o papel da mediação frente ao estudante com deficiência intelectual

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O PAPEL DA MEDIAÇÃO FRENTE AO ESTUDANTE COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Fabiana Neves Bertolin 1 - UFPR
Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O presente artigo2 apresenta pressupostos referentes ao papel da mediação frente ao estudante
com deficiência intelectual. Apresenta embasamento bibliográfico de teóricos pautados nos
princípios da teoria sócio histórica de VIGOSTKI, colaboradores como LURIA, TULESKI e
MARTINS e autores secundários, entrelaçando contribuições da Psicologia Histórico Cultural
e da Pedagogia Histórico Crítica. Busca a reflexão sobre as contribuições da mediação da
aprendizagem frente ao estudante com deficiência intelectual, o processo de internalização de
aprendizagens com enfoque na Zona de Desenvolvimento Proximal/ZPD. Traz reflexões
referentes na humanização do sujeito e no desenvolvimento da linguagem como
potencializadora de outras funções psicológicas superiores. Aborda aspectos relacionados à
educação na perspectiva da educação inclusiva e suas interfaces. Aponta o papel da mediação
como fator preponderante para o desenvolvimento do sujeito e que a aquisição da linguagem
neste processo, como função psicológica superior, é determinante para a apropriação de novas
aprendizagens. Com base no papel da mediação, no processo de internalização de
aprendizagens respaldado pelos estudos em relação à ZPD a escola deve apresentar-se como
um ambiente que acolhe, oportuniza vivências, permite experiências e cumpre seu papel de
transmitir os conteúdos historicamente construídos de forma a adequar as práticas educativas
a realidade e possibilidades deste sujeito. Cabe dizer que o conhecimento do professor,
atrelado a uma prática de pesquisa, viabiliza uma ação pedagógica segura, diretiva, planejada
e com perspectivas de resultados, considerando o processo educativo a longo, médio e curto
prazo.
Palavras-chave: Mediação. Linguagem. Educação Inclusiva.
1
Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Psicopedagogia Institucional e
Clínica e em Educação Especial com ênfase em Educação Inclusiva e Gestão Escolar. Em 2010 coordenou o
Programa de Escolarização Hospitalar e Domiciliar ofertado pela Secretaria Municipal da Educação de Curitiba/
SMEC. Atua como pedagoga na SMEC, na área de Educação Especial com enfoque na Formação de Docentes e
na Escola Municipal de Educação Especial Ali Bark. E-mail: [email protected]
2
Artigo elaborado na edição Edupesquisa 2014/2015, Projeto de incentivo a pesquisa ao professor que atua na
Secretaria Municipal da Educação de Curitiba, com parceria para sua efetivação da UFPR e do Ministério da
Educação.
ISSN 2176-1396
24469
Introdução
O respectivo artigo é resultado de pesquisa bibliográfica, pautado na teoria sócio
histórica, com a intenção de discutir as contribuições da mediação, segundo Vigotski 3 e
colaboradores, para estudantes com deficiência intelectual que frequentam as classes comuns
do ensino regular nos anos iniciais do ensino fundamental, com foco na inclusão escolar.
A pesquisa propõe um aprofundamento teórico referente ao papel da mediação frente
ao estudante com deficiência intelectual, o processo de internalização de aprendizagens com
enfoque na Zona de Desenvolvimento Proximal e as contribuições do desenvolvimento da
linguagem e da formação de conceitos no processo de escolarização do sujeito na perspectiva
da educação inclusiva. Ainda, destaca elementos que devem ser considerados no cotidiano
escolar referente às adequações possíveis e necessárias para o acesso e apropriação de novas
aprendizagens.
O papel da mediação na perspectiva sócio histórica
Para Vigotski e de acordo com a perspectiva sócio histórica a mediação tem como
características a transformação do homem e da natureza. Ocorre por meio de atividades
mediadas dentre ela destacam-se os signos e instrumentos. Vigostki (2007, p. 55) descreve a
diferenciação básica entre signo e instrumento:
A diferença mais essencial entre signo e instrumento, e a base da divergência real
entre as duas linhas, consiste nas diferentes maneiras com que eles orientam o
comportamento humano. A função do instrumento é servir como um condutor da
influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado externamente; deve
necessariamente levar a mudança nos objetos. Constitui um meio pelo qual a
atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo
por outro lado, não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui
um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é
orientado internamente.
