Apostila Sétimo Ano – Terceira Cerfiticação - 2015

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Colégio Pedro II
Campus São Cristóvão II
Departamento de Sociologia/Equipe de Ciências Sociais
Apostila Sétimo Ano – Terceira Cerfiticação - 2015
Elaboração: Professores Alline Torres, Marília Silva, Paulo Victor Aniceto, Raquel Silveira e Tatiana
Bukowitz
Coordenação: Professora Marília Silva
Estudante: _____________________________________________________________________
Número: ___________
Turma: ________________
Nesta certificação estudaremos:
1. Estereótipo, preconceito e discriminação.
1.1 Expressões Políticas da Discriminação.
1.1.1 A escravização dos africanos no Brasil..
1.1.2 O Anti-semitismo.
1.1.3 O apartheid.
2. Raça, racismo e miscigenação.
2.1 A definição de raça.
2.2 A utilização do termo raça.
2.3 O racismo científico.
2.4 O que é o racismo. Racismo: uma história invisível.
2.5 Interpretações sobre a miscigenação.
2.6 Raça como identidade política.
2.7 Raças existem?
1. ESTEREÓTIPO, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO.
Estivemos estudando que os seres humanos encontraram formas muito diferentes de lidar com o
meio ambiente em que viviam, de lidar uns com os outros e de lidar consigo mesmos. As sociedades
humanas criaram modos diferentes de explicar “qual o sentido da vida”, acreditavam em deuses e em
forças místicas variadas, possuíam religiões distintas. Para poderem sobreviver, os grupos humanos
organizaram-se coletivamente de maneiras muito variadas, encontrando soluções criativas para
enfrentar as adversidades e as oportunidades que a natureza oferecia. Como vimos, a essas formas
peculiares de lidar com uns com os outros e com o seu ambiente físico damos o nome de cultura.
Além dos costumes, hábitos e sua forma peculiar de ver o mundo, os grupos humanos também
podem ser diferenciados pela aparência física de muitos de seus integrantes. Quando observamos
grupos humanos diferentes, talvez possamos perceber que seu fenótipo (a aparência física, o biótipo)
pode variar, havendo grupos humanos com fenótipos bem diferentes uns dos outros. Essa grande
diversidade humana é uma riqueza, algo a ser apreciado e valorizado.
A diversidade cultural e étnica comprova que somos seres extremamente criativos, capazes de
superar desafios e de aperfeiçoar nossos modos de vida. Entretanto, a diversidade fenotípica e cultural
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existente entre os diferentes grupos humanos não foi vista, em geral, de modo positivo, nem como algo
a ser respeitado e valorizado.
Quando observamos superficialmente os grupos diferentes de nós, criamos uma imagem
superficial deles: estas imagens superficiais são chamadas de estereótipos. O estereótipo é uma
generalização apressada, é uma forma de tornar universal (ou seja, válida para todo um grupo) uma
característica particular. Os estereótipos são “imagens” criadas por um grupo, atribuindo
comportamentos e “essências” a um grupo social.
Estamos estereotipando grupos sociais quando dizemos: “todo judeu é pão duro!”; “todo índio é
preguiçoso”, “todo negro se faz de vítima”, “as mulheres não sabem dirigir”, “homens não sabem
cozinhar”, “os alemães são muito sérios”, “os japoneses são inteligentes” etc. Estamos atribuindo
comportamentos às pessoas como se eles fizessem parte da “essência”, da natureza delas. Os
estereótipos anulam não apenas as diferenças entre os indivíduos, mas também impossibilitam o
conhecimento das ricas e diversas experiências culturais.
A palavra estereótipo, no grego, quer dizer “impressão sólida”. Para as Ciências Sociais o “estereótipo” identifica
uma forma de produzir essências de comportamento, imagens deturpadas sobre certos grupos sociais. Nesta charge, o
autor observa os estereótipos produzidos sobre os brasileiros (supostamente aos olhos dos internacionais, mas nós
também compartilhamos estes estereótipos sobre nós mesmos): o brasileiro que só come feijoada, gosta de futebol,
vive em favelas e usa cocar!
