1 Direitos Fundamentais - Direitos Constitucionais Luiz A. A. Pierre Advogado e professor da Faculdade São Luís Direitos Fundamentais Direitos fundamentais são aqueles indispensáveis para que a pessoa possa gozar de uma vida digna e possuem característica de inalienabilidade, ou seja, não podem ser tirados do homem. O direito à vida, à dignidade, à família, ao trabalho com salário justo; o direito à liberdade, de expressão, enfim o direito de viver sendo respeitado. Sua origem está na criação divina do homem e no Direito Natural, sendo eles inerentes à pessoa humana; são os direitos que o homem sente que possui, não sendo por ele criados. São os direitos que as pessoas têm na sua própria consciência e, intrínsecos, nascem com ele. Como define Hoffner : “o homem tem direitos naturais, porque Deus o criou como pessoa; por exemplo, o direito à vida, à inviolabilidade do corpo, à liberdade e à segurança pessoal...Como parte da lei moral natural, o direito natural tem sua raiz última na “lei eterna” do Criador, razão por que obriga em consciência.” 1 Na concepção de Pirillo2 o Direito Natural “...existiu a partir do momento em que apareceu o homem. A manifestação jurídica é uma conseqüência da convivência humana.” 3 Esta definição pode trazer algumas respostas para os que não compartilham da origem aqui proposta para o Direito Natural, considerando que este direito nasce com o homem, porém é na convivência que ele se faz sempre mais consciente. Hoje há um, pelo menos teoricamente, um consenso universal sobre a sua validade, entendendo-se que “pertencem a todos os tempos, não são elaborados pelos homens e emanam de uma vontade superior porque pertencem à própria natureza...” 4 A sociedade sempre lutou para conseguir ou manter esses direitos, desde os tempos mais remotos, muitas vezes ficaria sem parâmetro de justiça sem o Direito Natural. Um exemplo recente ocorreu, no julgamento de Nüremberg, quando na legislação vigente na Alemanha nazista não havia justificativa para a condenação dos réus e esta só aconteceu “num apelo a um supremo direito que transcende as ordenações positivas”.5 Desta primeira fonte do direito, surgiu o ordenamento jurídico. Já no Antigo Testamento temos inúmeras citações que são dedicadas às normas de convivência do povo judeu. Os aspectos “trabalhistas” tem o seu código no Deuteronômio: 1 HOFFNER, Joseph; Doutrina Social Cristã, Edições Loyola, 1993, pag. 35. Augusto Pirillo é catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, sendo citado pelo eminente jurista do Direito do Trabalho, o prof. Amauri M. Nascimento, titular da Faculdade de Direito da USP. 3 NASCIMENTO, Amauri Mascaro; Instituições de Direito Público e Privado, Editora atlas, 1986, p.30. 4 Idem, p.30. 5 AVILA, Fernando Bastos; Pequena Enciclopédia da Doutrina Social da Igreja, Ed. Loyola, 1991. 2 2 “ Não explorarás o assalariado pobre e necessitado, quer seja ele um de seus irmãos, quer seja um estrangeiro que mora em uma das cidades de tua terra. Darlhe-ás o seu salário no mesmo dia, antes do pôr do sol, porque ele é pobre e espera impacientemente a sua paga.” 6 Temos ainda toda a experiência do Humanismo da Grécia, o exercício da democracia à organização das Polis e, em especial no Ocidente, a influência da Civilização Cristã. Jesus trouxe um novo modo de relacionamento entre os homens que, na sua peculiaridade de “dar a vida pelos seus irmãos”, era até então desconhecido. Com a parábola do Bom Samaritano7, pode se dizer que ficou explicitado o conceito e realidade de solidariedade como se concebe hoje. Para a Papa João Paulo II: “A solidariedade é idubitavelmente uma virtude cristã.” 8 “A solidariedade ajuda-nos a ver o outro – pessoa, povo ou nação – não como um instrumento qualquer, de que se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalho e a resistência física, para abandonar quando já não serve: mas, sim, como um nosso semelhante, um auxílio, que se há de tornar participante, como nós, no banquete da vida, para o qual todos os homens são igualmente convidados por Deus. Daqui a importância de despertar a consciência religiosa dos homens e dos povos”. 9 São Paulo, o apóstolo, enfatizava a igualdade entre os homens pregada por Jesus e esta proposta tem nos Doutores da Igreja, de língua grega ou latina, grandes defensores. Ambrósio não deixa dúvidas a quando diz: “ Não dás do que é teu aos pobres quando o ajudas, porque é um bem comum dado a todos que tu usurpas para ti. A terra pertence a todos.” 10 Santo Agostinho propõem a sociedade justa e fraterna em sua obra “Cidade de Deus”, ideal que no século XVI é retomado por Tomas Morus em “Utopia”. O pensamento social cristão de Tomás de Aquino, no século XIII, desenvolveu o conceito de justiça. Com a justiça comutativa, prevista no Direito Positivo, o homem pode ver respeitados seus direitos. Com a justiça distributiva, que deriva do Direito Natural, os bens devem ser distribuídos, não na medida do mercado, mas da necessidade das pessoas; onde todos e não apenas alguns, têm direito à vida e, à vida digna. Os Direitos Fundamentais ou Direitos Humanos de ordem social foram contemplados no Pensamento Social Cristão desde a “Rerum Novarum” de 1891 e especialmente nas mensagens radiofônicas de Pio XII e na “Pacem in Terris” de João XXIII. Na concepção teológica dos Direitos Humanos é digna de registro a contribuição do jesuíta Pierre Teilhard de Chardin com sua visão de síntese das ciências positivas e 6 Dt 24,14. Lc 9,29. 