2 OS FUNDAMENTOS DA ANTROPOLOGIA E A COMPREENSÃO DAS RELAÇÕES ENTRE CULTURA E u nidade EDUCAÇÃO Seção IV A cultura como base para a compreensão do homem moderno. Seção V Ver através do outro: a experiência etnográfica. Seção VI Diferença e diversidade: o elogio da alteridade. seções 45 6 OS FUNDAMENTOS DA ANTROPOLOGIA E A COMPREENSÃO DAS RELAÇÕES ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO Objetivos • Seção IV: apresentar a relevância do conceito de cultura para a construção teórico-metodológica da Antropologia e da Educação. • Seção V: refletir sobre o trabalho da etnografia para a consolidação das abordagens antropológicas contemporâneas. • Seção VI: refletir sobre a alteridade como princípio fundador das posturas antropológicas e pedagógicas. 4 SEÇÃO IV Unidade II Seção A CULTURA COMO BASE PARA A COMPREENSÃO DO HOMEM MODERNO Afirmamos anteriormente que o conceito de cultura é um dos elementos de ligação entre a Antropologia e a Educação. À medida que o pensamento social, na modernidade, ocupou-se em definir a cultura como conceito através do qual se compreende de forma sistemática o ser humano, em suas relações com a natureza e a sociedade, tanto a Antropologia quanto a Educação avançaram nos seus desenvolvimentos teóricos. Na tentativa de precisar o conceito de cultura, a Antropologia conseguiu catalogar mais de 150 definições diferentes para o termo. Foram criadas várias escolas de pensamento antropológico que desenvolveram suas teorias culturais, entre as mais importantes estão: o evolucionismo, o difusionismo, o estruturalismo, o estruturalismo-funcional e o personalismo cultural. Dadas as diferentes e divergentes abordagens do conceito de cultura destas escolas, o debate mais recente da Antropologia, segundo Kuper (2002), busca se amparar na compreensão de que a cultura é um sistema simbólico através do qual a espécie humana produz significados e organiza os sentidos da sua existência. Desta forma a Antropologia, enquanto ciência, busca avançar enquanto campo do conhecimento sobre o homem e a cultura. UESC Pedagogia 45 Antropologia e Educação A cultura como base para a compreensão do homem moderno. Do ponto de vista das teorias da educação, o debate sobre o homem e a cultura produziu diferentes teorias sobre os processos de ensino e aprendizagem. Muitos pensadores contribuíram para esta discussão, merecendo destaque as teses defendidas por Comênio no século XVII e Rousseau no século XVIII. Para o primeiro, o papel da educação era levar o homem ao conhecimento das coisas através da organização sistemática dos conteúdos de aprendizagem. Para SAIBA MAIS Rousseau, o trabalho da educação era despertar a Difusionismo: corrente do pensamento antropológico que defende a ideia de que a cultura é um processo dinâmico cuja origem está relacionada através das trocas culturais entre povos de diferentes tradições. Contesta o modelo de evolução cultural linear, defendido pelos evolucionistas, e busca compreender a evolução cultural como um processo multilinear. Muitas de suas idéias são criança para o conhecimento, a partir das suas visões de mundo enquanto criança. Em baseadas nas teorias de Franz Boas, considerado um dos precursores do que pesem as diferenças de método etnográfico. concepções pedagógicas entre Estruturalismo: teoria da cultura que busca compreender a maneira como a didática proposta por Comênio os fenômenos sociais se estruturam originando formas de pensamento e linguagem que compõem os significados das ações humanas. Entre os nomes e os princípios pedagógicos mais conhecidos desta tendência encontra-se o antropólogo francês Claude da formação social da criança Lévi-Strauss. propostos por Rousseau, ambos Estruturalismo-funcional: teoria que tem origem entre os antropólogos tomam a sociedade e a cultura britânicos, herdeiros das teorias funcionalistas da cultura de Malinowisk. Esta corrente de pensamento indica a importância de se interpretar as estruturas de suas épocas como cenários da sociais deduzindo as funções sociais que os indivíduos cumprem na experiência educação. da vida comum. A cultura seria a dimensão de articulação dos papéis sociais No Brasil, várias foram entre os indivíduos. Evolucionismo: é considerada uma das primeiras escolas de pensamento as influências do pensamento social sobre a cultura. Tem entre os seus representantes Lewis Henry Morgan, europeu antropólogo americano responsável pelos primeiros estudos sobre o parentesco americano entre os Iroqueses, nos Estados Unidos. Entre as principais formulações desta escola de pensamento está a busca por definições de leis sociais através das quais o homem produz cultura. Concebe a cultura como um processo social evolutivo linear, ou seja, grupos sociais considerados mais simples estão em escala cultural inferior aos considerados grupos sociais complexos. Personalismo-cultural: corrente de pensamento teórico sobre a cultura que tem origem nos Estados Unidos. Entre os seus mais importantes nomes encontram-se as antropólogas Ruth Benedict e Margareth Mead. Ambas e do sobre pensamento educação e cultura. Contudo, é, a partir dos trabalhos desenvolvidos por Álvaro Vieira Pinto e Paulo Freire, que Antropologia e Educação vão encontrar um campo fértil defendem a tese de que todo povo possui uma personalidade cultural de base, de essa personalidade é transmitida por herança cultural para os indivíduos. metodológicas para uma reflexão Suas teorias foram influenciadas pela psicologia e influenciaram a pedagogia americana. Simbólico: expressão derivada da palavra símbolo de origem grega que proposições profunda social para interpretar o conjunto de palavras, gestos e convenções sociais que Segundo ambientações. as e relações intrínsecas da cultura e da vida significa agregação de sentido. Utilizamos a expressão sistema simbólico