Fonte da Imagem: http://profgiedrer.blogspot.com.br/2014/01/estereotipos-com-uma-charge-para.html
Os estereótipos são usados para qualificar, superficial e genericamente, grupos étnicos, raciais,
religiosos e até grupo de pessoas de mesmo sexo ou profissão. Essas imagens simplificadas e
caricaturais são assimiladas pelas pessoas como uma imagem verdadeira da realidade, embora, na
verdade, sejam apenas resultado de generalizações. Em algumas situações basta uma única experiência
negativa vivenciada com um indivíduo de determinado grupo para que alguém generalize a imagem
construída, e crie um estereótipo. Outras vezes nós assimilamos ideias preexistentes a respeito de certos
grupos de pessoas, mesmo sem termos contato direto com qualquer um de seus integrantes. Desde o
início de nossas vidas, através do processo de socialização, entramos em contato com muitos
estereótipos, e os usamos, inclusive, para construir nossa identidade e para definir nosso
comportamento.
2
Na figura ao lado, lemos:
“eu sou asiática, então tenho que ser esperta”;
“eu sou scene, então estou querendo chamar atenção”;
“eu sou loira, então devo ser burra”;
“eu sou negro, então devo ser do gueto (ter certo estilo –
como os funkeiros no Brasil)”;
“eu pareço emo, então devo me cortar”;
“eu sou uma pessoa, então serei julgada”.
Estamos todo o tempo produzindo estereótipos sobre os
mais
variados
grupos
sociais,
atribuindo-lhes
comportamentos e formas de pensar.
Fonte da Imagem:
http://masnaofoiassim.blogspot.com.br/2012_05_01_archi
ve.html
Os estereótipos são produzidos e produzem preconceitos. Preconceito é um juízo, um
julgamento pré-estabelecido, baseado em crenças, juízos de valor, opiniões que formamos sem
conhecer devidamente a realidade sobre a qual nos manifestamos. Portanto, pré-conceito significa
“conceito prévio”, formulado sem o cuidado de permitir que os fatos sejam investigados.
O preconceito é uma manifestação irracional, que nos envolve emocionalmente, impedindo que
possamos examinar a complexidade dos fatos de forma objetiva. Em geral, as diferentes modalidades
de preconceito geram suspeitas, desprezo, intolerância e aversão a outras etnias, religiões,
nacionalidades e culturas.
Temos preconceitos envolvendo vários grupos: mulheres / homens /gays (preconceito de
gênero), jovens ou idosos (preconceito etário), pobres /ricos (preconceito de classe), estrangeiros ou
migrantes (preconceito de origem), negros /amarelos / brancos (racismo), dentre outros. Alguns
pesquisadores já observam que certos grupos, por serem vítimas de preconceito, enfrentam maiores
dificuldades de acessar o espaço público e de ascenderem socialmente. Isso confirma que as ideias
preconceituosas que temos possuem desdobramentos concretos na realidade.
O preconceito tem muitas consequências sociais, e uma delas é a discriminação. A
discriminação acontece quando colocamos em prática os nossos pensamentos preconceituosos.
A discriminação é uma consequência prática, uma forma de tratamento diferenciado baseado
em preconceitos. Em outras palavras, a discriminação diz respeito a toda distinção, exclusão ou
restrição baseada no gênero, na cor da pele, na origem nacional ou étnica, na orientação sexual, na
condição social, na religião, na idade, na necessidade de tratamento específico etc., que tenha por
objeto ou por resultado anular ou depreciar o reconhecimento ou o exercício das condições de
igualdade e de acesso aos direitos humanos e às liberdades fundamentais nas esferas pública, privada,
política, econômica, cultural ou civil.
A Constituição Federal do Brasil de 1988 determinou que atos de discriminação e preconceito
são crimes. No seu artigo 5º, ela propõe que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.
Complementarmente, a Lei n.º 7.716 define que “os crimes resultantes de discriminação e de
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional serão punidos nas formas legalmente
previstas”.
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1.1 Expressões políticas da discriminação:
1.1.1 A escravização de africanos no Brasil.
Durante os séculos XV ao XIX, os africanos foram escravizados no Brasil. Eles não eram considerados
cidadãos: não tinham direito algum (nem direito à vida, a qual podia ser tirada, caso o senhor quisesse).
A jornada de trabalho dos negros durava de 15 a 18 horas, suas vestimentas eram precárias, a
alimentação deficiente, as condições de higiene eram péssimas – por isso também a taxa de mortalidade
era altíssima. A discriminação da época da escravidão tem consequências práticas até os dias de hoje:
em nosso país, ainda são os negros os que vivem em piores condições, os que morrem mais cedo e têm
os piores empregos e salários.
1.1.2 O anti-semitismo.
O anti-semitismo é o preconceito contra judeus. No início do
século XX, os judeus foram considerados uma “raça inferior”,
com “imoralidade” e “perversões sexuais” genéticas. Com base
nestas ideias preconceituosas, alguns países europeus como
Alemanha, Itália e França, começaram a perseguir e roubar as
coisas dos judeus, impedindo que eles exercessem qualquer cargo
público e depois os aprisionando em campos de trabalho forçado
(viraram escravos) e exterminando.
