Internet, um discurso mediático

Propaganda
Internet:
um discurso mediático
Eloá Muniz
1 Introdução
Este trabalho tem por objetivo principal observar a forma como está sendo desenvolvida e
implantada a Internet no Brasil.
O Brasil, hoje, possui um milhão de PCs domésticos e só treze milhões de linhas telefônicas. Isso
é problemático para o desenvolvimento da Internet no país, pois deixa o Brasil aproximadamente três anos
atrás dos Estados Unidos.
Todavia, as forças econômicas atuantes no mundo que estimulam os negócios da Internet, não
acreditam que o seu desenvolvimento seja detido no Brasil pela falta de tecnologia, pelo contrário,
acreditam que o fato dos preços dos microcomputadores estar diminuindo e as potências melhorando; a
conectividade com a rede, que como tendência mundial torna-se, cada vez mais barata e eficiente, e, por
fim, a consciência cada dia maior de que as pessoas terão mais liberdade, seduzidas que estão pela
possibilidade do acesso fácil a uma gigantesca teia de informação, serviços e entretenimento, provocará o
crescimento do número de PCs conectados à Internet.
Para que ocorra este crescimento será necessário que as pessoas sintam necessidade de
estarem conectadas à rede e para isso é preciso que elas saibam como funciona e, principalmente, o que
estão perdendo por não pertencerem àquele grupo seleto de assinantes da Internet.
Todo ser humano precisa pertencer a um grupo; precisa sentir-se integrado a um grupo de
referência e neste contexto, a Internet está preenchendo uma necessidade do homem moderno que sofre
do mal da individualização, de solidão e do medo da violência urbana.
Assim, a divulgação das várias possibilidades oferecidas pela Internet se torna muito complexa e
onerosa, se utilizar somente as campanhas publicitárias comuns adotadas para produtos e serviços
consumidos no cotidiano das pessoas em geral. É necessário, então, um planejamento estratégico de
marketing mais abrangente e específico de demonstração do produto Internet.
Philip Kotler, define marketing como “a atividade humana dirigida para a satisfação das
necessidades e desejos, através dos processos de troca”. (Kotler: 1980, p. 33). Desta maneira os
empresários da Internet adotaram uma estratégia forte e dirigida aos públicos pertencentes a todas as
camadas sociais, ou seja, despertar necessidades e desejos em relação ao produto, através de cenas
enfocando o uso da rede, na Novela das Oito, Explode Coração, bem como a satisfação através do
sistema de troca, descortinando um fantástico mundo virtual para àqueles que possuem ou que poderão
adquirir um microcomputador. E aos demais, proporcionam a satisfação emocional criada a partir da
telenovela com cenas de melodramas.
Este trabalho, portanto, se preocupará com o fato do produto Internet não ser divulgado pelas
estratégias comuns de marketing através da publicidade e propaganda, mas sim, por um discurso
mediático deslocado de sua origem, ou seja, o consumerismo desencadeado a partir do discurso da
telenovela e ancorado pelas revistas (mídia impressa) não é responsabilidade do discurso publicitário.
O corpus escolhido são as revistas que circularam no período de 28 de novembro a 05 de
dezembro de 1995. As revistas utilizadas são: Revista Contigo de 28 de novembro, Revistas Amiga de 28
de novembro e 05 de dezembro, Revista Exame Informática de novembro, Revista Internet de novembro e
Revista Veja Especial de dezembro.
2 Desenvolvimento
2.1 Internet
A Internet é a maior rede de computadores do mundo. Foi criada originalmente pelo Pentágono, no
final dos anos 70, ela foi estendida, em 1986, a outros órgãos governamentais nos Estados Unidos e em
todo o mundo com fins comerciais e de pesquisa educacional. Em 1990, tornou-se predominantemente
comercial. A Internet atualmente interliga vários milhões de pessoas em todo o mundo através de quase 1
milhão de computadores centrais.
Os computadores individuais normalmente são interligados a um computador central através de
redes locais que usam os cabos de propriedade de empresas, de universidades ou de alguma outra
organização. Os computadores centrais estão interligados entre si por linhas de longa distância e alta
capacidade, alugadas de empresas telefônicas.
A Internet possui uma rede de 11 mil redes; em meados de 1993, possuía 1.7 milhões de
computadores interligados, com uma estimativa de 15 milhões de pessoas em todo o mundo os utilizando.
Um indivíduo pode enviar uma mensagem para todos os 1.7 milhões de computadores ou para uma das 11
mil redes, ou então endereçar qualquer um dos computadores ou qualquer usuário individual de um deles.
