RELATÓRIO DE PROJETO DE PESQUISA Nome do Projeto: As estratégias de estudo adotadas por estudantes de ensino superior para elaborar conceitos científicos. Protocolo: 2198 Nome do(a) Proponente ou Orientador(a): Nádia Kienen Nome do(a) Bolsista: Ingrid Agassi Campus/Unidade: Norte/Pedra Branca Data do Relatório: 12/09/08 Tipo do Projeto: ( ) PUIC Disciplina ( ) PUIC Continuado (X) PUIC Individual 1. Introdução Na sociedade atual, cada vez mais vem sendo exigida a produção e a utilização do conhecimento. Este, por sua vez, possibilita o autogoverno intelectual, ou seja, a capacidade de controlar o desenvolvimento dos próprios comportamentos de modo que a realidade possa ser transformada. Para tanto, é necessário que exista a aprendizagem, que depende, dentre outras coisas, do processo de ensino, que nem sempre a favorece. Por meio da interação entre ensino e aprendizagem é que o sujeito poderá transformar informações (os “conteúdos” que fazem parte da grade curricular dos cursos de graduação) em capacidade de atuar profissionalmente. Para atuar profissionalmente, é necessário o desenvolvimento de alguns comportamentos, que são caracterizados de acordo com a área de atuação de cada profissional. Um psicólogo, por exemplo, necessita intervir sobre fenômenos psicológicos, sendo este um dos principais comportamentos a serem desenvolvidos para que ele atue profissionalmente. Para intervir sobre fenômenos psicológicos, é preciso, dentre outras coisas, caracterizar necessidades de intervenção e projetar uma intervenção, por exemplo, sendo estes alguns exemplos de comportamentos que compõem a cadeia comportamental “intervir sobre fenômenos psicológicos” (BOTOMÉ et al, 2003). Um dos comportamentos pré-requisito para que o aluno aprenda a intervir sobre fenômenos psicológicos (ou qualquer outro tipo de fenômeno, de qualquer área de atuação) é estudar. Embora seja pré-requisito, o comportamento de estudar é composto por uma vasta cadeia comportamental que envolve vários outros comportamentos, mais elementares, para que o estudo seja efetivo de modo a promover uma intervenção profissional de qualidade (CORTEGOSO E BOTOMÉ, 2002; BOTOMÉ e KUBO, 2005; RODRIGUES, 2005; SKINNER, 1972). Estudar é um comportamento fundamental em qualquer tipo de profissão e, no que se refere à Psicologia, em qualquer modalidade de intervenção. Isso porque é por meio do estudo que se faz possível a elaboração de conceitos científicos, os quais embasam a prática de profissionais de qualquer campo de atuação. A elaboração de conceitos científicos é ferramenta para transformar o conhecimento em comportamentos profissionais a fim de que seja possível uma intervenção qualificada e confiável, assim como deve ser qualquer atuação profissional científica, como é o caso dos profissionais de psicologia. Todo comportamento envolve uma relação entre estímulos antecedentes, ações e estímulos conseqüentes. Isso significa que há condições no ambiente que favorecem a ocorrência de certos comportamentos, e estes, por sua vez, produzem alterações no meio que podem reforçar ou não esse comportamento (CORTEGOSO e BOTOMÉ, 2002). Sendo assim, envolve não apenas comportamentos do sujeito que estuda, mas também comportamentos de outros sujeitos. Esses sujeitos podem ser, por exemplo, os professores, que têm o papel de ensinar para que o aluno possa aprender e produzir conhecimento. O contexto acadêmico é outra variável a ser considerada no comportamento de estudar, bem como os métodos de avaliação dos professores e o nível de exigência e dificuldade das informações a serem estudadas e das disciplinas (ALMEIDA & SOARES, 2004; TAVARES, ALMEIDA, VASCONCELOS & BESSA, 2004, apud VACONCELOS et al, 2005). Apesar de todas essas influências, vale ressaltar que a eficiência do estudo e a transformação de informações em capacidade de atuar são competências que estão mais associadas àquilo que o estudante faz do que com qualquer outro tipo de variável (BIGGS, 2000, apud VACONCELOS et al, 2005). Competência caracteriza-se como um grau de qualidade de qualquer comportamento. Esse grau de qualidade se refere à capacidade de o sujeito atuar com facilidade e previsão de resultados, onde os riscos são menores e não há a necessidade de calcular cada operação envolvida em um