CAPA_21.1:Focus 17.1 21/09/11 15:10 Página 1 # 21.1 2011 - 10 $ / 10 € A revista internacional para o Médico Veterinário de animais de companhia Endocrinopatias Hipotiroidismo canino • Diabete melito felina • Epidemiologia do diabete melito felino • Como abordar... A doença de Addison no cão • Hipercalcemia: diagnóstico e opções de tratamento no cão e no gato • Endocrinopatias atípicas caninas e felinas • Alopecia endócrina no cão • Guia destacável... Diagnóstico e tratamento do hipercortisolismo canino CapaBrasil171:Focus 17.1 13/04/10 19:22 Página 2 O grande objetivo dos pesquisadores que trabalham para a Royal Canin é compartilhar nosso conhecimento com os nossos colegas da comunidade veterinária, através de variados artigos e livros. ! ! ! -" # # ! " ! #( ! ! ! " ,+ # ! # " ! - ! !# !"1 ! #" ! " ! # # # " ! " " !!+ " !! " $ ! $ ! " ! ! ,+ # ! !# " ! " ! "/ ! #" ! ! # ! $ ! , ! # ! ) ! "0 ! # * ! ,+ + ! # !+ !! !" / #" ( " "# # !! + ! + " ! # & ! . " ! # !" 3 " ' #!4 !") " " ! ! " ! ! " " ! " ! " ! 2 % ! #! ! $ " ! " ! + ! ! ! #" ! " " " ! ! ! , ! !! # & !! ! 1 ! & !! ! ! #" ! # #" ! # " !" # ,+ ! ! ! ! !" ! + ( ,+ ! ! ! " + ! !# ! " #,1 ! + !!# ! + " !! " ! 1 ! MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 1 2011 # 21.1 © Shutterstock VETERINARY A revista internacional para o Médico Veterinário de Animais de Companhia A revista Veterinary Focus é publicada em Inglês, Francês, Alemão, Chinês, Italiano, Polonês, Português, Espanhol, Japonês, Grego e Russo. EDITORIAL A Endocrinologia representa um tema fascinante, mas que, por vezes, é sinônimo de frustração para o Médico Veterinário. As vias químicas, a interdependência dos diferentes órgãos e a miríade de efeitos hormonais constituem um desafio para todos os que trabalham com animais domésticos. Dada a sensibilidade dos exames de que dependemos para a formulação do diagnóstico e a nova geração de medicamentos de que dispomos para o tratamento das diversas endocrinopatias, poderíamos ser tentados a postular que o estudo de distúrbios endócrinos é um novo ramo da Medicina, o que seria totalmente errado! Na China, essa ciência já foi reconhecida há cerca de dois milênios; o diabete melito humano não só foi documentado, mas também tratado com certo grau de êxito no ano 1000 d.C. A palavra hormônio remonta ao idioma grego antigo e significa impulso ou movimento. A complexidade do sistema endócrino pode atrair tanto o cientista como o filósofo: a elegância dos mecanismos de feedback negativo homeostático e o envolvimento interligado de hormônios neuroendócrinos e tróficos (as secreções químicas do hipotálamo e da hipófise que controlam a produção de outros hormônios em diferentes regiões do organismo) podem parecer um microcosmo do sistema de controle perfeito e ideal. No entanto,a Endocrinologia também pode ser ilusoriamente simples: quanto mais nos aprofundamos, mais complexa ela se torna, o que é particularmente verdade quando um desses sistemas de controle estiver com problemas. A própria natureza dos hormônios, que afetam inúmeros elementos do funcionamento diário do animal, implica uma apresentação clínica frequentemente variável e enganosa, uma etiologia tipicamente obscura e difícil de decifrar; por esse motivo, a manutenção de um tratamento bem-sucedido constitui, muitas vezes, um verdadeiro desafio. Nas páginas seguintes, o leitor poderá encontrar um vasto leque de informações atualizadas, produzidas por alguns dos melhores autores dessa área. Se a presente edição da revista veterinária FOCUS cumprir seus objetivos e fornecer ao leitor mais conhecimento sobre a temática “Endocrinologia”, talvez se possa afirmar que a revista, em si, é como um hormônio que impulsiona o Médico Veterinário Ewan McNeill Editor-Chefe SUMÁRIO p. 02 Hipotiroidismo canino Victor Castillo p. 09 Diabete melito felino Claudia Reusch Epidemiologia do diabete melito felino p. 17 Como abordar... A doença de Addison no cão p. 19 Hipercalcemia: diagnóstico e opções de tratamento no cão e no gato p. 27 Endocrinopatias atípicas caninas e felinas p. 35 Alopecia endócrina no cão p. 40 Guia destacável... Diagnóstico e tratamento do hipercortisolismo canino p. 47 Elizabeth Lund Catharine Scott-Moncrieff Joao Felipe de Brito Galvao, Dennis Chew e Patricia Schenck Ghita Benchekroun e Dan Rosenberg Fabia Scarampella Sara Galac Veterinary Focus, Vol 21 n°1 - 2011 Encontre os volumes mais recentes da revista veterinária Focus no website IVIS: www.ivis.org Consultores Editoriais: • Dr.ª Denise A. Elliott, BVSc (Hons), PhD, Dipl. ACVIM, Dipl. ACVN, Health and Nutritional Sciences Director, Royal Canin, França • Dr. Philippe Marniquet, DVM, Publishing & Scientific Events Manager, Royal Canin, França • Dr.ª Pauline Devlin, BSc, PhD, Communications and External Affairs, Royal Canin, RU • Dr.ª Franziska Conrad, DVM, Scientific Communications, Royal Canin, Alemanha • Dr.ª Laura Diana, DVM, Dipl. FCV, UBA, Scientific Communications, Royal Canin, Argentina • Dr.ª María Elena Fernández, DVM, ScientificCommunications, Royal Canin, Espanha • Hervé Marc, Global Corporate Affairs Manager, Royal Canin, França • Giulio Giannotti, BSc, Product Manager, Royal Canin, Italia Ilustração: • Youri Xerri Controle de qualidade da tradução: • Dr.ª Imke Engelke (Alemão) • Dr.ª Dr. Noemi Del Castillo, (Espanhol) • Dr.ª Carla Teixeira e Dr.ª Inês Barbosa (Português) • Dr. Giulio Giannotti (Italiano) • Prof. Dr. R. Moraillon (Francês) • Dr. Matthias Ma (Chinês) • Dr. Ben Albalas (Grego) • Dr. Atsushi Yamamoto (Japonês) • Dr. Boris Shulyak, PhD (Russo) • Dr.ª Luciana D. de Oliveira (Português) Editor: • Ewan McNeill, BVMS, Cert VR, MRCVS Secretário Editorial: • Laurent Cathalan [email protected] • Olivia Amos Publicado por Royal Canin Publicado por: Buena Media Plus CEO: Bernardo Gallitelli Morada: 85, avenue Pierre Grenier 92100 Boulogne – France Telefone: +33 (0) 1 72 44 62 00 Impresso no Brasil por Intergraf ISSN 0965-4577 Circulação: 80,000 cópias Depósito legal: Fevereiro 2011 As autorizações de comercialização dos agentes terapêuticos para uso em animais de companhia variam muito a nível mundial. Na ausência de licença específica, deve ser considerada a publicação de advertências e precauções adequadas, antes da administração de tais medicamentos MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 2 Hipotiroidismo canino Victor Castillo, PhD Clínica de Pequenos Animais, Universidade de Buenos Aires, Argentina O Dr. Castillo graduou-se em Medicina Veterinária, em 1988, na Universidade de Buenos Aires (UBA), concluindo Doutorado com tese sobre Doenças da Tiroide e Desenvolvimento Ósseo. Endocrinologista reconhecido pela Sociedade Argentina de Endocrinologia e Metabolismo, Victor Castillo desempenha atualmente as funções de Professor Associado de Clínica de Pequenos Animais na UBA, onde é responsável pela Unidade de Endocrinologia do Hospital Veterinário. Demonstra particular interesse em adenomas produtores de ACTH, hipercortisolismo e carcinoma da tiroide canino. Introdução O hipotiroidismo é o distúrbio endócrino mais comum no cão. A maioria dos casos afeta cães com mais de 1 ano de idade, embora cerca de 10% deles se verifiquem em animais mais jovens. Um número reduzido (aproximadamente 3%) de casos é congênito, enquanto os restantes estão relacionados com a doença adquirida durante o crescimento. A glândula tiroide canina está situada lateralmente em relação à traqueia, na região dos anéis traqueais proximais (1). Do ponto de vista histológico, a unidade funcional consiste no folículo tiroidiano, constituído PONTOS-CHAVE O hipotiroidismo é a endocrinopatia mais comum no cão. São identificadas tanto a forma adulta como a forma juvenil. É indispensável conhecer os parâmetros endócrinos e evolutivos para compreender essa doença. Os sinais clínicos são variáveis e nem sempre consistem nas manifestações típicas - obesidade, letargia e má condição da pelagem - descritas em diversos manuais. 2 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 pelas células foliculares (tirócitos) e pela glândula contém folículos grandes (em repouso) e pequenos (ativos) (Figura 1). A embriogênese e a maturação do eixo tiroide fetal podem ser divididas em três períodos: - O primeiro período corresponde à embriogênese da glândula. A tiroide forma-se na terceira e quarta bolsas faríngeas, por baixo do que virá a ser a língua. A migração da tiroide em direção à traqueia e o início da sua função fisiológica são regulados por fatores de transcrição. O TSH-R (receptor do hormônio tirostimulante - TSH) surge no final do desenvolvimento embrionário da glândula, com o início da absorção de iodo pela glândula tiroide fetal (2). Durante essa fase, 100% da tiroxina (T4) têm origem materna, sendo essencial para o desenvolvimento correto do sistema nervoso e de outros tecidos embrionários. - O segundo período corresponde à maturação do eixo tiroide fetal e começa quando a tiroide atinge sua localização anatômica. Nessa altura, o hipotálamo passa a liberar o hormônio liberador de tireotrofina (TRH) e, consecutivamente, iniciam-se os processos de síntese e liberação de TSH, absorção de iodo pela glândula tiroide fetal e síntese de T4. Notar que uma grande proporção de T4 sofre desiodação no feto para a forma reversa de tri-iodotironina (rT3). Durante esse período, 50% da T4 têm origem materna, diminuindo gradualmente para 20% no final do período gestacional. Essa contribuição materna é essencial para o crescimento do feto e para a manutenção do estado eutiroideo (normotiroideo) no cão recémnascido durante as primeiras 24h de vida. - O terceiro período corresponde ao intervalo após o nascimento e culmina na maturação anatômica da glândula tiroide (2). No cão recém-nascido, os folículos tiroidianos não se encontram ainda totalmente desenvolvidos. Os primeiros folículos maturos são observados 48-72h após o parto e, depois de 1 semana, a glândula tiroide está matura em termos histológicos e anatômicos. MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 3 HIPOTIROIDISMO CANINO Essa maturação, por sua vez, está correlacionada com a ação do TSH e da T4 no animal recém-nascido: 48h após o parto, o TSH aumenta, enquanto a T4 diminui – isso permite a maturação dos folículos e o subsequente aumento dos níveis de T4 (Figura 2). a b A transformação de T4 em T3 é regulada pela enzima deiodinase. Os isômeros de deiodinase são detectáveis na corrente sanguínea e no interior das células, onde as Figura 1. Localização anatômica da tiroide (a) e histologia (b). a - L: laringe, T: traqueia, MES: músculo esternocefálico. Os lobos estão destacados com as linhas tracejadas. b - 1: folículos em repouso (maiores e com inúmeros vacúolos) e 2: folículos ativos (de menor dimensão). necessidades teciduais determinam a quantidade de T4 a ser convertida em T3. Notar que os níveis de T3 e T4 variam de acordo com o tecido envolvido (2, 4). As diferenças em termos de necessidades teciduais induzem ao conceito de que alguns tecidos podem revelar hipotiroidismo mais cedo do que outros apesar de níveis adequados de hormônios tiroidianos na corrente sanguínea (4). Esse fato pode explicar a razão pela qual se pode observar a manifestação clínica de hipotiroidismo apesar de níveis sanguíneos normais de hormônios tiroidianos. As células hipofisárias tireotróficas são consideradas as primeiras a se tornarem hipotiróticas; a capacidade dessas células em detectar declínios precoces nos níveis diários de T4 resulta em um aumento da secreção de TSH (4, 5). T4 (μg/dL) TSH (ng/mL) 6 0,6 4 0,4 2 0,2 0 NN 0d 24h 48h 72h 5d 7d 15d 30d 0 I DA D E T4 TSH NN: Neonato Od: 0 dias Figura 2. © Victor Castillo Para o Médico Veterinário, é essencial a compreensão dos vários hormônios tiroidianos. A tiroide produz principalmente T4 e níveis mais baixos de T3 (1). Na glândula, o TSH liga-se aos receptores, ativando uma série de eventos que culminam na liberação de T3 e T4 para a corrente sanguínea. Esses hormônios ligam-se às proteínas transportadoras plasmáticas (99,9%), que atuam como reservatório de hormônios tiroidianos. Apenas 0,1% corresponde à fração de T4 livre (T4l), que representa o hormônio biodisponível (1, 3). Essa fração determina o estado da tiroide do indivíduo, uma vez que se trata da forma do hormônio disponível para absorção pelas células do organismo. Em contraste com a fração de T4 ligada às proteínas, a concentração de T4l permanece constante (mesmo no filhote canino), independentemente das flutuações nas proteínas transportadoras plasmáticas. Os níveis de proteínas podem variar por causas fisiológicas (aumento durante o cio e a prenhez) ou patológicas (aumento devido à obesidade e diminuição decorrente de hepatopatia, distúrbios digestivos e doença renal) (2). No cão, a meia-vida de T4 circulante é de 12h, embora possa se estender para 24h no caso do hormônio intracelular (1, 3). © Victor Castillo Síntese e função dos hormônios da tiroide Maturação anatômica da tiroide no cão recém-nascido (à esquerda). As alterações podem ser observadas desde o primeiro dia, com desenvolvimento limitado dos folículos. Após 48h, os folículos começam a se desenvolver, coincidindo com o pico do TSH e a diminuição de T4. Ao final de 1 semana, a glândula já se encontra totalmente desenvolvida. Alterações do TSH e de T4 desde o nascimento até os 30 dias de vida (à direita). Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 3 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 4 Regulação do eixo da tiroide A regulação do eixo da tiroide depende da síntese e secreção diárias de T4. No hipotálamo e na hipófise, a T4 inibe, respectivamente, a síntese de TRH e de TSH. Se a síntese de T4 for reduzida, nem o hipotálamo nem as células tireotróficas são inibidas, mas tanto o TRH como o TSH aumentam. Em contrapartida, quando a síntese de T4 aumenta, ocorre maior conversão de T4 em T3, com inibição de TRH e TSH (4, 5). Em contraste ao que acontece no ser humano, os cães eutiroideos não revelam variações diurnas acentuadas no TSH nem na T4 (6). Hipotiroidismo O hipotiroidismo é definido como a ação deficiente dos hormônios tiroidianos sobre seus órgãos-alvo, secundária à secreção insuficiente de T4 e T3, a defeitos de receptores nucleares (resistência ao hormônio) ou a defeitos secretores ou moleculares de TSH (2). As formas adulta e juvenil da doença são clínica e etiologicamente diferentes. Hipotiroidismo no cão adulto A principal causa de hipotiroidismo no cão adulto consiste em um distúrbio autoimune (60% dos casos), que induz, com o passar do tempo, à atrofia da tiroide — embora, inicialmente, a doença seja caracterizada por bócio (aumento leve a significativo do volume da glândula) (1). Dependendo da evolução e da expressão clínica do distúrbio, o hipotiroidismo pode ser subclínico ou clínico. Notar que o termo “subclínico” não implica a ausência de manifestações clínicas, mas sim a presença de sinais leves a moderados não característicos da doença — sinais que, no entanto, sugerem a existência de hipotiroidismo (5). Esse distúrbio é classificado em quatro fases, de acordo com os achados nos parâmetros bioquímicos da avaliação endócrina (Tabela 1) (5, 7). Hipotiroidismo subclínico O hipotiroidismo subclínico constitui a primeira fase da doença, representando aproximadamente 25% dos casos (5, 7). O hipotiroidismo subclínico caracteriza-se por aumento da concentração de TSH, com níveis de T4 (fração total ou livre) dentro da faixa de referência. À medida que a glândula tiroide vem a ser afetada, a secreção diária de T4 diminui, mas as concentrações sanguíneas permanecem na faixa normal de referência, embora próximas do limite inferior. Nessa fase, diversos tecidos começam a sofrer insuficiência de T4. Essas variações nos níveis de T4 são detectadas pela hipófise e pelo hipotálamo, resultando em menor conversão de T4 em T3. O sistema responde com aumento da sensibilidade das células tireotróficas à estimulação de TRH. Conforme a doença evolui e a secreção de T4 fica cada vez mais reduzida, a hipófise responde com aumento de TSH para forçar a produção de T4 e, assim, manter as condições eutiroideias (5, 7). As primeiras alterações são observadas no metabolismo lipídico (aumento na fração do colesterol LDL), nos sistemas reprodutivo e imunológico, bem como na pele (com infecções recorrentes). A expressão clínica ou bioquímica dessas alterações funcionais fornecerá indícios da existência de hipotiroidismo subclínico. Hipotiroidismo clínico Essa fase da doença caracteriza-se por sinais clínicos óbvios (evidentes), que podem ser característicos de hipotiroidismo. Nessa altura, a secreção diária de T4 está gravemente afetada. • As manifestações dermatológicas do hipotiroidismo são frequentemente exageradas e surgem em fases tardias da doença. A maioria dos cães com hipotiroidismo não exibe alopecia generalizada (20%). Em contrapartida, é comum observar a presença de seborreia seca ou oleosa e/ou a assimchamada “cauda de rato” ” (Figura 3). Tabela 1. Classificação do hipotiroidismo de acordo com suas manifestações clínicas e parâmetros bioquímicos endócrinos (adaptada da ref. 7). Estímulo TRH-TSH TSH T4 (total ou livre) T3 Fase 1 Hiper-responsividade Normal Normal Normal Fase 2 Não possível Aumentado Normal Normal Fase 3 Não possível Aumentado Diminuído Normal Fase 4 Não possível Aumentado Diminuído Diminuído Hipotiroidismo subclínico Hipotiroidismo clínico 4 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 5 © Victor Castillo Figura 3a. © Victor Castillo HIPOTIROIDISMO CANINO Figura 3b. Golden Retriever com hipotiroidismo: notar a escassez da pelagem e a assim-chamada “cauda de rato”. Boxer levado à consulta em virtude de “piodermatite facial recorrente”. O restante da pelagem tinha aparência seca. • O excesso de peso e a obesidade são frequentemente observados (30%), mas muitos cães podem apresentar peso corporal normal ou, até mesmo, perda de peso. Isso se deve à má digestão e máassimilação de nutrientes, como resultado de alteração da motilidade do intestino delgado e diminuição da secreção de bile (5, 8). • Dada a importância dos hormônios tiroidianos para o funcionamento do sistema nervoso, observam-se alterações a nível periférico e central (9, 10). A diminuição do consumo de glicose produz letargia e maior sonolência, embora alguns cães possam se tornar agressivos (Figura 4) (11). • A função reprodutiva é gravemente afetada (anestro nas fêmeas e oligospermia, azoospermia ou perda de libido nos machos). Raras vezes, pode-se observar galactorreia, até mesmo nos machos (1, 2). caninos portadores da mutação que dá origem ao distúrbio da glândula. Durante a fase de crescimento, o filhote canino pode desenvolver hipotiroidismo do mesmo modo que o animal adulto (2, 5). Portanto, é importante não assumir que o hipotiroidismo se caracteriza obrigatoriamente por obesidade, letargia e alopecia seborreica bilateral. É necessário levar em consideração uma diversidade de sinais clínicos, inclusive aqueles menos óbvios ou possivelmente sugestivos da existência de algum outro distúrbio. No hipotiroidismo congênito, a deficiência de hormônios tiroidianos, tanto no feto como no animal recém-nascido, induz à falha de desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) e do esqueleto (1, 9, 11, 12). O hipotiroidismo congênito e o hipotiroidismo juvenil devem ser diferenciados de outros distúrbios indutores de atrasos do crescimento, tais como deficiência do hormônio de crescimento, raquitismo, desnutrição, cardiopatias congênitas, desvios portocavais e megaesôfago. Diagnóstico de hipotiroidismo Para o diagnóstico de hipotiroidismo, em qualquer uma de suas fases, o autor adotou três avaliações. O hipotiroidismo no filhote canino pode ser congênito ou juvenil, ou seja, adquirido durante o período de crescimento (Figuras 5 e 6). O hipotiroidismo congênito deve-se a defeitos no desenvolvimento da glândula tiroide (falha de migração ou de crescimento celular) ou a déficits da enzima tiroperoxidase (1, 2). Um defeito na secreção de TSH (p. ex., devido a hipopituitarismo) é uma causa menos comum. Em contraste ao hipotiroidismo fetal causado pela hipotiroxinemia materna (que afeta todos os fetos), o hipotiroidismo congênito só é observado em filhotes © Victor Castillo Hipotiroidismo congênito e juvenil Figura 4. Husky Siberiano com hipotiroidismo clínico. Notar a perda de pelo e o aparecimento de bócio (indicado no canto inferior direito da figura). O comportamento agressivo concomitante resultou na necessidade do uso de mordaça. Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 5 © Victor Castillo MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 6 Figura 5. Filhote canino sem raça definida com 30 dias de vida (à esquerda). Além de alopecia grave, notar a aparência sonolenta. A fontanela craniana ainda se encontrava aberta. O mesmo filhote canino, ativo e brincalhão, com seu irmão de ninhada, após 20 dias de tratamento (à direita). • Exame clínico por palpação Com a cabeça do animal erguida, o clínico deve permanecer em pé atrás do cão e utilizar ambas as mãos para palpar cuidadosamente a região da laringe/traqueia, realizando um movimento para cima e para baixo até detectar ambas as glândulas. © Victor Castillo • Diagnóstico por imagem - A ultrassonografia da tiroide (Figura 7) é a técnica de eleição para avaliar a morfologia da glândula. Esse exame permite estabelecer o diagnóstico de bócio, atrofia da glândula e suspeita de carcinoma da tiroide. Em filhotes caninos com suspeita de hipotiroidismo congênito, a ultrassonografia é capaz de determinar a dimensão da glândula e a sua localização anatômica. O volume total da tiroide também pode ser determinado (13). - A cintilografia tiroideia avalia a função da glândula. Em conjunto com a ultrassonografia, a cintilografia fica indicada para avaliação do hipotiroidismo congênito, pois consegue detectar a presença de tecido tiroideo ectópico ou atrófico ou a diminuição da captação de marcadores radioativos Trata-se de um dado importante, pois a ausência de migração da tiroide, o desenvolvimento deficiente da glândula ou a ausência de marcadores podem indicar alterações genéticas herdadas dos progenitores. • Bioquímica - Avaliação do perfil lipídico: 30-40% dos cães com hipotiroidismo apresentam aumento do colesterol total (1, 14). É importante mensurar o colesterol LDL, pois um aumento em relação ao colesterol HDL pode indicar deficiência da tiroide (14). - Avaliação de TSH e dos hormônios tiroidianos (T4l e T4): O TSH constitui a melhor ferramenta de avaliação do eixo da glândula tiroide e o marcador mais sensível para determinar a função dessa Figura 6. Pastor Alemão com 7 meses de vida. Notar o crescimento deficiente dos pelos. O animal apresentava-se letárgico e com dificuldades de locomoção (à esquerda). As radiografias demonstram atraso grave da maturação óssea, além de leve osteopenia no carpo e nas vértebras (centro). O mesmo filhote canino depois de 1 ano de tratamento com levotiroxina (à direita). 