UNIJUI – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DCSJ – DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL LENIR TERESINHA WIEZBICKI DE CARVALHO O ESTUDO SOCIAL: UM INSTRUMENTO DE GARANTIA DE DIREITOS NO ESPAÇO SÓCIO JURÍDICO DO NÚCLEO ASSISTENCIAL DE PRÁTICAS JURÍDICAS DO ESCRITÓRIO MODELO DE DIREITO DA UNIJUÍ. Ijuí, RS 2012 LENIR TERESINHA WIEZBICKI DE CARVALHO O ESTUDO SOCIAL: UM INSTRUMENTO DE GARANTIA DE DIREITOS NO ESPAÇO SÓCIO JURÍDICO DO NÚCLEO ASSISTENCIAL DE PRÁTICAS JURÍDICAS DO ESCRITÓRIO MODELO DE DIREITO DA UNIJUÍ. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social promovido pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientador: José Wesley Ferreira Ijuí - RS 2012 LENIR TERESINHA WIEZBICKI DE CARVALHO O ESTUDO SOCIAL: UM INSTRUMENTO DE GARANTIA DE DIREITOS NO ESPAÇO SÓCIO JURÍDICO DO NÚCLEO ASSISTENCIAL DE PRÁTICAS JURÍDICAS DO ESCRITÓRIO MODELO DE DIREITO DA UNIJUÍ. Monografia do Curso de Graduação em Serviço Social para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social COMISSÃO EXAMINADORA: José Wesley Ferreira (Orientador) Walter Frantz DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à Força Maior, Energia Criadora, que em muitos momentos me deu a inspiração e noutros momentos me trouxe energia quando eu esmorecia. Sem a Divindade, nada eu seria. Agradeço ao Mestre Jesus, ser ascensionado da humanidade, por todos os exemplos que deixou como legado à humanidade, principalmente quando ensina que o Amor é a principal lição a ser estendida a todos os corações. Nos ensinou igualmente que devemos nos colocar no lugar do outro, e com isto, evitar julgá-lo. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por permitir-me estar na Terra, aprendendo na escola da vida. Agradeço ao meu pai Luiz (in memoriam), pois foi ele que me ensinou a ter objetivos na vida e que sem educação não chegaríamos a lugar algum. Agradeço à minha mãe Maria, pela sua humildade, abnegação, coração enorme e firme, pelos valores e virtudes que passou a mim e às minhas irmãs Inês e Ivone. Agradeço às minhas filhas Jordana e Brenda, por elas serem pacientes e compreensivas nos momentos em que precisei de isolamento para concretizar minhas metas de alcançar o sonho da graduação. Agradeço ao Rogério, por ter colaborado e cuidado das nossas filhas neste período acadêmico. Agradeço ao meu orientador José Wesley Ferreira, por sua paciência em me orientar. Agradeço a minha supervisora de estágio, Lislei Teresinha Preuss, por sua amizade, supervisão, ensinamentos e exemplo de profissional dedicada. Agradeço a todos os colegas de curso, pois formou-se um grupo coeso e unido ao longo do tempo, prevalecendo a união de todos. Não esquecerei jamais da palavra coletividade, que já habitava meu ser e que fortificou-se a cada semestre que passava. Agradecimentos a todos que passaram por este curso. Agradeço aos amigos, que indiretamente contribuíram e torceram para que eu tivesse força de vontade de perseverar, de estudar e alcançar meus objetivos. “Um livro aberto é uma mente que fala; fechado, um amigo que espera; esquecido, uma alma que perdoa; destruído, um coração que chora.” Provérbio hindu “Bem aventurados os que tem puro o coração, porquanto verão a Deus.” São Mateus, 5:8 “Aquele que pergunta, será um tolo por cinco minutos. Aquele que deixa de perguntar será um tolo para o resto da vida.” Provérbio chinês “Que eu não perca a vontade de doar este enorme amor que existe em meu coração, mesmo sabendo que muitas vezes ele será submetido a provas e até rejeitado.” Chico Xavier RESUMO O trabalho de pesquisa apresentado tem como objetivo abordar a relevância do estudo social como um instrumento de garantia de direitos aos sujeitos usuários do espaço sócio jurídico do Núcleo Assistencial de Práticas Jurídicas (NAPJ) da UNIJUÍ. Neste trabalho é feito um resgate histórico da trajetória do Serviço Social. O Serviço Social tem sua origem no sistema capitalista e ocorreu pela necessidade de controlar as famílias dos operários na Europa. Já nasceu com uma identidade atribuída, tendo em vista a finalidade de controlar a classe operária. É também abordado o modo de produção capitalista e todas as mudanças e consequências advindas do sistema, dando origem às expressões da questão social, objeto de trabalho do Serviço Social. A partir da questão social abordam-se as formas de desigualdade precedentes, produzidas pelo capitalismo e aprofunda-se a pesquisa acerca do desvendamento da questão social na vida dos sujeitos que recorrem ao Serviço Social como forma de acessar e garantir os direitos negados pelo Estado. Enfoca-se a importância do assistente social na elaboração do estudo social, instrumento este que permite a garantia de direitos no espaço sócio jurídico. Na fase final da pesquisa, analisam-se três estudos sociais que fundamentam este trabalho, buscando o desvendamento das expressões da questão social que ocorrem na vida dos sujeitos. Concluiu-se com este trabalho que os estudos sociais realizados no NAPJ da UNIJUÍ possibilitam e promovem a inclusão dos sujeitos nas políticas públicas e sociais das quais tem direito; desta forma, o estudo social é um documento que contribui na garantia de direitos e na inclusão dos sujeitos. Palavras-chave: Serviço Social, questão social e estudo social. ABSTRACT The research presented aims to address the relevance of the study as an instrument of social security rights to users subject of space law partner of the Center for Legal Practice Care (NAPJ) of UNIJUÍ. This work is done in a historical trajectory of Social Service. Social work has its origin in the capitalist system occurred and the need to control the families of workers in Europe. Was born with a given identity in view of the purpose of controlling the working class. It also addressed the capitalist mode of production and all the changes and the consequences resulting system, giving rise to expressions of social issues, job object of Social Work. From social issues to discuss ways of precedent inequality produced by capitalism and deepens the research about the unraveling of the social issue in the lives of individuals who resort to Social Services as a way to access and guarantee the rights denied by the state. Focuses on the importance of social workers in preparing the social study, this instrument allows the guarantee of rights within legal partner. In the final phase of the research, we examine three studies that support this social work, seeking the disclosure of expressions of social issues that occur in the lives of individuals. The conclusion of this work that the social studies conducted in the NAPJ UNIJUÍ enable and promote the inclusion of individuals in the public and social policies of which is entitled, therefore, the social study is a document that helps in ensuring rights and inclusion of subjects. Keywords: Social Work, social issues and social study. LISTA DE ABREVIATURAS BPC – Benefício de Prestação Continuada CAPS – Centro de Atendimento Psicossocial CEAS – Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo CFESS – Conselho Federal de Serviço Social DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais ECA – Estatuto da Criança e Adolescente EMD – Escritório Modelo do curso de Graduação em Direito INSS - Instituto Nacional do Seguro Social JEFA – Juizado Federal Avançado de Ijuí NAPJ – Núcleo Assistencial de Práticas Jurídicas LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social SMS – Secretaria Municipal de Saúde SOC – Sociedade de Organização da Caridade UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 12 I. A ORIGEM DO SERVIÇO SOCIAL.................................................................................... 16 1.1 As Origens do Modo Capitalista de Produção................................................................ 16 1.2 A Intima Articulação entre o Capitalismo a Questão Social e o Serviço Social. ................ 20 1.3 O Questionamento do Significado Social da Intervenção do Assistente Social............. 25 II. TRABALHO COMO CATEGORIA ONTOLÓGICA DO SERVIÇO SOCIAL ................. 28 1.2 O Trabalho no Capitalismo e os Processos de Alienação. ............................................. 29 1.3 O Surgimento da Questão Social .................................................................................... 31 1.4 A Diferença da Questão Social para as Formas de Desigualdade Precedentes. ............. 35 III. A PRÁTICA PROFISSIONAL COMO TRABALHO ...................................................... 39 1.5 O Objeto da Intervenção. ................................................................................................ 40 1.6 Os Meios e o Produto do Trabalho. ................................................................................ 42 IV. 1.7 O DESVENDAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL NA VIDA DOS SUJEITOS............. 45 O Estudo Social como um Instrumento que Permite a Garantia de Direitos. ................ 50 V. TRATAMENTO DO MATERIAL........................................................................................ 55 5.1 Análise dos Fundamentos Teóricos ..................................................................................... 56 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 69 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS: ......................................................................................... 72 12 INTRODUÇÃO A partir da experiência vivenciada durante os estágios curriculares, obrigatórios e supervisionados em Serviço Social I, II e III, realizados no Núcleo Assistencial de Práticas Jurídicas (NAPJ) da UNIJUÍ, no período entre março de 2011 a junho de 2012, obteve-se afinidade pela área jurídica. Durante esse período foi possível aprimorar os conhecimentos adquiridos durante a vida acadêmica, obter novos conhecimentos, bem como vivenciar o cotidiano do profissional assistente social junto ao espaço sócio jurídico. Através de observações como estagiária, e da participação ativa junto às demandas encaminhadas para o Direito e Serviço Social, obteve-se o contato direto com os sujeitos e famílias que procuravam pelo atendimento especializado nas áreas jurídica e social. No decorrer do estágio, surgiu um questionamento: o desvendamento da questão social na vida dos usuários e das famílias vem contribuindo para a elaboração do estudo social como um instrumento de viabilização de direitos no campo sócio jurídico e que são negados aos sujeitos vulnerabilizados? A partir de então, se vislumbrou a necessidade de aprofundar este tema que não é muito referenciado em bibliografias do Serviço Social. O estudo social é um instrumento de trabalho específico do Serviço Social, que tem a finalidade de conhecer com profundidade e de forma crítica, uma determinada situação ou expressão da questão social, sendo objeto de intervenção profissional. O estudo social é instrumento fundamental no trabalho do assistente social que atua nas instituições de cunho sócio jurídico. No decorrer do estágio supervisionado, pode-se intervir nas demandas e apreender as expressões da questão social; este foi o momento em que apreendemos o aporte teórico e as competências profissionais. Inseriu-se no cotidiano dos sujeitos e obteve-se contato com a realidade concreta, onde se tecem possibilidades de intervenção para transformar a realidade social. Dar visibilidade ao trabalho do assistente social neste espaço sócio jurídico foi um desafio cotidiano e motivação para a realização deste trabalho de conclusão de curso. Outro fator motivacional originou-se a partir da experiência de atuação com os sujeitos e famílias. Com a inserção no cotidiano dos sujeitos, aprimoraram-se as técnicas e instrumentos de 13 trabalho do assistente social, dentre os quais citam-se: observação, acolhimento, entrevistas1, escuta sensível, mediações, visitas domiciliares, relatórios e estudos sociais das demandas onde se interviu. Apreender o objeto de trabalho do assistente social foi fundamental, objeto este que nasce da contradição capital-trabalho. Através da intervenção profissional e atendimentos efetuados deparou-se com diversas manifestações da questão social, dentre elas: fome, miséria, desemprego, violência, abandono, vulnerabilidade, vínculos rompidos, drogadição, etilismo, prostituição, etc. Desta forma, tornou-se fundamental neste trabalho resgatar e aprofundar a pesquisa sobre o estudo social como instrumento de viabilização e garantia de direitos. O presente trabalho foi estruturado em seis capítulos. O primeiro capítulo aborda a origem do Serviço Social. Assim, buscou-se resgatar a formação do sistema capitalista de mercado e o modo de produção, advindo deste sistema. Assim, descreve-se a íntima articulação entre o capitalismo, a questão social e o surgimento do Serviço Social na Europa e no Brasil. O surgimento do Serviço Social deu-se historicamente como categoria profissional ligada à burguesia, Estado e Igreja. Os assistentes sociais refletiam e reproduziam a própria consciência da burguesia. Assim, os profissionais não tinham uma identidade, pois esta era uma identidade atribuída, alienante e alienada. Este ciclo foi rompido com o Movimento de Reconceituação no Brasil e países latino-americanos, mas ele não foi uniforme, pois a categoria se dividiu em reconceituados e não-reconceituados. No segundo capítulo aborda-se sobre o trabalho como categoria ontológica do Serviço Social. O trabalho, como sendo o primeiro ato do ser humano, transforma a natureza e o homem. Especificamente, trabalharam-se os processos de alienação que ocorrem no sistema capitalista, tão bem descrito por Marx. Estes processos ocorrem porque o homem é separado do planejamento e do resultado do seu trabalho. O homem tornou-se objeto do capital. Neste processo de desumanização do homem surgem as expressões da questão social. Este fenômeno não é recente, mas teve a sua intensificação ligada aos processos de acumulação capitalista, sendo o seu fruto as desigualdades sociais. Assim, da mesma forma que o capital produz desenvolvimento, produz um homem perdido e desumanizado. O terceiro capítulo contextualiza a prática profissional do assistente social, em que até a década de 80 do século XX predominava uma visão endógena, mas houve um movimento para o seu rompimento. Pontuou-se trabalhar neste capítulo as expressões da questão social, sendo este 1 Entrevista neste trabalho de conclusão de curso está sendo citado porque faz parte dos instrumentos e técnicas de trabalho do assistente social, no seu cotidiano. Não utilizou-se nenhuma forma de entrevista para desenvolver o trabalho de conclusão de curso; utilizou-se a técnica de observação. 14 o objeto de trabalho do assistente social. Assim, faz-se um resgate histórico da lógica que permeia as relações de produção e trabalho, para efetivamente apreenderem-se quais são os meios e o produto do trabalho do assistente social. O quarto capítulo faz o desvendamento da questão social na vida dos sujeitos, no qual analisa-se um método específico, sendo este o método dialético crítico de Marx. Através do método volta-se ao passado e conhece-se a realidade concreta dos sujeitos. Desta forma, desvenda-se a realidade aparente e todos os processos sociais e particulares que os envolvem. No período de estágio, interviu-se nas mais variadas manifestações da questão social e desvendaramse as suas expressões, esta apreensão teórica possibilitou e deu suporte para a elaboração dos estudos sociais, como instrumento que permite a garantia de direitos e que embasa a aplicação de medidas judiciais nas demandas específicas ligadas ao espaço sócio jurídico. No quinto capítulo, realiza-se a análise documental. Esta é a parte do trabalho que exigiu uma dedicação mais acentuada por parte da acadêmica, por se tratar da análise dos 3 estudos sociais selecionados que fomentaram o desenvolvimento deste trabalho de conclusão de curso. Assim, realizou-se a análise das questões norteadoras. Construiu-se este capítulo utilizando-se os estudos sociais que foram realizados como forma de garantir o acesso dos usuários aos direitos no espaço sócio jurídico. A metodologia é a porta de entrada do pensamento e ela nos leva a analisar e refletir sobre uma realidade estudada. A metodologia de investigação, o que incluiu a escolha do método, foi utilizada para desenvolver este trabalho de conclusão de curso. Na perspectiva de escrever um trabalho que desse embasamento para a atuação e intervenção do assistente social no espaço sócio jurídico da UNIJUÍ, procurou-se analisar o estudo social como instrumento de garantia de direitos dos usuários deste espaço institucional. Assim, se propôs este trabalho de conclusão de curso, que teve como objetivo analisar a contribuição deste instrumento de trabalho na viabilização de acesso aos direitos que são negados aos sujeitos usuários do NAPJ do EMD vinculado ao DCJS da UNIJUÍ. O presente trabalho é de cunho qualitativo. A pesquisa qualitativa procura compreender a realidade dos sujeitos observados. O trabalho de pesquisa qualitativa é dividido em três etapas: fase exploratória; trabalho de campo; e análise e tratamento do material empírico e documental. Primeiramente, buscou-se o aporte teórico para embasar a pesquisa bibliográfica. Já a pesquisa documental foi realizada nos arquivos da instituição onde realizou-se o estágio I, II e III. O trabalho é de cunho qualitativo. O objeto de pesquisa foi delimitado entre um grupo de usuários que receberam atendimento no período de março de 2011 a junho de 2012 no NAPJ. Do universo de 63 atendimentos, realizou-se 16 estudos sociais e destes escolheu-se 3 para 15 comporem a amostra. O critério da amostragem foi escolhido por acessibilidade. Utilizou-se a observação sistemática. O método que foi utilizado neste trabalho de conclusão de curso é o dialético-crítico. O tema escolhido foi: “O estudo social como instrumento para acesso aos direitos”. Assim, o problema de pesquisa foi assim descrito: “O estudo social é um instrumento de viabilização de direitos no NAPJ da UNIJUÍ?” A escolha do tema tem a ver com os grupos, ou instituição em que se trabalha. No caso especifico, escolheu-se a presente pergunta por influência do espaço que realizou-se o estágio: Como o desvendamento da questão social na vida dos usuários e das famílias vem contribuindo para a elaboração do estudo social como um instrumento de viabilização de direitos no campo sócio jurídico do Escritório Modelo do curso de graduação de Direito da UNIJUÍ, no período de março de 2011 a junho de 2012? Para responder ao problema de pesquisa, foram construídas as seguintes questões norteadoras: 1) Como ocorre o desvendamento da questão social na vida dos usuários e famílias atendidas? 2) Como ocorre a articulação dos conhecimentos teórico-metodológico e técnico-operativo, durante a elaboração do estudo social? 3) Como a elaboração do estudo social contribui com a garantia de direitos para os usuários do NAPJ do EMD da UNIJUÍ? O objetivo geral deste estudo foi analisar como o desvendamento da questão social na vida dos usuários e das famílias vem contribuindo para que a elaboração do estudo social se constitua em um instrumento de viabilização de direitos, com a finalidade de oferecer subsídios que contribuam para a melhoria da intervenção dos assistentes sociais na área sócio jurídica. Para atingir esse objetivo foi necessário construir alguns objetivos específicos. - Identificar como ocorre o desvendamento da questão social na vida dos usuários e familiares atendidos. - Verificar como ocorre a articulação das dimensões teórico-metodológicas e técnicooperativas durante a elaboração do estudo social. - Identificar como a elaboração do estudo social contribui com a garantia de direitos. E por fim, tem-se uma apreciação do processo de construção do presente Trabalho de Conclusão de Curso, onde são elencadas algumas reflexões e análise sobre o instrumento de trabalho profissional, o estudo social, como viabilizador do acesso dos sujeitos/usuários ao direito negado. 16 I. A ORIGEM DO SERVIÇO SOCIAL Neste primeiro capítulo, foram analisadas as transformações que ocorreram no mundo, mais precisamente na Europa, quando ocorreu a substituição do sistema mercantil pelo sistema capitalista de mercado. A passagem do sistema mercantil para o sistema capitalista foi marcada por grandes transformações tecnológicas, políticas, econômicas e sociais. Contribuindo com toda esta fase de mudanças, a Revolução Francesa e Revolução Industrial também foram marcos para esta fase de transição. 