determinado comportamento (BOTOMÉ e KUBO, 2005). Nesse sentido, as estratégias utilizadas pelos estudantes de ensino superior são fundamentais para seu sucesso acadêmico e sua formação profissional (ALMEIDA, 2002). Estratégias são seqüências de procedimentos utilizados para facilitar e promover o processo de aprendizagem (NISBETT, SCHUCKSMITH e DANSEREAU 1987, apud POZO, 1996, apud BORUCHOVITCH, 1999), ou qualquer procedimento adotado para realizar uma tarefa (SILVA & SÁ, 1997, apud BORUCHOVITCH, 1999). São direcionadas para um objetivo, relacionadas à execução, regulação e avaliação de uma tarefa, podendo ser analisadas e modificadas. Para ser uma estratégia, precisa haver um objetivo ao final de uma tarefa (BROOKS, et al, 1985; LEVIN &PRESSLEY, 1985; PARIS et al, 1983 apud RIBEIRO, 2001). O comportamento de estudar abrange, dentre outras coisas, a utilização de estratégias para cumprir objetivos delimitados relativos ao estudo, sendo que essas estratégias podem ser específicas à tarefa, como sublinhar um texto, por exemplo, ou podem ser gerais, como planejar a leitura de um texto (SILVA e SÁ, 1993, apud RIBEIRO, 2001). Além disso, o comportamento de estudar é amplo e envolve tanto comportamentos de dentro de sala de aula quanto comportamentos de fora da mesma. Dembo (1988, apud WACHELKE e BOTOMÉ, 2005) destaca que estudar envolve, além de procedimentos de estudo propriamente dito, também comportamentos acerca do pensar sobre os procedimentos que são utilizados para estudar, que são as chamadas estratégias metacognitivas. Ao estudar, o sujeito utiliza estratégias para que alcance seus objetivos, sejam eles referentes à simples memorização de informações ou à elaboração de conceitos científicos. Estas estratégias, por sua vez, podem ser divididas em três grandes grupos, que equivalem a três comportamentos que compõem o grande conjunto “estudar”. Trata-se de estratégias de pré-estudo, estratégias de estudo e estratégias de pós-estudo. Muitos autores nomeiam as estratégias de pré e pós-estudo como estratégias metagconitivas, pois correspondem ao pensar sobre o próprio processo de estudar, que ocorre antes e após o desenvolvimento de estratégias cognitivas, que se referem ao estudar propriamente dito (RIBEIRO, 2001 e 2003; BORUCHOVITCH, 1999; MONTEIRO et al, 2005). Há estudos, como o de Einbecker e Wilson (1974) que apontam para o fato de que o desempenho acadêmico está diretamente relacionado à capacidade de desenvolver o estudo utilizando boas estratégias, como uma leitura e uma escrita de caráter crítico, por exemplo. No entanto, não parece claro de que forma essas estratégias de estudo relacionam-se com a formação de profissionais de ensino superior e com a elaboração de conceitos, especificamente. Diante disso, essa pesquisa visa a responder a seguinte pergunta: Quais são as principais estratégias de estudo adotadas pelos estudantes de graduação em Psicologia para a elaboração de conceitos científicos? 2. Objetivos 2.1 Objetivo Geral Caracterizar as principais estratégias de estudo adotadas pelos estudantes de ensino superior, mais precisamente os pertencentes ao curso de Psicologia, para a elaboração de conceitos científicos. 2.2 Objetivos Específicos 1. Identificar quais são as principais estratégias de estudo adotadas pelos estudantes para a elaboração de conceitos científicos. 2. Identificar os aspectos referentes às estratégias de estudo que podem auxiliar na elaboração de conceitos científicos. 3. Identificar as principais facilidades e dificuldades dos estudantes na utilização de estratégias de estudo, tendo em vista a elaboração de conceitos. 3. Material e Métodos Foram sujeitos da pesquisa 84 estudantes de graduação do curso de Psicologia de uma instituição de ensino superior da Grande Florianópolis, sendo estes pertencentes a segunda, quinta e oitava fases do curso. Foi escolhida uma fase inicial, uma fase intermediária e uma fase final do curso com o intuito de proporcionar a caracterização das principais estratégias de estudo utilizadas pelos estudantes para a elaboração de conceitos científicos em distintos momentos do curso, de modo a avaliar, além das características, as diferenças e semelhanças deste processo entre alunos que estão em momentos distintos de sua formação profissional. Dessa