Breves Notas Introdutórias sobre a Psicologia Social no Brasil Marcus Vinicius Câmara Psicoterapeuta Reichiano, Doutor em Psicologia Social e da Personalidade (UFRJ), Professor e Pesquisador do CEUCEL 2 Resumo Este artigo situa, historicamente, o início tanto da Psicologia Social tradicional quanto da Psicologia Social crítica. A seguir, menciona os parâmetros fundamentais destas duas correntes da Psicologia Social, bem como, seus respectivos conceitos, métodos e objetos. Além disso, faz referência a alguns dos principais autores e obras brasileiros destas vertentes em Psicologia Social. Finalmente, através de uma leitura crítica, aponta possíveis caminhos transformadores do socius, a serem construídos no dia-a-dia pelos psicólogos sociais. Palavras-chave: Introdução – Vertentes teóricas – História – Transformação social Abstract This article describes, historically, the beginning of traditional social psychology and critical social psychology. It later points at the fundamental parameters of these two streams of social psychology, as well as their concepts, methods and objects. Furthermore, it refers to some of the main brazilian authors and works on these two social psychology currents. Finally, through a critical analysis, it considers possible ways – which social psychologists can build day by day – to transform the socius. Keywords: Introduction – Theoretical streams – History – Social transformation 3 No final do século XIX, iniciam-se os primeiros estudos sobre fenômenos psicossociais – Le Bon, G. (1895) sobre “movimentos de massa” e Triplett, N. (1897) a respeito de “desempenho grupal e em condições de isolamento” – segundo Rodrigues, A.; Assmar, E. e Jablonski, B. (2000). Para Lane, S. (1985a), após a Primeira Guerra Mundial, em função da necessidade de reconstrução das sociedades, para que se pudesse produzir mais, surgiram estudos sobre liderança, preconceito, atitudes, comunicação, relações pessoais etc. De acordo com Lane (1985b), do início dos anos 50 até o final dos anos 60, a Psicologia Social tradicional ou clássica – sob uma perspectiva congnitiva-comportamental praticada, principalmente, nos EUA – chegava ao seu ápice e as temáticas estudadas continuavam sendo as mesmas. A principal obra deste período é o Handbook of Social Psychology de Lindzey, G. e Aronson, E., que em 1968, foi reeditada com cinco volumes. Esta pretendia seguir o paradigma tradicional da ciência: um saber “puro e desinteressado” politicamente. A Psicologia Social clássica tentou compreender a relação indivíduo-sociedade, através da descrição dos comportamentos sociais como fatos dados, ou seja, não-históricos. A partir daí procurou entender o comportamento do indivíduo na sociedade, fundamentalmente, através de causas internas no indivíduo. Desse modo, uma forte crítica feita à Psicologia Social norte-americana é a de que, apesar de reconhecer a mútua influência entre indivíduo e sociedade, acaba por construir uma separação entre estes dois fenômenos, ao buscar as determinações de comportamento do indivíduo “dentro” dele. O objeto da Psicologia Social tradicional é a interação humana, que não é vista como processo histórico por esta abordagem. Dessa maneira, este objeto reflete uma noção estreita do social, sem levar em conta o conjunto das produções humanas que constroem a realidade social. Os métodos utilizados pela Psicologia Social clássica são aqueles que tentam apreender objetivamente a realidade, e, entre eles, um dos mais utilizados é a pesquisa experimental. No Brasil, em 1974, foi publicado o livro Psicologia Social de Aroldo Rodrigues, que segue esta vertente da Psicologia Social clássica. Mais recentemente, em 2000, o livro foi 4 editado pela 18a vez e ganhou a contribuição de mais dois autores: Bernardo Jablonski e Eveline Assmar. Este livro adota algumas referências teóricas comportamentais e, na sua maioria, cognitivistas. Uma boa introdução à Psicologia Social com perspectiva cognitivista, mas sem o ranço meramente adesista às teorias norte-americanas, é o livro Introdução à Psicologia Social de Helmuth Krüger, de 1986. No final dos anos 60, os estudos da Psicologia Social, desenvolvida basicamente nos EUA, não respondem mais aos graves problemas sociais de violência, injustiça social, preconceito, individualismo, miséria etc. que acompanham a realidade de outros países. Assim, cai por terra a vontade dos psicólogos sociais norte-americanos de globalizar, através de leis universais, o conhecimento produzido nos EUA e, então, emerge a crise da Psicologia Social. De acordo com Lane, S. (1985b) é na França e na Inglaterra que se iniciam, ao final da década de 60, críticas fortes à Psicologia Social tradicional, denunciando o seu caráter ideológico e, portanto, mantenedor de relações sociais injustas. A crise da Psicologia Social é denunciada no Congresso de Psicologia Interamericana, realizado em Miami, 1976. No Congresso de 1979, no Peru, além da assinalação da crise, discute-se a possibilidade de uma Psicologia Social voltada para as condições próprias de cada país latino-americano. Ainda neste Encontro, foi requerida a necessidade de intercâmbios entre os psicólogos sociais de cada país. Ainda segundo Lane (1985a), após este Congresso, um grupo de psicólogos sociais brasileiros resolveu criar a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO). Uma nova Psicologia Social passou a ter compromisso com grupos e organizações populares. Desse modo, psicólogos sociais brasileiros começaram a produzir conhecimento científico com raízes na realidade brasileira e assim paravam de “importar” teorias que não se coadunavam com a realidade social deste país, estabelecendo uma nova visão de Psicologia Social, sob uma perspectiva sócio-histórica. 