1 RELATO DE CASO Tratamento de Hematúria Recidivante através de Embolização Percutânea: Relato de Caso Treatment of Recurrent Hematuria through Percutaneous Embolization: Case Report Fábio Maximiano Martini1 Melissa Andreia de Moraes Silva2 Seleno Glauber de Jesus-Silva3 Rodolfo Souza Cardoso4. 1. Medico, residente de 2º ano de Cirurgia Geral do Hospital Escola de Itajubá (HE/FMIt) - Itajubá/MG 2. Médica, especialista em Cirurgia Vascular e Ecografia Vascular com Doppler. Cirurgiã Vascular do Hospital Santa Marcelina (HSM) São Paulo/SP 3. Médico, especialista em Cirurgia Vascular e Radiologia Intervencionista. Professor Assistente da Disciplina de Introdução aos Procedimentos Minimamente Invasivos (IPMI) da Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIt) - Itajubá/MG 4. Médico, especialista em Cirurgia Vascular e Radiologia Intervencionista. Professor Adjunto da Disciplina de Introdução aos Procedimentos Minimamente Invasivos (IPMI) da Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIt) -Itajubá/MG Trabalho realizado no Hospital Escola de Itajubá. Correspondência. Seleno Glauber de Jesus Silva. Av. BPS, 492 (1001). Itajubá/MG. CEP:37.500-177 Email: [email protected] RESUMO Introdução: A hematúria recidivante, seja em sua forma maciça ou crônica intermitente, é uma situação de difícil controle, em que o tratamento clínico habitual nem sempre é eficaz. A embolização percutânea é uma ferramenta muito útil para a preservação do órgão, principalmente naqueles casos em que somente a nefrectomia seria a opção. Casuística: Foi relatado um caso de embolização parcial de artéria renal em uma paciente portadora de hematúria macroscópica recidivante, através de acesso percutâneo. O procedimento foi feito através de acesso pela artéria femoral, com cateterismo seletivo da artéria renal envolvida e dos ramos arteriais nutridores do polo inferior, através de microcateter. A oclusão vascular foi feita através do implante de micromolas fibradas de liberação livre. A paciente apresentou interrupção imediata do sangramento, sem relatos de recorrência em todo o período de acompanhamento. Discussão: A hematúria crônica ou recidivante pode estar associada a várias etiologias não oncológicas, como as malformações vasculares, neoplasias benignas, traumas e lesões iatrogênicas. A investigação nem sempre é rápida, principalmente por demandar o uso de técnicas de imagem mais sofisticadas e que nem sempre resultam em confirmação diagnóstica. A angiografia com subtração digital permite a análise mais detalhada da vasculatura do órgão alvo e serve como meio para a realização de procedimentos de emboloterapia. Conclusão: Deve-se ressaltar o papel dos procedimentos minimamente invasivos, especialmente da embolização, nos casos em que é necessária a interrupção do sangramento com perda mínima da função, ou em que a etiologia é uma doença puramente vascular. Palavras chave: hematúria, embolização terapêutica, angiografia por subtração digital. ABSTRACT Introduction: Recurrent hematuria, either in its massive or chronic intermittent forms, is a situation of difficult control, in which the routine clinical treatment is not always effective. Percutaneous embolization is a very useful tool for organ preservation, especially in those cases in which nephrectomy would be the only option. Case Report: We report a case of renal artery embolization in a female patient with recurrent macroscopic hematuria, through percutaneous access. The procedure was carried out through femoral artery access, with selective catheterization of the renal artery involved and nourishing arterial branches of the inferior pole with microcatheter. Vascular occlusion was performed by deployment of pushable fibered microcoils. The patient had immediate cessation of bleeding, with no reports of recurrence throughout the follow-up period. Discussion: Chronic or recurrent hematuria can be associated with several nononcological causes, such as vascular malformations, benign neoplasms, and traumatic and iatrogenic lesions. Clinical investigation is not always fast, mainly because of the need of sophisticated imaging, which not always result in confirmatory findings. Digital subtraction angiography allows a more detailed analysis of the vessels of the target organ as well as the execution of embolotherapy procedures. Conclusion: One must consider the role of minimally invasive procedures, especially embolization, in cases in which both hemorrhage cessation and minimum loss of function are needed, and also in purely vascular diseases. Key words: hematuria, therapeutic