forma, foi possível identificar se há um aperfeiçoamento de estratégias de estudo utilizadas pelos acadêmicos ao longo do curso. Foi elaborado um questionário para coletar os dados necessários à caracterização das principais estratégias de estudo dos sujeitos investigados, e as variáveis que fizeram parte do mesmo foram selecionadas mediante a decomposição das principais estratégias de estudo, que foram agrupadas em três grandes grupos: estratégias de pré-estudo, estratégias de estudo e estratégias de pós-estudo. Essa classificação foi realizada a partir de dados da literatura que examinam aspectos referentes às estratégias de estudo (BORUCHOVITCH et al, 2006; Weinstein & Mayer, 1986, apud RIBEIRO, 2001; Zimmerman & Martinez-Pons 1990, apud RIBEIRO, 2001). As estratégias de pré-estudo correspondem ao comportamento de “organizar-se com relação ao estudo”, conjunto este de variáveis do qual fazem parte os seguintes subconjuntos: 1) “estabelecer objetivos de estudo”; 2) “decidir com quem estudar”; 3) “administrar o tempo disponível para estudar” (“identificar as prioridades de estudo”, designar o tempo de estudo necesário a cada disciplina, a partir da identificação de prioridades”, “estabelecer tempo limite para a execução das atividades de estudo”, “registrar as prioridades de estudo identificadas” e “registrar as prioridades de estudo a serem utilizadas”); 4) “administrar o local de estudo” (“identificar o local mais adequado para estudar, levando em consideração as condições necessárias para concentrar-se” e “estudar no local identificado como o mais apropriado para concentrar-se nos estudos”); 5) “administrar as estratégias de estudo a serem utilizadas” (“identificar quais as estratégias mais apropriadas para cumprir os objetivos de estudo”); 6) “administrar o material de estudo” (“identificar o material necessário para estudar em cada situação” e “separar o material de estudo antes de iniciá-lo, deixando-o a seu alcance”). As estratégias de estudo equivalem ao comportamento de “adotar procedimentos de estudo”, sendo esse um conjunto de variáveis do qual fazem parte os seguintes subconjuntos: 1) “participar das aulas”; 2) “ler informações” (“adotar procedimentos de leitura” e “registrar informações enquanto lê”); 3) “adotar procedimentos de estudo após a leitura e explanação de informações pelo professor” (“rever informações estudadas”), “elaborar esquemas” (“hierarquizar informações em ordem, das centrais em direção às periféricas”), “sanar dúvidas” e “procurar referências acerca de uma determinada temática”. As estratégias de pós-estudo dizem respeito ao comportamento de “monitorar o próprio estudo”, conjunto de variáveis composto pelo subconjunto “avaliar as estratégias utilizadas, mediante os resultados obtidos”. Desse subconjunto, fazem parte os seguintes subconjuntos: 1) “identificar o grau de funcionalidade das estratégias utilizadas no que se refere ao desempenho obtido na elaboração de conceitos científícos (“identificar a adequação das estratégias utilizadas em relação ao desempenho obtido na elaboração de conceitos científicos”); 2) “aperfeiçoar as estratégias que não estão sendo eficientes para a elaboração de conceitos científicos”; 3) “generalizar o uso de estratégias de estudo eficientes para a elaboração de conceitos científicos”. Foi solicitada à coordenação do curso a permissão para a execução da pesquisa e a participação dos estudantes. Do mesmo modo, também foi solicitada aos alunos sua colaboração em participar da pesquisa de forma voluntária, bem como a assinatura de um documento que comprove sua livre e espontânea vontade em ser sujeito da pesquisa, e que garante o sigilo de sua identidade (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido). Os questionários foram aplicados mediante horários e locais previamente agendados. A aplicação dos questionários foi coletiva, sendo realizada no horário de uma das aulas, mediante permissão do coordenador do curso e do professor responsável pela disciplina corrente no momento da aplicação. Cada sujeito recebeu uma folha contendo as perguntas que compõem o questionário e cada turma levou, em média, trinta minutos para preencher o questionário. Os dados coletados foram tabulados e organizados de acordo com as variáveis referentes a cada tipo de estratégia de estudo (de pré-estudo, estudo e pós-estudo) e conforme as fases dos sujeitos pesquisados (segunda, quinta e oitava fases). Foram construídos gráficos para facilitar a visualização dos dados. Os gráficos foram construídos a partir do tratamento percentual dos dados, ainda separados pelas turmas pesquisadas e a partir dos conjuntos de variáveis constituintes de cada subconjunto referente às estratégias de pré-estudo, de estudo e de pós-estudo. 