A figura ao lado é uma propaganda nazista, uma das responsáveis pela
divulgação do preconceito e do ódio contra os judeus. Nela lemos: “As guerras
são culpa dele!”, apontando para um judeu que leva uma estrela de Davi no
peito.
Fonte
da
Imagem:
http://innsoma.blogspot.com.br/2009/03/praga-dapropaganda-nazista.html
1.1.3 O apartheid.
O apartheid foi uma política de discriminação promovida pelos governantes brancos da África
do Sul, a qual começou em 1948 e só terminou em 1990. No apartheid, o governo sul africano
determinou que os negros não poderiam votar, nem comprar terras, nem casar com pessoas brancas (se
casassem seriam presos), nem fazer protestos ou greves, nem responder aos brancos, nem passar na
frente dos brancos nas calçadas (deixando que os brancos passassem sempre na sua frente nas filas ou
em qualquer situação) e deveriam residir em locais isolados (locais estes que eram muito pobres,
chamados bantustões). Os negros deveriam usar serviços e espaços próprios para eles (havia hospitais,
ônibus, trens, praias, bibliotecas, todos péssimos e mal cuidados, frequentados apenas por negros). No
apartheid, até as penas para crimes eram diferenciadas: se um negro estuprasse uma branca, recebia
pena de morte, se um branco estuprasse uma negra, recebia no máximo uma multa leve. O apartheid foi
um dos atos discriminatórios mais cruéis verificados no século XX e era baseado em preconceitos e no
racismo.
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Embora possamos perceber que há preconceitos fazendo parte de nossas ideias, devemos
procurar analisá-los e combatê-los, criando em nós uma forma de entender o mundo de forma mais
respeitosa, valorizando a diversidade existente entre os seres humanos. Da mesma maneira que
devemos analisar nossos preconceitos, devemos também evitar que eles transformem-se em atitudes
discriminatórias.
Para contribuirmos para a criação de uma realidade social que respeite e valorize a diversidade
humana precisamos, portanto, cuidar de nossos pensamentos (evitando o preconceito) e estar atentos a
nossas atitudes, para que estas sempre respeitem e valorizem a riqueza da variedade étnica e cultural
humana.
Atividade
 Tempo de refletir sobre o assunto
O “Vídeo nas Aldeias”1 é um projeto que tem como objetivo apoiar as lutas dos povos indígenas para
fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais por meio da produção audiovisual. Em
alguns de seus trabalhos de pesquisa várias pessoas foram entrevistadas para um levantamento sobre as
impressões que os não-indígenas têm dos costumes dos povos indígenas. Determinados discursos são
semelhantes à sentença descrita abaixo. Vamos analisa-la e responder as questões propostas?
“Se usar roupa não é mais índio, é branco! Se tem rádio, televisão e celular é um índio falso. Se tem
cara de índio, mas fala português, perdeu a cultura!” 2
a) Podemos dizer que as afirmações acima têm como referência um estereótipo dos povos indígenas? Por
que?
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b) A ideia presente no senso comum de que a cultura indígena é uma cultura primitiva tem fundamento
quando a analisamos com base nas Ciências Sociais? Justifique sua resposta.
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c) De que maneira os estereótipos existentes em torno de determinados grupos podem reforçar ações
discriminatórias?
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1
Para conhecer o projeto: http://www.videonasaldeias.org.br/2009/vna.php?p=1
SALES, Andréia de Lima Ribeiro e SALES, Marcelo da Cunha. Contribuição para a desconstrução de estereótipos.
Disponível em: http://www.ufrrj.br/graduacao/prodocencia/publicacoes/pesquisa-pratica-educacional/artigos/artigo7.pdf
2
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2. RAÇA, RACISMO E MISCIGENAÇÃO.
Nos dias de hoje, pouco perguntamos sobre a origem do termo raça e porque dividimos a
sociedade desta forma. A partir de agora buscaremos entender os motivos pelos quais fomos
levados a crer na existência das diferentes raças.