1.1 As Origens do Modo Capitalista de Produção O capitalismo constituiu-se como um modo de produção que foi gradativamente superando o modo de produção feudal; por isso foi difícil pontuar uma data específica na qual o capitalismo superou o feudalismo. O processo de superação do modo de produção feudal pelo modo de produção capitalista foi antecedido de uma sucessão de mudanças quantitativas que ocorreram em um período longo da história. Dentre essas mudanças podem se destacar o desenvolvimento tecnológico que permitiu a produção industrial, a mudança no âmbito político representada pela derrubada do sistema monárquico com a finalidade de garantir à liberdade de comércio, etc. A conjunção de mudanças quantitativas determinou uma mudança qualitativa, ou seja, o modo de produção feudal foi suplantado pelo modo de produção capitalista. Esse processo aconteceu durante os séculos XVII, XVIII e XIX e não foi linear em todos os países da Europa, pois em alguns países o capitalismo se consolidou primeiro que em outros. De acordo com Martinelli, (2009, p. 34) “não se pode falar de um momento preciso de surgimento do capitalismo, mas de um conjunto de circunstâncias, de condicionalidades materiais, criando os fluxos históricos que permitem o seu surgimento”. O desenvolvimento do capitalismo se deu entre o século XVII e XIX, sendo referência da era moderna. Temos conhecimento e a própria história nos mostra que a vida dos trabalhadores não era fácil no passado; existiam vários condicionantes que implicavam na rudeza da vida dos operários. O modo de produção capitalista exigia que os operários trabalhassem muito e não existiam leis que os protegessem contra os abusos. A burguesia, dona dos meios de produção, contratava os operários, dentre eles, homens, mulheres, jovens e crianças, que vendiam a sua força de trabalho para aumentar os lucros da burguesia em troca de um salário que garantia a 17 subsistência do trabalhador e sua família. Neste período, temos bem claro o surgimento de uma sociedade dividida em duas classes antagônicas, formada pela burguesia e pelo proletariado2. Não tendo muita opção de vida, essa massa de trabalhadores se sujeitava aos mandos do capital, pois no processo de produção capitalista os trabalhadores não possuíam os meios de produção, tinham apenas a sua força de trabalho que era a única mercadoria que possuíam para vender. Esta era a condição de vida dos trabalhadores, sua mercadoria era o trabalho, e não existia opção, porque existia uma legislação que obrigava os pobres saudáveis a estarem disponíveis para serem utilizados para o trabalho. Os operários necessitavam trabalhar e se sujeitavam as leis que a burguesia lhes impunha. A burguesia por sua vez, via nos operários uma classe que lhes servia apenas como força de trabalho; de acordo com Martinelli, (2009, p.42) “o operário era tão somente força de trabalho, uma mercadoria como outra qualquer, mas da qual se necessitava para expandir seu capital.” O século XIX foi marcado pela desvalorização do ser humano e ascensão do capital: o que importava era a mercadoria, e o próprio ser humano era visto como mercadoria, como uma coisa. (MARX, 2004). A primeira forma de manifestação dos trabalhadores em relação à opressão que sofriam nas fábricas foi a rebelião contra as máquinas. No século XIX, o governo inglês instituiu a pena de morte para os operários que causassem danos nas fábricas; na França, tecelões destruíram máquinas e assim se deu sucessivamente em vários pontos da Inglaterra e França. Mas os trabalhadores não tinham percebido que não eram as máquinas as suas opressoras e sim o dono delas, a burguesia. Lentamente os trabalhadores começaram a perceber que os seus reais opressores eram os donos dos meios de produção e não as máquinas; elas eram apenas os seus instrumentos. A tomada de consciência dessa realidade fez com que os trabalhadores buscassem algum conteúdo organizativo para suas manifestações, as quais pressupunham necessariamente uma organização deles próprios. (MARTINELLI, 2009, p. 45) Os trabalhadores necessitavam de organização, mas esta forma de manifestação era impedida por uma lei antiga que os coibia de formar associações e sindicatos. Neste ponto, foi enorme a contribuição política da Revolução Francesa, para que os operários ingleses percebessem que precisavam criar uma consciência social de classe trabalhadora. Os trabalhadores ingleses conseguiram vencer o parlamento inglês em 1824. De acordo com 2 Para Marx as duas classes substantivas do regime capitalista é a burguesia e o proletariado. Uma, a burguesia, é a classe revolucionária que constrói o capitalismo, depois de ter surgido com o desenvolvimento e a desagregação das relações de produção do feudalismo. A outra, o proletariado, é a classe revolucionária que nega o capitalismo e luta para criar a sociedade sem classes, no socialismo. (MARX, 1984, p. 14) 18 Martinelli, (2009, p. 46) “o parlamento aprovou uma lei na qual ficavam anulados todos os textos legais anteriores que impediam a associação dos trabalhadores para quaisquer fins”. Com isto, as associações deixaram de viver na clandestinidade e puderam se organizar nas formas da lei. Conforme descreve Martinelli (2009), com o discurso da igualdade para todos, na metade do século XIX, a burguesia foi concedendo pequenos atos de benevolência para a classe de operários, dentre as quais, barateou o custo dos alimentos, mas isto ocorreu com a intenção de manter a força vital dos trabalhadores, afinal de contas eles eram a mola propulsora que fazia com que as suas indústrias prosperassem; os salários também eram baixos e mantinha-se um exército industrial de reserva. Os operários não tinham como escapar dessa força coercitiva, porque existia o Estatuto dos Trabalhadores, de 1349, que excluía o trabalhador das decisões sobre sua própria vida trabalhista, e todo homem e mulher de até 60 anos de idade, que não fosse inválido e que não podia se sustentar, não podia recusar trabalho mesmo que fosse pago um salário miserável. A união dos trabalhadores foi fundamental para a conquista de alguns direitos e reformulação de leis antigas. A burguesia não queria perder em nada e ainda contava com o total apoio do Estado burguês. Os pobres eram tutelados pelo Estado. Desta forma os pobres não conseguiam viver sem a ajuda da burguesia. o inspetor da Lei dos Pobres voltava ao cenário do século XIX, valendo-lhe a responsabilidade pela realização do inquérito e pela fiscalização das condições de vida daqueles que passavam a ser atendidos pelo sistema de assistência pública. O atendimento implicava assumir-se como dependente do poder público. (MARTINELLI, 2009, p. 58) Junto com a expansão do capitalismo, veio a consolidação da vida miserável da classe operária, do proletariado, e um estado de pobreza visivelmente crescente se formou nos centros urbanos. A expansão do capitalismo era irreversível e o aumento da miséria dos operários era uma realidade que trazia junto com ela a exploração, a opressão e a dominação. Essa situação da generalização da miséria fazia parte do domínio do capital. Manter intocada a sociedade burguesa e a ordem social por ela produzida era um verdadeiro imperativo para a burguesia. Para tanto tornava-se indispensável recorrer a estratégias mais eficazes de controle social, capazes de conter o vigor das manifestações operárias e a acelerada disseminação da pobreza e do conjunto de problemas a ela associadas. (MARTINELLI, 2009, P. 61) A prática do assistencialismo pela burguesia e Estado nasceu como forma de perpetuar o sistema capitalista. A classe operária apesar de derrotas sofridas em melhorar suas condições de vida e trabalho não se deixava vencer, pois os sindicatos e associações/cooperativas no século 19 XIX eram uma realidade que causava receio e medo na burguesia. Assim, como forma de coibir essa organização em massa dos operários, a burguesia formou aliança com a Igreja e o Estado para estudar formas de reformar a assistência pública inglesa. Mas esta era mais uma estratégia da burguesia em conter os problemas sociais que incidiam na classe trabalhadora e nos pobres consolidando o modo de produção capitalista. Assim como o Estado burguês foi arregimentado para consolidar o sistema capitalista, os burgueses precisavam da ajuda dos filantropos para disseminar sua ideia de ajuda. Os agentes sociais filantropos tinham fácil acesso às famílias dos operários e a burguesia queria utilizá-los como forma de desarticulação das reivindicações coletivas dos operários. Se utilizando de uma prática social humanitária a burguesia queria criar uma ilusão de que se interessava pela vida dos operários, seu salário, habitação, saúde e educação. Assim, membros da burguesia queriam dar um falso bem estar para a classe operária. Com as retrações do capitalismo e a crise cíclica do final do século XIX, o capitalismo estava em contração e como forma de coibir as manifestações dos operários eurocidentais que se expressavam política e socialmente, a Igreja, o Estado e a Burguesia se uniram para frear a classe trabalhadora. Na Inglaterra, o resultado material e concreto dessa união foi o surgimento da Sociedade de Organização da Caridade (SOC), em Londres, em 1869, congregando reformistas sociais que passavam agora a assumir formalmente, diante da sociedade burguesa constituída, a responsabilidade pela racionalização e pela normatização da prática da assistência. Surgiam, assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais, como agentes executores da prática da assistência social, atividade que se profissionalizou sob a denominação de “Serviço Social”, acentuando seu caráter de prática de prestação de serviços. ( MARTINELLI, 2009, p. 66) A origem do Serviço Social como profissão tem sua raiz no sistema capitalista. Desta forma, atender as famílias dos operários foi uma das manobras que a burguesia encontrou para desenvolver a sua estratégia de controle dos pobres. O Serviço Social já nasce com uma identidade que não é sua, é uma identidade atribuída, pois é a identidade das práticas do capitalismo, com a finalidade de controlar a classe operária. O Serviço Social tem sua origem profunda no capitalismo e com características já bem marcadas. Para Martinelli (2009, p.66) “alienação, contradição, antagonismo -, pois foi nesse vasto caudal que ele foi engendrado e desenvolvido.” A profissão nasce pelas mãos da burguesia, como uma prática humanitária, para manter o controle social dos pobres pela burguesia. O Serviço Social já surge na história, com uma identidade atribuída, pois expressava uma síntese das práticas sociais pré-capitalistas, o maior interesse do capital era o de reprimir, centralizar e promover estratégias para se expandir e consolidar. O surgimento do Serviço Social foi uma prática a serviço do capital, utilizada como estratégia de controle social dos operários, dos pobres e miseráveis da época. 20 1.2 A Intima Articulação entre o Capitalismo a Questão Social e o Serviço Social. O sistema capitalista mudou o cenário da história moderna. O capitalismo mudou o modo de produção, da mesma forma alterou as relações sociais e comerciais, enfim, mudou a vida de todos os sujeitos que vivem em sociedade. Infelizmente a expansão do capital trouxe graves problemas sociais. De acordo com Martinelli (2009, p.70), “nos distritos industriais, onde se concentrava a população operária, a esquálida face da miséria, mais do que uma metáfora, era a dura realidade, era face de um vasto segmento da população relegada a uma vida subumana”. A classe dos trabalhadores tinha uma condição de vida miserável, não tinham uma expectativa de vida longa, sendo que as doenças e a fome matavam milhares de pessoas, todos eram ceifados pela triste realidade de vida a que eram submetidos, ou seja, a miséria, que era necessária para fazer com que se consolidasse o capitalismo. Conforme Martinelli (2009), com a intensificação da Revolução Industrial houve uma aceleração, um crescimento na pobreza, aumentou o número populacional na Europa. Em decorrência disso, houve escassez de alimentos, falta de moradia adequada à população e aumentaram os conflitos. Os problemas passaram a exigir novas formas de políticas sociais; foi necessário desenvolver um sistema de proteção social. Existia um contingente de desempregados e impotentes que tinham que ser sustentados por causa da fome e do aumento dos preços dos produtos. A mudança da economia agrária e artesanal para a industrial, junto com o desemprego e a flutuação dos salários, desestruturou as famílias e produziu alienação social e pauperismo. Em uma sociedade capitalista, o que imperava era o individualismo e a fé no mercado livre. O domínio do capitalismo no final do século XIX legitimava o luxo e a ascensão da burguesia, mas ao mesmo tempo trazia uma inquietação à classe dominante: as crises cíclicas que o capitalismo vivenciava traziam consigo a força dos movimentos operários. O fortalecimento e a ansiedade por mudanças e melhores condições de vida da classe operária acirravam os movimentos e manifestações dos trabalhadores, pois eram grandes as inquietações e ansiedade por melhores condições de vida. A partir do século XIX o proletariado se constituiu como classe social organizada. Foi nas fábricas que surgiu a consciência política e a identidade de classe. Os operários perceberam que somente com a união poderiam consolidar-se como uma classe social coesa e superar o isolamento e a alienação que o capital queria consolidar. Surgiu assim a consciência de classe em si, à classe para si. Foi neste período que a classe trabalhadora adquiriu os direitos políticos. Os trabalhadores conseguem o direito de formar associações e sindicatos e isso era uma ameaça à burguesia. 21 A construção da consciência de classe exigia o desmascaramento das ilusões criadas pelo capitalismo, assim como, com a força de uma determinação essencial, exigia também o trânsito para o nível da compreensão política das contradições inerentes à sociedade capitalista. Rompendo com a alienação e com as falsas aparências que recobrem a sociedade burguesa, os trabalhadores começavam a se colocar em condições de discernir a importância de seu papel no circuito do capital. (MARTINELLI, 2009, p. 73) A produção da consciência fez nascer uma nova classe operária e com ela surgiu o cenário das políticas sociais. O reconhecimento de ser uma classe social diante do capital, de saber que podiam ter voz e influência política, transformou os movimentos operários em movimentos políticos de classe. Em toda Europa, ampliou-se os partidos nacionais e os sindicatos, um novo tempo se anunciava com o entendimento dos trabalhadores de que se constituíam em uma força política enquanto classe, podendo influenciar na organização dos processos de trabalho e na própria produção da fábrica, assim como nas políticas sociais operacionalizadas pelo Estado. O direito de associação conquistada pelos trabalhadores ingleses no início da terceira década do século XIX ampliou muito sua base associativa e fortaleceu seus movimentos reivindicatórios. Mas a burguesia não se deixava vencer. Os trabalhadores ingleses ampliavam a sua organização, conseguindo cada vez mais conquistas através das lutas coletivas e isso produzia grande inquietação na burguesia, cujo grande objetivo era a consolidação de uma estrutura econômica unificada para toda a sociedade, abalada cada vez que os trabalhadores se manifestavam de modo coletivo. Nenhuma das medidas propostas pela legislação trabalhista, ao longo do período, significou uma concessão do poder público ou dos donos do capital; ao contrário, todos decorreram de árduas e complexas lutas e negociações dos trabalhadores. Mesmo com a expansão da industrialização capitalista, mas já mais amadurecidos em suas estratégias, os trabalhadores conseguiram vitórias que ajudaram a reduzir as violências do cotidiano e ajudaram a recompor as forças para as suas lutas. Tanto na França, Inglaterra e Alemanha, os trabalhadores não paravam de lutar por seus direitos. No final do século XIX e início do século XX a burguesia tinha consciência da força política da classe trabalhadora. Neste período a questão social era clara para a sociedade. A pobreza e a miséria denunciavam as contradições e o antagonismo3 que o capitalismo gerava, ou 3 “A descoberta deste antagonismo, pois, não é alheia à constituição interna do capitalismo. As relações antagônicas não podem resolver-se a não ser que o próprio capitalismo seja também pensado. É necessário que o capitalismo se transforme em concreto pensado, pleno de suas determinações, para resolver-se. Ele precisa transformar-se em componente da consciência de classe do proletariado, que é o polo negativo do antagonismo, para que o próprio antagonismo se desenvolva e resolva.” (MARX, 1984, p. 9) 22 seja, as duas faces do capitalismo: por um lado acumulava-se a riqueza e por outro expandia-se a pobreza. (Martinelli, 1991) A pobreza e a miséria eram tão grandes em países como Itália, França, Inglaterra e Espanha, que os governos sabiam do seu risco para o equilíbrio social. Mas para o capital se expandir era necessário submeter o trabalhador à exploração e ao abuso de poder. A miséria provocava a multiplicação da população. Não havia controle da natalidade. Era interessante para o capitalista esse excesso de população; este era o exército industrial de reserva, esse excedente deveria estar sempre pronto para atender as necessidades do capitalismo; com isto a alta rotatividade de mão-de-obra afastava da luta os operários que questionavam e reivindicavam melhores condições de trabalho, pois podiam perder seus empregos. Os trabalhadores não tinham em suas vilas nenhuma infraestrutura urbana; desta forma, a proliferação de doenças era enorme e a taxa de mortalidade, muito grande. As igrejas católica e protestante, que eram aliadas da burguesia, tiveram importante influência na organização da assistência social, em especial na Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. De acordo com Martinelli (2009, p. 81), “na Inglaterra temos a figura do pastor Thomas Malthus e Thomas Chalmers que propôs em sua Paróquia a criação de fundos invisíveis de caridade”. Desta forma, os pobres seriam atendidos por agentes da assistência social, envolvidos com caridade. A burguesia era apoiada por legislação violenta que visualizava na assistência uma forma de controle social, impondo desta maneira a submissão da classe dos trabalhadores. De acordo com Martinelli: Tornava-se imperioso criar novas formas de assistência, capazes de ganhar aceitação da classe trabalhadora. Era preciso criar a ilusão de que havia um paternal interesse da classe dominante e do próprio Estado burguês pela classe trabalhadora, ocultando-lhe as reais intenções da prática assistencial que lhe era dirigida: consolidar o modo de produção capitalista e garantir a expansão do capital. Eram objetivos importantes para a burguesia nesta reta final do século XIX e início do século XX, quando ela se sentia ameaçada pela “questão social”, que de forma contundente se expressava através de duas faces: política, representada pelo avanço do movimento dos trabalhadores; e social representada pela acumulação da pobreza, pela generalização da miséria. (MARTINEELI, 2009, P. 84) As relações antagônicas supracitadas causavam constantes tensões na sociedade, contribuindo para produzir muitos impactos sociais. Estes impactos eram naturais para a burguesia, mas agravavam os problemas da questão social que se manifestava das mais variadas formas. As críticas e pressões em relação à pobreza das massas, que passou a ser denominada de “questão social”, ganhavam adeptos no século XIX, pois os pobres careciam de proteção social. Conforme Netto (2001), no capitalismo a pobreza se dá em um contexto de abundância em um cenário no qual aumenta a capacidade social de produção. 23 No final do século XIX, segundo Martinelli (2009), uma medida de política social surgiu: a Sociedade de Organização de Caridade (SOC). Representava o principal esforço para enfrentar a pobreza sem intervenção estatal. A SOC se baseava na ideia liberal que o indivíduo era o causador de sua pobreza e a inserção na assistência pública feria a sua dignidade. O objetivo da SOC era ajudar os pobres a se auto-ajudar. Apostava no trabalho de voluntários que exerciam uma influência moral aos assistidos e isso lhes conferia importância social. Mas o tamanho da pobreza era maior que todo o esforço privado poderia fazer para contorná-lo. Martinelli (2009, p. 85) afirmou que “a pobreza era punida com a “não-cidadania”, isto é, com a destituição da cidadania econômica e com o cerceamento da liberdade de ir e vir.” Para a burguesia existir era necessário existir pobres. A questão social aumentou tanto que a burguesia começou a se preocupar, e além de pessoas particulares e da Igreja foi preciso mobilizar o próprio Estado. A miséria e os problemas de saúde eram tão grandes que se estenderam por toda a Europa. As expressões da questão social demonstravam a expansão massacrante do capitalismo. A burguesia era estrategista e como era a classe dominante, procurava conter os avanços da classe operaria aliando-se com a Igreja e o Estado. Também assegurou pra si a direção da prática social, fazendo da SOC e de seus agentes os guardiões da questão social. O modo de pensar dos donos do capital era astucioso; com isto, os próprios agentes das práticas sociais, começaram a trabalhar com uma identidade atribuída, pois a burguesia tirou a possibilidade de se construir uma profissão que concretizasse de fato projetos e práticas sociais. Nutrindo-se do desenvolvimento do próprio modo de produção capitalista, a identidade atribuída se fortalecia a cada momento, assim como se fortaleciam os vínculos da prática social, com a classe dominante. A esta interessava, e muito, alimentar esses vínculos, porque através deles a força penetrante da alienação alojava-se na categoria profissional, aproximando cada vez mais seus agentes do projeto hegemônico da burguesia. Envolvendo-se no movimento do capital e sempre ratificando a importância de sua ação para a reprodução da força de trabalho e o equilíbrio do sistema capitalista, os donos do capital acentuavam o distanciamento entre agentes e a classe trabalhadora. (MARTINELLI, 2009, P.88) A burguesia sabia conduzir os agentes das práticas sociais tão astutamente que não deixava espaço para que eles pensassem de forma critica e reflexiva a respeito das práticas sociais. Isto confirmou a identidade atribuída dos agentes sociais. Os agentes sociais não conseguiram construir uma identidade e uma consciência social; seu trabalho foi alicerçado ao sistema capitalista. Seu trabalho era alienado e suas práticas de trabalho seguiam a própria reprodução do capitalismo. De acordo Martinelli, (2009, p. 90) “A forma como a burguesia criou e arregimentou os agentes sociais condicionou a categoria a desenvolver uma identidade profissional alienada e 24 alienante.” Como ser diferente, se foi o sistema burguês que criou a identidade dos agentes sociais? O número de agentes sociais cresceu muito no final do século XIX e início do século XX. No início do século XX o Serviço Social estava presente na maior parte dos países da Europa e nos Estados Unidos, contando com inúmeras sedes da SOC. Os agentes saíram da própria burguesia, portanto, estavam a serviço do capital; para os trabalhadores os agentes representavam o poder, a desigualdade e a exploração do capitalismo. O sistema capitalista no início do século XX estava à beira do colapso, pois a economia estava em crise e o quadro social era preocupante. No final da terceira década do século XX houve uma crise econômica mundial de proporções alarmantes. O desemprego causava terror em toda Europa e Estados Unidos. Na busca de se manter com o sistema vigente, o capitalismo conseguiu um grande aliado, o Estado. A partir daí temos uma nova face para o capitalismo, o monopólio de mercado. Deste fortalecimento e aliança do capitalismo com o Estado, no início da década de 30, tentou-se impedir o direito de associação dos sindicatos. Tanto na Europa como nos Estados Unidos, os grandes empresários chegaram a construir polícias particulares para vigiar os trabalhadores no sindicato e na própria fábrica. A violência atingia o sindicato como figura jurídica institucionalmente estabelecida, mas se voltava também contra seus membros, em especial aqueles que exerciam cargos de direção. Toda essa onda de repressão e violência só fez, porém aumentar o poder de organização e a capacidade de luta da classe trabalhadora que se tornava cada vez mais consciente de sua força enquanto classe. (MARTINELLI, 2009, p. 95) Enquanto isso, a questão social era o terror da burguesia. A pobreza e a miséria se espalhavam e em contrapartida os impérios monopolistas cresciam. As novas formas de tratar a questão social precisavam de uma nova roupagem de organização da sociedade. Mais uma vez a classe dominante pediu socorro para os agentes sociais para tratar da questão social. Neste período, o mundo já se preparava para uma II Guerra Mundial e o número de assistentes sociais, aumentaria largamente tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos. Nesse período surge o Serviço Social no Brasil (MARTINELLI, 2009). Retomando o curso histórico do Serviço Social e sua formação é importante salientar a criação das escolas de Serviço Social para qualificar os agentes ao exercício da profissão e isso se deu com Mary Richmond, da SOC, de Baltimore, que tornou realidade esse sonho. Ela propôs a criação de uma escola para o ensino de filantropia aplicada. Para ela, os problemas sociais estavam associados a problemas de caráter e a tarefa assistencial era reintegrar e reformar o caráter do sujeito. Atribuía grande importância ao diagnóstico social como estratégia de promover a reforma e reintegração do indivíduo na sociedade. Foi com Richmond que tivemos os primeiros cursos preparatórios de visitadores domiciliares. Foi com esse trabalho dos 25 visitadores sociais que se iniciaram as primeiras atividades nas instituições públicas americanas. A trinômia higiene, educação e saúde impulsionaram o campo de ação do Serviço Social americano. Enquanto a SOC americana procurava ser autônoma e não atrelada à igreja, a SOC européia caminhava em rota oposta, colocando-se a serviço da Igreja (MARTINELLI, 2009). O resultado de tudo isso foi que a Europa e os Estados Unidos seguiram diferentes percursos no que se refere à profissionalização do Serviço Social. O trabalho do Serviço Social americano no início do século XX seguiu a linha psicológica e psicanalítica, que caracterizava a abordagem individual. Já na Europa, os esforços foram buscados nas Ciências Sociais, na Sociologia, na Economia e depois na pesquisa social. O pensamento conservador da Igreja Católica se tornou dominante no Serviço Social europeu. Trouxe para a prática social o controle, a repressão e os padrões estabelecidos pela sociedade burguesa. No Brasil, os primeiros passos operacionais do Serviço Social se deram no seio do movimento católico e com a ascensão do capitalismo monopolista, a partir de 1930. No campo da teoria social, as primeiras décadas do Serviço Social no Brasil tiveram a influência do pensamento social da Igreja Católica, do pensamento conservador e da sociologia norteamericana. Temos que recordar as influências das encíclicas papais pela abordagem da escola franco-belga e as análises funcionalistas norte-americanas, com as metodologias de ação, caso, grupo e comunidade. Nos anos que se sucederam à Segunda Guerra Mundial, o Serviço Social se fez presente e atuante na maior parte dos países americanos, europeus e latino-americanos. Nessa fase, o processo de profissionalização já havia avançado muito, mas a sua base religiosa havia se aliado à base científica. Porém, a parceria com a igreja foi sendo substituída pelo Estado, cuja presença se tornou marcante no cenário social e econômico. Pode-se dizer que houve interação bem sucedida entre Igreja, Estado e Burguesia. Na década de 30 do século XX o Brasil saia de um modelo agrário-exportador para o urbano-industrial, centrando-se na consolidação da indústria e na vinculação da economia ao mercado mundial, ou seja, entra-se na era do capitalismo. O que marcou o primeiro passo do Serviço Social no Brasil foi um curso para jovens paulistas, que, com esforços da burguesia e da Igreja Católica, nasceu o Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo (CEAS) que desempenhou um importante papel no sentido de qualificar os agentes para a realização da prática social. 