constituem os contextos de vida da espécie humana em suas mais diferenciadas sobre conceituais na formação Gadotti humana. (2006), as contribuições teóricas de Álvaro Vieira Pinto para a educação foram decisivas para a compreensão da radicalidade antropológica dos processos educativos, isto porque, para este autor, a educação tem como tarefa situar a presença humana na história e destacar o seu papel na transformação da sociedade. Paulo Freire, por sua 46 Módulo 2 I Volume 1 EAD vez, mostrou a importância da ‘antropologia da palavra’ para a compreensão da educação enquanto um ato político. O que queremos dizer quando indicamos uma ‘antropologia da palavra’ para definir a relação entre educação e cultura no pensamento de Paulo Freire? Vejamos duas das mais importantes teses defendidas por Paulo Freire: a leitura do mundo precede a leitura da palavra; o ato de ensino exige o diálogo com a realidade daqueles que aprendem. As duas proposições aparecem nos mais diferentes momentos do desenvolvimento teórico do pensamento de Freire. Elas indicam a 4 importância da palavra como dimensão fecunda da cultura, capaz Seção de formar e transformar as ações humanas. Para este autor, não é possível pensar a educação sem uma compreensão radical da relação Unidade II entre os indivíduos e a cultura. Educar é um exercício crítico de: pensar a palavra, as condições sociais em que os humanos dizem a palavra, e o desafio de transformar realidades de submissão do homem pelo próprio homem através da palavra. A partir destas contribuições, podemos inferir que tanto do ponto de vista da Antropologia quanto do ponto de vista da Educação, a cultura é uma dimensão viva e profunda das relações entre os indivíduos, a natureza e a vida em sociedade. É através da construção simbólica de significados para suas práticas e saberes que a espécie humana consolida a sua vida em grupo, produz diferentes formas de organização social e se expande numa diversidade ascendente do ponto de vista cultural. O trabalho do pensamento e da linguagem não pode ser dissociado do contexto em que é produzido e, desta forma, os humanos criam diferentes e diversas formas de ensinar e aprender. Nesta perspectiva, a Antropologia busca interpretar e compreender os diferentes sistemas simbólicos em que os humanos produzem seus contextos de vivências, enquanto a Educação busca aprofundar as relações que os indivíduos estabelecem dentro destes sistemas, bem como entre esses sistemas (compreendendo aqui que diferentes grupos sociais interagem uns com os outros). Sob esta ótica, educar é compreender as relações entre conhecimento e vida em sociedade e transformar culturalmente estas relações, produzindo novos significados para aqueles que aprendem e, por que não dizer, para aqueles que ensinam. UESC Pedagogia 47 Antropologia e Educação A cultura como base para a compreensão do homem moderno. ATIVIDADE • • • • • Organize suas dúvidas sob a forma de perguntas e tente respondê-las. Através do pensamento e da linguagem a espécie humana utiliza símbolos para a expansão das suas formas de comunicação. Comente esta afirmação a partir dos conhecimentos que você desenvolveu até aqui. Qual a importância do conceito de cultura para o desenvolvimento da Antropologia e da Educação na modernidade? A educação é um processo cultural, na medida em que através dela as pessoas estabelecem relações entre si e com outros seres vivos. Ela (a Educação) é também um produto cultural, na medida em que estabelece práticas específicas de ensino e aprendizagem. Comente esta afirmação. Você conhece o pensamento de Álvaro Vieira Pinto e Paulo Freire? O que sabe a respeito destes pensadores? LEITURA C O M P L E M E N T A R Numa entrevista concedida à Revista Nova Escola dos meses de janeiro/ fevereiro do ano de 2004, a antropóloga gaúcha Ana Luiza Carvalho da Rocha fala sobre a importância da Antropologia para a Educação. Vejamos a seguir algumas das suas observações para compreendermos a importância desta área do conhecimento no campo da educação. “Nova Escola: Como um antropólogo atua na escola? Ana Luiza: Nossa função básica é observar as características socioculturais do ser humano e refletir sobre elas. Como ele se comporta, se relaciona e se organiza em sociedade. Minhas primeiras pesquisas nessa área visavam compreender porque integrantes das classes populares demoram mais para ser alfabetizados. Levantei informações sobre as condições de vida dessas comunidades na periferia de Porto Alegre e sobre a representação que a escola faz delas. Nova Escola: Os estudos de antropologia podem ajudar a resolver um caso de dificuldade de aprendizagem? Como? Ana Luiza: Durante minhas pesquisas, percebi que os educadores entenderiam muitas situações que interferem no aprendizado se conhecessem um pouco de antropologia. Isso porque parte do que se ensina em classe os alunos já aprenderam na comunidade em que vivem, ainda que não tenham consciência disso. Muitos desses aprendizados precisam ser desconstruídos. Fui solicitada para resolver o problema de uma professora que não conseguia formar equipes, por causa de brigas. Isso refletia no desenvolvimento dessas crianças que tinham dificuldades de aprendizagem. Nova Escola: Conhecer a realidade em que vivem os estudantes ajuda o professor a ensinar melhor? 