2° CONGRESSO BRASILEIRO DE SISTEMAS RIBEIRÃO PRETO - SP ÁREA TEMÁTICA: ABORDAGEM SISTÊMICA NAS ORGANIZAÇÕES SISTEMA DE GESTÃO PARA UM MUNDO SUSTENTÁVEL Autores COSAC, C.M.D. Claudia Maria Daher Cosac Professora do Programa de Pós Graduação e Graduação do Curso de Serviço Social da F.H.D.S.S. – UNESP, Campus de Franca; Doutora em Serviço Social. Filiação: Glória Daher Cosac e Nadir João Cosac R: Vicente de Carvalho, 1309 - Ribeirão Preto / SP - 14025-410 Telefone (16) 3623 1615 E-mail: [email protected] INTRABARTOLLO, M.R. Márcia Regina Intrabartollo Jornalista, especialista em Marketing, mestranda do Programa de Pós Graduação em Serviço Social, F.H.D.S.S./Unesp, Franca. Filiação: Clothilde Castro de Sousa Intrabartollo e Mário Intrabartollo R: Anselmo Marques Rodrigues, 801 - C.604 - Ribeirão Preto / SP - 14098-322 Telefone (16) 3965 3271 E-mail: [email protected] PEREIRA, J.L. Jucimeire Ligia Pereira Advogada, mestranda do Programa de Pós Graduação em Serviço Social, FHDSS/Unesp, Franca. Filiação: Maria Aparecida Alves Macedo e Juracy Alves Pereira R: Zilda de Souza Rizzi, 951 - Q.06- C.04 - Ribeirão Preto / SP - 14093-010 Telefone (16) 3629 6490 E-mail: [email protected] RESUMO A responsabilidade social pode representar a contribuição das organizações para o atingimento do Desenvolvimento Sustentável, conforme proposto pelas Nações Unidas. No contexto organizacional, o gerenciamento desses temas pode ser efetivado através de “normas sociais”, que propõem a implantação de um sistema de gestão. Este artigo revisa os conceitos de desenvolvimento sustentável e responsabilidade social, apresentando sua abrangência e relações, e propõe uma leitura crítica da ABNT NBR 16001, norma brasileira que estabelece os requisitos de um sistema de gestão de responsabilidade social. Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável, responsabilidade social, sistema de gestão. ABSTRACT Social Responsibility can represent the organizations’ contribution for reaching the Sustainable Development, as proposed by the United Nations. In the organizational context, those subjects’ management can be employed through “social norms”, that propose the implementation of a management system. This article review the concepts of sustainable development and social responsibility, presenting its inclusion and relations, and proposes a critical reading of the ABNT NBR 16001, Brazilian norm that establishes the requirements of a social responsibility management system. Key-words: Sustainable development, social responsibility, management system. 1 INTRODUÇÃO No ano de 1992, a cidade do Rio de Janeiro sediou um dos maiores eventos ligado à temática do meio ambiente dos últimos tempos: a II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, mais conhecida como Eco-92. Durante esse congresso foram estabelecidos diversos acordos, protocolos e convenções, o mais importante dos quais ficou conhecido como “Agenda 21”. Esse audacioso projeto colocou em pauta um único objetivo: estabelecer novo padrão de desenvolvimento para o planeta, instituindo modelos sustentáveis. Diferentes atores sociais são chamados a promover a mudança de valores e atitudes necessária ao desenvolvimento sustentável. Entre esses interlocutores, as empresas podem desempenhar um papel decisivo, através da atuação socialmente responsável. No Brasil, a discussão sobre desenvolvimento sustentável e responsabilidade social empresarial cresceu nos últimos anos, estimulada especialmente por organizações não governamentais empresariais, como o Instituto Ethos, o GIFE, o CEBDS. Visando contribuir para a prática das empresas, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou em 2004 a norma NBR 16001:2004 sobre responsabilidade social, sistema de gestão e requisitos. O objetivo deste artigo é rever os conceitos de desenvolvimento sustentável e responsabilidade social e as relações entre esses temas, propondo uma análise crítica, a partir da teoria sistêmica, da norma NBR 16001:2004, instrumento para a gestão empresarial do desenvolvimento sustentável. 