UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO REFLEXÕES SOBRE A EUTANÁSIA EDUARDO CESAR SANTOS Biguaçu (SC), julho de 2008. i UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO REFLEXÕES SOBRE A EUTANÁSIA EDUARDO CESAR SANTOS Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof°. Msc. Luiz César Silva Ferreira Biguaçu (SC), julho de 2008. 2 AGRADECIMENTO Agradeço à minha família pela base dada ao longo da faculdade e especialmente durante a fase da monografia. Agradeço também a minha Tia Neli pela paciência, atenção e ajuda oferecida. Aos amigos Bernardo Proença, Marcelo Kaiser e Bernardo Pirath por suas valiosas contribuições durante o curso de Direito. A todos aqueles que de uma maneira ou outra me auxiliaram na conclusão deste trabalho. 3 DEDICATÓRIA Aos meus irmãos, Christian e Giuliano, pelo carinho e estimulo. Especialmente aos meus pais Santelino e Neusa, pelo esforço e sacrifício dispensado durante todo o curso e pela forma com que me transmitiram conhecimento e segurança para que eu chegasse ao final deste. 4 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu (SC), julho de 2008. Eduardo César Santos Graduando 5 PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Eduardo César Santos, sob o título Reflexões sobre a Eutanásia, foi submetida em trinta e um de julho de dois mil e oito à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Eunice Anisete Trajano, Luiz César Silva Ferreira, Marilene, e aprovada. Biguaçu (SC), julho de 2008. Prof°. Msc. Luiz César Silva Ferreira Orientador e Presidente da Banca Profª. Esp. Helena Nastassya Paschoal Pítsica Coordenação da Monografia 6 ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS CC CÓDIGO CIVIL CRFB/88 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL CP CÓDIGO PENAL vii ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que a autor considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Eutanásia: Palavra de origem grega significa morte doce, morte calma. Do grego eu e thanatos que significa a morte sem sofrimento e sem dor. 1 Bioética: Estudo dos problemas e implicações morais despertados pelas pesquisas científicas em medicina e biologia’. o adjetivo moral, nesse caso, atua como sinônimo de ética. em outras palavras, a bioética dedica-se a estudar as questões éticas suscitadas pelas novas descobertas científicas; ‘novos poderes da ciência significam novos deveres do homem. 2 Morte: Cessação de toda atividade funcional peculiar a animais e vegetais, tempo decorrido entre o começo e o fim da existência. 1 3 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 13. 2 ALMEIDA, Guilherme Assis; CHRISTMANN, Martha Ochsenhofer. Ética e direito: uma perspectiva integrada. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 62 3 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis: OAB/SC Editora. 2003, p. 30. viii MMMMMMMMMMMMMMMMMMSUMÁRIOMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM MMMMMMMMMMMMMMMMMMMM RESUMO ............................................................................................................X ABSTRACT ........................................................................................................XI INTRODUÇÃO......................................................................................1 Capítulo 1..............................................................................................3 EUTANÁSIA.........................................................................................3 1.1 HISTÓRIA DA EUTANÁSIA..............................................................................3 1.2 CONCEITO........................................................................................................8 1.2.1 DISTANÁSIA................................................................................................12 1.2.2 ORTOTÁNASIA............................................................................................13 1.2.3 SUICÍDIO ASSISTIDO..................................................................................14 1.3 CLASSIFICAÇÃO............................................................................................16 Capítulo 2............................................................................................18 QUALIFICAÇÃO JURÍDICO-PENAL DA MORTE POR EUTANÁSIA............................................................................. 