6 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 7 HIPOTIROIDISMO CANINO No que diz respeito aos hormônios tiroidianos, a T4l é a fração que melhor reflete a condição periférica da tiroide e a primeira a ser afetada (3, 5, 15, 16). Uma diminuição na T4l é indicativa de hipotiroidismo e, de acordo com a experiência do autor, de todos os cães com diagnóstico de hipotiroidismo clínico, 30% apresentavam níveis de T4 ligada a proteínas próximos do limite inferior, com T4l diminuída e níveis de TSH elevados, em conjunto com alterações morfológicas da glândula e sinais clínicos. No entanto, o melhor método para avaliar a T4l é discutível, pois, embora a diálise de equilíbrio seja amplamente aceita como a regra de ouro, o alto custo e a reduzida disponibilidade a tornam praticamente inacessível. As técnicas de radioimunoanálise mais modernas e a quimioluminescência têm se mostrado eficazes na mensuração da T4l sem erros e de forma confiável (16, 17). Os filhotes caninos não apresentam variações na T4l. Pelo contrário, os níveis de T4 ligada a proteínas são comparativamente mais altos entre o 1º e o 6º mês de vida (18) e, por esse motivo, a mensuração de TSH e da T4l, juntamente com o perfil lipídico e os achados ultrassonográficos, constituem o melhor método diagnóstico para detecção de doença da tiroide. Se o TSH e a T4l (ou T4 total caso se proceda à sua mensuração) estiverem dentro da faixa de normalidade, mas próximos aos valores de corte (superior e inferior, respectivamente) e existir forte suspeita da doença (imagem da tiroide alterada, presença de, pelo menos, um sinal clínico compatível com hipotiroidismo), a confirmação do diagnóstico da doença é obtida pelo teste de estimulação com TRH (6, 7, 16). Não faz qualquer sentido realizar esse teste se o TSH já estiver elevado. Esse exame envolve a obtenção de amostra basal do TSH, injeção IV de TRH e coleta de segunda amostra de TSH após 15 a 20 minutos. O hipotiroidismo subclínico é confirmado quando o TSH excede 0,50 ng/mL ou quando a alteração de seu valor (ΔTSH: TSH 15 minutos – TSH basal) for igual ou superior a 0,2 (7). Na suspeita de hipotiroidismo congênito, e caso se consiga coletar um volume de 1-2 mL de sangue entre 7 e 20 dias de vida, fica indicada a avaliação direta de TSH e da T4l. Se a amostra obtida for insuficiente para a 1 2 Figura 7. © Victor Castillo glândula. A elevação de TSH, por si só, é diagnóstica de hipotiroidismo, independentemente dos valores de T4 (3, 5, 7). 1 – O lobo da tiroide (assinalado) em cão adulto (levado à consulta com hipotiroidismo subclínico) demonstra margens irregulares e características hipoecogênicas. 2 – Imagem de cão adulto com hipotiroidismo clínico; notar as zonas hiperecogênicas (indicadas pelas setas) devido à presença de múltiplos nódulos. avaliação de ambos os hormônios, deve-se concentrar a atenção na T4l (2, 5).• Títulos de anticorpos antitiroglobulina (AcTg) e antiTPO (AcTPO): aproximadamente 40-50% dos cães estudados revelam elevações nos valores desses anticorpos (19). No entanto, a ausência desses níveis elevados não descarta a possibilidade de tiroidite autoimune (TAI). O aumento, por sua vez, é diagnóstico apenas de TAI, mas os níveis de TSH e T4l podem se mostrar normais mesmo com o teste de estimulação ou provocação. Por esse motivo, a mensuração desses anticorpos serve apenas para complementar o diagnóstico. Tratamento do hipotiroidismo O objetivo do tratamento consiste em normalizar o eixo da tiroide e os níveis de T4 circulantes. São recomendadas doses de reposição de levotiroxina, com a finalidade de restabelecer o estado eutiroideo sem suprimir o eixo. O objetivo é obter a normalização de TSH e da T4, sendo importante que os níveis desta última estejam próximos ao valor superior de corte, o que evita períodos de T4 baixa entre as doses. O autor recomenda o seguinte: • Hipotiroidismo subclínico versus hipotiroidismo clínico: administração de doses mais baixas em caso de hipotiroidismo subclínico. • Idade do cão: administração de doses inferiores a animais geriátricos. • Presença de insuficiência cardíaca ou doença renal: administração de doses inferiores para não sobrecarregar os órgãos afetados. • Gestação ou proximidade do cruzamento/ acasalamento: administração de doses superiores Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 7 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 8 HIPOTIROIDISMO CANINO (entre 25-50%) para garantir boa ovulação ou espermatogênese e evitar mortes/reabsorções embrionárias e fetais. • Cães com doenças oncológicas ou infecções crônicas, em que esteja indicado o repouso metabólico: administração de doses mais baixas. A dosagem recomendada para o hipotiroidismo clínico é de 11-22 µg/kg, começando pela dose mais baixa e aumentando gradativamente até alcançar a concentração desejada. Para o hipotiroidismo subclínico, recomenda-se uma dose inferior, entre 3 e 10 µg/kg. Alguns autores aconselham uma administração inicial de levotiroxina a cada 12 horas, avançando depois para uma dose diária (16, 20). No entanto, como a meia-vida intracelular de T4 é de 24h e os tecidos desionizam a quantidade de T4 necessária, o tratamento pode ser iniciado com uma dose diária única (20). No caso do hipotiroidismo congênito, o tratamento deve começar o mais cedo possível, de modo a evitar danos irreversíveis ao sistema nervoso central. De fato, é recomendável o tratamento imediato do hipotiroidismo congênito sob suspeita clínica, sempre que não houver possibilidade da realização de testes diagnósticos ou se houver necessidade de adiá-los por qualquer motivo. A dosagem para filhotes caninos com REFERÊNCIAS hipotiroidismo congênito ou hipotiroidismo juvenil é de 5-20 µg/kg. A eficácia do tratamento deve ser avaliada a cada dois meses, com coleta de amostras 3-4h após a dosagem. Dependendo dos resultados, a dose do hormônio é gradualmente ajustada (com aumentos de 25-50%), até se obter o nível de T4 desejado. Na sequência, a reavaliação pode ser efetuada a cada 6-12 meses (20). O Médico Veterinário pode também considerar a repetição da ultrassonografia da tiroide para determinar se o volume da glândula voltou ao normal (caso tenha se apresentado aumentada em exames prévios). Conclusão Embora o hipotiroidismo seja a endocrinopatia mais comum no cão, a natureza da doença e a forma subclínica do distúrbio, bem como a variabilidade das mensurações bioquímicas e hormonais, indicam que seu diagnóstico pode representar um verdadeiro desafio. A simplificação excessiva do problema pode induzir ao erro e, por conseguinte, o Médico Veterinário deve estar ciente de que não se trata apenas de uma doença de cães geriátricos com apresentação uniforme. BIBLIOGRÁFICAS 1. Feldman EC, Nelson RW. The thyroid gland. Canine and feline endocrinology and reproduction. 2nd ed. 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Em 1996, Claudia Reusch tornou-se responsável pelo departamento e pela disciplina de Medicina Interna de Pequenos Animais na Universidade de Zurique. Após ter recebido o diploma da Sociedade Europeia de Medicina Interna Veterinária de Animais de Companhia (ECVIM-CA) em 1997, ela foi Presidente dessa Sociedade, entre 2003 e 2006. Como membro fundador da Sociedade Europeia de Endocrinologia Veterinária (ESVE), Dr.ª Claudia exerceu as funções de Presidente entre 20012003. Introdução O diabete melito é uma endocrinopatia comum no gato. A incidência da doença está aumentando, provavelmente PONTOS-CHAVE A maioria dos gatos diabéticos apresenta um tipo de diabete semelhante ao diabete Tipo 2 humano. O diagnóstico baseia-se nos sinais clínicos e na hiperglicemia/glicosúria persistentes. A avaliação inicial deve não só esclarecer a gravidade da doença, mas também buscar por quaisquer doenças concomitantes ou outros fatores predisponentes. O tratamento deve ser iniciado imediatamente após o diagnóstico. A administração de insulina e o fornecimento de dieta adequada constituem os principais pilares do tratamento. Na maioria dos gatos, o diabete é adequadamente estabilizado nos 3 primeiros meses do tratamento. Se, apesar da terapia, os sinais clínicos persistirem, é aconselhável realizar uma avaliação diagnóstica minuciosa gradual. em virtude do aumento da ocorrência de fatores de risco, como obesidade, inatividade, física e idade avançada. A coleta dos números exatos (que, certamente, são elevados) não é uma tarefa fácil. Um estudo recente, realizado em uma amostra da população felina do Reino Unido, revelou prevalência de 0,43% (1). Tipos de diabetes Tradicionalmente, a classificação do diabete melito no gato tem acompanhado mais ou menos o esquema utilizado em Medicina Humana. Embora nem todos os mecanismos etiopatogênicos sejam idênticos, essa abordagem mostrase útil para identificação e diferenciação das várias formas da doença. O diabete humano é classificado como Tipo 1, Tipo 2, outros tipos específicos e diabete gestacional. No gato, o diabete Tipo 1 parece ser extremamente raro. Atualmente, admite-se que a grande maioria (ou seja, 80%) do diabete felino seja do Tipo 2 — uma doença heterogênea que se deve à combinação de ação reduzida da insulina (resistência a esse hormônio) e insuficiência das células β do pâncreas. Os fatores ambientais e genéticos desempenham um papel importante no desenvolvimento de ambos os defeitos. Estes últimos ainda não foram caracterizados no gato, mas a prova mais convincente da existência de fatores genéticos provém de estudos realizados em gatos de raça Birmanês, nos quais a frequência do diabete demonstrou ser várias vezes superior à dos gatos domésticos (1, 2). Outros fatores de risco são: avanço da idade, sexo masculino, condição de castração/esterilização, inatividade física, administração de glicocorticoides e progestágenos, além de obesidade. Tal como no ser humano, o fator de risco mais importante é a obesidade. Foi demonstrado que os gatos obesos apresentam uma probabilidade 3,9 vezes maior de desenvolverem diabete do que felinos com peso ideal. É importante notar que, embora a obesidade provoque resistência à insulina, nem todos os gatos obesos desenvolvem diabete. Quando as células β estão saudáveis, a resposta de adaptação à obesidade e à resistência à insulina consiste no aumento da secreção desse hormônio para manter a tolerância normal à glicose. No entanto, na Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 9 Figura 1. Ilhota pancreática em gato com diabete melito; notar o depósito moderado a intenso de substância amiloide (cor-derosa). © Prof. Thomas Lutz, Zurich. © Clinic of small animal internal medicine, Zurich. MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 10 Figura 2. Gato obeso com diabete melito. presença de disfunção das células β, existe uma tolerância reduzida à glicose, resultando finalmente no aparecimento de diabete do tipo 2. Até o momento, não são conhecidos os fatores responsáveis pelo declínio da secreção de insulina e pela evolução para o diabete; as hipóteses sugeridas incluem depósito de substância amiloide, glicotoxicidade e lipotoxicidade. pancreática, hipercortisolismo (HC), hipersomatotropismo (acromegalia) e administração de medicamentos diabetogênicos (progestágenos, glicocorticoides). O diabete gestacional tem pouca relevância em felinos. • A substância amiloide deriva de amilina (ou polipeptídeo amiloide das ilhotas), um hormônio secretado concomitantemente com a insulina pelas células β. Os gatos são uma das poucas espécies nas quais a amilina tende a se dobrar em estruturas tipo folhas β pregueadas que, subsequentemente, se depositam sob a forma de substância amiloide nas ilhotas, provocando a perda de células β (Figura 1). • A glicotoxicidade consiste no conceito de declínio da secreção de insulina por hiperglicemia. Isso foi demonstrado em gatos saudáveis, em que a secreção de insulina cessou após 3 a 5 dias de níveis séricos elevados de glicose (3). Em princípio, a supressão da secreção de insulina é reversível, mas o dano às células β torna-se permanente com o passar do tempo. • A lipotoxicidade é uma situação semelhante que envolve níveis elevados de ácidos graxos. No entanto, os danos às células β ainda não foram demonstrados de forma tão convincente quanto no caso da hiperglicemia. . O diabete ocorre tipicamente em felinos de meia-idade a geriátricos. Há forte predileção sexual, uma vez que aproximadamente 70% dos gatos diabéticos são machos. Cerca de 60% dos gatos diabéticos têm peso acima do ideal (sobrepeso), 35% possuem peso normal e 5% estão abaixo do peso ideal (Figura 2) (4). A maioria dos felinos diabéticos exibe os sinais clínicos clássicos de diabete, a saber: poliúria/polidipsia (PU/PD), polifagia e perda de peso. Em torno de 10% dos gatos diabéticos apresenta sinais evidentes de neuropatia diabética, que se manifesta como fraqueza dos membros posteriores, capacidade reduzida de salto/pulo e postura plantígrada (Figura 3). Em raras ocasiões, também se pode observar fraqueza dos membros anteriores. Com frequência, há letargia e pelagem seca em mau estado, embora o exame físico possa revelar hepatomegalia. Em gatos com doença concomitante ou subjacente, pode haver outros sinais clínicos. Os gatos com diabete complicado (cetoacidose diabética, síndrome hiperosmolar não cetótica) demonstram letargia, anorexia, ingestão hídrica reduzida e vômito. É importante compreender esses conceitos, uma vez que o tratamento imediato do diabete pode reverter os efeitos negativos da glicotoxicidade e aumentar as chances de remissão. No gato, outros tipos específicos de diabete (outrora denominados diabete secundário) respondem por cerca de 20% dos casos e incluem pancreatite, neoplasia 10 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 Identificação do manifestações clínicas animal e Diagnóstico e exames complementares O diabete é diagnosticado com base nos sinais clínicos e na hiperglicemia e glicosúria persistentes. A maioria dos felinos só apresenta diabete quando as concentrações de glicose sanguínea excedem a capacidade de reabsorção MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 11 DIABETE MELITO FELINO Pode não ser uma tarefa fácil diferenciar entre hiperglicemia induzida pelo estresse e hiperglicemia diabética. O aumento da glicemia por ação do estresse é, frequentemente, leve a moderado, embora possam ocorrer concentrações séricas de glicose superiores a 15 mmol/L – 270 mg/dL. Neste último caso, também pode haver glicosúria. A hiperglicemia por estresse pode ser diagnosticada por meio de mensurações repetidas da glicose sanguínea e demonstração de níveis glicêmicos normais. No entanto, alguns gatos ficam sob estresse enquanto estão hospitalizados; por esse motivo, os níveis de glicose permanecem altos. A mensuração da frutosamina sérica representa um meio de diagnóstico alternativo. A concentração de frutosamina reflete a concentração glicêmica média das últimas 1-2 semanas. As faixas de referência diferem um pouco entre os laboratórios, mas costumam girar em torno de 200-360 µmol/L. Na grande maioria dos felinos diabéticos recémdiagnosticados, os níveis de frutosamina são superiores a 400 µmol/L, podendo chegar até 1.500 µmol/L. Como a frutosamina não é afetada por aumentos da glicemia a curto prazo, as concentrações costumam permanecer normais em gatos com hiperglicemia por estresse (5). No entanto, a frutosamina pode apresentar valores normais em gatos com início muito recente de diabete e naqueles com hipertiroidismo ou hipoproteinemia concomitantes. Qualquer doença concomitante pode agravar a resistência à insulina e dificultar o sucesso do tratamento. Em vista disso, é recomendável a realização dos seguintes exames de rotina: hemograma completo, perfil bioquímico sérico, urinálise e urocultura. As potenciais anormalidades hematológicas e bioquímicas incluem: anemia leve e leucograma de estresse, hipercolesterolemia e FA/ALT aumentadas. Na maioria dos gatos, a densidade urinária específica é superior a 1,020, podendo ser observados, esporadicamente, corpos cetônicos, até mesmo em casos não complicados. A proteinúria está presente em cerca de 50% dos casos e costuma ser leve a moderada, com relação proteína:creatinina urinária inferior a 2,0. Em alguns casos, existe infecção bacteriana do trato urinário e, por essa razão, sempre deve ser efetuado o exame de urocultura. Podem ser indicados outros procedimentos de diagnóstico (ou seja, radiografias, ecocardiografias ou ultrassonografias abdominais), dependendo dos resultados. A pancreatite está frequentemente associada com diabete, mas a causa e o efeito ainda permanecem desconhecidos. O diagnóstico é complexo, uma vez que os sinais clínicos são muitas vezes vagos e inespecíficos e os níveis séricos de amilase e lipase são de pouco valor diagnóstico (6). A mensuração da concentração plasmática de insulina não é útil para identificar o tipo de diabete, nem para predizer se a função residual das células β é suficiente para uma possível remissão. Na suspeita de hiperadrenocorticismo ou hipersomatotropismo, os procedimentos específicos de diagnóstico devem ser adiados até alcançar a estabilização do paciente através da insulinoterapia Tratamento O objetivo da terapia consiste em eliminar os sintomas, prevenir as complicações a curto prazo (p. ex., hipoglicemia, cetoacidose) e, assim, permitir uma boa qualidade de vida. Ao contrário dos casos caninos, os gatos diabéticos apresentam chances relativamente altas de remissão com o tratamento adequado. Isso é definido como a normalização dos níveis sanguíneos de glicose e frutosamina e a resolução dos sinais clínicos e da glicosúria, sem a necessidade de se recorrer à terapia antidiabética. Essa remissão pode ocorrer em até 50% dos gatos, geralmente dentro dos 3 primeiros meses de tratamento. O controle glicêmico satisfatório reverte o efeito da glicotoxicidade. Se o tratamento for iniciado logo após o diagnóstico, as chances de remissão aumentam. Os sinais clínicos são bem controlados se as concentrações de glicose sanguínea se mantiverem entre 5 e 15 mmol/L - 90270 mg/dL ao longo do dia. Para alguns donos pode revelar-se difícil o tratamento dos seus gatos. Para alguns ©Clinic of small animal internal medicine, Zurich. renal (aproximadamente 15 mmol/L – 270 mg/dL), pois, em geral, é apenas nessa fase da doença que os sintomas se tornam aparentes. A glicosúria, por si só, não é suficiente para diagnosticar o diabete, pois também pode ser observada em caso de alterações renais, estresse e administração de determinados medicamentos. Figura 3. Gato com postura plantígrada causada por neuropatia diabética. Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 11 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 12 Tabela 1. Protocolo para o tratamento de gatos com diabete melito utilizado na Clínica de Medicina Interna de Pequenos Animais da Universidade de Zurique Apresentação inicial • Diagnóstico do diabete melito (hiperglicemia, glicosúria, frutosamina aumentada) • Avaliação laboratorial de rotina (hemograma completo, bioquímica sérica, urinálise e urocultura) • Radiografia, ultrassonografia abdominal, insulina plasmática de jejum se indicada • Interrupção de medicamentos diabetogênicos • Administração de insulina de ação intermediária/prolongada (1-2 U/gato BID, dependendo do peso corporal, da gravidade dos sinais clínicos e do grau de hiperglicemia) • Tratamento dos problemas concomitantes (p. ex., infecção do trato urinário, estomatite) • Prescrição de manejo nutricional: dieta rica em proteínas e pobre em carboidratos (desde que nenhuma outra doença prevaleça ou tenha prioridade sobre o diabete melito) em uma dosagem de 45-60 kcal/kg/dia. Em caso de peso acima do ideal, ter como alvo a perda de peso de 1-2% por semana • Orientação ao proprietário (de, no mínimo, 1h) e fornecimento de instruções por escrito Reavaliação 1 semana após o diagnóstico • Administração de insulina e alimento em casa. Em seguida, levar o animal à clínica o mais rápido possível • Anamnese, exame físico, peso corporal • Mensuração da glicemia a cada 1 a 2h ao longo do dia, assim como mensuração de frutosamina. • Ajuste da dosagem de insulina se necessário: 0,5-1,0 U/injeção. Em caso do efeito Somogyi ou de hipoglicemia evidente, proceder à redução da dosagem de, no mínimo, 50% Reavaliação 3 semanas após o diagnóstico • Repetição de todos os procedimentos efetuados na 1ª reavaliação • Introdução à monitorização em casa e orientação ao proprietário sobre todos os aspectos técnicos relevantes (por, pelo menos, 30 minutos) • O proprietário deve mensurar a glicemia em jejum 2x/semana e elaborar uma curva glicêmica 1x/mês Reavaliação 6-8 semanas após o diagnóstico • Repetição de todos os procedimentos efetuados na 1ª reavaliação • A curva glicêmica pode não ser necessária se o animal estiver clinicamente estável. A glicose sanguínea mensurada perto da administração de insulina deve estar entre 10-15 mmol/L - 180-270 mg/dL e a frutosamina, 350-450 µmol/L • Avaliação da técnica utilizada pelo proprietário, em caso de monitorização em casa. Pesquisa da presença de doença subjacente se existirem sinais clínicos típicos Reavaliação 10-12 semanas após o diagnóstico e, posteriormente, de 4 em 4 meses • Repetição de todos os procedimentos efetuados 6-8 semanas após o diagnóstico Objetivos do tratamento • Sinais clínicos: resolução da poliúria/polidipsia e polifagia, peso corporal normal • Concentração de glicose sanguínea: Idealmente entre 15 mmol/L - 270 mg/dL (antes da administração de insulina) e 5 mmol/L – 90 mg/dL (nadir) • Concentração de frutosamina: Idealmente entre 350-450 µmol/L (nota: a concentração de frutosamina é a variável menos importante para a avaliação do controle metabólico) proprietários, o tratamento de seus gatos pode ser difícil. Por isso, é essencial fornecer informações detalhadas sobre todos os aspectos técnicos relevantes da doença e garantir suporte veterinário rápido e imediato sempre que houver necessidade. O tratamento deve seguir um protocolo rigoroso e compreensível (Tabela 1). As instruções apresentadas por escrito são de grande valor. Agentes hipoglicemiantes orais 12 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 Como 80% dos gatos sofrem de diabete Tipo 2, esses medicamentos teoricamente podem ser utilizados. Hoje em dia, existem 7 classes distintas de hipoglicemiantes orais disponíveis, mais tais agentes, com exceção das sulfonilureias, não foram investigados ou demonstram apenas eficácia limitada no gato. As sulfonilureias, das quais a glipizida é o agente utilizado com maior frequência em felinos, estimulam a secreção de insulina, sendo necessária alguma função das células β MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 13 DIABETE MELITO FELINO para a eficácia do medicamento. A glipizida só deve ser usada em animais diabéticos com boa condição corporal, sem cetoacidose, e sintomas de gravidade moderada. A dose inicial preconizada é de 2,5 mg/gato BID, aumentando para 5 mg/gato BID após 2 semanas caso não se observem efeitos adversos e se ainda houver hiperglicemia. O sucesso do tratamento gira em torno de 30%, mas esse agente pode afetar negativamente as ilhotas e conduzir à perda progressiva das células β remanescentes. Como a glipizida não oferece qualquer vantagem médica sobre a insulina, o primeiro agente só deverá ser utilizado nos casos em que o proprietário não consegue administrar o segundo. Insulinoterapia A administração de insulina e o manejo da dieta constituem as bases do tratamento do gato diabético. Em felinos com diabete não complicado, as insulinas de primeira escolha são os compostos de ação intermediária. A disponibilidade das preparações pode variar, mas a insulina lenta de origem suína é aprovada em muitos países para uso em felinos. Para alguns gatos, o tempo de ação desse tipo de insulina é inferior a 12 horas e, de fato, o problema da ação curta é bem reconhecido nessa espécie animal, aplicando-se não só à insulina lenta, mas também a diversos outros tipos de insulina. Outro problema está na inconstância da absorção de insulina, o que provoca concentrações irregulares de glicose sanguínea. No diabete humano, existe o mesmo problema, que acabou induzindo ao recente desenvolvimento de análogos de insulina. Atualmente, o composto utilizado com maior frequência é uma substância conhecida como insulina glargina. Há pouco tempo, esse agente conquistou bastante popularidade entre os proprietários de gatos diabéticos, pois possui tempo de ação mais prolongado que as insulinas lentas (mas costuma ser inferior a 24h) e demonstra melhor controle glicêmico quando administrado BID em vez de SID. A glargina pode representar uma alternativa adequada em felinos, cujo tempo de ação da insulina lenta é demasiadamente curto para permitir o controle metabólico. Além disso, postula-se que a taxa de remissão seja mais alta em gatos tratados com glargina do que com outros tipos de insulina (7). No entanto, o número de casos publicados ainda é reduzido, não sendo possível uma conclusão definitiva. A autora prefere iniciar o tratamento com insulina lenta ou glargina. A insulina zíncica protamina também pode ser uma primeira escolha satisfatória (8); no entanto, não é fácil obter essa preparação em muitos países. A frequência de administração sempre deve ser BID. A dose inicial é de 1 U/gato BID em gatos com peso inferior a 4 kg, mas costuma ser de 1,5-2,0 U/gato BID naqueles com mais de 4 kg. Em felinos que apresentam, no momento do diagnóstico, uma concentração de glicose sanguínea abaixo de 20 mmol/L – 360 mg/dL, não se deve administrar mais de 1 U/gato BID, independentemente do peso corporal. Em uma fase inicial, pode haver a necessidade de internar o gato durante 1-2 dias para concluir a avaliação diagnóstica. Durante esse período, a concentração de glicose sanguínea deve ser mensurada 3-4 vezes por dia, reduzindo-se a dosagem de insulina caso seja detectada hipoglicemia (< 5 mmol/L – 90 mg/dL). Se a glicose sanguínea permanecer alta, a dose não deve ser ajustada imediatamente, pois a ação completa da insulina pode demorar alguns dias para se desenrolar (o assim-chamado equilíbrio). Os ajustes na dosagem são efetuados em avaliações subsequentes. A avaliação inicial do paciente e o início do tratamento também podem ser realizados em um esquema ambulatorial. Um dos momentos mais importantes no cuidado de animais diabéticos é quando o veterinário discute os aspectos técnicos do tratamento com o dono do animal. O proprietário deve misturar a insulina corretamente (rotacionar o frasco com cuidado, sem agitar. Nota: a glargina é uma solução transparente que não requer o procedimento de mistura), encher a seringa sem bolhas de ar e administrar a insulina por via subcutânea na parede torácica lateral. Além disso, o proprietário deve compreender os riscos potenciais (p. ex., dor, sangramento, injeção na pelagem), saber lidar com esses problemas e conhecer o momento certo de consultar o hospital (sinais de hipoglicemia, recorrência de PU/PD, sintomas de cetoacidose diabética). É aconselhável não aquecer nem congelar a insulina e, apesar de não ser inativada à temperatura ambiente, ela deve ser conservada no refrigerador. De acordo com a experiência da autora, a insulina mantém sua atividade durante vários meses, desde que corretamente manipulada. Haverá necessidade de substituição do frasco em caso de agravamento inexplicável do controle glicêmico. O proprietário também deve compreender as diferenças entre insulinas U-40 e U100/mL, sendo imprescindível o uso de agulhas com tamanho adequado. É recomendável evitar o uso de seringas não compatíveis em virtude do elevado risco de confusão. Manejo alimentar O gato é um carnívoro estrito, o que o distingue claramente do cão, que é onívoro. A alimentação natural dos felídeos Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 13 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 14 mg/dl mmol/l 30 540 25 450 Glicose 20 D 360 C 15 270 B A 10 180 90 5 0 12 horas Figura 4. Exemplos de curvas glicêmicas produzidas durante 12h em gatos tratados com insulina de ação intermediária BID: Zona cinzenta: Faixa-alvo da concentração de glicose sanguínea. A: Curva ideal. B: Curta duração do efeito da insulina. C: Fenômeno de Somogyi com contrarregulação após rápida diminuição da glicose sanguínea. D: Resposta insatisfatória devido a problemas técnicos, fase contrarreguladora do fenômeno de Somogyi, resistência à insulina ou absorção deficiente. selvagens (p. ex., camundongos e pássaros) contém um teor de carboidratos abaixo de 10% com base na matéria seca. Isso difere bastante de muitas rações comerciais para gatos, dotadas de alta porcentagem de carboidratos. Vários estudos indicam que uma dieta pobre em carboidratos e rica em proteínas permite melhor controle clínico e taxas de remissão diabética mais elevadas (9, 10). Esses achados estão em conformidade com as diretrizes da American Animal Hospital Association (AAHA) para o diabete melito (11), que recomenda o fornecimento de dieta com teor proteico elevado (> 45% proteína/energia metabolizável) e níveis reduzidos de carboidratos. As rações úmidas podem ser preferidas em relação às rações secas, em virtude dos teores mais baixos de carboidratos e da densidade reduzida de calorias; também possibilitam o fácil controle das porções e auxiliam na ingestão adicional de água (11). Como a resistência à insulina induzida pela obesidade é quase totalmente reversível e até mesmo uma leve a moderada perda de peso melhora o controle metabólico, a redução de peso deve ser fortemente incentivada em felinos com sobrepeso (em torno de 1% por semana). No entanto, o Médico Veterinário sempre deve avaliar o teor nutricional da dieta em termos calóricos (g/1.000 kcal), pois nem todas as rações úmidas apresentam baixo teor de carboidratos, assim como nem todas as rações secas contêm alto teor desses nutrientes. Além disso, alguns alimentos ricos em proteínas e pobres 14 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 em carboidratos também apresentam densidade energética elevada, o que pode ser contraproducente para o controle satisfatório do peso. Um estudo recente (12) constatou que a inatividade física do animal e o confinamento dentro de casa podem constituir fatores de risco independentes para o desenvolvimento de diabete no gato. O horário das refeições em relação à administração da insulina não parece ser relevante; a qualidade do controle metabólico em gatos que recebem as refeições juntamente com a injeção de insulina não difere daqueles alimentados 45 minutos depois da administração desse hormônio (13). As reavaliações são essenciais durante o manejo a longo prazo. No gato, a supervisão rigorosa é de particular importância durante os primeiros meses, em virtude da possibilidade de remissão diabética. Se esse fato passar despercebido e a administração de insulina for mantida, pode ocorrer hipoglicemia grave. A maioria dos gatos entra em remissão durante os 3 primeiros meses de terapia; no entanto, também são possíveis remissões após 1 ano ou mais. Tratamento a longo prazo As reavaliações são inicialmente agendadas com intervalos curtos (Tabela 1) e incluem a avaliação das observações do proprietário em relação aos sinais clínicos, a mensuração do peso corporal e a determinação dos níveis sanguíneos de glicose e frutosamina. As concentrações de frutosamina aumentam quando o controle glicêmico piora, mas diminuem com o restabelecimento desse controle. Como até mesmo os gatos diabéticos bem controlados se encontram leve a moderadamente hiperglicêmicos ao longo do dia, a frutosamina não costuma ficar completamente normal durante o tratamento. Em contraste, um nível normal de frutosamina (especialmente na metade inferior da faixa de referência) deve suscitar preocupação quanto aos períodos prolongados de hipoglicemia, ou seja, devido à remissão diabética. Os níveis de frutosamina entre 350-450 µmol/L são geralmente sugestivos de controle satisfatório, níveis entre 450-550 µmol/L, controle moderado, e superiores a 550-600 µmol/L, controle metabólico insatisfatório. Em geral, as mensurações isoladas de glicose, por si só, não são suficientes para avaliar o controle metabólico, sendo recomendável a elaboração de curvas glicêmicas, que permitem mensurar a glicemia de 2 em 2 horas, durante cerca de 12h. Normalmente, a insulina e os alimentos são administrados em casa, construindo-se a curva glicêmica (em casa ou no hospital) o mais rápido possível. Os parâmetros mais importantes a serem avaliados através da curva glicêmica são a concentração mais baixa de glicose (nadir) e a duração do efeito (Figura 4). MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 15 ©Clinic of small animal internal medicine, Zurich. Figura 5. ©Clinic of small animal internal medicine, Zurich. DIABETE MELITO FELINO Figura 6. Recolha de uma amostra de sangue do pavilhão auricular, através de um dispositivo de utilização humana. Mensuração da glicose com aparelho portátil de medição da glicemia previamente validado para uso em gatos. • A concentração mais baixa de glicose deve ficar idealmente entre 5-8 mmol/L – 90-144 mg/dL. Um nadir inferior pode ser observado em casos de hiperdosagem de insulina, sobreposição excessiva dos tempos de ação desse hormônio, ausência de ingestão alimentar e exercício físico intenso. Se a concentração for superior a 9 mmol/L, devem ser considerados os seguintes fatores: subdosagem de insulina, estresse, fase contrarreguladora do fenômeno de Somogyi e problemas técnicos. Se o animal já estiver sob doses elevadas de insulina, a resistência a esse hormônio também é uma possibilidade. É muito importante identificar a causa exata, pois as decisões terapêuticas variam em função da causa. • A duração do efeito é definida como o tempo transcorrido desde a administração da insulina até a glicemia exceder os 12-15 mmol/L - 216-270 mg/dL depois de ocorrer o nadir. Se a duração do efeito for inferior a 8-10h, os animais costumam exibir sinais clínicos de diabete. Se for superior a 14h, o risco de desenvolvimento de hipoglicemia ou o fenômeno de Somogyi aumenta. A duração do efeito pode melhorar através do manejo alimentar, mas, caso esta medida não seja bem sucedida, fica indicada a transição para uma insulina com modo de ação diferente. Em um levantamento recente, todos os donos apontaram que essa monitorização em casa havia aumentado sua autoconfiança quanto à respectiva capacidade de lidar com a doença dos seus animais de companhia (14). Também se observa certa variabilidade nas curvas glicêmicas realizadas em casa e, por isso, uma única curva pode induzir ao erro. Em casos complicados, pode ser realizada mais do que uma curva antes de se tomar qualquer decisão em relação ao tratamento (15, 16). A hiperglicemia por estresse pode dificultar a interpretação da curva glicêmica. Esse problema pode ser superado se a curva glicêmica for construída pelo proprietário em casa (Figuras 5 e 6). Os proprietários são apresentados a esse procedimento aproximadamente 3 semanas após o início da terapia, com a determinação da glicemia em jejum duas vezes por semana (para praticarem a coleta de amostras de sangue, bem como a detecção de hipoglicemia) e a construção recomendada de curva glicêmica, pelo menos, uma vez por mês. Muitos proprietários conseguem e estão dispostos a efetuar a monitorização em casa a longo prazo. Dificuldades associadas ao controle do diabete É possível estabilizar adequadamente a maioria dos gatos dentro dos três primeiros meses de tratamento. Contudo, é normal que, após essa fase, haja necessidade de ajustes, por exemplo, devido à perda adicional de células β ou alteração na sensibilidade à insulina por doença concomitante. Nos casos em que os sinais clínicos persistem apesar da terapia, é recomendável uma abordagem gradual do problema. 1. Garantir que a avaliação diagnóstica e o tratamento prévio foram efetuados de acordo com o protocolo. Aumentar a dose de insulina em intervalos de 5 a 7 dias até que o gato receba uma dose de 1,0-1,5 U/kg BID (insulina lenta). 2. Verificar se a insulina utilizada se encontra fora do prazo de validade, foi agitada, diluída, congelada ou aquecida e se as seringas são adequadas. Averiguar o método de mistura, preparo e administração de insulina utilizado pelo proprietário e rever o regime alimentar. Essa parte do protocolo de resolução de problemas é, muitas vezes, omitida, mas os erros técnicos são frequentemente a causa de controle insatisfatório do diabete. 3. Efetuar as curvas glicêmicas para identificar qualquer Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 15 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 16 DIABETE MELITO FELINO ©Clinic of small animal internal medicine, Zurich. O hipercortisolismo e o hipersomatotropismo (Figura 7) têm o potencial de provocar a resistência mais grave à insulina. Como os sinais clínicos podem ser leves a graves, talvez não se suspeite da existência de doença concomitante até ficar evidente a dificuldade de controle do diabete. Conclusão Figura 7. Gato com diabete melito e acromegalia. O prognatismo inferior é sinal típico de acromegalia. fenômeno de Somogyi ou curta duração do efeito da insulina. A monitorização em casa deve ser considerada, pois possibilita a coleta frequente de amostras sem o estresse da consulta hospitalar. 4. Se nenhum problema for identificado, deve-se buscar por doenças indutoras de resistência à insulina. Em princípio, qualquer outra doença concomitante (p. ex., inflamatória, infecciosa, neoplásica) pode causar resistência à insulina. Os problemas mais relevantes são: pancreatite, neoplasia pancreática, hipercortisolismo, hipersomatotropismo, infecção da cavidade oral ou do trato urinário, doença renal crônica, ou obesidade. REFERÊNCIAS Na maioria dos felinos, o diagnóstico imediato de diabete deve possibilitar a realização de tratamento satisfatório. No entanto, a avaliação inicial não deve apenas esclarecer a gravidade da doença (p. ex., cetoacidose), mas também pesquisar por quaisquer doenças concomitantes ou outros fatores predisponentes (p. ex., obesidade, medicamentos diabetogênicos). É recomendável a instituição imediata do tratamento após o diagnóstico, sendo possível a estabilização adequada de grande parte dos gatos nos 3 primeiros meses de terapia. Entretanto, é importante mencionar que a remissão ocorre em até 50% dos gatos. As reavaliações periódicas são essenciais, devendo incluir a determinação dos sinais clínicos e do peso corporal, a elaboração de curva glicêmica e a mensuração da frutosamina. Se os sinais clínicos persistirem apesar da terapia, é aconselhável a realização de avaliação diagnóstica minuciosa e gradativa. BIBLIOGRÁFICAS 1. McCann TM, Simpson KE, Shaw DJ, et al. Feline diabetes mellitus in the UK: the prevalence within an insured cat population and a questionnairebased putative risk factor analysis. J Feline Med Surg 2007; 9: 289-99. 2. Lederer R, Rand JS, Jonsson NN, et al. Frequency of feline diabetes mellitus and breed predisposition in domestic cats in Australia. Vet J 2009; 179: 254-8. Intern Med 2009; 23: 787-93. 9. Frank G, Anderson W, Pazak H, et al. Use of a high-protein diet in the management of feline diabetes mellitus. Vet Ther 2001; 2: 238-46. 10. Bennett N, Greco DS, Peterson ME, et al. Comparison of a low carbohydrate-low fiber diet and a moderate carbohydrate-high fiber diet in the management of feline diabetes mellitus. J Feline Med Surg 2006; 8: 73-84. 3. Zini E, Osto M, Franchini M, et al. Hyperglycaemia but not hyperlipidaemia causes beta cell dysfunction and beta cell loss in the domestic cat. Diabetologia 2009; 52: 336-46. 11. Rucinsky R, Cook A, Haley S, et al. AAHA diabetes management guidelines for dogs and cats. JAAHA 2010; 46: 215-224. 4. Reusch C. Feline Diabetes Mellitus. In: Ettinger SJ, Feldman EC, eds. Textbook of Veterinary Internal Medicine. 7th ed, Vol. 2. St. Louis, Missouri: Saunders Elsevier 2010; 1796-1816. 12. Slingerland LI, Fazilova VV, Plantinga EA, et al. Indoor confinement and physical inactivity rather than the proportion of dry food are risk factors in the development of feline type 2 diabetes mellitus. Vet J 2009; 179: 247-53. 5. Reusch CE, Liehs MR, Hoyer M, et al. Fructosamine. A new parameter for diagnosis and metabolic control in diabetic dogs and cats. J Vet Intern Med 1993; 7: 177-82. 13. Alt M. The effect of feeding time on the quality of metabolic control, dayto-day variability of blood glucose curves and evaluation of IGF-1 levels in cats with diabetes mellitus. Inaugural-Dissertation. Zürich: Klinik für Kleintiermedizin, Vetsuisse-Fakultät Universität Zürich, 2006; 3-43. 6. Forman MA, Marks SL, De Cock HE, et al. Evaluation of serum feline pancreatic lipase immunoreactivity and helical computed tomography versus conventional testing for the diagnosis of feline pancreatitis. J Vet Intern Med 2004; 18: 807-15. 7. Marshall RD, Rand JS, Morton JM. Treatment of newly diagnosed diabetic cats with glargine insulin improves glycaemic control and results in higher probability of remission than protamine zinc and lente insulins. J Feline Med Surg 2009; 11: 683-91. 8. Nelson RW, Henley K, Cole C. Field safety and efficacy of protamine zinc recombinant human insulin for treatment of diabetes mellitus in cats. J Vet 16 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 14. Kley S, Casella M, Reusch CE. Evaluation of long-term home monitoring of blood glucose concentrations in cats with diabetes mellitus: 26 cases (1999-2002). J Am Vet Med Assoc 2004; 225: 261-6. 15. Reusch CE, Kley S, Casella M. Home monitoring of the diabetic cat. J Feline Med Surg 2006; 8: 119-27. 16. Zini E, Moretti S, Tschuor F, et al. Evaluation of a new portable glucose meter designed for the use in cats. SAT 2009; 151: 448-451. MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 17 Epidemiologia do diabete melito felino Elizabeth Lund, Nota do Editor DVM, MPH, PhD É com todo o prazer que continuamos a apresentar uma característica da revista veterinária FOCUS: a utilização de informações provenientes da base de dados dos Hospitais Veterinários Banfield. Os extensos registros criados pelos Médicos Veterinários de Banfield podem ser analisados para avaliar uma grande variedade de fatores inerentes às populações de animais de companhia. No presente artigo, apresentamos uma breve descrição da epidemiologia dos gatos diabéticos, bem como alguns indicadores típicos da doença. Banfield, Hospital Veterinário, Portland, Oregon, EUA A Dr.ª Lund ingressou na Banfield, em 2006, na qualidade de Diretora Sênior de Pesquisa da Equipe de Pesquisa e Conhecimento Aplicado. Como epidemiologista, a experiência profissional da Dr.ª Lund ao longo dos últimos 22 anos incluiu pesquisas nas áreas acadêmica, industrial e saúde pública. Além da graduação em Medicina Veterinária, ela possui Mestrado em Saúde Pública e Doutorado em Epidemiologia/Informática. O Métodos Nos EUA, a prevalência estimada, por ano e região, foi calculada a partir do número de gatos levados à consulta com diagnóstico de diabete melito (DM) ou cetoacidose diabética (CAD), dividido pelo número total de pacientes felinos examinados por ano ou região. Para a análise descritiva (idade, sexo, raça), foi selecionado o ano de 2008; os casos de diabete felino foram identificados com base no diagnóstico inicial de DM ou CAD, bem como nos resultados positivos de glicosúria (presença de glicose na urina). Para a identificação dos fatores indutores de aumento do risco de diabete, a idade foi monitorizada como uma potencial variável de confusão (fator de 80 Jovem adulto (1-3 anos) 70 Adulto maduro (3-10 anos) 60 Adulto geriátrico (10 anos) 50 n=321.782 n=367.714 2002 n=289.479 0 n=273.167 20 10 n=251.316 30 n=230.773 40 n=216.236 Prevalência O manejo do diabete melito, uma endocrinopatia comum no gato, pode se mostrar bastante complexo. No entanto, o diagnóstico e tratamento precoces dessa doença permitem efetuá-lo de forma ideal. Conhecendo a epidemiologia da doença, o Médico Veterinário consegue identificar com maior facilidade os animais de companhia sob risco e transmitir essa informação aos seus clientes. Este artigo relata sobre a epidemiologia descritiva do diabete na população felina observada nos Hospitais Veterinários Banfield, utilizando dados provenientes do sistema de registros informatizados da PetWare. 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Figura 1. Prevalência anual (por 10.000 gatos) do diabete melito felino e da cetoacidose diabética. Figura 2. Diabete melito felino por faixa etária. Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 17 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 18 EPIDEMIOLOGIA DO DIABETE MELITO FELINO Tabela 1. Tabela 2. Prevalência do diabete melito e da cetoacidose diabética – distribuição por sexo (2008). Prevalência do diabete melito e da cetoacidose diabética nas raças felinas comuns selecionadas (2008). Sexo Gatos com Gatos sem diabetes (n = 604) diabetes (n = 604) Macho castrado Fêmea castrada Raça 60,8% 48,7% Maine Coon Doméstico de Pelo Comprido 35,9% 47,2% Macho 1,6% 1,7% Azul da Rússia Fêmea 1,7% 2,4% Siamês confundimento) através da seleção de gruposcontrole de idade compatível, recorrendo a felinos sem diagnóstico de DM, CAD ou glicosúria positiva.Foram selecionadas as seguintes faixas etárias: < 1 ano, 1 a 3 anos, 3 a 10 anos e > 10 anos. Procedeu-se, igualmente, à avaliação da idade e peso médios. Foi utilizado um software estatístico para estimar as frequências e as proporções (1). Resultados A prevalência do diabete aumentou de 40,3 para 67,8 por 10.000 gatos, entre 2002 e 2008 (Figura 1), observando-se uma variação regional, desde um valor reduzido a noroeste do país (63,5 por 10.000) até um valor elevado na região centrossul (68,9 por 10.000). Em 2008, foi identificado um total de 604 gatos diabéticos, dos quais 95% receberam diagnóstico de DM e 5%, de CAD. A idade média (apresentada na Figura 2) era de 10,1 anos e o peso médio de 5,6 kg. A idade média da populaçãocontrole era de 10 anos com peso médio de 4,95 kg. Os gatos machos castrados estavam superrepresentados no grupo em comparação aos gatos-As raças com maior prevalência de diabete melito, em comparação com a população geral, são o Maine Coon, o Doméstico de Pelo Comprido, o Azul da Rússia, o Siamês e o Doméstico de Pelo Curto (Tabela 2). Contagem da população em 2008 Prevalência por 10.000 4.760 123,9 36.105 82,8 1.635 73,4 14.027 72,7 Doméstico de Pelo Curto 238.577 67,0 Doméstico de Pelo Médio 47.633 63,0 4.268 60,9 Persa 6.411 42,1 Ragdoll 2.012 29,8 Bengal 1.849 21,6 Himalaia os gatos com diabete melito são geriátricos (10 anos ou mais), mais pesados e provavelmente machos castrados, com predomínio de certas raças. Os atributos da população descritos aqui são compatíveis com os dados previamente publicados (2, 3). O aumento da prevalência do diabete ao longo do tempo também foi relatado em um estudo sobre a população felina encaminhada aos Hospitais Veterinários Universitários (2). No entanto, as taxas analisadas são inferiores àquelas relatadas na população de referência. Isso não é inesperado, pois há maior probabilidade de os gatos diabéticos serem encaminhados para uma consulta nos Hospitais Universitários, tanto para diagnóstico da doença como para o seu tratamento. O aumento das taxas de prevalência na população felina de Banfield, ao longo dos últimos anos, pode refletir o envelhecimento da população de animais de companhia à medida que a rede de clínicas Banfield foi crescendo, o aumento da longevidade dos gatos com diabete, a melhoria da condição corporal dos felinos em geral e/ou a maior identificação da doença por parte dos clínicos. Discussão Houve aumento linear, de cerca de 70%, na prevalência do diabete na população felina de Banfield, entre 2002 e 2008. De acordo com a análise, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. SAS. Version 9.1.3 Copyright (c) 2002-2003 by SAS Institute Inc., Cary, NC, USA. 2. Prahl A, Guptill L, Glickman NW, et al. Time trends and risk factors for diabetes mellitus in cast presented to veterinary teaching hospitals. J Feline Med Surg 2007; 9(5): 351-8. 18 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 3. Panciera DL, Thomas CB, Eicker SW, et al. Epizootiologic patterns of diabetes mellitus in cats: 333 cases (1980-1986). J Am Vet Med Assoc 1990; 197(11): 1504-8. MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 19 COMO ABORDAR... A doença de Addison no cão Catharine Scott-Moncrieff MA, Vet MB, MS, Dipl. ACVIM, DSAM, Dipl. ECVIM Dep. Ciências Clínicas Veterinárias, Escola de Medicina Veterinária da Universidade de Purdue, IN, EUA A Dr.ª Scott-Moncrieff concluiu a Graduação e o Mestrado em Medicina Veterinária na Universidade de Cambridge, em 1985. Fez estágio em Medicina e Cirurgia de Pequenos Animais na Universidade de Saskatchewan (Canadá) e, mais tarde, residência e mestrado em Medicina Interna pela Universidade de Purdue. Em 1989, ela ingressou no corpo docente da Faculdade Veterinária da Universidade de Purdue, onde atualmente exerce as funções de Professora de Medicina Interna de Pequenos Animais e Diretora de Programas Internacionais. Introdução A doença de Addison, ou hipoadrenocorticismo, trata-se da deficiência de secreção de corticosteroides pelas glândulas adrenais. Nos cães, a causa mais comum é a insuficiência adrenal primária, que costuma provocar uma deficiência tanto de glicocorticoides (principalmente cortisol) como de mineralocorticoides (sobretudo aldosterona). Uma causa mais rara de hipoadrenocorticismo é a disfunção da hipófise, que resulta em secreção de ACTH diminuída ou inexistente e insuficiência adrenal secundária. PONTOS-CHAVE A doença de Addison pode apresentar sinais clínicos extremamente vagos e inespecíficos, podendo mimetizar muitos outros distúrbios. O diagnóstico e o tratamento rápidos dos cães afetados são fundamentais. O teste de estimulação com ACTH é o exame de eleição para o diagnóstico da doença de Addison. Com diagnóstico e tratamento adequados, os animais afetados podem ter boa qualidade de vida e expectativa de vida normal. O que é necessário saber sobre a fisiologia adrenal? Para diagnosticar e tratar adequadamente os pacientes com doença de Addison, é importante compreender a fisiologia da adrenal. (Figura 1). O eixo hipotálamohipófise-adrenal regula a síntese e secreção de cortisol pelas glândulas adrenais. A síntese e secreção de aldosterona são reguladas pelo eixo renina-angiotensina, pela concentração plasmática de potássio e, em menor escala, pela concentração plasmática de sódio e de ACTH. Os corticosteroides possuem diversos efeitos, o que os tornam essenciais para a sobrevivência. Os glicocorticoides estimulam os processos de gliconeogênese e glicogênese hepáticas, potencializam o catabolismo de proteínas e gorduras, desempenham papel importante na manutenção da pressão arterial e ajudam a combater os efeitos do estresse. Os mineralocorticoides aumentam a absorção de sódio e a secreção de potássio em diversos locais (como rins, glândulas sudoríferas, glândulas salivares, células epiteliais intestinais), sendo fundamentais para a manutenção do sódio. Quais são as causas mais comuns da doença de Addison? Acredita-se que a maioria dos casos de doença de Addison na espécie canina seja atribuída à destruição imunomediada. Este é um dado importante, pois significa que, com diagnóstico e tratamento adequados, os cães afetados por essa doença podem ter boa qualidade de vida e expectativa de vida normal. Outras causas mais incomuns de destruição das glândulas adrenais incluem infecção fúngica, infarto hemorrágico, amiloidose, necrose e neoplasia. A suspensão (retirada) rápida da administração de glicocorticoides exógenos constitui a causa mais comum de hipoadrenocorticismo secundário. O hipoadrenocorticismo secundário espontâneo é raro, sendo provocado por deficiência idiopática de ACTH ou por lesões destrutivas no hipotálamo ou na hipófise. Quais as raças caninas mais acometidas? A doença de Addison é transmitida por traço autossômico Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 19 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 20 COMO ABORDAR... HIPOTÁLAMO CRH Feedback negativo HIPÓFISE ANTERIOR ACTH ARTERÍOLA Cortisol Vasoconstrição Córtex adrenal Aldosterona Angiotensina II Hipercalemia Enzima conversora de angiotensina Angiotensina I Renina Angiotensinogênio FÍGADO RIM Figura 1. Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Tabela 1. Indicadores da doença de Addison canina. Historial Anorexia Exame físico Má condição corporal Vômito/diarreia Letargia, debilidade Letargia/debilidade Desidratação Tremores/calafrios Dor abdominal Poliúria/polidipsia Bradicardia Dor abdominal Pulso débil (fraco) Convulsões (hipoglicêmicas) Hipotermia Hemorragia gastrointestinal Tempo de preenchimento capilar diminuído Choque hipovolêmico Choque hipovolêmico Câimbras musculares episódicas Melena ou hematoquézia recessivo nas raças Poodle standard (padrão), Cão d’Água Português e Nova Scotia Duck Tolling Retriever, além de ser uma doença hereditária no Collie Barbudo (1-4), embora outras raças também possam ser predispostas (5). Na população canina em geral, cerca de 70% dos animais afetados são fêmeas; no entanto, nas raças Cão d’Água 20 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 Português, Poodle standard (padrão) e Collie Barbudo, a doença atinge machos e fêmeas em proporção igual. A doença de Addison é mais comumente diagnosticada em cães jovens ou de meia-idade (idade média: 4 anos), mas pode ser detectada em animais muito jovens com apenas 4 meses e naqueles bastante idosos com, por exemplo, 14 anos (6). Quais são os sinais clínicos mais comuns? É importante admitir que os sinais clínicos em cães com doença de Addison são extremamente vagos e inespecíficos (6-8). O Médico Veterinário deve ter alto índice de suspeita em qualquer cão que apresente sinais vagos dessa doença. Os sinais clínicos podem ser agudos ou gradativos em termos de aparecimento, aumentar ou diminuir de gravidade e, às vezes, deflagrados por algum evento estressante. Normalmente, os proprietários não conseguem identificar há quanto tempo o animal se encontra doente até o tratamento induzir à melhora significativa dos níveis de atividade. A presença de histórico de doença episódica ou desarranjo gastrintestinal que melhora com tratamento de suporte deve alertar o clínico para a possibilidade de doença de Addison. A Tabela 1 exibe a ampla variedade de sinais clínicos que podem ser observados. É importante lembrar que a maioria dos sinais clínicos pode ser causada apenas pela deficiência de glicocorticoides, embora normalmente se observem choque hipovolêmico e colapso em cães com deficiência glicocorticoide e mineralocorticoide. Que alterações no perfil hematológico básico constituem um sinal de alerta? A Tabela 2 ilustra as alterações comumente observadas no hemograma completo, no perfil bioquímico e na urinálise de cães com hipoadrenocorticismo. É importante reconhecer que a ampla variedade de alterações observadas pode mimetizar outras doenças, tais como: insuficiência hepática, insuficiência renal, insulinoma ou enteropatia com perda de proteínas (9, 10). Hematologia: a alteração hematológica mais frequente no cão é a ausência de leucograma de estresse (aumento dos neutrófilos sem desvio à esquerda, diminuição dos linfócitos e eosinófilos como resultado de estresse sistêmico), um achado anormal na presença de doença sistêmica. Anomalias eletrolíticas séricas: os achados mais MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 21 A DOENÇA DE ADDISON NO CÃO Em cães com hipoadrenocorticismo, a relação de sódio/potássio é normalmente baixa (< 24), o que pode aumentar o índice de suspeita de doença de Addison, enquanto se aguardam os resultados definitivos dos testes (13). Entretanto, o estabelecimento do diagnóstico de hipoadrenocorticismo unicamente com base na mensuração do nível de eletrólitos pode não ser uma medida confiável, em virtude da existência de muitas outras causas de hipercalemia e hiponatremia. Assim, o diagnóstico sempre deverá ser confirmado por teste de estimulação com ACTH. Em contrapartida, é importante lembrar que as concentrações eletrolíticas (e, consequentemente, a relação de Na:K) podem permanecer perfeitamente normais em cães com doença de Addison (3, 11, 12). A falha na consideração do hipoadrenocorticismo como diagnóstico diferencial em pacientes com sinais vagos de doença sistêmica resultará na negligência do diagnóstico ou no estabelecimento de diagnóstico errado, levando à frustração do proprietário ou, até mesmo, à morte do animal. Os resultados da imagiologia em cães com doença de Addison revelam microcardia (Figura 2), diminuição da artéria pulmonar lobar cranial e da veia cava posterior, assim como micro-hepatia (14). Também já foi observado megaesôfago reversível. A ultrassonografia pode revelar glândulas adrenais pequenas ou indetectáveis (15), mas a detecção de glândulas de dimensões normais não exclui a doença de Addison em virtude da sobreposição com o tamanho das glândulas adrenais normais. Do mesmo modo, a presença de glândulas adrenais pequenas na ultrassonografia, embora sustente o diagnóstico de hipoadrenocorticismo, não é suficiente para confirmar a doença. Tabela 2. Alterações clinicopatológicas observadas em cães com doença de Addison. Hemograma % animais afetados Anemia não regenerativa 27 Eosinofilia 20 Neutrofilia 32 Linfocitose 10 Ausência de leucograma de estresse 92 Painel bioquímico Hipercalemia 95 Hiponatremia 81 Hipocloremia 42 Hipercalcemia 31 Azotemia 88 Hiperfosfatemia 68 Hipoglicemia 17 Aumento das enzimas hepáticas Acidose metabólica 30-50 40 Hipoalbuminemia 6-39 Hipocolesterolemia 7 Urina Densidade específica < 1,030 60 ©J. Catharine R SCott Moncrieff. comuns em um perfil bioquímico sérico são a hipercalemia e a hiponatremia. No entanto, o equivalente a 30% dos cães com doença de Addison não manifesta essas anormalidades eletrolíticas clássicas (3, 11, 12). Essa apresentação recebe o nome de doença de Addison “atípica” ou “deficiente em glicocorticoide” e pode ser atribuída a hipoadrenocorticismo secundário (deficiência de ACTH), a doenças concomitantes, como hipotiroidismo ou doença gastrintestinal, e à destruição seletiva das zonas secretoras de cortisol (zona fasciculada e reticular) do córtex adrenal. Alguns casos que, em princípio, demonstram apenas deficiência glicocorticoide, perdem a capacidade de secretar mineralocorticoides alguns meses mais tarde. No entanto, nem todos os casos de Addison com deficiência glicocorticoide evoluem para uma insuficiência adrenocortical total. Figura 2. Radiografia torácica (projeção ventrodorsal) que revela microcardia em Dogue Alemão (também conhecido como Dinamarquês) de 5 anos, com hipoadrenocorticismo. Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 21 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 22 ©J. Catharine R Scott Moncrieff. COMO ABORDAR... Figura 3. Eletrocardiografia exibindo as alterações esperadas antes e depois do tratamento da hipercalemia. Electrocardiografia: em cães com doença de Addison e hipercalemia, pode haver alterações eletrocardio-gráficas. Na hipercalemia leve (> 5,5 mmol/L), observa-se pico da onda T; com aumentos adicionais (> 6,5 mmol/L), ocorre alargamento do complexo QRS, diminuição da amplitude do complexo QRS, aumento de duração da onda P e prolongamento do intervalo P-R. Se o nível de potássio estiver acima dos 8,5 mmol/L, podem ocorrer perda total da onda P e fibrilação ventricular ou assistolia (Figura 3). Que teste endocrinológico deverá ser realizado para confirmar o diagnóstico? O nível normal de cortisol basal é útil para excluir o diagnóstico de hipoadrenocorticismo. Contudo, um nível baixo não é suficiente para confirmar o diagnóstico, uma vez que alguns cães normais apresentam níveis reduzidos de cortisol basal apesar de uma resposta normal à administração de ACTH (16). O teste de estimulação com ACTH (Figura 4) sempre deve ser realizado em pacientes com suspeita de doença de Addison antes de iniciar o tratamento a longo prazo. Uma vez iniciado, é impossível confirmar o diagnóstico sem suspender a terapia durante várias semanas. O agente de eleição para esse teste é o ACTH sintético, administrado na dose de 5 µg/kg (dose máxima: 250 µg/cão) IV ou IM (17). As amostras sanguíneas para mensuração do cortisol sérico devem ser coletadas imediatamente antes e 1 hora depois da administração do ACTH. Caso seja clinicamente necessária a administração de corticosteroides antes de efetuar o teste de estimulação com ACTH, a dexametasona deverá ser utilizada. Uma única dose desse medicamento provocará certa diminuição na intensidade da resposta ao ACTH, mas não eliminará essa resposta. Em cães com doença de Addison 22 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 espontânea, ambas as concentrações de cortisol pré e pósACTH devem ser inferiores à faixa de referência para o cortisol basal (28-56 nmol/L). De fato, a maioria dos cães apresenta uma concentração pré e pós-cortisol < 28 nmol/L. Outras causas de resposta inadequada ou diminuída à estimulação com ACTH incluem administração prévia de glicocorticoides, tratamento com medicamentos (p. ex., mitotano, trilostano ou cetoconazol), perda de potência do ACTH e erros na sua administração. A concentração de ACTH endógena é útil em cães com doença de Addison e deficiência de glicocorticoide confirmada. A mensuração de uma concentração de ACTH acima da faixa de referência confirma o diagnóstico de hipoadrenocorticismo primário, enquanto a detecção de um nível dentro ou abaixo da faixa de referência é compatível com hipoadrenocorticismo secundário. Os cães com doença de Addison atípica primária podem evoluir para insuficiência adrenal total, geralmente dentro dos 12 meses de diagnóstico; por esse motivo, é recomendável a monitorização a longo prazo das concentrações de eletrólitos. Mensuração da relação de cortisol: ACTH (RCA) foi proposta como um teste diagnóstico alternativo para o hipoadrenocorticismo primário (18). Nesse caso, a concentração de ACTH aumenta diante de uma concentração de cortisol inadequadamente reduzida, o que resulta em uma relação de cortisol:ACTH muito baixa. Há necessidade de outros estudos para avaliar a RCA em cães acometidos por outras doenças, que podem ser submetidos ao teste para pesquisa de hipoadrenocorticismo. MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 23 A DOENÇA DE ADDISON NO CÃO Como tratar um cão com suspeita de doença de Addison e como confirmar o diagnóstico? O estudo de caso nº 1 apresenta um exemplo de tratamento agudo de cão com suspeita de doença de Addison. O objetivo deve ser tratar as manifestações da doença (p. ex., choque hipovolêmico, hipoglicemia e azotemia) e, simultaneamente, confirmar o diagnóstico. É recomendável evitar a fluidoterapia com soluções hipertônicas em pacientes com hiponatremia grave, já que os aumentos rápidos do sódio sérico podem resultar em mielinose cerebral. Se for necessária a suplementação imediata de glicocorticoides antes do término do teste de estimulação com ACTH, o medicamento de eleição é a dexametasona (0,25-2,0 mg/kg). Caso o tratamento com glicocorticoides possa ser iniciado após a conclusão do teste de estimulação com ACTH, existem outras opções terapêuticas: hemisuccinato de hidrocortisona, fosfato de hidrocortisona (2-4 mg/kg IV) ou succinato sódico de metilprednisolona (1-2 mg/kg IV). Em caso de alta suspeita clínica de hipoadrenocorticismo, deverá ser considerada a administração de 1 dose de algum mineralocorticoide injetável, dependendo da resposta inicial do paciente à fluidoterapia e do tempo previsto para os resultados do teste de cortisol estarem disponíveis. Talvez seja necessária uma terapia de emergência para hipercalemia grave (se o nível de potássio estiver acima de 6,5 mmol/L). Outros tratamentos adjuvantes incluem glicose IV para hipoglicemia, transfusão de sangue no caso de anemia hemorrágica, suporte coloidal e correção da acidose metabólica grave (caso o bicarbonato sérico esteja abaixo de 12mmol/L). Em cães com sinais menos graves da doença que não Cortisol (nmol/l) É fundamental proceder rapidamente ao tratamento de cães com suspeita de doença de Addison, sobretudo se existirem anormalidades eletrolíticas profundas. A hipercalemia, em particular, pode ser potencialmente letal se não for tratada de imediato. Também é muito importante confirmar o diagnóstico da doença de Addison e, ao mesmo tempo, iniciar o tratamento, porque uma vez iniciada a terapia de reposição com glicocorticoides, será muito difícil confirmar o diagnóstico. Embora o tratamento a longo prazo do hipoadrenocorticismo exija a administração de glicocorticoides exógenos e, em geral, de mineralocorticoides, a fluidoterapia rigorosa a curto prazo constitui a base do tratamento e corrige temporariamente a maioria das alterações eletrolíticas letais Teste de estimulação com ACTH 500 450 400 350 300 250 200 150 100 50 0 Cortisol pré-ACTH Cortisol pós-ACTH Normal Iatrogênica Addison Figura 4. Teste de estimulação com ACTH. As linhas retratam uma (a) resposta normal, (b) outra compatível com doença de Addison e (c) outra mais consistente com exposição a corticosteroides exógenos. necessitem de fluidoterapia imediata, a mensuração do cortisol basal pode constituir o teste diagnóstico inicial. Se a concentração de cortisol for superior a 56 nmol/L, o diagnóstico de hipoadrenocorticismo poderá ser descartado. Assim, o teste de estimulação com ACTH pode ser realizado em pacientes com baixas concentrações de cortisol basal. Qual é a melhor abordagem para o tratamento a longo prazo da doença? Os cães com doença de Addison clássica necessitam de tratamento com glicocorticoides (p. ex., prednisona) e mineralocorticoides (p. ex., fludrocortisona ou pivalato de desoxicorticosterona [DOCP]) durante toda a vida. Glicocorticóides: o tratamento de manutenção com glicocorticoides orais deve ser iniciado assim que os sinais sistêmicos da doença responderem ao tratamento parenteral. A prednisona é o medicamento de escolha no cão: começando com 0,1 a 0,22 mg/kg, a dose é gradativamente reduzida até o nível mais baixo que controle os sinais clínicos. Uma dose excessiva pode causar sinais clínicos de hipercortisolismo. A dose de prednisona necessária para o tratamento de manutenção é menor que 0,05-0,4 mg/kg (19, 20). A terapia com prednisona pode ser totalmente interrompida em cerca de 50% dos cães submetidos a tratamento com fludrocortisona, por causa da atividade glicocorticoide intrínseca desse agente. Todavia, a maioria dos cães tratados com DOCP requer a administração de, no mínimo, uma dose reduzida de prednisona em dias Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 23 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 24 COMO ABORDAR... alternados, uma vez que o DOCP não possui atividade glicocorticoide. Mineralocorticóides: os cães com hipercalemia e/ou hiponatremia também devem ser tratados com algum mineralocorticoide. O pivalato de desoxicorticosterona (DOCP) é um composto de ação prolongada, administrado inicialmente em doses de 2,2 mg/kg IM ou SC em intervalos de 25 dias (19, 20). A dose de manutenção final necessária para o controle clínico satisfatório fica entre 0,8-3,4 mg/kg/dose em intervalos de 14 a 35 dias. A maioria dos cães pode ser tratada com injeções mensais, mas poucos pacientes necessitam de dose superior a 2,2 mg/kg. Para contenção dos custos, a dose de DOCP pode ser reduzida em 10% ao mês, ao mesmo tempo em que se procede à monitorização das concentrações de sódio e potássio até se identificar a dose mínima de manutenção de concentrações eletrolíticas normais. O acetato de fludrocortisona é uma opção alternativa para a suplementação mineralocorticoide caso se opte pela terapia oral diária. A dose inicial é de 0,02 mg/kg VO, SID ou BID. A dose de fludrocortisona necessária para controlar os sinais clínicos fica entre 0,010,08 mg/kg/dia, mas a dose requerida costuma ser aumentada com o tempo (19). Alguns cães tratados com fludrocortisona desenvolvem sinais clínicos de hipercortisolismo, tais como poliúria/polidipsia (PU/PD), mesmo quando a suplementação adicional de glicorticoide é interrompida. Esse fato presumivelmente se deve à atividade glicocorticoide intrínseca das fludrocortisonas (20). Nesses pacientes, deverá ser considerada a mudança para o DOCP. Notar que a hidrocortisona é uma má-escolha para o tratamento de hipoadrenocorticismo a longo prazo, pois a relação de atividade glicocorticoide:mineralocorticoide é de 1:1 e implica a administração de dose excessiva de glicocorticoide Doença de Addison com deficiência glicocorticóide: Os cães sem anormalidades eletrolíticas (hipoadrenocorticismo secundário ou hipoadrenocorticismo primário atípico) não necessitam de suplementação mineralocorticoide inicial. No entanto, os pacientes com hipoadrenocorticismo primário atípico (ver estudo de caso nº 2) devem ser cuidadosamente monitorizados em virtude do risco de evolução para insuficiência adrenal total. As concentrações eletrolíticas devem ser monitorizadas a cada 1 a 3 meses durante, no mínimo, o primeiro ano após o diagnóstico. Os proprietários devem ser orientados a monitorizar os sinais clínicos de 24 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 deficiência mineralocorticoide. Qual é o prognóstico da doença de Addison? Em geral, o prognóstico dos cães com doença de Addison é excelente, embora o custo da suplementação mineralocorticoide (especialmente em cães de grande porte) possa levar alguns donos a optar pela eutanásia. Em um estudo com 205 cães tratados para hipoadrenocorticismo, o tempo médio de sobrevida foi de 4,7 anos (faixa de 7 dias - 11,8 anos) (19). O que se deve fazer se o paciente não responder bem ao tratamento? Ocasionalmente, os cães com a doença de Addison não respondem bem ao tratamento ou apresentam efeitos adversos associados à terapia. A causa mais relevante de resposta insatisfatória ao tratamento é a administração de dose inadequada de mineralocorticoides. Outras causas incluem a existência de doença concomitante não diagnosticada, como o hipotiroidismo. A presença de megaesôfago ou hemorragia gastrintestinal grave também pode complicar a resposta ao tratamento. O efeito adverso mais comum da terapia é a poliúria/polidipsia (PU/PD), o que costuma ser atribuído à suplementação excessiva de glicocorticoides ou à atividade glicocorticoide intrínseca da fludrocortisona. Em pacientes com PU/PD, é necessário, em primeiro lugar, reduzir ou interromper a dose de glicocorticoide. Se os problemas persistirem, deverá ser considerada a troca para algum tratamento mineralocorticoide alternativo (20). Conclusão O hipoadrenocorticismo é uma doença complexa, corretamente rotulada como “a Grande Fingidora”. A disfunção da glândula adrenal deve ser encarada como um possível diagnóstico diferencial em qualquer cão com doença sistêmica aguda ou crônica. Jamais se deve excluir o diagnóstico de doença de Addison com base em concentrações eletrolíticas normais. A apreciação da miríade de formas apresentadas pelos pacientes com hipoadrenocorticismo deve aumentar o índice de suspeita dessa doença e diminuir a probabilidade de falha no diagnóstico. MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 25 A DOENÇA DE ADDISON NO CÃO Shelby ©J. Catharine R Scott Moncrieff. ©J. Catharine R Scott Moncrieff. Parâmetros laboratoriais selecionados (Shelby) Valor Parâmetro Charlie Estudo de caso n.