48 Módulo 2 I Volume 1 EAD A Escola da Mestra Silvina Minha escola primária... Escola antiga de antiga mestra. Repartida em dois períodos para a mesma meninada, das 8 às 11, da 1 às 4. Nem recreio, nem exames. Nem notas, nem férias. Sem cânticos, sem merenda... Digo mal – sempre havia distribuídos Alguns bolos de palmatória... A granel? Não, que a Mestra era boa, velha, cansada, aposentada. Tinha já ensinado a uma geração antes da minha. A gente chegava “-Bença, Mestra”. Sentava em bancos compridos, escorridos, sem encosto. Lia alto lições de rotina: O velho abecedário, Lição salteada. Aprendia a soletrar. Ao homenagear a escola da sua infância, Cora Coralina constrói um conjunto de símbolos para nos apresentar o contexto de suas experiências de aprendizagem: a divisão dos grupos de estudantes entre os da ‘manhã’ e os da ‘tarde’, a autoridade da Mestra pelos ‘bolos de palmatória’ e a ‘bença’ como forma de cumprimento, as formas de aprender na ‘lição salteada’ e no ‘soletrar’. A descrição dos móveis, a referência temporal da Escola Antiga e da Antiga Mestra nos convida, logo no início do texto, a entrar nas memórias da autora e, através do poema, descobrir o universo cultural da escola da Mestra Silvina. Este é um bom exemplo de como, através das palavras, atribuímos significados para nossa experiência e descrevemos um sistema simbólico que produz sentido para nossas experiências vividas. UESC Pedagogia Seção Unidade II A antropóloga indica a importância do contexto sociocultural da vida em comunidade para o educador compreender a diversidade dos seus educandos. Suas afirmações nos orientam à organização de processos de ensino e aprendizagem que considerem saberes e práticas sociais que já fazem parte da vida sociocultural dos indivíduos com os quais compartilhamos a experiência da educação na escola. Vamos tentar agora compreender dimensão simbólica da cultura do ponto de vista da visão de escola que constituímos no processo de escolarização. Para isto vamos ler dois trechos de um poema de Cora Coralina: 4 Ana Luiza: Sem dúvida. Muita gente pensa que a origem social é um obstáculo natural para a aprendizagem. Mas classes populares são formadas por uma diversidade enorme de culturas, valores e etnias. É impossível tirar uma conclusão e generalizar. Com a pesquisa, a professora gaúcha descobriu a verdadeira origem e a formação da turma para a qual lecionava. De posse das informações, começou a trabalhar com ela de outra maneira.” 49 Antropologia e Educação A cultura como base para a compreensão do homem moderno. ATIVIDADE A partir dos exemplos citados, produza um texto em que você descreve uma das escolas em que você estudou, procurando destacar elementos que compõem o contexto deste espaço. LEITURA RECOMENDADA Assista ao filme Nenhum a Menos, de Zhang Yimou (1999). O enredo do filme retrata a experiência de uma jovem professora numa pequena escola no interior da China, na tentativa de garantir as presenças de todos os alunos na sala de aula, a jovem professora se vê desafiada a lidar com as dificuldades sociais da comunidade. Um dos alunos foge da escola e a professora irá percorrer um longo trajeto para trazê-lo de volta. Outra boa pedida é ouvir, ler e interpretar a canção Língua, de Caetano Veloso; a letra da música nos remete à riqueza cultural da influência latina na nossa formação cultural. RESUMINDO O conceito de cultura estabelece relações teorias e práticas entre a Antropologia e a Educação. Compreendendo a cultura como um sistema simbólico através do qual a espécie humana produz pensamento e linguagem, a presença dos humanos entre os demais seres vivos da natureza se diferencia pela sua capacidade de significar as suas ações. Além das diversas correntes do pensamento antropológico que buscam conceituar a cultura, no campo do pensamento pedagógico, Comênio e Rousseau buscaram compreender a educação de um ponto de vista antropológico e, no Brasil, destacam-se os trabalhos de intelectuais como Álvaro Vieira Pinto e Paulo Freire, na abordagem antropológica dos processos educativos. É importante situar a cultura como um conceito antropológico e pedagógico. Graças à capacidade humana de atribuir significados para suas ações, a vida em sociedade é resultante de regras, valores, práticas e saberes que têm origem na cultura. 50 Módulo 2 I Volume 1 EAD SEÇÃO V Unidade II Seção 5 VER ATRAVÉS DO OUTRO: A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA A etnografia é uma prática de investigação de natureza antropológica em que o pesquisador busca compreender a cultura do ponto de vista dos membros da comunidade pesquisada. Através do exercício da observação participante, o etnógrafo busca registrar os significados produzidos pelos seus informantes para situações e eventos da vida social em comunidade. Os primeiros registros são feitos no diário de campo (bloco de anotações em que o pesquisador descreve suas primeiras impressões sobre o grupo observado). Posterior aos registros no diário de campo, o pesquisador elabora descrições do contexto observado, desenvolvendo suas interpretações acerca das principais características culturais do povo ou comunidade que estuda. O antropólogo americano Clifford Geertz (1989) define este trabalho descritivo e interpretativo como uma descrição densa. O resultado final deste trabalho são textos através dos quais a Antropologia produz visibilidade de outras culturas, a partir da experiência de conversação entre o antropólogo e os indivíduos que são pesquisados. UESC Pedagogia 51 Antropologia e Educação Ver através do outro: a experiência etnográfica As primeiras experiências de compreensão da cultura através do ponto de vista dos nativos são reputadas a Franz Boas e Bronislaw Malinowski. O primeiro conviveu com os esquimós do extremo norte do continente americano. O segundo, com uma comunidade tribal das ilhas Trobriand, no Pacífico ocidental. Tanto Boas quanto Malinowski viveram SAIBA MAIS bastante tempo com estas comunidades distantes e desenvolveram Descrição densa: importante conceito da antropologia contemporânea desenvolvido pelo antropólogo americano Clifford Geertz. Para este antropólogo, a descrição das culturas é o principal papel da etnografia, ao organizar as suas observações de forma descritiva o pesquisador interpreta aquilo que viu, ouviu e vivenciou em campo. Neste sentido, a