1.3 O Questionamento do Significado Social da Intervenção do Assistente Social 26 O Serviço Social no Brasil, desde a fase do seu surgimento até a ditadura militar, não tinha uma identidade. A maneira de se produzir a identidade como categoria histórico-social e política, está relacionada diretamente com o movimento da história. É impossível estudar a identidade social do Serviço Social, sem estabelecer uma relação direta com a burguesia, com o Estado e a Igreja juntamente com o surgimento e ascensão do capitalismo e com as lutas de classes (MARTINELLI, 2009). A profissão de Serviço Social diante do capitalismo operava com uma identidade atribuída, ou seja: os agentes cumpriam funções ditadas pela classe dominante. A identidade atribuída é fixada como identidade da profissão, abrindo com isso espaço para a produção e um processo alienado, alienante e alienador da prática profissional. Como processo histórico-social e referenciado a um projeto mais amplo da sociedade, essa ruptura da alienação não é por certo um ato individual apenas. É fruto de um movimento histórico de homens livres e associados na produção de sua existência social, na busca de compreensão da realidade e na produção de uma práxis humana crítica e revolucionária. (MARTINELLI, 2009, P.137) A falta ou ausência de identidade profissional gerou graves consequências, pois fragilizou a consciência social da categoria, impedindo a mesma de ingressar nos movimentos operários. Os agentes de caridade não tinham consciência crítica e política, não conseguindo participar da prática política da classe operária. Os assistentes sociais refletiam e reproduziam a própria consciência da burguesia. A classe dominante e os agentes sociais se apoiavam mutuamente. O discurso humanitário servia para encobrir as verdadeiras intenções, e encobriam as desigualdades do capitalismo. A burguesia queria através dos agentes controlar todas as reivindicações dos trabalhadores a nível coletivo, para garantir a integração do trabalhador no circuito do capital, mediante a reprodução da sua força de trabalho. O Serviço Social fazia parte desta totalidade, pois o próprio Estado capitalista que o havia criado lhe atribuiu um espaço controlado. Sua inserção na divisão social do trabalho, também tinha a identidade atribuída, situandose como atividade profissional a serviço do ajustamento entre capital e trabalho, proletariado e burguesia, entre classes subalternas e classe dominante. Com a influência de técnicas instrumentais Franco-Belga e norte-americanas, começa-se a esboçar mudanças nas práticas profissionais, mas ainda continuava-se a reproduzir a força do capitalismo e a identidade atribuída manifestada na alienação dos agentes sociais (MARTINELLI, 2009). Mas foi na época da ditadura militar (1964-1985) que começou a renovação no Serviço Social. É em momentos de crise, de fragilidade que se busca o novo, ou seja, a produção de uma 27 nova identidade que no âmbito do Serviço Social se concretiza com o Movimento de Reconceituação. Engajados em um movimento que no âmbito interno da profissão recebeu a denominação de Movimento de Reconceituação, esses agentes assumiram, como uma causa revolucionária, a intensa e profunda analise da “situação” do Serviço Social no continente latino-americano, tanto no que se refere ao exercício profissional como aos seus fundamentos teóricos. Abrindo espaço para o debate, para a reflexão e para a crítica, tal Movimento procurou aglutinar em torno de seus objetivos a maior parte dos agentes profissionais. Não obteve, porém, uma resposta unívoca, pois a cisão do único, sobre a qual o capitalismo se constrói, havia penetrado na categoria profissional, transformando-a em uma categoria fragmentada, fragilizada e desunida. (MARTINELLI, 2009, P. 143e 144) O Movimento de Reconceituação não foi uniforme, pois a categoria se dividiu em reconceituados e não-reconceituados, em tradicionais e revolucionários. Estudos feitos nos mostram que o movimento surgiu a partir da crise e da dependência política e econômica em relação ao domínio americano. Mas esse movimento se apresentou com realidades diferentes em cada país. O movimento não era linear, porque trazia contradições de cada sociedade. Pode-se dizer que o Serviço Social, não era organizado como uma categoria profissional e no seu amadurecimento político, não tendo tomado consciência da sua força e de suas possibilidades, ainda estava na fase primitiva em termos de consciência política. De acordo com Marx & Engels (1984, p. 73), “a existência de ideias revolucionárias numa determinada época já pressupõe a existência de uma classe revolucionária”. Houve o desenvolvimento da consciência crítica, corporativa da categoria profissional, levando os agentes que partilhavam dos mesmos objetivos a lutar pela organização interna do grupo. Nesse contexto, os assistentes sociais desenvolveram um processo de discussões internas na busca por um novo perfil profissional e de uma identidade com as classes trabalhadoras. A tomada de consciência dessa nova e fecunda dimensão da identidade determinava um novo percurso para a caminhada da categoria profissional, pois colocava como um verdadeiro imperativo a busca de aproximação com as classes populares. Estas, enquanto usuários de seus serviços eram parceiras indispensáveis na tarefa de construção de identidade. Somente conhecendo a sua realidade de classe, as reivindicações coletivas de seus membros, as dificuldades materiais na produção da existência, é que se poderia reverter o quadro de uma prática impositiva, coercitiva e controlista. No plano de exercício profissional, a esse momento vivido ao final dos anos 70 e início da década de 80, correspondeu um avanço significativo da prática social, especialmente no sentido de que passou a ter um novo ponto de ancoragem, construído com base nas alianças com a classe trabalhadora. (MARTINELLI, 2009, p.147) Com o avanço das reflexões da categoria e com o reconhecimento dos impactos estruturais e conjunturais ao trabalho profissional, o Serviço Social se propõe a adotar o método dialético crítico, de Marx, que lhe permite ampliar a sua compreensão sobre a realidade social e negar a ação individualizada, concebendo o homem na sua relação com os outros homens, 28 inserido em uma sociedade em que estão presentes conflitos, desigualdades e problemas sociais que fazem parte do todo. O Movimento de Reconceituação do Serviço Social foi e é um marco para os profissionais. Ele se revela na negação da neutralidade e evidencia a inserção da profissão no contexto das forças antagônicas. O mais importante é que se buscou o repensar das questões emergentes no nível profissional, perseguindo uma nova identidade profissional, desenvolvendo a consciência crítica, cabendo aos profissionais do Serviço Social a superação das suas limitações, em um permanente esforço de reconstrução histórica da profissão. A busca do assistente social deve ser a de legitimação do Serviço Social de caráter popular, mantendo seu vínculo com a formulação de políticas sociais autênticas e públicas, colaborando na transformação da sociedade e da categoria em toda sua amplitude (MARTINELLI, 2009). II. TRABALHO COMO CATEGORIA ONTOLÓGICA DO SERVIÇO SOCIAL O trabalho foi o primeiro ato do ser humano. Desta forma, ao transformar a natureza 4 o homem transformou a sua natureza objetiva e subjetiva e com isto se tornou livre. O trabalho sendo entendido como uma atividade vital ao homem, ontologicamente deve ser concebido como o ponto de partida para a humanização do homem, para o aprimoramento da sua capacidade de pensar e servir para o refinamento dos seus sentidos (Marx, 2008). Através do trabalho, o homem construiu a sua própria história e foi se sociabilizando, tendo consciência dos seus atos; ampliou a sua universalidade e liberdade. O homem buscou satisfazer as suas necessidades através do trabalho. Como o homem é um ser racional, ele tem a capacidade de projetar o que ele deseja fazer. O homem é o único ser que transformou a natureza. Mas ao mesmo tempo em que o trabalho gerou tanto autoconhecimento, temos uma grande contradição, de acordo com Ferreira apud Marx (2008, p.20), “no capitalismo o trabalho pode se tornar uma atividade alienada e degradante, visto que o trabalhador é separado dos meios de produção, do planejamento e do resultado do seu trabalho”. No sistema capitalista o homem se aliena como ser social e de sua capacidade de projetar o processo de trabalho, ou seja, de se autodeterminar através dessa atividade. No capitalismo o trabalhador aliena-se dos meios de produção, do planejamento, do produto, e da relação com os outros seres humanos, ou seja, com o ser social genérico. 4 “O trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensível. Ela é a matéria na qual o seu trabalho se efetiva, na qual o trabalho é ativo, e a partir da qual e por meio da qual o trabalho produz. Mas como a natureza oferece os meios de vida, no sentido de que o trabalho não pode viver sem objetos nos quais se exerça, assim também oferece, por outro lado, os meios de vida no sentido mais estrito, isto é, o meio de subsistência física do trabalhador.” (MARX, 2004, P. 81) 29 1.2 O Trabalho no Capitalismo e os Processos de Alienação. O trabalho é atividade vital do ser humano, é através dele que o homem se transforma, evolui e modifica a si mesmo, de acordo com Marx (2005, p. 65) “o trabalho é condição natural da existência humana, uma condição do metabolismo entre homem e natureza, independente de qualquer forma social.” O trabalho faz a mediação entre o ser singular e o ser social genérico. (BARROCO, 2001). Na sociedade capitalista, historicamente temos conhecimento que o homem foi separado do planejamento e do resultado do seu trabalho. O homem se tornou objeto do capital. Desta forma, são muitos os níveis de alienação do homem em relação ao trabalho. A alienação ocorre durante os processos de trabalho, com o produto do seu trabalho, a alienação do trabalhador em relação a si mesmo e com os demais trabalhadores. A alienação do trabalhador, em relação ao produto do seu trabalho, ocorre quando ele não tem alcance ao que ele mesmo produz e não se identifica no que faz. A alienação do trabalhador, em relação ao processo de produção, acontece quando o trabalhador não determina o que e como fazer; já a alienação do trabalhador, em relação a si próprio, ocorre quando o trabalho se torna algo penoso, não possibilitando crescimento pessoal; e a alienação do trabalhador com os demais trabalhadores ocorrem quando não existe solidariedade e cooperação. Estas são substituídas pela competitividade. O trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz privação para o trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador. Produz beleza, mas deformação para o trabalhador. Substitui o trabalho por máquinas, mas lança uma parte dos trabalhadores de volta a um trabalho bárbaro e faz da outra parte máquinas. Produz espírito, mas produz imbecilidade, cretinismo para o trabalhador (MARX, 2004, p.82) Na sociedade capitalista moderna, temos uma grande contradição e forças antagônicas que se expressam de forma desigual: de um lado tivemos um desenvolvimento sem precedentes das forças produtivas e da capacidade humana de produzir e de pensar no desenvolvimento econômico das cidades, mas por outro lado gerou-se desigualdade, pobreza e alienação sem precedentes. A alienação cria novas roupagens e invade a vida social do ser humano transformando-o em objeto, em uma coisa. “A coisificação das relações sociais e a transformação da riqueza humana, ou seja, do produto material e espiritual da práxis, em objetos estranhos e dotados de uma vida própria, domina os homens, transformam os valores em coisas. (BARROCO, 2001, p. 34) O capitalismo impôs ao ser humano uma relação de valor em todas as suas relações e situações. Na sociedade capitalista, os valores éticos, estéticos, tendem a se expressar como 30 valores de posse e de consumo; desta forma reproduzimos sentimentos, comportamentos e individualismo como sendo algo natural do homem, alterando a nossa liberdade de sermos seres livres dotados de capacidade de reflexão e pensamento crítico. Na sociedade capitalista contemporânea a vida social se apresenta de forma fragmentada e ao mesmo tempo a vida se reproduz de forma contraditória, onde se tem um movimento de afirmação e negação da totalidade social. [...] dada a contraditoriedade da história, a alienação coexiste com a práxis emancipadora, evidenciando o movimento de afirmação e negação das potencialidades e possibilidades humanas; de criação e perda relativa de valores; de reprodução da singularidade alienada e da genericidade emancipadora. Neste contexto, a coexistência entre o maior desenvolvimento das forças essenciais do ser social e sua negação é a forma de ser contraditória da sociedade capitalista. (BARROCO, 2001, p. 36) No sistema capitalista as mercadorias são supervalorizadas; em contrapartida, o trabalhador que produz as mercadorias se transforma também em mercadoria5 e o objeto que ele produz lhe é estranho, pois não lhe pertence, e sim ao dono das forças produtivas. Deste modo o produto do seu trabalho torna-se independente com relação ao trabalhador, e este processo é alienante. No capitalismo, a liberdade de escolha dos trabalhadores é restrita, pois eles ficam impossibilitados de pensar no seu processo de trabalho, assim como de apropriar-se dos frutos do mesmo. O Trabalho é condição de subsistência dos trabalhadores, nessa ótica, os mesmos trabalham para sobreviver e sobrevivem para trabalhar. Esse processo ocorre porque o capitalista paga ao trabalhador um salário que equivale ao montante necessário para sua subsistência, isto é, o capitalista paga o necessário para reproduzir a classe trabalhadora, o salário é um custo necessário para a manutenção da força de trabalho. Ao receberem uma remuneração que lhes confere somente o necessário à subsistência, os trabalhadores deixam de viver como seres humanos livres, vivendo somente para o trabalho. As condições impostas pela sociedade capitalista à classe trabalhadora faz com que a mesma se reproduza de geração para geração, mantendo as condições para a produção e reprodução da ordem social capitalista. (FERREIRA, 2008, p. 24). A vida cotidiana transforma o homem e suas relações sociais, e o trabalho é parte significativa da vida, expressando assim o desenvolvimento humano-genérico, a universalidade do ser social e, contraditoriamente no capitalismo, sua alienação. A vida cotidiana geralmente nos leva a alienação, mas isso nem sempre ocorre. De acordo com Barroco, (2001, p.41) “a vida cotidiana não é alienada necessariamente, em consequência de sua estrutura, mas apenas em determinadas circunstâncias sociais”. Em outras palavras analisa-se que a vida cotidiana do 5 “ A produção produz o homem não somente como mercadoria, a mercadoria humana, o homem na determinação de mercadoria; ela o produz, nesta determinação respectiva, precisamente como um ser desumanizado tanto espiritual quanto corporalmente – imoralidade, deformação, embrutecimento de trabalhadores e capitalistas. Seu produto é a mercadoria consciente de si e auto ativa, ... a mercadoria humana.” (MARX, 2004, 92,93) 31 homem tem muitas condicionalidades, mas é possível o ser humano elevar-se, criando condições que permita a superação do estado de alienação. Algumas atividades na vida do homem permitem que este se eleve como ser consciente do seu estado, uma delas é o próprio trabalho, a arte, a ciência, a filosofia, a política e a ética. Isto é possível porque a alienação não é algo absoluto, mas ela anda junto nas formas de vida que se mostram ao homem. 1.3 O Surgimento da Questão Social No período acadêmico em sala de aula, desde as primeiras leituras foi necessário apreender que o objeto de trabalho do assistente social são as expressões da questão social. Sabese que não é fácil desvendar a questão social na imediaticidade do atendimento cotidiano; para isto tornou-se necessário fazer um retrocesso passando pela dialética de Marx para entender-se como esse processo se manifesta no trabalho do assistente social. Foi necessário desvendar a historicidade, totalidade e universalidade na vida do ser humano. Outro fato importante a ser descrito neste trabalho é que a questão social decorre dos conflitos do capital - trabalho. Para entendermos a totalidade do nosso objeto de trabalho é necessário desvendar as relações de produção, pois são elas que regulam todo o sistema capitalista. São as relações de produção que regulam a distribuição dos meios de produção e dos produtos, bem como a apropriação dessa divisão das forças do trabalho. Os processos de produção acabam alienando o trabalhador. Já as relações de produção fizeram com que existisse a divisão das classes sociais, denominadas de burguesia e proletariado. A divisão social do trabalho e dos meios de produção na sociedade se classifica em detentores dos meios de produção e não detentores. Com isto, temos a classe dominante e a classe dominada. A classe dominante tem uma infraestrutura de produção e tem o Estado como seu aliado. Já o Estado por sua vez é uma instituição da superestrutura que desenvolveu normas reguladoras, sejam elas políticas, religiosas, culturais e econômicas, isso tudo para assegurar os interesses da classe dominante. Esta contradição de dominante e dominado possibilitou o surgimento de uma massa de despossuídos, ou seja, uma massa de trabalhadores que sofrem com as diferenças sociais decorrentes da questão social. a questão social enquanto parte constitutiva das relações sociais capitalistas é apreendida como expressão ampliada das desigualdades sociais: O anverso do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social. (IAMAMOTO, 2001, p. 10) 32 Tem-se conhecimento que não é fácil fazer o enfrentamento das expressões da questão social. Com isto, é responsabilidade do Estado viabilizar politicas públicas e sociais voltadas ao enfrentamento das desigualdades. As políticas devem primar pela universalidade de direitos sociais, pensadas para suprir as necessidades sociais mais urgentes da população despossuída de direitos. A questão social não é um fenômeno recente, já era citado em outros momentos históricos, e tem sua intensificação ligada aos processos de acumulação capitalista e o seu fruto são as desigualdades sociais. O processo de acumulação capitalista se concretiza com a redução de força viva de trabalho, aliada a eficientes meios de produção e isto impulsiona o aumento da produtividade do trabalho social, desta forma produz-se uma população que é supérflua, ou seja, que não é aproveitada pelo capital. O próprio capital gera esse exército excedente, pois consegue produzir mais com um número reduzido de trabalhadores. Assim, ocorre a acumulação capitalista; ao mesmo tempo em que tem-se a acumulação do capital, ocorre a acumulação da miséria, encontrando-se nesta premissa a reprodução da questão social na sociedade capitalista. A questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho- das condições necessárias a sua realização, assim como de seus frutos. É indissociável da emergência do “trabalho livre”, que depende da venda da sua força de trabalho com meio de satisfação de suas necessidades vitais. A questão social expressa, portanto, disparidades econômicas, politicas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causaas relações entre amplos segmentos da sociedade civil e o poder estatal. Envolve simultaneamente uma luta aberta e surda pela cidadania. Esse processo é denso de conformismos e rebeldias, forjados na as desigualdades sociais, expressando a consciência e a luta pelo reconhecimento dos direitos sociais e políticos de todos os indivíduos sociais. (IAMAMOTO, 2001, p.16 e 17) Historicamente é conhecido que a questão social tem a ver com o crescimento da classe operária e sua luta por direitos trabalhistas, exigindo