Cada usuário, computador, rede ou computador central possui um endereço único.
Em termos per capita, a Noruega possui mais computadores centrais da Internet do
que qualquer outro país: quase 5 por 1.000 habitantes. Os Estados Unidos vêm em seguida
com 3,8 por mil, seguidos da Austrália (3,7), Suíça (3,4), Finlândia (3,2), Islândia (3,0) e
Suécia (2,9). A Alemanha possui 1,4; o Japão, 0,2, cerca de um vigésimo dos computadores
centrais per capita dos Estados Unidos. (Naisbitt: 1994, p. 45).
O Brasil possui hoje 1 milhão de computadores e destes somente cerca de 0,022% estão
interligados a Internet. É um número pouco representativo e deve, num curto espaço de tempo, ser
ampliado. Para isso é necessário uma divulgação em massa, uma propagação desse novo meio de
comunicação, que altera hábitos e costumes seduzindo pela multiplicidade de oportunidade que este novo
campo oferece ao usuário.
2.2 Televisão
A televisão é considerada hoje o meio de comunicação de massa mais poderoso e mágico. A
condição que a televisão tem de comunicar pela imagem e de conviver com as pessoas na intimidade de
suas casas, torna-a um veículo com força de comunicação muito mais através do emocional e do afetivo do
que pelo racional. Esta característica facilita o desencadeamento dos processos psicológicos da projeção e
da identificação.
É a televisão que se presta, mais do que qualquer outro meio de comunicação, para o
exercício do pensamento simbólico. É por intermédio dos símbolos que se formam os ritos na
sociedade. A televisão, por ser o veículo de comunicação de massa com maior possibilidade
de penetração na vida quotidiana das pessoas, possui a capacidade de ritualizar este
cotidiano da mesma forma que os ritos penetravam na vida quotidiana tribal primitiva.
(Fischer:1984, p.36).
O ato de ver televisão é um ritual já tão assimilado culturalmente pela família moderna brasileira, que
um novo padrão de comportamento foi criado e desenvolvido a partir do hábito cotidiano de reunirem-se
para assistir televisão. Este novo comportamento da família que se emociona diante da telinha, abrange
todas as classes sociais, pois é um fenômeno que atinge pela emoção, pela vivência dos dramas,
mobilizando os membros da família pela identificação da realidade que cada um deles têm escondida
intimamente com a realidade mostrada na televisão.
A televisão se relaciona com o telespectador através da sua multiplicidade de gêneros. Atua, ora
para definir e reforçar os valores defendidos pela classe dominante, ora para comunicar ao espectador
posições dos vários segmentos da sociedade, tanto em valores éticos e estéticos, como dos interesses dos
grupos sociais, ou ainda, em termos de mostrar os problemas universais que envolvem e afligem o ser
humano.
2.3 Telenovela
O gênero que mais fascina o telespectador brasileiro é a telenovela, embora este formato esteja,
constantemente sendo modificado e redefinido. Segundo os parâmetros da Rede Globo, a telenovela é feita
para um telespectador definido como: mulher, casada, pouco mais de 30 anos, católica. Vai uma vez por
mês ao cabeleireiro, faz as unhas em casa e acompanha o marido ao cinema nas noites de sábado ... é
compreensiva, do filho espera que se forme; da filha, que se torne aliada. (Ondina: 1986 p. 52). Entretanto,
as pesquisas do IBOPE demostram uma variação neste perfil, onde o telespectador também é do sexo
masculino e pode ou não pertencer a uma classe social culturalmente privilegiada para a qual existem
outras formas de lazer.
A novela é um discurso compensatório que trata de noções abstratas como o mal, o
amor, a felicidade, e onde se organizam e se resolvem afetos de personagens junto a um
público que encontra, nas intimidades e nas soluções oferecidas pelas imagens, diferentes
níveis de gratificação e que acredita na autoridade de narração televisiva. (Ondina: 1986. p
48-9).
A telenovela herdou um procedimento característico do melodrama que é a cumplicidade, onde o
suspense era criado a partir das informações que o espectador tinha da trama da história e que os
personagens envolvidos na situação não conheciam. Assim, os segredos dos personagens exerciam sob o
espectador um forte fascínio. Da mesma forma o telespectador de novelas detém informações e interage
com um mundo de fantasias e de poderes fictícios.
A telenovela é uma narrativa de ficção e caracteriza-se pelo tipo de verossimilhança
do enredo. Contrariamente a outras narrativas de ficção tais como o policial, o werstern, a
série negra, também veiculadas pelos mass media, a telenovela não se passa em geral com
personagens de outros tempos nem outras sociedades distantes. (Rodrigues: s/d, p. 88).