º1: Tratamento de emergência do hipoadrenocorticismo (células/µL) 9.470 6.000-17.000 Neutrófilos segmentados (células/µL) 6.820 3.000-12.000 Linfócitos (células/µL) 1.610 1.000-5.000 Glicose sanguínea (mmol/L) 5,3 3,8-7,4 (mg/dL) 94 67-132 Sódio (mmol/L) 128 138-148 Potássio (mmol/L) 10,5 3,5-5,0 Cloro (mmol/L) 95 105-117 (mmol/L) 7,6 0,7-2,5 (mg/dL) 23,6 2,2-7,9 41 23-39 Fósforo Shelby, 18 meses, Terrier Irlandês, fêmea castrada Albumina Histórico: 2 dias de depressão e anorexia; episódio semelhante há 2 meses, que desapareceu com tratamento de suporte. Exame físico: Peso: 16 kg; Temperatura retal: 35,1ºC; Escore de Condição Corporal: 3/5; Pulsação: 48 batimentos/minuto; Frequência respiratória: 16 ciclos/minuto; Tempo de Preenchimento Capilar > 3 segundos; Animal em decúbito lateral e irresponsivo; Desidratação estimada em 7%; Pressão arterial muito baixa para permitir sua mensuração. Tratamento: • Inserir cateter IV na veia cefálica (ou jugular) • Iniciar fluidoterapia com soro fisiológico a 0,9% IV, 1 litro em bólus, depois 100 mL/h durante as 2h seguintes (dose de choque 30-80 mL/kg) • Administrar dexametasona a 4 mg IV (dose de glicocorticoide 0,25-2,0 mg/kg) • Coletar amostras de sangue e urina para obtenção de hemograma completo, perfil bioquímico (com eletrólitos), urinálise e cortisol basal (ver resumo dos dados laboratoriais) • Administrar 250 μg de ACTH sintético IV (5 μg/kg até, no máximo, 250 μg) • Coletar segunda amostra de sangue para mensuração do cortisol pós-ACTH, 1h mais tarde; • Adicionar dexametasona a 0,05-0,1 mg/kg BID nos fluidos • Administrar 64 mL de glicose lentamente por via IV (2 g glicose/unidade de insulina com glicose a 25%) • Aplicar 8 unidades de insulina IV (0,5 U/kg) • Fornecer 5 mL de gliconato de cálcio (a 10%) lentamente Intervalo de referência Leucócitos Colesterol Ureia e nitrogênio sanguíneos Creatinina Cálcio (g/L) (mmol/L) 3,9 3,2-7,8 (mg/dL) 153 125-301 (mmol/L) 72 2,5-11,4 (mg/dL) 201 7-32 (µmol/L) 610 44-133 (mg/dL) 6,9 0,5-1,5 (mmol/L) 3,5 2,4-3,1 (mg/dL) 14,1 9,7-12,4 13-24 Dióxido de carbono (mmol/L) 9 Diferencial aniônico (mmol/L) 34,9 Análise de urina 9-18 Não obtida Teste de estimulação com ACTH Cortisol basal (nmol/L) <27 27-162 Cortisol pós-ACTH (nmol/L) <27 189-459 por via IV, durante 10 minutos (2-10 mL/cão) • Administrar 13 mEq de bicarbonato de sódio por 4h [Dose (mEq) = peso (16 kg) x 0,4 x (bicarbonato para 12 pacientes)] • Aplicar pivalato de desoxicorticosterona na concentração de 32 mg por via IM (2 mg/kg) Resultado: A cadela Shelby respondeu rapidamente à terapia de emergência, mostrando-se responsiva e alerta no espaço de 30 minutos após o início do tratamento. Em virtude de hemorragia grave no trato respiratório e gastrintestinal durante as 2h seguintes, foi necessário o fornecimento de transfusão de 1 unidade de sangue total. Nesse caso, havia suspeitas de que a hemorragia era decorrente de coagulação intravascular disseminada. A transição para os glicocorticoides orais 48h depois da apresentação inicial foi bem-sucedida. Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 25 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 26 A DOENÇA DE ADDISON NO CÃO Parâmetros laboratoriais selecionados (Charlie) Estudo de caso n.º 2: Apresentação atípica da doença de Addison Parâmetro Charlie, 5 anos, Poodle, macho castrado Histórico: : 2 dias de letargia e anorexia, que evoluíram para decúbito. Hipoglicemia detectada pelo Médico Veterinário e encaminhada para avaliação. Valor Intervalo de referência Leucócitos (células/µL) 19.200 6.000-17.000 Neutrófilos segmentados (células/µL) 14.780 3.000-12.000 Linfócitos (células/µL) 3.460 1.000-5.000 Glicose sanguínea (mmol/L) (mg/dL) 31 67-132 Sódio (mmol/L) 140 138-148 3,6 3,5-5,0 21 23-39 1,7 3,8-7,4 Potássio (mmol/L) Exame físico: Peso: 4,5 kg; Temperatura/Pulso/Respiração: normais; Escore de Condição Corporal: 3/5; Pressão arterial: 115 mmHg. O paciente encontrava-se fraco e prostrado. Foi observado tremor muscular generalizado. A fraqueza e o tremor muscular desapareceram com a administração de glicose em bólus. Albumina (g/L) Colesterol (mmol/L) 3,9 3,2-7,8 Amônia (µmol/L) 24,9 (pmol/L) 13 1-46 <36 (quando glucose (µlU/mL) 1,8 <5 Diagnóstico diferencial para a hipoglicemia: Insulinoma, sepse, insuficiência hepática, ingestão de toxinas, doença de Addison. Cortisol basal (nmol/L) <27 27-162 Cortisol pós-ACTH (nmol/L) <27 189-459 ACTH plasmática endógena (pmol/L) 156 4,4-11 Insulina sérica <3,4mmol/L) Teste de estimulação com ACTH Diagnóstico: Hipoadrenocorticismo deficiência glicocorticoide (atípico). primário com Tratamento: Prednisona a 0,2 mg/kg, em princípio; depois reduzir gradativamente para 0,1 mg/kg/dia. REFERÊNCIAS Resultado: Excelente resposta à terapia. Os eletrólitos foram monitorizados a cada 3 meses durante os 12 meses seguintes. Charlie desenvolveu deficiência mineralocorticoide 6 meses mais tarde e foi tratado com êxito utilizando DOCP. BIBLIOGRÁFICAS 1. Famula TR, Belanger JM, Oberbauer AM. Heritability and complex segregation analysis of hypoadrenocorticism in the standard poodle. J Small Anim Pract 2003; 44: 8-12. 11. Thompson AL, Scott-Moncrieff JC, Anderson JD, et al. Comparison of classic hypoadrenocorticism with glucocorticoid-deficient hypoadrenocorticism in dogs: 46 cases (1985-2005). 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MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 27 Hipercalcemia: diagnóstico e opções terapêuticas no cão e no gato Joao Felipe de Brito Galvao, MV Dennis Chew, Universidade do Estado de Ohio, Columbus, OH, EUA Universidade do Estado de Ohio, Columbus, OH, EUA O Dr. Galvão graduou-se na Universidade Federal de Minas Gerais, no Brasil, em 2004. Após 1 ano de residência em Medicina de Pequenos Animais na UNESP em Botucatu, concluiu o primeiro ano de prática clínica na Universidade de Wisconsin e obteve sua licença veterinária americana. Posteriormente, concluiu estágio em Pequenos Animais na Universidade de Purdue e, atualmente, busca fazer residência em Medicina Interna na Universidade do Estado de Ohio. Tem particular interesse pelo tratamento de distúrbios relacionados com o cálcio, como hipercalcemia idiopática e hiperparatiroidismo primário. O Prof. Dennis Chew graduou-se na Universidade do Estado do Michigan, em 1972. Realizou estágio na South Weymouth Veterinary Associates em Massachusetts e residência em Medicina Interna e Nefrologia no Animal Medical Center, em Nova Iorque. Como Médico Veterinário Assistente na Universidade do Estado de Ohio desde 1975, ele tem particular interesse por distúrbios no metabolismo do cálcio (hipercalcemia idiopática nos gatos), tratamento do hiperparatiroidismo secundário renal, insuficiência renal aguda e doenças do trato urinário inferior felino. DVM, Dipl. ACVIM Patricia Schenck, DVM, PhD Universidade do Estado de Michigan, Lansing, MI, EUA A Dr.ª Schenck concluiu o Mestrado em Ciência Animal e a Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade de Illinois. Concluiu o Doutorado em Bioquímica Lipídica na Universidade da Flórida. Depois de concluir o pós-doutorado na USDA, ela se mudou para a Universidade do Estado de Ohio, onde começou a se interessar por pesquisas sobre o metabolismo do cálcio. Em 2001, Patricia se associou à Seção de Diagnóstico Endócrino no Centro de Diagnóstico para a População e Saúde Animal na Universidade do Estado do Michigan. Seus interesses de pesquisa incluem a utilidade crescente do diagnóstico nos distúrbios de cálcio e lipídios, hipercalcemia idiopática no gato e hiperlipidemias caninas. Introdução O cálcio é necessário para uma série de funções intra e extracelulares, bem como para a sustentação do esqueleto. O cálcio total (tCa) é a forma de cálcio mais frequentemente analisada. O cálcio circulante existe em três frações: ionizado, complexado (ligado a fosfato, bicarbonato, etc.) e ligado a proteínas (1). Nos cães normais, o cálcio ionizado, complexado e ligado a proteínas responde por 55%, 10% e 35% do cálcio sérico total, respectivamente (2). Nos gatos, os valores são semelhantes (3). O cálcio ionizado (iCa) é a fração biologicamente ativa sob regulação e, por isso, é essencial para a avaliação do cálcio. PONTOS-CHAVE Para uma detecção precisa de hipercalcemia, é imprescindível avaliar o cálcio ionizado. A neoplasia é a causa mais comum de hipercalcemia no cão. É provável que um cão aparentemente saudável com hipercalcemia crônica e hipofosfatemia sofra de hiperparatiroidismo primário. Um gato aparentemente saudável com hipercalcemia crônica provavelmente tem hipercalcemia idiopática. Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 27 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 28 A regulação do cálcio sérico é complexa e envolve as ações integradas do paratormônio (PTH), dos metabólitos da vitamina D e da calcitonina (4). O PTH está envolvido na regulação delicada da concentração sanguínea de cálcio. Quando a concentração de cálcio ionizado diminui, ocorre uma estimulação das células principais da paratiroide, estimulando a produção de PTH. O paratormônio aumenta a concentração sanguínea de cálcio por meio de diversos mecanismos; também provoca fosfatúria, o que diminui o fósforo sérico. A calcitonina desempenha um papel menor (secundário) no metabolismo do cálcio, servindo principalmente para limitar o grau de hipercalcemia após refeição rica nesse mineral. Na hipercalcemia, a interação do cálcio e do fósforo é importante. Sempre que o produto da multiplicação do tCa (mg/dL) pela concentração de fósforo (mg/dL) excede o valor em torno de 70, é provável a mineralização dos tecidos. Esse fato é crítico, pois os tecidos moles que mineralizam com maior frequência estão localizados nos rins, no estômago e no sistema vascular. Testes de diagnóstico para o metabolismo do cálcio Cálcio sérico total O tCa faz parte das avaliações de rotina do perfil sérico. É normalmente mensurado através do método colorimétrico, mas pode se apresentar falsamente aumentado na presença de hiperlipidemia ou hemólise. Embora o cálcio ionizado seja a fração biologicamente ativa, muitos Médicos Veterinários baseiam-se nas concentrações séricas de tCa para predizer o valor do iCa. Nos cães e nos gatos, não se recomendam fórmulas de ajuste para corrigir o tCa em relação à concentração de albumina ou proteína total. Vários estudos demonstram que esses índices podem estar pouco correlacionados e, até mesmo, induzir ao erro no diagnóstico (5, 6). Cálcio sérico ionizado O iCa é o melhor indicador de estado patológico e pode ser mensurado no soro ou plasma heparinizado. Não se deve utilizar plasma com EDTA, pois pode gerar resultados falsamente reduzidos. Para a mensuração mais exata, as amostras devem ser coletadas e manipuladas em ambiente anaeróbico, uma vez que a mistura de soro e ar pode diminuir o nível de iCa (7). Alguns laboratórios desenvolveram fórmulas de ajuste do pH específicas à espécie, permitindo a mensuração de amostras tratadas aerobicamente. 28 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 Paratormônio A análise do PTH total fornece a determinação precisa da concentração desse hormônio. A análise pode ser feita em amostras de soro ou plasma, que devem ser mantidas sob refrigeração ou congeladas antes da realização dessa análise. O PTH deve ser avaliado ao mesmo tempo do iCa. Proteína relacionada ao paratormônio A PTHrP é um hormônio secretado por algumas neoplasias malignas. Essa proteína pode se ligar aos receptores do PTH existentes nos rins e nos ossos, resultando em hipercalcemia humoral da malignidade. A PTHrP é sensível à degradação, mas parece ser mais estável em plasma com EDTA (observação não publicada) quando comparado com o soro. O plasma deve ser mantido congelado antes da mensuração da PTHrP. Metabolitos da vitamina D Os metabólitos da vitamina D são quimicamente idênticos em todas as espécies. A concentração de 25hidroxivitamina D sérica é um bom indicador da ingestão de vitamina D. A análise pode ser realizada tanto no soro como no plasma, mas as amostras devem ser protegidas da luz para evitar a degradação. O calcitriol (1,25-dihidroxivitamina D) é o metabolito ativo da vitamina D, mas, infelizmente, sua análise laboratorial não está amplamente disponível. Sinais clínicos Anorexia, poliúria/polidipsia (PU/PD), letargia e fraqueza são os sinais clínicos mais comuns nos cães com hipercalcemia. No entanto, cada animal frequentemente exibe diferenças notáveis nos sinais clínicos apesar de valores semelhantes de hipercalcemia. Embora os sintomas de PU/PD sejam frequentemente descritos como achados iniciais, isso é bem menos comum nos gatos, pois eles parecem manter uma boa capacidade de concentração da urina. Os distúrbios simultâneos em outras concentrações de eletrólitos, bem como a disfunção orgânica secundária à hipercalcemia, contribuem para os sinais clínicos, as alterações laboratoriais e as lesões. A gravidade dos sinais clínicos e o desenvolvimento de lesões de hipercalcemia dependem não só da magnitude da hipercalcemia, mas também da sua velocidade de desenvolvimento e duração. Por exemplo, cães com o mesmo nível de hipercalcemia podem apresentar sinais clínicos muito diferentes. Um cão com hiperparatiroidismo primário pode exibir apenas PU/PD, enquanto outro com linfoma ou adenocarcinoma da glândula anal pode apresentar vômito, anorexia e MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 29 HIPERCALCEMIA: DIAGNÓSTICO E OPÇÕES DE TRATAMENTO NO CÃO E NO GATO Aumento do cálcio sérico total Passível de repetição – obter banco de dados mínimo, hemograma completo, bioquímica sérica, urinálise,+/- técnicas de diagnóstico por imagem iCa normal ou baixo • Lipemia • Aumento da ligação a proteínas • Aumento da ligação a complexos (insuficiência renal) • Desidratação (subaguda / crônica) • Alcalose (metabólica e respiratória) Não exclui neoplasia iCa aumentado Ausência de diagnóstico óbvio após histórico (medicamentos, dieta, ambiente, exame físico e banco de dados mínimo) Mensurar o cálcio ionizado (iCa) PTH abaixo do normal ou no terço inferior do intervalo de referência Efetuar teste à PTH Mensurar 25 (OH) vitamina D Mensurar PTH-rP PTH aumentada ou nos 2/3 superiores Intervalo de referência (dependente da paratiróide) Hiperparatiroidismo primário ou doença renal Normal Elevado Aumentado Normal • Toxicidade por ergo ou colecalciferol (o calcitriol pode estar diminuído, normal ou aumentado) Probabilidade de neoplasia Não exclui Aumentado •Idiopático (hipercalcemia idiopá- • Sobredosagem de calcitriol tica nos gatos) • Associado a malignidade • Associado a processo maligno • Doença granulomatosa Realizar ultrassonografia abdominal, radiografia torácica, exame retal. Para verificar a existência de linfoma, adenocarcinoma do saco anal, carcinoma, neoplasia da medula óssea. •Toxicidade por calcipotrieno • Plantas tóxicas Figura 1. © Ohio State University. Baixo ou Normal Mensurar calcitriol Algoritmo para a abordagem clínica dos distúrbios caracterizados inicialmente por tCa sérico elevado. PU/PD apesar de ter o mesmo nível de hipercalcemia. Nos gatos, os sinais clínicos de hipercalcemia variam de ausentes a graves, mas costumam ser insidiosos e, muitas vezes, passam despercebidos pelos proprietários. Os sinais clínicos diferem entre os animais e podem ser atribuídos a um ou mais sistemas corporais. Os sinais clínicos podem ser inespecíficos (p. ex., letargia, anorexia) ou estar relacionados ao sistema urinário (p. ex., PU/PD, desidratação, hematúria/polaciúria/disúria associadas com urolitíase), trato gastrintestinal (p. ex., vômito, constipação), sistema neuromuscular (p. ex., crises convulsivas, fraqueza) ou sistema cardiovascular (arritmias). Os gatos com hiperparatiroidismo primário podem ter nódulos císticos palpáveis nas paratiroides. Diagnóstico diferencial, estudo e tratamento A Tabela 1 fornece uma lista de causas de hipercalcemia. A caracterização da hipercalcemia como transitória ou persistente, patológica ou não patológica, leve ou grave, progressiva ou estável e aguda ou crônica é útil para determinar sua causa.A hipercalcemia patológica persistente ocorre muito frequentemente em associação com malignidade, sobretudo no cão (> 50% dos casos). Antigamente, acreditava-se que a doença renal crônica (DRC) fosse a causa mais comum de hipercalcemia nos gatos, seguida de malignidade (8). Atualmente, parece que a causa número 1 de hipercalcemia ionizada é idiopática, seguida de DRC e, depois, de processos malignos (9). Outras causas esporádicas de hipercalcemia incluem hipoadrenocorticismo, hiperparatiroidismo primário, hipervitaminose D e Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 29 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 30 Tabela 1. Diagnósticos diferenciais de hipercalcemia (20). Causas não patológicas • Não está em jejum (aumento mínimo) • Crescimento fisiológico • Erro laboratorial • Falso • Hiperlipidemia Causas transitórias • Hemoconcentração • Hiperproteinemia • Hipotermia ambiental grave (rara) Causas patológicas ou consequentes (persistentes) Dependentes da paratiróide • Hiperparatiroidismo primário Independentes da paratiróide • Associado a malignidade - Linfoma (comum) - Adenocarcinoma da glândula apócrina do saco anal (comum) - Mieloma múltiplo - Tumores ósseos metastisados (raro) - Tumores diversos • Hipercalcemia idiopática • Hipoadrenocorticismo • Insuficiência renal • Hipervitaminose D - Iatrogênica - Plantas domésticas (glicósidos de calcitriol - Cestrum diurnum, Solanum malocoxylon, Triestum flavescens) - Rodenticidas (colecalciferol) - Cremes anti-psoríase (calcipotriol/calcipotriene) • Doença granulomatosa - Blastomicose, esquistossomose, paniculite, granuloma pós-injeção, dermatite estéril • Lesões do esqueleto (não malignas) (raras) - Osteomielite (bacteriana ou micótica) - Osteodistrofia hipertrófica - Osteoporose por inatividade (imobilização) • Excesso de quelantes intestinais de fosfato com cálcio em seu conteúdo • Suplementação de cálcio excessiva (carbonato de cálcio) • Toxicidade por uvas ou uvas passas • Dimetilsulfóxido (DMSO) – tratamento da calcinose cutânea distúrbios inflamatórios. A hipercalcemia independente da paratiroide é mais comum em gatos do que em cães. Muitas vezes, é difícil determinar a causa de hipercalcemia em animais com essa anormalidade bioquímica leve ou transitória. É importante garantir que a hipercalcemia detectada inicialmente seja passível A causa mais provável pode se tornar óbvia a partir dos achados obtidos pelo histórico clínico ou exame físico. No entanto, se a causa não for imediatamente diagnosticada, 30 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 recomenda-se a realização de exames complementares, como radiografias torácicas e abdominais, ultrassonografia abdominal e perfil da paratiroide (PTH, PTHrp, 25-Vit D). O primeiro passo é determinar se a hipercalcemia é dependente da paratiroide (doença da glândula paratiroide que provoca hipercalcemia) ou independente da paratiroide (glândulas paratiroides normais que suprimem a secreção do PTH devido à hipercalcemia). A ultrassonografia da região cervical pode ser útil; no entanto, a ausência de aumento de volume da paratiroide não descarta a hipercalcemia dependente da paratiroide, enfatizando a importância da mensuração do PTH. Na hipercalcemia independente da paratiroide, as glândulas paratiroides não estão aumentadas ou podem não ser identificadas. Em casos crônicos de hipercalcemia maligna ou hipervitaminose D, as glândulas podem estar