Dessa forma entendemos que a analogia entre signo e instrumento repousa na função
mediadora que os caracteriza, ambos auxiliam o homem em seu processo de humanização e
desenvolvimento. No entanto, se diferenciam pela forma como orientam o comportamento
humano. O instrumento tem como característica a ação e transformação da natureza, do meio,
3
O nome Vigotski é encontrado nas referências utilizadas de várias formas. Optou-se por empregar neste artigo
a grafia Vigotski, mas preservou-se nas indicações bibliográficas a grafia adotada em cada uma delas.
24470
(exemplo: o machado), o signo por sua vez caracteriza-se por estruturas organizadas
internamente que permitem o sujeito conceituar, significar e ressignificar os objetos
(exemplo: processos internos que culminam na escrita).
Para Martins (2013) a mediação é a interposição que provoca transformação e
potencializa, por consequência, a nossa ação. Neste sentido destacam-se as funções psíquicas.
Inicialmente essas funções são elementares (base biológica) 4 e a partir delas, por meio de
interações com o meio, objetos e o outro, formam-se funções mentais mais complexas,
dependendo das experiências sociais do sujeito, denominadas funções psíquicas superiores, as
quais podemos destacar: sensação/percepção, atenção, memória, linguagem, pensamento,
imaginação, emoção e sentimentos e caracterizam-se pela intencionalidade das ações que são
mediadas. A integração entre ambas as funções psíquicas ocorre por meio da atividade
mediada utilizando-se de signos e instrumentos. Somente o homem é capaz de criar objetos e
sistemas de signos para facilitar e transformar situações à sua volta.
O presente artigo abordará o desenvolvimento da linguagem por ser considerada um
instrumento do pensamento, e, uma importante função psicológica superior. Ela é composta
de signos onde a palavra, por exemplo, carro, nos remete ao objeto concreto carro, em
contrapartida, pensa-se em características básicas de um carro: quatro rodas, volante,
combustível e assentos, que não deixa de ser uma representação mental, mas a imaginação
poderá ir além, a ponto de pensarmos no carro dos sonhos, no carro mais econômico, no carro
esteticamente mais bonito, em carros antigos e assim por diante. Essa condição
intrinsicamente humana, elaborada, é um aspecto evolutivo importante, pois somos capazes
de ir e vir, por meio da nossa memória, em diferentes tempos e espaços. Isso ocorre pelo fato
do sujeito desenvolver e aprender a fala a partir das suas relações com o outro e desenvolver a
capacidade de abstração.
Segundo Vigotski (2014) as crianças mentalmente atrasadas têm por consequência
pouca capacidade de pensamento abstrato. Ainda pontua afirmando que os professores de
escolas especiais precisam investir em seus estudos trabalhando com suportes de meios
visuais (o modo mais usual), mas também proporcionar meios que desenvolva o pensamento
abstrato para que a incapacidade demonstrada não cristalize, à escola cabe “desenvolver o que
4
Nesse sentido, é lícito dizer que as funções psicológicas elementares são de origem biológica; estão presentes
nas crianças e nos animais; caracterizam-se pelas ações involuntárias (ou reflexas); pelas reações imediatas (ou
automáticas) e sofrem controle do ambiente externo. (LUCCI, 2006, p. 07).
24471
lhe falta” o autor ressalta ainda que “o único bom ensino é o que se adianta ao
desenvolvimento”. Para ele a aprendizagem antecede o desenvolvimento.
De acordo com as afirmações do parágrafo acima o professor tem como possibilidades
a utilização de instrumentos como estímulos auxiliares para a aquisição de aprendizagens para
este público alvo. Esses estímulos, de acordo com Vigotski (2014), privilegiam as habilidades
que os sujeitos apresentam, onde a partir delas, o professor propõe atividades que
potencielizem o desenvolvimento de capacidades focando seu trabalho mais em suas
possibilidades, conforme destaca abaixo:
Diferentemente de muitos pesquisadores anteriores que estudavam a criança
deficiente, Vigostkii, concentrou sua atenção nas habilidades que tais crianças
possuíam habilidades estas que poderiam formar a base para o desenvolvimento de
suas capacidades integrais. Interessava-se mais por suas forças do que por suas
deficiências. Consistente com seu modo global de estudo, rejeitava as descrições
simplesmente quantitativas de tais crianças, em termos de traços psicológicos
unidimensionais refletidos nos resultados dos testes. Em vez disso, preferia confiar
nas descrições qualitativas da organização especial de seus comportamentos.
