Introdução - Universidade de Lisboa

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Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Departamento de Ciências da Educação
IDENTIDADE PROFISSIONAL
Aníbal Fontes
Eduardo Fonseca
Susana Duarte
MESTRADO EM FORMAÇÃO PESSOAL E SOCIAL
Formação de Professores
Professor Orientador: Doutor João Pedro da Ponte
Junho de 2003
1. Introdução
O mundo laboral tem vindo a ser estudado desde há longo tempo, devido à
importância que o trabalho tem no desenvolvimento das nações. Como resultado das
suas investigações, George Mayo (2003) afirma que o mundo social dos adultos se
configura primariamente através das actividades resultantes do trabalho. Ainda no
domínio das investigações sobre a motivação dos empregados por conta de outrem e dos
comportamentos humanos, A. Maslow (2003) refere que satisfeitas as necessidades
básicas dos trabalhadores, como a fome, a sede e o sono, outras necessidades de
qualidade superior devem ser resolvidas, de natureza comum ou individual. Estas
últimas são compostas pelo desejo de pertença a um grupo, pelo amor e pela amizade,
pelo reconhecimento e pela reputação, e pelas necessidades particulares de cada um
como o desenvolvimento e a formação pessoal, a criatividade e a satisfação de trabalhar.
Se aqui referimos estes estudos, realizados no segundo quartel do século
passado, é devido à proximidade entre a organização da empresa e a organização da
escola. Se olharmos para a revolução industrial verificamos, tal como considera Alvin
Toffler (s.d.), que foram exigidas ao homem novas aptidões que nem a família nem a
igreja podiam facultar, por isso o industrialismo criou o ensino de massas e instalou
salas de aula nas unidades fabris passando a reorganização do conhecimento disciplinar
a fundamentar-se em critérios industriais.
Este tipo de ensino, próprio da época industrial, diverge da concepção e
organização estabelecidos pela Academia e pelo Liceu criados por Platão e Aristóteles.
No entanto, de Platão restou a ideia de formação ao longo da vida, pois defendia que o
ensino deveria durar 50 anos.
Desde estas épocas até aos dias actuais, a figura do professor nunca deixou de
marcar as sociedades. Por isso, o questionamento da figura do professor através da
problemática da construção social da sua identidade deve assumir espaço significativo
nos trabalhos de investigação em ciências da educação.
2. O professor e a sua socialização
2.1 Formação, conhecimento e socialização
2
Em um texto hebraico do Siracide é afirmado que o sábio que estuda é aquele
que aumenta o seu saber e aquele que se abstém de trabalhar torna-se instruído. Esta
ideia expressa o nosso conceito de que o professor situa-se algures entre aquele que
detém algum conhecimento e aquele que trabalha. Não sendo um operário, o professor
também não é um intelectual, porém detém saberes e conhecimentos que partilha com
os outros, os aprendentes, com a finalidade imediata e prática de beneficiar a sociedade
a que todos pertencem. O professor é um ser instruído, porém não está completamente
liberto de um trabalho. Por isso exerce uma profissão, a de ensinar, cuja mais valia não
pode ser nem qualificada nem quantificada como qualquer mercadoria.
Para o exercício do ensino o professor é duplamente preparado através da prévia
aquisição de conhecimentos de conteúdos pertencentes ao domínio do ensino e através
da prévia assimilação de processos e práticas que permitem a transmissão desses
conteúdos. A propósito da entrada na profissão e do modo como os professores
adquirem estes conjunto de saberes e de processos, Fátima Braga (2001) refere o
pensamento de Feiman-Nemser e Floden (1986) que chama a este conjunto um
reportório cultural, explicando a sua obtenção pelo processo de socialização e pelo
desenvolvimento pessoal. A formação profissional e a socialização têm vindo a ser
estudadas tal como as relações mútuas que estabelecem.
