Uma doença chamada preconceito Eu gostaria de mudar um pouco o foco de hoje, só um pouco, se vocês me permitirem. Hoje não falaremos de política e sim sobre preconceito, um assunto tão importante e polêmico quanto. Talvez, no fim do texto, terá alguma relação com política, não sei ainda, escrevo direto no publicador do blog e não vou reler, as palavras fluirão direto para cá e depois é caminho sem volta. Me perdoem se eu cometer algum equívoco ou excesso, ok? Eu sou descendente de italianos, espanhóis, mineiros e baianos, descendentes estes de um senhor de terras europeu e uma escrava. Costumo brincar que herdei o melhor de cada raça, os olhos verdes e o cabelo preto liso da Itália, a estatura de gigante (1.90 de altura) da Espanha e a perseverança tupiniquim. Não me considero nem negro nem branco, sou tão misturado quanto um cão de rua e tenho orgulho disso. Os vira-latas são os mais fortes. Na escola meu apelido era "negão", embora eu não tenha a belíssima pele negra. Me chamavam assim simplesmente por ser o menino mais escuro da sala. Na época não via isso como um sinal de discriminação e ainda não vejo. Gosto de conservar a inocência do pensamento "não o faziam com maldade e sim com afeto". É claro que eu cansei de ouvir piadas sobre isso, racistas até, quem nunca ouviu? Tolerei as piadas até um ponto em que percebi que a tolerância, em alguns casos, incentiva o crime. Com uma briga, da qual não me orgulho, levei ao chão o piadista e todas as chacotas. Depois disso, nunca mais me importunaram. Pessoalmente, eu nunca entendi a lógica perversa do preconceito e existem tantos, sexual, religioso, racial, espiritual ou mesmo financeiro. Algumas pessoas se apegam tão firmemente na idéia de odiar o outro que isso torna-se uma parte delas, uma espécie de muleta psicológica, por assim dizer. São raros os exemplos de racistas ou homofóbicos lendários que voltaram atrás. Para mim tudo se baseia no conceito da alteridade: tudo o que é diferente deve ser temido e combatido. Besteira. Cientificamente, a única diferença um homem branco e um homem negro, ou asiático, ou índio é a concentração de melanina na pele. Isso deriva da exposição ao sol, brutal na África, insignificante na Dinamarca. Adaptação, modificação, sobrevivência. Não existe nenhum defeito nisso. Nenhum. Existem dois tipos de racismo: declarado, como nos Estados Unidos, ou disfarçado, como no Brasil. Lá, negros e brancos não se misturam e ponto final. Existe uma convivência pacífica, desde que cada qual fique em seu canto. Nos Estados Unidos, dinheiro é uma coisa, vida pessoal é outra. Lá, um negro ou um mexicano sobe na hierarquia até a presidência, se tiver a competência - só precisa trazer dinheiro, desde que mantenha-se "no seu lugar". Aqui, as relações domésticas são misturadas até certo ponto (namoro inter-racial torna-se uma constante somente agora), mas as empresas ainda preferem um executivo que tenha a mesma cor que o proprietário (um racismo de mão dupla). O nosso é o racismo disfarçado. Ninguém se diz racista, mas todos conhecem um. Eu não vou explicar aqui a origem do racismo brasileiro, não tenho essa pretensão. Sei o bastante e acho que poderia explicar um tanto, mas acho que o texto ficaria enfadonho. Se quiserem que eu o faça, por favor, peçam por comentários. Se tiver pedidos o bastante, o faço, prometo. Aliás, só como curiosidade, o preconceito está tão enraizado na nossa cultura que se faz presente nos nossos dicionários: mulato (deriva de mula, animal estéril, que não presta para reprodução, somente para carga e trabalhos físicos), denegrir (como se tornar-se negro fosse demérito) ou preterir (transformar alguém em preto, e, portanto, não ser a primeira escolha - aprendi com um professor