(VIGOTSKY, 2014, p. 34).
Para Vigotski a deficiência não deve ser concebida como um aspecto puramente
orgânico é necessário que as crianças com deficiência sejam percebidas e trabalhadas de
acordo com as suas habilidades e capacidades.
O desenvolvimento do sujeito está associado às aprendizagens que estabelece através
de interações multiformes com o meio em que vive e convive e sua maturação biológica. O
comportamento que apresenta e a qualidade destas interações certamente influenciará seu
potencial de aprendizagem e desenvolvimento.
Mediação e o processo de internalização de aprendizagens com enfoque na Zona de
Desenvolvimento Proximal
A apropriação dos conhecimentos dá-se por intermédio das produções culturais
estabelecidas no contexto social. Somente o homem é capaz de criar objetos e sistemas de
signos para facilitar e transformar situações à sua volta. Os animais e suas comunidades
específicas trabalham, se organizam e transmitem sinais que expressam informações, no
entanto, o único ser capaz de sentir, registrar, interpretar e classificar os fatos da natureza é o
homem por meio de pistas, marcas e indícios. Isto requer uma atividade mental complexa.
Dessa forma entende-se que além da leitura de sinais (os signos), o indivíduo é capaz também
de construir diferentes formas de agir sobre os mesmos, desenvolvendo-se psiquicamente. De
24472
acordo com Vygotsky apud Tuleski & Eidt (2007) entende-se por signos a linguagem,
sistemas de contagem, técnicas mnemônicas, sistemas simbólicos algébricos, os esquemas,
diagramas, desenhos e todo tipo de signos convencionais. Os signos mediatizam o
pensamento, sua produção e reprodução na sociedade.
Vygotsky (2007) mostra que a passagem da atividade prática para a atividade humana
ocorre quando esta é mediada externamente por instrumentos ou pelos signos, estes regulam
ações sobre os objetos e orientam ações sobre a mente sendo eles mediadores da consciência,
organizando a atividade instrumental para que seja pensada e planejada. Além disso, a partir
das relações interpessoais e experiência com o objeto, o sujeito é capaz de formular conceitos.
Nesta perspectiva pode-se considerar a linguagem como um dos signos mais importantes que
impulsionam o desenvolvimento psicológico e organização do pensamento culminando, por
vezes, na formação de conceitos.
A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as
funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser
reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à inferência ou às
tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso
do signo, ou palavra, como o meio pelo qual conduzimos as nossas operações
mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do
problema que enfrentamos. (VIGOTSKI, 2008, p. 72-73).
Neste sentido Vigotski pontua a relevância e complexa atividade humana exercida
pelo sujeito ao formular conceitos, pois essa atividade exige memória, atenção, vocabulário,
experiência prévia e noções de funcionalidade.
Diante destes relatos, uma pergunta sobressai: e a criança com deficiência intelectual é
capaz de se desenvolver por meio de interações e do uso da linguagem?
O documentário Borboletas de Zagorsk (BBC, 1992), clarifica essa indagação, ao
retratar uma escola na Rússia que acredita nas habilidades do sujeito. Mesmo crianças com
severos comprometimentos sensoriais (surdas e cegas) e com deficiência intelectual tem a
oportunidade de interagir, aprender e desenvolver a linguagem; resgatando-as do isolamento.
A aprendizagem ocorre a partir da comunicação corporal, comunicação oral, linguagem
manual (se faz por treinamento onde por meio da imitação dos gestos dos adultos a criança
aprende movimentos necessários a comunicação), linguagem de sinais, vibração da caixa de
voz, estimulação, etc. Os encaminhamentos são utilizados de acordo com a especificidade de
cada sujeito com o objetivo de preparar o sujeito para se comunicar com o objeto e
socialmente.