4. Resultados Estudar é um comportamento pré-requisito para que vários outros comportamentos possam ser desenvolvidos em diferentes níveis de complexidade, como elaborar conceitos científicos e atuar profissionalmente (BOTOMÉ et al, 2003). Mesmo sendo um comportamento pré-requisito, estudar caracteriza-se como um comportamento complexo, ou seja, que depende da realização de vários outros comportamentos para que seja efetivo. Todo comportamento envolve uma relação entre estímulos antecedentes, respostas e estímulos conseqüentes, o que significa que há condições no ambiente que favorecem a ocorrência de certos comportamentos, e estes, por sua vez, produzem alterações no meio que podem reforçar ou não esse comportamento (CORTEGOSO e BOTOMÉ, 2002). Sendo assim, estudar envolve não apenas comportamentos do sujeito que estuda, mas também comportamentos de outros sujeitos, como os de professores, ou do próprio meio em que o sujeito encontra-se inserido, como o contexto acadêmico. Com relação às estratégias de pré-estudo, foi possível perceber que os sujeitos afirmam utilizar, com uma freqüência que varia entre quase sempre ou sempre, as seguintes estratégias investigadas: “definir objetivos de estudo” (77%), “identificar prioridades de estudo” (55%), “registrar prioridades de estudo” (46%) e “administrar o local de estudo” (78%). No que tange às estratégias de pós-estudo, os maiores percentuais são relativos às freqüências quase sempre ou sempre nas estratégias “perceber a eficiência das estratégias utilizadas” (74%), “criar novas estratégias de estudo” (45%) e “generalizar as estratégias de estudo eficientes para outros contextos de estudo” (71%). Esse fato parece ser um bom indicativo acerca das características do comportamento de estudar desenvolvido pelos alunos, haja vista pesquisas que apontam para o fato de que bons estudantes são aqueles que sabem, além de utilizar estratégias de estudo, organizá-las e monitorar o seu uso adequado, regulando assim o processo de elaboração de conceitos científicos e, de maneira mais ampla, o próprio processo de formação profissional (FLAVELL & WELLMAN, 1977, apud RIBEIRO, 2003). Ressalva pode ser feita quanto às estratégias referentes ao comportamento de “administrar o tempo disponível para estudar”, cujas freqüências mais expressivas (40%) foram constatadas nos valores “nunca” (17%) ou “raramente” (23%), o que pode sinalizar para um problema, uma vez que a administração do tempo é fundamental para o desenvolvimento de um estudo eficiente, pois é uma forma de planejar e perceber o tempo aproximado que precisa ser empreendido em cada atividade e de distribuí-las adequadamente, de modo que todas possam ser cumpridas. No que tange às estratégias de estudo, foi possível constatar que a maioria dos sujeitos relata quase sempre ou sempre realizar os comportamentos “ler informações referentes às disciplinas” (88%), “registrar informações” (50%), “revisar as informações estudadas” (48%), “elaborar esquemas” (62%) e “procurar referências acerca de uma determinada temática” (34%). Entretanto, no que se refere às formas de desenvolver essas estratégias é possível observar que os maiores percentuais são relativos às mais elementares, sendo que em geral os sujeitos afirmam destacar informações, enquanto lêem, sublinhando ou com marca-texto para registrar informações (53%) e relacionar informações sobre um mesmo conteúdo de uma mesma disciplina para elaborar esquemas (61%). “Relacionar informações de diferentes conteúdos de uma mesma disciplina” (29%) e “relacionar informações de diferentes disciplinas” (7%) são formas mais aprimoradas de elaborar esquemas, tendo sido pouco indicadas pelos sujeitos pesquisados. Além disso, parece haver algumas contradições com relação a alguns dados e incompletude na