Contribuições das teorias psicogenéticas à construção - AEDi-UFPA

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CONTRIBUIÇÕES DAS TEORIAS PSICOGENÉTICAS À CONSTRUÇÃO DO
CONCEITO DE INFÂNCIA: IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS
CONTRIBUTION OF THE PSYCHOGENETIC THEORIES TO THE CHILDHOOD BUILING PROCESS:
PEDAGOGICAL IMPLICATIONS
Rita Melissa Lepre*
Resumo
O artigo tem como objetivo principal apresentar sumariamente as teorias psicogenéticas de Jean Piaget (18961980), Lev S. Vygotsky (1896-1934) e Henri Wallon (1879-1962) focando suas influências na construção da
concepção atual de infância e de criança. Por meio de um resgate histórico busca situar estas teorias
psicogenéticas no desenvolvimento da Psicologia enquanto ciência independente. Pretende, ainda, refletir sobre
as implicações de tais concepções ao ato pedagógico voltado à infância. Por fim, apresenta e discute a posição de
Neil Postman (1999) em relação ao desaparecimento da infância e suas repercussões na prática docente.
Palavras-chave: ação docente; criança; infância; teorias psicogenéticas.
Abstract
This paper aims to present the psychogenetic theories of Jean Piaget (1896-1980), Lev S. Vygotsky and Henri
Wallon (1879-1962) focusing on their influence on the current childhood and children’s construction conception.
By a historical rescue, it tries to find the following psychogenetic into the Psychology development as an
independent science. It still intends to reflect on the implication of such conceptions in the pedagogical process
focused on the childhood. Finally, it still presents and discusses the position of Neil Postman (1999) considering
the disappearance of the childhood and its reflection on the teaching practice.
Key words: teaching practice; children; childhood; psychogenetic theories.
CONTRIBUIÇÕES DAS TEORIAS
PSICOGENÉTICAS À CONSTRUÇÃO DO
CONCEITO DE INFÂNCIA:
IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face
neutra e te pergunta, sem interesse pela
resposta, pobre ou terrível, que lhe deres:
trouxeste a chave? (DRUMMOND)
A Psicologia surge como ciência no século XX.
Uma visão abreviada de seu nascimento nos remete
ao primeiro laboratório de psicofisiologia criado por
Wilhem Wundt (1832-1920), na Universidade de
Leipizig (Alemanha). No entanto, se essa foi a
condição científica para que a Psicologia recebesse
*
o status de ciência, tal feito não explicita questões
muito mais amplas e decisivas à emergência dessa
nova área do conhecimento.
Segundo Figueiredo (1991) várias foram as précondições sócio-culturais para o aparecimento da
Psicologia como ciência no século XX. A primeira
condição foi a construção de uma experiência da
subjetividade privatizada na época moderna. Com o
colapso da tradição medieval e feudal, seus valores
normas e costumes coletivos passaram a ser
questionados e o homem foi obrigado a recorrer à
sua consciência individual e à reflexão pessoal para
tomar decisões. Surge, dessa forma, o início de uma
construção social, política e científica do ser
humano enquanto indivíduo, possuidor de um
psiquismo único, original e autônomo.
A segunda condição foi o desenvolvimento do
sistema mercantil. O modo de produção capitalista
Psicóloga, Mestre e Doutora em Educação/UNESP. Professora Assistente do Departamento de Educação - Faculdade de Ciências
– Unesp (Bauru).
Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.3, p.309-318, set./dez. 2008.
Contribuições das teorias psicogenéticas à construção do conceito de infância: implicações pedagógicas.
promoveu intensas modificações nas relações
sociais e econômicas. Nas sociedades tradicionais
pré-capitalistas a produção era sempre diretamente
social, pautada em vínculos estreitos e no
comunitarismo. Segundo Figueiredo (1991),
Além dos vínculos com os meios de
produção
e
da
interdependência
comunitária, havia relações entre senhores
e servos ou escravos que, se por um lado,
continham um elemento de exploração de
uns pelos outros, por outro lado
estabeleciam obrigações de proteção,
defesa e apoio dos fortes em relação aos
fracos (p.24-25).
Com a possibilidade do trabalho “livre”,
desapareceram as relações feudais anteriores,
marcadas pela solidariedade grupal e pelo sistema
de exploração/proteção. A liberdade dada ao
homem para que esse pudesse vender sua força de
trabalho deixou, no entanto, o sujeito entregue à
própria sorte.
A terceira condição foi a crise dessa
subjetividade privatizada. Quando o homem
descobre que não é tão único e original e nem tão
livre quanto acreditava, ele entra em crise. Essa
crise representa o cenário ideal para o nascimento
de uma Psicologia científica que busque
compreender e explicar a experiência imediata e
consciente.
Inicialmente, um dos principais objetivos da
Psicologia como ciência foram os projetos voltados
para a previsão e controle científico do
comportamento individual. Com uma concepção
positivista,
a
recém
ciência
psicológica
independente envolve-se com a “ortopedia
científica”.
Em todas estas questões se expressa o
reconhecimento de que existe um sujeito
individual e a esperança de que é possível
padronizá-lo segundo uma disciplina,
normatizá-lo, colocá-lo, enfim, a serviço
da ordem social. Surge, deste modo, a
demanda por uma psicologia aplicada,
principalmente nos campos da educação e
do trabalho (FIGUEIREDO, 1991, p. 31).