embolization, digital subtraction angiography. Revista Ciências em Saúde v2, n 1, jan 2012 INTRODUÇÃO A hematúria recidivante corresponde a situação clínica de difícil controle, cuja etiologia pode variar, desde tumores malignos, benignos, malformações vasculares, nefropatia calculosa, lesão actínica, até traumas penetrantes, iatrogênicos ou não.1 O tratamento clínico habitual nem sempre é capaz de cessar a hemorragia, que pode manifestar-se de forma maciça ou perdurar, intermitentemente em sua forma crônica. Nesses casos, faz-se uso de técnicas cirúrgicas ablativas, dentre elas, a nefrectomia parcial ou total, aberta ou videolaparoscópica.1 Dentre as técnicas minimamente invasivas existentes, a embolização percutânea é considerada, há longo tempo, como uma alternativa viável e eficaz para o tratamento destas hemorragias. Além de possibilitar uma recuperação mais rápida com menor tempo de internação, dá ao paciente a possibilidade de preservação parcial ou total da função do órgão.2 O objetivo deste trabalho foi relatar um caso de hematúria macroscópica crônica tratada eficazmente, através de embolização percutânea de artéria renal e discutir os aspectos técnicos, vantagens e desvantagens do procedimento. CASUÍSTICA O presente trabalho só teve início após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Itajubá (CEP/FMIt). Paciente do sexo feminino, 33 anos, internada inicialmente em 2005, devido à hematúria macroscópica de início recente, associada à mialgia, cefaléia e vertigens. Foi avaliada pela equipe de urologia, sendo realizados exames laboratoriais (evidenciando anemia, com hemoglobina <8,0g/dL), ultrassonografia de rins e vias urinárias, ureteroscopia, urografia excretora e tomografia computadorizada (Figura 1), com contraste em fase arterial (sem alterações). Figura 1 - Tomografia computadorizada com contraste intravenoso, em corte axial na fase parenquimatosa, evidenciando normalidade do parênquima renal bilateralmente. A pesquisa para tuberculose (BAAR, em três amostras) com mesmos renal, sintomas. realizada hematológicas foram evidenciou fluxo e função renal preservados descartadas. Após tratamento clínico com bilateralmente, com função renal relativa de correção da anemia, houve interrupção da 50%:50%. Em relação aos antecedentes, era hematúria. Entretanto, apresentou recorrência G1P1A0, com gestação sem intercorrências e do quadro, com outras internações de 2007 a tabagista (20 cigarros por dia, há 12 anos). No Revista Ciências em Saúde v2, n 1, jan 2012 em Uma Causas e cintilografia os negativa. ginecológicas foi 2009, 2008, ano de 2010, foi novamente internada com o subtração digital através da injeção de contraste mesmo quadro. O exame físico revelou regular iodado não iônico de baixa osmolalidade estado geral, mucosas hipocoradas (++/++++), (Optiray®), com o auxílio de equipamento de pressão arterial 96 x 60 mmHg, frequência fluoroscopia cardíaca de 106 batimentos por minuto. subtração digital. A arteriografia renal mostrou Abdome doloroso à palpação do flanco direito, adequada visibilização dos ramos arteriais sem massas palpáveis, com sinal de Giordano principais e a fase parenquimatosa (Figura 2) negativo, bilateralmente. Foi submetida a uma revelou uma área heterogênea, com retenção de utererocistoscopia, sendo então comprovado contraste nos terços médio e inferior do rim. A sangramento fase de retorno venoso era normal. Não havia ativo importante e coágulos (arco-C) optado pelo tratamento endovascular através de arteriovenosas, arteriografia renal. malformações vasculares nítidas. Em virtude do de ativo, de sinais histórico sangramento dotado oriundos do cálice inferior do rim direito. Foi O acesso vascular foi feito pela artéria de móvel pseudoaneurismas sangramento contínuo fístulas ou e da femoral comum direita, através da técnica de indicação de o sangramento ser oriundo do polo Seldinger, sob anestesia local (lidocaína 2%). O inferior do rim, foi optado pela embolização cateterismo seletivo da artéria renal direita foi percutânea de uma possível malformação realizado através de cateter Cobra II 5Fr e fio- vascular. guia hidrofílico 0,035”, e a angiografia por Figura 2 - Angiografia por subtração digital do rim direito, através de injeção seletiva de contraste iodado por cateter Cobra II (ponta de seta). Notar a área hipervascular nos segmentos médio e inferior do rim, delimitados pelas setas brancas. Revista Ciências em Saúde v2, n 1, jan 2012 O cateterismo superseletivo dos ramos (Terumo©) 2,8Fr. A arteriografia superseletiva arteriais nutridores do polo inferior renal foi não evidenciou sinais de sangramento ativo feito com auxílio de microcateter Progreat ® (Figura 3) Figura 3 - Cateterismo superseletivo do polo inferior do rim direito através de microcateter (seta), sem sinais ativos de sangramento. Realizado então o implante de (Figura 4). A paciente manteve-se em repouso micromolas fibradas de liberação livre VortX- absoluto por seis horas, com hidratação 18 (Boston Scientific©) nas medidas 4x4mm e intravenosa e analgesia opióide de horário. 