2 RESPONSABILIDADE SOCIAL: ATUAÇÃO EMPRESARIAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), desenvolvimento sustentável é conceituado como modelo que visa suprir as necessidades atuais da humanidade, sem colocar em risco a capacidade das gerações futuras também o fazerem. Esse conceito foi definido no Relatório “Nosso Futuro Comum”, também conhecido como Relatório Brundtland, sobrenome da ex-primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, que presidiu a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1987, época em que o documento foi redigido. Brown, (apud Tachizawa, 2002 p. 01), afirma que “uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas das gerações futuras”. O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), coalisão dos maiores e mais expressivos grupos empresariais do Brasil que respondem por 40% do PIB brasileiro, assim se expressa: Desenvolvimento sustentável é um conceito que busca conciliar as necessidades econômicas, sociais e ambientais sem comprometer o futuro de quaisquer dessas demandas. Como impulsor da inovação, de novas tecnologias e da abertura de novos mercados, o desenvolvimento sustentável fortalece o modelo empresarial atual baseado em ambiente de competitividade global. (DESENVOLVIMENTO..., on line). Se não há divergência significativa entre os conceitos pesquisados e aquele proposto pelo Relatório Brundtland, as controvérsias surgem quanto à sua abrangência. Para Elkington (2001, p. 89) há uma tendência a considerar que o elemento social não 2 integra a sustentabilidade ou a relativizar sua importância. De acordo com ele, Alguns envolvidos na comunidade do desenvolvimento sustentável insistem no fato de que a sustentabilidade não tem relação alguma com as questões sociais, éticas ou culturais. Eles argumentam que um mundo sustentável poderia ter maior ou menor eqüidade que o mundo atual. Eles afirmam que a real questão está relacionada à eficiência de recursos. A UNESCO (ORGANIZAÇÃO..., 1999, p. 24), entidade coordenadora do capítulo 36 da Agenda 21, que diz respeito à educação para a sustentabilidade, destaca: A pobreza é, em parte, resultado da tendência atual de crescimento da população e constitui, ao mesmo tempo, uma ameaça para a dignidade humana e para o desenvolvimento sustentável. [...] Não se pode esperar que as pessoas que não conseguem cuidar de si próprias protejam o meio ambiente, já que são as necessidades que as movem a usar, eventualmente de maneira excessiva, os recursos que têm em mãos: terra, água, madeira, vegetação e qualquer outro elemento que as ajudem a satisfazer suas necessidades vitais. Da mesma forma, o relatório apresentado pelo Brasil para a Eco-92 enfatiza que: [...] os problemas de meio ambiente e as possibilidades de que se materialize um estilo de desenvolvimento sustentável se encontram diretamente relacionados com os problemas da pobreza, da satisfação das necessidades básicas de alimentação, saúde e habitação. [..] os problemas ecológicos traduzem iniqüidades de caráter social e político (os padrões de relação entre seres humanos e a forma como está organizada a sociedade), assim como decorrem de distorções estruturais da economia (os padrões de consumo da sociedade e a forma como esta se organiza para satisfazê-los). O Brasil enfrenta não somente situações de degradação ambiental associadas com “excesso” de desenvolvimento (poluição e desperdício de recursos), como situações caracterizadas por condições de “ausência” de desenvolvimento, ou de desenvolvimento perverso (pobreza e desigualdade socioeconômica). (BRASIL, 1991, p. 23-24, grifo nosso). Como afirma Elkington (2001, p. 74), “hoje se pensa em termos de um dos três pilares, com enfoque na prosperidade econômica, na qualidade ambiental e – o elemento ao qual as empresas preferiram fazer vistas grossas – na justiça social”. A teoria dos três pilares - econômico, social e ambiental – ou triple bottom line – pode representar a melhor compreensão do conceito de desenvolvimento sustentável por conferir igual importância aos três aspectos e identificar os pontos de intersecção entre eles: a eco-eficiência, a justiça ambiental e a gestão ética. A perspectiva do desenvolvimento sustentável não ensejaria, no entanto, a revisão do próprio conceito de desenvolvimento, freqüentemente