densidade descritiva está na capacidade que o pesquisador terá de interpretar aquilo que descreve sem dissociar na escrita o observado do interpretado. Esta modalidade de escrita faz com que os textos antropológicos se aproximem dos gêneros literários da crônica e do ensaio. teorias culturais após suas experiências em campo. Seus trabalhos foram desenvolvidos no início do século XX. Algumas de suas teorias são questionadas pela Antropologia na contemporaneidade, no entanto, a iniciativa de ir a campo, conviver com os grupos pesquisados, registrar observações Comunidades distantes: noção utilizada pela Antropologia para designar os povos pesquisados pelos primeiros antropólogos. O início do trabalho antropológico (como vimos na seção anterior) está vinculado ao colonialismo europeu pelo mundo, os primeiros textos deste período buscavam associar a distância geográfica às distâncias culturais que existiam entre diferentes povos no planeta. À medida que os antropólogos se aproximam mais de suas comunidades de pesquisa, as noções de proximidade e distância assim como de familiar e estranho vão indicar orientações importantes para o deslocamento do antropólogo no processo da observação participante, quando o pesquisador deve se mover dentro e fora dos grupos que estuda. e tentar sistematizar teoricamente o observado, inaugurou definitivamente uma nova postura para a Antropologia. Com a expansão dos meios de comunicação e o conhecimento efetivo de outras tradições culturais não europeias, os antropólogos passaram a se ocupar do estudo de suas próprias comunidades. O início da etnografia ensinou o pesquisador a tornar familiar aquilo que lhe parecia estranho em outras culturas (após anos de observação o pesquisador estava cada vez mais familiarizado com a cultura dos outros). O retorno à sua comunidade trouxe para o etnógrafo o desafio de estranhar aquilo que lhe é familiar (ao pesquisar grupos com os quais mantém alguma familiaridade, o pesquisador busca interpretar de outra forma aquilo que a maioria das pessoas vê da mesma forma). A postura de base da etnografia permanece viva. Ver e ouvir o mundo através dos outros é a atitude básica para o exercício interpretativo em que a relação entre o familiar e o estranho compõe a principal estratégia de pesquisa no campo antropológico. No Brasil, muitas destas pesquisas de natureza etnográfica produzem teorias importantes sobre a vida em comunidades indígenas, quilombolas ou mesmo na periferia das grandes cidades. Podemos citar, a título de exemplo, a produção teórica de Gilberto Velho (1973), que estudou as relações sociais de um grupo de moradores do bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ). O trabalho deste autor é uma das principais referências para o estudo de comunidades urbanas no Brasil. 52 A antropóloga Clarice Cohn (2005) dedicou suas pesquisas às Módulo 2 I Volume 1 EAD crianças da comunidade indígena Xikrin, no norte do Pará (PA). Após conviver com esta comunidade indígena, a antropóloga concluiu que a criança xikrin participa intensamente da vida cultural do seu grupo e atua na produção da cultura dentro das tradições a que pertence. Uma das principais contribuições do seu campo de pesquisa é a aplicação da etnografia com crianças e a articulação da Antropologia com a Educação. A partir dos textos de Clarice Cohn, podemos compreender, de forma consistente, educação e aprendizagem como interfaces do processo de construção sociocultural na vida em comunidade. Na tentativa de participar do contexto cultural dos indivíduos que investiga, o etnógrafo elabora suas teorias a partir do envolvimento intenso com outras pessoas. O que se pretende com esta prática de investigação é chegar o mais próximo possível da experiência cultural 5 tal como ela é vivida pelas pessoas. Essa aproximação gera um Seção conhecimento teórico que é feito a passos lentos, por ‘impregnação contínua’, como define Laplantine (2004), daí resultam conhecimentos Unidade II que orientam pessoas não ‘iniciadas’ nos grupos e temas estudados pela antropologia a uma visão mais profunda e complexa dos contextos culturais em vias de interpretação pela Antropologia. No que diz respeito ao trabalho do educador, a etnografia pode ser um instrumento de formação precioso. Considerando que os processos educativos, dentro e fora da escola, supõem a formação de grupos e a troca cultural como pressupostos de trabalho, a observação participante, o registro e a interpretação cultural dos grupos envolvidos na experiência educativa, podem enriquecer o desenvolvimento das atividades de ensino e aprendizagem. Ao tomar para si a tarefa de conhecer melhor aqueles com quem pratica a educação, o educador pode aprender práticas e saberes sociais dos seus educandos e contextualizar suas posturas de ensino, a partir das experiências de vida daqueles com quem partilha os seus espaços educativos. O legado da etnografia nos indica um movimento de aproximação do pesquisador para transformar em teoria os conhecimentos que os seus pesquisados aplicam na vida cotidiana. O legado da educação nos indica a participação na vida em grupo pelo educador como uma atitude de mediação entre conhecimentos já estabelecidos teoricamente e conhecimentos já experimentados na vida comum pelos indivíduos. Na aproximação com a etnografia, o educador poderá se inspirar nas suas contribuições tanto para compreender a abordagem da cultura pela Antropologia, quanto para investigar de forma mais profunda sua própria experiência em campo. A educação praticada em sala de aula, ou em qualquer espaço social UESC Pedagogia 53 Antropologia e Educação Ver através do outro: a experiência etnográfica em que os indivíduos criam e recriam suas práticas e saberes de vida, pode ser, também, uma instigante experiência de pesquisa da cultura como forma