da burguesia e do Estado o reconhecimento como sujeitos que pertenciam a uma classe social. Foram as lutas sociais que superaram o domínio privado nas relações entre capital e trabalho, transferindo a questão social para a esfera pública, exigindo a interferência do Estado para o reconhecimento e a legalização de direitos e deveres dos sujeitos sociais envolvidos. Esta luta dos trabalhadores foi reconhecida pelo sistema e deu origem a uma ampla esfera de direitos sociais públicos, o que nos países Europeus , expressou-se como Estado Providência ou Estado Social ou Welfare State. Fazendo uma análise paralela do filme épico Germinal, retratado no século XIX, percebese que o filme mostra de forma precisa os processos e o modo de produção do trabalho capitalista, mostrando claramente não só o que ocorria na França, mas em toda Europa: era o 33 período da Revolução Industrial. Nesta época os operários tinham noção do seu estado de pobreza e miséria, mas como tinham medo de perder o trabalho se submetiam a condições insalubres e salários miseráveis, pois as minas de carvão estavam fechando devido à crise de mercado. Geralmente toda a família trabalhava na mesma fábrica, ou no caso, na mina, mas o salário recebido não dava condições de comprar alimentos para suprir as suas necessidades básicas. Nesta época muitos trabalhadores já tinham conhecimento de seus direitos e sofriam a influência de intelectuais da Europa. A luta dos mineiros por melhores condições de trabalho e salário, ou seja, por uma política de igualdade, foi um marco histórico, pois mostrou a união dos operários na formação de uma associação de classe, na formação sindical. O filme retrata que prevalecia na época o domínio da burguesia sobre a classe dos trabalhadores; é clara a exploração e a injustiça social expressa na desigualdade, na fome, na miséria e na morte. A burguesia era proprietária da força de trabalho, dos meios de produção e do produto final do trabalho, restando praticamente nada para a classe dos trabalhadores, que necessitavam vender a sua força de trabalho em troca de ter direito a viver, ou sobreviver. Outro fato marcante do filme é relacionado às mulheres, que eram tratadas como um objeto, uma coisa, uma mercadoria. As mulheres serviam para o prazer dos homens e não eram vistas como seres que mereciam respeito. A partir do filme analisa-se as relações de produção e de trabalho, as relações com as máquinas, as relações entre operários e capitalistas, bem como a venda da força de trabalho. O surgimento de uma consciência de classe, com a formação de associação de trabalhadores e os primeiros sindicatos, ideias como o anarquismo e socialismo também surgem neste período. As expressões da questão social se mostram claramente no filme, dentre as quais podemos citar: a fome, miséria, exploração, o trabalho infantil, desigualdade social, vulnerabilidade, desemprego e violência. As políticas públicas e sociais foram sendo conquistadas pela classe dos trabalhadores, com muita luta, nada foi dado de graça, muitos trabalhadores morreram pelas condições sub-humanas de vida naquela época. Na atualidade, a questão social foi naturalizada e transformada em objeto de programas assistenciais focalizados no combate a pobreza. Como antigamente a questão social era tratada como caso de polícia, na atualidade passou pelo mesmo processo de naturalização. O Estado colabora de forma coercitiva a reforçar a repressão, concedendo uma assistência que é focalizada e é fragmentada. Esquece-se que a questão social tem sua raiz fundante no capitalismo e sua forma de gerir as forças produtivas. Na contemporaneidade a questão social tem uma nova forma de se mostrar. 34 presencia-se hoje uma renovação da velha questão social, inscrita na própria natureza das relações sociais capitalistas, sob outas roupagens e novas condições sócio históricas de sua produção/reprodução na sociedade contemporânea, aprofundando suas contradições. (IAMAMOTO, 2001, p.18): Na modernidade, verifica-se mudanças nas formas de produção e gestão do trabalho, pois no mundo globalizado e de empresas de grande porte, em que pequenos grupos de empresas concentram seu poder e dominação econômica, as relações de produção mudaram, hoje vivemos um estágio de acumulação capitalista. Existem quatro aspectos relevantes para a produção da questão social na contemporaneidade. O primeiro aspecto reforça a lógica financeira de acumulação capitalista gerando crise e recessão, aumentando ainda mais a pobreza e as desigualdades. A crise das economias mundiais, as elevadas taxas de juros, os capitais especulativos, tudo colabora para que exista um investimento especulativo em detrimento da produção, isso gera uma redução nos níveis de emprego, agravando a questão social e consequentemente a regressão de políticas sociais públicas. (IAMAMOTO, 2001) O segundo aspecto relevante é na esfera da produção, passa-se do padrão fordistataylorista (especialização de uma função, produção em série), para a especialização flexível, ou, acumulação flexível. Essa mudança de padrão atinge o mercado de trabalho e em consequência toda a sociedade. A competitividade em âmbito internacional e a exigência em aumentar os lucros reduzindo os custos de produção, os cortes salariais e o desmantelamento da força sindical, são requisitos básicos da acumulação flexível. Exige-se um trabalhador polivalente6, com isto temos um número reduzido de trabalhadores, para o capital só interessa os especialistas. O grande desenvolvimento científico e tecnológico afetou a produção de bens e serviços, a organização e gestão do trabalho, as condições de relações de trabalho, assim como o próprio conceito de trabalho. (IAMAMOTO, 2001) No terceiro aspecto, contempla-se o neoliberalismo e os ajustes do Consenso de Washington7. O neoliberalismo reduz a intervenção do Estado nas políticas sociais e em decorrência no enfrentamento da questão social e suas múltiplas expressões, com a desculpa que 6 O trabalhador polivalente é aquele que é chamado a exercer várias funções ao mesmo tempo de trabalho e com o mesmo salário, como consequência do enxugamento do quadro de pessoal das empresas. 7 Em 1989 reuniram-se em Washington, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, o Governo dos Estados Unidos, economistas, políticos latino-americanos e caribenhos de orientação neoliberal com vistas a elaborarem um receituário para as economias periféricas. Esse receituário ficou conhecido como o Consenso de Washington e indicava dez medidas que deveriam ser seguidas pelos países, dentre elas: ajuste fiscal, redução do tamanho do estado, privatizações, abertura comercial, fim das restrições ao capital externo, abertura financeira, desregulamentação, reestruturação do sistema previdenciário, investimento em infraestrutura básica, fiscalização dos gastos e fim das obras faraônicas. Emfunção deste acordo, no campo político o Estado deveria ser fortalecido. Em síntese, os direitos sociais perdem a sua identidade e a legislação trabalhista foi mercantilizada. 35 a crise fiscal dos Estados impede uma intervenção mais efetiva na questão social. O neoliberalismo sustenta que os serviços públicos, que tem na sua base a universalidade e gratuidade, oneram os gastos do Estado. O que foi implantado foi a privatização e terceirização de muitos serviços públicos. Neste contexto o assistente social tem suas ações de trabalho comprometidas, por falta de políticas públicas e sociais. No quarto aspecto verifica-se que toda sociedade é atingida, pois a lógica capitalista prima pela competitividade, rentabilidade, eficiência e eficácia. Reforça-se a naturalização do individualismo. Neste sentido, a questão social metamorfoseia-se, tendo nova aparência. Ela evidencia hoje a imensa fratura entre o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e as relações sociais que o sustentam. Crescem as desigualdades e afirmam-se as lutas no dia a dia contra as mesmas – na sua maioria silenciadas pelos meios de comunicação – no âmbito do trabalho, do acesso a direitos e serviços no atendimento às necessidades básicas dos cidadãos, das diferenças étnico-raciais, religiosas, de gênero, etc. A globalização do capital globaliza também a questão social, atingindo não apenas os países pobres que lideram o ranking mundial das desigualdades, mas espraiando-se aos recantos mais sagrados do capitalismo mundial, sob formas particulares e distintas segundo as características nacionais. A fecundidade do legado analítico de Marx é confirmado – e não desqualificado ao se apreender as novas determinações históricas da questão social, complexificada nas suas formas de expressão, ao tempo que aprofunda-se a sua radicalidade, tornando-se transversal às mais variadas dimensões da vida das classes subalternas. (IAMAMOTO, 2001, p. 21) 1.4 A Diferença da Questão Social para as Formas de Desigualdade Precedentes. Na mesma dimensão que o capitalismo proporciona o desenvolvimento, ele produz um homem perdido, desumanizado, porque não existe cidadania para todos no sistema capitalista, visto que nos termos de Coutinho (1997), cidadania não converge com exclusão social. Para desenvolver este item analisou-se o capítulo VIII do Capital de Marx, sobre “A Jornada de trabalho”. O modo capitalista de produção ao mesmo tempo em que acumula capital, produz desigualdade social, e induz os trabalhadores a deixarem de pensar nos processos de trabalho. O trabalhador simplesmente trabalha em troca de um salário. O capitalismo é pura contradição e antagonismo, pois ao mesmo tempo em que o trabalhador produz todos os produtos de consumo, que nos satisfaz, ele, às vezes não consegue se apropriar do que ele mesmo produz e quando consegue é na condição de consumidor. Na lógica da jornada de trabalho de Marx (1989), o trabalhador não consegue comprar o carro, por exemplo, que ele ajuda a produzir. A jornada de trabalho não é uma grandeza constante, mas variável. Uma de suas partes é determinada pelo tempo de trabalho necessário à reprodução da força de trabalho do próprio trabalhador, mas sua magnitude total varia com a duração do trabalho excedente. (MARX, 1989, p. 259) 36 Por exemplo, reduz-se o tempo de fabricação de um carro, através de novas tecnologias, e este é o tempo socialmente necessário. No modo de produção capitalista o trabalho necessário só pode compor uma parte da jornada de trabalho, e a jornada de trabalho tem um limite máximo, pois existe um limite físico da força de trabalho. O capitalista compra a força de trabalho por um valor diário e este lhe pertence durante a jornada de trabalho do operário. Como qualquer comprador ele tira o máximo de proveito de sua mercadoria que no caso é o operário. O trabalho tem a finalidade de produzir o valor de troca. O tempo excedente vai variar como o capitalista vai gerir seu patrimônio. A mais valia absoluta se dá através do prolongamento da jornada de trabalho e a mais valia relativa se dá através do incremento tecnológico (MARX, 1989). No capitalismo, todos os produtos são mercadorias, inclusive o trabalhador; mas o trabalhador é uma mercadoria especial. A única mercadoria que o capitalismo não paga integralmente é a força de trabalho do operário. A lógica de exploração da força de trabalho de acordo com Marx é: o capital tem seu próprio impulso vital, o impulso de valorizar-se, de criar mais valia, de absorver com sua parte constante, com os meios de produção, a maior quantidade possível de trabalho excedente. O capital é trabalho morto que como um vampiro se reanima sugando o trabalho vivo e quanto mais o suga mais forte se torna (MARX, 263) A riqueza ocorre pelo aumento do tempo da jornada de trabalho e isto produz riqueza e ao mesmo tempo desigualdade. A desigualdade é o resultado do conflito do capital X trabalho e a sua origem está na produção das mercadorias. A questão social é desigualdade e resistência; a partir do momento que os trabalhadores lutam pela redução da jornada de trabalho isso é resistência. Podemos abstrair de Marx, a origem da contradição capital X trabalho e da questão social, assim descrita: A mercadoria que te vendo se distingue da multidão das outras porque seu consumo cria valor e valor maior que seu custo. Este foi o motivo por que a compraste. O que de teu lado aparece como aumento de valor do capital, é do meu lado dispêndio excedente de força de trabalho. Tu e eu só conhecemos, no mercado, uma lei, a da troca de mercadorias. E o consumo da mercadoria não pertence ao vendedor que a aliena, mas ao comprador que a adquire. Pertence-te assim a utilização de minha força diária de trabalho. Mas, por meio de seu preço diário de venda, tenho de reproduzi-la diariamente para poder vendê-la de novo. Pondo de lado o desgaste natural da idade etc., preciso ter amanhã para trabalhar, a força, saúde e disposição normais que possuo hoje. Estais continuamente a pregar-me o evangelho da parcimônia e da abstinência. Muito bem. Quero gerir meu único patrimônio, a força de trabalho, como um administrador racional, parcimonioso, abstendo-me de qualquer dispêndio desarrazoado. Só quero gastar diariamente, converter em movimento, em trabalho, a quantidade dessa força que se ajuste com sua duração normal e seu desenvolvimento sadio. Quando prolonga desmesuradamente o dia de trabalho, podes num dia gastar, de minha força de trabalho, uma quantidade maior do que a que posso recuperar em três dias. O que ganhas em trabalho, perco em substância. A utilização da minha força de trabalho e sua espoliação são coisas inteiramente diversas. (MARX, ....p. 263 e 264) 37 A origem da questão social está traduzida na citação acima. Todas as expressões e formas de desigualdade social que o sistema capitalista pode produzir encontram-se centrados neste conflito. A expressão da questão social surgiu no século XIX e foi atribuída pelo fenômeno do pauperismo, que foi instituído graças à instauração do capitalismo. A pobreza crescia de uma forma assustadora e os trabalhadores não tinham acesso a bens e serviços e se viam despossuídos de condições de vida decente. A palavra “pauperismo” foi trocada pela expressão “questão social” a partir da segunda metade do século XIX. A questão social a esta altura da história já se encontrava naturalizada, tanto pelo pensamento conservador laico quanto no confessional. A questão social era expressada pela desigualdade, fome, desemprego, doenças, penúria e desamparo frente a conjunturas econômicas adversas. Para o enfrentamento da questão social pensava-se num programa de reformas, mas que preservasse a ordem econômica da sociedade burguesa. Uma passagem marcante a nível histórico-universal aconteceu em 1848, quando o proletariado passou da condição de classe em si a classe para si. Os trabalhadores passaram a ter consciência politica e perceberam que a questão social estava ligada diretamente à burguesia. Somente combatendo a burguesia conseguiriam combater a questão social. Netto faz uma análise sobre a questão social baseado no Capital de Marx: A questão social está elementarmente determinada pelo traço próprio e peculiar da relação capital/trabalho – a exploração. A exploração, todavia, apenas remete à determinação molecular da “questão social”, na sua integralidade, longe de qualquer unicausalidade, ela implica a intercorrência mediada de componentes históricos, políticos, culturais, etc. Sem ferir de morte os dispositivos exploradores do regime do capital, toda luta contra as suas manifestações sócio-políticas e humanas está condenada a enfrentar sintomas, consequências e efeitos. (NETTO, 2001, p. 45 e 46) A exploração não é um traço marcante somente do regime capitalista; a exploração é anterior à ordem burguesa, mas o que é efetivado no contexto capitalista são as contradições e o antagonismo. Da mesma forma que se gera acúmulo de riqueza e de capital, acumula-se a pobreza e a miséria. Nas sociedades anteriores à desigualdade existia, mas não existia o desenvolvimento das forças produtivas, e isto legitimava as desigualdades e privações dos homens. Fazendo uma análise da questão social, exemplifica-se que os problemas sociais estão relacionados, exclusivamente, com a sociabilidade que o capital ergueu e comanda. A riqueza vem da exploração do trabalhador, a questão é que no início do desenvolvimento do regime capitalista não existiam direitos políticos, sociais e civis. A classe dos trabalhadores teve que reivindicar junto a ordem burguesa e ao Estado cada direito adquirido. Na Inglaterra surgem primeiro os direitos civis, depois os direitos políticos e, por fim, os direitos sociais. A educação 38 popular, ou dos trabalhadores foi condição primordial para a construção da cidadania e de um Estado de Bem Estar Social8 na Europa. Após o término da Segunda Guerra Mundial, o capitalismo teve “as três décadas de glória” quando o regime capitalista teve um crescimento econômico de larga escala. Mas esse desenvolvimento se deu nos países de Primeiro Mundo, porque nos países pertencentes ao Terceiro Mundo, a miséria e o subdesenvolvimento, eram seus problemas pontuais. Enquanto isso, na Europa, os trabalhadores usufruíam de políticas voltadas ao pleno bem estar social, mas isto só ocorreu com a união de classe da categoria de trabalhadores. (NETTO, 2001) Em meados das décadas de 80 e 90 do século XX, o capital imprimiu uma nova dinâmica de restauração da ordem capitalista. Com a globalização e o neoliberalismo9 o capital mostrou mais uma vez que não tinha compromisso com o social. Transferiu-se para o terceiro setor a dinâmica de gerir as politicas públicas. Mais uma vez o capitalismo mostrava a sua verdadeira intenção, que não era a de suprir as necessidades dos trabalhadores e dos despossuídos de direitos. Descobriu-se então uma nova pobreza: a população dos excluídos. Em suma descobriuse a nova questão social. A tese aqui sustentada – e, evidentemente, oferecida como hipótese de trabalho – é a de que inexiste qualquer “nova questão social”. O que devemos investigar é, para além da permanência de manifestações “tradicionais” da “questão social”, a emergência de novas expressões da “questão social” que é incomprimível sem a supressão da ordem do capital. A dinâmica societária específica dessa ordem não só põe e repõe os corolários da exploração que a constitui medularmente: a cada novo estágio de seu desenvolvimento, ela instaura expressões sócio-humanas diferenciadas e mais complexas, correspondentes à intensificação da exploração que é a sua razão do ser. O problema teórico consiste em determinar concretamente a relação entre as expressões emergentes e as modalidades imperantes de exploração. ( NETTO, 2001, p. 48) 8 O Estado de Bem Estar Social(EBES), possuem uma relação muito intima com a política social. As politicas públicas vão atender os sujeitos que estão fora do mercado de trabalho, as crianças, idosos, homens e mulheres desempregados. É o Estado que promove a subsistência das famílias que não estão inseridas no mercado de trabalho. O EBES não acontece sem as politicas sociais, são elas que vão dar sustentabilidade ao EBES. Na visão conservadora o EBES é uma intromissão no bem-estar e nas liberdades individuais de cada sujeito, desta forma o EBES é antieconômica, antiprodutiva, ineficiente e ineficaz. Na visão Liberal o EBES é um produto gerado pelas necessidades dos países industrializados. No pensamento Social Democrata Reformista o EBES é fruto de mobilização política para alcançar a plena cidadania no contexto da sociedade capitalista. Na visão Marxista o EBES é introduzido segundo medidas postas dentro dos interesses de acumulação do capital e não das necessidades sociais, são medidas com fins reguladores e disciplinadores. 9 O neoliberalismo surge como uma reação ao Estado de Bem Estar Social. Com a crise dos anos 70 e 80 do século XX, as ideias neoliberais são assumidas como a grande saída. Preconizou-se a desarticulação do poder dos sindicatos, como condição de possibilitar o rebaixamento salarial, aumentar a competitividade dos trabalhadores e impor uma política de ajuste monetário. Essas medidas visavam atingir o poder dos sindicatos, tornando possível a ampliação da taxa natural de desemprego, implantando uma política de estabilidade monetária e uma reforma fiscal que reduzisse os impostos sobre as altas rendas, favorecendo a elevação das taxas de juros, preservando desta forma os rendimentos do capital financeiro. A repercussão do neoliberalismo no campo das políticas sociais foi nítida, tornando-se cada vez mais focalizadas, descentralizadas e privatizadas. O neoliberalismo prega uma intervenção mínima do Estado na economia, deixando o mercado se auto regular com total liberdade. 39 Esta determinação que aqui é posta, leva em conta a complexa lei da acumulação capitalista. Mas devem-se levar em conta particularidades culturais, geopolíticas e nacionais de cada território. Em suma, a questão social e suas manifestações já conhecidas e em suas novas expressões, devem ser compreendidas com as particularidades histórico-culturais e nacionais de cada país. III. A PRÁTICA PROFISSIONAL COMO TRABALHO Para Iamamoto (2009), até a década de 1980 predominou uma visão endógena da profissão de assistente social. Tal modo de conceber o surgimento e desenvolvimento do Serviço Social não permitiu a apreensão do contexto mais amplo que interferia na forma como os assistentes sociais operacionalizavam seu trabalho. Apesar de ser uma profissão liberal, o Serviço Social não tem essa tradição na sociedade brasileira; esses profissionais precisam vender sua força de trabalho para instituições públicas, privadas e do terceiro setor, que implementam políticas e serviços na área social. Ou seja, para poder atuar, o assistente social depende da venda de sua força de trabalho. Em primeiro lugar, para garantir uma sintonia do Serviço Social com os tempos atuais, é necessário romper com uma visão endógena, focalista, uma visão “de dentro” do Serviço Social, prisioneira em seus muros internos. Alargar os horizontes, olhar mais para longe, para o movimento das classes sociais e do estado em suas relações com a sociedade; não para perder ou diluir as particularidades profissionais, mas, ao contrário, para iluminá-las com maior nitidez. Extrapolar o Serviço Social para melhor apreendêlo na história da sociedade da qual ele é parte e expressão. É importante sair da redoma de vidro que aprisiona os assistentes sociais numa visão de dentro e para dentro do Serviço Social, como precondição para que se possa captar as novas mediações e requalificar o fazer profissional, identificando suas particularidades e descobrir alternativas de ação. (IAMAMOTO, 2009, p. 20) Um dos maiores desafios do assistente social é superar esta visão endógena, romper parcialmente com a rotina institucional e buscar desenvolver a capacidade de inovar. Como o assistente social vende sua força de trabalho, seu empregador organiza parte do cronograma de trabalho atribuindo metas que deseja atingir através do trabalho deste profissional. Portanto, o assistente social possui autonomia relativa10 na condução do seu trabalho; ele precisa observar a 10 Ainda que dispondo de relativa autonomia na efetivação de seu trabalho, o assistente social depende, na organização da atividade, do Estado, da empresa, entidades não-governamentais que viabilizam aos usuários o acesso a seus serviços, fornecem meios e recursos para a sua realização, estabelecem prioridades a serem cumpridas, interferem na definição de papéis e funções que compõem o cotidiano do trabalho institucional. Ora, se assim é, a instituição não é um condicionante a mais do trabalho do assistente social. Ela organiza o processo de trabalho do qual ele participa. (IAMAMOTO, 2011, p. 63) 40 realidade dos sujeitos e construir propostas de trabalho que garantam e viabilizem a efetivação dos direitos sociais. 