Essa primeira Psicologia, pautada na
perspectiva liberal construída no decorrer do
desenvolvimento do capitalismo, caracterizou-se
por pensar o homem a partir da idéia de natureza
humana e de igualdade natural. Dessa forma, os
310
fenômenos psicológicos eram pensados por meio de
idéias naturalizadoras, sem grandes considerações
ao meio social e cultural. Por ser natural, próprio do
ser humano, o fenômeno psicológico era visto como
inato. “Algo que lá está como possibilidade quando
nascemos; algo que deverá ser fertilizado por afeto,
estimulações adequadas e boas condições de vida,
mas que lá está pronto para desabrochar” (BOCK,
2002, p. 22).
Assim como o fenômeno psicológico, questões
referentes ao desenvolvimento e à aprendizagem
humanos foram pensados, inicialmente, pela
Psicologia, por meio dessa concepção inatista, por
conseqüência, naturalizadora. Aliada aos interesses
das elites, essa visão permitia à Psicologia, como
ciência e profissão, determinar padrões de
normalidade e saúde, transformando em anormal o
diferente, o “fora do padrão dominante” (BOCK,
2002).
Para a Educação, a Psicologia pôde oferecer
inicialmente conhecimentos sobre a natureza
humana e os padrões evolutivos normais de
desenvolvimento e aprendizagem, contribuindo para
o planejamento e execução de programas de
recuperação e assistência àqueles que se
distanciavam dessa pretensa “normalidade”.
Focada no indivíduo e no desenvolvimento
natural de suas capacidades, a Psicologia aplicada à
Educação buscava normatizar comportamentos e
ações, culpabilizando aqueles que, por algum
motivo, não se desenvolviam ou aprendiam dentro
do esperado. Bock (2002) afirma que o positivismo
contribuiu para a construção de uma Psicologia que
não se envolvia com as tramas sociais,
desconsiderando aspectos culturais e históricos.
Se inicialmente a Psicologia precisou aderir aos
princípios positivistas de objetividade científica
para se firmar como ciência, com o
desenvolvimento da sua história novas formas de se
pensar o fenômeno psicológico, o desenvolvimento
e a aprendizagem, entre outras questões, foram
sendo possíveis.
Entre os diversos projetos da psicologia
científica como ciência, podemos citar as primeiras
escolas psicológicas representadas pelo pioneirismo
de Wundt (1832-1920), pelo funcionalismo de
William James (1842-1910), pelo estruturalismo de
Edward
Titchner
(1867-1927)
e
pelo
associacionismo de Edward Thorndike (18741949). Durante o século XX outras importantes
teorias foram desenvolvidas pela psicologia
científica como o Behaviorismo (Skinner), a Gestalt
(Koffka e Kohler), a Psicanálise (Freud) e as teorias
Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.3, p.309-318, set./dez. 2008.
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LEPRE
psicogenéticas de Jean Piaget (1896-1980), Lev
Semonovich Vygotsky (1896-1934) e Henri Wallon
(1879-1962).
Neste artigo focaremos as contribuições das
teorias psicogenéticas à construção da concepção
atual de infância e suas implicações educacionais e
pedagógicas. As teorias de Piaget, Vygotsky e
Wallon apresentam afinidades e divergências sobre
determinados temas, mas comungam, ao nosso ver,
de uma visão interacionista de desenvolvimento
humano e aprendizagem. O interacionismo entende
que o desenvolvimento e a aprendizagem humanos
acontecem por meio da interação entre o indivíduo
(questões internas) e o meio (dados externos) onde
está inserido. Dessa forma, o ser humano é visto
como um ser ativo que ao interagir com o mundo se
desenvolve e aprende. A cultura e o momento
histórico nos quais o sujeito está situado também
influenciam o desenvolvimento das possibilidades
cognoscentes.
Essa concepção se opõe às visões inatista
(racionalista) e ambientalista (empirista) no que se
refere ao desenvolvimento e à aprendizagem
humana. A visão inatista, representada pelo
racionalismo, considera a razão e o pensamento
(questões internas) como as únicas fontes do
conhecimento por serem inatos. Baseia-se na
hereditariedade, nos dons, na transmissão e acredita
que a capacidade de conhecer é dada a priori,
nascendo com o indivíduo e limitando suas
possibilidades.
Já
a
visão
ambientalista,
representada pelo empirismo, considera que os
objetos (dados externos) e as experiências sensoriais
são as únicas fontes do conhecimento. Baseia-se nos
estímulos externos que imprimem no homem,
considerado uma folha em branco, determinadas
aprendizagens controladas. Em ambas as
concepções o homem é visto como um ser passivo,
seja pelo pré-formismo espontaneísta, seja pelo
associacionismo mecanicista.
O interacionismo, proposto inicialmente por
Kant no século XVIII, busca acabar com a
exacerbação do sujeito (racionalismo) ou do objeto
(empirismo), propondo uma relação entre ambos.
As teorias psicogenéticas enfocam essa relação
homem ativo/mundo ativo nas suas pesquisas acerca
da construção do conhecimento.