A verossimilhança do enredo da telenovela se insere na vida cotidiana do espectador como seu
espelho. A telenovela cria uma ritualidade de comportamento, legitimando certos valores metafísicos, éticos
ou estéticos, ao mesmo tempo que normatiza e impõe naturalmente a ordem das coisas.
A serialidade da telenovela, debitada em episódios intermináveis, assegura o seu
enraizamento na vida cotidiana do espectador, criando, por um lado, o ritmo estereotipado de
difusão e, por outro lado, o convívio permanente com as personagens. Mercê deste ritmo e
deste convívio, as expectativas do público são constantemente relançadas, socializando-o
de maneira particularmente eficaz, inscrevendo ou gravando de maneira indolor as normas
da convivência social com a cumplicidade do próprio espectador. (Rodrigues: s/d, p. 89).
A televisão é ritual. Ela é ligada sempre à mesma hora, para se assistir os mesmos gêneros de
programas. A TV coloca ordem na vida das pessoas. Uma ordem verticalizada que passa a sincronizar o
tempo do telespectador e sua vida passa a ser ordenada simbolicamente pelo veículo. A novela faz parte
deste processo de ordenação, quando se apresenta ao público de forma seriada criando um espetáculo
polissêmico a cada dia e a cada capítulo.
Neste sentido o processo ritual é o encadeamento de discursos e gestos facilmente reconhecidos
pelo público que desenrolam num espaço e numa temporalidade próprios distintos, portanto, dos espaços e
dos momentos da vida cotidiana. A força da ordem simbólica que os gestos e os discursos rituais adquirem
quando apropriados por um campo social resulta do distanciamento que se dá entre a funcionalidade
originária do telespectador e a ritualização a que os veículos e o gênero telenovela se prestam e
proporcionam.
A sinalização vertical erguida como objeto, transforma o espaço em contornos. E o espaço
circundante sinalizado pelos quatro cantos, será designado como campo. A ocupação do campo já
marcado com signos identifica-se como sendo a apropriação simbólica. E o campo assim apropriado como
sendo símbolo de espaços maiores; coisa que permite transferir a outras relações sociais decisões
adotadas ali.
O campo de ação simbólica da televisão está no vídeo. E neste campo se dá a apropriação simbólica
da mente do telespectador. Na medida que a novela é seriada e está lá esperando pelo telespectador, no
mesmo lugar e no mesmo horário diariamente, ela proporciona a tranqüilidade e a segurança da rotina, ao
mesmo tempo que ela se revela fascinante pela novidade de cada capítulo.
A massificação da imprensa, rádio e televisão está predeterminada pelos ritos do calendário, tendo
que reproduzir a mesma forma e o mesmo conteúdo. Mostram o digno e o indigno de imitação, tudo
mesclado, de forma esboçada e ambígua, porém sinalizando sempre a significação. A significação do
símbolo é o significado. Não dizem o que devem ou não fazer, porém reproduzem o que é feito e pensado, e
só a repetição sugere que poderia tratar-se de algo que é correto fazer. A vinculação do orgânico e a ordem
sócio-moral se realiza também aqui mediante a ritualização.
Neste aspecto, há que entender como equivalentes a simultaneidade de informações
sensacionalistas e a transformação do passado na televisão. A insegurança que resulta de exposição
acumulada de delitos através da mídia, desde jornal até o filme policial televisivo, e cuja finalidade é
assegurar ao cidadão seus contornos, induz que ele busque segurança em seu passado mítico. O mito,
para explicar o presente partindo de um passado, tem acontecido sempre e em todas as épocas, conecta
com as experiências primárias sobre o acima e abaixo, dentro e fora, claro e escuro, e opera com ele, como
algo viável e estabilizado.
3 Considerações Gerais
O Brasil possui hoje aproximadamente 22 mil assinaturas da Internet. Este número é pouco
representativo considerando o potencial de mercado existente no país. Ao mesmo tempo, é muito caro e
moroso um processo de divulgação através das estratégias de publicidade, levando em conta comerciais de
30 segundos ou 1 minuto e uma frequencia média de inserção nos veículos adequados para se atingir o
público.
Assim, a estratégia adotada foi a de arcar com parte dos custos de produção de uma novela onde a
Internet fosse divulgada a todo o país como parte do cotidiano da vida dos personagens.
Os romances nascem e se desenvolvem através da Internet. Verdadeiros internautas, neologismo
aplicado às pessoas que estão dentro da Internet, apaixonados.