2.1 A definição de RAÇA
A ideia de que existem várias raças é muito forte entre nós. Entretanto, a própria palavra raça
possui vários significados diferentes, o que acaba gerando confusão e alimentando preconceitos e
estereótipos. Se recorrermos ao dicionário, por exemplo, encontraremos as seguintes definições:
1.Conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele, a conformação do crânio e
do rosto, o tipo de cabelo, etc., são semelhantes e se transmitem por hereditariedade, embora variem de
indivíduo para indivíduo. 2. Restr. Antrop. Cada uma das grandes subdivisões da espécie humana, e que
supostamente constitui uma unidade relativamente separada e distinta, com características biológicas e
organização genética próprias. [Diversos autores, seguindo critérios distintos de classificação, propuseram
diferentes classificações da humanidade em termos raciais. A mais básica e difundida é a das três grandes
subdivisões: caucasóide (raça branca), negróide (raça negra) e mongolóide (raça amarela). [Como
conceito antropológico, sofreu numerosas e fortes críticas, pois a diversidade genética da humanidade
parece apresentar-se num contínuo, e não como uma distribuição em grupos isoláveis, e as explicações
que recorrem à noção de raça não respondem satisfatoriamente às questões colocadas pelas variações
culturais]. 3. O conjunto dos ascendentes e descendentes de uma família, uma tribo ou um povo, que se
origina de um tronco comum. 4. Ascendência, origem, estirpe, casta. 5. Descendência, progênie, geração.
[...] (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1999)
Do ponto de vista científico, o termo raça possui dois significados:
 O primeiro, de cunho biológico, designa um grupo de indivíduos que têm uma parte importante de
seus genes em comum, e que podem ser diferenciados dos membros de outros grupos a partir
desses genes. Entende-se raça, pois, como uma população que possui um estoque ou patrimônio
genético próprio.
 O segundo refere-se a seu uso antropológico que, durante muito tempo, designou um grupo
humano ao qual se atribui determinada origem e cujos membros possuem características físicas e
mentais comuns. Após reflexões, esta ideia incorpora características políticas ou culturais desse
grupo, decorrentes de sua história.
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Ao longo de nossa história estes dois conceitos científicos foram utilizados com o objetivo de
dominação de uns grupos sobre outros. Sendo assim, a ciência foi utilizada para justificar ações
racialistas que pretenderam dominar e explorar certos grupos culturais.
2.2 A utilização do termo RAÇA
No século XV, com a necessidade de expandir a economia europeia, os navegadores
desbravaram mares e depararam-se com povos e culturas distintas. Se, por meio de debates, se
determinasse que os novos povos conhecidos – povos “negros” e “indígenas” – não eram
descendentes de Adão – como explicava a Igreja – eles seriam considerados semelhantes aos
animais e deveriam ser domesticados.
No debate religioso do período, comprovou-se que aqueles povos também descendiam de
Adão, então, também eram seres humanos. No entanto, faltava-lhes sair da condição primitiva e
pecaminosa para que aperfeiçoassem sua condição na terra. A conversão dos negros e índios ao
cristianismo serviu de dominação territorial e cultural dessa gente.
Já no século XVIII, alguns filósofos propunham interpretar esta relação com índios e negros de
forma “racional”, ou seja, “científica”. Para analisar os povos indígenas e africanos, os filósofos
passam a usar o conceito de “raça”, utilizado pelas ciências da natureza, o qual significa
“categoria”, “espécie”. Categorizar os indivíduos não parecia tão ruim, pois se relacionava à
necessidade de estudar o homem e dividi-los em grupos para seu melhor entendimento. Contudo,
tal divisão hierarquizou as pessoas e, deste modo, justificou e
legitimou a dominação.
O viajante francês François Bernier foi um dos cientistas que
adotou critérios como cor da pele e outras características corporais
para dividir o gênero humano em quatro ou cinco espécies, ou “raças
humanas”. Sua classificação, proposta num artigo publicado no
Journal des Savants (Jornal dos Eruditos), em 1684, não se baseava
unicamente em dados geográficos ou traços culturais. Bernier não
hesitava em usar termos depreciativos: segundo ele, os asiáticos
tinham “olhinhos de porco”, os negros, em vez de cabelos, tinham
“uma espécie de lã parecida com o pelo das nossas lontras”, e os
lapões eram “feios como animais”. Evidentemente, os europeus eram
poupados dessas comparações nada lisonjeiras.
François Bernier. Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre
-Fran%C3%A7ois_Bernier
a. Existe etnocentrismo nas classificações de Bernier? Por quê?
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b. A ciência do período citado anteriormente se demonstrou preocupada em estabelecer um olhar
relativista (lembre-se do relativismo cultural)? Por quê?
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2.3 O racismo científico
Há cerca de 150 anos, o Dr. Samuel George Morton era um dos mais
renomados cientistas norte-americanos. Quando ele morreu, em 1851,
um jornal de Nova York escreveu que “provavelmente nenhum outro
homem de ciência na América desfrutou de maior reputação entre os
acadêmicos do mundo inteiro do que o Dr. Morton”.