24473
O documentário citado reforça a importância da mediação e o fato que todos os
sujeitos independentemente de idade ou condição física e intelectual são capazes de apropriarse de saberes.
Vigotski (2007) destaca que partindo do pressuposto que o aprendizado das crianças
inicia muito antes da sua vida escolar, aprendizagem e desenvolvimento estão
interrelacionados. De acordo com o autor, não podemos fica fissurados em determinar e
considerar etapas do desenvolvimento para que as aprendizagens aconteçam se o que é
relevante é descobrir “as relações reais entre o processo de desenvolvimento e a capacidade
de aprendizado” (Vigotski, 2007, p. 95). Para o autor, conforme a citação abaixo, o que a
criança sabe é relevante sim, mas considera como fator determinante o papel da mediação,
com foco na apropriação de novas aprendizagens:
Por mais de uma década, mesmo os pensadores mais sagazes nunca questionaram
este fato; nunca consideraram a noção de que o que a criança consegue fazer com a
ajuda dos outros poderia ser, de alguma maneira, muito mais indicativo de seu
desenvolvimento mental do que o que consegue fazer sozinha. (VIGOTSKI, 2007,
p. 97).
Vigotski (2007) coloca aquele que aprende e aquele que ensina em uma relação
interligada, comprovando a eficácia da teoria da mediação. Descreve a Zona de
Desenvolvimento Proximal como sendo a diferença entre o que a criança consegue realizar
sozinha e aquilo que supera mediante a ajuda de um sujeito mais experiente e destaca o Nível
de Desenvolvimento Real como conhecimento apreendido pelo sujeito, entendidos também
como “ciclos de desenvolvimento já completados” cuja resolução dos problemas ocorre de
forma independente.
A Zona de Desenvolvimento Proximal, segundo Vigostski (2007) pode tornar-se um
conceito fundamental para diagnóstico do potencial de aprendizagem de um sujeito, tornandoo mais fidedigno. Neste sentido o papel da imitação deve ser reavaliado, caindo por terra a
concepção puramente mecânica da imitação, pois se sabe, por meio de estudos que, aquilo que
a criança consegue imitar está em seu nível de desenvolvimento, neste sentido a capacidade
de interpelações e socialização, intrinsicamente humana, potencializa este processo.
Correlacionando este tema aos sujeitos com deficiência intelectual, Vigostski procura
evidenciar a valorização das capacidades dos sujeitos do que a deficiência propriamente dita.
Neste caso, o potencial de aprendizagem pode ser mediado por meio da imitação, exercitando
no indivíduo estruturas cognitivas que lhe permitirão, há seu tempo, oportunizar a abstração
dos conhecimentos historicamente construídos. Para o autor é fundamental que a escola
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promova ações que garantam o desenvolvimento de aspectos faltantes em seu
desenvolvimento.
Estudos estabeleceram que as crianças retardadas mentais não são muito capazes de
ter pensamento abstrato. Com base nestes estudos, a pedagogia da escola especial
tirou a conclusão, aparentemente correta, de que todo o ensino destas crianças
deveria basear-se no uso de métodos concretos do tipo “observar e fazer”. E, apesar
disso, uma quantidade considerável de experiências com esse método resultou em
profunda desilusão. Demonstrou-se que o sistema de ensino baseado somente no
concreto – um sistema que elimina do ensino tudo aquilo que está associado ao
pensamento abstrato – falha em ajudar as crianças retardadas a superar suas
deficiências inatas, além de reforçar essas deficiências, acostumando as crianças
exclusivamente ao pensamento concreto e suprindo, assim, os rudimentos de
qualquer pensamento abstrato que essas crianças ainda possam ter. (VIGOTSKI,
2007, p. 101).
Diante deste contexto a formação de conceitos e a mediação tem papel relevante para
o desenvolvimento da linguagem do sujeito com ou sem deficiência tema a ser destacado nas
próximas linhas.
A linguagem como potencializadora do desenvolvimento de outras funções psicológicas
superiores.
