Cultura Musical em Alagoas: Uma abordagem histórica na década de 40 do século XX Danyel Maxwel Ferreira de Souza Resumo: Este trabalho visa abordar uma paisagem sonora do Estado de Alagoas, principalmente de Maceió, sua capital, na década de 40 do século XX. Intento, através de uma visão sócio – econômica e cultural demonstrar que o fazer musical no Estado era insipiente, contudo, animado. Para isso, as pessoas dispunham não apenas do folclore ou do carnaval, mas também das bandas ou jazz bands, como filarmônicas que faziam o papel de animadores culturais. A elaboração deste trabalho, fomentada na reflexão acerca dos dados coletados para o Grupo de Pesquisa “Memória, registro e documentação dos compositores eruditos e semi-eruditos alagoanos no século XX”, idealizado e coordenado pelo professor Dr. Eduardo Xavier, tem o objetivo de demonstrar que, numa abordagem histórica na década de 40, a música, aqui mencionada num contexto de apreciação e de dimensão de sua produção, torna-se co-participe na construção cultural em nosso estado. Não foi assim ao longo dos séculos nos mais diferentes países e nas antigas civilizações? Dessa maneira, qual a cultura musical construída no espaço social passível de modificações constantes? Gostaria, todavia, de frisar que meu trabalho não assume uma visão política de verdade absoluta e sim, de cientificidade ao relatar dados históricos pesquisados, no intuito de alcançar a meta estabelecida para uma compreensão exata da cultura musical em Alagoas na década de 40 do século passado. A música, como meio que viabiliza a interação entre os seres humanos numa dimensão coletiva da construção de vida em sociedade organizada, atua como linguagem significante da produção cultural nas mais variadas formas de manifestação social. De outro modo, por si só, torna-se objeto de conhecimento que amplia a compreensão do homem sobre si mesmo e de sua condição de ser coletivo, agente cultural, no espaço em que vive. Neste ínterim, a música é representação, reflexo de como o homem, na sociedade, estabelece seu costume e crença, portanto, sua cultura. No berço das antigas civilizações, os povos das diferentes regiões formaram suas peculiares maneiras de interação social como identidade de cada um deles. A compreensão sobre o lugar pertencente a um determinado costume foi dada a partir do entendimento das manifestações características de cada povo, estabelecendo assim uma linguagem específica na construção cole|iva de wua cultura. Ao longo dos séculns- acompanhando as transformações históricas pelas quais a sociedade passou, na linha do tempo, a música continuou como viés no processo de integração social entre diferentes etnias, não apenas como representação das manifestações culturais, mas, também, como objeto de pesquisa para aqueles desejosos em ampliar o horizonte do conhecimento, no contexto sócio-cultural, etnomusical e antropológico. O povo alagoano buscou, pela arte, maneiras de expressão e comunicação a partir de algumas manifestações espontâneas de sua cultura. Os homens mais simples se reuniam para pisar o barro e erguer suas casas de taipa e cantavam alegres canções que acompanhavam movimento dos pés na origem ao coco de roda, genuinamente alagoano; quando o pulso rítmico, forte e penetrante, dos instrumentos de percussão como os tambores, tan-tans, congas e tarol, atraia as pessoas para a Musifal 39 execução destes sons presentes no Maracatu e no candomblé. Algumas cidades do interior do estado de Alagoas (por exemplo, Marechal Deodoro, Matriz do Camaragibe, Traipu, Coqueiro Seco, entre outras) com suas filarmônicas, soavam as notas de seus dobrados executados nas praças e coretos em noites de festa na clara demonstração de que se fazia música no contexto social e político do interior do estado. A Catedral Metropolitana de Maceió juntava as vozes do coro em louvor a Deus e a execução dos folguedos, mantendo as tradições populares, denotava o uso da música como meio de expressão cultural segundo autores como Félix Lima Júnior (2002), Moreno Brandão (1981), Craveiro Costa (1983), Cícero Péricles de Carvalho (1982), Guiomar Alcides de Castro (1984) e Joel Bello Soares (1999). Nestes autores, sociedade, política, economia e arte se misturam para formar um perfil sóciocultural do Estado. O Jornal de Alagoas foi uma das fontes principais de pesquisa para a construção desse artigo pois, disponível no IHGAL a partir de 1945, traz relevantes reportagens e notas acerca da vida cultural e musical de Alagoas, notadamente de Maceió. No contexto social, durante todo o século XX, algumas famílias aristocratas comandavam nosso estado, desde a política à economia, resultando numa concentração de terra que, por sua vez, excluía os mais simples dos direitos básicos de cidadãos como direito