autêntica de manifestação das nossas vivências cotidianas. ATIVIDADE • Organize suas dúvidas sob a forma de perguntas e tente respondê-las. • Escolha um tema presente em suas vivências sociais, organize o seu diário de campo, registre suas observações e exercite a participação no processo de observação. • Procure debater e refletir mais sobre o trabalho da observação participante na construção do conhecimento. LEITURA C O M P L E M E N T A R O texto que se segue foi retirado de um artigo que expõe passagens do diário de campo do antropólogo Hermano Vianna. Este antropólogo é um dos principais estudiosos sobre música e periferia urbana no Brasil. Muitos dos seus trabalhos servem de roteiro para documentários do programa Fantástico, exibido aos domingos pela Rede Globo de Televisão. “Dia 9 de Junho de 2004 Entro em duas lojas oficiais de discos em Cuiabá. Quero fazer as coisas dentro da lei. Procuro os últimos lançamentos do lambadão cuiabano, a música mais popular nos bailes das periferias urbanas do Mato Grosso. Sou tratado pelos vendedores com espanto ou com aquela cara de superioridade que significa algo assim como ‘nosso estabelecimento não lida com essas baixarias, saia já daqui’. Era quase como se estivesse tentando comprar coca-cola numa loja xiita de produtos orgânicos. Percebo que não estão me escondendo nada: não tem mesmo lambadão para vender. Ninguém compra esse tipo de música em lojas. Claro: vou para aquele camelódromo da beira do rio e me esbaldo – economizando muitos reais – com os piratões de Os Maninhos (Volume VI – Bailão em Mato Grosso!), Banda R Som (O Melhor do Lambadão de MT – Seu Problema é Muito Chifre na Cabeça), Stillo Pop Som (Ao Vivo), Banda Real Som (Te Amo Demais), Mega Boys (A Banda do Momento) e ainda a sensacional coletânea da Cabana da Dudu. A lambada chegou em Cuiabá trazida por mato-grossenses que foram trabalhar nos garimpos da Amazônia nos anos 70 e 80. Pousando no cerrado, 54 Módulo 2 I Volume 1 EAD Unidade II Seção 5 ela se misturou ao rasqueado, ao siriri e à polca paraguaia (já devidamente eletrificada, soando como um rhythm and blues pantaneiro), e deu no lambadão, que continua sua trajetória mutante absorvendo influências que do vaneirão gaúcho, da axé music e do sertanejo, ou qualquer outra música que venha a fazer sucesso realmente popular no Brasil. O público logo entendeu que aquilo não era exatamente (ou não era apenas) uma lambada. Percebeu que estava ouvindo uma criação mato-grossense – e começou a dançar exatamente como fazia nas festas tradicionais de siriri, “folclore” local, onde o público feminino domina e as mulheres podem dançar agarradinhas, de rosto colado, girando sem parar pela pista de dança numa grande roda. Pelos ingredientes da mistura, e também por essa apropriação pouquíssimo ortodoxa daquilo que é considerado ‘autêntico’, mesmo quem nunca escutou nada pode perceber que o resultado não é feito para agradar os movimentos anti-baixaria (que muitas vezes são apenas movimentos elitistas, que pretendem doutrinar o povo a gostar de ‘qualidade’, definida arbitrariamente – é claro – segundo concepções estéticas geralmente caducas). Pena, para mim pelo menos, que o território do lambadão seja ainda restritivamente regional. Impossível comprar essas músicas, ou mesmo me manter informado sobre seus novos lançamentos, tanto no Rio de Janeiro quanto na Internet”. Hermano Vianna, 2004. Além de descrever os cenários de sua busca pelo lambadão mato-grossense, o antropólogo interpreta a relação entre o oficial e o oficioso na comercialização de músicas ouvidas na periferia. Revela ainda a riqueza de combinações de melodia que compõe a sofisticada composição dos hits musicais chamados de ‘periféricos’. Entre outras conclusões que podem ser retiradas das páginas do seu diário, o preconceito social, muitas vezes, desconhece a engenhosa produção artística presente na musicalidade das periferias urbanas do país. ATIVIDADE Reflita sobre a estrutura do texto apresentado e com base nas anotações do seu diário de campo tente organizar um texto que exponha suas interpretações sobre um dos temas das suas observações UESC Pedagogia 55 Antropologia e Educação Ver através do outro: a experiência etnográfica LEITURA RECOMENDADA Assista ao filme Zorba, O Grego, de Michael Cacoyannis e Demetrios Liappas. Nele um escritor inglês chamado Basil faz amizade com o grego Zorba na ilha de Creta. A partir desta amizade, o inglês passa de observador a participante da vida na pequena comunidade grega em que o escritor torna-se proprietário de uma mina. Acesse o site WWW.overmundo.com.br. Trata-se de um destino eletrônico, no qual você vai encontrar contribuições culturais de artistas de várias partes diferentes do país. RESUMINDO A etnografia introduz, no início do século XX, uma nova postura na abordagem da cultura. Suas contribuições interessam de um ponto de vista particular à produção teórica da Antropologia. Interessam também à Educação à medida que orienta a compreensão contextualizada dos processos socioculturais de formação humana. O trabalho da observação participante e da descrição cultural contribui para uma compreensão dos fenômenos antropológicos e pedagógicos numa perspectiva dialógica. Á medida que produzem conhecimento, através da etnografia, antropólogos e educadores o fazem a partir do encontro e da troca cultural com os grupos sociais com que trabalham. 