Entre outras coisas, Morton colecionou e mensurou, mediu, crânios
humanos vindos de diversos lugares e épocas, pertencentes a membros
de diferentes “raças”. Ele acreditava que quanto maior o cérebro, mais
inteligente era o indivíduo. Em uma de suas experiências, encheu os
crânios de pequenas esferas metálicas que depois transferiu para um
cilindro a fim de medir a quantidade de esferas de cada um deles. Ele
achava que esse procedimento possibilitaria tirar conclusões sobre o
tamanho médio do cérebro das diferentes raças.
Conforme imaginava, Morton chegou à conclusão de que as
raças que se encontravam no topo da hierarquia social tinham os
maiores cérebros, enquanto as que se encontravam na base tinham os
Samuel Morton. Fonte:
menores. Seu argumento foi o de que os maiores cérebros pertenciam https://en.wikipedia.org/wiki/P
eto_baronets
aos membros de indivíduos brancos de origem europeia. Depois
vinham os asiáticos, os índios do continente americano e, por fim, os
negros.
Muitos erros foram cometidos nas pesquisas de Morton. Em primeiro lugar ele afirmou ser capaz
de distinguir os crânios dos indivíduos brancos e negros com base no formato. No entanto, mesmo hoje
em dia, os arqueólogos não conseguem determinar a raça com base no formato do crânio.
Outro problema refere-se à quantidade de amostras que utilizou para tal pesquisa, que se resumia a
72 crânios. Não se pode fazer generalizações como as que ele pretendia com base em um número de
casos tão pequenos.
Finalmente, 71% dos crânios que Morton identificou como supostamente pertencentes a
indivíduos negros eram de mulheres, comparados com apenas 48% de crânios femininos de indivíduos
“caucasianos”. Ele não considerou que as mulheres são, em média, menores do que os homens. Para
tornar a comparação válida, ele deveria ter se assegurado de que a composição por sexo dos crânios de
brancos e de negros era idêntica.
Assim como Morton, diversos pensadores do século XIX, dentre eles o médico italiano Cesare
Lombroso e o conde francês Arthur de Gobineau, tentaram estabelecer correlações bastante rígidas entre
biologia, aptidões intelectuais e inclinações morais.
Lombroso, conhecido como o pai da antropologia criminal, interessou-se pelo fenômeno da
delinquência ao observar as frases obscenas tatuadas nos corpos dos soldados da Calábria, no sul da Itália.
Estudos de antropologia criminal eram feitos
dentro das cadeias, aonde se mediam os crânios,
os narizes, os lábios, as orelhas dos criminosos...
Fonte da Imagem: http://cortafitas.blogs.sapo.pt/tag/centen%C3%A1rio+da+r
ep%C3%BAblica
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Cesare Lombroso acreditava que essas tatuagens permitiam distinguir o soldado desonesto do
honesto. A criminalidade era percebida como um fenômeno físico e hereditário, objetivamente
perceptível nas diferentes sociedades e passível de classificação.
Já Gobineau, no livro “Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas”, de 1853, tenta
estabelecer uma hierarquia das raças tomando por base capacidades intelectuais, físicas e até de
beleza, em ordem descendente: no topo da hierarquia, estaria a raça branca, seguida pela amarela e
depois pela negra. Segundo Gobineau, “as grandes civilizações da humanidade somam não mais
que dez e todas elas foram produzidas sob a iniciativa da raça branca”. Isso o levou a concluir que
a raça branca ou ariana, originária da Ásia Central, era a única que possuía as virtudes necessárias
para o desenvolvimento da civilização. Estas virtudes incluiriam a honra, o amor pela liberdade
etc., mas só poderiam ser perpetuadas caso a raça permanecesse pura.
Todas essas ideias tiveram implicações sociológicas profundas: elas possibilitaram a
justificação das desigualdades sociais em termos de supostas raízes naturais e biológicas.
Escravidão, colonização, programas de imigração que restringiam ou excluíam determinados
grupos raciais e étnicos, programas médicos de “purificação racial” e até mesmo o genocídio
acabaram por ser justificados a partir destas ideias.
2.4 RACISMO – Uma história invisível
Após conhecermos o conceito de raça e os eventos marcados pela lógica do racismo científico,
podemos sintetizar o conceito de racismo como uma teoria que sustenta a superioridade de certas
raças em relação a outras, preconizando ou não a segregação racial ou até mesmo a extinção de
determinados grupos. Hoje, de uma maneira geral, observamos que o racismo se manifesta ainda de
forma aberta ou em formas sutilmente elaboradas. Segundo Muniz Sodré (2004), “a palavra racismo é
fruto do século XIX, consequência de um conceito de cultura fundado na visão indiferenciada do
humano”.