Vigostski (2007) enfatiza a importância da fala. Para ele, a criança, ao falar, não
descreve apenas o que está fazendo. Na realidade sua fala e ação estão conectadas e fazem
parte da mesma função psicológica complexa, dirigida para a resolução de uma situação
problema e de sua relação com o outro. Ainda segundo o autor, quando a fala não é permitida
à criança, ela, por vezes, não conseguirá resolver a situação.
A linguagem consequentemente requer a ativação e desenvolvimento de várias
funções psicológicas como a percepção, as operações sensório motoras, a memória e atenção,
cada uma das quais é parte de um processo dinâmico de comportamento Vigotski (2007).
Além disso, a fala requer processamento sequencial, por se tornar essencialmente analítica:
mostrando à criança que o mundo pode ser observado com cor, forma, com sentido e com
significado.
A linguagem está vinculada ao sistema de signos reversíveis, organizado; segundo sua
multifuncionalidade, comunicação e generalização. Isso faz da linguagem um mediador
funcional.
O caráter generalizante do significado das palavras permite que duas funções
principais da linguagem se articulem ao pensamento: a comunicativa e a representativa. A
24475
evolução progressiva dos vários níveis de desenvolvimento da interação social está
relacionada com dois usos diferentes dos signos linguísticos: mostrar o objeto e experimentálo (função indexical) e representá-lo por meio dos signos evidenciando a ausência do objeto
(função simbólica), dados compreendidos em Vigotski (2014).
Conforme os estudos de Luria (1986, p.202):
Graças à linguagem, o sujeito pode penetrar na profundidade das coisas, sair dos
limites da impressão imediata, organizar seu pensamento dirigido a uma finalidade,
descobrir os enlaces e as relações complexas que são inatingíveis para a percepção
imediata, transmitir a informação a outro homem, o que constitui um poderoso
estímulo para o desenvolvimento mental, pela transmissão acumulada ao longo de
muitas gerações.
Andrade (2013, p. 09) ressalta em seus estudos que:
Assim, percebe-se que as capacidades e as funções psicológicas superiores não estão
dadas a priori e não são constituídas por meio de um aparato biológico, todavia, são
funções construídas e desenvolvidas por meio da atividade educativa, pelo processo
de aprendizagem. Tal processo não depende apenas do aluno, mas principalmente do
professor que organiza a atividade. Portanto, o ensino deve ir em direção ao
desenvolvimento potencial, pois se o ensino orienta-se apenas até a etapa do
desenvolvimento já alcançado então não orienta o processo de desenvolvimento,
mas vai atrás dele.
Neste sentido a escola tem como papel o acesso aos conteúdos historicamente
sistematizados e também a análise sobre a forma que este conteúdo é transmitido (condição
para a construção do universo simbólico). A utilização de estratégias de ensino adequadas é
condição necessária à formação do pensamento abstrato, cujo enfoque, no caso da linguagem,
perpassa na apropriação da palavra enquanto unidade fonética (relação grafema/fonema), a
construção do conceito, a contextualização da palavra e por vezes, sua ressignificação. Esse
processo, não ocorre espontaneamente, mas torna-se viável por intermédio da apropriação de
saberes construídos e sistematizados historicamente dentro do campo científico. Ressalta-se
aqui a importância da atuação do professor neste processo em proporcionar ações educativas
que culminem em desenvolvimento e novas aprendizagens no campo da simbolização e
pensamento abstrato.
A seguir algumas reflexões sobre o processo de escolarização dos estudantes com
deficiência intelectual na perspectiva da educação inclusiva.
A educação na perspectiva da educação inclusiva e suas interfaces
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Segundo contribuições de pesquisa no campo da Psicologia Histórico-Cultural sobre
distúrbios de aprendizagem Tuleski & Edit (2007, p. 532) ressaltam que:
A educação escolar tem um importante papel nesse processo de transformação das
funções psicológicas elementares em superiores, por meio do ensino dos
conhecimentos científicos. Leontiev (1978) expressa a importância da aquisição da
leitura, escrita, cálculo e dos fundamentos das ciências pela criança, na medida em
que tais processos permitem a apropriação de uma vasta experiência humano-social.