identificado ao crescimento econômico? Uma das características predominantes das economias de hoje, tanto a capitalista quanto a comunista, é a obsessão com o crescimento. O crescimento econômico e tecnológico é considerado essencial por virtualmente todos os economistas e políticos, embora nesta altura dos acontecimentos já devesse estar bastante claro que a expansão ilimitada num meio ambiente finito só pode levar ao desastre. (CAPRA, 1982, p. 204) Sob o risco de esgotamento do planeta caso esse modelo seja estendido a todos os 3 países, é preciso definir a riqueza a partir do contexto ecológico, sistêmico, o que “significará transcender suas atuais conotações de acumulação material e conferir-lhe o sentido mais amplo de enriquecimento humano” (CAPRA, 1982, P. 222). Em sentido semelhante, Amartya Sen (2005, p. 17) afirma que: [...] o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. O crescimento do PNB ou das rendas individuais obviamente pode ser muito importante como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade. Mas as liberdades dependem também de outros determinantes, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo, os serviços de educação e saúde) e os direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas). Essa abordagem considera que o crescimento econômico não pode ser associado automaticamente ao desenvolvimento social e cultural, mas, que pode constituir-se em meio para tal. O desafio da sociedade do século XXI passa a ser a formulação de políticas que permitam, além do crescimento da economia, a distribuição eqüitativa da renda e o pleno funcionamento da democracia. Sen (2005, p. 336), no entanto, alerta: A liberdade não pode produzir uma visão do desenvolvimento que se traduza prontamente em alguma “fórmula” simples de acumulação de capital, abertura de mercados, planejamento econômico eficiente (embora cada uma dessas características específicas se insira no quadro mais amplo). O princípio organizador que monta todas as peças em um todo integrado é a abrangente preocupação com o processo de aumento das liberdades individuais e o comprometimento social de ajudar para que isso se concretize. Capra (1982, p. 222) complementa que “a reavaliação da economia não é uma tarefa meramente intelectual, mas deverá envolver profundas mudanças em nosso sistema de valores.” Churchman (1972, p.18) tangencia a complexidade do dilema a ser resolvido pela humanidade, descrevendo-o nos seguintes termos: Em princípio, temos a capacidade de organizar as sociedades do mundo atual para realizar planos bem desenvolvidos a fim de resolver os problemas da pobreza, saúde, educação, guerra, liberdade humana e o desenvolvimento de novos recursos. [...] Se passarmos os olhos sobre a lista dos problemas, há um aspecto deles que logo se torna evidente: esses problemas são interligados e se sobrepõem parcialmente. [...] São tão interligados e imbricados de fato que não é de modo algum claro por onde devemos começar. Um mundo complexo, intersubjetivo e instável (MORIN, 2004, p.57), que passa por uma “crise de percepção”, à qual “tentamos aplicar os conceitos de uma visão de mundo obsoleta – a visão de mundo mecanicista da ciência cartesiana newtoniana – a uma realidade que já não pode ser entendida em função desses conceitos” (CAPRA, 1982, p.14). Implantar estratégias de desenvolvimento sustentável exige, nesse contexto, a ampla educação e participação dos atores sociais relevantes: governos, empresas, fundações, associações, universidades, sindicatos, organizações de classe, igrejas, grupos indígenas, entre outros. 4 Aqueles que estão em condições de induzir mudanças – governos, organizações internacionais, instituições científicas e universidades, o comércio e a indústria – têm de sacudir a inércia e evitar a tentação de recorrer a soluções parciais e de curto prazo. Devem assumir o desafio que consiste em fazer o que cada um sabe que deve ser feito.