O prazer de ser o outro e por alguns momentos ter a ilusão do poder. A novela cria a ilusão e
possibilita ao telespectador fundir-se com o personagem e experimentar outra identidade. Tal como os jogos
de mimicry, a novela não tem compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança, o fingir perfeito. O
espelho da realidade, a história contada através dos personagens filtrados pela imagem icônica.
A telenovela interfere na sociedade através da cultura popular acionando o comportamento dos
personagens e influenciando diretamente na segunda realidade do telespectador, uma vez que ele está
vinculado afetivamente ao veículo.
Segundo Alan Meckler, editor da revista Internet World, o mais importante, no momento, é adquirir
conhecimento do que está acontecendo, do que é e como usar a Internet. Despertar o interesse e a
necessidade do usuário, despertando a sua curiosidade e mostrando o fantástico mundo da rede.
Acho que o conhecimento disso que eles acham que estão perdendo será obtido nos
próximos três anos, com a revista Internet World Brasil e as feiras de negócios, que estão
chegando. E com o fato de que os consumidores certamente verão mais artigos nos jornais e
nas estações de TV locais. começarão a ver a Internet citada em programas de TV e filmes
americanos que passam aqui. Tem um filme que foi lançado há seis semanas chamado The
Net e outro que será lançado, chamado Hackers, que mostram os efeitos negativos da
tecnologia. Mas o fato é que a cultura americana começará a falar da Internet da mesma
forma que fala do telefone, ou de novo grupo musical de rock, ou de um carro, ou de um novo
estilo de jeans. E esse tipo de divulgação fará as pessoas começarem dizer: “Ei, temos que
saber mais sobre isso, por que não tem isso no Brasil?, “Por que não temos isso na
Argentina?”, seja onde for. (Meckler: 1995, p. 78).
A divulgação da Internet se dará em 150 capítulos da novela, Explode Coração, que estará
convivendo com o telespectador durante um semestre, 50 minutos diários e concentrados. É mais do que
qualquer estratégia de publicidade poderá dar de retorno em freqüência de mídia e com o custo menor. Num
período de seis meses a Internet será tão popular quanto o fax ou o telefone celular.
A telenovela possui um discurso narrativo verossímil, não tem compromisso com a verdade mas com
o fingir perfeito. O espelho da realidade, a história contada através dos personagens filtrados pela imagem
icônica. Assim, a televisão através da novela impõe uma autoridade narrativa, onde seus personagens, pela
dramatização, tornam-se intrumentos da classe dominante para divulgar sua ideologia e estabelecer a
identificação com o público. Esta identificação se dá a partir dos vários personagens e seus contextos, pois
cada núcleo representa um segmento da sociedade com suas características, o que, grosso modo,
poderíamos estabelecer uma analogia com a estratificação de mercado utilizada pelo marketing.
Desta maneira a novela tem representado pelos seus personagens todos os tipos de consumidores
existentes no mercado, podendo veicular e criar o consumo de qualquer produto ou serviço que desejar. A
telenovela é, atualmente, o produto brasileiro de mass media mais importante, pois é um instrumento de
produção de sentido simbólico constante que funciona como uma catarse social que substitui a contestação
e a reflexão pela anestesia e fascínio que a televisão provoca através da sedução da imagem esteticamente
composta e ritualizada.
A telenovela possui um discurso próprio, diferente do discurso publicitário, no qual a publicidade tem
como tarefa divulgar as caracteríticas do produto. Neste caso, o usuário fica livre da mensagem publicitária
porque as várias publicidades veiculadas se neutralizam umas às outras ou cada uma por seus excessos,
assim, o discurso publicitário dissuade ao mesmo tempo que persuade e parece que o consumidor é, se não
imunizado, pelo menos um usuário bastante livre da mensagem publicitária. (Baudrillard: 1976, p. 175).
Da mesma forma, a assessoria de imprensa é a conquista de espaço em mídia impressa é uma
atividade complexa e de alto custo, em marketing, porém, no caso da telenovela é uma atividade inerente.
As revistas fazem parte deste contexto. Elas reforçam e articulam os sentidos produzidos pela telenovela,
inserindo o público no mundo artístico, alimentando a fantasia e o imaginário do telespectador, informando e
antecipando os acontecimentos da telenovela e da vida do artista criando a ilusão de que o leitor está bem
informado, ou seja: interagindo com um mundo de fantasias e de poderes fictícios.
A Internet ganha espaços via telenovela sem dispender os altos custos de investimento em mídia
impressa. As revistas especializadas em televisão utilizam a linguagem de acordo com o perfil do leitor,
mediando e resignificando a produção de sentido do discurso da telenovela; ora articulando o imaginário,
ora informando e divulgando as possibilidades da Internet.