Neste estudo a investigadora portuguesa regista o entendimento de Lacey (1977)
sobre a socialização profissional dos professores como sendo um processo de aquisição
de valores, atitudes, interesses, destrezas e os conhecimentos inerentes à cultura do
grupo a que pertencem ou aspiram vir a pertencer. E, no seguimento, cita Alves (1997)
para quem o processo de vir a ser professor pode ser encarado numa perspectiva
funcionalista que remete para um paradigma de socialização que supõe a apreensão e
interiorização passivas à cultura do grupo ou pode ser visto numa perspectiva dialéctica
que se situa num paradigma interactivo ligado a um processo de influências múltiplas e
com resultados que provocam alterações mútuas no grupo, isto é, o individuo influencia
os outros, mas também é submetido aos efeitos que as acções dos outros exercem sobre
si e que o levam a transformar-se a si mesmo.
2.2 Interaccionismo simbólico e o self
Neste processo de socialização, integrando um grupo profissional e social, o
indivíduo está em contínua interacção com os outros e em permanente reconstrução
3
individual. A teoria do interaccionismo simbólico, desenvolvida no campo da psicologia
social e da sociologia, assenta nos trabalhos de Mead (1934). Esta teoria fundamenta-se
num conjunto geral de premissas acerca da definição do self do indivíduo e do conceito
de sociedade. Existem duas premissas básicas, uma, respeitante à significação do self
através da interacção com os outros, a outra, relativa ao conceito de sociedade como
produto resultante das interacções coordenadas dos indivíduos.
A primeira premissa da teoria sustenta que o desenvolvimento do sentido de self
se desenvolve nos seres humanos pela interacção de cada indivíduo com o Outro. As
nossas relações com os outros estão condenadas à incerteza, pois o EU nunca está
segura se a maneira como se vê a si mesmo é coincidente com a maneira como os outros
o vêem. Os outros respondem verbal ou não-verbalmente (i) sobre aquilo que ele ou ela
faz ou diz, (ii) sobre aquilo que ele ou ela seria suposto fazer ou dizer, (iii) sobre a valia
e o mérito daquele indivíduo e (iv) sobre o modo como o indivíduo é identificado. A
maneira como os outros respondem acarreta o modo como cada indivíduo delimita o
self. A outra premissa estabelece que a sociedade requer coordenação e cooperação
entre os indivíduos e a sociedade. As leis, regras e padrões relativos aos
comportamentos esperados desenvolvem-se nas sociedades para ajudar os indivíduos a
interagir e a viver em coesão.
Desde que uma pessoa nasce e experiencia a vida, o self muda continuamente,
ajusta-se, circunscreve-se. Damhorst (2001) refere o processo looking glass self de
Cooley comparando este processo de desenvolvimento ao olhar para o espelho, o qual
impõe as linhas que delimitam o olhar do indivíduo sobre si mesmo perante o que lhe é
transmitido pelo outro. Estas linhas gerais dizem respeito (i) ao modo como os
indivíduos imaginam como os outros os percebem, ou levam-nos a interrogar-se acerca
do modo como aparentam perante os outros, (ii) ao impacto da reacção de rejeição ou
aceitação dos reflexos de si pelos outros. Assim, aquilo que cada indivíduo é, depende
(i) com quem interage, (ii) das reacções dos outros em relação a si, e (iii) da repercussão
destas reacções na orientação dos comportamentos futuros.
2.3 O fenómeno da identidade
O fenómeno da identidade é de extrema complexidade e ao abordá-lo incorre-se
inclusive em riscos, pois como afirma Erikson “quanto mais se escreve sobre este tema,
mais as palavras instauram uma limitação à volta de uma realidade tão insondável como
4
invasora de todo o espaço” (citado em Dubar, 1997, p.103-104). O mesmo psicólogo
ainda refere que a identidade nunca está definitivamente terminada e que os indivíduos
atravessam obrigatoriamente crises resultantes daquilo que ele denomina como fissuras
do eu.
Cada indivíduo humano é um ser de relação, tem uma constituição individual
própria, porém sujeita a influências externas. Entre a sua constituição primária pessoal,
e as posteriores, diversas influências externas, se realiza a sua personalidade
psicossocial através de transacções sucessivas. A Psicologia tem como objecto o estudo
da constituição individual e do comportamento dela decorrente. A Sociologia debruçase sobre as estruturas sociais, sobre o modo como interagem, e as influências que
projectam nos indivíduos. Da confluência da Psicologia social da Sociologia e ainda da
Antropologia organizam-se os estudos sobre as identidades, incluindo a identidade dos
docentes. A sua actividade, o exercício da educação, no dizer de Jacques Ulmann
(2001), consiste numa acção exercida por um ser humano sobre outro ser humano, mais
frequentemente de um adulto sobre uma criança, para permitir ao educado a aquisição
de certos traços culturais como os saberes ou maneiras de agir, tanto técnicas, como
morais, que os costumes, o sentimento ou uma convicção reflectida consideram
desejáveis.