(ORGANIZAÇÃO..., 1999, p. 68) Entre os atores sociais essenciais à concretização do desenvolvimento sustentável, as empresas destacam-se através do exercício da responsabilidade social que, associada à noção de sustentabilidade, “visa conciliar as esferas econômica, ambiental e social na geração de um cenário compatível à continuidade e à expansão das atividades das empresas, no presente e no futuro” (BANCO..., 2000, p. 02). Bastante divulgado, o conceito de responsabilidade social empresarial começa a se consolidar. Oded Grajew (apud FROES; MELO Neto, 2001, p. 79), em 2000, afirmava: [...] o conceito de responsabilidade social está se ampliando, passando da filantropia, que é a relação socialmente compromissada da empresa com a comunidade, para abranger todas as relações da empresa: com seus funcionários, clientes, fornecedores, acionistas, concorrentes, meio ambiente e organizações públicas e estatais. Para Froes e Melo Neto (2001, p. 84) A responsabilidade social é vista como um compromisso da empresa com relação à sociedade e à humanidade em geral, e uma forma de prestação de contas de seu desempenho, baseada na apropriação e uso de recursos que originariamente não lhe pertencem. Passador (on line) entende que, [...] o conceito de responsabilidade social tornou-se parte de um conceito mais amplo: desenvolvimento sustentável. Como parte do conceito de desenvolvimento sustentável, a responsabilidade social está inserida na dimensão social, que juntamente com as dimensões econômica e ambiental constituem os três pilares do conceito. Portanto, ao participar de ações sociais em benefício da comunidade, a empresa atua na dimensão social do desenvolvimento sustentável e exerce a sua responsabilidade social. A autora considera, portanto, que a responsabilidade social empresarial corresponderia ao pilar social do triple bottom line do desenvolvimento sustentável. Parece-nos mais acertada, porém, a colocação de Ricardo Young, atual presidente do Instituto Ethos, sobre a relação entre responsabilidade social empresarial (RSE) e desenvolvimento sustentável (DS): Pode-se dizer, num amplo sentido, que uma organização pratica de modo genuíno a RSE quando é gerida em concordância com os princípios e os temas focais do DS. Portanto, é indispensável para a prática de uma gestão socialmente responsável que os administradores conheçam em profundidade e tenham plena compreensão da filosofia e das propostas do DS e da razão pela qual essa abordagem é crucial para a perpetuidade dos empreendimentos. (YOUNG, on line). Segundo tal entendimento, a responsabilidade social empresarial representaria a atuação corporativa para a promoção do desenvolvimento sustentável, compromisso maior 5 atribuído a toda a sociedade pela Agenda 21. 3 ABNT NBR 16001: A NORMA BRASILEIRA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL A implantação da responsabilidade social nas empresas pode efetivar-se por meio de diferentes ferramentas. O Guia de Boa Cidadania Corporativa 2004 (HERZOG, 2004, p. 26) relaciona, entre outras, as normas ISO 14001 e SA8000, Indicadores Ethos, Pacto Global, Global Reporting Initiative e a divulgação de Balanço Social. A edição de 2005 da mesma publicação destaca a discussão acerca de uma norma internacional de responsabilidade social (ISO 26000), afirmando que: O Brasil lidera o comitê internacional por já ter criado a sua própria norma de responsabilidade social. Os padrões de certificação da ABNT NBR 16001 acabam de ser concluídos e serão agora submetidos a consulta pública. A norma brasileira vai determinar os requisitos mínimos para a implementação de um sistema de gestão da responsabilidade social – entre eles, a adoção de boas práticas de governança corporativa e o combate ao trabalho infantil. (VASCONCELOS, 2005, p. 23) A notícia contém uma informação equivocada: a ABNT NBR 16001 – a partir daqui referida como NBR 16001:2004 - foi submetida a consulta pública no mês de abril de 2004, publicada em 30 de novembro e tornou-se válida a partir de 30 de dezembro do mesmo ano. Para Froes e Melo Neto (2001, p. 174), o objetivo das empresas ao implantarem processos de certificação da responsabilidade social “é atestar a responsabilidade social da empresa, comprovar o exercício pleno da sua responsabilidade social interna e externa, conferindo-lhe a condição de empresa-cidadã, e demonstrar que seus produtos são socialmente corretos.” Tal propósito, se