Para proceder ao estudo da divulgação da Internet através da mídia impressa tornou-se necessário
dividir as revistas em três grupos. Esta segmentação se deveu à pequena variação de títulos utilizada como
corpus para este trabalho. O primeiro grupo é constituído pelas revistas Contigo e Amiga; o segundo
composto pelas revistas Exame Informática e Veja Especial e, finalmente, pela Revista Internet World.
O perfil dos leitores da revista Contigo e Amiga é o que se chama na segmentação de mercado, em
marketing, de need driven (pessoas com necessidade básicas insatisfeitas e necessidades constantes de
resolução de problemas); da revista Exame Informática e Veja Especial são os outer directed (pessoas com
padrões estabelecidos, valores morais, buscando o crescimento econômico e intelectual e as expectativas
dos outros são sua referência); e da revista Internet World são os inner directed (pessoas em processo de
desenvolvimento, crecimento interior, autonomia e buscando inovações, são anticonvencionais e tem
prazer em experimentar o novo, e desconhecido). Esta classificação foi adotada neste trabalho, por ser
utilizada pela Agência Young & Rubicam com aplicação local e multinacional para segmentação de mercado
de seus clientes. O Cross Cultural Consumer Caracterization é um estudo de mercado que dá um
tratamento ao consumidor além da caracterização demográfica, é uma identificação de segmento do
consumidor que fazem escolhas semelhantes baseadas em metas, motivações e recompensas comuns.
3.1 Revista Contigo
A revista Contigo é distribuida semanalmente através das bancas, pois não possui assinatura. Esta
revista dedica toda a semana uma seção para comentar as cenas mais importantes de cada novela,
incluindo todas as emissoras de televisão. Este veículo preocupa-se principalmente com o discurso
romântico do melodrama, e para reforçar as matérias reproduz os diálogos ocorridos na novela. Utilizam,
também, fotos dos personagens reforçando o texto, ou seja, a linguagem verbal ancorada à linguagem
visual. O resumo dos capítulos da semana encerra a matéria referente aos personagens centrais da novela.
Neste número da revista Contigo, a novela Explode Coração possui seis páginas dedicadas aos
personagens: as páginas 16 e 17 sobre Júlio e Dara; a página 18 sobre Igor; as páginas 20 e 21 sobre Sarita
Vitti, a Drag Queen e a página 19 sobre a Internet, que está estratégicamente entre as matérias, exposta
como elo de ligação do leitor com contexto imaginário da telenovela.
Assim, o que em marketing se considera promoção de vendas, na revista surge como Entre na rede
via Contigo, e informa o acesso Contigo! - Internet promovendo um contato com Glória Perez, a autora da
novela. Alguns destes contatos são publicados nesta seção, como por exemplo: Qual é o programa de
Internet que Dara usa para se comunicar com Júlio? Achei o programa impressionante e gostaria de ter
informações sobre ele. Parabéns pelo sucesso da novela. Adoro conhecer costumes novos como os dos
ciganos. Pergunta da leitora identificada, nesta coluna, com a internauta Paula Jamous. O programa que
Dara usa não existe, foi inventado pelo pessoal da casa, porque, como a maioria das pessoas não lida com
computadores, tínhamos de ter um programa de fácil compreensão visual. Quanto aos ciganos, realmente
eles são muito interessantes, não é mesmo? É uma cultura muito bonita, temos de aprender com eles.
Abraços carinhosos. Resposta de Glória Perez, via Internet.
A outra seção Disque Contigo!, com ligação gratuita, solicita ao leitor resposta a pergunta: Qual é o
personagem de Explode Coração que você mais gosta? E o que você não gosta? Estas informações
orientam a autora na montagem da trama da novela e substitui a pesquisa de opinião do IBOPE com muito
mais rapidez e eficiência.
3.2 Revista Amiga
A revista Amiga tem distribuição semanal através das bancas; não possui assinatura. Na revista de
28 de novembro, na página 51, na seção Tarot, com o título Júlio Falcão - um Imperador Apaixonado, Glória
Britto descreve o personagem a luz da linguagem do Tarot sem esquecer, no entanto, de nomear a Internet:
Agora, Júlio vai se defrontar com o arcano VI - Os Enamorados. Ao conhecer Dara (personagem de Tereza
Seiblitz), via Internet, se torna mais uma vítima daquela criança travessa - Eros (grifo nosso).