Assim entendemos que ao professor cabe a função de mediação entre o
conhecimento já existente e os alunos, sendo que os conteúdos trabalhados por ele
no processo educativo criam, individualmente, nos aprendizes, novas estruturas
mentais, decorrentes dos avanços qualitativos no desenvolvimento de cada criança.
Ao se referir em um ensino de qualidade para todos os estudantes o documento da
SEESP/MEC, (BRASIL, 2010) afirma que “o desafio de fazê-lo acontecer nas salas de aulas é
uma tarefa a ser assumida por todos os que compõem um sistema educacional”.
Essa proposta de trabalho escolar na perspectiva inclusiva requer reflexão e adequação
do currículo escolar, adaptando-o as necessidades reais dos estudantes que apresentam
deficiência intelectual.
O currículo adaptado é um instrumento de trabalho, que requer do professor “ensinar o
estudante como ele consegue aprender”. Ou seja, exige do professor flexibilidade em relação
ao plano geral para a turma, tendo em vista a participação produtiva e qualitativa do
estudante, no caso, com deficiência intelectual.
Nestes aspectos mencionados estão imbricados: a) a organização do espaço e dos
aspectos físicos da sala de aula; b) a identificação, seleção, adaptação e utilização de
equipamentos e mobiliários de forma a favorecer a aprendizagem dos estudantes; c) o
planejamento de estratégias de ensino adotado; d) considerar formas e tempo diferenciado de
aprender; e) adequar os conteúdos escolares as reais necessidades e condição do estudante
priorizando conteúdos significativos; f) repensar a sequência de conteúdos articulando-a a
sequência didática coerente, g) partir do que os estudantes já sabem sobre o assunto
ampliando seu repertório; h) refletir com o estudante sobre habilidades necessárias de serem
desenvolvidas que favorecem a aquisição de novas aprendizagens; e i) repensar os
instrumentos utilizados para avaliar adaptando-os aos diferentes estilos de aprendizagem
privilegiando as capacidades de expressão do estudante.
Neste processo é primordial que o docente compreenda a situação e o
desenvolvimento do estudante, evidencie por meio de pesquisas possibilidades de trabalho
com o mesmo, escolha alternativas de trabalho e aplique-as, observe a devolutiva que o
estudante lhe dá frente às situações de aprendizagem e reavalie o trabalho constantemente de
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forma a redirecioná-lo quando necessário e prosseguir com práticas assertivas focando em
resultados qualitativos.
A Escola Inclusiva é aquela que trabalha com a diferença e consequentemente tem
espaço para a oportunidade de conhecer, pertencer, fazer, experimentar, criar, refletir e
modificar. Cavalcante (2013) em sua contribuição ressalta que não basta uma inclusão velada
que acolha e integre o estudante na dinâmica escolar, mas para além disso, com foco em uma
sociedade inclusiva, deve viabilizar ao estudante com deficiência ampliação de mundo e
acesso aos conhecimentos historicamente construídos, afim de instrumentalizá-los, revertendo
assim sua condição de subalternidade.
Ainda, valendo-se do enfoque de que o homem se constrói nas relações sociais que
estabelece para Vigostski apud Coelho& Barroco & Sierra (2011, p. 09), “o desenvolvimento
cultural é a esfera mais importante de onde é possível compensar a insuficiência. Ali onde o
desenvolvimento orgânico resulta impossível, existem infinitas possibilidades para o
desenvolvimento cultural”. De acordo com o autor é necessário retirar a pessoa com
deficiência de um mundo pequeno, incutido pelo próprio sistema capitalista, e visão restrita,
focando as ações educativas em suas capacidades, permitindo-lhe viver e conviver
socialmente rompendo com barreiras atitudinais e estruturais; ou seja, dando acesso ao
conhecimento e permitindo as interações sociais em todos os âmbitos.
A ideia de Sociedade Inclusiva nasceu da união de forças de pessoas, no mundo todo
em relação: à educação, à saúde, ao trabalho, ao esporte e ao lazer – ideia expressa na
Constituição Brasileira de 1988. Transferir esses direitos, do papel para a vida diária dessas
pessoas, é pensar em formas estruturais e formas atitudinais que facilitem o ir e vir de todos.