56 Módulo 2 I Volume 1 EAD Historicamente, a Antropologia e a Educação se consolidam como ciências à medida que produzem práticas de conhecimento do homem como um ser cultural. Teorias e métodos destas duas ciências avançam quando sociedades de uma mesma cultura procuram compreender de forma mais profunda como outras sociedades se organizam e produzem seus saberes e práticas cotidianas. Conhecer e interagir com outro são atitudes fundamentais para a construção e aplicação do conhecimento antropológico e pedagógico na modernidade. Considerando que, do ponto de vista cultural, uma sociedade ou grupo social é marcado por diferenças internas entre os indivíduos, e que, no conjunto, tais diferenças produzem diversidades de gênero, classe social, etnias, religiosidade, enfim, um sem número de expressões de identidades e sociabilidades. Podemos afirmar que, apesar da predominância de determinados padrões culturais, um mesmo indivíduo é portador de referências pessoais múltiplas para situar-se no mundo. Vejamos o seguinte exemplo: antes de iniciar a sua jornada de trabalho, o comerciário começa o seu dia entre familiares, realizando seus rituais domésticos de higiene, alimentação, saudação entre parentes e vizinhos. Ele escolhe as vestimentas com as quais irá atender seus clientes no trabalho. A caminho da loja em que irá cumprir suas funções como trabalhador, utiliza bens e serviços disponíveis em sua cidade para ir ao trabalho como todos os cidadãos da localidade em que vive. Ao chegar ao trabalho, convive com UESC Pedagogia Identidade: a noção de identidade é utilizada em diversos sentidos pelas ciências humanas. Tratase de um termo que busca definir ou problematizar as unidades de conceitos através das quais os indivíduos se definem enquanto atores sociais. Todas as tentativas de universalização de um determinado conceito de identidade, no campo das ciências sociais, têm sido contestadas na contemporaneidade, à luz das contribuições que os estudos sobre as diferenças culturais oferecem para se compreender a diversidade sociocultural da humanidade. A ideia de que os indivíduos já nascem prontos do ponto de vista cultural é refutada na maioria das correntes do pensamento cultural contemporâneo. Prefere-se compreender que os indivíduos constroem suas identidades na relação com outros indivíduos e com o complexo de objetos culturais com os quais convive. Sociabilidade: processo de formação social dos indivíduos. No campo do pensamento social, o sociólogo francês Emile Durkeim foi um dos primeiros a tratar deste conceito, quando descreve a experiência de formação das sociedades tradicionais e das sociedades modernas através dos conceitos de solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. Suas teorias contribuem até hoje para a reflexão sobre as formas de socialização presentes nas mais diferentes experiências de vida social no planeta. 57 6 Seção DIFERENÇA E DIVERSIDADE: O ELOGIO DA ALTERIDADE Alteridade: aquilo que é próprio do outro. No linguajar acadêmico a expressão tem origem na filosofia, quando os pensadores buscavam refletir sobre as dimensões existenciais que extrapolam o sentido material da vida dos indivíduos. No pensamento antropológico, a noção de alteridade serve para expressar a postura através da qual o antropólogo tenta compreender a cultura do ponto de vista do outro, daquele que é investigado. No campo pedagógico, o termo busca significar a proposta de tomar como ponto de partida para o processo educativo as experiências vividas pelos indivíduos que participam deste processo. Unidade II SEÇÃO VI Antropologia e Educação Diferença e diversidade: o elogio da alteridade colegas, chefes, clientes e toda uma diversidade de pessoas com quem mantém relações de proximidade, que conhece à distância ou que sequer imaginaria conhecer, se não tivesse diariamente que trabalhar no local em que trabalha. Poderíamos seguir com este exemplo por muitas páginas, mas o que nos interessa é mostrar, que tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista social, a experiência cultural do homem é marcada pela diferença e pela diversidade. Uma mesma pessoa pode ser outra dependendo do contexto em que esteja. Quanto mais tomamos consciência disto mais rompemos com a rigidez dos padrões culturais que nos indicam apenas um modelo de vida em sociedade. Em meados dos anos 80, uma pesquisa mostrou que os livros didáticos que circulavam pelo Brasil padronizavam a imagem dos indígenas brasileiros. Praticamente todos os livros expunham o mesmo índio, a mesma oca, os mesmos arco e flecha. Convém ressaltar que os traços físicos dos desenhos dos índios, nos livros didáticos, imitavam traços físicos dos europeus. Do ponto de vista do processo de escolarização no país, isto terminou produzindo a instituição de dois modelos distorcidos e preconceituosos de sociedade praticados pela escola a sociedade do eu e a sociedade do outro. Segundo Rocha (1984), a sociedade do eu, representada pelos professores que difundem os conhecimentos dos livros didáticos, é pretensiosamente mais verdadeira e superior que a sociedade do outro (aquele que se vê representado nas páginas do livro). O trabalho do autor é um dos pioneiros nas pesquisas de natureza antropológica sobre a educação no Brasil e tenta fazer uma crítica à forma homogeinizadora como as culturas escolares tratam as diferenças culturais no país. Ao colocar o eu e o outro como modelos antagônicos, através do qual um determinado contexto cultural busca sobrepor-se ao outro, Rocha nos convida à leitura do livro didático e da escola com outros olhos. Ver, ouvir e interpretar os outros que estão dentro e fora de nós é uma forma de compreender a complexidade dimensional da cultura nas múltiplas relações que os indivíduos estabelecem consigo e com outras pessoas. Isto exige rupturas de costumes que tendem a naturalizar nossas ações. Exige ainda deslocamento das nossas formas de pensar e dizer palavras com as quais produzimos sentidos, para estarmos juntos uns-com-os-outros na vida em sociedade. Exige a compreensão radical de que, no fundo, somos múltiplos e que, quando nos unificamos numa determinada postura diante do mundo, o fazemos por identificação com outros indivíduos. Em outras palavras, poderíamos