Desta forma, podemos analisar o racismo enquanto um conceito universalizante de ser humano,
observado a partir de um centro europeu, ou seja, de um padrão estabelecido por um grupo que exerce
dominação sobre os demais grupos, evidenciando relações de poder por detrás das categorizações
desenvolvidas, e gerando também consequências políticas que irão variar da produção de ódio entre
grupos e indivíduos, até o extermínio dos mesmos, num determinado contexto social.
O racismo em nosso país, assim como em outros lugares no mundo, é acompanhado de uma série
de ideias preconcebidas sem a menor base de apoio aos fatos históricos, razões coerentes e ética
humana.
Em relação às razões coerentes, podemos citar a pesquisa do Projeto Genoma Humano, que
afirma que, biologicamente, não existem diferenças raciais entre os humanos, pois a sequência dos
seus genes permitiu que tivéssemos acesso a dados mais precisos sobre os seres humanos. Foi
constatado, por exemplo, que a diferença de uma pessoa para a outra é de pouco mais de 0,01%. Isso
significa que todos são 99,99% idênticos do ponto de vista biológico. Portanto, não se justifica mais
nenhum argumento dizendo que existem homens inferiores ou superiores devido à cor da pele,
formato do nariz, tipo de cabelo ou tipo físico.
É apenas do ponto de vista social e histórico que existem diferenças entre negros, brancos e
indígenas, os quais são tratados, por aqueles que se consideram superiores, de forma desigual.
Vejamos alguns exemplos na História do Brasil no que diz respeito à história dos negros brasileiros.
Desde pequenos aprendemos algumas coisas sobre aqueles que não são brancos, como, por
exemplo: “o negro foi escravo”, “na África só tem pobreza e miséria”, “a princesa Isabel libertou os
escravos”, “dia 13 de maio é dia dos escravos”, e por aí vai...
Quando crescemos com estas ideias, muitas delas aprendidas na escola, reforçamos mais ainda
o preconceito através de outros termos e frases como: “moça escurinha, mas educada”, “moço pretinho,
mas nem parece”, “preta feia”, “preto horroroso”, “fome negra”, “lista negra”, “moreninho, mas
honesto”, “preto de alma branca”, “só podia ser preto”, “samba do crioulo doido”, “ovelha negra da
família”, “cabelo ruim”, e muito mais...
Ora! Tudo isso é construído pela maioria daqueles que têm introjetadas na mente uma falsa
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realidade e uma falsa compreensão ou ignorância da História do Brasil e dos africanos. Vamos ver por
quê?
Por exemplo, uma das coisas que a maioria das pessoas no Brasil pensa é que o continente
africano é um país, outra é que a História da África começa com a chegada dos europeus para
capturarem escravos. Além disso, a imagem que se tem é de uma África de homens primitivos, que só
sabem andar nus e, quando encontram um homem branco, o colocam no caldeirão para come-lo, já
que são “todos uns animais”.
Ao contrário do que se pensa, a África tem muitas histórias. Em primeiro lugar, foi neste
continente que surgiu a humanidade. O Homo sapiens, com todas as suas capacidades técnicas e
culturais, tinha a pele negra. Somente milhares de anos depois é que surgiram os Homo sapiens
brancos ou de pele mais clara, na Ásia, na Europa e nas Américas.
Foi no continente africano que se desenvolveram as primeiras técnicas de metalurgia, de
fundição de metais, escrita, cálculos matemáticos, engenharia e comércio internacional. Outra questão,
que é silenciada na História ensinada, é que a grande civilização egípcia, das pirâmides, dos faraós, era
uma civilização negro-africana. Aliás, a maioria dos faraós era negra.
Nefetiti, rainha do Egito, que junto com seu marido Akhenaton, transformou a religião egípcia de poli para
monoteísta. Fonte da Imagem:
http://regalitagioielli.blogspot.com.br/2012/04/mulheres-que-mudaram-o-mundo-nefertiti.html
Na África, antes da chegada dos europeus, existiam (e ainda existem) grandes construções
arquitetônicas, navegações em alto mar, comércio internacional e trocas de mercadorias com a antiga
China, o antigo Japão e a antiga Índia. Ou seja, são histórias que comprovam que o racismo construído
pelos brancos europeus também tinha como objetivo apagar a história de uma parte da humanidade.