Tudo isso deve ocorrer ao mesmo tempo em que se desenvolvem ações para se prevenir as
deficiências.
Segundo o documento da SEESP/MEC intitulado: ”A Educação Especial na
Perspectiva da Educação Especial: a escola comum inclusiva", (BRASIL, 2010, p.12):
Um ensino para todos os alunos há que se distinguir pela sua qualidade. O desafio de
fazê-lo acontecer nas salas de aulas é uma tarefa a ser assumida por todos os que
compõem um sistema educacional. Um ensino de qualidade provém de iniciativas
que envolvem professores, gestores, especialistas, pais e alunos e outros
profissionais que compõem uma rede educacional em torno de uma proposta que é
comum a todas as escolas e que, ao mesmo tempo, é construída por cada uma delas,
segundo as suas peculiaridades.
Ou seja, a inclusão não é resolvida como fato isolado, mas perpassa por discussões
profundas no interior das escolas, inclusive na tarefa de construção do projeto político
24478
pedagógico como prevê a LDB no. 9394/1996, artigo 12, que atribui à gestão escolar a função
de elaborar e executar sua proposta pedagógica. O Projeto Político Pedagógico deve ser
concebido como registro de significados e tem por consequência um caráter coletivo e
pressupõe rompimento de paradigmas e modificação de comportamentos/atitudes. Segundo
Barroco & Souza (2012, p. 126) “a escola só pode se tornar inclusiva quando desenvolve o
que é propriamente humano nos alunos”.
Considerações Finais
A mediação tem papel preponderante no desenvolvimento do sujeito. Por meio de
signos e instrumentos, construídos historicamente, partindo de sua necessidade existencial o
homem se humaniza, se desenvolve e aprende independente de sua condição biológica.
O desenvolvimento da linguagem para estudantes com e sem deficiência é
determinante para a apropriação de novas aprendizagens, pois é por meio da fala que o
sujeito nomeia e conceitua objetos, organiza seu pensamento, bem como, desenvolve outras
funções
psicológicas
superiores,
intrinsicamente
humanas,
como
diferentes
percepções/sensações, a atenção, a memória, a imaginação, emoção, sentimentos e o
pensamento abstrato.
Vigotski (2007) apresenta dos níveis para se observar no processo de aprendizagem e
desenvolvimento do sujeito: o nível real de desenvolvimento, basicamente caracterizado por
ações que a criança consegue resolver com autonomia e a zona de desenvolvimento
proximal/ZDP, caracterizada por aquilo que a criança consegue realizar com auxílio do
professor ou um sujeito mais experiente. Vigotski destaca a ZDP como instrumento
imprescindível para compreender as capacidades do sujeito, impulsionando à aprendizagens
efetivas e significativas.
Considerando, o papel da mediação, o processo de internalização de aprendizagens
com enfoque no desenvolvimento da ZDP, o desenvolvimento da linguagem como
potencializadora de outras funções psicológicas superiores, no contexto da educaçã inclusiva,
e entendendo que o sujeito se faz, sobretudo através das relações que estabelece com o meio,
a escola deve apresentar-se como um ambiente que acolhe, oportuniza vivências, permite
experiências e cumpre seu papel de transmitir os conteúdos historicamente construídos de
forma a adequar as práticas educativas a realidade e possibilidades deste sujeito.
Ou seja, à escola, cabe o desafio de romper com paradigmas do estudante ideal, e se
propor ao trabalho pedagógico efetivo com vistas no estudante real, considerando não as suas
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fragilidades, mas potencializando o processo de ensino aprendizagem por meio das
capacidades demonstradas por cada estudante, com ou sem deficiência.
O conhecimento do professor, atrelado a uma prática de pesquisa, possibilita uma
ação pedagógica segura, diretiva, planejada e com perspectivas de resultados, considerando o
processo educativo a longo, médio e curto prazo.
Muitos desafios colocam-se à frente dos docentes em formação e dos formados e
experientes; entretanto, para a superação dos desafios talvez seja necessário olhar por um
ângulo diferente do até então experimentado no interior das escolas, onde não haja
nivelamento dos estudantes, e sim que todos sejam entendidos e mediados conforme as suas
capacidades e reais necessidades educacionais.
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