dizer que, para viver em sociedade, sentimos, agimos e pensamos em conformidade com a experiência de outras 58 Módulo 2 I Volume 1 EAD pessoas em busca de sintonia social. Ao compreender a sua condição social do ponto de vista cultural a espécie humana cria uma infinidade de modos de vida, superando muitas vezes barreiras biológicas, geográficas e até mesmo históricas que estabelecem com rigidez certas condições de existência. O neurologista Oliver Sacks (2008) relata, na introdução do seu livro Um Antropólogo em Marte, como teve que aprender a escrever com a mão esquerda após uma cirurgia no ombro direito. Apesar de ser destro, ele teve que desenvolver habilidades como canhoto, bem como utilizar os pés para manipular pequenos objetos. Boa parte dos seus estudos foi desenvolvida com pessoas que possuem dificuldades e síndromes de caráter neurológico e que, em alguma medida, convivem com a doença de forma socialmente saudável. Este último exemplo nos convida, mais uma vez, a compreender a Antropologia e a Educação como interfaces de um pensamento em que a cultura é uma dimensão profunda da construção simbólica que orienta os 6 indivíduos na vida em sociedade a existirem como o mesmo e como o Unidade II Seção outro, em suas mais diversificadas formas de convívio social. ATIVIDADE • Organize suas dúvidas sob a forma de perguntas e busque respondê-las. • Crie o seu diário de campo e registre descrições de situações em que determinados padrões culturais definem significados para semelhanças e diferenças na vida em sociedade. Diário de campo: trata-se do principal instrumento de trabalho etnográfico. Poder ser uma caderneta, caderno, ou bloco de anotações em que você fará o registro das observações de um determinado grupo ou contexto social. É importante destacar o dia, a hora, as pessoas envolvidas no processo de observação e características ambientais do local em que o trabalho foi desenvolvido. Além de tais registros, o diário de campo comporta as impressões e interpretações preliminares do observador. Tais elementos servirão mais tarde para a elaboração do texto final. UESC Pedagogia 59 Antropologia e Educação Diferença e diversidade: o elogio da alteridade LEITURA C O M P L E M E N T A R O jornal Folha de São Paulo de sábado, dia 27 de junho de 2009, publica, no seu Caderno de Esportes, uma longa matéria em que tenta explicar como o goleiro Tim Howard, titular da seleção dos Estados Unidos, convive com a Síndrome de Tourette uma doença neurológica que provoca movimentos musculares involuntários no corpo humano. O texto diz o seguinte: “Goleiro derrota doença e preconceito Howard, titular da seleção dos EUA, é portador da síndrome de Tourette e já foi classificado de ‘retardado’ na Europa (dos enviados a Johannesburgo) Um dos heróis da histórica classificação dos EUA para a decisão da Copa das Confederações, o goleiro Tim Howard, 30, sofre da síndrome de Tourette, um distúrbio neurológico que tem como principal conseqüência provocar movimentos involuntários dos músculos que, em casos extremos, podem se espalhar por todo o corpo. Tudo o que poderia atrapalhar a vida de um goleiro, mas com o que Howard – autor de uma série de defesas decisivas na vitória norte-americana contra a Espanha, por 2 a 0, nas semifinais do torneio – consegue conviver com naturalidade. Tanto que, entre os jogadores da seleção de seu país, foi um dos que chegaram mais longe em termos de clube – já defendeu o Manchester United e hoje é o titular do gol do Everton, outro clube de bastante prestígio e torcida na Inglaterra. Preconceito forte ele, que nasceu em Nova Jersey, só teve quando trocou o seu país pela Europa, há seis temporadas. Na época, os tablóides sensacionalistas ingleses chegaram a estampar manchetes na linha de “Manchester United quer contratar goleiro retardado”. Os primeiros sintomas da síndrome de Tourette apareceram em Howard quando ele tinha nove anos. Na escola, era ridicularizado pelos colegas devido aos tiques nervosos – no seu caso, os mais comuns hoje são movimentos com a língua e piscar frenético dos olhos. Para se controlar durante os jogos, Howard usa táticas de relaxamento. Ele evita tomar remédios, porque, afirma, isso poderia atrapalhar seus reflexos durante as partidas. Em uma entrevista concedida à televisão norte-americana, declarou que a doença nunca o atrapalhou no futebol. Segundo Howard, ele consegue se concentrar nos jogos a ponto de a síndrome jamais ter interferido em seu desempenho quando está sob as traves. Mesmo sabendo que a síndrome de Tourette poderia atrapalhar sua carreira, ele nunca escondeu que sofria dela. E fez mais, virou uma espécie de porta-voz da doença. ‘Existe muito preconceito e falta de conhecimento sobre os portadores da síndrome’, afirmou Howard, que não é o único esportista americano de renome que sofreu com ela. Jim Eisenreich, por exemplo, jogou por 17 temporadas na liga americana de beisebol por quatro times diferentes mesmo sendo acometido pelo distúrbio, que não foi obstáculo para que Mahmoud Abdul-Rauf fosse escolhido na terceira posição do ‘vestibular’ da liga de basquete NBA em 1990.” Folha de São Paulo, sábado, 27 de junho de 2009. 