2.4 Desenvolvimentos teóricos sobre identidade
São diversas as perspectivas teóricas que se utilizam para perceber e analisar a
identidade profissional. As próximas reflexões representam um breve resumo de
algumas dessas considerações de índole teórica que representam abordagens específicas
de tratar a temática ou então enfatizam um determinado aspecto.
As abordagens culturais e funcionais da socialização enfatizam o facto do
indivíduo interiorizar valores, normas e disposições, tratando-se de uma adaptação,
apenas como se de uma dimensão única se tratasse, tornando-o assim um indivíduo com
legitimidade de ser identificado socialmente. Porém, outras teorias não assentem neste
pressuposto, conferindo ao seio da realidade social a interacção e a incerteza.
O processo de socialização, segundo Hegel (citado em Dubar, 1997, p. 80) é
determinando pela articulação de três modelos de formação heterogéneos, a saber:
subjectivo, objectivo e social. A socialização surge definida como individualização do
recém-nascido e como movimento de construção do mundo social, numa relação entre
5
identidades sociais e mundos sociais. A identidade define-se então como resultado de
um reconhecimento recíproco. Em primeiro lugar surge o conhecimento do facto que a
identidade do eu só é possível graças à identidade do outro que reconhece a primeira,
identidade essa dependente do próprio conhecimento. A linguagem assume uma
importância enorme pois constitui-se como o primeiro pressuposto de qualquer
interacção, remetendo o indivíduo para uma esfera mais ampla e complexa do que a
reflexão individual solitária, de cariz interior.
Segundo Habermas (citado em Dubar, 1997, p. 82), ao contrário de Piaget, as
relações entre actividades comunicacional e instrumental constituem sistemas dinâmicos
determinantes na estruturação da identidade. A actividade comunicacional estrutura a
interacção dos indivíduos através da linguagem e a actividade instrumental lida com os
processos de trabalho, conjugando as respectivas finalidades económicas e os
respectivos meios técnicos e organizacionais, que são relacionados. Este autor refere o
relacionamento entre trabalho e interacção como o catalisador no processo de
socialização.
Berger e Luckman (citado em Dubar, 1997, p. 94) levam mais longe a distinção
entre socialização primária e secundária de Mead, inserindo a ideia dos saberes vividos
no mundo do indivíduo. Na primeira, a criança dependente da escola e da família, fica
submersa no mundo vivido, constituindo-se assim um ‘saber de base’ com pouca
intervenção crítica do sujeito, acompanhado da aquisição inicial da linguagem. Na
socialização secundária, a partir da adolescência e na vida adulta, o indivíduo interage
com diversos actores sociais, passando a existir a capacidade (limitada e inacabada) de
absorver ‘submundos institucionais especializados’ e onde o indivíduo adquire saberes
específicos e papéis concernentes à questão do trabalho. E na gama de saberes
específicos emergem os saberes profissionais, elaborações conceptuais, onde estão
subjacentes um vocabulário, receitas, fórmulas, proposições, procedimentos, um
programa formalizado e um universo simbólico que traduz uma determinada
cosmovisão. Note-se que a definição e a construção desses saberes estão sintonizadas à
especialização das actividades. (Dubar, 1997, p. 96).
O relacionamento entre a socialização primária e a secundária é expressa desde a
continuidade harmoniosa entre ambas até uma experiência de ruptura acentuada.
Consequentemente, tendo em conta a possibilidade da situação limite de ruptura, a
mudança social real pode efectivar-se conduzindo a uma não reprodução das relações
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sociais e das identidades anteriores e permitindo a transformação das identidades de
actor numa criação institucional (Sainssaulieu, 1987, citado em Dubar, 1997, p. 99).