Por meio do pressuposto interacionista, a
psicogenética pode ser definida como o estudo da
origem e do desenvolvimento da mente e do
conhecimento. Portanto, as teorias psicogenéticas
coincidem em seu objeto de estudo: definir a
maneira como se origina e se desenvolve o
conhecimento no ser humano. Como vimos, os
estudos de Jean Piaget (1896-1980), L.S. Vygotsky
(1896-1934) e Henri Wallon (1879-1962) situam-se
nesse grupo de teorias. Apesar de terem partido de
questões diferentes, a partir de contextos diversos,
os três pesquisadores compartilhavam de algumas
preocupações: como se dá o conhecimento humano?
Qual a sua origem? Como se desenvolve? Quais os
seus determinantes? O que é importante no percurso
do seu desenvolvimento?
É importante lembrar que Piaget, Vygotsky e
Wallon realizaram suas pesquisas no campo da
Psicologia, mas que seus nomes foram difundidos,
sobretudo, nos meios educacionais, haja vista a
colaboração de seus estudos para a Educação.
Discutir as contribuições dessas teorias foi o
objetivo do livro Piaget, Vygotsky e Wallon, no qual
Yves de LaTaille, Marta Kohl de Oliveira e Heloysa
Dantas, professores da Universidade de São Paulo
(USP), discutiram os fatores biológicos e sociais do
desenvolvimento psicológico, assim como as
questões da cognição e da afetividade nesses três
autores. Nessa obra os professores pesquisadores
explanaram os conceitos das teorias e discutiram
suas possibilidades e limites num exercício de
reflexão e respeito àquele que delas buscam se
beneficiar seja ele um professor, um psicólogo ou
outro profissional que se interesse pelo
desenvolvimento humano.
AS VICISSITUDES NA CONCEPÇÃO DE
INFÂNCIA E CRIANÇA
“A infância é um artefato social e histórico, e
não
uma
simples
entidade
biológica.”
(STEINBERG e KINCHELOE, 2001, p. 11). Essa
afirmação nos possibilita refletir sobre a infância
como uma fase da vida construída socialmente,
assim como o é a adolescência. Acreditar que a
infância seja um período natural do crescimento é o
mesmo que tentar naturalizar um fenômeno
psicológico, sem considerar influências sociais,
culturais e históricas. “Na realidade, o que nos
últimos anos do século XX foi rotulado como “uma
infância tradicionalmente ocidental” tem apenas
cerca de 150 anos.” (STEINBERG e
KINCHELOE, 2001, p. 11).
Segundo Áries (1981), até meados do século XI
não havia lugar para a infância na sociedade
ocidental. É comum notar, nas pinturas da época,
que as crianças eram retratadas como adultos em
miniatura. Não há nada nesses quadros que
represente bem as crianças, a não ser o seu tamanho
Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.3, p.309-318, set./dez. 2008.
Contribuições das teorias psicogenéticas à construção do conceito de infância: implicações pedagógicas.
diminuto. É somente por volta do século XIII que os
sentimentos para com as crianças começam a surgir
e a arte mostra alguns tipos de crianças um pouco
mais próximas da realidade. No entanto, esses
sentimentos eram muito relativos e expressos por
certa afeição, mas não por uma consciência das
particularidades infantis. Na sociedade medieval o
sentimento de infância era inexistente, o que não
significa dizer que as crianças eram negligenciadas,
abandonadas ou desprezadas. A afeição pelas
crianças estava presente, o que não existia era a
consciência das particularidades infantis, ou seja, a
idéia de que a criança é qualitativamente diferente
do adulto.
Assim, tão logo a criança não precisasse mais
dos cuidados básicos de sua mãe para garantir-lhe a
sobrevivência “ela ingressava na sociedade dos
adultos e não se distinguia mais destes.” (ARIÉS,
1981, p.156). Durante a Idade Média, as crianças
participavam efetivamente do mundo adulto,
ganhando
conhecimentos
profissionais
e
experiência de vida. “O conceito de criança como
uma classificação específica de seres humanos que
requerem um tratamento especial, diferente daquele
aplicado ao adulto, ainda não havia desenvolvido
na Idade Média” (STEINBERG e KINCHELOE,
2001, p. 11).
A partir do século XIV, contudo, surge uma
nova concepção, a qual acreditava existir uma
personalidade própria nas crianças. Essa tendência
representou, com certeza, um grande avanço no
entendimento da infância, refletido nas produções
artísticas dos séculos XVI e XVII, nas quais as
crianças passam a trajar vestimentas que as
diferenciavam dos adultos.
Surge, então, o primeiro sentimento da infância,
caracterizado pela paparicação: as crianças eram
vistas como seres graciosos e que podiam causar
prazeres com seus atos ingênuos e doces. O
sentimento de paparicação começou no século
XVII, no entanto, a receber muitas críticas.
Educadores e moralistas argumentavam que esse
sentimento gerava crianças mal educadas, sem
limites e com pouca preparação para viver em
sociedade. Essas críticas levaram a construção de
um novo sentimento em relação à criança: o de
exasperação. Ele se caracterizava pelo interesse
psicológico pela criança e por sua formação moral,
condenando pais que tratavam seus filhos como
“bonequinhos”, feitos para distração e brincadeiras.
No entanto, se o primeiro surgiu no meio
familiar, o segundo foi derivado das idéias de
educadores e moralistas do século XVII,
312
preocupados com a disciplina e a formação moral
das crianças. Kant é um deles. Em Sobre a
pedagogia (1996), ele afirma que a educação é o
que retira o homem de sua condição de selvageria.