1.5 O Objeto da Intervenção. A questão social é o objeto de trabalho dos assistentes sociais que atuam com as mais variadas expressões da questão social; os sujeitos vivenciam essas expressões no trabalho desenvolvido junto à área da saúde, habitação e assistência social, questão social que é ao mesmo tempo desigualdade e rebeldia (IAMAMOTO, 2011). Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. (IAMAMOTO, 2001, P. 27) Para Ferreira (2008), o entendimento do Serviço Social como uma especialização do trabalho, conduziu a categoria a refletir sobre o seu objeto profissional. Todo o processo de trabalho possui um objeto, assim como utiliza meios para transformá-lo através da força de trabalho. As características do processo de trabalho são a atividade adequada a um fim; a matéria a que se aplica o trabalho; o objeto de trabalho; os meios de trabalho; o instrumental de trabalho. Desta forma, a ação profissional é norteada por um objetivo e é planejada para atender as necessidades humanas e possui um significado social. Quando a profissão reestrutura o sentido de sua prática e entende que esta deve ter uma direção social, a categoria profissional é instigada a definir o objeto a ser transformado pela ação dos assistentes sociais, assim como os meios utilizados para essa transformação. O objeto de trabalho do Serviço Social está vinculado ao modo de produção capitalista. Desta forma, vivemos numa eterna contradição entre a lógica do capital e a lógica do trabalho. A questão social representa não só as desigualdades, mas, também, o processo de resistência e luta dos trabalhadores. Por isso, a questão social é uma categoria que reflete a luta dos trabalhadores, da população excluída e submissa que reivindica seus direitos econômicos, sociais, políticos e culturais. Os assistentes sociais intervêm nas expressões da questão social, tais como: o desemprego, o analfabetismo, a fome, a falta de leitos em hospitais, a violência, a inadimplência, o uso de drogas, a falta de habitação, etc. A questão social se apresenta como contradição do 41 capital-trabalho, em um modo de produção que objetiva acumular capital e não tem o compromisso de garantir condições de vida para toda a população. Para Iamamoto (2011), um problema social torna-se efetivamente questão social quando é admitido politicamente e a união e as pressões da classe trabalhadora forçam a sociedade a introduzir os dilemas dessa classe na pauta de atuação dos órgãos públicos. Já para Ferreira(2008): No entanto, essas incorporações intervêm nas expressões da questão social, e não na questão social propriamente dita. Para intervir sobre a questão social, de fato, seria necessário modificar a estrutura econômica da sociedade, modificando a ordem social capitalista. Cabe ressaltar, aqui, a importância das pequenas vitórias do trabalho sobre o capital, e dos momentos históricos em que ocorre o reconhecimento das demandas da classe trabalhadora como demanda pública, pois no movimento de avanços e recuos, a classe trabalhadora adquire consciência de classe. Para transformar a realidade, as pequenas conquistas não podem ser ignoradas, pois é no processo de luta organizada que a classe trabalhadora reformula suas estratégias de enfrentamento, fortalecendo sua resistência diante à sociedade do capital, amadurecendo politicamente como classe social homogênea. (FERREIRA, 2008, p. 43) Na atualidade, as instituições que os assistentes sociais trabalham não atuam na questão social, mas sim, trabalham as expressões da mesma. Isto ocorre porque as instituições não trabalham as suas demandas como consequência da relação capital-trabalho e não tem como finalidade a mudança estrutural do capitalismo. Ao contrário, a categoria profissional dos assistentes sociais objetiva a mudança da ordem estabelecida através dos processos de trabalho de que fazem parte. Para Ferreira (2008, p. 46), “a proposta de intervenção dos assistentes sociais supera os objetivos e a atuação da instituição, pois tem a finalidade de causar impactos na relação capital-trabalho, ou seja, na questão social.” Conforme Ferreira (2008), os assistentes sociais colocam sua força de trabalho em ação com a intenção de contribuir para a mudança de diversas situações especificas que se expressam de formas distintas. Entretanto, consideram essas situações dentro de uma totalidade em que as relações de produção determinam as relações sociais. O objeto de trabalho dos assistentes sociais não se resume somente a atender situações especificas, mas refere-se à transformação dos processos sociais que as produzem. No entanto, o fato dos assistentes sociais serem executores de processos de trabalhos em instituições que visam à modificação dos efeitos e não da causa fundante das demandas sociais faz com que, muitas vezes, o produto do trabalho dos assistentes sociais se reduza a uma dimensão de um pequeno grupo de sujeitos. De acordo com Iamamoto (2011), o agravamento da questão social é decorrente da 42 reestruturação produtiva11, e isto tem gerado um aumento expressivo na procura dos serviços sociais públicos, mas estes estão sendo reduzidos pelas políticas neoliberais. Em decorrência, temos o abandono da classe trabalhadora, que além de sofrer com a falta de trabalhos formais, deixa de ter proteção pelas politicas públicas universais, ocorrendo maior demanda da questão social e crescimento das suas expressões. Ferreira (2008) descreve que a questão social adquiriu novas formas de expressão na atualidade. Entretanto, a sua base produtora permanece sendo as relações estabelecidas entre os proprietários e não proprietários dos meios de produção. Em cada década novas expressões da questão social vão surgindo, e concorda-se que a questão social não é algo novo e a discussão sobre esse fenômeno e suas novas expressões são de extrema importância para que a categoria e a sociedade juntas possam enfrentar e encontrar respostas frente as suas manifestações. Em cada década, novas expressões da questão social vão surgindo e os assistentes sociais têm condições de formular propostas de trabalho através da investigação e pesquisa da realidade social, que venham a minimizar as desigualdades. Não podemos ser ingênuos e querer considerar que o assistente social tem poder de mudar a ordem estabelecida pelas relações de produção que o sistema econômico estabeleceu, mas acredita-se que através das intervenções o Serviço Social pode defender os direitos que são negados. Afirmar o compromisso com a cidadania exige a defesa dos direitos sociais tanto em sua expressão legal, preservando e ampliando conquistas da coletividade já legalizadas, quanto em sua realidade efetiva. À medida que os direitos se realizam, alteram o modo como as relações entre os indivíduos sociais se estruturam, contribuindo na criação de novas formas de sociabilidade, em que o outro passa a ser reconhecido como sujeito de valores, de interesses, de demandas legítimas, passíveis de serem negociadas e acordadas. Portanto, colocar os direitos sociais como foco do trabalho profissional é defendê-los tanto na sua normatividade legal, quanto traduzi-los praticamente, viabilizando a sua efetivação social. Essa é uma das frentes de luta que move os assistentes sociais nas microações cotidianas que compõem o seu trabalho. (IAMAMOTO, 2011, p. 78) 1.6 Os Meios e o Produto do Trabalho. De acordo com Ferreira (2008), o assistente social é um profissional assalariado que vende a sua força de trabalho a uma instituição, que por sua vez, possui parte dos meios necessários para que ele possa efetivar o seu trabalho. Destaca-se que, dentre os meios de 11 Todo o processo conhecido como reestruturação produtiva nada mais é do que a permanente necessidade de resposta do capital às suas crises. Para fazer-lhes frente é absolutamente vital ao capital – e aos capitalistas – redesenhar não apenas sua estruturação “econômica”, mas, sobretudo, reconstruir permanentemente a relação entre as formas mercantis e o aparato estatal que lhe dá coerência e sustentação. Assim, o momento atual da subsunção real do trabalho ao capital –conhecido ideologicamente como a III Revolução Industrial – exige uma modificação das regras da sociabilidade capitalista, modificação essa necessária para fazer frente à tendência decrescente da taxa de lucro. Mota (2000, p.28) 43 trabalho que os empregadores oferecem aos assistentes sociais, temos os recursos físicos, como a sala para os atendimentos aos usuários e os computadores para emitir os pareceres, laudos e relatórios. Também podem ser identificadas as políticas sociais como meios de trabalho que são oferecidos pela instituição. Mas os meios oferecidos pelas instituições não são exclusivos dos assistentes sociais, porque as políticas sociais são instrumentos de trabalho de todos os profissionais que atuam nas diversas áreas que abrangem o Serviço Social. A apropriação da dimensão teórico-metodológica, faz parte dos meios específicos do trabalho dos assistentes sociais. A apropriação destas dimensões pelos profissionais é essencial para fundamentar e direcionar as ações dos assistentes sociais para uma prática profissional qualificada no mercado de trabalho. (IAMAMOTO, 2011) A aplicação da dimensão técnico-operativo mostra-se como uma exigência para a inserção qualificada do assistente social no mercado de trabalho. Deste modo, as técnicas e instrumentos que o profissional utiliza nas intervenções são: as entrevistas, abordagem individual ou grupal, as visitas domiciliares, a elaboração de projetos, a realização de pareceres técnicos e estudos sociais. Com isto, as técnicas e os instrumentos que os profissionais usam são intermediados pelo seu conhecimento teórico-metodológico. Com a apropriação destes conhecimentos específicos, os assistentes sociais identificam e estabelecem ações de intervenção e os meios de trabalho mais adequados para cada demanda. (IAMAMOTO, 2011) O compromisso ético-político dos assistentes sociais recomenda a defesa e o compromisso com a liberdade e os direitos já conquistados. Por isso, os assistentes sociais devem firmar o seu compromisso com a cidadania, exigindo a defesa dos direitos sociais e desta forma ampliando conquistas garantidas pela coletividade. Possibilitar o avanço no sentido de garantir o direito à educação, à saúde, à habitação, a uma vida com decência é um desafio a ser materializado. Esse rumo ético-político requer um profissional informado, culto, crítico e competente. Exige romper tanto com o teoricismo estéril, quanto com o pragmatismo, aprisionados no fazer pelo fazer, em alvos e interesses imediatos. Demanda competência, mas não a competência autorizada e permitida, a competência da organização, que dilui o poder como se ele não fosse exercido por ninguém, mas derivasse das “normas” da instituição, da burocracia. O requisito é, ao inverso, uma competência crítica capaz de decifrar a gênese dos processos sociais, suas desigualdades e as estratégias de ação para enfrentalas Supõe competência teórica e fidelidade ao movimento da realidade, competência técnica e ético-política que subordine o “como fazer” ao “o que fazer” e, este, ao “deve ser”, sem perder de vista seu enraizamento no processo social. (IAMAMOTO, 2011, p. 79 e 80) Todos os conhecimentos teóricos absorvidos durante o período de formação acadêmica se caracterizam como meios de trabalho exclusivos dos assistentes sociais e permitem o norteamento do trabalho de acordo com os objetivos ético-políticos assumidos pelo Serviço Social. 44 Para a autora Iamamoto (2011), o produto do trabalho do assistente social pode contribuir para a construção de uma sociedade igualitária, mas também pode reforçar o autoritarismo. Quando o produto é a reprodução das relações sociais capitalistas, o trabalho pode ser definido como alienado, pois os assistentes sociais não visualizam a concretização dos objetivos profissionais nos resultados do seu trabalho, ocorrendo uma relação de estranhamento frente ao produto. Quando os assistentes sociais visualizam a transformação das estruturas vigentes, através do reforço da democracia, da efetivação de direitos e o incentivo à cidadania, o trabalho passa a ser uma atividade que liberta, emancipa e humaniza. Iamamoto (2011) cita que o produto do trabalho dos assistentes sociais vai ter um resultado diferenciado conforme as demandas apresentadas pelas instituições em que os assistentes sociais prestam serviços, pois existem variações no tratamento dessas demandas entre uma entidade da esfera pública e da esfera privada. Já para Ferreira (2008): Uma instituição filantrópica ou uma ONG não executa suas atividades com o social em decorrência direta do conflito capital-trabalho, pois suas ações não são motivadas pela pressão da classe trabalhadora organizada. No entanto, o objeto de trabalho dos assistentes sociais, tanto nas instituições públicas como privadas, é a questão social em suas inúmeras refrações. A finalidade do trabalho profissional é a superação das desigualdades sociais presentes na sociedade capitalista. Portanto, os assistentes sociais tem uma finalidade única nos diversos espaços institucionais em que atuam com as manifestações deste objeto. Aqui cabe ressaltar que essa finalidade única é hegemônica no interior da categoria, mas não é assumida por todos os assistentes sociais. (FERREIRA, 2008, p. 54) Como já foi citado por Iamamoto (2011), o produto do trabalho dos assistentes sociais é condicionado pelas demandas da instituição empregadora. Com isto, estes profissionais terão produtos diversos nos diferentes espaços institucionais. Contudo, a condução do trabalho do assistente social assume semelhanças nos produtos dos processos de trabalho, haja vista que, apesar de haver condicionamento das demandas pelas instituições, estes não interferem na atividade do assistente social, já que ele possui ferramentas que o levam à proposição, para a luta de ideias e de projetos. Sintetizando, alcança uma contradição. Ferreira (2008) destaca que, embora exista um objetivo comum e preponderante no interior da categoria profissional, percebe-se a existência de uma contradição, pois as instituições em que os assistentes sociais trabalham, condicionam o produto do trabalho e nem sempre possuem os mesmos objetivos da categoria profissional. Isto se dá porque, na maioria das instituições empregadoras, o assistente social acaba intervindo no objeto institucional e não no objeto de trabalho da categoria. Assim, os assistentes sociais são constantemente desafiados a construir estratégias e ações que viabilizem o projeto ético-político da profissão, que para ser 45 materializado não depende exclusivamente dos assistentes sociais, pois ele está vinculado ao projeto societário da classe trabalhadora. IV. O DESVENDAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL NA VIDA DOS SUJEITOS A questão social precisa ser compreendida pela sua origem comum. Mesmo quando a questão social é reconhecida pelos assistentes sociais como sendo o seu objeto de trabalho, ela não é associada à sua raiz, ou seja, como resultado da exploração do trabalho pelo capital. Os diversos entendimentos acerca da questão social e a dificuldade de compreensão a partir da sua origem comum são oriundas da fragilidade de compreensão do método12 dialético-crítico. Pelo fato de não conseguirem apreender o método, os assistentes sociais não conseguem reconhecer a raiz fundante da questão social e de suas múltiplas expressões (FERREIRA, 2008). De acordo com Turck (2012), para ocorrer o desvendamento da questão social torna-se necessário trabalhar categorias como o capitalismo, as relações sociais de produção e os sujeitos; logo, analisa-se a questão social através da manifestação das necessidades de um sujeito. Sem o conhecimento da realidade do sujeito, sem o desvendamento daquilo que é aparente, é quase impossível fazer uma intervenção com qualidade e competência. Constrói-se a partir de então uma compreensão do sujeito de forma não linear, pois quem chega para ser atendido pelo assistente social muitas vezes é um sujeito que traz uma demanda individual e que nem sempre mostra o real de modo mais profundo. Cabe ao assistente social apropriar-se de mais uma categoria: a subjetividade13- surgindo, com isto, outra ligação à questão social: os processos 12 É a partir de um método que se tem a oportunidade de conhecer um fenômeno, especialmente quando se pretende nele intervir contribuindo para sua transformação. No entanto, não basta o método em si, simplesmente como caminho, é necessário que ele esteja imbricado de intencionalidade, portanto, de fundamentos teóricos que o direcionarão para desvendar a realidade que produz e é produzida pelos fenômenos, ou seja, fundamentos que se pautem em uma direção social definida, ou, dito de outro modo, fundamentos teologicamente orientados. E o Método Dialético Materialista, conforme o explicita Marx, parte da realidade concreta. Suas categorias teóricas são: a Historicidade, a Totalidade e a Contradição. Historicidade – como processo que compreende a processualidade dos fatos, sua provisoriedade e seu movimento permanente de superações; a Totalidade – como um todo articulado por conexões que permite a apropriação do cotidiano a partir da compreensão histórica, econômica e política como constituintes da construção da sociedade capitalista ocidental; Contradição - é a força motriz (C X W) que provoca o movimento de transformação instigando a partir da luta dos contrários, os processos de mudança, devir na realidade dos sujeitos. (TURCK, 2012, p. 13, 20 e 47) Quanto ao método, significa a forma de se chegar ao real por meio de várias estratégias e articulações que sejam construídas situacionalmente, ou seja, de acordo com as circunstâncias, para ultrapassar o imediato. O método é o movimento das estratégias para buscar a concretização da finalidade das ações. Tendo em vista uma ética libertária, serão necessárias alternativas de construções de mediações que sejam direcionadas para superação das obscuridades do real. O método na perspectiva dialética, é pensado para o desmonte do fetichismo das relações sociais, para se obter clareza dos processos de alienação e ao mesmo tempo, para o trabalho de conscientização, que é o contrário da alienação. (FERNANDES, 2005, p. 13) 13 A temática da subjetividade no campo do marxismo tende a ser tratada com estranhamento, não só porque no âmbito do senso comum difunde-se um antagonismo entre o campo da singularidade e dos projetos coletivos, mas, porque, igualmente, no interior da própria esquerda, a questão da produção dos sujeitos vem sendo considerada de forma preconceituosa e/ou reducionista. Silveira (2002, p.1) 46 sociais e os processos particulares de cada sujeito. Fazem-se aproximações com a essência partindo da aparência do fenômeno; a aparência trazida pelo sujeito, ao expressar sua demanda individual, mostra a aparência do fenômeno, gerando um movimento, que possibilita a apropriação dos processos sociais, que se expressam nos processos particulares, manifestado pelo sujeito. Na análise de Turck (2012), entende-se que um fenômeno só é conhecido a partir de um método. Aliado a isto, é necessário intervir no fenômeno para poder transformá-lo. Não basta o assistente social ter boas intenções na intervenção; ligado a isto é necessário fundamentação teórica, para desvendar a realidade. O Método Dialético Materialista, de Marx, parte da realidade concreta dos sujeitos. Para desvendar a realidade é necessário ver além do aparente, pois nem tudo que parece ser verdadeiro o é. É assim que os assistentes sociais vão desvendar a realidade, olhando os fenômenos de forma não fragmentada, mas fazendo uma intervenção olhando para além do aparente. Enquanto estagiária do Núcleo Assistencial de Práticas Jurídicas (NAPJ) do Escritório Modelo do curso de Direito (EMD) da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), estagiou-se durante três semestres, compreendendo o estágio I, II e III. Identificou-se a importância de analisar as demandas que os usuários traziam quando recorriam ao espaço sócio jurídico da UNIJUÍ. Não é no primeiro contato, que conseguimos desvendar as expressões da questão social, sendo necessário ampliar a visão e compreender o sujeito no contexto familiar, econômico, cultural e social nos quais está inserido. O Serviço Social atua frente às mais variadas demandas, que são refrações sociais e estas se apresentam nas formas mais diversas, tais como: o desemprego, a fome, o subemprego, miséria, drogadição, etilismo, problemas de saúde mental, conflitos familiares, vulnerabilidade econômica e social, violência, educação, prostituição, habitação, abandono, entre outros. A ação do assistente social tinha como objetivo maior fazer uma intervenção junto às expressões da questão social, sendo que na maior parte das demandas atendidas no NAPJ da Quando se fala “a minha subjetividade”, a “minha opinião”, o “meu desejo”, não se trata de algo interno que se revela ao exterior. As formas subjetivas são compostas socialmente. Todo sujeito é sempre coletivo. Assim, quando falo, muitas vozes falam em mim, muitas histórias atravessam a minha história, e isso se torna mais complexo quando se pensa no terreno da intervenção e nos postos de trabalho profissional. Embora haja uma composição singular em mim, que me difere dos demais, que difere de cada um, somente a composição é singular. Os pedaços de que é feita são partilhadas por muita gente. Neste sentido, um pressuposto que se impõe diz respeito a consideração de que a subjetividade é socialmente produzida, operando numa formação social determinada, sob o crivo de um determinado tempo histórico e no âmbito de um campo cultura [...] Marx, vai organizar essa vinculação a partir da análise do homem inserido no processo produtivo e produzindo-se. (Silveira, 2002, p. 2 e 3) 47 UNIJUÍ, foi necessária a construção de estudos sociais para subsidiar os processos jurídicos, colaborando na tomada de decisão favorável do juiz no qual os processos dão a sua entrada. Na elaboração dos estudos sociais foi necessário abordar as necessidades sociais reais do sujeito, ou seja, descrever como as expressões da questão social se manifestam na vida dos sujeitos, como por exemplo, quando um usuário vem fazer um