8 Idem, 40. 9 Carta Encíclica Sollicitudo Rei Socialis, 39. 10 In Direitos Humanos, Edições Paulinas, 1978, p 70 7 3 normativas, retomando Tomás de Aquino. Sobre o tema dos direitos e dos deveres, nos lembra Romano Rezek, que Teilhard examina as idéias centrais da Revolução Francesa, para fazer passá-las, do abstrato ao concreto, do jurídico ao orgânico, do estático ao dinâmico. Assim se expressa Teilhard: “Liberdade, igualdade, fraternidade, não mais indeterminadas, amorfas e inertes – mas dirigidas, orientadas, dinamizadas pelo aparecimento de um movimento de fundo que subentende e os suporta”. 11 Finalmente, em 1948 temos a promulgação na Organização das Nações Unidas (ONU), da Declaração Universal dos Direitos do Homem, como se verá adiante. Direitos Constitucionais Os Direitos Constitucionais são aqueles, na maioria das vezes, oriundos do Direito Natural e transportados ao Direito Positivo através das Constituições. Constituição é a lei maior de um país; na hierarquia legal, é aquela à qual se submetem todas as demais leis. Enquanto as leis, como as atuais, existiram formalmente desde as primeiras organizações sociais e em especial com o Império Romano, as Constituições são do século XVIII, com exceção da Inglesa. Este Direito positivo, muitas vezes imposto de cima para baixo, pelos mais ricos e mais fortes do convívio social, nem sempre traduz de fato a justiça. Há uma influência da ideologia de quem está no poder, isto é fático, histórico e as ideologias são visões da vida humana em relação ao ordenamento social e segundo João XXIII: “consideram apenas alguns aspectos do homem...e não tomam em conta as imperfeições humanas inevitáveis, como a doença e o sofrimento, que não podem eliminar nem sequer os sistemas econômicos e sociais mais avançados”. 12 Sendo a ideologia uma visão de acordo com a formação e outros condicionamentos da pessoa, é ingênuo pensar numa possível neutralidade. Quem decide, quem legisla quem julga, sempre age com a sua personalidade forjada no ambiente de sua família, de seu grupo de convívio, enfim, de ambiente cultural. A legalidade, o direito positivo, não obstante ter grande importância porque define todos os direitos e deveres das pessoas na sociedade, tem seus limites pois uma lei pode ser justa ou injusta, na medida em que ou promove o bem comum ou o compromete. Contudo, antes da legalidade vem a justiça, porque todos os atos do homem têm um aspecto social e, portanto, estão submetidos à justiça. A justiça está ligada ao Direito Natural e a legalidade ao Direito positivo. Direitos Humanos e Constituição Citação de L’essense de l’idée de démocratie, in Direitos Humanos, Edições Paulinas, 1978, pp 88/89. 12 12 João XXIII; Mater et Magistra, 1961, 210. 11 4 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU). Nela estão enumerados vários direitos fundamentais da pessoa humana e, pesa sobre esta Declaração a responsabilidade de ser respeitada e aplicada nos países membros, estando o Brasil dentre os países signatários. A crítica mais comum feita a este documento diz respeito à influência do pensamento liberal na sua elaboração, tendo havido preocupação na definição dos direitos, ser a correspondente preocupação de serem definidas as responsabilidades, sem as quais não se consegue fazer com que os direitos alcancem seu objetivo universal. Temos ainda que, pelo que já foi exposto, não pode-se falar que seja a Declaração um documento consensual, não foi a Assembléia que definiu estes direitos, eles são anteriores e, existem desde de que “apareceu o homem”. A base destes direitos, com as correspondentes responsabilidades, foi contemplada de maneira completa, em 1963 na encíclica Pacem in Terris do papa João XXIII. Anteriormente, em 1942 numa mensagem do papa Pio XII, transmitida por rádio para todo o mundo e que já ressaltava, dentre outros: a) os direitos fundamentais da pessoa humana, bem como os deveres, para responsabilizar a todos na realização do bem comum; b) o direito à busca da verdade; da educação; da preservação da cultura; da liberdade de culto; c) a primazia do trabalho sobre o capital e sobre a propriedade; o direito ao trabalho como meio indispensável de manutenção da família; d) o direito à liberdade dentro do limite da moral e do bem comum; e) o direito à propriedade consciente das limitações sociais. Historicamente, podemos considerar a Declaração dos Direitos do Homem, votada pela Assembléia Constituinte Francesa em 1789, como o ponto de partida desta maior conscientização dos direitos humanos. O mesmo marco deu origem às Constituições do mundo inteiro, sendo que no Brasil a primeira Lei Maior foi a de 1824, seguidas das editadas em 1891, 1934, 1937,1946,1967. A Constituição Federal do Brasil de 1988 foi promulgada como a 7ª Carta Magna brasileira e com a tarefa de ser a Lei que pudesse encaminhar o país na busca de sua redemocratização. Para o prof. Sayão13, “a Constituição de 1988 reflete as dúvidas, as incertezas, a insegurança, o conflito de opiniões, a ebulição social que marcam a sociedade brasileira na atualidade.” 