18 2.1 O DIREITO BRASILEIRO...............................................................................18 2.2. O POSICIONAMENTO DO MUNDO..............................................................23 2.2.1 EUTANÁSIA NA AUSTRALIA.....................................................................29 2.2.2 EUTANÁSIA NOS ESTADOS UNIDOS.......................................................31 2.2.3 EUTANÁSIA NA HOLANDA........................................................................33 2.2.4 EUTANÁSIA NA SUIÇA...............................................................................34 2.2.5 EUTANÁSIA NA FRANÇA...........................................................................36 2.2.6 EUTANÁSIA NO URUGUAI.........................................................................37 2.2.7 EUTANÁSIA NA COLÔMBIA......................................................................38 Capítulo 3............................................................................................39 A VISÃO DOS PROS E CONTRAS............................................................39 3.1 A IGREJA CATÓLICA E A RELIGIÃO...........................................................39 3.1.2 RELIGIÃO CATÓLICA.................................................................................42 3.1.3 RELIGIÃO JUDAICA....................................................................................44 3.1.4 RELIGIÃO ISLÂMICA..................................................................................45 3.1.5 RELIGIÃO HINDU........................................................................................45 3.1.6 RELIGIÃO BUDISTA....................................................................................46 3.2 QUESTÕES MÉDICAS....................................................................................46 3.3 O CONSENTIMENTO......................................................................................49 3.4 BIOÉTICA........................................................................................................53 3.4.1 ÉTICA...........................................................................................................54 3.4.2 BIODIREITO.................................................................................................55 3.4.3 PRINCÍPIOS BIÓÉTICOS ............................................................................56 3.4.3.1 DA AUTONOMIA.......................................................................................57 3.4.3.2 DA BENEFICÊNCIA..................................................................................57 ix 3.4.3.3 DA JUSTIÇA..............................................................................................58 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................59 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS...............................................................61 x RESUMO A presente monografia visa a realização do estudo a respeito da EUTANASIA, baseando-se na Ética e na Dignidade da Pessoa Humana. Todos os avanços que podemos observar desde os tempos primórdios são um grande questionamento na sociedade não só brasileira, como mundial. Esses avanços, obrigatoriamente, discutidos em diversas áreas como: Sociologia, Medicina, Psicologia, Religião e Direito, buscam soluções para um tema tão polêmico e controvertido que é a eutanásia. A vida, o bem mais supremo do ser humano merece uma reflexão minuciosa em seu direcionamento. No decorrer deste apresentam-se conceitos, posicionamentos éticos, e todos os direitos que o ser humano merece como respeito a dignidade humana no aspecto vida e morte. Este trabalho objetiva, através de pesquisas em livros, trabalhos publicados e na legislação brasileira, desenvolver uma consciência relacionada às interrogações ao tema que chamamos de