“O homem tem necessidades de cuidados e de
formação. A formação compreende a disciplina e a
instrução.” (KANT, 1996, p. 14). Segundo esse
autor, a disciplina é necessária, pois transforma a
animalidade em humanidade. Uma das funções da
educação, nesse caso, é disciplinar: restringir no
homem suas vontades individuais e impulsos
egoísticos. Essa educação deveria começar em casa
e continuar na escola.
Esse novo sentimento mostrava o crescente
interesse pelas crianças, reconhecendo nelas
particularidades
outrora
negligenciadas,
e
preocupando-se com sua formação. Essa nova
concepção é também interiorizada pelas famílias
que passam a se preocupar com a educação de seus
filhos.
Resgatando as idéias que expusemos até aqui,
podemos dizer que da ausência de um sentimento
ligado à infância, surge o de paparicação que deriva
para o de formação moral. A figura do preceptor é
substituída pela do professor. Surge, então, a escola
como instituição, preocupada com a formação
intelectual e moral das crianças.
Teorias como as de Montaigne, Locke e
Rousseau surgem a partir dessa nova concepção de
infância, cada uma trazendo suas particularidades, é
claro.
Explica Ghiraldelli (1996),
[...] o século XVIII, em que um novo
sentimento dos adultos em relação às
crianças já caracteriza a presença social da
noção de infância, o que proporciona o
advento de uma pedagogia que advoga
uma disciplina autônoma, e não mais
heterônoma. Se Locke trabalha com o
objetivo de estabelecer as condições da
liberdade dos homens, Montaigne, antes
dele, quer que os adultos façam da criança
um homem – o que já significa considerar
que ela não é um “adulto em miniatura” – e
Rousseau, depois dele, quer que os adultos
deixem a criança ser criança, de modo que
a infância aconteça, pois ela é o que há de
melhor nos homens (GHIRALDELLI,
1996, p. 15).
Enfim, a infância estava diferenciada. As
crianças passaram a ser vistas como seres
peculiares, portadoras de uma personalidade própria
Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.3, p.309-318, set./dez. 2008.
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e de um pensamento e inteligência qualitativamente
diferente dos adultos.
No entanto, é com o advento das teorias
psicogenéticas, no século XX, que essas idéias
ganham força. A partir de Piaget, Vygotsky e
Wallon o olhar para a criança não foi mais o
mesmo. Essa passou a ser vista como
qualitativamente diferente do adulto, com
características próprias nos campos da cognição,
afetividade e moralidade. Enfim, um ser integral,
ativo e interativo. Vejamos como cada um desses
autores contribuiu para a construção dessa
concepção de criança e, conseqüentemente, de
infância e quais as implicações pedagógicas de suas
teorias psicogenéticas.
A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA DE JEAN
PIAGET
Jean Piaget (1896-1980), epistemólogo suíço,
descobre por meio de suas investigações que a
criança tem uma lógica própria, diferente da do
adulto, e que há um caminho psicogenético a ser
seguido na sua evolução. É Piaget, ainda, que
inicialmente divulga o chamado princípio da
atividade2, concebendo a criança como um ser
ativo, construtora do seu próprio saber, onde a ação
é regida pela necessidade e pelo interesse.
Como ressalta Vasconcelos (1996),
Piaget difundiu a idéia de que o processo
que leva a criança a conhecer o mundo é
um processo de criação ativa, em que toda
a aprendizagem se dá a partir da ação do
sujeito sobre os objetos. Um sujeito
intelectualmente ativo, que constrói seu
conhecimento sobre a ação, não é um
sujeito que tem apenas uma atividade
observável, mas um sujeito que compara,
exclui, categoriza, coopera, formula
hipóteses e as reorganiza, também em ação
interiorizada (VASCONCELOS, 1996, p.
21).
A teoria de Piaget é a matriz do Construtivismo,
linha teórica proposta pelo Ministério da Educação
2
O russo Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979), um dos
colaboradores mais próximos de Vygotsky, também
desenvolveu uma teoria da atividade. Numa visão sóciohistórica, Leontiev define as atividades humanas como
formas de relação do homem com o mundo, dirigidas por
motivos e por fins a serem alcançados. A estrutura da
atividade humana é analisada em três níveis de
funcionamento: a atividade propriamente dita, as ações e as
operações.
e Cultura (MEC) para o planejamento, execução e
avaliação das atividades pedagógicas nas escolas
brasileiras. No entanto, é importante ressaltarmos
que Piaget não teve uma preocupação
eminentemente pedagógica e sim epistemológica,
ou seja, esse autor teve como centro de suas
investigações o sujeito epistêmico. Dessa forma,
não propôs um método de ensino ou elaborou
materiais pedagógicos, mas ofereceu à Educação
esclarecimentos sobre o modo peculiar de raciocinar
que as crianças apresentam em diferentes estádios
da vida.
“Normalmente, Piaget pouco falava em
“construtivismo”, prefereindo a expressão “autoregulação” que, segundo ele, é o fenômeno que
explica a novidade (construção de novas estruturas
e de novos esquemas).” (LIMA, 1997, p. 104). No
entanto, embora o termo construtivismo não seja
freqüente nos textos piagetianos, esse autor chega a
declarar-se como adepto desse tipo de explicação
epistemológica que ultrapassa o apriorismo e o
empirismo.