pedido de Benefício de Prestação Continuada (BPC). Descrever as necessidades reais torna-se um imperativo, pois, por exemplo, como uma idosa vai sobreviver ganhando uma renda fixa de menos de um quarto do salário mínimo e comendo “bolacha de água e sal e banana”? Ou como entender os processos sociais que envolvem um casal de idosos que buscam a regularização da guarda de seu neto que vive no seu núcleo familiar desde os 8 meses de vida, porque seu pai além de ser usuário de drogas, era etílico, presidiário e acabou sendo morto e sua mãe o abandonou desde os 4 meses de vida, sumindo desde então? De acordo com Kosik (1976, p. 13), “A dialética trata da “coisa em si”. Mas a “coisa em si”, não se manifesta imediatamente ao homem. Para chegar a sua compreensão, é necessário fazer não somente um esforço, mas também um détour”. O que o autor quer dizer com isto, é que se torna necessário conhecer as duas realidades: a aparente e a concreta, ou seja, voltar ao passado para conhecer e entender a realidade presente. Não é na aparência dos fenômenos que será desvendada a questão social; é necessário investigar e identificar os fenômenos para poder intervir na realidade do usuário. A dialética não considera os produtos fixados, as configurações e os objetos, todo o conjunto do mundo material reificado, como algo originário e independente. Do mesmo modo como assim não considera o mundo das representações e do pensamento em comum, não os aceita sob o seu aspecto imediato: submete-os a um exame em que as formas reificadas do mundo objetivo e ideal se diluem, perdem a sua fixidez, naturalidade e pretensa originalidade, para se mostrarem como fenômenos derivados e mediatos, como sedimentos e produtos da práxis social da humanidade. (KOSIK, 1976, p. 21) É função da dialética desvendar de onde decorrem os fenômenos, como os mesmos se constituem e quais as suas dependências. Na análise da forma de desenvolvimento do material, é necessário garantir a destruição da pseudoconcreticidade chamada de método dialético-crítico, para assim desvendar a realidade. Para isso, é necessário entender a articulação entre o fenômeno e a essência, o que é secundário é o que é essencial para a constituição do conhecimento. Essa separação é o que diferencia a ciência da práxis utilitária, a qual toma o mundo da aparência como mundo real. É necessário tomar cuidado quando se faz a investigação dos fenômenos, classificá-los como secundário ou essencial, para não se colocar em risco a legitimidade da investigação. (KOSIK, 1976) 48 O desvendamento da questão social torna-se possível quando há contato com o sujeito que vem procurar o assistente social e conta a sua história de vida, e aos poucos vai mostrando como os processos sociais influenciam na sua realidade objetiva e na sua subjetividade. A referida autora fez um “Triângulo da Questão Social” para desvendar a mesma. Os processos sociais que envolvem os sujeitos também o mobilizam frente a violação de seus direitos. Esta compreensão faz emergir a “ponta do triângulo” – portanto, se há um sujeito “eu”, também a um “nós”, isto é, um espaço em que se tem a expectativa de que seja afetivo e de pertencimento, compreendido pela rede primária (os processos particulares). A realidade que se explicita em seguida traz consigo um “eles”, isto é, os processos sociais postos pelas relações que se estabelecem em uma sociedade constituída por processos de exclusão, de desigualdade social e de resistência. É assim que a questão social, ao ser abstratamente apropriada como objeto do serviço Social, a partir da Metodologia da Prática Dialética, inicialmente se explicita pelo Triângulo da questão social, dando assim suporte aos assistentes sociais para desvendá-la na vida dos sujeitos. [...] É emergente, então, a concepção de sociedade a partir da Teoria Marxista, que permite trazer para o contexto deste sujeito e dos espaços institucionais e sócioocupacionais análises que contemplem a Historicidade, a Totalidade e a Contradição. (TURCK, 2012, p. 49) Para a autora, desvendar o objeto na vida dos sujeitos colabora para que os assistentes sociais encontrem caminhos para a superação das expressões da questão social. Assim, Turck, (2012, p. 50) frisa que “o processo de reflexão dialética vai transformando esse ser, porque é movimento que produz construção, produto que, vai se qualificando, constituindo base para a descoberta de novas relações e perspectivas de construir novos caminhos”. Sendo assim, o objeto desvendado vai permitir a identificação da forma mais exata de como os processos de desigualdade social e os processos de resistência dos sujeitos vêm se constituindo, começando pela expressão que dá visibilidade à questão social. Expressões estas que se manifestam na vida dos sujeitos, como por exemplo, pela violência que uma mulher sofre de seu companheiro dentro de sua casa. Para tornar mais ampla a análise da questão social, torna-se importante tratar da totalidade conforme descreve (Kosik, 1976). No estudo da totalidade, não podemos nos limitar à análise do todo e das partes, mas garantir o seu modo dialético, assumindo a unidade das contradições e a dialética de fenômeno e da essência, da lei e da causalidade, do todo e da parte, da essência e dos aspectos fenomênicos, pois são justamente os elementos contrários que formam a totalidade. Vale lembrar que na totalidade, analisa-se conforme Kosik (1976, p. 44) “a realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido.” Enfim, a dialética da totalidade concreta não tem a pretensão de conhecer todos os aspectos da realidade e oferecer um quadro total desta. 49 A totalidade concreta como concepção dialético-materialista do conhecimento do real (cuja dependência face à problemática ontológica da realidade já ressaltamos repetidas vezes) significa, portanto, um processo indivisível, cujos momentos são: a destruição da pseudoconcreticidade, isto é, da fetichista e aparente objetividade do fenômeno, e o conhecimento de sua autêntica objetividade; em segundo lugar, conhecimento do caráter histórico do fenômeno, no qual se manifesta de modo característico a dialética do individual e do humano em geral; e enfim o conhecimento do conteúdo objetivo e do significado do fenômeno, da sua função objetiva e do lugar histórico que ela ocupa no seio do corpo social.(KOSIK, 1976, p. 61) Ao se realizar o desvendamento da questão social, o assistente social vai se utilizar de aporte teórico e os instrumentos técnico-operativos para fazer o processo de intervenção, desvendando a contradição e identificando os processos de resistência e as formas de enfrentamento para responder à violência que, por exemplo, atinge os sujeitos. Através do processo de intervenção, o assistente social vai criando estratégias de resistência em conjunto com os sujeitos envolvidos, enfrentando a violação e ou a consolidação de diretos negados. É necessário, romper-se com a alienação na prática profissional, e esta superação vai levar a apropriação do Projeto Ético-Político da profissão e consequentemente, à conscientização da existência da contradição nos espaços institucionais. Se o objeto do Serviço Social é constituído pelas refrações da questão social, esta afirmativa vai demarcar com lucidez o espaço que dará a dimensão exata do lugar que o assistente social deve ocupar para concretizar os seus processos de trabalho sob um patamar de garantia plena de direitos e de leitura de uma realidade social conexa com essas refrações. E, com a Espiral Dialética, torna-se possível, assim, configurar a questão social nos espaços institucionais e sócio-ocupacionais através desse indicativo da contradição explicitada pelo objeto desvendado na vida do sujeito. (TURCK, 2012, p. 52 53.)_ Para Turck (2012) o Serviço Social acaba assumindo uma identidade atribuída, pois a maioria dos assistentes sociais acaba se apropriando do objeto de trabalho institucional. Assumindo o objeto institucional acaba-se fazendo uma prática de trabalho usando mecanismos coercitivos, de controle, autoridade e poder. Desta forma, o assistente social torna-se um trabalhador burocrático, tarefeiro, resolvendo problemas individuais, institucionais ou adaptando-se simplesmente ao objeto institucional. Ainda com referência sobre a leitura da realidade que a autora analisa, percebe-se que os assistentes sociais têm dificuldades de articulação entre a teoria e a prática, por não conseguirem identificar o objeto do Serviço Social e o objeto institucional. É necessário que o assistente social entenda que é nas relações sociais que o capital se expressa e que é através da questão social que se especificam as refrações desse processo marcado por diferenças e oposições que se resume na forma de como a questão social vai se expressar nos espaços institucionais, configurando-se pelas relações sociais de agravamento ou de superação do objeto institucional. 50 Ao entender a origem da questão social e suas expressões, Turck (2012) afirma que são as dimensões teórico-metodológicas que darão sustentação à profissão. É o método que vai possibilitar ao assistente social apreender como se dá o entendimento das relações sociais na vida dos sujeitos. A partir desse esclarecimento, o profissional pode articular estratégias de ação que favoreçam o desenvolvimento do sujeito. A metodologia do Serviço Social está inserida em processo de construção-reconstrução, não foi dada pronta pela história. A forma de desenvolver a ação profissional se molda ao contexto da realidade, subsidiando a leitura e embasando a ação sobre o mesmo. Desta forma, também, o profissional do Serviço Social, trabalha os sujeitos para que tenham uma nova identidade, ou seja, que exista um novo sentido para a sua identidade social. 1.7 O Estudo Social como um Instrumento que Permite a Garantia de Direitos. Num primeiro momento, não é possível escrever sobre a intervenção profissional do assistente social nos espaços institucionais de inserção, sem refletirmos sobre a instrumentalidade que se utiliza para realizar a intervenção profissional. Desta forma, pode-se afirmar que a instrumentalidade diz respeito ao conjunto de instrumentos e técnicas e a teoria que servem para se fazer a intervenção e desta forma promover a ação profissional. Para Guerra: Foi dito que a instrumentalidade é uma propriedade e/ou capacidade que a profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos. Ela possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais. É por meio desta capacidade, adquirida no exercício profissional, que os assistentes sociais modificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais existentes num determinado nível da realidade social: no nível do cotidiano. Ao alterarem o cotidiano profissional e o cotidiano das classes sociais que demandam a sua intervenção, modificando as condições, os meios e os instrumentos existentes, e os convertendo em condições, meios e instrumentos para o alcance dos objetivos profissionais, os assistentes sociais estão dando instrumentalidade às suas ações. Na medida em que os profissionais utilizam, criam, adequam às condições existentes, transformando-as em meios/instrumentos para a objetivação das intencionalidades, suas ações são portadoras de instrumentalidade. Deste modo, a instrumentalidade é tanto condição necessária de todo trabalho social quanto categoria constitutiva, um modo de ser, de todo trabalho. (GUERRA, 2000, p.2) Todo trabalho possui instrumentalidade para se concretizar e com o Serviço Social não é diferente. A instrumentalidade faz parte dos processos de trabalho dos seres humanos que, ao transformarem a realidade em que vivem, transformam a realidade em que se encontram e a de outros homens. Essa ação transformadora se chama práxis. De acordo com Cancian (2012, p.03) “Marx concebe a práxis como atividade humana prático-crítica, que nasce da relação entre o homem e a natureza. A natureza só adquire sentido para o homem à medida que é modificada por ele, para servir aos fins associados à satisfação das necessidades do gênero humano.” Assim, 51 pensar a instrumentalidade do Serviço Social é refletir para além da especificidade da profissão: é pensar que são infinitas as possibilidades de intervenção profissional e cada demanda tem suas particularidades. O estudo social é um instrumento de trabalho do assistente social que viabiliza a garantia de direitos no espaço público. Analisou-se neste trabalho de conclusão de curso a experiência positiva desta prática no espaço de estágio sócio jurídico efetuado no NAPJ, vinculado ao EMD, que pertence ao Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais (DCJS) da UNIJUÍ, no período de março de 2011 a junho de 2012. Esta experiência no campo de estágio propiciou o desejo de realizar um estudo direcionado a este instrumento de trabalho. O assistente social é o profissional que adquiriu competência para dar visibilidade às demandas dos processos sociais que constituem o viver dos sujeitos, e o faz através do estudo social. É o assistente social que pode evidenciar a dimensão de totalidade do sujeito social e cabe a ele definir os meios necessários para atingir os fins propostos. O estudo social faz parte da intervenção e do processo histórico do Serviço Social, em especial no campo sócio jurídico. O estudo social é um documento de sistematização e aprimoramento de meios para a intervenção, com vistas ao exercício do projeto ético-político da profissão que se coloca na direção do enfrentamento das expressões da questão social com as quais o assistente social se depara no dia a dia. O estudo social é um procedimento metodológico específico do Serviço Social, que tem por finalidade conhecer de forma crítica, uma determinada realidade social. Desvenda-se a expressão da questão social, que é o objeto da intervenção profissional. É um instrumento de trabalho do assistente social que atua no sistema judiciário, seja como funcionário, seja como perito ou técnico. De acordo com o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS): Na construção do estudo social, não se pode perder de vista que mesmo quando se trabalha com apenas um usuário, ele é um individuo social, e a realidade social que condicionou a sua história, bem como o fato que motivou a realização do estudo, devem ser trazidos à tona por competência do assistente social. Esse sujeito tem uma história social de vida – passada e presente; viveu e vive numa sociedade em que ele, e/ou os familiares, teve ou tem alguma forma de relação com o trabalho – seja inserido, seja excluído, seja sobrante no mundo do trabalho; ele viveu ou vive em algum grupo familiar, com o qual manteve ou mantém relações fundantes e determinantes de sua forma de vida, em que as relações de gênero também se fazem presentes; ele vive em uma região, em uma cidade, em um bairro, forjados socialmente por politicas públicas que determinam sua forma de existência – nesse contexto ele tem, teve ou não acesso a bens sociais, provenientes das políticas de corte social.(CEFESS, 2005, p. 36 e 37) Segundo o texto do CEFESS (2005), é necessário que o assistente social conheça todo o universo do sujeito, bem como as relações do mundo do trabalho, suas mudanças e determinações; analisar informações sobre a família, como convivem, como são os arranjos 52 familiares, bem como os processos de socialização dos sujeitos; coletar dados sobre a família, o município e as infraestruturas econômicas, as políticas sociais que existem e que são implementadas pelo Estado. Cabe ao assistente social compreender que é nas relações sociais que o capital se expressa e que é através da questão social que se especificam as refrações desse processo marcado por diferenças e oposições, enfim, esta é a forma de como a questão social vai se expressar nos espaços institucionais, configurando-se pelas relações sociais de agravamento ou de superação do objeto institucional. O estudo social será sempre uma ferramenta de trabalho valiosa, através do qual o assistente social irá demonstrar o seu trabalho frente a uma demanda especifica da realidade social. De acordo com Turck (2003, p.28) “falar em Estudo Social é remetê-lo imediatamente para a ação profissional do assistente social. Essa relação carrega consigo a identidade do Serviço Social, confundindo-se com sua própria história.” Na modernidade, o trabalho do assistente social vem sendo requisitado para intervir nas questões conflituosas, cujo resultado desta ferramenta de trabalho vai determinar vantagem, razão, perda ou conquista nas demandas sócio jurídicas. Atualmente, este instrumento passou a ter maior relevância no campo dos relacionamentos humanos que abrangem o aspecto emocional, moral e econômico dos sujeitos envolvidos nas demandas institucionais. O estudo social é um processo metodológico específico do Serviço Social, que tem por finalidade conhecer com profundidade, e de forma crítica, uma determinada situação ou expressão da questão social, objeto da intervenção profissional – especialmente nos seus aspectos sócio econômicos e culturais. Tem sido utilizado nas mais diversas áreas da intervenção do Serviço Social, sendo instrumento fundamental no trabalho do assistente social que atua no sistema judiciário – seja enquanto funcionário, seja como perito ou como assistente técnico. (CFESS, 2005, p. 42 e 43) O estudo social dá embasamento para a aplicação de medidas judiciais nas quais se envolve o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e nas demandas que envolvem principalmente o segmento família. É um instrumento de trabalho no qual o assistente social exercita o projeto ético político e o profissional se posiciona em relação a uma realidade social. É um documento que aprimora instrumentos e técnicas para uma intervenção efetiva. Observou-se no decorrer deste trabalho, que para fazer o estudo social, o assistente social estuda uma situação/demanda, realiza uma investigação, faz uma avaliação e emite um parecer no qual aponta medidas sociais e legais que poderão ser acatadas pelo juiz ou não. Na realização do estudo social, o profissional baseia-se no que é falado pelo(s) sujeito (os), mas também se utiliza bastante da técnica da observação. Ele observa, dialoga, analisa, registra, reconstitui os fatos e fenômenos que levaram a uma determinada situação vivenciada pelo sujeito em estudo. Por meio da observação, entrevistas, pesquisas documentais e bibliográficas, o profissional 53 constrói o estudo social, “ou seja, constrói um saber a respeito da população usuária dos serviços judiciários. Um saber que pode se constituir em uma verdade”.(CFESS, 2005, p, 28) A construção do estudo social exige do profissional um posicionamento justo, pois o estudo social é um instrumento de poder. Sendo um instrumento de poder, tem-se que ter o máximo de cuidado em relatar um saber fundamentado, que não se baseia no senso comum. O estudo social vai contribuir para definir, por exemplo, o acolhimento de uma criança ou adolescente que sofreu abandono total ou impossibilidade material de oferecer cuidados dos quais necessitam pela mãe que tinha a guarda de seus filhos e vai resultar na perda do poder familiar sobre os mesmos. Ou ainda, vai fundamentar através de um norte teórico um pedido de solicitação de medicamentos; ou a guarda compartilhada de um pai e uma avó materna; e converter positivamente a solicitação de uma habilitação de adoção para um casal que não consegue ter filhos. São acentuadas as demandas atendidas pelos assistentes sociais que são subordinados do judiciário. A dimensão mais ampla e desafiadora da profissão é resistir à tensão e a alienação que a rotina do trabalho causa. A atuação nos espaços sócio-jurídicos devem ampliar a garantia dos direitos dos sujeitos que estão envolvidos nas ações judiciais, de acordo com o CEFESS (2005, p. 32), “numa articulação de lutas coletivas, negando o caráter autoritário, controlador e disciplinador que as práticas judiciárias historicamente construíram”. Para a construção do estudo social é fundamental retomar as competências e atribuições do assistente social, conforme a legislação e as diretrizes e princípios que norteiam a profissão na atualidade. Temos a Lei nº 8.662/9314 que dita sobre as competências e atribuições do assistente social. No Código de Ética profissional de 1993, um dos princípios fundamentais que direcionam o trabalho do assistente social, é: O reconhecimento da liberdade como valor ético central, a defesa intransigente dos direitos humanos, a ampliação e consolidação da cidadania, a defesa do aprofundamento da cidadania, a defesa do aprofundamento da democracia, o posicionamento em favor da equidade e justiça social, o empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, a garantia do pluralismo a opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária – sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero -, a articulação com os movimentos de outras categorias, o compromisso com a qualidade dos serviços prestados e o exercício do Serviço Social sem ser discriminado (CFESS, 2005, p. 32) Essas normas, princípios e diretrizes estabelecidos por lei, fundamentam a ação do assistente social, que trabalha com sujeitos e famílias. A construção do estudo social é definida por uma ação fundamentada nos aportes éticos e teóricos que fundamentam a profissão na 14 Que dispõe sobre a profissão de Assistente Social - de 7 de junho de 1993. 