60 Módulo 2 I Volume 1 EAD Graças ao seu excelente desempenho como goleiro da seleção dos EUA Howard venceu o preconceito e convive de forma saudável com a síndrome de Tourette. O seu exemplo nos mostra como a vida em sociedade, marcada por rígidos padrões culturais, impõe dificuldades para o convívio com as diferenças. O goleiro americano conheceu o preconceito na escola, teve que enfrentar o preconceito dos formadores de opinião e se afirmou com um ídolo do futebol nos EUA e Inglaterra. ATIVIDADE Organize um álbum das diferenças, selecione histórias de pessoas e grupos que tiveram que superar preconceitos por apresentarem características físicas, sociais, étnicas ou culturais que não correspondem a padrões sociais, busque descrevê-las de forma resumida, como se estivesse organizando um retrato falado destacando apenas Unidade II Seção 6 as características essenciais daqueles que são descritos. LEITURA RECOMENDADA Conheça o Museu da Pessoa, um acervo eletrônico de histórias de vida de pessoas dos mais diferentes lugares do país, o endereço é: WWW.museudapessoa.net . Assista ao filme Um Herói do Nosso Tempo, de Radu Milhaileanu. Conta a história de um menino etíope que vive em um acampamento no Sudão e se faz passar por um judeu para fugir para Israel. Para sua nova experiência de vida, terá que inventar um novo modo de vida, a partir da sua experiência com a família francesa de judeus que o adota. RESUMINDO A alteridade é uma postura de base para a compreensão da diferença e da diversidade do ponto de vista da Antropologia e da Educação. Ao destacar diferença e diversidade como características culturais da vida social a abordagem etnográfica considera o contexto em que cada cultura produz seus saberes e suas práticas. Neste sentido, podemos pensar na cultura de um ponto de vista singular: como dimensão simbólica constituinte das significações com as quais produzimos sentidos para a nossa existência. Podemos pensar, ainda, a cultura de um ponto de vista plural, à medida que consideramos que cada indivíduo e grupo social possuem seus próprios códigos de identificação cultural. Ao reivindicarem a alteridade como pressuposto de construção das suas elaborações teóricas e metodológicas, a Antropologia e a Educação levam em conta as contribuições que saberes e práticas sociais oferecem para a constituição de saberes e práticas acadêmicos. UESC Pedagogia 61 Antropologia e Educação Diferença e diversidade: o elogio da alteridade RESUMINDO A UNIDADE II Na tentativa de definição do conceito de Cultura, por volta do século XIX, o pensamento social europeu deflagrou esforços para as construções teóricas e metodológicas que, mais tarde, colocariam a Antropologia e a Educação no campo das ciências sociais. São considerados autores de origem da Antropologia: Lewis Henry Morgan (com a obra Ancient Society de 1877); Edward Burnett Tylor (autor de Primitive Culture, de 1871) e Sir James Frazer (autor de The Golden Bough, 1890). Estes autores contribuíram para a formação do primeiro campo teórico da Antropologia conhecido como: evolucionismo cultural. Na Educação, devemos a Comênio e Rousseau as primeiras orientações para o tratamento filosófico da formação humana de um ponto de vista da cultura. Com o advento da Etnografia, no início do século XX, pensar a cultura deixa de ser um trabalho de gabinete. Os primeiros antropólogos de campo passam a conviver com nativos de outras culturas. A partir desta mudança de rumos, derivam diversas escolas do pensamento antropológico: o estruturalismo cultural, o funcionalismo, o estrutural-funcionalismo e o personalismo cultural destacam-se entre as principais tendências da abordagem antropológica da cultura. Ver o mundo através dos outros se constitui no primeiro passo para a aproximação dos antropólogos com outros povos. A capacidade de tornar o estranhamento com as diferenças culturais e pensar a humanidade como um complexo de diversas culturas, introduziu a alteridade como um princípio teórico e metodológico do trabalho de campo. Além de ver o mundo através dos outros, os antropólogos procuram pensar a cultura através das múltiplas perspectivas que situam os povos estudados dentro dos seus modelos organizacionais de vida social. No Brasil, as contribuições teóricas de Álvaro Vieira Pinto e Paulo Freire introduziram a cultura como dimensão básica da formação humana. Devemos a estes autores a preocupação com a contextualização das práticas de ensino e aprendizagem nos processos educativos. À medida que se desenvolvem novas reflexões sobre a cultura, Antropologia e Educação aprofundam suas relações interdisciplinares, avançando na construção de novos paradigmas de pensamento. 62 Módulo 2 I Volume 1 EAD COHN, Clarice. Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2005. CORALINA, Cora. A Escola da Mestra Silvina. In: Poemas dos Becos de Goiás. São Paulo: Global, 2006. GADOTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 8. ed. São Paulo: Editora Ática, 2006. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Trad. de Gilberto Velho. Rio de Janeiro: LTC, 1989. REFERÊNCIAS FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. Trad. de Rosisca Darcy de Oliveira. São Paulo: Paz e Terra, 1992. JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO. Goleiro derrota preconceito. Caderno de Esportes. Dos enviados a Johannesburgo. São Paulo: 27 de junho de 2009. Seção 6 KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. Trad. de Mirtes Frange de Oliveira Pinheiros. Bauru: EDUSC, 2002. Unidade II LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. Trad. de Marie-Agnès Chauvel. São Paulo: Brasiliense, 2002. ___________________. A descrição etnográfica. Trad. de João Manuel Ribeiro; Sérgio Coelho. São Paulo: Terceira Margem, 2004. LARAIA, Roque de Barros. Cultura um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2002. MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Trad. de Paulo Neves. São Paulo: Cosac e Naify, 2003. OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O trabalho do antropólogo. São Paulo: Paralelo 15 : UNESP Editora, 2000. PINTO, Álvaro. Sete lições de educação de jovens e adultos. São Paulo: Cortez, 2002. REVISTA NOVA ESCOLA. Fala, Mestre!. Seção Você, Professor. Edição 169. São Paulo: jan./fev. de 2004. ROCHA, Everardo P. G. 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UESC Pedagogia 63 Suas anotações ________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________