Segundo esse autor alguns fatores são
fundamentais para o desenvolvimento das estruturas
cognitivas, são eles: a maturação do Sistema
Nervoso Central; a interação com objetos físicos
(abstração empírica e abstração reflexiva); a
interação social e a equilibração. Este último
considerado o mais importante e central na obra
piagetiana. A inteligência, para Piaget, que tem sua
formação inicial em Biologia, é um mecanismo de
busca de equilíbrio com o meio. Para tanto, o ser
humano dispõe de mecanismos cognitivos para
entender as situações de aprendizagem e construir o
conhecimento. Esses mecanismos recebem o nome
de assimilação e acomodação e são os responsáveis
pela equilibração cognitiva.
Ser inteligente é, com efeito, ser capaz de
se construir esquemas de pensamento, com
os quais poder-se-á chegar autonomamente
a conhecimentos, a respostas certas, cujo
valor cognitivo depende fundamentalmente
dos esquemas que foram capazes de gerálos, por conta de uma subjetividade
engajada na sua trajetória, que é uma
aventura plena de desafios e de surpresas, a
qual exige muita criatividade e arrojo
(GROSSI, 1997, p.130).
Piaget
definiu
quatro
estágios
do
desenvolvimento cognitivo: o sensório-motor (0-2
anos), o pré-operatório (2-7 anos), o operatórioconcreto (7-12 anos) e o operatório-formal (12 anos
Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.3, p.309-318, set./dez. 2008.
Contribuições das teorias psicogenéticas à construção do conceito de infância: implicações pedagógicas.
em diante). Em cada estágio define a maneira que a
criança raciocina e que busca resolver os desafios
propostos pelo meio. Diferencia o pensamento
infantil do pensamento adulto, atribuindo
peculiaridades, não pensadas anteriormente, ao
raciocínio das crianças.
A teoria de Piaget encontra-se no grupo das
teorias cognitivo-evolucionistas, tendo como base
os seguintes pressupostos:
a) o desenvolvimento inclui transformações
básicas das estruturas cognitivas, que não podem ser
explicadas por meio dos parâmetros da
aprendizagem associacionista (reforço, repetição,
punição, etc.), mas por parâmetros de totalidades
organizativas ou sistemas de relações internas;
b) o desenvolvimento das estruturas cognitivas
resulta de processos de interação entre o organismo
e o meio em que a pessoa está inserida
(interacionismo);
c) as estruturas cognitivas são sempre estruturas
de ação sobre objetos que evoluem de esquemas
sensório-motores para esquemas simbólicos;
d) o desenvolvimento das estruturas cognitivas
leva a formas superiores de equilíbrio, o que
otimiza a interação e a reciprocidade entre a ação do
organismo sobre o objeto (ou situações) e a ação do
objeto percebido sobre o organismo.
questionou os pressupostos da psicologia enquanto
ciência natural (positivista) que entendia o
fenômeno psicológico como a-histórico. Para esse
autor o fenômeno psicológico não pertence à
natureza humana e nem é pré-existente ao homem.
“O fenômeno psicológico deve ser entendido como
construção no nível individual do mundo simbólico
que é social.” (BOCK, 2002, p. 22). Dessa forma, o
fenômeno psicológico reflete a condição social,
econômica e cultural em que vivem os homens.
Os
pilares
básicos
do
pensamento
Vygotskyano4 são os seguintes: - as funções
psicológicas têm um suporte biológico, pois são
produtos da atividade cerebral; - o funcionamento
psicológico fundamenta-se nas relações sociais
entre os indivíduos e o mundo exterior, que se
desenvolvem num processo histórico e cultural, - a
relação homem-mundo não é uma relação direta,
mas mediada por sistemas simbólicos, sendo a
linguagem o mais importante.
Segundo Oliveira (1992),
Falar da perspectiva de Vygotsky é falar da
dimensão social do desenvolvimento
humano. Interessado fundamentalmente no
que chamamos de funções psicológicas
superiores, e tendo produzido seus
trabalhos
dentro
das
concepções
materialistas predominantes na União
Soviética
pós-revolução
de
1917,
Vygotsky tem como um de seus
pressupostos básicos a idéia de que o ser
humano constitui-se enquanto tal na sua
relação com o outro social (p. 24).
Em resumo, o desenvolvimento humano, para
Piaget, consiste em se alcançar o máximo de
operacionalidade em suas atividades motoras,
mentais, verbais e sociais e a aprendizagem está
intimamente relacionada a tal operacionalidade.
A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA DE
VYGOTSKY
O russo Lev Semenovich Vygotsky (18961934) teve sua formação inicial em Direito. No
entanto, aprofundou seus estudos em história,
filosofia e psicologia e seu interesse em
compreender os problemas neurológicos como
meios para desvendar o funcionamento do aparelho
psíquico, o levou a formar-se, ainda, em Medicina.
Vygotsky, em pareceria com Luria e Leontiev3,
foi o fundador da Psicologia Sócio-histórica, que
3
Vygotsky, Luria e Leontiev faziam parte de um grupo de
jovens intelectuais da Rússia pós-revolução que se autointitulava Troika. “Baseados na crença da emergência de
uma nova sociedade, seu objetivo mais amplo era a busca
do “novo” (...) Mais especificamente, busacavam a
construção de uma “nova psicologia”. (OLIVEIRA, 1993,
p. 22)
314
O conceito de mediação é central no
pensamento vygotskyano. A linguagem humana é
considerada o sistema simbólico (formada por
signos) fundamental na mediação entre o sujeito e o
objeto de conhecimento. Outro grupo de
mediadores, citado por Vygotsky, são os
instrumentos, que são elementos externos ao sujeito
e visam mudanças na natureza.