Na concepção de Dubar, a sua premissa central na problematização da noção de
identidade, assenta na recusa da distinção entre identidade individual e colectiva. A
noção de identidade possui uma dualidade que importa apontar mas que não significa
independência alguma, antes pelo contrário. Temos a identidade para si e a identidade
para o outro – inseparáveis e complexamente inter-relacionadas. A identidade para si
lida com a forma do indivíduo de se ver si próprio – saber quem é. A identidade para o
outro já lida com a percepção dos outros, daqueles que de alguma forma interagem com
a pessoa. Por um lado a visão que um indivíduo tem de si próprio, está dependente do
outro, do seu reconhecimento; por outro lado, a experiência do outro não é vivenciada
somente por si. A identidade surge como processo dinâmico, como fenómeno que se
constrói, sendo incerto e de durabilidade imprevisível. Dubar sustenta que “a identidade
social não é mais do que o resultado simultaneamente estável e provisório, individual e
colectivo, subjectivo e objectivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de
socialização que, em conjunto, constroem os indivíduos e definem as instituições”
(Dubar, 1997, p. 105).
Para o autor a identidade de alguém é aquilo que ele tem mais de precioso. A
identidade não é algo que é conferido ao ser humano no início do seu percurso de vida,
mas é algo que, ao longo da vida se constrói dinamicamente. Essa construção não é
unicamente pessoal mas tem o contributo de vários e diferentes interventores. Para
Dubar, a identidade é um produto de sucessivas socializações. E por socialização
estamos a considerar (pois é um termo polissémico) a própria construção da identidade,
quer na sua perspectiva individual, quer como foco social.
3. A identidade docente
3.1 Uma contextualização histórica
A formação da identidade docente não pode ser descontextualizada do processo
histórico. Segundo Júlia através da voz de Nóvoa (1991), na segunda metade do século
XVIII a Europa procura um perfil de professor, um modelo de selecção, uma entidade
contratadora e hierárquica. Considerando que o ensino havia estado no domínio eclesial,
sobretudo jesuítico e oratiano, o modelo de professor é o do padre. Passando a depender
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de autorizações e licenças estatais e sujeita a saberes especializados de natureza
pedagógica a missão de educar é substituída pela prática de um ofício e a vocação cede
lugar à profissão. Os professores, como funcionários do estado, passam a ser agentes
culturais e políticos sujeitos a projectos e finalidades sociais. Nos séculos seguintes, o
professorado vê acrescido o seu prestígio e a sua dignificação social pelo
estabelecimento de mais exigências de entrada na profissão complementadas pelo nível
académico superior. Sem perderem o carácter de profissionais que exercem a sua
actividade de forma quase autónoma e isolada, os professores passam a dispor de
instituições que os formam para os integrarem num corpo único. Tais factos contribuem
para a socialização dos seus membros e para a génese de uma cultura profissional e
propiciam o desenvolvimento de um sentimento identitário profissional. Nóvoa (1991)
considera que o processo de profissionalização do professorado e a construção do seu
prestígio advém de um estatuto social e económico destacados com origem no domínio
de conhecimentos e técnicas de que os professores se muniram e que permitiram que
passassem a ter uma ocupação principal a tempo inteiro, fosse estabelecido um suporte
legal para o exercício da actividade docente, se criassem instituições de formação
específicas e, por último, se criassem associações profissionais da classe. A adesão dos
docentes aos valores éticos e deontológicos que orientam a educação e o seu
envolvimento no processo de escolarização provocam significativas marcas na
identidade profissional do professorado.
3.2 O percurso profissional como parte do processo identitário
O percurso profissional do professor pode ser estudado, segundo Gonçalves
(1992), sob dois planos de análise distintos, mas complementares: o desenvolvimento
profissional em termos gerais e o da construção da identidade profissional, a relação que
o docente estabelece com a sua profissão e o seu grupo de pares e, ao mesmo tempo, a
construção simbólica, pessoal e interpessoal, que ela implica.
São pontos de partida para o estudo e compreensão do processo de formação da
identidade profissional, conforme Lessorad, citado por Gonçalves, as representações
que os professores constroem sobre quatro aspectos da actividade docente, o capital de
saberes, saberes-fazer e saberes-ser que fundamentam a prática, as condições do
exercício dessa mesma prática, no que respeita tanto à sua autonomia e controlo, como o
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contexto em que ela se desenrola, a sua pertinência cultural e social e, por último, as
questões de estatuto profissional e prestígio social da função docente.