Eutanásia - a triste realidade: a morte. xi ABSTRACT This paper aims to develop the study on the EUTANASIA, which is based on Ethics and Human Dignity of Person. All that we can see progress since the days are beginning a major question in society not only Brazilian, and globally. These advances necessarily discussed in various areas such as sociology, medicine, psychology, religion and law, seek solutions to a subject as controversial and contested that is euthanasia. The life, the most supreme of the human being deserves a thorough reflection on its direction. During this present themselves concepts, ethical positions, and all rights which the human being deserves respect and human dignity in life and death aspect. This study aims, through research in books, papers and published in Brazilian legislation, develop an awareness to the questions related to the theme we call Euthanasia - the sad reality: death. 1 INTRODUÇÃO É objetivo deste trabalho estabelecer definições a respeito da eutanásia, relacionados aos pontos de vista sob o aspecto da medicina, cultura, filosofia e jurídico social, no âmbito brasileiro e estrangeiro. Ele consiste no polêmico assunto do direito de matar e do direito de morrer, chamado assim de eutanásia, com conseqüências tão desastrosas para uma humanidade tão sofrida em todos os aspectos sociais. A partir do momento em que se questiona a disponibilidade da vida humana, o seu estudo interessa a todas as camadas sociais. No primeiro Capítulo, apresenta-se a eutanásia e seu histórico, conceitos e classificação, destacando-se a distanásia, ortotanásia e suicídio assistido. No segundo Capítulo, aborda-se os aspectos jurídico-penal da morte eutanásica explanando-se o direito brasileiro e o posicionamento do mundo. No terceiro Capítulo, serão demonstradas as questões pertinentes à visão dos pros e contras, especificamente na ótica da igreja católica, as questões médicas, o consentimento e a bioética. Nas Considerações finais, serão apresentados questionamentos que servirão para fazer com que todos possam refletir sobre este tema tão polêmico. Para a presente Monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: 2 - A prática da eutanásia é amparada pelo princípio da autonomia e do consentimento do paciente; - O direito a uma morte digna, amparado nos direitos fundamentais; e nos princípios bioéticos. - A possibilidade da eutanásia. Quanto à Metodologia empregada, na presente Monografia, registra-se que foi utilizado o Metido Dedutivo. Capítulo 1 EUTANÁSIA 1.1 HISTÓRIA DA EUTANÁSIA A eutanásia, prática aplicada para abreviar a morte de um paciente incurável vem sendo aplicada desde a antiguidade, até hoje, e já está legalizada em alguns paises do mundo. Há muita diversidade na modalidade de aplicação dessa prática entre os povos, onde esta é permitida. A eutanásia não é prática recente, nem tampouco aparece com a Idade Moderna, mas pode-se buscá-la no começo da civilização, mais precisamente na Grécia e em Roma. 4 Ela foi exercida ao longo de diversas civilizações. Os povos celtas se concretizavam com a eutanásia, através do costume de se dar a morte aos anciãos doentes. “Em algumas tribos antigas era muito comum a prática que obrigava sagradamente ao filho ministrar a boa morte ao pai idoso e enfermo”. 5 Na Índia antiga, o portador de doença incurável “era conduzido por sua família às margens do Ganges e, enchendo-lhe a boca e o nariz com o lodo sagrado, o jogavam ao rio”, e “entre os hebreus se guardava certa consideração aos condenados à morte, até o ponto de preparar-lhes bebidas que fizessem menos dolorosa sua execução, e talvez, com este sentido eutanásico, dessem ao Nosso Senhor Jesus Cristo o vinho misturado com fel”. 4 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis: OAB/SC Editora. 2003, p. 95. 5 CARVALHO, Gisele Mendes de. Revista dos Tribunais. Ano 91 - Abril de 2002. Vol. 798, p.483. 6 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis: OAB/SC Editora. 2003, p. 97. 