A relação entre pensamento e linguagem
também ocupa lugar de destaque nos estudos desse
autor. Para Vygotsky existe uma fase pré-linguística
do pensamento (inteligência prática) e uma fase préintelectual da linguagem (linguagem ainda não tem
a função de signo) antes do pensamento e da
4
Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.3, p.309-318, set./dez. 2008.
Optamos por utilizar o termo pensamento vygotskyano ao
invés de teoria vygotskyana pois “sua produção escrita não
chega a constituir um sistema explicativo completo,
articulado, do qual pudéssemos extrais uma “teoria
vygotskyana” bem estruturada. (OLIVEIRA, 1993, p. 21)
315
LEPRE
linguagem se associarem. Por volta dos dois anos de
idade, o percurso do pensamento encontra-se com o
da linguagem construindo-se, por meio das
interações sociais, o pensamento verbal e a
linguagem racional. Nesse momento, Vygotsky
afirma que ocorre a transformação do ser biológico
no ser sócio-histórico.
No que diz respeito às relações entre
aprendizado e desenvolvimento, podemos afirmar
que o pensamento vygotskyano é o que oferece
mais dados e possibilidades para uma intervenção
pedagógica.
O
conceito
de
zona
de
desenvolvimento proximal oferece à pedagogia
subsídios para pensar o papel do professor e de
colegas mais experientes como mediadores no
desenvolvimento das crianças. A zona de
desenvolvimento proximal (ZDP) é formada pela
distância entre o nível de desenvolvimento real,
definido por aquilo que o sujeito já consegue fazer
sem a ajuda de ninguém, e o nível de
desenvolvimento
potencial,
definido
pela
capacidade de desempenhar tarefas com a ajuda de
um membro mais experiente da cultura.
Ao intervir na ZDP, o professor auxilia o aluno,
por meio de novas aprendizagens, a trazer aquilo
que estava no nível potencial para o nível real.
A implicação dessa concepção de
Vygotsky para o ensino escolar é imediata.
Se
o
aprendizado
impulsiona
o
desenvolvimento, então a escola tem um
papel essencial na construção do ser
psicológico adulto dos indivíduos que
vivem em sociedades escolarizadas
(OLIVEIRA, 1993, p. 61).
Dessa forma, o desenvolvimento na perspectiva
sócio-histórica é entendido como algo que se torna
possível porque “o homem está imerso em uma
sociedade na qual atividades instrumentais e
relações sociais direcionam o desenvolvimento
humano” (BOCK, 2002, p. 30). A cultura torna-se
parte da natureza humana e o homem se desenvolve
à sua própria imagem e semelhança. No que se
refere à conceituação de infância, Vygotsky afirma
que é um período culturalmente construído e que a
construção de conceitos científicos pela criança,
depende de um trabalho intencional do professor
e/ou de outros membros mais maduros da cultura na
Zona de Desenvolvimento Proximal.
A PSICOGENÉTICA DE HENRI WALLON
O francês Henri Wallon (1879-1962) tem a sua
psicogenética marcada pela filosofia e pela
medicina, daí os grandes questionamentos
filosóficos acerca da psicologia na corrente do
pensamento ocidental e a preocupação constante em
reafirmar a base orgânica das funções psíquicas.
Esse autor buscou elaborar uma teoria do
desenvolvimento cognitivo que estivesse centrada
na psicogênese da pessoa completa.
Ao definir a inteligência, Wallon a concebe
como genética e organicamente social, ou seja, o ser
humano tem a sua estrutura orgânica intimamente
ligada aos fatores sociais e culturais para se
atualizar. Nas crianças, no entanto, o pensamento
está inicialmente submetido
às
questões
fisiológicas. “Os limites da criança são de origem
fisiológica, enquanto que, em cada época, os do
adulto dependem das condições históricas e
culturais” (WALLON, 1989, p. XI).
Buscando compreender o psiquismo
humano, Wallon volta sua atenção para a
criança, pois através dela é possível ter
acesso à gênese dos processos psíquicos.
De uma perspectiva abrangente e global,
investiga a criança nos vários campos de
sua atividade e nos vários momentos de
sua evolução psíquica. Enfoca o
desenvolvimento em seus domínios
afetivo, cognitivo e motor, procurando
mostrar quais são, nas diferentes etapas, os
vínculos entre cada campo e suas
implicações com o todo representado pela
personalidade (Galvão, 1995, p. 11).
Movimento,
emoção,
inteligência
e
personalidade foram os grandes temas pesquisados
por Wallon. “Mas o grande eixo é a questão da
motricidade; os outros surgem porque Wallon não
consegue dissocia-lo do conjunto do funcionamento
da pessoa” (DANTAS, 1992, p. 37). Segundo
Wallon, o desenvolvimento da inteligência vai do
ato motor ao ato mental, por meio de processos de
internalização ativa da criança, que é concebida
como um ser inicialmente fisiológico que com as
interferências do social e da cultura passará a ter seu
desenvolvimento biológico e psíquico intimamente
ligado à interação com o meio.