verdadeiro, não encontra respaldo na NBR 16001:2004 que afirma em sua introdução: O atendimento aos requisitos da Norma não significa que a organização é socialmente responsável, mas, que possui um sistema da gestão da responsabilidade social. As comunicações da organização, tanto internas quanto externas, deverão respeitar este preceito. (ASSOCIAÇÃO, 2004, p. vi) Tendo por objetivo “prover às organizações os elementos de um sistema da gestão da responsabilidade social eficaz, [...], de forma a auxiliá-las a alcançar seus objetivos relacionados com os aspectos da responsabilidade social”, a NBR 16001:2004 é uma norma auditável e passível de certificação por uma organização externa, aspecto diverso das normas AA 1000 e ISO 26000, a ser publicada em 2008, que não são certificáveis e constituem-se em guias de implantação para seus temas. Considerando responsabilidade social como a “relação ética e transparente da organização com todas as suas partes interessadas, visando o desenvolvimento sustentável” (ASSOCIAÇÃO..., 2004, p. 03) e sistema da gestão da responsabilidade social como o “conjunto de elementos inter-relacionados ou interativos, voltados para estabelecer políticas e objetivos da responsabilidade social, bem como para atingi-los” (ASSOCIAÇÃO..., 2004, p. 03), a NBR 16001:2004 possui uma estrutura bastante semelhante à das normas da família ISO, determinando a definição de uma política, de 6 objetivos e metas, a designação de representante(s) da Alta Direção, o treinamento de colaboradores diretos e indiretos, a elaboração de manuais, procedimentos, documentos e registros, constituindo um sistema de gestão “passível de integração com outros requisitos de gestão” (ASSOCIAÇÃO..., 2004, p. 01). O item 3.3.3. que trata dos objetivos, metas e programas a serem estabelecidos, implementados e mantidos pela organização determina que esses objetivos deverão atender aos requisitos legais e outros a que a organização tenha espontaneamente aderido, devendo contemplar os seguintes pontos, sem restringir-se a eles: a) b) c) d) Boas práticas de governança; Combate à pirataria, sonegação, fraude e corrupção; Práticas leais de concorrência; Direitos da criança e do adolescente, incluindo o combate ao trabalho infantil; e) Direitos do trabalhador, incluindo o de livre associação, de negociação, a remuneração justa e benefícios básicos, bem como o combate ao trabalho forçado; f) Promoção da diversidade e combate à discriminação (por exemplo, cultural, de gênero, de raça/etnia, idade, pessoa com deficiência); g) Compromisso com o desenvolvimento profissional; h) Promoção da saúde e segurança; i) Promoção de padrões sustentáveis de desenvolvimento, produção, distribuição e consumo, contemplando fornecedores, prestadores de serviço, entre outros. j) Proteção ao meio ambiente e aos direitos das gerações futuras; k) Ações sociais1 de interesse público.(ASSOCIAÇÃO...,2004, p. 04) Outra determinação da NBR 16001:2004 é a exigência de participação das partes interessadas na definição da política da responsabilidade social e a determinação do estabelecimento de mecanismos de comunicação interna e com stakeholders sobre os requisitos do sistema, incluindo a elaboração e divulgação periódica de um documento que apresente os objetivos e metas, ações e resultados do sistema de gestão da responsabilidade social, o que poderia corresponder à publicação de um balanço social, preservadas as especificidades. 4 CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS E UMA ESPERANÇA A proposição de normas de certificação social é uma tarefa árdua: é necessário que sejam genéricas o suficiente para contemplarem diferentes realidades, sem serem vagas a ponto de se tornarem inexpressivas. Esse é um limite comum às normas que estabelecem sistemas de gestão, seja em relação à qualidade do produto ou à preservação do meio ambiente, porém, quanto às normas sociais a tolerância da sociedade parece ser ainda menor: o consumidor não admite que um selo social seja ostentado por uma empresa de reputação dúbia. A responsabilidade social tem como viés a errônea utilização de seus conceitos. 