Na revista Amiga de 05 de dezembro, nas páginas 6 e 7, a linguagem visual é ancorada pela
linguagem verbal. A imagem de Dara ocupa ¾ da página dupla e no canto direito inferior, uma foto pequena
mostra Júlio tocando a tela do vídeo do computador como se a carícia também pudesse ser transmitida via
Internet. Esta matéria é antecedida por uma reportagem de três páginas sobre o ator Edson Celulari (Júlio),
onde ele aparece vestindo uma calça branca, sem camisa e pés descalços, numa sequencia de fotos
sensuais, justificando sua presença na capa da revista. A linguagem visual está ancorada na linguagem
verbal com o texto: Eu sou um garoto trabalhador, um homem que acredita muito naquilo que faz, e ama
demais a esposa que tem. Sou um cidadão que acredita muito no seu país e na possibilidade de ver os filhos
crescerem em um lugar mais digno. E como reforço a este discurso ideológico a frase autoritária encerra a
página: Edson Celulari é isso aí!
3.3 Revista Informática Exame
A revista Informática Exame é distribuida nas bancas de jornais e por assinatura. É um veículo
segmentado especializado em produtos e serviços da área da informática. Esta revista tem a capa dedicada
à Internet e grande parte do conteúdo informa e divulga produtos para acesso e uso da rede. A reportagem
de capa da revista tem como chamada: O Brasil Põe o Pé na Estrada - com o surgimento de provedores de
acesso e informações e o interesse dos usuários, o país se lança na internet, a superestrada da informação.
E a matéria inicia assim: O que é, o que é: personagem da nova novela das 8, tema de reportagens especiais
de tradicionais revistas americanas e européias e objeto de acloradas conversas de bar? Acertou quem
respondeu Internet. ... O melhor dessa história é que o público brasileiro, que até recentemente assistia a
tudo do lado de fora, já pode conhecer na prática todas as facilidades que a Internet oferece. Depois de
muita discussão, a rede das redes finalmente chegou. E para ficar.
Inicialmente se estabelece a relação com a novela e, depois, com o mundo das facilidades
oferecidas pela Internet. Esta matéria divulga o roteiro passo a passo para o leitor entrar na rede; o
hardware, o software e os provedores de acesso disponíveis e suas possibilidades de uso.
3.4 Revista Veja Especial
A revista Veja é distribuída nas bancas de jornal e principalmente por assinatura. No mês de
dezembro foi elaborado um suplemento especial sobre computadores: Computador: o micro chega às
casas.
Este suplemento da Veja traz reportagens sobre o histórico e o uso do computador, desmistificandoo ante o cidadão que ainda se assusta com a instalação desta máquina no seu dia-a-dia. Com uma
linguagem simples e acessível vai impondo o informatiquês com expressões, tais como: navegação na
Internet, internauta, interneteiro, plugado, conectado, etc.
A revista Veja Especial foi composta e distribuída com a intenção de possibilitar ao brasileiro médio a
convivência e familiaridade com o computador, mostrando alguns aspectos concretos desse novo mundo
de possibilidades que a tecnologia oferece.
Nas páginas 120 e 121 da revista a matéria com o título De corpo ausente e com o subtítulo uma
sociedade que se conecta sem se tocar descobre formas de ser produtiva. Mas sente inquietação com
universo novo, diz que Ao atravessar um limite numa cidade convencional - o portão de um terreno, a porta
de uma casa -, a pessoa adquire uma identidade simbólica, social, legal, de proprietária, hóspede, visita,
turista, intrusa. Na Internet, a proximidade das pessoas se dá quando elas se plugam na mesma hora, numa
mesma informação. ... Na Internet não há palco central - tudo é igualmente acessível, ou pouco acessível.
Assim, com uma linguagem simplificada e didática a Veja Especial traz na sua apresentação
intitulada Um primeiro olhar, o primeiro indício de uma abertura do mercado das telecomunicações às
multinacionais, ou seja o discurso das privatizações agora com o apoio popular, mesmo daqueles que não
possuem computador, pois o editorial diz O marco passou meio despercebido no Brasil, pois era a época do
confinamento nacional à reserva de mercado, e o país vivia à margem do grande avanço da tecnologia, e
nenhum brasileiro quer sertir-se à margem da evolução, do progresso, mesmo que virtual.
3.5 Revista Internet World
A revista Internet World tem distribuição mensal através das bancas de jornais e por assinatura. É um
veículo segmentado e especializado dirigido aos assinantes da Internet e para consumidores com interesse
específico na área da rede. A revista publicada no mês de novembro faz alusões aos Amores Cibernéticos e
ao Romance na Internet. Na capa a linguagem verbal ancora a linguagem visual, pois a imagem do cupido
saindo da tela do computador reforça o sentido produzido pelo verbal.