6 4 Em Atenas o Estado tinha o direito de tirar a vida humana em casos especiais. Na ilha Grega de Cea, toda pessoa que completasse 60 anos era envenenado, pois para eles representava um peso para Sociedade, alem de não trazer mais contribuição para guerra. Semelhantemente os espartanos davam morte as pessoas cansadas e deformadas, porque também as consideravam inutilidade para o Estado. Também era cometido o crime às crianças pobres e famintas, jogando-as de um monte chamado Taijeto, porque eram consideradas incapazes de tornar-se guerreiros, cumprindo a função que era designada a todo ser humano. 7 As tribos nômades que não conseguiam transportar os enfermos do clã optavam por sacrificá-los a ter que os abandonar aos inimigos ou às inconstâncias climáticas. Em 1940, o Hospital Orsay na França, teve que ser evacuado por motivo de guerra, só restando às enfermeiras nova solução: aplicar injeções letais aos doentes impossibilitados de ser removidos. 8 Na Roma antiga, desde os tempos de Pompilho o homicídio era punido. Contudo, em alguns casos permitia-se, que o homem caso quisesse daria morte a outro, semelhantemente no caso do direito de vida e de morte que os ascendentes exerciam sobre os descendentes submetidos ao seu pátrio poder. Salienta-se que a aplicação do direito de vida e morte correspondia ao pai, uma vez que de acordo com os antigos costumes era de não conservar nem alimentar os filhos nascidos disformes podendo assim lhes dar a morte. Esse direito era reservado restritamente ao pai de matar os filhos doentes e era expressamente estabelecido pela Lei das XII Tábuas. 9 Ainda em Roma, o Senado de Marselha mantinha um depósito de cicuta a disposição para quem manifestasse, perante a Corte, o desejo de deixar a própria vida. Esta era uma maneira de auxiliar o suicídio, e não propriamente de praticar o homicídio eutanásico. 7 CARVALHO, Gisele Mendes de. Revista dos Tribunais. Ano 91 - Abril de 2002. Vol. 798, p.484. 8 RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 23. 9 CARVALHO, Gisele Mendes de. Revista dos Tribunais. Ano 91 - Abril de 2002. Vol. 798, p.484. 5 Segundo Gisele Mendes de Carvalho: Se na antiguidade greco-romana predominava o entendimento segundo o qual as enfermidades eram injustos castigos infligidos pelos deuses aos inocentes, com o cristianismo a morte e suas agruras ganham diversas interpretação: aos enfermos e moribundos são reservadas vida nova e saúde espiritual no reino dos céus. O falecimento deixar de visto como fim e transforma-se em passagem, assumindo desde logo caráter secundário em relação ao conceito absoluto de vida da filosofia cristã. A exemplo de Jesus cristo que suportou e assumiu seu sofrimento, também os homens devem aceitar o desenlace que fatalmente lhes sobrevirá, existindo sempre para o ser humano a possibilidade de encontrar o sentido se sua vida em suas experiências, alegres e dolorosas. 10 No Brasil, os sucessivos diplomas que regeram a vida da colônia e do Império durante os séculos XVI, XVII e XVIII foram unânimes em reservar sanções ao delito de homicídio, sem qualquer menção aos motivos que compelissem o agente à sua pratica ou à existência de anuência ou de petição por parte da vitima, com o que é possível concluir que recebia o homicídio eutanásico o mesmo tratamento da figura simples. 11 Manteve o Código Criminal do Império postura semelhante, ao não estabelecer preceito que atenuasse a pena do homicídio perpetrado por motivos altruísticos, embora elencasse entre as circunstâncias atenuantes “ter o delinqüente cometido o crime para evitar maior mal” (art. 18, § 2°). O Código Penal de 1890 não operou maiores alterações, tendo estabelecido aquela mesma previsão genérica para atenuação da pena (art.46, § 6°). O homicídio eutanásico, portanto continua sendo sancionado com os mesmos rigores do homicídio simples. 10 12 CARVALHO, Gisele Mendes de. Revista dos Tribunais. Ano 91 - Abril de 2002. Vol. 798, p.485. 11 CARVALHO, Gisele Mendes de. Revista dos Tribunais. Ano 91 - Abril de 2002. Vol. 798, p.486. 12 CARVALHO, Gisele Mendes de. Revista dos Tribunais. Ano 91 - Abril de 2002. Vol. 798, p.486. 