Os comportamentos, as atitudes e as representações dos professores sobre si
próprios, enquanto profissionais, e sobre a sua carreira modificam-se ao longo do tempo
repercutindo-se no imediato, nas atitudes e trabalho escolar dos seus alunos e, a prazo
mais dilatado, na sua personalidade. Como se reflectirão na maneira de ser e na prática
educativa dos professores o mal-estar profissional que a sua atitude, em geral denota e,
ao mesmo tempo, a representação que eles formam de um certo desprestígio social que
são alvo como profissionais
O percurso profissional de cada professor é o resultado da acção conjugada de
três processos de desenvolvimento: processo de crescimento individual, em termos de
capacidades, personalidade e capacidade pessoal de interacção com o meio; processo de
eficácia no ensino e de organização do processo de ensino e aprendizagem; e processo
de socialização profissional, em termos normativos ou de adaptação ao grupo
profissional a que pertence e à escola onde trabalha, e interactivos, pela reciprocidade
de acções que estabelece entre si próprio e o meio em que desenvolve o seu múnus.
Neste contexto se justifica a questão: como evoluirão profissionalmente os docentes na
ausência de um programa de formação contínua que responda a suas necessidades de
desenvolvimento pessoal e profissional
As carreiras de professores desenvolvem-se por referência a duas dimensões
complementares: a individual, centrada na natureza do seu eu, construído a nível
consciente e inconsciente, e a colectiva, construída sobre as representações do campo
escolar, influenciando e determinando aquelas. O funcionamento das escolas, permitirá
aos seus docentes um processo de socialização profissional conducente à sua realização
individual e colectiva
O desenvolvimento profissional, é condicionado pelos factores de contexto,
podendo acontecimentos de natureza sociopolítica e cultural vir a alterá-lo ou mesmo a
determiná-lo. Qual o papel do meio em que os professores exercem a sua actividade
docente e o quadro institucional que regula esta mesma actividade
Sabe-se que a vida particular ou pessoal influência o percurso dos professores,
homens ou mulheres, sendo por estas particularmente sentidas as situações de gravidez,
nascimento e criação dos filhos. Que influência terá na actividade docente estes factos
da vida particular, que são geralmente consentâneos da crise de início de carreira A
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haver mudança, em que sentido se operará a mesma De acordo com a perspectiva dos
ciclos de vida profissional dos professores, passam os mesmos por diferentes fases ou
etapas. Todas elas têm características próprias, mas é necessário considerar que uma
nova fase pressupõe a alteração das características da anterior e a assunção de novas
características, e que essas características se organizam de modo específico, por
referencia ás fases anteriores e ás que lhe seguirão.
Que perfil se poderá delinear do desenvolvimento da carreira dos professores
Far-se-á o mesmo segundo fases ou etapas Será possível delinear um itinerário – tipo
das mesmas A abordagem biográfica permite o acesso ao estudo da vida do individuo
nas suas dimensões pessoal, social e profissional, expressas em relatos sincrónicos por
ele próprio produzidos, enquanto entidade diacrónica.
3.3 Duas visões recentes sobre identidade profissional
Monteiro (2000) refere que existe a necessidade da profissão docente aumentar
decisivamente os factores de distinção de uma profissão liberal (onde o trabalho é
sobretudo de natureza intelectual, independente e com grande autonomia de decisão,
não sendo repetitivo), pois os professores sofrem presentemente de insuficiência de
identidade profissional. A pergunta colocada com pertinência questiona como seduzir os
melhores e não atrair os piores para o exercício da função docente? Os factores
considerados lidam com a selecção, formação, avaliação, formadores, remuneração e
condições de trabalho, autonomia e deontologia. O conceito respeitante à construção da
identidade docente assenta em dois patamares fundamentais, a saber: profissional do
direito à educação e da comunicação pedagógica, que reflectem o foco de Monteiro nos
factores sociais na construção da identidade profissional. Na sua análise respeitante à
menoridade profissional dos professores, expressão sustentada pelo próprio, este
investigador alude a uma causa de índole geral assente no naturalismo e empirismo
próprios da hereditariedade pedagógica ainda reinante nas mentalidades e costume
(Monteiro, p. 14) e a uma causa específica retratada na ambivalência da função docente
que contém um conteúdo científico e técnico, político e ideológico e ético e jurídico.
