filho de peixe Valéria Braile: paixão pela medicina vem da infância A ligação da família Braile com a medicina já tem quase um século, e começou na Itália, onde se formou o avô de Valéria, Lino Braile, que migrou para o Brasil em 1930, estabelecendo-se em uma vilazinha perto de São José do Rio Preto, como cirurgião parteiro. “Até hoje me dá um arrepio na alma quando vou atender um paciente e ele conta que foi meu avô que o pôs no mundo. São pessoas de idade avançada, 80, 90 anos, e isso aumenta a minha emoção”. O exemplo de Lino levou os dois filhos a optarem pela medicina, Lino Ítalo, já falecido, e Domingo, pai de Valéria. Pioneiro e criativo, foi ele quem criou o primeiro serviço de cirurgia cardíaca do interior do Brasil. Valéria, entre Euryclides de Jesus Zerbini (à esquerda), e seu pai, Domingo Braile. “Papai se formou na USP, foi assistente do Zerbini e em 1962 resolveu voltar para São José para fazer cirurgia em crianças com anomalias congênitas do coração e operar válvulas”, recorda. Ela garante que não foi fácil. Foi preciso montar “ 38 Jornal SBC 88 - Jul/Ago 2008 uma equipe inteira, capacitar hematologista, intensivista, anestesista, criar um banco de sangue. “Papai foi um bandeirante da medicina e a cidade reconhece isso, tanto que foi apelidado de ‘homem-equipe’”. A filha, formada na Unicamp, fez questão de manter vivos os ideais do pai e do avô, tanto que após se formar na Unicamp, fazer residência no HC, residência cardiológica no Incor e especialização na Cornell University, voltou para São José para trabalhar com o pai e orgulha-se: tudo que é feito nas cidades e nos países mais desenvolvidos em relação ao coração, é feito da mesma forma na sua cidade. “Ninguém precisa sair de lá em busca de um tratamento”, afirma. Para Valéria, a escolha pela medicina foi pura paixão: os pais não impuseram a carreira. Ao ver o entusiasmo de Domingo Braile em formar novos médicos – entre outras funções da área do ensino médico, ele coordena a pós-graduação da Faculdade de Medicina de Rio Preto – Valéria optou pela profissão e, dez anos depois de deixar o interior, regressou ao constatar que, como cardiologista clínica, poderia ajudar o pré e o pós-operatório dos pacientes do pai, pois, tal qual na infância, sentia vontade de estar junto dele, numa “dobradinha” que ainda vai longe. Atualmente, Domingo Braile não clinica mais. Porém, a filha leva adiante a verdadeira cruzada que ele iniciou por acreditar nos jovens; e o serviço que montou continua voltado para o ensino, com estagiários e residentes. O trabalho é reconhecido pelo Ministério da Educação, que o credenciou oficialmente como residência em cardiologia. O patrono do trabalho continua sendo Domingo, entretanto, Valéria reconhece que “teretetê” ela e os demais médicos do serviço recorrem ao hoje lendário especialista, que sempre tem pronta resposta para as consultas e perguntas dos mais jovens. Surgiu um caso complicado? Valéria liga correndo para o pai, quando mais não seja para curtir a resposta tranqüila e o ensinamento preciso, também para matar a saudade. Até hoje me dá um arrepio na alma quando vou atender um paciente e ele conta que foi meu avô que o pôs no mundo. “ Para ficar mais perto do pai, a futura cardiologista Valéria Braile, então com nove anos, já freqüentava o laboratório de um hospital do interior de São Paulo. “Como todo médico do interior, papai não tinha horário para chegar em casa, via pouco os filhos e a maneira de ter mais contato comigo e com minha irmã, foi nos levar para o trabalho, nas férias escolares, onde comecei lavando tubo de ensaio e seringas de vidro”, lembra.