“Construindo-se mutuamente, sujeito e objeto,
afetividade e inteligência, alternam-se na
preponderância
do
consumo
da
energia
psicogenética” (DANTAS, 1992, p. 42). A partir
dessa constatação, Wallon define fases da
inteligência nas quais há predominância ora de
Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.3, p.309-318, set./dez. 2008.
Contribuições das teorias psicogenéticas à construção do conceito de infância: implicações pedagógicas.
fatores afetivos/emocionais, ora de fatores
cognitivos. O desenvolvimento infantil é
descontínuo e marcado por contradições e conflitos,
gerados pela maturação fisiológica e pelas
condições ambientais, o que gera alterações
qualitativas no comportamento da criança.
Um dos pontos em que as psicogenéticas de
Wallon e de Piaget se confrontam é justamente esse:
o modo como ocorre o processo de
desenvolvimento. Para Piaget, que pretendia a
gênese da inteligência, o desenvolvimento é um
processo contínuo, sem retrocessos, em que
estruturas anteriores servem de base para
construções posteriores. Para Wallon, que pretendia
a gênese da pessoa completa, o desenvolvimento é
um processo descontínuo, não linear, e a passagem
de um estágio para o outro é marcada por crises que
afetam a conduta da criança. Essas crises, ora têm
predominância de fatores afetivos, ora de fatores
cognitivos.
Wallon
propõe
cinco
estágios
no
desenvolvimento do ser humano:
O
impulsivo-emocional
(1o.
ano),
com
predominância dos aspectos afetivos, em que o bebê
apresentará sua primeiras reações à pessoas, às quais são
consideradas mediadoras da sua relação com o mundo
físico. É um estágio de construção do sujeito, onde o
trabalho cognitivo está latente e indiferenciado da
atividade afetiva. Conflito de natureza endógena.
o
• O sensório-motor e projetivo (até por volta do 3 .
ano), em que surge a inteligência prática e que a criança
poderá dedicar-se à construção da realidade. Por meio da
aquisição da marcha, a criança ganha maior autonomia
para explorar objetos físicos e espaços. Também nesse
estágio ocorre o desenvolvimento da linguagem,
possibilitado pela construção da função simbólica que,
inicialmente, projeta-se em atos, por isso a denominação
de projetiva. Predominância funcional cognitiva. Conflito
de natureza exógena.
• O personalismo (dos 3 aos 6 anos), que se refere à
formação da personalidade. Neste estágio desenvolve-se
a consciência de si mesmo, mediante as interações
sociais com os outros. Exploração de si mesmo. Início
do emprego do pronome Eu. Predominância afetiva.
Conflito de natureza endógena.
• O categorial (dos 6 aos 11 anos), no qual a
diferenciação da personalidade, conquistada no estágio
anterior, possibilita grandes progressos intelectuais.
Cresce o interesse pelo conhecimento. Construção das
capacidades de seriação, classificação e categorização.
Predominância das relações cognitivas. Os sentimentos
são elaborados no plano mental. Conflito de natureza
exógena.
•
316
O da puberdade e adolescência (a partir dos 11
anos), que é um estágio fecundo em conflitos. Retomada
do conflito eu-outro, próprio do personalismo, agora
desencadeado pela crise pubertária. Exploração de si
mesmo com uma identidade autônoma, mediante
atividades
de
confronto,
auto-afirmação
e
questionamentos. Predominância afetiva. Conflito de
natureza endógena.
•
Apesar da proposição de estágios de
desenvolvimento, Wallon afirma que há extrema
dependência e estreita relação entre eles e que a
criança é um ser integral. Para esse autor, estudar a
criança, além de trazer compreensões sobre o
psiquismo humano, contribui de forma significativa
para a Educação. Ao contrário de Piaget, a
preocupação pedagógica é presença forte na
psicologia de Wallon.
O DESAPARECIMENTO DA INFÂNCIA?
IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS
As teorias psicogenéticas de Piaget, Vygotsky e
Wallon são interacionistas. Isso quer dizer que
consideram a ação do meio e suas peculiaridades no
desenvolvimento e na aprendizagem humana,
pressupondo trocas ativas entre o organismo e o
ambiente. Portanto, pensar o desenvolvimento e a
aprendizagem humana nesse início de século XXI,
sob a ótica desses três autores, solicita levarmos em
conta as evoluções (ou involuções?) culturais e
socias presentes na contemporaneidade.
Como vimos anteriormente, a infância é um
constructo social que recebeu diferentes sentidos ao
longo da história social dos seres humanos. “Assim,
a infância é uma criação da sociedade sujeita a
mudar sempre que surgem transformações sociais
mais amplas.” (STEINBERG e KINCHELOE,
2001, p. 12).
Neil Postman (1999) afirma em seu livro O
desaparecimento da infância que o conceito de
infância como uma fase de construções peculiares,
em que a criança é vista como um ser
qualitativamente diferente do adulto, está em fase
de extinção. Segundo o autor, o avanço das novas
tecnologias de comunicação vem redefinindo as
relações entre adultos e crianças ao longo da
história. A grande massa de informações
disponíveis eletronicamente para adultos e crianças,
indefinidamente, seria a responsável, segundo esse
autor, pela destruição das fronteiras que demarcam
essas duas fases da vida.
As evidências podem ser notadas pela
homogeneização de hábitos infantis e adultos no
Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.3, p.309-318, set./dez. 2008.