Também refere que a heterogeneidade da função, pela diversidade de níveis de
escolaridade, é responsável pela menoridade referida.
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A outra visão que gostaríamos de apresentar não se centra nos factores sociais
mas sim nas próprias vivências pessoais dos docentes. Lopes (2000) realizou uma
investigação incidindo em quatro estudos de caso, relativos ao processo de construção
da identidade profissional de professoras do 1º ciclo do ensino básico, durante um
período de três anos (desde o ano lectivo 1993/94 ao ano lectivo 1995/96). A principal
assunção da investigação refere que a identidade profissional não é um dado, constróise. A investigadora partiu da noção de construção de identidade profissional proposta
por Dubar e nesse sentido associou a problemática da construção da identidade à
socialização profissional nos contextos de trabalho. É uma análise do processo de
construção pelos docentes das suas próprias identidades profissionais que é algo exigido
para sair da crise de identidade em que se encontram, crise que articulam com a crise da
própria modernidade. Assim, o essencial da saída da crise dos professores poderia ser
procurado na saída da crise da modernidade.
O dispositivo de investigação assentou em três premissas: 1) a crise de
identidade é encarada como discrepância entre identidade profissional individual e
identidade profissional colectiva. 2) a crise dos docentes possui na sua essência aquilo
que outros grupos e lugares da sociedade contemporânea expressam. 3) o
Interaccionismo Simbólico é a meta teoria que informa as investigações mais recentes
sobre a formação de identidades.
A partir da 2ª metade do século XX, a crise da normalidade da modernidade pôs
em questão um modelo social baseado num consenso, prévio e exterior às pessoas
sociais, e deu força à concepção de criança e de relação educativa alternativas que,
desde o séc. XIX, estavam bem presentes na sociedade. As docentes portuguesas,
principalmente após o 25 de Abril, sentiam-se atraídas por novas concepções. Contudo
o funcionamento das escolas manteve-se inalterado. Assim, conforme já salientado, a
crise de identidade surge da tensão entre a identidade profissional pessoal, com ideias
diferentes das vigentes e uma identidade profissional colectiva, marcada pela
manutenção de modelos.
A investigação visou então apresentar a solução da crise docente no 1º CEB,
identificando um novo sistema de legitimidades e relações profissionais. No âmbito das
legitimidades as professoras deram ênfase ao amor às crianças para a manutenção de
uma imagem positiva, estando em latência uma nova racionalidade. O amor surge como
ética e a experiência como fonte de conhecimento. No que concerne às relações
profissionais temos o importante tópico de trabalhar e aprender em conjunto.
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Na investigação efectuada são apresentadas as seguintes conclusões principais:
(i) o processo de grupo para a escola e da escola para o grupo produziu uma base
comunicacional e instrumental que possibilitou a transformação colectiva e individual:
aparecendo um novo sistema explícito e legítimo de definição profissional e dando, a
cada um, um papel e um lugar no processo; (ii) as acções dependentes da tradição e da
lógica da estratégia (inovação centrada) foram postas em causa – romperam-se mesmo,
utilizando a terminologia da autora, surgindo assim um novo horizonte para a inovação,
horizonte esse onde a lógica da subjectivação (inovação descentrada) é central.
Dos dois últimos estudos que abordamos, o estudo teórico de Monteiro (2000) é
um trabalho que visa mais a apresentação e descrição de um determinado contexto que
enforma a função docente. Ele salienta alguns aspectos que segundo a sua opinião são
centrais na configuração da distinção e da nobreza da docência como profissão liberal.