atrofiadas. Na suspeita de processo maligno, a avaliação da PTHrP pode ser proveitosa, mas, por si só, não é diagnóstica de malignidade. A mensuração de 25hidroxivitamina D é útil nos casos de possível ingestão excessiva de colecalciferol ou ergocalciferol, enquanto a mensuração de 1,25-di-hidroxivitamina D (calcitriol) também é útil se o excesso de calcitriol for a causa da hipercalcemia (embora isso seja raro). Os animais com citopenias, sem diagnóstico definitivo, devem ser submetidos à avaliação da medula óssea. O estudo radiográfico de todos os ossos é, algumas vezes, útil para a identificação de lesões, mesmo aquelas sem manifestação de dor óssea (ostealgia) (p. ex., decorrente de mieloma múltiplo). A abordagem terapêutica depende da gravidade dos sinais clínicos, da causa subjacente e da magnitude da hipercalcemia. O processo de tomada de decisões será orientado por questões, como: a rapidez de desenvolvimento da hipercalcemia, o aumento contínuo do nível de cálcio, a presença de hiperfosfatemia, a existência de distúrbios acidobásicos graves, o nível de função renal e o estado da função cerebral. Os níveis de hipercalcemia em rápido crescimento justificam uma intervenção mais rigorosa e são principalmente característicos de malignidade ou hipervitaminose D. Não existe um único protocolo de tratamento uniformemente eficaz para todas as causas de hipercalcemia (Tabela 2). A eliminação da causa subjacente é o tratamento definitivo, mas isso nem sempre é imediatamente possível. O objetivo do tratamento de suporte é aumentar a excreção urinária de MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 31 HIPERCALCEMIA: DIAGNÓSTICO E OPÇÕES DE TRATAMENTO NO CÃO E NO GATO Tabela 2. Tratamento da hipercalcemia (21). Tratamento Dosagem Indicações Observações 0,9% NaCl 100-125mL/kg/dia IV Hipercalcemia moderada a grave Contra-indicada na insuficiência cardíaca congestiva e hipertensão. Furosemida 1-4mg/kg TID ou BID IV, SC, PO taxa de infusão contínua 0,2-1mg/kg/h Hipercalcemia moderada a grave Expansão de volume necessária antes da utilização do fármaco. Prednisona/ prednisolona 1-2,2mg/kg BID PO, SC, IV Hipercalcemia moderada a grave Dexametasona 0,1-0,22mg/kg SID IV, SC Hipercalcemia moderada a grave Calcitonina 4-6UI/kg TID ou BID SC Toxicidade por hipervitaminose D 5-20mg por gato/semana PO Hipercalcemia idiopática 1-4mg/kg a cada 48-72h PO Hiperparatiroidismo primário resistente Pamidronato 1,3-2,0mg/kg em 150mL de solução salina a 0,9%, como infusão IV de 2h; pode repetir-se em 1-3 semanas Hipercalcemia moderada a grave Muito caro. Segundos relatos, pode causar insuficiência renal aguda nos gatos. Bicarbonato de sódio 1mEq/kg bolus IV lento (pode administrar até 4mEq/kg dose total) Hipercalcemia grave, fatal Necessita de monitorização atenta. Rápido início da ação. Calcitriol Dose inicial 15-20ng/kg BID PO Dose de manutenção 5ng/kg BID PO Pré-tratamento em paratiroidectomia para evitar hipocalcemia pós-operatória A semi-vida biológica é de 3-5 dias. O tratamento deve iniciar com dose de ataque; pode ser usado 2-3 dias antes da cirurgia. Alendronato cálcio e evitar a reabsorção óssea desse mineral. A primeira fase do tratamento consiste na aplicação de fluidoterapia parenteral para corrigir a desidratação (uma vez que a hemoconcentração contribui para o aumento do iCa), seguida de furosemida em casos de hipercalcemia persistente e grave. Nota: a furosemida jamais deve ser administrada a um animal desidratado ou antes da administração de fluidos IV. Os glicocorticosteroides constituem uma segunda fase de tratamento para os casos irresponsivos à terapia inicial. Esses agentes podem reduzir a magnitude da hipercalcemia persistente em animais com linfoma (citólise), mieloma múltiplo, hipoadrenocorticismo, hipervitaminose D ou doença granulomatosa, mas exercem efeito mínimo sobre outras causas de hipercalcemia e não devem ser administrados até se estabelecer o diagnóstico definitivo. A administração crônica de esteroides pode ser necessária para controlar a hipercalcemia na hipercalcemia idiopática felina, para a A utilização destes fármacos antes da identificação da etiologia pode dificultar o diagnóstico definitivo. A resposta pode ser curta. Pode ocorrer vômito. Administrar com estômago vazio e oferecer água a seguir para evitar a esofagite. qual as modificações da dieta não são eficazes. A terceira fase consiste na adição de algum bisfosfonato para o controle da hipercalcemia. Esses medicamentos atuam pela redução do número e da atividade dos osteoclastos. Tais agentes podem ser considerados para o tratamento da hipercalcemia idiopática crônica dos gatos irresponsivos ao manejo nutricional e após reidratação nos casos de hipercalcemia grave, especialmente quando associada à hipervitaminose D ou processo maligno, nos quais a cirurgia ou a quimioterapia são ineficazes. Os autores têm utilizado os bisfosfonatos para diminuir o cálcio circulante nos casos inoperáveis de adenocarcinoma do saco anal. Hipercalcemia associada a doença maligna A A causa mais comum de hipercalcemia nos cães está associada com neoplasia e pode ser atribuída à hipercalcemia humoral maligna (HHM) ou Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 31 © Ohio State University © Ohio State University MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 32 Figura 2. Figura 3. Radiografia torácica lateral direita num cão com linfoma mediastínico das células T. Ultrassonografia da região sublombar num cão com adenocarcinoma metastático do saco anal. hipercalcemia osteolítica local (HOL), devido a mecanismos osteolíticos locais. A HOL inclui aquela que se desenvolve após a ocorrência de metástases ósseas provenientes de tumores maciços e neoplasias hematológicas da medula óssea devido à produção local de fatores de reabsorção óssea (mais frequentemente em casos de mieloma múltiplo e linfoma). A HHM costuma ser observada nos cães com linfoma das células T (muitas vezes, mediastínico (Figura 2)) e adenocarcinomas apócrinos do saco anal (Figura 3). Os sinais clínicos deste último quadro podem estar associados com hipercalcemia (poliúria/polidipsia, anorexia e fraqueza), presença de massa no períneo (tenesmo, fezes em forma de fita, odor acentuado e protrusão da massa), existência de massa na região sublombar ou mais metástases à distância. A HHM também ocorre em cães com timoma, mieloma, melanoma ou carcinomas com origem em órgãos como pulmões, pâncreas, tiroide, pele, glândula mamária, cavidade nasal, clitóris e medula adrenal. Os níveis da PTHrP são mais elevados nos cães com adenocarcinomas apócrinos do saco anal e carcinomas associados à HHM. O linfoma e o carcinoma das células escamosas são as duas neoplasias mais comuns indutoras de hipercalcemia em gatos (8). Notar que os tumores ósseos primários, muitas vezes, não estão associados com hipercalcemia nos cães ou gatos. azotemia e, nos cães, costuma ser atribuída ao aumento na fração de cálcio complexado, ou seja, unido sob a forma de complexo (12). Os efeitos deletérios da hipercalcemia ocorrem apenas se houver aumento na concentração de iCa, ressaltando a necessidade de se mensurar os níveis desse tipo de cálcio nos animais com DRC. Doença renal crônica (DRC) Esporadicamente, ocorre hipercalcemia em cães e gatos com DRC. Muitos animais com DRC apresentam concentrações normais de tCa. Notar que a hipercalcemia pode ser causa de insuficiência renal ou consequência da DRC. Na DRC, o aumento do tCa com valores normais de iCa ocorre em 11% dos cães (6) e de 11,5% (10) a 58% (11) dos gatos, dependendo da população em estudo. A incidência de tCa elevado aumenta com a gravidade da 32 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 Hipercalcemia idiopática nos gatos (HCI) Nos últimos 20 anos, a HCI foi identificada nos gatos como uma das causas mais comuns de hipercalcemia. A maioria dos gatos (talvez 50%) não apresenta sinais clínicos, embora seja possível a observação de leve perda de peso, enteropatia inflamatória, constipação crônica, vômito e anorexia. Os urólitos (frequentemente de oxalatos) são observados em cerca de 15% dos casos. A faixa etária pode variar dos 0,5 aos 20 anos, mas os gatos de pelo longo são super-representados. Tipicamente, o iCa sérico apresenta-se aumentado, o PTH, normal e a PTHrP, negativa, mas ambas as concentrações séricas de iMg e 25-hidroxivitamina D permanecem normais. O calcitriol sérico encontra-se geralmente dentro da faixa de referência ou diminuído. O tratamento específico para a HCI é impossível, uma vez que a patogênese permanece desconhecida. Em alguns gatos, o aumento da fibra na dieta diminui o cálcio sérico. Dietas ricas em fibras podem reduzir a absorção intestinal de cálcio, devido à diminuição do tempo de trânsito intestinal; no entanto, os efeitos da fibra são complexos, dependendo do tipo e da quantidade de fibra presente. Essas dietas ricas em fibras são normalmente suplementadas com cálcio e, por isso, o teor desse mineral não explica o motivo pelo qual essas dietas são, algumas vezes, bem sucedidas no tratamento da HCI. MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 33 HIPERCALCEMIA: DIAGNÓSTICO E OPÇÕES DE TRATAMENTO NO CÃO E NO GATO Como alternativa, o fornecimento de dieta renal pode resultar em normocalcemia em alguns gatos com HCI. Além de serem pobres em cálcio e fósforo, essas dietas são consideradas alcalinizantes ou, pelo menos, menos acidificantes que as dietas de manutenção. As dietas acidificantes aumentam a disponibilidade da forma ionizada do cálcio, facilitando a absorção intestinal; tais dietas também aumentam a reabsorção óssea, o que pode contribuir para a hipercalcemia. Alguns gatos que demonstram uma queda inicial na concentração de cálcio sérico após qualquer tipo de modificação da dieta voltam a ter hipercalcemia ao longo do tempo. Para os gatos irresponsivos à modificação da dieta, a terapia com prednisolona (5-20 mg/gato/dia) pode ajudar, embora a hipercalcemia possa regressar mais tarde, apesar de doses máximas desse corticosteroide. Por fim, as preparações orais de bisfosfonato, tal como o alendronato, podem ser consideradas. Os autores realizaram um estudo piloto sobre a utilização do alendronato, que se mostrou promissor para o tratamento a longo prazo da HCI (13). Com isso, esse agente consiste na primeira escolha dos autores para o tratamento dessa doença. Tipicamente, as doses administradas em gatos são de 10 mg/semana, embora alguns gatos possam necessitar de doses de até 20 mg/semana (Tabela 2). Os níveis do iCa devem ser checados a cada 2-3 semanas, depois 1 vez por mês, 2-3 meses e, posteriormente, a cada 4-6 meses, desde que os valores de iCa estejam dentro dos limites de normalidade. Dado o risco associado de esofagite e estenose (constrição) em seres humanos, recomendam-se o umedecimento dos lábios do gato e o oferecimento de água com seringa após a administração do medicamento para evitar que os comprimidos fiquem retidos no esôfago. Até o momento, não se observou esofagite em gatos tratados com alendronato. Para maximizar a absorção, recomenda-se a realização de jejum durante a noite antes da administração do medicamento e alimentação 2h depois. Hipoadrenocorticismo Com base na avaliação do tCa, esta é a segunda causa mais comum de hipercalcemia canina; no entanto, o hipoadrenocorticismo foi observado em apenas 5% dos cães diagnosticados com hipercalcemia ionizada (14). Raramente, é identificado em gatos. É detectada uma correlação entre o grau de hipercalemia e a hipercalcemia nos cães com concentração sérica de potássio superior a 6,0-6,5 mEq/L. É mais provável que os cães com hipoadrenocorticismo típico sofram de acidose metabólica, azotemia e hipercalcemia, em comparação aos casos de hipoadrenocorticismo atípico (15). A concentração sérica de tCa volta rapidamente ao normal após 1-2 dias de terapia corticosteroide, mas a expansão volêmica IV pode fazer com que a concentração sérica de cálcio volte ao normal em apenas algumas horas. O hipoadrenocorticismo sempre deve ser incluído nos diagnósticos diferenciais de hipercalcemia, uma vez que os sinais clínicos do hipoadrenocorticismo e da hipercalcemia podem ser semelhantes. Hipervitaminose D A hipervitaminose D decorrente do consumo de rodenticidas com colecalciferol em seu conteúdo é, muitas vezes, associada ao desenvolvimento de hipercalcemia 24h após a ingestão. A magnitude da hipercalcemia é frequentemente grave, embora também se observe hiperfosfatemia leve a moderada; por esse motivo, a mineralização dos tecidos moles costuma ser mais grave nesses casos. Em princípio, não se verifica a presença de azotemia, mas essa alteração pode se desenvolver, em geral, após 72h, como resultado das lesões renais causadas pela hipercalcemia. Os unguentos de uso tópico com calcipotrieno para o tratamento da psoríase humana podem resultar em hipercalcemia quando os cães ou os gatos ingerem quantidades tóxicas dessa substância. Nos casos de toxicidade causada pelo calcipotrieno, observa-se elevação dos níveis de fósforo, tCa e iCa; consequentemente, a maioria dos animais desenvolve insuficiência renal aguda. A hipercalcemia diminui depois de alguns dias, em vez de se prolongar durante semanas a meses. A ingestão de plantas tóxicas que contenham glicosídeos do calcitriol é uma possível causa de hipercalcemia. A mensuração da concentração sérica de 25-hidroxivitamina D pode fornecer indícios de hipervitaminose D após exposição ao colecalciferol/ergocalciferol, mas não tem utilidade quando a hipercalcemia é provocada por outros metabólitos da vitamina D. Hiperparatiroidismo primário Esta é uma causa pouco comum de hipercalcemia nos cães e ainda mais rara nos gatos. A secreção excessiva e inadequada de PTH pelas glândulas paratiroides caracteriza essa doença; a hipofosfatemia também é comum. A maioria dos casos deve-se a um único adenoma na paratiroide (16). No entanto, relatos recentes (17) sugerem que a hiperplasia seja uma ocorrência frequente e pode ser difícil distingui-la de adenoma. A realização de ultrassonografia cervical localiza a glândula paratiroide afetada. As glândulas não Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 33 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 34 HIPERCALCEMIA: DIAGNÓSTICO E OPÇÕES DE TRATAMENTO NO CÃO E NO GATO visíveis (podem estar atrofiadas) ou com tamanho inferior a 2 mm são consideradas normais. As glândulas que medem 2-4 mm estão no limite da normalidade, o que sugere hiperplasia (especialmente se mais de 1 glândula estiver afetada). As glândulas com mais de 4 mm são características de adenoma (18). Em muitos cães afetados, os sinais clínicos relacionados à hipercalcemia são leves (poliúria/polidipsia, letargia, fraqueza) ou ausentes. Os urólitos de cálcio (que podem ser palpáveis) e as infecções do trato urinário ocorrem em cerca de 30% dos animais com hiperparatiroidismo primário (16). A concentração sérica de iCa apresenta-se elevada, enquanto o PTH se mostra inadequadamente aumentado em relação ao nível de hipercalcemia (o iCa deve fazer com que o nível de PTH fique na metade inferior da faixa de referência). Em um único estudo, o PTH encontrava-se dentro dos limites de referência em 73% dos casos (16). Nos cães com doença multiglandular, sugere-se a remoção de 3 ou 3 glândulas e meia. No entanto, é possível que os sinais clínicos não melhorem até a remoção de todas as glândulas; nesses casos, os cães podem se tornar hipocalcêmicos e hipotiroideos, necessitando da suplementação de calcitriol e tiroxina pelo resto da vida. A frequência de hiperplasia da paratiroide tem se tornado cada vez mais comum (observações não publicadas do autor). Além disso, REFERÊNCIAS Conclusão O tratamento adequado e o prognóstico dependem da causa da hipercalcemia e, por isso, é essencial buscar pela causa da hipercalcemia persistente, utilizando uma abordagem organizada a fim de obter o diagnóstico correto da causa subjacente (Figura 1). A espécie, a identificação, o histórico e os sinais clínicos desempenham importante papel na priorização da lista de diagnósticos diferenciais. BIBLIOGRÁFICAS 1. 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J Small Anim Pract 1998; 39: 108-116. 34 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 alguns cães podem ter tecido paratiroideo ectópico hiperplásico não identificável, que, devido à inoperabilidade, pode necessitar de tratamento médico (p. ex., alendronato). Em cães com hipercalcemia préoperatória grave (tCa > 18 mg/dL), recomenda-se o prétratamento (19) com calcitriol durante 3-5 dias (Tabela 2) que, apesar de haver um agravamento temporário da hipercalcemia, pode diminuir o grau de hipocalcemia pós-operatória grave que necessita de cuidados intensivos. Tem sido também sugerida a utilização de bisfosfonatos em animais gravemente hipercalcémicos devido à “hungry bone syndrome”, para prevenir a hipocalcemia pós--operatória apesar da utilização de calcitriol. A maioria dos casos de hipocalcemia ocorre 2-6 dias (12h a 20 dias) após a cirurgia (19). 12. Schenck PA, Chew DJ. Determination of calcium fractionation in dogs with chronic renal failure. Am J Vet Res 2003; 64: 1181-1184. 13. 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Mais tarde, ela trabalhou no Departamento de Medicina Interna da respectiva Escola, com especial interesse em Endocrinologia. Em 2009, Ghita mudou-se para a Universidade de Cambridge, onde atualmente está concluindo residência em Medicina Interna. Introdução Certas endocrinopatias caninas e felinas raramente são diagnosticadas — situação que talvez se deva ao fato de serem raras, mas também ao subdiagnóstico. Os conhecimentos existentes sobre determinada doença exercem nítido efeito sobre a frequência do seu diagnóstico. Neste artigo, são analisados alguns dos distúrbios hormonais mais incomuns. Essa revisão não pretende ser uma avaliação exaustiva, mas sim um resumo de algumas das endocrinopatias ditas “emergentes”, concentrando-se no hiperaldosteronismo felino, na acromegalia felina, no diabete insípido central, no nanismo hipofisário e no hipoparatiroidismo primário. A etiologia, a apresentação clínica, o diagnóstico e o tratamento de cada doença serão PONTOS-CHAVE O diagnóstico diferencial de hipertensão arterial sistêmica no gato deve incluir hiperaldosteronismo. Em gatos, a acromegalia é uma causa subdiagnosticada de diabete melito, sobretudo nos casos resistentes à insulina. Podem surgir problemas práticos durante a realização dos testes diagnósticos para avaliação de diabete insípido central. O nanismo hipofisário canino pode ser tratado pela administração de progestágenos. Em animais com hipocalcemia, a presença de catarata característica é altamente sugestiva de hipoparatiroidismo. O Dr. Rosenberg graduou-se na Escola de Medicina Veterinária de Alfort em 1994 onde, atualmente, é Docente Sênior de Medicina Interna. Além disso, ele está particularmente envolvido nas consultas de Endocrinologia e Medicina Interna. igualmente abordados. Hiperaldosteronismo primário felino O hiperaldosteronismo primário é uma endocrinopatia felina emergente. Descrito, em princípio, em relatos de casos clínicos, esse distúrbio foi recentemente alvo de estudos de casos retrospectivos (1-2). A maioria dos casos deve-se à existência de tumor adrenal unilateral (adenoma/adenocarcinoma), mas também há relatos de tumores bilaterais, tumores adrenocorticais mistos (secretores de aldosterona e progesterona) e hiperplasia bilateral (1). A sintomatologia apresentada pelos gatos com hiperaldosteronismo primário pode ser frustrante, pois os sinais clínicos mais comuns são fraqueza, ventroflexão da cabeça e do pescoço (Figura 1), O hiperaldosteronismo primário é uma endocrinopatia felina emergente. Descrito, em princípio, em relatos de casos clínicos, esse distúrbio foi recentemente alvo de estudos de casos retrospectivos (1-2). A maioria dos casos deve-se à existência de tumor adrenal unilateral (adenoma/adenocarcinoma), mas também há relatos de tumores bilaterais, tumores adrenocorticais mistos (secretores de aldosterona e progesterona) e hiperplasia bilateral (1). A sintomatologia apresentada pelos gatos com hiperaldosteronismo primário pode ser frustrante, pois os sinais clínicos mais comuns são fraqueza, ventroflexão da cabeça e do pescoço O diagnóstico definitivo do hiperaldosteronismo primário é estabelecido pela comparação dos níveis de aldosterona circulante com a atividade basal da renina plasmática, através Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 35 © National Veterinary School of Alfort. MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 36 Figura 1. Fraqueza generalizada em gato com hiperaldosteronismo primário. de amostra coletada durante algum episódio de hipocalemia. O objetivo consiste em demonstrar a secreção independente de aldosterona pela zona glomerular do córtex adrenal. A redução intensa de atividade da renina plasmática, em conjunto com níveis séricos de aldosterona normais ou aumentados, confirma a presença de hiperaldosteronismo primário (1). No hiperaldoste-ronismo secundário (p. ex., dieta com baixo teor de sódio [hipossódica], insuficiência cardíaca, insuficiência renal), o aumento da aldosterona sérica reflete o aumento da atividade da renina. Infelizmente, a mensuração da atividade da renina não está amplamente disponível, o que dificulta o diagnóstico das formas mais sutis da doença. A origem do hiperaldosteronismo primário pode ser determinada pela obtenção de imagens das glândulas adrenais. Caso se detecte a presença de tumor, a pesquisa deverá ser ampliada para verificar a existência de metástases. Glândulas adrenais simétricas, com formato normal, tendem a indicar hiperplasia bilateral. A adrenalectomia constitui, provavelmente, o tratamento de eleição para a maioria dos casos de hiperaldosteronismo primário (desde que não sejam detectadas metástases). Os tempos de sobrevida registrados após a ressecção cirúrgica (com exceção das complicações perioperatórias) costumam ser bons (3,4). Se os proprietários não autorizarem a cirurgia, pode-se recorrer ao tratamento paliativo, com dois objetivos principais: correção da hipocalemia e controle da hipertensão arterial. A correção da hipocalemia envolve a suplementação de potássio (gliconato de potássio: 2-6 mmoL/gato BID VO), associada à espironolactona em caso de tratamento prolongado (2,5 a 5 mg/gato SID ou BID VO), pois esse diurético antagoniza a aldosterona. Em animais com hipertensão acentuada, qualquer agente anti-hipertensivo (p. ex., anlodipino 0,125 a 0,250 mg/kg SID VO) poderá ser considerado. Acromegalia felina Durante muito tempo, a acromegalia felina foi considerada 36 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 extremamente rara (5). No entanto, publicações recentes contrariam esta percepção, afirmando que a incidência