6 O Código Penal de 1940 inaugurou novo tratamento ao prever hipótese de diminuição de pena para o “agente que comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral (art. 121, § 1°), o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”. Para a análise do artigo supracitado, é adequado reportar-se ao Decreto-Lei n°. 2.848/40 — Exposição de motivos da parte especial do Código Penal — a fim de que se amenize a expressão incerta na lei. Para tanto, esclarece o item 39 do pré-citado Decreto que, “por motivo de relevante valor social ou moral, o projeto entende significar o motivo que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima (caso do homicídio eutanásico). 13 O Código Penal de 1940 é o primeiro Código a considerar os móveis nobres que impulsionam a conduta com vistas à atenuação da sanção. 14 Em 1984, a Lei 7.209 promoveu a reformulação da Parte Geral do Código Penal, mas o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial não chegou a ser aprovado. Essa proposta, de maneira inovadora, isentava de pena “o médico que, com consentimento da vítima, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão, para eliminar-lhe o sofrimento, antecipa morte iminente e inevitável atestada por outro médico” (art. 121, § 3°). 15 Em 1997, novas comissões foram instituídas com a finalidade de elaborar propostas neste sentido, mas nada foi aprovado e concluído. Segundo Augusto César Ramos: A prática da eutanásia não é desconhecida da ancestralidade, sendo frequentemente utilizada sob os mais diversos desígnios, e tampouco constitui uma exclusividade da espécie humana, porquanto nas aldeias e nos campos sabemos muito bem que 13 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis OAB/SC Editora, 2003. 180 p. 14 CARVALHO, Gisele Mendes de. Revista dos Tribunais. Ano 91 - Abril de 2002. Vol. 798, p.486. 15 CARVALHO, Gisele Mendes de. Revista dos Tribunais. Ano 91 - Abril de 2002. Vol. 798, p.487. 7 recolhido um ninho com os seus filhotes e fechados em uma gaiola, os próprios pais continuam alimentando-os; porém sabemos melhor que, passado certo tempo, quando já os filhotes estão cobertos de penas e em condições físicas de viver por si, são envenenados sem remédios com ervas tóxicas que os próprios pais trazem solícitos em seus bicos: preferem dar-lhes a morte ante a dor de presumidos eternamente cativos. 16 A Bíblia (I, Samuel, 31, 1-13) narra um dos primeiros casos de tentativa de suicídio seguido de morte eutanásica: Saul, tendo se ferido em batalha contra os Filisteus e temendo ser capturado por estes, pediu ao seu escudeiro que o matasse. Negando-se o escudeiro a matá-lo, Saul atirou-se sobre a própria espada, ferindo-se gravemente. Não tendo encontrado a morte, apesar disso, chamou um amalecita e pediu-lhe que o matasse, visto não mais suportar o sofrimento, e foi atendido. David, ao receber a notícia da morte de Saul, contada pelo amalecita que o matara a seu pedido, não o perdoou e mandou puni-lo com a morte. 17 É recorrente nos estudos sobre a história da prática da eutanásia a referência à fundação de uma academia, no Egito, por Cleópatra e Marco Antonio, cujo escopo era a consecução de métodos mais brandos, menos dolorosos, de morrer. Em Roma, “o gesto dos Cesares nos circos romanos, de abaixar o polegar, por ocasião dos combatentes dos gladiadores; gesto com que se decretavam a extinção do vencido, abreviando a agonia dos que, feridos mortalmente, haviam de sofrê-la lenta e cruel”. 18 Contemporaneamente, consoante registro de Luis Jimenez de Asúa, o debate acerca da eutanásia adentrou nos foros acadêmicos com a 16 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis OAB/SC Editora, 2003. p. 95-96. 17 RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 21. 18 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis OAB/SC Editora, 2003. p. 97-98. 8 publicação de três notáveis obras, “L’Omicidio-suicidio”, “Die Freigabe der Vernichtung lebensunwerten Lebens” (A autorização para exterminar as vidas sem valor vital) e por último, a publicação da obra L’uccisione pietosa: l´eutanasía, em 1923, de autoria de Enrico Morseili, que foi uma resposta ao opúsculo de Bindin e Hoche, porquanto firma que a sua “repulsa pela eutanásia, em todas as suas formas e sentidos, é absoluta”. 