a escola e ao saber. Na década de 40, especificamente, o mundo vivia no terror dos conflitos da II Guerra Mundial e em nosso estado, as notícias publicadas, basicamente voltavam-se para os assuntos da política mundial. No entanto, em Alagoas, o êxodo rural começava a crescer com intensidade e as famílias recém-chegadas à cidade grande, aglomeravam-se em espaços vazios, sem nenhuma espécie de infra-estrutura básica, como saneamento, ou casas de alvenaria. Estes, diga-se de passagem, em zonas de riscos, apresentavam um cenário que ainda se perpetua nos tempos hodiernos. No entanto, afora esse cenário político e econômico, ressalta-se o contexto cultural no qual o cinema desperta o interesse das pessoas com três sessões num mesmo dia. Os eventos culturais, quase todos ligados à música, restringiam-se em alguns clubes e associações atléticas que, por sua vez, eram privados a um público mais aristocrático que prestigiava a maioria dos eventos organizados em Maceió. Saliento o mês de setembro do ano de 1945 como um dos de maior registro de produção musical na capital de Alagoas. De modo geral, embalados por um ritmo contagiante de muito metal (trompetes, saxofones e trombones, à guisa de jazz band), a alta sociedade alagoana se reunia em matinês e soirées para se divertir. Assim publica o jornal, abrindo o mês de Setembro: “De passagem por esta capital e acompanhando do célebre violonista José Luiz, Augusto Calheiros dará um único espetáculo – Rex Soirée” (Jornal de Alagoas, 1 de Setembro de 1945). Na comemoração da independência do Brasil, por exemplo, a notícia não ganha foco nos desfiles das bandas fanfarras do interior e da capital, mas nas festas civis: “No Clube Carnavalesco 'Cavaleiros dos montes' haverá uma festa intima ao som de uma formidável orquestra em comemoração ao 7 de Setembro” (Id., 7 de Setembro de 1945). Segue assim mencionando outros títulos como um “convite para participar no clube 13 de Maio de um soirée com uma Jazz Band” (Id., 13 de Setembro de 1945); “Baile da Paz em comemoração pelo fim da guerra com a apresentação da Jazz Band, no Clube Fênix Alagoana” –(Id., 14 de Setembro de 1945); “Soirée dançante com a Jazz Band da Força Policial na Associação Atlética” –(Id., 15 de Setembro de 1945). Musifal 40 Estas apresentações noticiadas repetiram-se durante o restante do mês e algumas delas, por exemplo, o Baile da Paz, mais outras cinco vezes, distribuídos em Outubro e Novembro. O importante notar é a produção musical que aqui se estabeleceu. Se é mencionada uma orquestra, certamente era uma banda de música tocando seus dobrados ou sucessos da música popular como o samba. Porém, o registro de orquestra deve ser feito não como uma sinfônica, mas, verdadeiramente o que se convencionou chamar jazz band. Era grande a procura de jovens que ingressavam nas filarmônicas onde se aprendia os dobrados e músicas como um todo em voga e daí então começavam a se apresentar nos eventos culturais que a sociedade alagoana organizava. A crescente jornada da música em Alagoas segue ainda outros questionamentos. Quais músicas a sociedade queria ouvir? A cultura musical em Alagoas, na década de 40, não se restringia aos ambientes fechados de acesso apenas da burguesia da época. As pessoas acorriam às praças para ver o pastoril das crianças e torcer por uma das duas cores, azul ou encarnado e se alegravam e se embalavam nas cantigas do coco, nos bailes e nas serestas que também proporcionavam da juventude. Também é de salientar-se o gosto pelas músicas da época, como as americanas, tão em moda divulgadas pelas já citadas jazz bands. Quais os locais propícios para a execução e apreciação da música? O Jornal de Alagoas noticia sempre os mesmos lugares, como se fossem abrigo para música ou local de música. A sociedade alagoana, tradicionalmente católica em sua maioria, esperava as horas passarem ao som dos dobrados da banda de música, que tocavam na praça em frente à Catedral, depois da novena da Padroeira. Este era, de fato, o fazer musical, no cenário cultural de Alagoas, quanto à sua produção na década de 40. * É graduando em música – licenciatura – pela Universidade Federal de Alagoas e integrante do grupo de pesquisa do Prof. Dr. Eduardo Xavier. Referências Bibliográficas BRANDÃO, Moreno. História de Alagoas. Maceió: Sergasa, 1983. CARVALHO, Cícero Péricles de. Formação Histórica de Alagoas. 2ª ed. Maceió: Grafitex, 1982. CASTRO, Guiomar Alcides de. Professor João Ulysses Moreira: sua contribuição à cultura musical alagoana. Maceió: Funted, 1984. COSTA, Craveiro. História das Alagoas. Maceió: Sergasa, 1983. Jornal de Alagoas. Maceió, 1945/1950. LIMA JÚNIOR, Félix. Igrejas e Capelas de Maceió. Maceió: Edufal, 2002. SOARES, Joel Bello. Alagoas e seus músicos. Brasília: thesaurus, 1999. Musifal 41