utilização de algumas estratégias. Isso porque sessenta e dois por cento dos sujeitos afirmam elaborar esquemas, enquanto apenas 45% alegam registrar informações elaborando algo com as próprias palavras, que podem ser resumos ou sínteses. Porém, para elaborar esquemas eficientes é necessário, além de destacar informações importantes, elaborar tópicos, resumos e/ou sínteses, tendo em vista a interdependência que há entre as estratégias (SERAFINI, 1996). No que se refere às situações em que os sujeitos pesquisados informam desenvolver as estratégias investigadas, foi possível perceber que grande parte delas são relativas às situações que envolvem avaliações, o que parece apontar para o fato de que os estudantes têm seu comportamento de estudar controlado por esses tipos de ocasiões. Talvez os sujeitos estudem apenas para evitar o contato com estímulos aversivos, como notas baixas e a reprovação, por exemplo, os quais comumente geram conseqüências desagradáveis (possibilidade de reprovação, indisposição em relação à disciplina etc.). Ou ainda que estudem apenas para não serem caracterizados como aqueles que não sabem. Se o estudo está sob controle de avaliações, notas e reconhecimento, é provável que deixe de ser praticado ao fim da formação profissional acadêmica. Isto porque provavelmente não haverá mais avaliações formais, tais como aquelas comumente encontradas no ambiente acadêmico, e não será necessária a obtenção de notas, podendo assim extinguir esse comportamento (SKINNER, 1972; 2000). O controle aversivo poderá ter resultados até certo período, porém, logo que o sujeito puder escapar dessa estimulação aversiva, provavelmente deixará de estudar (SKINNER, 1972). Diante disso, é possível perceber que o controle aversivo não parece ser uma forma eficiente de controlar o comportamento de estudar, tendo em vista suas decorrências nocivas. Estudar é um comportamento necessário durante toda a vida profissional de um sujeito, e não apenas durante o período de sua formação no ensino superior. Nesse sentido, aprender a controlar por si mesmo o comportamento de estudar talvez seja uma aprendizagem importante a ser desenvolvida pelos futuros profissionais. O autocontrole é definido por Skinner (2000) como o conjunto de comportamentos responsáveis pela produção, pelo próprio sujeito, das condições necessárias que aumentam a probabilidade de que os comportamentos de interesse (de estudo, neste caso) aconteçam. Sendo assim, o comportamento de estudar precisa estar sob controle de estímulos como a necessidade de preencher lacunas de conhecimento, ou a necessidade de um conhecimento que atenda às exigências da realidade para que seja possível atuar profissionalmente. Além disso, é importante que o sujeito perceba as conseqüências de seu comportamento de estudar, que podem envolver o bem estar pelo conhecimento de novas informações, ou ainda pelo fato de poder realizar um bom trabalho a partir de seu estudo. Talvez os próprios sujeitos não consigam perceber as conseqüências de seu estudo para além das notas, pois caso o percebessem, provavelmente informariam estudar com o mesmo empenho, ou até mesmo com um empenho maior em outras situações, que não apenas as referentes às avaliações. Em geral, os maiores índices de utilização de estratégias de pré-estudo, estudo e pós-estudo investigadas podem ser visualizados nas turmas de quinto e segundo semestres, respectivamente, permanecendo as turmas de oitavo semestre com os menores índices. Este fato caracteriza um problema do ponto de vista da formação e atuação profissional, uma vez que os sujeitos investigados estão mais próximos de concluir sua graduação e ingressar no mercado de trabalho. Além disso, logo iniciarão estágios em que atuarão como profissionais, o que indica a necessidade de um bom arcabouço teórico para poder transformá-lo em capacidade de atuar. Se estes sujeitos não estão estudando de maneira satisfatória para elaborar conceitos adequadamente, sua atuação como profissionais é questionável e preocupante, pois, afinal, o que tenderá a embasar sua atuação futuramente? Pode ser que esses problemas referentes ao comportamento de estudar sejam conseqüências do fato de que há uma série de mudanças com as quais o estudante tem que se deparar ao ingressar no