da doença é significativa entre gatos diabéticos (5, 6). É provocada por tumor hipofisário (em geral, de grandes dimensões) que secreta, espontaneamente, o hormônio de crescimento (GH) (5, 6). Até o presente momento, há um único exemplo publicado de caso semelhante no cão. A acromegalia canina geralmente tem origem na glândula mamária, sob regulação da progesterona (8). Não há predisposição racial aparente, mas costuma afetar gatos machos com idade avançada (idade média: 10 anos). Tipicamente, a acromegalia está associada com resistência significativa à insulina e alterações morfológicas, como aumento de peso inexplicável, sinais cardiovasculares (devido à miocardiopatia hipertrófica), organomegalia abdominal (hepatomegalia, nefromegalia, esplenomegalia, etc.), estridor laríngeo secundário à extensão laringofaríngea, prognatismo inferior ou ampliação do espaço interdentário (Figura 2), crescimento acelerado das unhas (garras), espondilose, artropatias (5), etc. Por último, pode haver distúrbios neurológicos ou comportamentais causados por macroadenoma hipofisário. No entanto, limitar a suspeita de acromegalia a esses contextos clínicos específicos, provavelmente de aparecimento tardio, resulta em subdiagnóstico da doença. As formas relativamente assintomáticas, com expressão clínica limitada ao diabete melito, também devem ser consideradas. A mensuração do fator de crescimento insulina-símile (IGF1) desempenha papel fundamental no diagnóstico da acromegalia. Mais estável que o GH e com exigências de condições pré-analíticas menos estritas, esse teste é oferecido por muitos laboratórios, sendo considerado um bom reflexo da secreção de GH hipofisário durante o período de, no mínimo, 24h. A análise de IGF-1 é um exame sensível, pois permite excluir, de forma razoável, a acromegalia em gato diabético se o nível sérico desse fator estiver dentro dos limites de normalidade. Entretanto, a especificidade dessa análise continua sendo discutível (6, 7, 9); por essa razão, o diagnóstico deverá ser confirmado através de outros exames, como, por exemplo, a neuroimagiologia (TC ou RM). Podem ser consideradas duas abordagens terapêuticas: tratamento etiológico ou controle paliativo da resistência à insulina. A primeira opção inclui radioterapia ou cirurgia. Até o momento, a radioterapia tem se mostrado, indubitavelmente, a abordagem mais eficaz (10), possibilitando, muitas vezes, a redução das necessidades de insulina e a restrição do crescimento do tumor. A hipofisectomia (por via convencional ou criocirurgia) representa uma alternativa à radioterapia (11). O resultado desse procedimento cirúrgico depende muito das MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 37 ENDOCRINOPATIAS ATÍPICAS CANINAS E FELINAS © National Veterinary School of Alfort. habilidades do cirurgião. Se o proprietário recusar o tratamento etiológico, será possível controlar a resistência à insulina dos gatos com acromegalia e diabete melito pela administração de duas doses diárias elevadas desse hormônio (6). Diabete insípido central O diabete insípido central (DIC) é causado pela ausência de secreção do hormônio antidiurético (ADH ou vasopressina). O DIC é diagnosticado com maior frequência no cão, mas alguns casos foram registrados no gato (12). São descritas as formas completa ou parcial, dependendo da ausência ou presença inadequada (e, portanto, insuficiente) da secreção de ADH. A causa mais comum de DIC é a neoplasia da região hipotálamo-hipofisária (13). Outras causas incluem lesões inflamatórias, infecciosas ou traumáticas. Foram observados casos iatrogênicos após hipofisectomia para o tratamento da doença de Cushing, assim como casos idiopáticos. O principal sinal clínico associado ao DIC é a presença de poliúria/polidipsia. Também pode haver sinais neurológicos. A poliúria/polidipsia está associada com urina hipostenúrica (< 1,010) e baixa osmolalidade urinária (Uosm < 290 mOsm/kg). A bioquímica pode revelar hipernatremia (normalmente leve). No entanto, em caso de privação hídrica ou adipsia por lesão no centro da sede, talvez haja hipernatremia relevante, resultando em encefalopatia hiperosmolar. O exame preferido para confirmar o DIC é o teste de privação de água. Durante a fase de preparo para o teste (realizado sob monitorização médica em ambiente hospitalar), o consumo de água deve ser reduzido progressivamente ao longo de vários dias (3 a 7 dias para uma redução de 50%) de modo a restaurar o gradiente corticomedular renal. Após 12h de jejum, o acesso à água deve ser negado, procedendo-se à coleta de amostras de plasma e de urina de hora em hora, para mensuração da osmolalidade, do volume e da densidade urinária. O animal também deve ser pesado com a mesma periodicidade. O teste deverá ser interrompido em caso de perda de peso corporal superior a 3-5%, aumento da uremia ou natremia, aparecimento de sinais neurológicos ou densidade urinária específica acima de 1,030. Se a osmolalidade urinária (ou densidade urinária) permanecer baixa apesar da estimulação osmótica adequada (sinais de desidratação ou osmolalidade plasmática > 305 mOsm/kg), o resultado será compatível com diabete insípido, devendo-se proceder à administração do ADH para diferenciar entre as formas central e nefrogênica. No diabete insípido central completo, a densidade ou osmolalidade urinária duplica após a administração do ADH, mas exibe apenas Figura 2. Prognatismo inferior com espaçamento interdentário em gato com acromegalia. aumento moderado (aproximadamente 15%) na forma parcial. No diabete insípido nefrogênico, o aumento será mínimo ou até mesmo inexistente. Contudo, esse teste diagnóstico apresenta um risco: se a restrição de água imposta durante o período preparatório do teste for insuficiente para restaurar o gradiente corticomedular e permitir uma resposta ao ADH, a densidade urinária específica poderá não aumentar, independentemente da causa da poliúria/polidipsia. Tal ausência pode induzir ao erro no diagnóstico de diabete insípido nefrogênico. Uma forma mais direta de diagnosticar o DIC consiste em estimular a secreção de ADH através da perfusão de solução salina hipertônica. Procede-se à administração de solução de NaCl a 20% a 0,03 mL/kg/min durante 2h, mensurando-se o ADH e a osmolalidade plasmática de 20 em 20 minutos. Esse teste possibilita a obtenção de diagnóstico mais exato de certos casos de DIC parcial, mas apresenta riscos mais graves. O tratamento baseia-se na administração de algum análogo da vasopressina (desmopressina) por via tópica ocular (1 gota no saco conjuntival TID) ou via oral (0,1 a 0,2 mg por animal SID-TID). Na ausência de lesão hipofisária, o prognóstico é favorável, com remissão clínica completa se o tratamento for administrado corretamente. Nanismo hipofisário Qualquer organogênese anômala da hipófise pode levar ao surgimento de defeito na secreção de um ou mais hormônios hipofisários. O nanismo foi descrito no cão, com certa predisposição racial e, ocasionalmente, no gato. A transmissão autossômica recessiva associada com panhipopituitarismo, com preservação da função corticotrófica, foi demonstrada no Pastor Alemão (14). Os animais afetados costumam ser levados à consulta com 2 a 5 meses de vida em virtude de crescimento proporcional (Figura 3), atraso mental, pelagem persistente de filhote, alopecia do tronco, hiperpigmentação cutânea, descamação, etc. O nanismo desproporcional (cabeça e tronco normais, mas membros Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 37 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 38 curtos) é mais sugestivo de hipotiroidismo. O criptorquidismo está, muitas vezes, presente no macho, enquanto as fêmeas exibem anestro persistente. Em geral, os animais permanecem bem até os 2-3 anos de idade, momento em que os sinais sistêmicos começam a se manifestar — sinais relacionados, algumas vezes, com insuficiência renal. O diagnóstico pode ser presumido com base nos níveis baixos de IGF-1 ou GH, mas o diagnóstico definitivo requer a realização de teste de estimulação. O GHRH (hormônio liberador do hormônio de crescimento a 1 µg/kg) ou os alfa-agonistas (clonidina a 10 µg/kg ou xilazina a 100 µg/kg) podem ser utilizados para estimular a secreção do GH. É necessário mensurar o GH imediatamente antes, bem como 20 e 30 minutos depois, da administração intravenosa. Se os níveis de GH não aumentarem, esse fato confirmará o diagnóstico. As outras funções hipofisárias (tirotrofina, gonadotrofina, corticotrofina e prolactina) podem ser avaliadas por meio de teste combinado de estimulação hipofisária (15). A obtenção de imagem da hipófise revela, frequentemente, a presença de cistos na bolsa de Rathke. Embora o GH canino não esteja disponível para o tratamento de nanismo, o GH suíno vem sendo utilizado para essa finalidade (0,1-0,3 UI/kg SC 3 vezes por semana com monitorização da glicemia e do GH). Ainda não há relatos sobre o uso de GH recombinante humano. Os benefícios em termos de crescimento dependem da fase de desenvolvimento das cartilagens no início da terapia. No entanto, observam-se melhorias dos sinais clínicos cutâneos ao fim de 6-8 semanas. Uma alternativa terapêutica consiste na utilização de progestágenos para estimular a secreção do hormônio de crescimento do tecido mamário (16, 17). Foi demonstrado que o acetato de medroxiprogesterona (2,5-5 mg/kg a cada 3 semanas e, posteriormente, a cada 6 semanas SC), bem como a proligestona (10 mg/kg SC a cada 3 semanas) induza à melhora clínica. Nas fêmeas, é recomendável o procedimento de ovário-histerectomia antes de iniciar o tratamento para limitar o risco de piometra. Por último, deve ser prescrita, paralelamente, a reposição correta com levotiroxina, nos casos com hipotiroidismo concomitante. O tratamento adequado melhora a qualidade de vida dos animais afetados, desde que seja instituído precocemente. Hipoparatiroidismo primário O hipoparatiroidismo primário é provocado pela pela destruição (ou atrofia) das glândulas paratiroides. A forma 38 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 espontânea é mais comum no cão que no gato. Na maioria dos casos, a etiologia é provavelmente imunomediada (18). Raras vezes, pode ser secundária à destruição das glândulas paratiroides por tumor na região cervical. O hipoparatiroidismo iatrogênico pode ser causado por danos cirúrgicos às paratiroides (p. ex., durante tiroidectomia). A deficiência do paratormônio (PTH) induz a hipocalcemia e hiperfosfatemia moderada. De modo geral, os cães afetados têm entre 6 meses e 13 anos de idade, ocorrendo com maior frequência nas seguintes raças: Poodle, Golden Retriever, Schnauzer, Pastor Alemão e Terrier (18). Os sintomas neurológicos, incluindo tetania, crises convulsivas, fasciculações e tremores, são predominantes, enquanto a fraqueza e a ataxia são manifestações menos comuns. Às vezes, observam-se sinais precoces de hipocalcemia, como ansiedade e, ocasionalmente, agressão, provavelmente devido à dor muscular (mialgia). Também foi descrito o comportamento de esfregar a face no solo ou com as patas; acredita-se que isso seja atribuído à contração dos músculos masseter e temporal. Em alguns casos, observa-se o aparecimento de catarata típica de hipocalcemia crônica: imatura, cortical, difusa e punctata (puntiforme) — característica do hipoparatiroidismo associado com hipocalcemia (Figura 4) (18, 19). A análise concomitante dos níveis de fósforo pode fornecer provas diagnósticas adicionais. Na verdade, a combinação de hipocalcemia e hiperfosfatemia, além dos casos de insuficiência renal, é muito sugestiva de hipoparatiroidismo. Para confirmar o diagnóstico, basta demonstrar a concentração plasmática de PTH reduzida ou indetectável em animal hipocalcêmico (18, 20). Nas demais causas de hipocalcemia, o circuito regulatório de feedback do cálcio é preservado e a concentração plasmática de PTH aumenta. Se o animal apresentar tetania ou crises convulsivas, haverá necessidade de tratamento imediato e urgente com cálcio intravenoso (18, 20). Assim que o ataque desaparecer, o tratamento deverá ser mantido com cálcio e vitamina D por via oral. Em princípio, ambos devem ser administrados simultaneamente, pois a absorção intestinal do cálcio depende da vitamina D e, portanto, não é muito eficaz no início do tratamento. O cálcio administrado em grandes quantidades possibilita uma absorção passiva, podendo ser progressivamente reduzido até sua interrupção por completo. O tratamento a longo prazo envolve a administração de vitamina D, disponível em várias preparações diferentes. É recomendável o uso da forma 1-αhidroxilada da vitamina D, pois a hidroxilação requer a presença de PTH. O calcitriol e o alfacalcidol representam as MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 39 © National Veterinary School of Alfort. Figura 3. © National Veterinary School of Alfort. ENDOCRINOPATIAS ATÍPICAS CANINAS E FELINAS Figura 4. Pastor Alemão fêmea de 2 anos, com atraso de crescimento e sinais cutâneos provocados por nanismo hipofisário. Catarata punctata (puntiforme) hipoparatiroidismo primário. melhores preparações farmacológicas; ambas são facilmente eliminadas, permitindo a rápida alteração da dosagem. O objetivo não é manter a concentração sanguínea normal de cálcio, já que isso pode induzir à formação de precipitados erráticos desse mineral na presença de hiperfosfatemia concomitante. Portanto, é preferível uma leve hipocalcemia. A monitorização regular é essencial durante o tratamento para se prevenir contra hipercalcemia ou hiperfosfatemia. No momento da redação do presente artigo, não havia dados publicados sobre a utilização do PTH recombinante humano no cão. O prognóstico é favorável se o tratamento for bem ponderado. Atualmente, não existe nenhum tratamento que possibilite a compensação total das ações do PTH; por essa razão, o tratamento com vitamina D não pode substituir os efeitos protetores renais do PTH contra a hipercalciúria ou seus respectivos efeitos nos ossos. REFERÊNCIAS em cão com Conclusão Certas endocrinopatias são raras, mas isso não significa que não ocorram. O conhecimento dos sinais clínicos tipicamente apresentados e a adoção de abordagem sistemática garantem que o Médico Veterinário não passe despercebido por esses casos interessantes e complexos. BIBLIOGRÁFICAS 1. Ash RA, Harvey AM, Tasker S. Primary hyperaldosteronism in the cat: a series of 13 cases. J Feline Med Surg 2005; 7(3): 173-182. acromegaly in a diabetic cat with transsphenoidal hypophysectomy. J Feline Med Surg 2010; 12(5): 406-410. 2. Javadi S, Djajadiningrat-Laanen SC, Kooistra HS, et al. 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Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 39 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 40 Alopecia endócrina no cão Fabia Scarampella, DVM, MSc, Dipl.ECVD Studio Dermatologico Veterinario, Milão, Itália A Dr.ª Scarampella recebeu o diploma da Sociedade Europeia de Dermatologia Veterinária, em 2000. Em 2007, concluiu o Mestrado em Medicina Baseada em Evidências e Metodologia de Pesquisa em Cuidados de Saúde. Como coautora do livro “Manuale pratico di Dermatologia Veterinaria”, ela também publicou livros e periódicos científicos. Atualmente, Fabia é Presidente da Sociedade Italiana de Dermatologia Veterinária (SIDEV), coordenadora científica do Currículo de Dermatologia da Scuola di Formazione Veterinaria Post Universitaria e ainda trabalha como profissional liberal exclusivamente na área da dermatologia veterinária. A Dr.ª Scarampella também exerce funções de consultora e cocriadora do website de dermatologia veterinária www.teledermvet.com. PONTOS-CHAVE A alopecia simétrica não pruriginosa do cão é um distúrbio clínico comumente associado com endocrinopatias, neoplasia funcional das gônadas, displasia folicular e alopecia idiopática. Embora sejam pouco prováveis, as doenças infecciosas capazes de afetar o folículo piloso, particularmente a demodecose ou sarna demodécica, também devem ser excluídas. É aconselhável a realização de ultrassonografia em cadelas com vulva aumentada e ginecomastia, bem como em machos com criptorquidia ou alteração da consistência/dimensões dos testículos. Os exames laboratoriais iniciais devem incluir hematologia, hemograma completo e urinálise. Deve ser realizada a avaliação dinâmica da função tiroideia após qualquer teste da função adrenal. A biopsia cutânea pode ajudar a identificar a presença de displasia folicular ou alopecia idiopática (Alopecia X). 40 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 Introdução O folículo piloso é influenciado de diversas formas pela atividade hormonal, sendo capaz, por si só, de sintetizar e converter um grande número de hormônios. No rato, foi demonstrado que o estradiol, a testosterona e os esteroides produzidos pelas glândulas adrenais retardam o início da anagênese (crescimento ativo), enquanto os hormônios tiroidianos aceleram a atividade folicular (1). No cão, certas endocrinopatias (hipotiroidismo, hipercortisolismo), neoplasia funcional das gônadas (hiperestrogenismo) e determinadas displasias foliculares (alopecia cíclica da virilha) estão associadas com alterações do ciclo folicular, manifestando-se sob a forma de alopecia simétrica. O objetivo desse artigo é apresentar um resumo atualizado sobre a patogênese e os sinais dermatológicos das doenças hormonais responsáveis por alterações do ciclo folicular, bem como oferecer uma abordagem diagnóstica em cães com alopecia simétrica não pruriginosa. Hipotiroidismo Os receptores dos hormônios tiroidianos estão presentes em todos os tecidos. Na pele, os receptores são particularmente abundantes nos sebócitos, nas células da bainha folicular externa e na papila dérmica. Por isso, a tiroide exerce influência significativa sobre o ciclo do folículo piloso e a produção de sebo. Os hormônios tiroidianos também controlam a lipogênese, bem como os níveis séricos e cutâneos de ácidos graxos. Além disso, tais hormônios estimulam a proliferação de fibroblastos e a síntese de colágeno e, por meio da regulação da síntese e do catabolismo dos glicosaminoglicanos, influenciam a espessura da derme. A tiroide produz tiroxina (T4) e tri-iodotironina (T3) na proporção de 4:1. Na circulação, tanto a T3 como a T4 encontram-se principalmente ligadas a proteínas plasmáticas, o que favorece o armazenamento e a regulação da concentração sérica desses hormônios. Menos de 0,05% de T4 e abaixo de 0,5% de T3 estão presentes no sangue na forma livre (2). A forma livre de MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 41 ALOPECIA ENDÓCRINA NO CÃO O hipotiroidismo é a endocrinopatia mais comum no cão. Essa doença pode ter origem congênita ou adquirida. O hipotiroidismo adquirido pode ser primário ou secundário. O hipotiroidismo primário resulta da produção insuficiente de hormônios pela tiroide, enquanto, na forma secundária, a disfunção glandular decorre da produção insuficiente de TSH hipofisário. A tiroidite autoimune é, sem dúvida, a causa mais comum do hipotiroidismo primário adquirido, estando muitas vezes associada com a presença de anticorpos antitiroglobulina (AcTG) circulantes. No entanto, a presença de AcTG, por si só, não confirma a disfunção da tiroide. A segunda causa mais comum de hipotiroidismo primário adquirido é a degeneração idiopática da tiroide, em que se observa uma substituição gradual do parênquima glandular por tecido adiposo/fibroso na ausência de infiltrado inflamatório. O hipotiroidismo secundário é muito raro e já foi observado em associação com neoplasia hipofisária. Nesses casos, o hipotiroidismo é acompanhado por sinais relacionados a doenças concomitantes, como doença de Addison, diabete insípido e disfunção reprodutiva. Os sinais clínicos observados em pacientes com hipotiroidismo são fundamentais para o diagnóstico, mas o valor preditivo dos testes da função hormonal aumenta quando combinados com os dados obtidos pelo exame clínico. Há relatos de alterações cutâneas em 60-80% dos cães com hipotiroidismo (3-4). Tais alterações incluem alopecia simétrica bilateral; pelagem em mau estado, queda de pelo e repilação lenta após tricotomia (5); pele hiperpigmentada e fria ao toque; dermatite descamativa variavelmente associada com sinais de queratose folicular (cilindros foliculares); e otite externa ceruminosa. A hipotricose e a alopecia são particularmente evidentes nas áreas submetidas a traumas importantes, tais como pontos de pressão: períneo, cauda, ponte nasal e pescoço (Figura 1). Notar que os cães da raça Setter Irlandês podem apresentar hipertricose devido à conservação de pelos na telogênese (fase de repouso); por esse motivo, a pelagem pode ficar mais clara nesses animais. A perda de cor provavelmente se deve ao efeito de fatores ambientais nos pelos retidos nos folículos pilosos por mais tempo que o normal. A ausência de hormônio tiroidiano também induz à redução da atividade dos fibroblastos e à alteração do metabolismo de colágeno. As feridas cutâneas cicatrizam-se mais lentamente e, em áreas sujeitas a traumatismo, pode ser observado depósito excessivo de tecido fibroso. Em cães com hipotiroidismo, devido ao catabolismo mais lento dos glicosaminoglicanos, o ácido hialurônico em excesso acumula-se na derme, promovendo a retenção de água. O mixedema resultante confere à pele maior espessura e menor temperatura. Entre os sinais clínicos sistêmicos mais comuns do hipotiroidismo, destacam-se sonolência, baixa Figura 1. © Fabia Scarampella. T4 (T4l) entra nas células-alvo, local onde 80% são convertidos para a forma livre de T3 (T3l), uma forma biologicamente ativa. Hipotiroidismo em cadela Golden Retriever (à esquerda). Notar a alopecia perineal (à direita). Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 41 Figura 2. © Fabia Scarampella. © Fabia Scarampella. MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 42 Figura 3. Alopecia simétrica bilateral em Shih Tzu de 7 anos com hipercortisolismo. Alopecia, comedões e adelgaçamento da pele ventral no mesmo cão. resistência a exercício físico e tendência dos indivíduos afetados a sofrerem mais com o frio. A bradicardia é um sinal clínico frequente. Também podem ser observadas alterações oculares, como lipidose corneana, ceratoconjuntivite seca e ulceração corneana. As cadelas com hipotiroidismo apresentam, muitas vezes, anestro persistente e infertilidade, enquanto os machos podem ter problemas na espermatogênese. intermediário da hipófise ou pela presença de tumores adrenais. A forma hipofisária responde por 80-85% de todos os casos de hipercortisolismo espontâneo. Nesse caso, a hipófise produz ACTH em excesso, o que provoca hiperplasia bilateral de ambas as glândulas adrenais, particularmente das zonas fasciculada e reticular. Com isso, as glândulas adrenais produzem quantidades excessivas de cortisol. A ginecomastia e a galactorreia são constatadas em 25% das cadelas intactas e, ocasionalmente, em fêmeas e machos castrados. Esse fenômeno provavelmente se deve ao aumento dos níveis séricos de prolactina induzido pela hiperprodução de TRH. Os animais com hipotiroidismo exibem frequentemente anemia leve não regenerativa e defeitos na função plaquetária. A piodermite recorrente também é uma complicação comum. As neoplasias adrenais funcionais representam 15-20% dos casos de hipercortisolismo espontâneo no cão. Essas neoplasias (adenomas ou adenocarcinomas) costumam ser unilaterais, irresponsivas ao mecanismo de controle do eixo hipotálamo-hipófise e produzem de forma autônoma grandes quantidades de cortisol. Geralmente, ocorre atrofia da glândula adrenal contralateral. Hipercortisolismo Os glicocorticoides influenciam o crescimento dos pelos e a pigmentação dos folículos por meio da ligação a receptores intracelulares específicos existentes nas células da epiderme interfolicular e nas células basais dos folículos pilosos. Embora tenha sido demonstrado, no rato, que a supressão desses hormônios exerça efeito significativo sobre o crescimento folicular (6), ainda não é conhecido o mecanismo molecular exato responsável por esse efeito no cão. O hipercortisolismo pode ser atribuído à produção excessiva de cortisol pelas glândulas adrenais (hipercortisolismo espontâneo) ou decorrente da administração de quantidades exageradas de cortisol (forma iatrogênica). No hipercortisolismo espontâneo, a doença é causada por neoplasia do lobo frontal ou, mais raramente, do lobo 42 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 O hipercortisolismo iatrogênico, resultante da administração oral, parenteral ou tópica prolongada de cortisona, exibe grande parte dos sinais clínicos observados na forma espontânea da doença, bem como supressão das funções adrenais e elevação das enzimas hepáticas. O hipercortisolismo espontâneo é observado em cães adultos, com maior incidência em animais mais idosos. Os sinais clínicos resultam, sobretudo, de quantidades excessivas de cortisol. Além de inúmeros, o aparecimento desses sinais é condicionado por diversos fatores, em particular pela localização da neoplasia (hipófise ou adrenal), bem como pela idade e raça do animal afetado. Nos cães acometidos por adenoma hipofisário, os sinais clínicos tendem a se manifestar gradualmente. Por outro lado, nos cães afetados por carcinoma hipofisário ou neoplasia adrenal, o MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 43 © Laura Ordeix. Figura 4. © Fabia Scarampella. ALOPECIA ENDÓCRINA NO CÃO Figura 5. Placas ulceradas firmes no pescoço de cão com calcinose cutânea (hipercortisolismo iatrogênico). Alopecia e ginecomastia em cadela Buldogue com cistos ovarianos. aparecimento dos sinais clínicos é muito mais rápido. Os animais de idade avançada são mais sensíveis aos efeitos catabólicos dos glicocorticoides e, por esse motivo, manifestam os sintomas com maior rapidez do que os animais mais jovens. As raças de pequeno porte tendem a manifestar a doença de forma clássica e com maior número de sinais clínicos que aquelas de grande porte. A presença de poliúria/polidipsia (PU/PD) constitui o sintoma inicial mais comum e pode anteceder as manifestações cutâneas típicas da doença em torno de 6 a 12 meses. Os sinais cutâneos, como perda de brilho da pelagem, presença de escamas secas e hipotricose leve, podem ser observados inicialmente. Com o tempo, são detectadas alterações na pigmentação da pelagem e alopecia simétrica bilateral (Figura 2). A pele dos cães afetados por hipercortisolismo mostra-se fina, Talvez possam se observar flebectasia, presença de equimose e petéquias após leve traumatismo, descamação, comedões e, especialmente na forma iatrogênica, calcinose cutânea. A calcinose cutânea é comumente observada no dorso do pescoço, bem como nas regiões axilar e inguinal, manifestando-se como placas e pápulas esbranquiçadas e duras. Com o passar do tempo, as placas tornam-se ulceradas e muito pruriginosas (Figura 4). A piodermite e a demodecose são complicações habitualmente associadas com essa doença hormonal. Nos cães com hipercortisolismo, a piodermite tipicamente se manifesta pela presença de pústulas alongadas não foliculares e leve inflamação. As infecções respondem mal à antibioticoterapia. fígado e glândulas mamárias. Os folículos pilosos, por si só, são capazes de sintetizar estrogênios a partir dos androgênios por ação enzimática. Os estrogênios são potentes moduladores do crescimento folicular, adiam o início da anagênese e tendem a manter o folículo na fase telogênica (7-8). Hiperestrogenismo Os estrogênios são produzidos principalmente pelos ovários e, em ambos os sexos, pelo córtex adrenal, O hiperestrogenismo como causa de alopecia só foi relatado no cão, sendo mais comumente atribuído a cistos ovarianos. Com menor frequência, a causa consiste em uma neoplasia ovariana ou testicular secretora de estrogênio. O hiperestrogenismo secundário a cistos ovarianos é mais comum no Buldogue Inglês, manifestando-se em animais adultos (2-7 anos). Por outro lado, o hiperestrogenismo secundário à neoplasia ovariana não possui qualquer predisposição racial, porém se manifesta em animais de idade avançada. Os sinais clínicos típicos de ambas as doenças na fêmea são: alopecia simétrica bilateral do períneo e da região inguinal. Nos casos crônicos, a alopecia pode afetar os pontos de atrito (p. ex., coleira) e, finalmente, atingir toda a região do tronco. É frequente a presença de inúmeros comedões na pele do abdômen e da vulva, com pelagem seca e opaca. Com frequência, as cadelas apresentam alterações do ciclo estral, ginecomastia e aumento de volume da vulva (Figura 5). A endometrite e, subsequente-mente, a piometrite são comuns. O sertolinoma (tumor das células de Sertoli nos testículos) pode induzir ao aparecimento de alopecia e à síndrome de feminização em cerca de 1/3 dos animais afetados. Esses cães apresentam níveis plasmáticos Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 43 Figura 6. © Laura Ordeix. © Laura Ordeix. MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 44 Figura 7. Neoplasia testicular secretora de estrogênio: alopecia e ginecomastia (aumento de volume das mamas) em cão com Sertolinoma. Neoplasia testicular secretora de estrogênio. Notar a dermatite linear eritematosa ao longo do prepúcio. elevados de estrogênios circulantes; os efeitos dessa alteração são cutâneos, hematológicos, prostáticos e comportamentais. Além de não haver predisposição racial, a doença neoplásica manifesta-se na idade adulta, geralmente em cães de idade avançada. A distribuição da alopecia é semelhante àquela descrita para as fêmeas. recomenda-se a realização de ultrassonografia testicular ou abdominal com possível biopsia das gônadas. AA pele nas áreas afetadas normalmente se apresenta hiperpigmentada, com pelagem seca, opaca e textura lanosa. O eritema linear ao longo do prepúcio e escroto é um sinal cutâneo sugestivo de hiperestrogenismo (Figuras 6 e 7). Outros sinais da doença são: ginecomastia, prepúcio pendular, pouco interesse pelas fêmeas no cio, hipertrofia prostática, trombocitopenia e anemia. Se o exame microscópico detectar alterações da haste do pelo, como deformações do córtex e presença de melanina (macromelanossomas), ou se a alopecia for sazonal e localizada na região inguinal, é aconselhável proceder à biopsia cutânea. O exame histológico ajudará a confirmar a suspeita de displasia folicular associada com anomalias de pigmentação ou alopecia recorrente no flanco. Diante de um caso de alopecia simétrica não pruriginosa, todas as doenças bacterianas, fúngicas e parasitárias capazes de afetar o folículo piloso devem ser consideradas. Assim, o exame microscópico do pelo pode ser útil na fase inicial do procedimento diagnóstico e está resumido na Tabela 1. Se essas causas forem excluídas, deverá ser considerada a presença de doenças metabólicas, neoplasia funcional das gônadas (neoplasia ovariana ou Sertolinoma), cistos ovarianos e displasia folicular. No entanto, se o problema persistir ou estiver associado com sinais sistêmicos, como poliúria e/ou polifagia, ou se, no exame microscópico, forem observados bulbos pilosos principalmente em telogênese, deverá ser considerada a presença de hipercortisolismo e hipotiroidismo. O exame laboratorial inicial deve incluir hematologia, hemograma completo e urinálise. Esses testes podem demonstrar alterações compatíveis com endocrinopatias e descartar outras doenças, como doença renal crônica, diabete melito e certas hepatopatias. Nos animais em que as alterações clinicopatológicas são sugestivas de endocrinopatia, a avaliação da função tiroideia sempre deve ser efetuada após as provas de função adrenal, pois o aumento do cortisol plasmático pode reduzir os níveis séricos de T4. É recomendável a realização de exame físico geral; se forem observadas alterações nas dimensões e na consistência dos testículos no macho, ou se houver aumento persistente nas dimensões da vulva e das mamas, bem como alterações no ciclo estral da fêmea, As principais alterações clinicopatológicas encontradas em cães com hipercortisolismo e hipotiroidismo estão expostas na Tabela 2. Na suspeita de hipercortisolismo, deverá ser considerada a realização de testes para triagem de distúrbios endócrinos (9-10) (consultar Guia Protocolo de diagnóstico da alopecia simétrica não pruriginosa 44 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 45 ALOPECIA ENDÓCRINA NO CÃO Tabela 1. Papel desempenhado pelo exame microscópico do pelo no diagnóstico de alopecia simétrica. Exame microscópico do pelo Esporos e hifas fúngicas Demodex Cultura fúngica Alterações de pigmentação Anagênese vs telogênese Endocrinopatias, neoplasias secretoras de estrogênio, displasias foliculares Testes hematoquímicos e hormonais associados a urinálise Ultrassonografia abdominal/ testicular destacável nas páginas 47-48): Em virtude da possibilidade de obtenção de resultados falso-positivos em cada um desses testes, é extremamente importante interpretar esses resultados em conjunto com o histórico e o estado clínico do paciente. Nos casos em que o diagnóstico não se mostre definitivo e o Médico Veterinário queira distinguir entre hipercortisolismo e hepatopatia primária, é aconselhável proceder à reavaliação do paciente algumas semanas mais tarde, antes de prescrever qualquer tratamento específico. A ultrassonografia abdominal pode ser útil para visualizar e medir as glândulas adrenais. O comprimento normal (3-7,5 mm) varia, dependendo do porte e da raça do cão em questão. A ultrassonografia, por si só, não é suficiente para diagnosticar o hipercortisolismo, mas permite diferenciar entre as formas hipofisária e adrenal. Os cães com tumor da hipófise apresentam, normalmente, aumento bilateral simétrico das dimensões da glândula adrenal, associado algumas vezes com alterações do parênquima, presença de áreas hiperecogênicas ou hipoecogênicas e perda da delimitação entre o córtex e a medula. Nos casos em que o hipercortisolismo foi descartado, é recomendável a realização de testes endócrinos para Alopecias associadas à cor da pelagem Biopsia cutânea Biopsia cutânea Tabela 2. Principais alterações clinicopatológicas (por ordem de frequência) observadas no hipercortisolismo e hipotiroidismo canino. Tabela elaborada com base em dados de (9) e (10). Hipotiroidismo Hemograma Anemia não regenerativa Perfil bioquímico Colesterol Triglicerídeos Frutosamina Fosfatase alcalina (FAS) Alanina aminotransferase (ALT) Hipercortisolismo Leucocitose e neutrofilia Linfopenia Eosinopenia Monocitose Trombocitose Fosfatase alcalina (FAS) Colesterol Triglicerídeos Alanina aminotransferase (ALT) Nitrogênio ureico sanguíneo Glicose Urinálise Densidade específica <1.015-1.020 Proteinúria Glicosúria Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 45 MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 46 ALOPECIA ENDÓCRINA NO CÃO Tabela 3. Protocolo de diagnóstico da alopecia simétrica bilateral no cão. Exclusão das doenças indutoras de foliculite • Raspados cutâneos profundos e exame microscópico da pele • Exame com lâmpada ultravioleta • Cultura de dermatófitos Biopsia cutânea • Citologia • Hematologia, bioquímica e análise de urina • Teste da função adrenal • Avaliação da função tiroideia Caso sejam observadas alterações na pigmentação do pêlo • Exame dermatopatológico Conclusão O algoritmo diagnóstico da alopecia simétrica canina está resumido na Tabela 3. A alopecia simétrica não pruriginosa é uma condição clínica comumente observada em cães com endocrinopatias sistêmicas (hipercortisolismo e hipotiroidismo), neoplasia funcional das gônadas e displasia folicular. Nesses casos, o procedimento de diagnóstico vai depender da probabilidade de cada diagnóstico diferencial definido durante o exame físico e dermatológico do paciente. BIBLIOGRÁFICAS 1. Safer JD, Fraser LM, Ray S, et al. Topical triiodothyronine stimulates epidermal proliferation, dermal thickening, and hair growth in mice and rats. Thyroid 2001; 11(8): 717-724. 2. Larsen PR, Berry MJ. Nutritional and hormonal regulation of thyroid hormone deiodinases. Annu Rev Nutr 1995; 15: 323-352. 3. Panciera DL. Hypothyroidism in dogs: 66 cases (1987-1992). J Am Vet Med Assoc 1994; 204: 761-767. 4. Dixon RM, Reid SW, Mooney CT. Epidemiological, clinical, hematological and biochemical characteristics of canine hypothyroidism. Vet Rec 1999; 145: 481-487. 5. Credille KM, Slater MR, Moriello KA, et al. The effects of thyroid hormones on the skin of beagle dogs. J Vet Intern Med 2001; 15(6): 539-546. 6. Paus R, Handjiski B, Czarnetzki BM, et al. A murine model for inducing and manipulating hair follicle regression (catagen): effects of dexamethasone and cyclosporine A. J Invest Dermatol 1994; 103(2): 143-147. 46 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 • Exame ultrassonográfico do abdomen e/ou testículos Biopsia cutânea Se o teste da função adrenal e tiroideia se situar nos limites normais contemplar o diagnóstico de hipotiroidismo (os respectivos testes estão descritos em detalhes no artigo sobre Hipotiroidismo canino com início na página 2). Após exclusão do hipotiroidismo, é aconselhável proceder à biopsia cutânea para definir, com maior rigor, a existência de alterações compatíveis com displasia folicular ou Alopecia X. REFERÊNCIAS Se o exame ultrassonográfico for negativo 7. Oh HS, Smart RC. An estrogen receptor pathway regulates the telogenanagen hair follicle transition and influences epidermal cell proliferation. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America. 1996; 93: 12525. 8. Smart RC, Oh HS, Chanda S, et al. Effects of 17-beta-estradiol and ICI182780 on hair growth in various strains of mice. J Invest Dermatol. Symposium Proceedings. 1999; 4: 285-289. 9. Reusch CE. Hyperadrenocorticism. In Textbook of Veterinary Internal Medicine 6th Edition. Ettinger SJ and Feldman EC. Elsevier Saunders 2005; 1592-1612. 10. Scott-Moncrieff C, Guptill-Yoran L. Hypothyroidism. In: Textbook of Veterinary Internal Medicine. 6th ed. Ettinger SJ and Feldman EC. Elsevier Saunders 2005; 1535-1544. MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 47 GUIA DESTACÁVEL Diagnóstico e tratamento do hipercortisolismo canino Sara Galac, DVM, PhD Teste endócrino, parte 1 Manifestação clínica Departamento de Ciências Clínicas de Animais de Companhia, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade de Utrecht. Holanda Sintomas clínicos: poliúria/polidipsia, polifagia, emaciação muscular, aumento de volume abdominal, alopecia, pele fina, respiração ofegante em repouso, etc. Resultados dos exames laboratoriais de rotina: fosfatase alcalina aumentada, hiperglicemia, hipocalemia, eosinopenia, linfopenia, densidade urinária específica baixa, proteinúria, etc. Suspeita de hipercortisolismo Aumento da produção de cortisol ou Diminuição da sensibilidade ao feedback de glicocorticoides Relação cortisol/creatinina urinária (RCCU) Teste de supressão pela dexametasona em dose baixa (TSDDB) O proprietário procede à coleta de amostra de urina pela manhã, durante dois dias consecutivos. Dexametasona a 0,01 mg/kg administrada por via IV; concentração plasmática de cortisol mensurada antes e 8h depois da injeção. RCCU > limite superior da faixa de referência Cortisol plasmático às 8h > 40nmol/l ou Hipercortisolismo Testar a sensibilidade à supressão com glicocorticoides Teste endócrino, parte 2 ou ou Teste de supressão com alta dose de dexametasona, utilizando a RCCU Teste de supressão com dose baixa ou alta de dexametasona, utilizando o cortisol plasmático Após o teste de RCCU, o proprietário administra dexametasona por via oral (0,1 mg/kg) às 12h, 18h e 24h e coleta amostra de urina 8h depois da última administração; o resultado é comparado com o valor basal médio do teste de RCCU anterior. Dexametasona a 0,01 mg/kg ou 0,1 mg/kg administrada por via IV. Concentração plasmática de cortisol mensurada 4 e 8h depois da administração e comparada com o valor basal.* Supressão > 50% Supressão < 50% Hipercortisolismo dependente da hipófise Hipercortisolismo dependente da adrenal ou hipófise ACTH plasmático basal não suprimido ✂ Técnicas de diagnóstico por imagem suprimido Dependente da hipófise Dependente da adrenal *(NOTA: Caso, na parte 1, se efetue o teste de supressão com baixa dose de dexametasona, coletando-se a amostra de cortisol 4 e 8h após a administração, isso pode indicar a forma dependente da hipófise, não havendo a necessidade de outro exame de sangue). MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 48 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DO HIPERCORTISOLISMO CANINO Ultrassonografia TAC do tumor da hipófise Ultrassonografia de tumor adrenocortical Hipercortisolismo dependente da hipófise Hipercortisolismo dependente da adrenal Diagnóstico por imagiologia TAC/RM Eliminar o estímulo para a produção de cortisol. Eliminar o excesso de glicocorticoides. Hipofisectomia Tratamento médico Tratamento É necessária terapêutica de substituição para toda a vida com glicocorticoides e tiroxina. Fármaco Trilostano Eliminar a origem da produção de cortisol. Adrenalectomia Se não forem detectadas metástases é necessária uma substituição temporária com glicocorticoides. Mitotano Modo de ação Adrenocorticostático; reduz a secreção de cortisol. Dosagem inicial 2-4mg/kg/dia administrado com o ali- 1. Destruição completa: 50-75mg/kg/dia durante 25 dias. mento. Reavaliar e efetuar um teste de estimulação com ACTH 14 dias após o OU início do tratamento (e após qualquer 2. Destruição seletiva: 50mg/kg/dia. alteração da dosagem). Tratamento a longo prazo Ajustar a dose com base nos sinais clínicos 1. Administração semanal (dose única diária). e no teste de estimulação com ACTH a OU cada 3 meses. É recomendável a dosagem 2. Ajustar a dose com base nos sinais clínidiária (1 vez/dia), embora possam ser cos e no teste de estimulação com ACTH. necessárias 2 doses diárias se os sinais clínicos persistirem. Observações O hipoadrenocorticismo é uma complica- 1. A terapia de reposição crônica ção possível. com glico e mineralocorticoides deve ser iniciada no terceiro dia de tratamento. 2. Em 5-6% dos casos, desenvolve-se hipoadrenocorticismo iatrogênico. REFERÊNCIAS Adrenocorticolítico; destrói as células adrenocorticais. BIBLIOGRÁFICAS 48 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011 ✂ 1. Galac S, Reusch CE, Kooistra HS, et al. Adrenals. In: Rijnberk A, Kooistra HS, eds. Clinical Endocrinology of Dogs and Cats. Hannover: Schlütersche 2010; 93-154. CapaBrasil171:Focus 17.1 13/04/10 19:22 Página 3 A revista Veterinary Focus é publicada por Royal Canin e está disponível em IVIS, www.ivis.org em 7 línguas diferentes. Veterinary Focus disponibiliza informação State-of-the-Art em medicina canina e felina. A maior biblioteca on-line para veterinários, disponibilizando livros, comunicações, manuais, um calendário, publicidade classificada e muito mais. Acesso ilimitado para veterinários, estudantes veterinários e técnicos. " " #( ! ! ! $ ! ! # ! # " ! ! !# !"1 ! ! " ! # # # !!+ " ,+ + ! / #" ( " "# !! + ! + " ! # & ! #" " " "/ ! #" ! ! # ! $ ! , ! " # ! ) ! "/ ! # * ! ! ! " # !+ !! !" # ! #! ! $ " # ! " #" ! " " " ! ! ! , ! . !! ! 1 ! & !! ! ! #" ! # 3 " ' #!4 !") " " ! " ! " ! 2 % ! " ! + ! ! ! ( !! # & " + ! !# ! " ! + " !! " ! ! " ! #" # " !" ! ! ! ! !" ! + ,+ ! ! ! -" ! #,1 ! + !!# # # ! ! " ! 1 ! ! " ! ,+ # ! # ,+ ! ,+ !! " $ !# " ! " ! " ! ! CapaBrasil171:Focus 17.1 13/04/10 19:22 Página 4 ROYAL CANIN NO MUNDO África do Sul China Grécia Noruega Royal Canin África do Sul +27.11.801.5000 Au Yu (Shanghai) Pet Food Company Ltd. +86.21.54.402.729 / +86.21.54.402.760 PPFI Ltd. +30.210.89.43.945 / 89.41.987 Royal Canin Noruega +47.23.14.15.40 [email protected] www.royal-canin.cn Polónia Alemanha Holanda Royal Canin Alemanha +49.221.93.70.60.0 Royal Canin Holanda +31.41.33.18.418 www.royalcanin.nl www.royal-canin.de Coreia do sul Royal Canin Coreia +82.2.569.3231 www.royalcanin.no www.royalcanin.com Royal Canin Polónia +48.12.259.03.30 ww.royalcanin.pl www.royalcanin.com Hungria Argentina Royal Canin Argentina +54.11.4748.58.58 www.royal-canin.com.ar Dinamarca Royal Canin Dinamarca +45.89.15.35.55 Royal Canin Hungria +36.23.430.565 www.royal-canin.hu Porto Rico Royal Canin Porto Rico +1.787.622.79.55 www.royalcanin.com www.royalcanin.dk Índia Austrália Royal Canin Austrália +61.1300.657.021 www.royalcanin.com.au Áustria Royal Canin Áustria +43.1.879.16.69-0 www.royal-canin.at Royal Canin Ibérica +34.91.449.21.80 Royal Canin SA-India Liaison Office + 91.222.651.5242 www.royalcanin.es www.royalcanin.com Espanha Royal Canin E.U.A. +1.800.592.6687 www.royalcanin.us Filipinas Royal Canin Bélgica + 32.24.25.21.00 Royal Canin Filipinas +63.2.894.5179 / +63.2.817.9443 Brasil Royal Canin Brasil +55.19.3583.9000 Royal Canin Portugal +351.21.712.32.10 www.royalcanin.com República Checa Estados Unidos da América Inglaterra Bélgica www.royalcanin.be Portugal www.royalcanin.com Finlândia Royal Canin Finlândia +358.207.47.96.00 Crown Pet Foods +44.19.35.600.800 Rep Office Royal Canin +420.221.778.391 www.royalcanin.com www.royalcanin.co.uk Rússia Itália Royal Canin Itália +39.02.49.80.880 www.royalcanin.it Japão Royal Canin Japão +81.3.5643.5971 ZAO Ruscan +7.495.221.82.90 www.royal-canin.ru Suécia Royal Canin Suécia +46.31.74.24.240 www.royalcanin.fi www.royalcanin.co.jp www.royalcanin.se Canadá França México Suiça Royal Canin Canadá +1.416.364.0022 Royal Canin S.A +33.4.66.73.03.00 Royal Canin México +52.55.58.11.60.62 Royal Canin Suiça +41.43.343.74.74 www.royalcanin.ca www.royal-canin.fr www.royalcanin.com.mx www.royal-canin.ch www.royalcanin.com.br Visite a biblioteca científica para uma selecção de artigos da Veterinary Focus