4x3,7mm em ramos arteriais terciários do rim. Houve interrupção imediata da Durante a embolização houve dor em flanco, a hematúria e redução significativa da dor em qual foi tratada com opióides intravenosos. A flanco, recebendo alta hospitalar em 48h, sem arteriografia renal de controle evidenciou queixas. Mantém-se assintomática nos retornos desvascularização parcial do rim direito, com ambulatoriais periódicos até o presente dia. preservação dos ramos arteriais principais Revista Ciências em Saúde v2, n 1, jan 2012 Figura 4- Angiografia final, evidenciando a desvascularização dos segmentos médio e inferior do rim direito, após a liberação de duas micromolas fibradas (setas) em ramos terciários da artéria renal. benigna, DISCUSSÃO glomerulopatias, coagulação, A hematúria é definida pela presença de 10 ou mais eritrócitos por campo de aumento 3 endometriose arteriovenosas. defeitos e na malformações 6-8 As lesões iatrogênicas e traumas renais (400X) e pode ser classificada em glomerular, podem levar a fístulas arteriovenosas e a de origem nefrológica, ou não-glomerular, de pseudoaneurismas, com hematoma renal e origem urológica. Quanto à intensidade do perirrenal importante, chegando à instabilidade sangramento, é identificada como macroscópica hemodinâmica e até mesmo à morte. Com o (quando a coloração da urina sugere a presença aumento dos procedimentos renais percutâneos de as é de se esperar que a incidência global destas pela lesões aumente. A ruptura de uma destas lesões sedimentoscopia urinária).4,5 Um grande número pode causar hematúria, dor no flanco e retenção de condições, malignas ou benignas, podem ser urinária por coágulos. A arteriografia é o responsáveis por hematúrias macroscópicas, principal método diagnóstico.7 sangue) ou microscópica (quando hemácias são detectadas somente como tumores malignos do trato urinário (renal, O pseudoaneurisma, ou falso ureter, bexiga, próstata e uretra), cálculos aneurisma, é causado por ruptura da parede urinários, infecção do trato urinário, trauma, arterial, com extravasamento de sangue, que é lesões contido pelos tecidos vizinhos,9 ou também pela iatrogênicas, hiperplasia prostática Revista Ciências em Saúde v2, n 1, jan 2012 organização do hematoma comunicando-se com 10 subtração digital melhora a identificação dos a luz da artéria. Os ferimentos penetrantes por vasos que irrigam tumores e as malformações projétil de arma de fogo e por arma branca vasculares, sendo particularmente útil para constituem o mecanismo habitual na maior parte controle dos centros urbanos do Brasil e do mundo, mas realizadas. 6 tem sido frequente a etiologia iatrogênica (nos casos de biópsia visceral). 11 Malformações das embolizações terapêuticas A embolização percutânea deve ser a mais seletiva possível, com o intuito de são preservar a função do órgão. No caso de (alterações embolização da artéria renal isso é de extrema malformações importância, uma vez que é desejável somente a arteriovenosas, propriamente ditas (adquiridas, isquemia de um segmento específico do órgão, classificadas vasculares em vasculares hemangiomas congênitas) e principalmente devido a trauma). 2 trazendo o mínimo de efeitos para função é renal.12-14 A embolização da artéria renal pode extremamente eficaz, mas deve-se lembrar que a ser considerada segura e eficiente, tanto em recidiva é possível e várias sessões de situações de urgência, como eletivas, com tratamento ao longo dos anos podem ser sucesso técnico de 93%. 