19 O certo é que “as idéias de Hoche influenciaram um grande número de psiquiatras alemães, o que explica o fato de que a comunidade médica tenha auxiliado Hitler quando da implementação do programa eutanásico nazista em setembro de 1939”. 20 1.2 CONCEITO Em material aqui pesquisado, podemos nos deparar com várias redações a respeito do conceito da prática da eutanásia, mas todas com o mesmo significado e objetivo. Segundo José Ildefonso Bizatto, a palavra Eutanásia é de origem grega e significa “morte doce, morte calma” tendo sido empregada pela primeira vez por Frank Bacon, no século XVII. Do grego eu e Thanatos, que tem significado “a morte sem sofrimento e sem dor” – para outros a palavra eutanásia também expressa: “morte fácil e sem dor”, “morte boa e honrosa”, “alivio da dor”, “golpe de graça”, “morte direta e indolor”, “morte suave”, etc.... 21 19 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis: OAB/SC Editora. 2003, p. 101. 20 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis: OAB/SC Editora. 2003, p. 102. 21 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual.2000. p.13. 9 De qualquer modo, seja qual for a definição da palavra eutanásia é preciso, inicialmente, dizer que muitos a definem de acordo com suas concepções. A morte constitui-se no mais profundo dos mistérios e por mais que se invista neste terreno, tudo não acaba passando de simples indagações sem resposta. Os homens se atemorizam diante dela, e muito particularmente, diante do sofrimento. Tudo o que representa a dor, traz desespero interior, mais especificamente, quando não se pode vencê-la ou curá-la. 22 Torna-se incontestável que os avanços tecnológicos na área da saúde proporcionaram e continuam a proporcionar a salvação de muitas vidas, diminuindo-lhes o sofrimento. Entretanto, muitos são os problemas éticos que advieram de tal avanço, como por exemplo, o que diz respeito à definição do conceito de morte. Anteriormente, a morte era certificada como o cessamento dos batimentos cardíacos, o que hoje sabemos não ser mais aceitável. A revisão desse conceito redefiniu-a como sendo o de morte cerebral ou encefálica. Esta revisão tornou-se necessária por conta do desenvolvimento da Medicina, que desencadeou a possibilidade de prolongamento indefinido da vida humana, por meios ditos artificiais. O Conselho Federal de Medicina (CFM), através da Resolução nº. 1.480/97, manifestou-se quanto aos parâmetros clínicos para confirmação da morte encefálica: cessação irreversível de todas as funções do encéfalo, incluindo o tronco encefálico. 23 A eutanásia nada tem a ver com homicídio privilegiado, devendo constituir-se num capítulo a parte dentro do Código Penal. No entendimento de Morselli, “a eutanásia é aquela morte que alguém dá a outrem que sofre de uma enfermidade incurável, a seu próprio requerimento, para abreviar agonia muito grande e dolorosa”. 24 22 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual.2000. p. 13. 23 SOUSA, Dinorah Leane Silva de. Eutanásia: questão de vida e de morte. Disponivel em http://www.novafapi.com.br/revistajuridica/ano_II/dinorah.php. Acesso em 17 jun 2008. 24 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual.2000. p. 15. 10 Atualmente, o termo eutanásia vem sendo utilizado como ação médica direcionada a abreviar a vida de pessoas que se encontram em estado de grave sofrimento oriundo de doença incurável, sem qualquer perspectiva de melhora. Assim entendido, a eutanásia é a promoção do óbito, através da conduta, da ação ou da omissão do médico, que emprega, ou omite, meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável ou em estado de grave sofrimento, abreviando-lhe a vida. 25 Ainda que a morte seja certa dentro em momentos, a destruição da vida é homicídio. Diga-se mesmo quando a vítima se acha agonizando ou teria que ser executada dentro de segundos. Sua morte antecipada é homicídio. 