ensino superior, como os métodos de ensino e avaliação, novos hábitos de estudo, autonomia para organizar o tempo, etc. Além disso, há outros fatores, como a própria escolha do curso de graduação e da carreira profissional, que podem gerar ansiedade no estudante e influir em sua adaptação à rotina acadêmica (ALMEIDA, 2002; ALMEIDA & SOARES, 2004; FERREIRA & HOOD, 1990, apud VACONCELOS et al, 2005). Talvez os estudantes não tenham aprendido a estudar durante o ensino fundamental e médio, fator que parece interferir nos hábitos de estudo daqueles que ingressam no ensino superior. Não saber estudar envolve, dentre outras coisas, não saber administrar e monitorar o próprio estudo, ou seja, controlar as próprias atividades de estudo. Estabelecendo relações de autocontrole, é provável que o sujeito possa desempenhar as atividades acadêmicas de maneira autônoma, de modo a gerenciar seu tempo de estudo a partir das tarefas que precisa cumprir (ALMEIDA, 2002, apud VACONCELOS et al, 2005). 4.1 Outros Resultados O presente trabalho foi aprovado para ser apresentado no XVII Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental, que foi realizado entre 28 e 31 de agosto de 2008, na sessão de painéis. Os principais resultados desse estudo foram sistematizados em uma apresentação para estagiários de nona e décima fases do curso de Psicologia da Unisul, que fazem parte de um projeto de Orientação Profissional. Este, por sua vez, tem como uma de suas finalidades atender alunos que possuem queixas relativas às dificuldades no estudo, tanto em nível de ensino superior quanto em nível de ensino médio. 5. Conclusões Diante da caracterização das estratégias de estudo utilizadas por estudantes de ensino superior, é possível perceber que há a necessidade de que as estratégias que os sujeitos pesquisados afirmam utilizar sejam aprimoradas, e que aquelas que são utilizadas com menor freqüência passem a ser utilizadas com maior freqüência. Um dos principais problemas identificados a partir dos dados encontrados está relacionado ao fato de que os sujeitos parecem associar o estudo com situações de avaliação e são controlados por esse tipo de contingência, enquanto que essas estratégias são úteis não apenas para o período da formação acadêmica, mas para toda a vida profissional do sujeito. Entretanto, vale salientar que há manuais de estudo, como o proposto por Serafini (1996), que destacam a importância da utilização de estratégias para estudar para provas, o que também pode acontecer durante as aulas em contexto acadêmico. Nesse sentido, é possível perceber que há a necessidade de rever os termos utilizados em manuais e até mesmo em algumas pesquisas relativas ao comportamento de estudar e atuar profissionalmente. Alguns autores, como Flavell (1987, apud RIBEIRO, 2003) enfatizam termos como “apreender” o conhecimento, ou ainda que a educação é voltada para a transmissão de conhecimentos (ALMEIDA, 1992, apud BORUCHOVITCH, 1999). As influências desse tipo de literatura ou ainda da própria compreensão de profissionais responsáveis pela formação dos estudantes pode ser observada em discursos tais como “estudar é reter conhecimentos”, frase mencionada no questionário por um dos sujeitos investigados. No entanto, o conhecimento não é um objeto ou um conteúdo que possa ser “apreendido” ou “transmitido”. Conhecer significa transformar o conhecimento existente em capacidade de atuar, de modo que seja elaborado e reelaborado a cada atuação, de acordo com a realidade a que serve (BOTOMÉ e KUBO, 2005). Nesse sentido, parece ser relevante investigar o processo de estudar com o objetivo de compreendêlo melhor, uma vez que esse processo implica em transformar conhecimentos em conduta profissional, o que será possível por meio do estudo eficiente. Este, por sua vez, pode ser realizado a partir da utilização de estratégias de estudo adequadas e eficazes a cada contexto de estudo, que parece não acontecer, haja vista o fato de que os sujeitos investigados informam utilizar estratégias de estudo pouco desenvolvidas. É possível perceber a relação de circularidade entre os diferentes tipos de estratégia, pois para utilizar uma estratégia de estudo é necessário utilizar estratégias de préestudo e de pós-estudo (BROWN, 1987, apud RIBEIRO, 