54 atualidade. Ter domínio dos meios sugere em ter domínio de um poder. Esse poder vem pelo saber profissional, que no caso do judiciário, é atrelado ao poder institucional, implicado no poder de julgamento, de decisão, a respeito da vida dos sujeitos. Fazem-se muitas perguntas e questionamentos a respeito da responsabilidade do profissional do Serviço Social em uma decisão judicial. Levando-se em conta que o judiciário busca a “verdade” dos acontecimentos ou situações para julgar com justiça, deve-se ter clareza da participação do assistente social, na construção dessa verdade. A verdade é histórica e construída socialmente. (CFESS, 2005) Na realização do estudo social o profissional vai usar todos os recursos técnicos disponíveis. Às vezes a realidade do usuário não se apresenta visível aos nossos olhos; ela está encoberta. Então cabe ao profissional estudar e se utilizar da dialética de Marx, voltar ao passado, analisando a historicidade, a totalidade, a contradição e o universo dos sujeitos envolvidos. Na definição de alternativas de ação profissional são utilizadas técnicas e instrumentos como a entrevista individual e coletiva, o diálogo, a observação, a visita domiciliar; e por último analisam-se os documentos e fazem-se registros. Com isto constrói-se um estudo social, ou seja, consolida-se um saber a respeito do usuário que procura o serviço sócio jurídico. O estudo social permite que o assistente social adquira competência profissional para dar visibilidade ao invisível. As demandas que chegam dos processos sociais que constituem o viver dos usuários trazem as expressões da questão social, evidenciando a dimensão da totalidade do usuário. Cabe ao assistente social definir os critérios e técnicas para atingir os fins propostos que é a garantia dos direitos dos usuários. É muito importante conhecer com profundidade e de forma crítica a realidade social, os aspectos econômicos e sociais que envolvem os sujeitos, dando importância ao contexto e não apenas ao fato. Na experiência do estágio I, II e III, quando efetivamente vivenciou-se o trabalho profissional no NAPJ da UNIJUI, percebeu-se que a falta de tempo às vezes é um fator negativo e determinante para desvendar as expressões da questão social conforme a dialética de Marx e para a elaboração do estudo social. Sabe-se que muitas vezes os profissionais são subordinados a instâncias superiores e no meio sócio jurídico existem prazos fixados. Então, é necessária a superação da falta de tempo do profissional para a construção de um estudo social bem elaborado em tempo hábil conforme os processos determinam. O assistente social vem utilizando o estudo social nas mais diversas áreas e modalidades, orientando o seu trabalho, tanto na fase de planejamento de certas intervenções, assim como para demonstrar a situação sobre uma realidade investigada ou trabalhada. [...] Para a sua realização, criou-se um aparato de técnicas e formas que, devidamente articuladas com métodos específicos, aplicados ao caso concreto, proporcionam respostas às necessidades da atuação profissional. [...] Um número significativo de magistrados valoriza sobremaneira a opinião do assistente social em 55 seus julgados, o que aumenta o seu compromisso técnico-profissional. (PIZZOL, 2005, p.41 e 42) A finalidade do estudo social é a garantia de direitos e a inclusão dos sujeitos no universo social; sabe-se que a maioria da população é excluída da sociedade. É o momento que o assistente social define para quê e o porquê deve-se realizar o estudo social. Na construção da finalidade do estudo social, deve-se por em prática os princípios éticos do assistente social. Enfim, o assistente social não pode ser neutro na ação profissional; deve-se posicionar, pois a intervenção vai gerar necessariamente um posicionamento da realidade investigada, garantindo os direitos sociais, políticos e civis dos sujeitos envolvidos. V. TRATAMENTO DO MATERIAL Neste capítulo, a proposta inicial foi analisar os dados obtidos através da análise dos estudos sociais selecionados. A análise e os resultados apresentados são provisórios, já que o conhecimento construído nesse estudo não é permanente. Os estudos sociais analisados foram selecionados no período de março de 2011 a junho de 2012, e apresentam as seguintes características: ESTUDO SOCIAL A: O objetivo dos usuários era a regularização da guarda compartilhada de uma criança do sexo masculino, com 5 anos de idade, a disputa se dava entre o pai e a avó materna. ESTUDO SOCIAL B: a usuária acessou o serviço com o objetivo de tratar o conflito com um familiar, devido a questões financeiras. Ao longo dos atendimentos identificou-se que a usuária apresentava problemas de saúde mental. Encaminhou-se o pedido de internação compulsória pelo risco de suicídio. ESTUDO SOCIAL C: a usuária foi encaminhada pelo poder judiciário (Juizado Federal Avançado de Ijuí – JEFA) objetivando o encaminhamento de BPC, uma vez que não possuía renda suficiente para sua subsistência e apresentava um contexto de completo abandono por parte dos seus familiares. O assistente social trabalha a partir da realidade social, do cotidiano do usuário. O Serviço Social tem um compromisso com a construção de uma sociedade mais humana, igualitária, que reforce a coletividade trabalha para que a sua ação tenha repercussão no desenvolvimento do ser humano. Nesta perspectiva, durante os estudos na academia e no estágio realizado no espaço sócio jurídico, houve uma aproximação com as dimensões teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas. Com isto, adquiriu-se conhecimento e base para a apropriação da questão social e 56 das expressões de desigualdade que existem na sociedade contemporânea, pois conforme Ferreira (2008, p. 75) “não basta intervir nas expressões de desigualdade, sejam econômicas, políticas ou culturais, pois, para a construção de processos de trabalho livres dos processos de alienação, é necessário compreender a gênese dessas disparidades”. Na experiência de estágio, junto ao espaço sócio jurídico, percebeu-se a importância da atuação do assistente social estar direcionada e comprometida com o Código de Ética Profissional, que regulamenta a profissão e discorre sobre os princípios fundamentais, destacando o “posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática” (CRESS, 2009, p. 26) O assistente social é um profissional capacitado e qualificado para apreender as situações com as quais intervêm como as expressões da questão social, diferentemente de outros profissionais que nem sempre estão capacitados a fazer. Também tem uma leitura diferenciada da documentação a qual tem acesso, como por exemplo, os processos judiciais. Subsidiado pelos atendimentos com o usuário, através da escuta sensível, o profissional contempla toda a dimensão e complexidade do universo social do usuário. Para o Cfess (2009), o assistente social é o profissional habilitado para a construção de estudos sociais, uma vez que considera a totalidade e as contradições presentes, objetivando sempre a garantia do acesso aos direitos. De acordo com Mioto (2001) e Iamamoto (2004), os estudos sociais se realizam, a partir de demandas de um determinado sujeito que chega a uma instituição pública ou privada, buscando um serviço. Os estudos sociais devem considerar o conhecimento da situação vivenciada em que o sujeito demandante está implicado e também suas condições de vida. A realização dos estudos sociais devem reconstruir processos sociais geradores de tal situação, levando em consideração o conjunto de relações e determinações sociais para permitir um conhecimento mais amplo e profundo e uma interpretação crítica da situação real. 5.1 Análise dos Fundamentos Teóricos Neste item buscou-se responder as questões que nortearam a realização da pesquisa. a) Como ocorre o desvendamento da questão social na vida dos usuários atendidos? . Para responder a primeira questão norteadora, foi elaborado um roteiro de observação sistemática, que contemplou as seguintes questões: 57 Quais os instrumentos utilizados pelos assistentes sociais para desvendar a questão social na vida dos usuários? Quais os tipos de abordagem que foram efetuadas? No que se referem aos questionamentos acima elaborados, os instrumentos de trabalho mais utilizados para desvendar a questão social e abordagens efetuadas nos três estudos sociais selecionados, foram: as entrevistas individuais e coletivas, a visita domiciliar e relatórios que subsidiaram a construção dos estudos sociais. Conforme Prates (2003) ao se realizar uma visita domiciliar, não se deve observar somente as condições de vida dos sujeitos, mas procurar-se-á apreender o seu modo de vida, que se expressa no seu cotidiano, na vida em família, no trabalho, na comunidade, no território ao qual pertence, ou seja, nas relações sociais que estabelece em sociedade. Nas visitas, busca-se conhecer o significado que os sujeitos atribuem a essas relações. Só é possível conhecer os sujeitos através de sua fala e ações; é neste momento que se conhece a sua experiência social. Historicamente, o fazer profissional está ligado à visita domiciliar, constituindo-se como um dos instrumentos mais importantes do exercício profissional. Através da visita, o assistente social se insere no cotidiano do usuário, espaço este que é de sua convivência. A visita domiciliar é uma ferramenta fundamental que contribui para o conhecimento e compreensão da dinâmica interna das famílias, pois somente no âmbito institucional do seu espaço de trabalho o assistente social não tem a dimensão do contexto no qual a família está inserida. Sabe-se que a casa ocupa um lugar fundamental na vida do ser humano, no que se refere a dimensão individual bem como na perspectiva de viver em família. Na operacionalização da visita domiciliar, o assistente social se utiliza também de outras técnicas, como, a entrevista e a observação. Neste sentido, é necessário o planejamento destas atividades para a operacionalização. Planejar significa organizar, dar clareza e precisão à própria ação; agir com intencionalidade e razão; explicar os fundamentos e organizar a ação. Assim, é importante que o assistente social organize-se, considerando que sua ação se sustenta pelos eixos teóricos, técnico e ético-político. O planejamento é uma mediação teórico-metodológica. Cabe ao assistente social se apropriar das especificidades que regem e determinam o seu campo de atuação, bem como da instituição que atua. No caso específico, a instituição em destaque tem finalidade sócio jurídica. (LEWGOY & SILVEIRA 2007) Em relação a entrevista, ao buscar-se conhecer a história de vida dos sujeitos envolvidos, não se privilegia apenas uma reconstituição cronológica, mas a história a partir de fatos 58 significativos, fazendo uma tentativa de voltar ao passado que, recuperado após várias reflexões, retorna aprofundado, liberto de suas limitações e superado; isto é dialética (PRATES, 2003). A execução da entrevista é o momento da coleta de dados, da síntese e da avaliação. Durante a entrevista, o assistente social apreende o conteúdo comunicado, tanto pela linguagem verbal como não verbal e, assim, compreende-se a realidade que se mostra através dos sentimentos, desejos e necessidades sociais. A observação na hora da entrevista permitirá a viabilização do desiframento do que não está explícito no aparente. Os questionamentos devem observar a relevância, especificidade e clareza das questões elaboradas. Na entrevista o respeito aos sujeitos é um requisito a um dos princípios do Código de Ética profissional (1993), para referir-se a não-discriminação de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, idade e condição física. (LEWGOY; SILVEIRA 2007). A utilização de técnicas e instrumentos faz parte do cotidiano profissional, cabe destacar que na entrevista é de suma importância o profissional ter a capacidade de escutar. Escutar não é fácil, pois exige uma capacidade de esforço para o cérebro. Para as autoras, Lewgoy & Silveira (2007, p. 240) “A escuta, torna possível a habilidade no uso das técnicas de acolhimento, questionamento, clarificação, reflexão, exploração e aprofundamento, silêncio sensível, apropriação do conhecimento e síntese integrativa”. Cabe relatar, que nos atendimentos efetuados no período de estágio I, II e III, observou-se a importância das técnicas e instrumentos técnico-operativos do Serviço Social. Destaca-se que, além da entrevista e visita domiciliar aqui descritos, torna-se necessário valorizar as técnicas de: acolhimento, questionamentos, reflexão, clarificação, silêncio sensível, apropriação do conhecimento e a síntese do material coletado. A reunião de todas as técnicas e instrumentos fornece as habilidades que subsidiam a construção do conhecimento, crescimento e liberdade na construção do estudo social, que permite o acesso aos direitos sociais que são buscados pelos usuários do NAPJ. b) Como o assistente social desvenda as expressões da questão social na vida dos usuários atendidos? O roteiro de observação sistemática consistiu nas seguintes questões: Quais são as expressões que dão visibilidade à questão social? Como os processos sociais impactam nos processos particulares dos usuários do NAPJ? Para Turck (2012), os processos sociais decorrentes da estrutura econômica da sociedade se manifestam na comunidade em que os sujeitos vivem e constroem sua vida. É um espaço social amplo e específico, entendido como a sociedade internacional, a brasileira, o estado e o 59 município. É nos processos sociais que se identificam as formas de resistência às estruturas sociais e institucionais que geram exclusão e desigualdade social, que se expressam na vida dos sujeitos, predominantemente atendidos pelos assistentes sociais. Nos estudos sociais construídos no decorrer dos estágios supervisionadas em Serviço Social I, II, III, no ano de 2011 e primeiro semestre de 2012 (selecionou-se 03 para análise) No estudo social (a) percebeu-se que as expressões da questão social mais evidentes são: a violência, o abandono, a fragilização nas relações familiares, o embrutecimento humano. Todos esses processos sociais desencadearam em Elisa15 dificuldades em exercer o direito à maternidade (família incapacita Elisa), pois sempre foi tratada como “louca” por sua mãe Luísa e familiares, tanto que seu filho Eliseu tem medo de chegar próximo dela. “no relato da avó materna Luísa, a mesma contou-nos que o neto Eliseu é filho de sua filha mais velha Elisa. Mãe e filha nunca conseguiram manter uma convivência harmoniosa, pois Elisa, sempre foi muito agitada e nervosa. Segundo Luísa, não conseguem conviver juntas e essa situação dificilmente mudará. Luísa diz que ninguém consegue se relacionar com sua filha e não consegue acreditar nas falas de Elisa. A avó materna conta que “metade das coisas que Elisa conta são inventadas por ela. (LUISA)” [...] a usuária diz que Elisa sempre foi assim, e não conseguiu cuidar do próprio filho.[...] Pedro, o pai da criança relata que o filho tem medo da mãe Elisa.[...] os problemas foram se agravando tanto que até o Conselho Tutelar foi acionado para intervir na situação” (estudo social A) A expressão da questão social que dá maior visibilidade no estudo social (a) é o abandono, vulnerabilidade afetiva e econômica, pobreza, violência e desemprego. A violência e o abandono tornam-se visíveis quando referidos a Elisa. Este contexto desencadeou o pedido de guarda compartilhada, solicitado pelo pai Pedro e a avó materna Luísa no NAPJ da UNIJUÍ. Neste contexto, os processos particulares apontados nesta demanda são evidenciados pelo descaso e abandono da avó materna em relação a filha Elisa. O estudo social (a) descreve a preocupação do pai da criança com relação à ex-companheira, relatando que ele “é o único que se preocupa com Elisa: “[...] se eu largar mão da Elisa, não vai ter mais ninguém que olhe por ela” (PEDRO) Percebe-se que os processos sociais e os processos particulares nesta família foram pautados pelo abandono e completo descaso da mãe Luísa em relação à filha Elisa. A usuária Luísa separou do primeiro marido e ficou com 2 filhas para cuidar. A pobreza e a miséria eram 15 Todos os nomes citados nesse trabalho são fictícios para preservar a identidade dos sujeitos. Estudo social (a) Elisa= mãe da criança de 5 anos. Luísa= mãe de Elisa Eliseu= filho de Elisa e Pedro. Pedro= pai de Eliseu e ex-companheiro de Elisa. 60 evidentes e a relação de Luísa com a filha mais velha (Elisa), foi afetada pelo embrutecimento humano, decorrente da pobreza e degradação humana na qual ela se encontrou após a separação. Todos os problemas que ocorriam eram direcionados à filha mais velha. Este processo distanciou mãe e filha. Para Luísa, a filha Elisa sempre foi a mais rebelde, a que deu mais problema e não existia diálogo entre as duas, somente acusações. Este processo foi distanciando mãe e filha e culminou com a institucionalização de Elisa por um período na adolescência. Quando Elisa começou a se relacionar com Pedro estava desempregada, não tinha trabalho fixo, se sustentava somente com “bicos” (PEDRO). Pedro ajudou Elisa a conseguir trabalho de empregada doméstica, mas ela ficava de 3 a 4 meses no trabalho e era demitida, porque faltava muito e não aceitava reclamações de suas patroas em relação ao seu trabalho; “o problema é que ela não para em nenhum trabalho, por causa de seu temperamento” (PEDRO) O usuário Pedro relatou que tentou ajudar Elisa, encaminhando-a para tratamento psicológico, mas ela não quis permanecer na instituição. “Elisa, tinha 90% do seu dia bem, mas nos outros 10% se transformava. Ela não podia ser contrariada, se isso ocorria, o que ela tinha na mão atirava contra mim” (PEDRO). A infância e adolescência de Elisa foram permeadas por processos de abandono. Na fase adulta quando se deparou com uma gravidez não planejada, recorreu a medidas extremas para perder o feto, mas isso não ocorreu. Pedro relata que a gestação de Elisa foi conturbada, a gravidez não foi planejada. “Teve crises, atirava objetos e quebrava tudo o que podia” (PEDRO). Quando Elias nasceu, Elisa sentiu-se incapacitada para cuidar do filho. “Nem amamentar o filho ela conseguiu” (PEDRO). O mesmo processo de rejeição, abandono e falta de amor que Elisa foi submetida na fase de criança e adulta, foi reproduzido por ela na gestação e nascimento do seu filho. A reprodução das relações sociais é entendida como a totalidade da vida social, o que abrange não apenas a reprodução da vida material e do modo de produção, mas também a reprodução social e espiritual da sociedade e das formas de consciência social através das quais o ser humano se posiciona na vida social. A reprodução das relações sociais é a reprodução de um determinado modo de vida, do cotidiano, de valores, é a forma como se produzem as ideias na sociedade. Ideias que se expressam nos padrões do comportamento humano e que permeiam toda a trama das relações na modernidade (YAZBEK, 2008). Pode-se inferir que por não ter sido maternada, Elisa teve dificuldades de cuidar do seu filho em um processo no qual ocorre a reprodução de valores. Nesta demanda pelo pedido de guarda compartilhada, percebeu-se que os processos particulares foram permeados por violência, indiferença, banalização e repetição dos 61 comportamentos. A relação de mãe e filha era baseada em brigas, violência e abandono, em consequência, os vínculos familiares se fragilizaram. Foi no relacionamento com Pedro que Elisa vivenciou um relacionamento mais humanizado. Pedro se preocupava com ela e ainda hoje, percebe-se preocupação, carinho, afeto e amor. O período de convivência de Elisa com Pedro foi marcado pela reprodução de violência, mas está foi instituída por Elisa, que queria exercer o mesmo tipo de comportamento ao qual ela havia sido submetida quando criança. As expressões que dão visibilidade à questão social, no estudo social (b), são o abandono e a vulnerabilidade psicossocial. Durante os inúmeros atendimentos que foram efetuados à usuária, percebeu-se a carência afetiva e o abandono sofrido pelos seus irmãos. A usuária é solteira, nunca constituiu família e trabalhou durante 30 anos em Porto Alegre, para ajudar os irmãos financeiramente, crendo que quando chegasse à fase de idosa teria um retorno dos mesmos para cuidá-la. Como isso não ocorreu, desencadeou-se um processo particular de doença mental (como síndrome do pânico, esquizofrenia, mania de perseguição e alucinações). Foi possível perceber no estudo social (b), que os processos sociais evidenciados em relação à usuária Valéria estão ligados a fragilização dos vínculos familiares, abandono, negligência dos familiares e falta de atendimento da rede Municipal de Saúde, diga-se, Secretaria Municipal de Saúde (SMS) em acolher a usuária, pelo fato de não ter um familiar que se responsabilizasse por ela. A Lei nº 10.216 de 06/04/2001, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. No Art. 3º desta Lei, É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais (BRASIL, 2001). Observou-se na demanda do estudo social (b) que a rede municipal eximiu-se da responsabilidade de atendimento à usuária, pelo fato de não haver um familiar que se responsabilizasse pela mesma. Pereira (2006) descreve sobre o pluralismo de bem estar social como um pacto social no qual a iniciativa privada, a comunidade e a família dividem a responsabilidade social em relação aos cuidados como os familiares mais frágeis como idosos e crianças. Ela fala sobre o pluralismo individualista e o pluralismo coletivista, no primeiro o Estado delega a família a responsabilidade em relação aos cuidados dos membros mais frágeis e no segundo ele dá subsídios para que a família possa cuidar. No entanto, na situação supracitada ocorre o abandono familiar, em momentos como esse geralmente o profissional de serviço social busca subsídios jurídicos para que os familiares se responsabilizem pelo cuidado. Foi isso que se 62 realizou, foi chamado o irmão (ROBERTO16), para responsabiliza-lo quanto aos cuidados da Valéria. “no dia 08.03.2012 a assistente social do NAPJ, realizou contatos telefônicos com o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS 1) e CAPS Colméia objetivando a inserção e o acolhimento da usuária por parte da rede de serviços através da sensibilização para o tratamento. As assistentes sociais A e D do CAPS 1 e a Coordenadora C do CAPS Colméia informaram que estas demandas devem ser encaminhadas via rede de atenção básica, pois a senhora em questão não é paciente do CAPS e para este atendimento necessita de encaminhamento e acompanhamento de um familiar responsável.