O amor na maturidade - Portal do Envelhecimento

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Entrevista
O amor na maturidade
Por Guilherme Salgado Rocha
M
eu nome é Elizabeth Cristina S. Fernandes, nascida em outubro de
1959 no Rio de Janeiro. Sou graduada pela Faculdade de
Humanidades Pedro II em Psicologia no ano de 1981 e com formação
na Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro. Trabalho como
psicanalista em meu consultório particular desde 1984, atendendo pessoas
individualmente.
No início da minha vida profissional trabalhei com acompanhamento
terapêutico a pacientes com patologias graves, cuja família e o profissional
médico que atendia não queriam interná-los em clínicas psiquiátricas, sendo
tratados na própria casa.
Ao longo dos meus 30 anos atendo pessoas com as mais diversas
demandas, entre elas alguns idosos (homens e mulheres). Mesmo
não sendo às vezes o que levava essas pessoas para o
atendimento, os temas sobre o amor e a solidão são frequentes.
Discorrer sobre o amor maduro é falar de cumplicidade, respeito, paciência e
medo da perda. Ter uma parceria afetiva consistente ao longo de muitos anos,
REVISTA PORTAL de Divulgação (São Paulo), 33, Ano III, jun. 2013. ISSN 2178-3454. www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista
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compartilhar as limitações físicas e às vezes cognitivas que o envelhecimento
impõe é tarefa árdua que somente quando vivida com amor é possível passar
com dignidade.
A principal queixa de pessoas mais velhas ao falar de suas relações afetivas é
o medo de perder a pessoa amada em função de adoecimento e morte. Viver
ao longo de tantos anos acompanhado de alguém e justamente no momento
em que se precisa mais da cumplicidade, a pessoa morre. É uma vivência
assustadora. Muitas pessoas dizem que o melhor seria “morrer juntinhos”.
Outra questão abordada com frequência é a questão sexual. Casais que
envelhecem juntos não necessariamente diminuem a libido ao mesmo tempo.
Para os homens é mais frequente queixar-se da impotência e da falta de libido
da companheira. Alguns comentam que não adianta usar remédio (Viagra)
porque a companheira não acompanha o ritmo. Vários tentam experimentar
relações extraconjugais para obter de novo o prazer sexual com o uso de
medicamentos. Para muitos dá certo, mas para outros não adianta, pois
rapidamente entendem que a satisfação é parcial e que falta o amor.
Diversos homens deixam de ter relações sexuais em função da existência de
patologias ou utilização de medicamentos que diminuem a libido masculina e
causam impotência.
Para as mulheres é mais complicado, pois com a questão hormonal algumas
perdem a libido prematuramente e não o reconhecem como problema.
Desconhecem que precisa ser tratado e que pode melhorar. Não dão
importância ao sexo nesse momento da vida, postura que com frequência
afasta os casais e gera tristeza.
Quando a relação entre pessoas mais velhas é preenchida com o amor, todas
essas questões são vividas com cumplicidade e respeito.
Há pouco tempo o filme “Amor” retratou o tema do envelhecimento a dois com
muita delicadeza. Isso sensibilizou distintas pessoas, e foi o assunto preferido
em sessões de terapia, pois elas se viram naquele lugar.
Refletindo acerca do que é o amor vivido entre duas pessoas ao longo de
muitos anos, cheguei à conclusão de que é o sentir-se acompanhado na
alegria, na tristeza, na saúde e na doença, até que vida temporariamente as
separe. Gosto muito desse poema do Artur da Távola:
Amor maduro
O amor maduro não é menor em intensidade.
Ele é apenas quase silencioso. Não é menor em extensão.
É mais definido, colorido e poetizado.
Não carece de demonstrações: presenteia com a verdade do sentimento.
Não precisa de presenças exigidas: amplia-se com as ausências significantes.
O amor maduro somente aceita viver os problemas da felicidade.
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Problemas da felicidade são formas trabalhosas de construir o bem e o prazer.
Problemas da infelicidade não interessam ao amor maduro.
O amor maduro cresce na verdade e se esconde a cada autoilusão.
Basta-se com o todo do pouco.
Não precisa nem quer nada do muito.
Está relacionado com a vida e a sua incompletude, por isso é pleno em cada
ninharia por ele transformada em paraíso.
É feito de compreensão, música e mistério.
É a forma sublime de ser adulto e a forma adulta de ser sublime e criança.
O amor maduro não disputa, não cobra, pouco pergunta, menos quer saber.
Teme sim. Porém, não faz do temor argumento.
Basta-se com a própria existência.
Alimenta-se do instante presente valorizado e importante porque redentor de
todos os equívocos do passado.
O amor maduro é a regeneração de cada erro.
Ele é filho da capacidade de crer e continuar, é o sentimento que se manteve
mais forte depois de todas as ameaças, guerras ou inundações existenciais
com epidemias de ciúme.
O amor maduro é a valorização do melhor do outro e a relação com a parte
salva de cada pessoa.
Ele vive do que não morreu mesmo tendo ficado para depois.
Vive do que fermentou criando dimensões novas para sentimentos antigos,
jardins abandonados cheios de sementes.
Ele não pede, tem.
Não reivindica, consegue.
Não persegue, recebe.
Não exige, dá.
Não pergunta, adivinha.
Existe para fazer feliz.
Só teme o que cansa, machuca ou desgasta.
Data de recebimento: 13/05/2013; Data de aceite:13/05/2013.
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Guilherme Salgado Rocha - Jornalista e revisor. Formado pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (MG) em 1979, tem 54 anos. Desde dezembro de 2011
passou a integrar a equipe do Portal do Envelhecimento. E-mail:
[email protected]
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