Consideramos que é uma análise legítima dos factores sociais. Não que estamos a
legitimar todas as suas teses, especialmente aquelas que até nos parecem demasiado
cortantes, mas concordando com a influência que esses factores têm na contribuição do
processo de construção identitária. Parece-nos todavia que na sua análise os docentes
têm um posicionamento demasiado passivo, como se tratassem de vítimas de um
sistema muito mais amplo e que os transcende. Nesse sentido, existe uma
vulnerabilidade e impotência para a mudança, para a inovação, para a inversão do
estado de menoridade profissional que ele aponta. Enquanto que o primeiro autor
referenciado se centra em factores sociais desta construção, Amélia Lopes analisa o
processo de construção pelos professores das suas próprias identidades profissionais
docentes. Por sua vez, o estudo empírico de Lopes (2000) é um testemunho concreto de
que a construção das identidades profissionais podem elevar-se e serem construídas,
através de uma postura colaborativa de aprendizagem e de trabalho de grupo entre
pares, mesmo com condicionalismos externos. É possível, utilizando os próprios termos
do seu livro, libertar o desejo e resgatar a inovação.
Diríamos que na medida em que os factores apresentados por Monteiro sejam
melhorados, o processo de construção, de rompimento que Lopes refere, estará muito
mais facilitado e potenciado. A não ser assim, os docentes continuam a ser integrados e
a viver num cosmos com facetas estruturais próprias e com as dificuldades e tensões
inerentes a processos de mudança.
12
Considerações gerais
Em citação de Jaccard (s.d.), podemos escutar Proudhon indicando que o
caminho para o progresso social passa por fazer de uma multidão escravizada uma
nação inteligente, livre e justa, sendo insuficientes as alterações políticas realizadas. E
enfatiza referindo que nem mesmo a educação é suficiente, porquanto é necessária uma
modificação da carne e do sangue. A posição deste francês do século XIX não deixa de
ser interessante, pois o professor é, antes de mais, um ser construído que, como actor de
um processo social, tem a missão de construtor de outros seres. Assim, sobre o
professor, enquanto profissional da educação, recai uma duplicidade de movimentos
interactivos que determinam as suas relações entre si e os outros e o levam a participar
num mesmo processo como coordenador e cooperador no grupo social a que pertence.
As suas identidades humana e profissional são forjadas na complexidade destes
princípios que a teorização do interaccionismo simbólico tenta captar. As cambiantes
sociais são factores extrínsecos que afectam os professores, por isso Sacristán (1991)
diz que a profissão é socialmente partilhada, explicando tal facto a sua dimensão
conflituosa numa sociedade complexa na qual os significados divergem entre grupos
sociais, económicos e culturais. Daqui emergem problemas que afectam a identidade
profissional da classe docente, e a fazem entrar em ciclos de frequência alternando do
positivo (o crescimento e aceitação sócio-profissional) ao negativo (a desvalorização da
carreira e o surgimento das crises, incluindo as da identidade) em sintonia com os ciclos
da instituição escola os quais decorrem entre a inovação e a dinâmica pedagógica e
cultural e a estagnação e o obsoletismo.
A actividade docente contemporânea é marcada pela necessidade dos
professores definirem com precisão os seus valores e as suas linhas de orientação
escolar em função dos fins educativos estabelecidos no seu horizonte pessoal e
institucional. O grupo social dos alunos é marcado por uma socialização primária
culturalmente diversa, desenvolvida em subculturas locais ou extra-regionais. Os
professores assistem e participam, pela primeira vez, como aponta Faure (citado por
Esteve, 1991, p. 103), numa sociedade que não pretende dos educadores que preparem a
sua geração para responder às necessidades actuais, mas a prepare para as exigências de
uma sociedade futura. Ora, esta próxima sociedade está em devir e, como tal, como
podem os professores antecipar o futuro? Por muita flexibilidade e inovação que
revelem nessa exigente actividade prospectiva, os professores ficarão sempre aquém dos
13
valores, das necessidades, das ideias e dos compromissos sociais de uma sociedade que
ainda nem chega a ser virtual, para utilizarmos uma linguagem cibernética.
Em época de mudanças políticas e económicas, de indefinições entre a
mundialização e a regionalização, de confluências interculturais, os professores
procuram encontrar-se a si mesmos ao mesmo tempo que buscam novos modelos
educacionais que resolvam os conflitos internos de cada uma deles e permitam o
equilíbrio da instituição escolar. A actual e a futura função docente depende da
capacidade dos professores aguentarem esta crise social que se projecta no seu mundo
laboral e depende da robustez e adequação qualitativa da construção das suas
identidades, humana e profissional.
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