15 A embolização percutânea requeridas. O angiomiolipoma é um tumor renal Vários agentes embolizantes podem ser benigno, com predominância de tecido adiposo utilizados neste tipo de tratamento, incluindo e muscular que pode levar a hematúria e/ou molas fibradas, líquidos esclerosantes e 2 ruptura, principalmente quando medir acima de particulas embolizantes. As molas fibradas são 4cm de diâmetro. É mais comum em mulheres estruturas metálicas com um revestimento ao redor da quarta e quinta décadas de vida e externo de poliéster (dacron) que, uma vez está O posicionadas no interior do vaso, promovem a tratamento através de embolização tumoral pode coagulação local e interrupção do fluxo ser de sanguíneo. Para a adequada oclusão vascular, as interrupção de sangramento, sem posterior molas precisam ser posicionadas de forma necessidade de nefrectomia.12 É possível que a compacta e seu posicionamento preciso. associado efetivo, à com esclerose ótimos tuberosa. resultados paciente tratada fosse portadora de um tumor Dentre as vantagens do tratamento benigno, como o angiomiolipoma, mas somente minimamente invasivo estão a redução da a biópsia poderia esclarecer o diagnóstico. agressão cirúrgica, com menor perda sanguínea A técnica de embolização percutânea e menor resposta metabólica ao trauma (levando transarterial pode ser utilizada em caráter de a um menor no tempo de internação hospitalar e urgência para controle de hemorragias ou como na dor pós-operatória) e da infecção de ferida um método coadjuvante para reduzir as perdas operatória. Há, entretanto, a possibilidade de sanguíneas no intraoperatório. 8 Através da ocorrência de hematomas, fístulas angiografia por subtração digital é possível a arteriovenosas ou pseudoaneurismas de punção. visibilização em tempo real das estruturas O paciente em vigência de hemorragia aguda e vasculares, ao mesmo tempo em que subtrai as maciça muitas vezes apresenta coagulopatia partes moles e ósseas, ressaltando o contraste associada e o tratamento percutâneo torna-se que passa no interior dos vasos sanguíneos. 6 A mais seguro que uma dissecção e ressecção Revista Ciências em Saúde v2, n 1, jan 2012 cirúrgica convencional. Nos casos em que há a especialmente da embolização, nos casos em opção cirúrgica, mas o risco cirúrgico é elevado, que é necessária a interrupção do sangramento, a opção minimamente invasiva é mais atrativa. com perda mínima da função, ou em que a A dor é um dos sintomas mais comuns etiologia é uma doença puramente vascular durante a embolização. O infarto do órgão (como em malformações arteriovenosas). tratado é nítido e gera dor imediata, na maioria Dentre as vantagens, citamos a possibilidade de das vezes. No caso relatado, mesmo após uma tratar pacientes com alto risco cirúrgico com pequena parcela do polo inferior do rim direito anestesia local, reduzir o tempo de internação, a ter sido ocluída pelas molas, a paciente iniciou dor pós operatória, as complicações de sítio dor em flanco. O tratamento pode variar, desde cirúrgico e as infecções hospitalares. Dentre as opióides orais, até analgesia opióide intravenosa desvantagens, há o custo elevado, necessidade ou até mesmo anestesia peri ou epidural. Em de equipamento sofisticado e equipe treinada. alguns serviços já é empregada a bomba de A decisão de tratamento da hematúria infusão controlada pelo paciente (Bomba de deve ser individualizada, levando em conta a PCA). da etiologia do sangramento e as possibilidades embolização, menos comuns, mas nem por isso terapêuticas disponíveis. A comunidade médica menos febre, deve ter conhecimento da técnica minimamente leucocitose e elevação das provas inflamatórias invasiva e ofertá-la ao paciente, sempre que for (velocidade de hemossedimentação e proteína C possível. Outros sintomas importantes, são: decorrentes náusea, reativa). Outra desvantagem da angiografia é a REFERÊNCIAS necessidade de uso de contraste iodado (o que deve ser evitado nos casos de insuficiência renal 1. crônica não dialítica). A exposição à radiação ionizante deve ser considerada, não somente no 2. paciente (que irá se expor por um período limitado), mas também na equipe médica e de enfermagem envolvidas. O custo elevado dos 3. materiais, de certa forma limita o tratamento, assim como a disponibilidade de equipamento 4. de radiologia com subtração digital e de profissionais habilitados para realizar esse tipo 5. de procedimento. 6. CONCLUSÃO: A hematúria macroscópica é uma manifestação relativamente comum nas salas de 7. urgências. Deve-se ressaltar o papel dos procedimentos minimamente invasivos, 8. Choong SKS, M Walkden M, Kirby R. The management of intractable haematuria. BJU International. 2000;86:951-9. Ginat DT, Saad WAE, Turba UC. Transcatheter renal artery embolization for management of renal and adrenal tumors. Tech Vasc Interv Rad. 2010;13:75-88. Mastroianni KG. Hematúria: Aspectos Clínicos. In: Schor N, Srougi M. Nefrologia-Urologia Clínica. São Paulo: Sarvier; 1998, p.133-8. Bastos MG, Martins GA, Paula RB. Diagnóstico diferencial na hematúria. J Bras Nefrol. 1998;20(4):425-40. Kesson AM, Talbott JM, Gyory AZ. Microscopic examination of urine. Lancet. 1978;312(8094):809-12. 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