões para as configurações A e B observa-se que, independente da conexão das bobinas, as correntes ic e ip sempre entram pelos terminais 1 e 3, respectivamente. Esta é uma convenção utilizada pelos fabricantes de wattímetros analógicos para a conexão das bobinas do equipamento. O valor mostrado pelo instrumento, nas conexões A ou B, desprezando as perdas do equipamento, será o valor médio da potência ou potência ativa em Watts fornecida para a carga, ou seja: T 1 P = ∫ e(t ) ⋅ i (t ) ⋅ dt T 0 (7.18) Exemplo 2: Considere o circuito mostrado a seguir: v(t ) = Vo ⋅ sen (ω ⋅ t ) a) Insira um wattímetro na configuração A no circuito e determine a expressão para o deslocamento angular do ponteiro do instrumento. Despreze as reatâncias e as perdas das bobinas C e P; b) Calcule a potência média fornecida para a carga e a potência média dissipada em Rext. Compare estes valores com o deslocamento angular do ponteiro encontrado no item a). 9 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa Exemplo 3: Considere o circuito mostrado a seguir: v (t ) = Vo ⋅ sen (ω ⋅ t ) Insira um wattímetro na saída do retificador (pontos C e D) e determine a expressão para o deslocamento angular do ponteiro do wattímetro. Despreze as reatâncias e as perdas das bobinas C e P. Exemplo 4: Considere um wattímetro conectado na configuração A como o apresentado na Figura 7.7. Considere ainda que as formas de onda de v(t) e i(t) da Figura 7.7 são dadas por: Vo To 2To 3To 4To −Vo 10 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa Io To − α 2To − α 3To − α 4To − α − Io a) Determine uma expressão para o deslocamento angular do wattímetro. Despreze as reatâncias e as perdas das bobinas C e P. b) Calcule a potência média fornecida para a carga e a potência média dissipada em Rext. Compare estes resultados com a posição angular do ponteiro encontrada no item a). 11 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa Revisão do Capítulo θ av = 1 1 T ⋅ ∫ ic ⋅ i p ⋅ dt k T 0 1 1 δM = ⋅ (constante) k S δθ Instrumento Eletrodinâmico i(t) ic(t) +- A 1 2 + - + ic(t) - V 3 4 ip(t) ∫ 0 ic (t ) ⋅ i p (t ) ⋅ dt ic (t ) = i p (t ) + i (t ) ip ( t) = e(t ) R p + Rext Carga +- ip(t) Wattímetro T 2 1 e(t) v(t) 1 1 θ av = ⋅ k T C 3 P Rext 4 2 1 1 T e( t ) 1 T θ av = ⋅ ⋅∫ ⋅ dt + ⋅ ∫ e (t ) ⋅ i (t ) ⋅ dt T 0 42444 k ⋅ ( R p + Rext ) T 0 ( R p + Rext ) 144 3 1444 2444 3 Pav PdA E 2 1 RMS PdA = ⋅ k ⋅ ( R p + Re xt ) ( R p + Rext ) 12 Capítulo 7 – Wattímetros – Prof. Fábio Bertequini Leão / Sérgio Kurokawa 1 1 θ av = ⋅ k T i p (t ) = ∫ T 0 ic (t ) ⋅ i p (t ) ⋅ dt e(t ) + Rc ⋅ ic (t ) (Malha I) R p + Rext 1 T 1 T 2 θ av = ⋅ ⋅ ∫ e (t ) ⋅ ic ( t ) ⋅ dt + ⋅ ∫ Rc ⋅ i c (t ) ⋅ dt 0 T 0 42444 k ( Rp + Rext ) T 42444 3 144 3 144 Pav Pd B 1 PdB = ⋅ Rc ⋅ I RMS 2 k ( R p + Rext ) 1 13