1 Atividade voluntária realizada pela organização em áreas tais como assistência social, alimentação, saúde, educação, esporte, cultura, meio ambiente e desenvolvimento comunitário. Abrange desde pequenas doações a pessoas ou instituições até ações estruturadas com uso planejado e monitorado de recursos. (ASSOCIAÇÃO..., 2004, p.02) 7 Assim como aconteceu com o Marketing, ainda hoje extremamente banalizado, o conceito de Responsabilidade Social corre o risco de ser utilizado sem a correspondência efetiva de ações socialmente responsáveis. A expressão Responsabilidade Social tornou-se uma espécie de modismo, utilizado pelas áreas de comunicação das empresas para divulgar investimentos sociais ou o cumprimento de deveres legais. É preciso um grande controle para que as organizações não se auto-definam e proclamem como socialmente responsáveis quando estão realizando ações que podem ser classificadas como filantropia, ação social, marketing social, cultural ou esportivo, ou até mesmo relacionadas apenas com a sua própria atividade fim, sem impactos no desenvolvimento sustentável. Neste contexto, ganha importância a aplicação de normas, certificações e regulamentações globais. Diante da diversidade dos aspectos a serem tratados, é bem vinda uma norma que se proponha a gestão da responsabilidade social embasada em parâmetros que a detalhem em diferentes aspectos. O rol de condutas propostas pela NBR 16001:2004 a serem adotadas pelas empresas, no entanto, compreende a abstenção da prática de crimes (pirataria, sonegação, fraude e corrupção), práticas já defendidas por entidades conhecidas (combate ao trabalho infantil) e conteúdos explorados mais amplamente por outras normas (OHSAS 18001, SA8000, ISO 14001), no que parece uma sistematização dos temas recorrentes na prática brasileira da responsabilidade social, sem apresentar assuntos novos ou propor uma abordagem inovadora. A norma brasileira de responsabilidade social pretende promover o desenvolvimento sustentável e, em sua introdução, relaciona as três dimensões da sustentabilidade – econômica, social e ambiental – como seus fundamentos. No entanto, nenhuma exigência em relação ao aspecto econômico é abordada de forma direta pela NBR 16001:2004. É certo que todos os temas contemplados pelos objetivos e metas implicam em investimentos e despesas que afetam os ganhos da organização, porém, a norma brasileira não considera o assunto de maneira imediata. Esse é um viés comum na discussão da sustentabilidade a partir da ótica social: ignora-se o fim último das empresas, o de gerar lucros, como se, por exercerem a responsabilidade social, não devessem “realizar sua função principal: a de gerar riqueza e valor para a sociedade” (ALVES, 2001, p. 86). Uma das questões mais problemáticas em se tratando de sistemas de gestão e também dos temas relativos à responsabilidade social é o envolvimento de fornecedores e terceiros. Assegurar a qualidade do produto nos limites da fábrica ou a regularidade das relações de trabalho entre seus empregados não apresenta maiores desafios para as empresas razoavelmente organizadas. Estender tais padrões além de seus muros é muito mais complexo. Quanto aos temas sociais, é preciso considerar ainda outra perspectiva: é ético excluir o fornecedor ou terceiro que não cumpre as disposições da empresa por absoluta falta de meios? É correto transferir-lhe um ônus sem prepará-lo ou compensá-lo? A NBR 16001:2004, ao contrário das normas da família ISO e da SA8000, não possui um título dedicado exclusivamente ao tratamento de fornecedores e aborda o assunto tão somente quando fala da “promoção de padrões sustentáveis de desenvolvimento”, ignorando-o nas alíneas relativas à mão-de-obra, onde terceirizações, quarteirizações e outras práticas têm precarizado ferozmente as condições de trabalho. Também quanto à proposta de desenvolvimento de ações sociais, a norma brasileira de responsabilidade social poderia ter sido mais rigorosa. Organizações como o GIFE, Instituto Ethos, IDIS, Fundação Abrinq, e consultores como Stephen Kanitz trabalham há anos promovendo o conceito de investimento social privado e filantropia estratégica entre as empresas, visando conferir qualidade às ações privadas com fins públicos. Parece-nos 