Pois, apagando essa história, fica mais fácil demonstrar que os brancos sempre foram superiores. Esta
é uma das características do racismo, ou seja, apagar histórias, negar ao outro uma identidade e uma
raiz cultural e social milenar.
Agora pense: imagine uma criança negra aprendendo que seus ancestrais foram grandes
arquitetos, engenheiros, ferreiros, navegadores, comerciantes habilidosos etc. Será que essa criança
negra teria vergonha de ser diferente do branco? Geralmente ocorre o contrário, as crianças sentem
vergonha de seus antepassados, assim como as indígenas. A imagem que se passa,
predominantemente, é aquela de que o negro sempre foi escravo, primitivo e com um ossinho na
cabeça, pronto para cozinhar um branco no caldeirão, como nas historinhas do “Tarzan das selvas”.
Enfim, contar outra história pode ser muito questionador, pois pode desmascarar o
“eurocentrismo” e colocar em evidência que, entre as maiores atrocidades humanas, além dos
assassinatos de judeus por parte dos nazistas alemães ou das vítimas japonesas inocentes de Hiroshima
e Nagasaki, soma-se o tráfico de africanos escravizados que exterminou uma grande quantidade de
seres humanos.
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Depois de todo o debate em aula, pesquise e procure refletir sobre as questões que seguem:
1) O racismo científico se constituiu enquanto uma teoria e uma prática desenvolvidas há mais de
150 anos atrás. Apesar de suas premissas já terem sido superadas cientificamente, você acha que os
seus argumentos perduram até os dias atuais? Por que?
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2) Sob a ideia de humanidade, vimos que se esconde um padrão único, ou seja, um modelo único
sobre como as pessoas devem ser ou devem agir, em todo o mundo. Esse padrão foi estabelecido
por quem, ao longo da história? Por que você isso aconteceu?
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3) Ao longo da nossa formação escolar, temos aulas de história universal e história do Brasil. Faça
uma análise crítica da história que costumamos a aprender, com base na leitura do texto anterior.
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2.5 MISCIGENAÇÃO - Tudo junto e misturado?
Qual é a cor da pele dos brasileiros? Muitos afirmam que somos morenos ou de todas as
cores, e que a grande marca do brasileiro é a miscigenação, ou seja, a mistura das “raças”. Para
muitos, isso comprova que não existe racismo no Brasil e sim uma profunda desigualdade social.
Estudiosos brasileiros afirmam que, no final do século XIX e início do século XX, as elites
políticas brasileiras estavam preocupadas em “embranquecer” o país. E muitas teorias surgiram
para ratificar a ideia de que negros e índios são inferiores e que o Brasil só iria se desenvolver se
“branqueássemos a Nação”.
Segundo o pensador norte-americano Thomas Skidmore e o antropólogo e professor da
USP Kabengele Munanga, no início do século XX, havia um entusiasmo cultural brasileiro pelo
modelo de pensamento racial francês. Nesse modelo, o Brasil era visto como um país
impossibilitado de formar uma nação por ser um produto da miscigenação, a qual era associada à
ideia de atraso.
A proposta das elites brasileiras para a solução de seu problema racial foi o
“branqueamento”. Essa saída defendia a tese de que a miscigenação produziria uma população
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mestiça sadia, que estava tornando-se, a cada geração, mais branca. Num esforço para acelerar o
branqueamento, surge a proposta de uma política imigratória direcionada principalmente para a
população de europeia. Ou seja, a entrada de imigrantes europeus foi incentivada pelo governo
brasileiro, como contraponto à grande maioria da população de origem africana, levada à força
para o país durante os séculos de tráfico que atravessou o Atlântico.
A partir da década de 30, com a publicação do livro Casa Grande e Senzala, de Gilberto
Freyre, ocorreu uma mudança no pensamento brasileiro. Freyre, em seu livro, construiu uma visão
do Brasil como um país quase “livre de preconceito racial”. Com isso, ao longo do século XX,
ganha força a teoria da mestiçagem, enaltecendo a ideia de “democracia racial brasileira”.
Segundo Kabengele Munanga, o discurso da mestiçagem e dos brancos, negros e indígenas
vivendo em harmonia, foi uma estratégia inteligente das elites para evitar tanto que as pessoas
acreditassem e contestassem o racismo quanto percebessem a dominação cultural explícita do
branco.
Esse fator crescente de “miscigenação imposta” - com os imigrantes chegando ao Brasil
para “embranquecer a população” que andava muito escura - exerceu muita influência no
pensamento brasileiro e no imaginário popular, de modo a acreditarmos que não existe racismo.