14 Positivamente, na Carta de 1988, a grande inovação foi a introdução do capítulo dos “Direitos Sociais” no título dedicado aos “Direitos e garantias fundamentais”. 13 Arion Sayão Romita, professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 14 ROMITA, Arion Sayão; Os direitos Sociais na Constituição e outros estudos, Editora LTr, 1991, pg.12. 5 Existe o consenso teórico sobre os direitos fundamentais e a Constituição garante os direitos à uma vida digna ao cidadão e sua família. Contudo, todos somos testemunhas de que a justiça social não se realiza, pelo menos, para mais da metade da humanidade. Remetemos à leitura dos 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e, em especial do artigo 5º da Constituição Federal do Brasil que trata “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”; dos artigos 6º ao 11º que enfocam “Dos Direitos Sociais” e ainda dos artigos 194 ao 230 sobre Saúde, Previdência Social, Assistência Social, Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia, Comunicação Social, Meio Ambiente, Família, Criança e Adolesceste. Contudo, estes princípios e estas leis precisam de um “movimento que os suporte”, de um envolvimento pessoal com a realidade, para transformar o “abstrato em concreto, o jurídico em orgânico, o estático em dinâmico”. Apêndice Declaração Universal dos Direitos Humanos e Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF) Síntese dos 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, com a indicação nos parênteses do artigo correspondente na Constituição Federal: Art. I: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos; dotados de razão e consciência, devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. (CF Art. 5º) Art. II: da capacidade para gozar de direitos sem distinção de qualquer espécie. (CF art. 1º, III) Art. III: “Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.” (CF art. 5º) Art. IV: proibida a escravidão ou servidão. (CF art. 5º, II) Art. V: proíbe a tortura e tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. (CF art. 5º, III) Art. VI: “Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa humana, perante a lei.” (CF art. 1º,III) Art. VII: “Todos são iguais perante a lei e têm direito sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.” (CF art. 5º) Art. VIII: vem tratado o problema do direito à assistência judiciária. (CF art. 5º, XXXV e seguintes) Art. IX: “Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.” (CF art. 5º,XXXIX) Art. XII: garante a inviolabilidade da vida privada. (CF art. 5º, X, XI e XII) Art. XIII: direito à liberdade de locomoção. (CF art. 5º, XV) Art. XIV: direito de asilo político. (CF art. 4º, X) Art. XV: direito à nacionalidade. (CF art. 12º) Art. XVI: direito, sem discriminação, ao matrimônio livre e à constituição de família, considerada esta o núcleo natural e fundamental da sociedade. (CF art. 226/230) Art. XVII: direito à propriedade. (CF art. 5º, XXII, XXIII, XIV, XXV, XXVI) Art. XVIII: liberdade de pensamento, consciência e religião. (CF art. 5º, IV, VI) Art. XIX: liberdade de opinião e expressão. (CF art. 5º, IX) Art. XX: liberdade de reunião e associação. (CF art. 5º, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXI) Art. XXI: acesso às funções públicas. (CF art. 37) Art. XXII: segurança social e à realização dos direitos econômicos, sociais e culturais, pelo esforço nacional e cooperação internacional. (CF artigos 5º, 7º e 170) 6 Art. XXIII: direito ao trabalho, com livre escolha, em condições justas e proteção contra o desemprego. Remuneração justa e que permita dignidade para a família. Direito a organizar sindicatos. (CF artigos 7/11) Art. XXIV: direito ao repouso e lazer. (CF art. 7º, XVII) Art. XXV: padrão de vida para toda a família com saúde e bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, previdência e cuidados especiais à criança. (CF art. 7º, XXII a XXIV) Art. XXVI: direito à instrução, sendo gratuita no curso fundamental e baseada no mérito para a superior. Instrução orientada no sentido do pleno desenvolvimento humano. (CF art. 23, V e 205 a 216) Art. XXVII: direito de participar livremente da vida cultural, das artes e do progresso científico. Proteção dos interesses morais e materiais decorrentes da autoria. (CF art. 5º, XXVIII) Art. XXVIII: direito a ordem social e internacional com realização dos preceitos da declaração. Art. XXIX: deveres para com a comunidade e exercício dos direitos e da liberdade, observados os limites da lei. Art. XXX: observância da declaração sem interpretações discriminatórias.