2003). Para ler um texto (estratégia de estudo), por exemplo, é necessário, dentre outras coisas, definir objetivos de estudo (estratégia de pré-estudo), que por sua vez depende da estratégia “identificar prioridades de estudo” (estratégia de pré-estudo). Para verificar se a leitura foi eficiente, é necessário “avaliar a eficiência das estratégias utilizadas” (estratégia de pós-estudo) e, se não foi eficiente, é preciso “aperfeiçoar as estratégias de estudo” (estratégia de pós-estudo) ou, se foi eficiente, “generalizar a estratégia de estudo utilizada para outros contextos” (estratégia de pós-estudo). Entretanto, nem sempre isso parece acontecer, como pode ser observado na estratégia “registrar informações estudadas”, pois ao passo que 23% afirmam elaborar tópicos sobre informações estudadas, 62% relatam elaborar esquemas, o que leva ao questionamento sobre a qualidade dos esquemas elaborados por esses sujeitos, uma vez que para elaborar esquemas, é preciso primeiramente elaborar tópicos, resumos e/ou sínteses sobre as informações estudadas. Em geral, quando os estudantes ingressam no ensino superior utilizam estratégias, sejam elas de pré-estudo, estudo ou pós-estudo, já consolidadas e “herdadas” do ensino médio, mesmo que muitas vezes tais estratégias sejam ineficazes (RODRIGUES, 2005). Contudo, estudar é uma classe de comportamentos e, portanto, pode ser ensinada. No entanto, não há uma “receita pronta” de como estudar, mas há algumas variáveis, consideradas fundamentais e principais no momento de estudar, que envolvem atividades tanto em ambiente acadêmico quanto em ambiente extra-classe. Vale destacar a relevância da utilização dos três tipos de estratégias delimitadas nessa pesquisa, relacionando-as e reconhecendo a importância de cada uma delas. O tipo específico de estratégia que será utilizada, ou o tempo disponível para estudar é singular para cada estudante e não podem ser definidos e generalizados para todos os estudantes (SILVA & SÁ, 1997). É necessário atentar para o fato de que talvez os estudantes necessitem aprender novas formas de estudar desenvolvendo melhor as estratégias de pré-estudo e de pós-estudo, já que muitas vezes estudar pode ser entendido apenas como as estratégias de estudo propriamente ditas. No entanto, é importante que os estudantes aprendam a utilizar estratégias de pré-estudo e de pósestudo, administrando o tempo disponível para estudar e avaliando a eficiência das estratégias utilizadas, por exemplo, uma vez que assim poderá utilizar as estratégias de estudo de forma mais adequada a sua realidade, levando em consideração o tempo e o local que possui disponíveis para estudar e suas facilidades e dificuldades. É importante ressaltar a relevância de desenvolver pesquisas que investiguem os tipos de estratégias de ensino utilizadas pelos professores, bem como as características do contexto no qual os estudantes estão inseridos, da mesma forma que é importante considerar o histórico de situações de estudo dos sujeitos investigados no momento de analisar os dados coletados. Dados dessa natureza poderiam auxiliar a caracterizar melhor o comportamento de estudar, assim como fornecer subsídios para aperfeiçoar esse processo comportamental. Isso porque estudar é um comportamento complexo, constituído por diversos outros comportamentos e, por ser um comportamento, envolve não apenas as ações do sujeito que se comporta, mas também o contexto em que este se comporta (CORTEGOSO e BOTOMÉ, 2002; VACONCELOS et al, 2005). 6. Referências ALMEIDA, L. S. Facilitar a aprendizagem: ajudar aos alunos a aprender e a pensar. In: Psicologia escolar e educacional. V. 6. Nº 2. Campinas, dez. 2002. BORUCHOVITCH, E. Estratégias de aprendizagem e desempenho escolar: considerções para a prática educacional. In: Psicologia: Reflexão e Crítica. Vol.12. nº 2. Porto Alegre: 1999. ______; et al. A construção de uma escala de estratégias de aprendizagem para alunos do ensino fundamental. In: Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vol. 22, nº 3, p. 297-304, set./dez. 2006. BOTOMÉ, Silvio Paulo et al. Processos comportamentais básicos como objetivos gerais, ou classes gerais de comportamentos, ou competências para a formação de psicólogos. 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