2.6 A RAÇA COMO IDENTIDADE POLÍTICA
Quem é negro no Brasil? É uma questão de identidade ou de denominação?
Kabengele Munanga – Parece simples definir quem é
negro no Brasil. Mas, num país que desenvolveu o desejo de
branqueamento, não é fácil apresentar uma definição de quem é
negro ou não. Há pessoas negras que introjetaram o ideal de
branqueamento e não se consideram como negras. Assim, a
questão da identidade do negro é um processo doloroso. Os
conceitos de negro e de branco têm um fundamento etnosemântico, político e ideológico, mas não um conteúdo
biológico.
Politicamente, os que atuam nos movimentos negros
organizados qualificam como negra qualquer pessoa que tenha
essa aparência. É uma qualificação política que se aproxima da
definição norte-americana.
Nos EUA não existe pardo, mulato ou mestiço e qualquer descendente de negro pode
simplesmente se apresentar como negro. Portanto, por mais que tenha uma aparência de branco, a
pessoa pode se declarar como negro.
No contexto atual, no Brasil a questão é problemática, porque, quando se colocam em foco
políticas de ações afirmativas – cotas, por exemplo –, o conceito de negro torna-se complexo. Entra
em jogo também o conceito de afrodescendente, forjado pelos próprios negros na busca da unidade
com os mestiços. Com os estudos da genética, por meio da biologia molecular, mostrando que
muitos brasileiros aparentemente brancos trazem marcadores genéticos africanos, cada um pode se
dizer um afrodescendente. Trata-se de uma decisão política. Se um garoto, aparentemente branco,
declara-se como negro e reivindicar seus direitos, num caso relacionado com as cotas, não há como
contestar. O único jeito é submeter essa pessoa a um teste de DNA. Porém, isso não é aconselhável,
porque, seguindo por tal caminho, todos os brasileiros deverão fazer testes. E o mesmo sucederia
com afrodescendentes que têm marcadores genéticos europeus, porque muitos de nossos mestiços
são eurodescendentes. (Fonte: http://umnegro.blogspot.com.br/2008/05/kabengele-munanga-difcil-tarefa-de.html)
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Refletindo sobre o texto e sobre o que estudamos, o que significa dizer que as raças são definidas de
acordo com identidades políticas?
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2.7 E então, as RAÇAS existem?
Em fins do século XX e início do XXI, a ciência expôs trabalhos no sentido de comprovar
a inexistência de raças entre os humanos, já que possuem a mesma estrutura genética. A
quantidade de melanina presente nos indivíduos não pode ser um fator definidor das raças e
hierarquizador da capacidade intelectual dos mesmos. Vivemos numa fase em que o poder público
reconhece a existência do racismo e promove políticas para fomentar a igualdade racial, como as
cotas em universidades públicas e a obrigatoriedade dos estudos de História e Cultura AfroBrasileira e Africana, bem como a História e Cultura do povo indígena, nas escolas de ensino
básico. E o que nós, da sociedade civil, podemos fazer diante da discriminação racial? Começar
pelo combate das formas mais “sutis” de racismo, como aqueles expressos em piadas,
brincadeiras, olhares, ou frases de duplo sentido, certamente contribui para o combate a esta
lógica.
Kabengele Munanga, estudioso das noções de raça e racismo, acredita que “A palavra
raça deve ser, aos poucos, abolida, haja vista a sua ineficiência científica. Existe, portanto, um
motivo para que tal conceito ainda permaneça recorrente. A acepção de raça apresentada
sempre como uma categoria biológica natural é, na realidade, uma categoria políticoideológica” (MUNANGA, 2010).
Como explicar que pessoas aparentemente de cor branca sejam consideradas negras em
alguns países e brancas em outros? Cada região constrói sobre as distintas cores de indivíduos um
conjunto de definições. Brancos no Brasil podem não ser considerados como tal nos Estados
Unidos. Os indianos do sul possuem pele escura, mas não são considerados negros em muitos
lugares. Como definir, diante deste contexto? Existe esta necessidade? Sim, se o objetivo for a
segregação dos grupos determinados como inferiores.
Transcrição/ Adaptação para fins didáticos dos seguintes livros:
- Oliveira, Luiz Fernandes de , Costa, César Rocha da Costa, Sociologia para Jovens do Século XXI- 2ª
ed. Reformulada e ampliada – Rio de
Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2010. 348 p.
- Brym, Robert [et al.], Sociologia: sua bússola para um novo mundo – São Paulo: Thomson Learning,
2006.
- Borges, Edson [et al.], Racismo, Preconceito e Intolerância – Editora Atual, São Paulo, 2002.
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