A revista está dividida em quatro áreas de interesse, quais sejam: Romance na Internet, Seções de
cartas e entrevistas, Net Info, e Colunas. Estes agrupamentos de temas atendem à demanda criada pela
novela, uma vez que a revista será consumida pelos assinantes da Internet e também pelos telespectadores
da novela que a partir de agora, se interessarão pelos temas da Internet, porque precisarão estar
atualizados e conectados, mesmo que não seja à rede, mas estarão integrados no imaginário.
As matérias contêm dicas e informações de como usar a rede, quais os serviços e como utilizá-los. A
revista apresenta um leque de possibilidades de se viajar, visitar lugares, conhecer o mundo sem sair de seu
quarto, apenas acionando o botão e navegando pelo mundo maravilhoso e virtual da Internet.
4Considerações finais
As forças econômicas que estimulam os negócios da Internet, articulam com a mídia eletrônica e
impressa, com o objetivo de produzir uma gramática de produção através das cenas da telenovela, bem
como, reforçam e preparam através da mídia impressa, uma gramática de recepção para o consumidor
potencial. Fausto Neto diz
“que todo sujeito reúne as possibilidades de produzir e receber discursos, na medida em que
está em contato com o campo do código, enquanto outro, dimensão que lhe fornece as
faculdades de construir as gramáticas de produção e gramática de recepção de mensagens.
Portanto, esse trabalho de mobilização e de apropriação sobre o código não é algo restrito ao
chamado núcleo de emissão - como quer o modelo empirista da comunicação. Pelo
contrário, é inerente à possibilidade de ele se contruir como tal.” (Fausto Neto: 1995, p. 196).
É preciso, então, colocar o telespectador em contato com o campo do código da Internet para que ele
possa se interessar e se tornar um usuário. A propagação da rede está sendo feita deslocada de sua origem,
pois não estão sendo utilizadas estratégias de marketing, como publicidade e propaganda, para divulgação,
mas sim, contratos de leitura estabelecidos entre a telenovela e os telespectadores e as revistas e os
leitores. Esta interação se estabelece porque o usuário reconhece os contratos de leitura através do
discurso emitido na telenovela e nas matérias divulgadas nas revistas. As regras estão estabelecidas numa
dimensão discursiva onde o usuário no campo da recepção reconhece e interage com o código.
“As interações entre sujeitos e campos sociais se dão, pois, mediante os contratos de leitura,
a saber, conjunto de regras e de instruções construídas pelo campo da emissão para serem
seguidas pelo campo da recepção, condição com que ele se insere no sistema interativo
proposto e pelo qual ele é reconhecido e, consequentemente, se reconhece como tal. O
estabelecimento e o funcionamento dos contratos de leitura pressupõem, por outro lado, a
existência de dispositivos técnico-simbólico de cujas leis próprias resultam as modalidades
dos contratos de leitura.” (Fausto: 1995, p. 199).
Cada veículo da mídia impressa estabelece uma produção de sentido no meio social em que atua,
isto é, no segmento de mercado para o qual está dirigido o seu discurso. Verón diz que
“a idéia de que toda produção de sentido depende do social se configura como algo
problemático e essencial ao mesmo tempo. Essencial porque, ao que tudo indica, é
impossível conceber qualquer fenômeno de sentido à margem do trabalho significante de
uma cultura, seja ela qual for, e, por conseguinte, fora de uma sociedade determinada.
Problemático porque nem sempre tem sido fácil extrair daí todas as consequencias para uma
teoria do sentido.” (Verón: 1980, p. 173).
Assim, o conhecimento sobre a Internet está sendo construído, a partir da telenovela e das revistas
que reforçam o reconhecimento desta construção, partindo de regras estabelecidas e que são
reconhecimendas através das gramáticas: o que se chama de gramática não passa de um sistema de
normas sociais. (Verón: 1980, p. 36). Este sistema de normas sociais é estabelecido a partir da divulgação
da Internet na telenovela, onde o público atingido é a totalidade dos telespectadores sintonizados no horário
da novela das oito. Entretanto, as revistas divulgarão a Internet direcionadas ao seu público-alvo,
trabalhando este sistema de forma objetiva e segmentada, usando a linguagem específica de cada
estratificação social, considerando a cultura e os valores de cada classe social.
No caso específico deste trabalho os três grupos definidos pela segmentação de mercado em
marketing, quais sejam: os need driven (necessitados), os outer directed (ajustados) e os inner directed
(inovadores).