317
LEPRE
que se refere às vestimentas, linguagem,
alimentação, profissionalização e, principalmente, o
acesso a informações que antes eram restritas aos
adultos. As conseqüências de tal indiferenciação
apontam para uma erotização precoce e até para o
aumento de crimes cometidos por crianças.
A televisão, para o autor, é um dos principais
mecanismos que vêm diluindo a fronteira entre o
que é ser adulto e o que é ser criança. O acesso à
informação televisiva é simples, pois só requer
algumas aptidões como ouvir e enxergar e o
entendimento da fala, que é adquirido pelas crianças
já no primeiro ano de vida. E o que poderíamos
pensar sobre a internet? A rede mundial de
computadores
trocando
informações
entre
internautas de seis, sete anos? O acesso também é
simples, desde que a leitura e um mínimo de
conhecimentos eletrônicos que fazem parte da vida
das crianças desde a mais tenra idade permitam.
Considerados
os
aspectos
sociais
contemporâneos e suas influências na construção de
um novo entendimento de infância, vejamos como
as psicogenéticas expostas neste trabalho, que
contribuíram para a construção da imagem de
infância como uma etapa no ciclo de vida e de
criança como um ser ativo e qualitativamente
diferente do adulto, implicaram numa forma
peculiar de se entender algumas questões
educacionais.
Segundo Galvão (1995),
Ao fornecer informações e explicações
acerca das características da atividade da
criança nas várias fases de seu
desenvolvimento, a psicologia genética
constitui-se numa valiosa ferramenta para a
educação. Possibilita uma maior adequação
dos objetivos e métodos pedagógicos às
possibilidades e necessidades infantis,
favorecendo uma prática de melhor
qualidade, tanto em seus resultados como
em seu processo (p.97).
As transformações do pensamento e da
inteligência infantil sincrética, pré-formal e préconceitual para um pensamento e inteligência adulto
conceitual e formal estão presentes nas três
propostas. As implicações educacionais e
pedagógicas são imediatas, pois ao compreender
como a criança pensa, o professor pode planejar
como trabalhar para que o conhecimento seja
compartilhado e construído pelos alunos.
A metodologia adotada pelo professor deverá
proporcionar situações de ensino que sejam
coerentes com o desenvolvimento da inteligência do
aluno e não com a idade cronológica dos
indivíduos.
O trabalho em equipes é um recurso
metodológico que recebe atenção especial do
construtivismo e das teorias psicogenéticas. Em
1935, Piaget escreveu o artigo “Observações
psicológicas sobre o trabalho em grupo”, no qual
aponta as vantagens do trabalho em equipes na
escola e afirma que este método está fundado nos
mecanismos essenciais da psicologia da criança.
Segundo esse autor,
É, portanto, possível, a título de conclusão,
sublinhar as vantagens do trabalho em
grupo do ponto de vista da própria
formação do pensamento. Todos nossos
colaboradores concordam em ver nessa
técnica uma fonte de iniciativa. Quase
todos admitem igualmente (...) que o grupo
desenvolve a independência intelectual de
seus membros. Os frutos específicos do
método são, pois, o espírito experimental,
por um lado, e, por outro, a objetividade e
o progresso do raciocínio (PIAGET, 1998,
p. 150).
Uma outra implicação educacional-pedagógica
das teorias psicogenéticas que ora apresentamos é a
questão do movimento do pensamento e suas
repercussões na organização do trabalho do
professor. Os três autores que abordamos nesse
artigo têm como suporte filosófico a dialética (seja
ela apresentada nos moldes Kantianos ou
Marxistas), ou seja, consideram o movimento do
pensamento dialético, passando da ação para a
conceituação, na construção de conhecimentos.
Reconhecer tal afirmação significa considerar que
as atividades realizadas em sala de aula devem
partir da própria atividade do aluno, da interação
com o objeto de aprendizagem para posteriormente
poder se concretizar no nível da reflexão
metacognitiva, ou seja, da conceituação.
Para finalizar, pensamos que as teorias
psicogenéticas de Piaget, Vygotsky e Wallon
contribuíram de forma decisiva para a construção da
conceituação de infância como uma etapa específica
do ciclo de vida e de criança como um ser ativo e
integral, dotado de uma forma peculiar de
raciocinar, qualitativamente diferente do adulto.
Quanto às possibilidades apresentadas por
Postman, preferimos o equilíbrio do meio termo: a
Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.3, p.309-318, set./dez. 2008.
Contribuições das teorias psicogenéticas à construção do conceito de infância: implicações pedagógicas.
infância não está desaparecendo, mas sim se
transformando. Ora, o mundo está se transformando, a
vida transforma-se cotidianamente, o planeta
transforma-se, os homens transformam e são
transformados. Tais mudanças e transformações, nem
sempre positivas, representam o próprio movimento
do estar vivo e, ao nosso ver, a complexidade desses
processos não pode ser explicada pela adoção de
uma tecnofobia, posição insinuada pelo autor.
A Psicologia é, sem dúvida, uma ciência que
apresenta grandes possibilidades de pensar e
significar tais transformações, incluindo, àquelas
pertinentes à Educação!
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Recebido: 01/11/2007
Aceito: 01/03/2008
Endereço para correspondência: Rua Oliciar de Oliveira Guimarães 11-61 - Jardim América – Bauru – SP - [email protected]
Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.3, p.309-318, set./dez. 2008.
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