8 que, ao considerar como ação social as “pequenas doações a pessoas ou instituições”, colocando-as no mesmo patamar das “ações estruturadas com uso planejado e monitorado de recursos” a NBR 16001:2004 desconsidera o grau de maturidade a ser alcançado pelas empresas que pretendem gerir a responsabilidade social de forma estratégica. Considerando a convergência de temas propostos pela norma brasileira de responsabilidade social e por outras normas internacionais de gestão, como a ISO 14001, a OHSAS 180001 e a SA8000, a NBR 16001:2004 poderia estabelecer seu foco na abordagem sistêmica do desenvolvimento sustentável sob o risco de converter-se, como outras ferramentas de certificação, num processo exclusivamente formal de descrição de normas e atribuições, sem revisão dos processos de trabalho, reforçando práticas ineficientes e ineficazes e gerando resistência nos trabalhadores. Conforme esboçamos na primeira parte deste artigo, desenvolvimento sustentável é um tema complexo, necessário ao mundo igualmente complexo, intersubjetivo e instável em que vivemos. A contribuição das empresas pode ser decisiva para o sucesso da proposta que elaboramos como espécie na Eco 92: estabelecer novo padrão de desenvolvimento para o planeta, instituindo modelos sustentáveis. Enfrentamos inúmeros desafios nessa tarefa e os problemas “são sistêmicos, o que significa que estão intimamente interligados e são interdependentes. Não podem ser entendidos no âmbito da metodologia fragmentada que é característica de nossas disciplinas acadêmicas e de nossos organismos governamentais” (CAPRA, 1982, p. 23). A iniciativa brasileira de criar uma norma para gestão do desenvolvimento sustentável representa uma contribuição importante ao estabelecer parâmetros objetivos para avaliação da responsabilidade social empresarial. No entanto, sem a implantação efetiva de um “sistema” e a adoção de uma abordagem ecológica, como a proposta por Capra, corre-se o risco de reduzir o tema da sustentabilidade nas empresas a um conjunto de disposições fragmentárias, incapaz de promover novos padrões de desenvolvimento. Mais uma vez parece repetir-se o modelo mecanicista: cada norma aborda um aspecto da responsabilidade social, como se uma organização pudesse ser socialmente responsável apenas naquele aspecto. A sociedade contemporânea vive sob a ameaça do colapso ambiental e da ruptura social. As catástrofes têm o poder de sensibilizar os homens, no entanto, alimentamos a esperança de que não seja necessário um novo caos para que reconheçamos a pertinência das palavras de Ludwig von Bertalanffy, pronunciadas na Europa do pós-guerra: A concepção mecanicista do mundo, considerando o jogo das partículas físicas como realidade última, encontrou sua expressão numa civilização que glorifica a tecnologia física que levou finalmente às catástrofes de nosso tempo. Possivelmente o modelo do mundo como uma grande organização ajude a reforçar o sentido de reverência pelos seres vivos, que quase perdemos nas últimas sanguinárias décadas da história humana. (BERTALANFFY, 1975, p. 76) 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Lauro Eduardo Soutello. Governança e cidadania empresarial. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 4, p. 78-86, out/dez 2001. ASSOCIAÇÃO Brasileira de Normas Técnicas. NBR 16001: responsabilidade social: sistema da gestão: requisitos. Rio de Janeiro, 2004. BANCO Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Balanço social e outros aspectos da Responsabilidade Social Corporativa . Brasília: BNDES, 2000. BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria Geral dos Sistemas. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1975. BRASIL. Presidência da República. O desafio do desenvolvimento sustentável: relatório do Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Brasília: Cima, 1991. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. 8.ed. São Paulo: Cultrix, 1982. CHURCHMAN, C.West. Introdução à Teoria dos Sistemas. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1972. DESENVOLVIMENTO Sustentável. Disponível em: <http://www.cebds.org.br>. 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