Os contratos de leitura construídos e estabelecidos para a divulgação da Internet no Brasil, utilizam
algumas estratégias de publicidade e propaganda, porém, o discurso está deslocado. O deslocamento se
dá pelo reconhecimento das normas estabelecidas não pertencerem ao discurso publicitário, mas sim ao
discurso mediático construído a partir das normas de reconhecimento do texto telenovela e matérias
jornalísticas. As normas são, pois, instruções para preencher os compartimentos que definem a estrutura da
ação. (Verón: 1980, p. 53).
O que parece ser definitivamente o ponto mais importante para identificar o deslocamento é a tarefa
da publicidade ser a de divulgar as características deste ou daquele produto e promover-lhe a venda. Esta
função objetiva permanece em princípio sua função primordial. (Baudrillard: 1978, p. 273); enquanto, que os
mass media se utilizam de um discurso feito como prática social explorando a inteligibilidade social que
constitui o fundamento do sentido da ação que floresce através da lógica imanente ao discurso constituindo
o sistema ideológico. Desta maneira essa lógica natural que habita tanto o discurso como a ação, é o próprio
trabalho da ideologia sobre as matérias significantes. (Verón: 1980, p. 61).
E, por fim, a verossimilhança que aparece em ambos os discursos, tanto no publicitário como no
mass media. Todavia, no discurso publicitário o verossímil deve ser visto como um discurso semelhante ao
real,onde a semântica do verossímil postula uma semelhança com a lei de uma dada sociedade, num dado
momento e o enquadra num presente histórico. (Kristeva: 1974, p. 129). No discurso mediático o
verossímil, sem ser verdadeiro, seria o discurso semelhante ao real.
Um real alterado, que chega a perder o primeiro grau de semelhança (discurso-real)
para se apresentar apenas no segundo (discurso-discurso), o verossímil apresenta uma
única característica constante: ele quer-dizer, é um sentido. (Kristeva: 1974, p. 128).
Aqui, pode ser lembrada a coluna da revista Contigo! onde a leitora Paula Jamous pergunta qual
programa de Internet é usado por Dara e Júlio para se comunicarem e a suposta resposta de Glória Perez foi
que o programa não existe, foi inventado pelo pessoal da casa... . Isto não poderia acontecer com um
discurso publicitário, pois seria considerada propaganda enganosa, ao passo que no discurso mediático é
perfeitamente cabível, pois a novela é um melodrama, e não precisa se preocupar com a verdade, e o leitor
compreende porque está familiarizado com esta gramática, com este contrato de leitura.
Esta estatégia utilizada pela Internet usando a telenovela para divulgação produz um sentido. O
sentido produzido pela divulgação da Internet através discurso mediático é verossímil.
O sentido verossímil finge preocupar-se com a verdade objetiva; o que o preocupa,
de fato, é sua relação com um discurso cujo “fingir-ser-uma-verdade-objetiva” é reconhecido,
admitido, institucionalizado. O verossímil não conhece; ele só conhece o sentido, que para o
verossímil, não precisa ser verdadeiro para ser autêntico. ... Ora, sendo o sentido (além da
verdade objetiva) um efeito interdiscursivo, o efeito verossímil é uma questão de relação de
discursos. (Kristeva: 1974, p. 128-9).
Assim, o deslocamento do discurso publicitário para o campo dos mass media se dá porque a
estratégia de lançamento da Internet no Brasil está sendo feito através da relação dos discursos produzidos
pela mídia impressa e eletrônica, o que é impraticável no discurso publicitário devido aos altos custos que
esta estratégia acarretaria, bem como, a complexidade na articulação dos sentidos desses discursos fora
do campo mediático.
Referências bibliográficas
FISCHER, Rosa M. Bueno. O mito na sala de jantar. Porto Alegre: Movimento, 1984.
KOTLER, Philip. Marketing - edição compacta. São Paulo: Atlas, 1980.
KRISTEVA, J. Introdução à semalálise. São Paulo: Perspectiva, 1974.
LEAL, O F. Leitura social da novela das oito. Petrópolis: Vozes, 1986.
LIMA, Luiz Costa. “Significação da Publicidade”. In Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978.
NAISBITT, John. Paradoxo Global. Rio de Janeiro. Campus, 1994.
RODRIGUES, Adriano Duarte. O campo dos medias. Lisboa: Vega, s/d.
SOUSA, Mauro Wilton de (org.). “A deflagraçãodo sentido. Estratégias de produção e de captura da recepção”. In Sujeito, o lado
oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995.
VERÓN, Eliseo. A produção do sentido. São Paulo; Cultrix, 1980.
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