[...] em virtude desta orientação e do não acolhimento da demanda, no dia 12.03.2012, a assistente social do NAPJ entrou em contato telefônico com a Secretaria Municipal de Saúde, sendo atendida pela assistente social G. Sensibilizada pela solicitação G acolheu a demanda e informou-nos que encaminharia para a colega H. [...] foi construído um relatório de atendimento e encaminhamento à profissional H, onde relatou-se e contextualizou-se o histórico de acompanhamento realizado pelo Serviço Social do NAPJ. Infelizmente até a data da construção do estudo social não houve retorno da assistente social H. (estudo social B) Segundo informações do irmão Roberto (único que mantem vínculo com a usuária), nos 30 anos que ela morou em Porto Alegre, relacionou-se com seu chefe por um longo período e deste relacionamento Valéria engravidou. Não existindo uma aceitação da gestação pelo companheiro eventual (chefe), a usuária provocou um aborto. Isso ocorreu há 20 anos. Este processo pode ter desencadeado os problemas de saúde mental, pois na visita domiciliar realizada à casa de Valéria, a mesma relatou que há aproximadamente 15 anos ela procurou um médico psiquiatra e passou a tomar Valium 10 mg, “para a bexiga” (VALÉRIA). No relato da usuária constatou-se que existia um histórico de problemas de saúde mental na família; a progenitora da família sofria de depressão desde jovem. Valéria cresceu vendo sua mãe ter medo, a idosa tinha medo de ficar sozinha, de ir ao banheiro, de tomar banho e de permanecer na casa. No período que Valéria morou em Porto Alegre, o irmão Roberto e sua esposa Maria se responsabilizaram pelos cuidados com a mãe idosa e doente. Quando esta faleceu, Valéria voltou para Ijuí. Nesta demanda do estudo social (b), percebe-se que o abandono e a vulnerabilidade emocional são as manifestações evidenciadas nos processos particulares vivenciados dentro da família e nos relacionamentos afetivos da usuária. Assim, reproduz-se a violência. Nesta demanda ela é retratada pelo abandono familiar e pelas políticas públicas, quando omitem-se de 16 Estudo social (b); Roberto= irmão de Valéria. Valéria= usuária idosa com problemas de saúde mental. Coordenadora CAPS Colméia = Inicial fictícia C Assistentes sócias do CAPS I = Iniciais fictícias A e D Assistentes sociais da Secretária Municipal de Saúde Ijuí= Iniciais fictícias G e H. 63 prestar atendimento embasado na falta de um familiar (irmão) que se responsabilizasse pela internação de Valéria. Cabe frisar que Valéria tem 2 irmãos, além de Roberto. A vulnerabilidade emocional de Valéria ficou evidenciada pelo “apego” que se estendeu à estagiária Lenir. Quando Valéria não conseguia vir semanalmente para o atendimento no NAPJ, ela entrava em contato via telefone e relatava todo processo de vulnerabilidade e abandono. Chegou a propor para a estagiária Lenir que lhe arranjasse um pequeno quarto na residência da estagiária referida. Enfatiza-se que, neste primeiro semestre de 2012 em todas as segundas e quartas-feiras a usuária entrou em contato telefônico solicitando conversar (atendimento) com a estagiária Lenir, relatando seu sofrimento e perseguições pelas quais passa todas as noites. A usuária afirma que, “existe uma luz forte de cor vermelha e que sai uma fumaça branca que me deixa paralisada, com os braços inchados e mãos também” (VALÉRIA) Por varias vezes tentou mostrar aos vizinhos, “mas estranhamente ninguém enxerga nada em mim” (VALÉRIA). Durante todos os atendimentos realizados pode-se perceber que a Valéria está com sua saúde mental comprometida. (estudo social B) Como forma de proteger a usuária do abandono e descaso, acionou-se o irmão Roberto para responsabilizar-se por ela no pedido de internação compulsória. Através do acompanhamento realizado até o momento identificou-se que a usuária necessita urgentemente de intervenção médica e medicamentosa a fim de estabilizá-la e protegê-la. Conforme exposto, neste momento, sugere-se internação compulsória em virtude da recusa em submeter-se ao atendimento e tratamento médico; do não entendimento sobre sua situação e condição (doença) e nem as consequências para sua vida pessoal, familiar e social; da dificuldade de manter diálogo com as pessoas com as quais convive – comunidade, familiares e até mesmo com a equipe do Serviço Social. (estudo social B) Segundo a Lei 10.216 de 2001, é assegurado ao doente em saúde mental: Art. 1o Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra. Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; [...] (BRASIL, 2001) 64 A partir das contribuições de Kosik (1976), sabe-se que a realidade do sujeito não se apresenta no aparente de forma total, apenas parcial. Ter clareza de que existe mais de um sentido da qual se reveste a realidade social é essencial para o assistente social, para que, imbuído de uma visão de homem e de mundo, de entendimento crítico do objeto de trabalho profissional, consiga captar suas contradições. Nessa perspectiva, são fundamentais as categorias totalidade, historicidade e universalidade que estão inseridas na realidade concreta dos sujeitos. Desta forma, ao conceber a ação profissional o assistente social intervêm, desvenda e transforma a realidade social dos sujeitos. O assistente social é um trabalhador que atua com o sujeito real, “de carne e osso”, com sua história de vida real. Ir Apreendendo por sucessivas aproximações a totalidade da dimensão do sujeito social é necessário para construir o estudo social. No estudo social (c), as expressões da questão social desvendadas são: a vulnerabilidade econômica, fome, miséria, fragilização dos vínculos familiares, vínculos rompidos e abandono. Carmem17 procurou o JEFA para encaminhar o BPC, pelo fato de não possuir renda para sua subsistência. Destaca-se que a usuária procurou acessar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para fins de encaminhamento do BPC, o qual foi negado pelo fato da usuária receber R$ 140,00 reais mensais; o critério de exigência pelo INSS é que o idoso ou deficiente receba uma renda mensal inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente. (BRASIL,1993) Idosos, com idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, cuja renda per capita familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente. O BPC foi instituído pela Constituição Federal de 1988, e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, Lei Nº 8.742, de 7/12/1993 e pelas Leis Nº 12.435, de 06/07/2011 e Lei Nº 12.470, de 31/08/2011, que alteram dispositivos da LOAS e pelos Decretos Nº 6.214/2007 e Nº 6.564/2008. (BRASIL, 1993) Os processos sociais identificados no estudo social (c) foram relacionados à pobreza, abandono, fragilização dos vínculos familiares e embrutecimento humano. A usuária Carmem é idosa e foi encaminhada para o atendimento através do JEFA. A demanda de Carmem recebeu uma atenção especial, por tratar-se de um caso de urgência. Tornou-se evidente como as relações sociais postas pelo modo de produção capitalista geram pobreza, desigualdade social e excluem os sujeitos da vida em sociedade. Fraga (2010), explica que para ocorrer o desvendamento da questão social nas demandas dos usuários, é necessário que o assistente social tenha um olhar diferenciado ou investigativo. A atitude investigativa, busca pelo desconhecido, o que está nas entrelinhas, é curioso e persistente. 17 Estudo social ( c) Carmem= usuária idosa. 65 Nesta perspectiva, a atitude investigativa está em busca do novo, reconstrói-se o que existe, facilitando a releitura da realidade social investigada. Durante as observações, oriundas da visita domiciliar realizada a casa da usuária do estudo social (c), pode-se observar o seguinte quadro na residência: Foi possível observar que Carmem estava bastante abatida e pálida, o que deixa visível a sua saúde debilitada (inclusive a alimentação inadequada pela escassez de alimentos). Ela caminha com dificuldade, tem a coluna curvada, problemas advindos da idade e doenças, mas também, por não ter condições de se alimentar adequadamente. Relatounos constrangida e envergonhada, que se alimenta apenas 01 vez ao dia. Sua alimentação tem sido “banana e bolachas”, fato que deixou-nos extremamente preocupadas com a situação da usuária, pois está “passando fome”. [...] relatou que tem problemas intestinais, urinário e problema de circulação de sangue nas pernas. A usuária pareceu-nos resistente em procurar atendimento médico, pois sabe que serão receitados medicamentos e dietas especiais que não será impossível adquiri-los. O estado de saúde da usuária é fragilizado. Os vínculos que envolvem a usuária e a família são bastante fragilizados. [...] não recebe visita dos filhos e netos por desentendimentos com uma nora e com seus filhos. [...] Observou-se que a usuária precisa de acompanhamento psicológico, encontra-se depressiva pelo fato de morar sozinha. Ela não se relaciona com os vizinhos. (estudo social (b)) Foi possível perceber e observar que o contexto da usuária do estudo social (c), é de extrema pobreza e miséria. Diante do relato da própria usuária, o abandono do esposo desencadeou o processo de abandono dos filhos em relação a ela. Percebeu-se muitos problemas de relacionamento e situações de cunho familiar mal resolvidas, assim, a situação de abandono, vulnerabilidade e fragilização são as expressões mais visíveis no contexto da usuária. A falta de alimentos é o que mais chama a atenção neste estudo social, é a própria miséria instituída. Para a usuária as necessidades mediatas e imediatas são: comer, poder tomar banho quente (atualmente ela toma banho 01 vez por semana), ter gás e fogão para poder cozinhar. A usuária não consegue prover o seu sustento e nem tê-lo de sua família. Desta forma, ela deve ser amparada pela Lei 8.742/93 da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS em seu artigo 20, pois se enquadra nos critérios, requisitos legais para recebimento do BPC. Pode-se afirmar que a assistência social enquanto direito do cidadão e dever do Estado, é uma política de seguridade social não contributiva que provê os mínimos sociais (sabe-se que não são mínimos e sim básicos), através da iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas a todos que dela necessitarem, como é o caso da usuária. Objetivando, assim, a garantia da sua subsistência, através do benefício, e uma melhor qualidade de vida, possibilitando condições dignas para seus cuidados e de vida como cidadão. Direitos de cidadania são os direitos humanos, que passam a constituir-se em conquista da própria humanidade. A cidadania, pois, significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da vida. Isso exige organização e articulação política da população voltada para a superação da exclusão existente. (CORRÊA, 1999, p. 217) 66 Demonstrar as relações entre a questão social e direitos implica no reconhecimento do indivíduo social com sua capacidade de resistência e conformismo diante das situações de opressão e exploração vivenciadas; com suas buscas e iniciativas para enfrentar fatalidades; com frustações e sonhos de se ter dias melhores. Trata-se, enfim, de pensar a vida e os indivíduos em suas relações concretas e densas de historicidade. E, neste sentido, reflete-se que a essência humana encontra-se no conjunto das relações sociais historicamente determinadas. Assim, podese dizer que os sujeitos, produzem, participam, determinam e viabilizam a elaboração da sua história, ao mesmo tempo em que são movidos e determinados por esta. (BEHRING; SANTOS, 2009) c) Como o estudo social contribui na garantia de direitos no espaço sócio jurídico? Ao analisar a construção do estudo social, e o acesso à garantia de direitos, torna-se necessário pontuar sobre a responsabilidade coletiva dos diversos segmentos sociais na produção das demandas dos sujeitos que chegam para o atendimento com o Serviço Social, ou seja, a responsabilidade social na produção das demandas que os assistentes sociais concebem como expressões da questão social. Essas demandas se manifestam na vida dos sujeitos, sujeitos estes que se constituem na sociedade e na vida em família, ou se desconstituem pelo completo abandono social e familiar, como se referenciou na análise dos estudos sociais acima citados. Neste sentido, é importante compreender que todos são responsáveis pelas desigualdades sociais que existem na sociedade. Não existe um único responsável, pois os sujeitos, o sistema de mercado e o Estado estão envolvidos na produção das demandas que se constituem como expressões da questão social. Mas a responsabilidade do modo de produção capitalista é maior, pois os processos sociais desencadeados na estrutura econômica da sociedade influenciam a política fazendo com que o Estado deixe de pensar no bem-estar das pessoas, sejam elas idosas, crianças, incapacitadas ou de um adulto, pois se considera que ninguém é autossuficiente. Mesmo atribuindo uma responsabilidade maior ao modo de produção capitalista, reflete-se que todos são corresponsáveis, a partir do momento que se vive em sociedade. O estudo social não deixa de ser uma fotografia de uma realidade social na qual o assistente social tem acesso. Escrever sobre os sujeitos que estão envolvidos nas demandas e os processos que envolvem as suas vidas, requer pensar na família, por ser o primeiro núcleo de referência dos indivíduos na vida social e por consolidar a sua condição social. A família é conhecida como instância de proteção social, inclusive em termos legais. No Brasil, além de 67 constar na Constituição Federal de 1988 e do Código Civil, essa condição aparece em outras leis vinculadas à proteção social (MIOTO, 2006). Tradicionalmente, a família é concebida na sua condição histórica e as configurações que ela vai assumindo na passagem do tempo e das culturas estão condicionadas às diferentes formas de relações sociais que se estabelecem. Assim, distingue-se a sua diversidade, descartam-se modelos de estrutura e de relações do ideal de amor e da harmonia ao tomar o conflito como inerente às suas relações, inclusive aquelas que são estabelecidas em outras esferas da sociedade. Na realização dos estudos sociais é necessário, em termos gerais, conhecer as formas assumidas pelas famílias, isto é, como se estruturam suas relações e os limites que existem. Deve-se analisar como ela exerce a proteção social de seus membros e como o Estado/Sociedade provê suas necessidades. Trata-se de um trabalho complexo, que exige clareza sobre a sua compreensão, pois a falta dela pode resultar numa ação profissional que reduz o social ao familiar e a proteção social à solidariedade familiar. A falta de clareza pode levar à perda da perspectiva de totalidade e da lógica dos direitos e da cidadania. (MIOTO, 2006) Na prática profissional, o assistente social atende demandas complexas, geralmente decorrentes da desigualdade social. Para identificar as demandas é necessário o domínio do conhecimento teórico e a postura ética profissional. Estabelecer a relação entre as expressões da questão social que atende diariamente e sua construção na história dos sujeitos sociais é fundamental. No cotidiano do trabalho do assistente social, atendem-se sujeitos, famílias ou grupos que vivenciam situações de violência, ruptura de vínculos familiares e sociais, desenraizamento territorial e social, exclusão do trabalho, da saúde, educação, habitação, cidade e desinformações que limitam o acesso aos direitos sociais. Diante das expressões concretas da barbárie social que envolve a modernidade, e que se manifestam na prática profissional diária com muitas aparências, não é possível ao assistente social dar conta sozinho de seu enfrentamento, pois se exige o trabalho coletivo. No caso específico do estudo realizado, percebeu-se a importância de trabalhar em conjunto com os profissionais da área do Direito, pois são nos encaminhamentos coletivos que se tem uma perspectiva de acesso, garantia e ampliação de direitos. Assim, cabe ao profissional, no trabalho cotidiano, investigar, para desvendar a aparência do imediato. (FÁVERO, 2012) No conteúdo dos estudos sociais, geralmente referencia-se a uma ou mais expressões da questão social, aliada a questões de ordem emocional condicionados pelo sofrimento vivido por sujeitos ou famílias em razão do não acesso a condições dignas de vida. Com base nos estudos sociais aqui analisados, por exemplo, descrevemos o desemprego, a violência, a fome, miséria, o 68 abandono de filhos em relação a mãe idosa, o abandono de irmãos em relação a irmã idosa, desencadeando processos de doenças relacionadas à saúde mental e à saúde física. Na elaboração do documento final do estudo social, o assistente social passa a dispor de um conjunto de informações fundamentais para desencadear outros processos. O principal é a garantia dos direitos e a efetivação da proteção social. As informações e as análises geradas a partir dos estudos sociais podem colocar na agenda pública o debate sobre o acesso aos direitos, ou como estão sendo acessados esses direitos no âmbito das políticas sociais e ainda sobre a qualidade dos serviços responsáveis pela execução das políticas sociais. (MIOTO, 2006) Enfim, a sistematização das informações dos estudos sociais contribui para a construção de respostas coletivas às demandas e às necessidades da população. Eles não só expressam as dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas, técnico-operativas do trabalho do assistente social, mas também o caráter investigativo da profissão. (MIOTO, 2006). Nos estudos sociais produzidos no NAPJ, pode-se afirmar que houve a garantia do acesso aos direitos negados. No período de estágio, os referidos documentos contribuíram para o acesso dos sujeitos ao direito por eles buscado. Sabe-se que os estudos sociais produzidos neste espaço sócio jurídico são referência para a tomada de decisão do juiz e são instrumento de convencimento do julgador. Obteve-se acesso a um parecer que evidenciava a importância do assistente social e da construção deste documento que é inerente ao profissional do Serviço Social. 69 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve como objetivo central discutir acerca do estudo social como instrumento viabilizador de direitos dos usuários que se utilizam do espaço sócio jurídico do NAPJ da UNIJUÍ. O objeto que norteou a construção deste trabalho foi analisar o estudo social como viabilizador de garantia de direitos no espaço sócio jurídico. Através da realização desta pesquisa, buscou-se responder a pergunta do problema de pesquisa que indagou se o estudo social é um instrumento de viabilização de direitos no NAPJ da UNIJUÍ. De acordo com as análises efetuadas, chegou-se à conclusão que os estudos sociais viabilizam direitos a partir do momento que o assistente social desvenda as expressões da questão social e faz um detour, ou seja, desvenda os processos sociais e os processos particulares da vida de cada sujeito e família. Para desvendar as expressões da questão social que não se mostram no aparente da vida cotidiana e da vida em sociedade, o assistente social retrocede ao passado e busca a totalidade da realidade concreta dos sujeitos atendidos. O assistente social utiliza instrumentos para compreender e desvendar como os processos sociais decorrentes da estrutura econômica da sociedade produzem tais demandas, ou seja, busca conhecer/desvendar as demandas em uma perspectiva de totalidade. Não é recente o debate no Serviço Social brasileiro, mas é sempre importante não perder de vista que a simples aparência de um fenômeno não revela o seu real. É preciso captar a sua essência. No caso específico deste trabalho realizado, o rigor na análise das expressões da questão social em sua totalidade permitiu uma apropriação necessária dos processos e das especificidades de cada sujeito e família atendida no NAPJ da UNIJUÍ. Desta forma, fundamenta-se este fazer e saber específico com as dimensões técnico-operativa, teóricometodológica e ético-política. Ao utilizar a dimensão técnico-operativa, ou seja, as técnicas e instrumentos de trabalho o assistente social observa, realiza a entrevista, a visita domiciliar, a escuta sensível e assim compreende a realidade dos sujeitos e decifra o que não está explícito no aparente. Desta forma, aliado a dimensão teórico-metodológica o assistente social desvenda as expressões da questão social. Este embasamento permitiu a reflexão de que em todas as demandas que se desvendaram as expressões da questão social, existe a responsabilidade coletiva dos sujeitos e da sociedade e que esta é compreendida a partir do momento que se entende que o modo de produção capitalista gera desigualdade, miséria, abandono, analfabetismo, falta de moradia, de educação, fome, 70 desemprego, problemas de saúde. Assim, entendeu-se que a responsabilidade maior é do sistema capitalista de produção, porque gera todas as formas de desigualdade precedente. Nos três estudos sociais que foram analisados, foram desvendadas as expressões da questão social, sendo que as expressões mais visíveis foram: a violência, o abandono, a fragilização nas relações familiares, vínculos rompidos, desemprego, vulnerabilidade psicossocial, miséria, fome, doenças geradas pela fome e abandono. As expressões da questão social na vida de cada usuário desencadearam a busca pelo atendimento no NAPJ. O desvendamento da questão social na vida das três famílias de usuários foi efetivado e descrito nos estudos sociais que foram elaborados e analisados neste trabalho. O estudo social (a) trouxe a demanda da guarda compartilhada, pois o pai e avó materna da criança estavam brigando pelo direito do convívio com o menino de 5 anos de idade. No estudo social realizado, entendeu-se que as duas famílias tem condições de compartilhar a guarda, pois tanto o pai (Pedro) quanto a avó materna (Luísa) demonstraram interesse, carinho, amor e os cuidados necessários para a criança ter um desenvolvimento saudável e qualidade de vida. Enfim, identificaram-se sentimentos positivos, vínculos e laços afetivos fortalecidos e saudáveis por parte da avó e comprometimento com o bem estar do filho por Pedro. Portanto, o parecer do juiz de direito foi favorável à guarda compartilhada. No estudo social (b) a demanda que evidenciou a realização do estudo social foi o pedido de internação compulsória. Através do acompanhamento que foi realizado no período de 1 ano no NAPJ da UNIJUÍ, identificou-se que a usuária necessitava urgentemente de intervenção médica e medicamentosa a fim de estabilizá-la e protegê-la. Assim, o parecer da assistente social foi favorável à internação compulsória em virtude da recusa da usuária em submeter-se ao atendimento e tratamento médico e do não entendimento sobre sua situação e condição (doença) e nem das consequências para a sua vida pessoal, familiar e social. O estudo social construído descreveu e relatou a realidade concreta da vida da usuária, entendendo que a internação é o melhor encaminhamento para o momento, aceito e homologado pelo juiz de direito. O estudo social (c) evidenciou a demanda para o encaminhamento do pedido de BPC. No parecer social que foi descrito no estudo social, constatou-se que a usuária idosa não tinha condições de prover o próprio sustento e nem tê-lo de sua família, já que esta a abandonou completamente. Assim, a garantia da sua subsistência, através do beneficio, possibilita condições dignas para seus cuidados, sendo condição básica de um cidadão. Portanto, mediante o estudo social realizado que relatou e descreveu a realidade concreta da usuária, o parecer do juiz foi favorável à concessão de Benefício de Prestação Continuada à usuária em questão. 71 É importante considerar que o trabalho interventivo do assistente social que é realizado no NAPJ, possibilita e promove a inclusão dos sujeitos nas políticas públicas e sociais das quais tem direito, como cidadãos de direito. Os estudos sociais que são efetuados neste espaço sócio jurídico tem a função de promover a emancipação dos sujeitos, de incluí-los nas políticas públicas, promovendo uma melhor qualidade de vida. Os estudos sociais, quando bem elaborados pelo assistente social, tornam-se um instrumento de empoderamento do profissional, visto que, os juízes acatam o posicionamento profissional do assistente social, já que se trata de um parecer técnico de um especialista, inserido geralmente no espaço sócio jurídico e que está acostumado a desvendar as expressões da questão social. Sabe-se que os magistrados não deixam o conforto de suas salas para ir ao encontro das demandas dos usuários. Os referidos magistrados deixam esse trabalho para o assistente social que embasa de forma crítica e reflexiva a realidade concreta e os processos sociais que envolvem a vida cotidiana dos usuários. Enfim, através da experiência que foi vivenciada pelos estágios curriculares, percebeu-se que o estudo social é um documento que contribui na garantia de direitos e na inclusão dos sujeitos nas políticas públicas no espaço sócio jurídico do NAPJ da UNIJUÍ. 72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS: ABEPSS. 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