de lingüística, mas a leitora Olegna me corrigiu: 'preterir' não da raiz de 'preto', mas da mesma de 'pretérito' (latim 'praetereo', i.e., passar, decorrer e, p.ext., exceder, levar vantagem, desprezar, omitir)). Isso só para ficar com alguns exemplos. Certa vez conversei com um senhor chamado Rainer Erkens, diretor do escritório brasileiro do instituto alemão Friedrich Naumann. Conversamos sobre as cotas em universidades. Ele me contou uma história interessante. Certa vez, ele foi convidado para falar sobre o assunto em uma universidade em Brasília (creio que a UNB). Antes dele, um orador (branco) defendeu as cotas como ferramenta de inclusão social. Logo em seguida, o senhor Rainer falou à platéia. Fez um discurso controverso, que converge com o meu, sobre o mecanismo perverso que é o sistema de cotas. Ao invés de garantir vagas aos afrodescendentes em universidade pela capacitação e o investimento na escolaridade de base, com maior aporte social, o fazem pela raça. Isso é uma prova de racismo do Estado brasileiro: desfaz a máxima da bíblia, não ensina a pescar, só dá o peixe. Deveriam investir na educação para que eles tivessem tantas condições de entrar na faculdade quanto qualquer outra pessoa. Os negros e descendentes não devem entrar na faculdade por favor e sim por mérito, precisam só que o Estado racista dê condições para fazê-lo. O senhor Rainer foi aplaudidíssimo depois da sua palestra, sendo convidado inclusive por um grupo de estudantes negros a dar uma outra palestra sobre o mesmo assunto em uma outra data. Ontem eu tive uma conversa contem com a leitora Érica e umas amigas dela sobre religião. À mesa, além da Érica estava também uma garota chamada Aline e a Kyung, uma coreana simpaticíssima. Todas umas queridas, pessoas muito bacanas. Sei que entrarei em terreno perigoso aqui, mas espero que me entendam, por favor. Depois de praticamente uma hora de debate sobre religião, chegamos à seguinte conclusão: não há uma necessidade inerente de seguir uma religião, existe sim a obrigatoriedade de se fazer o bem. Ponto final. Meu argumento, acordado por todas, foi: seguir à risca os ensinamentos de uma religião significa mandar para o inferno bilhões de outras pessoas, que podem ser tão boas ou mais que você, simplesmente porque elas ajoelham e rezam para o Deus errado. Faça o bem e espere que lhe façam o bem, faça o mau e você dá ao mundo o direito de ser mau com você. Tão universal e abrangente quanto isso é impossível. Se todas as crenças fizessem isso, o mundo seria infinitamente melhor. Religião é um assunto complicado. Deus é amor, Deus é vida, já ouvi tudo isso, mas as guerras mais sangrentas da humanidade foram travadas em nome de Deus. Não li em canto algum da bíblia, do alcorão ou do torá a seguinte passagem "deves exterminar da face da terra todas as outras religiões". Felizmente no Brasil não vemos o genocídio religioso, mas à direita do meridiano de Greenwich isso é muito comum. Toda essa violência é fruto do homem. É a perversão de algo sagrado para servir a interesses pessoais. Um sujeito tem bronca de outro povo, então incita todos os seus conterrâneos a matá-los, de acordo com uma passagem mal interpretada do livro sagrado. Acontece em todas as religiões, é inerente do ser humano: pra que fazer algo se tem alguém mais burro para fazer por você? Então, por fim, chego à seguinte conclusão: o preconceito é uma doença seriíssima. Todas se baseiam no medo dos outros. Ao invés de culpar a si mesmo pela falta de capacidade para obter o sucesso, preferem condenar os outros que o conseguem. O preconceituoso é acima de tudo um egoísta e um covarde. Esconde seus defeitos atrás dos outros. É um fraco. Enfim, podem começar a jogar as pedras em mim.