5 A Psicologia Social crítica, que então iniciava sua construção, não busca mais leis universais como a Psicologia Social tradicional, mas conhecimentos particulares – produto da mediação indivíduo e sociedade – que, entretanto, se estruturam em categorias universais, tais como: atividade, representação social, consciência social, identidade social e outras. Em 1984, Silvia Lane e Wanderley Codo organizaram o livro Psicologia Social – O Homem em Movimento que deu forte impulso na sistematização da abordagem sócio-histórica e que se propôs a estudar categorias como as referidas anteriormente. Na década de 80 cresceu o trabalho dos psicólogos sociais brasileiros em comunidades (Lane, S., 1998). Assim, cabe à Psicologia Social crítica recuperar o indivíduo na interseção de sua história com a história de sua sociedade. O seu objeto de estudo são as relações sociais. Utiliza-se de vários métodos, sobretudo da pesquisa participante. Em 1995, Silvia Lane e Bader Sawaia lançam o escrito Novas Veredas da Psicologia Social, enfatizando a categoria afetividade, não tratada no livro, mencionado anteriormente, organizado Lane e Codo (1985). Quando se toma uma postura crítica em Psicologia Social, verifica-se que há uma impossibilidade em delimitar os conhecimentos em áreas estanques que compõem as ciências humanas e sociais. Psicologia, Sociologia, Antropologia, Economia, História etc., contribuem, sobremaneira, para a compreensão concreta do ser humano, pois suas fronteiras são permeáveis, como pode ser constatado na obra Psicologia Social Contemporânea de Marlene Neves Strey e outros, de 1998. Portanto, é necessária a construção de uma interzona de conhecimento que contemple saberes que – a despeito de terem fundamentos diferentes, como em algumas correntes da análise institucional, na abordagem materialista histórico-dialética, em determinadas Escolas de Psicanálise e, em muitos outros – possam ser articulados em um arcabouço teórico crítico. Este é um dos desafios e, ao mesmo tempo, um dos possíveis disparadores de novas digressões teóricas e práxis, propostas por autores do livro Psicologia Social – Abordagens sócio-históricas e Desafios Contemporâneos, organizado por Ana Maria Jacó-Vilela e Deise Macebo (1999). 6 Como se pode perceber, estas duas correntes da Psicologia Social, a tradicional e a crítica, constituem, com suas especificidades, a curta história desta disciplina no Brasil. Os sentidos e os desdobramentos de ambas são, entretanto, bastante diversos, e, neste caso, pensar sobre seus paradigmas é um exercício não somente técnico, e sim, político, como também é toda e qualquer ciência. Finalmente, a aposta é a de que o psicólogo social seja agente de sua história, e que os indivíduos e os grupos possam passar da condição de sujeitados a sujeitos transformadores do socius. Assim, em nossa opinião, não existe ciência social neutra. Contribuir para relações sociais democráticas é menos um ideal a ser atingido e mais uma resultante da luta vital cotidiana que, como bom combate, nos faz tentar alcançar a potência de vivermos de forma justa e solidária. 7 Bibliografia JACÓ-VILELA, Ana Maria e MANCEBO, Deise (Orgs.). Psicologia Social: abordagens sócio-históricas e desafios contemporâneos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. KRÜGER, Helmuth. Introdução à Psicologia Social. São Paulo: EPU, 1986. LANE, Silvia e SAWAIA, Bader (Orgs.) Novas Veredas da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense-EDUC, 1995. LANE, Silvia. “A Psicologia Social e uma nova concepção do homem para a Psicologia”. In: LANE, Silvia e CODO, Wanderley (Orgs.). Psicologia Social: Homem em Movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985b. LANE, Silvia. “Histórico e Fundamentos da Psicologia Comunitária no Brasil”. In: CAMPOS, Regina H. de F. (Org.). Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes, 1998. LANE, Silvia. O que é Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 1985a. LINDZEY, Gardner e ARONSON, Elliot. Handbook of Social Psychology. Cambridge: Addison-Wesley, vols. 1, 2, 3, 4, 5, 1968. RODRIGUES, Aroldo; ASSMAR, Eveline e JABLONSKI, Bernardo. Psicologia Social. Petrópolis: Vozes, 2000. STREY, Marlene et al. Psicologia Social Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1998.