26 Jimenes de Asúa 27 entende que “é a morre que alguém proporciona a uma pessoa que padece de uma enfermidade incurável ou muito penosa, e a que extingue a agonia excessivamente cruel ou prolongada”. O conceito de eutanásia não é unívoco e passou por transformações. Atualmente, a concepção da eutanásia liga-se à idéia de provocar conscientemente a morte de alguém, fundamentado em relevante valor moral ou social, por motivo de piedade ou compaixão, introduzindo outra causa, que, por si só, seja suficiente para desencadear o óbito. Ao invés de deixar a morte acontecer, buscando-se o sofrimento do paciente, a eutanásia é entendida nos dias de hoje como uma ação sobre a morte, de modo a antecipá-la. 28 Como vimos, são muitos os conceitos de eutanásia, que podem ser expressos nos seguintes significados enumerados por Ricardo Oxamendi, em seu livro "El Delito": "boa morte, crimes caritativos, piedade 25 SOUSA, Dinorah Leane Silva de. Eutanásia: questão de vida e de morte. Disponivel em http://www.novafapi.com.br/revistajuridica/ano_II/dinorah.php. Acesso em 17 jun 2008. 26 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 15. 27 ASÚA, Luis Jimenes de. Liberdade de amar e direito a morrer. Lisboa: Clássica, 1929, 336 p. 28 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 405, 2003. 11 homicida, homicídio caritativo, a arte de morrer, exterminação de vidas sem valor vital, suprema caridade, morte de incuráveis, morte benéfica, crime humanitário, direito de matar, homicídio piedoso, direito de morrer, morte libertadora, eliminadora, econômico e suprema caridade". 29 Augusto Cesar Ramos explica que: A palavra ganhou relevância com o filósofo ingles Francis Bacon, no seculo XVII, que, sob uma perspectiva médica, dizia que “o médico deve acalmar os sofrimentos e as dores nao apenas quando este alívio possa trazer a cura, mas também quando pode servir para procurar uma morte doce e tranquila”. 30 Para encerrar o elenco de definições sobre eutanásia, consideramos oportuno apresentar a opinião do paraense Lameira Bittencourt, em sua dissertação intitulada "Da Eutanásia", publicada em Belém, no ano de 1939. Segundo o estudioso paraense, a eutanásia é tão-somente a morte boa, piedosa e humanitária, que, por pena e compaixão, se proporciona a quem, doente e incurável, prefere mil vezes morrer, e logo, a viver garroteado pelo sofrimento, pela incerteza e pelo desespero. 31 Não se pode alvitrar a prática da eutanásia, quando não há a promoção de uma morte impulsionada pela piedade, pela compaixão em relação ao doente. Tratando-se de enfermo que não padeça de mal incurável e substancial sofrimento, em havendo a prática da eutanásia, emergirá a configuração de crime de homicídio, que eventualmente poderá ser privilegiado, ou mesmo simples ou qualificado, a depender do caso concreto. É a motivação humanística, aliada a um quadro de doença incurável e mal irrepreensível, que 29 SILVA, Sônia Maria Teixeira da. Eutanásia. Disponivel http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1863. Acesso em 19 jun 2008. 30 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. P. 106. 31 SILVA, Sônia Maria Teixeira da. Eutanásia. Disponivel http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1863. Acesso em 21 jun 2008. em em 12 indicará a verificação da eutanásia, pois caso contrário, falar-se-á na prática de um crime. 32 DISTINÇÕES NECESSARIAS: Há alguns termos que estão diretamente relacionados à eutanásia e são largamente difundidos por vários autores, sendo mister deixar anotado algumas distinções, de sorte a dilucidar tais conceitos correlatos: distanásia, ortotanásia e suicídio assistido. 33 1.2.1 DISTANÁSIA Em seu sentido etimológico, de gênese grega, distanásia vem de dis, que significa afastamento, implicando o entendimento de prolongamento desnecessário e exagerado, e thanatos, que é a morte. Distanásia é o prolongamento artificial do processo de morte, com sofrimento do doente. É uma ocasião em que se prolonga a agonia, artificialmente, mesmo que os conhecimentos médicos, no momento, não prevejam possibilidade de cura ou de melhora. 34 Distanásia seria, portanto, a morte dolorosa, com sofrimento, conforme se observa com freqüência nos pacientes terminais de aids, câncer, doenças incuráveis e outras. O prolongamento da vida para estes indivíduos, seja por meio de terapêuticas ou aparelhos, nada mais representaria do que uma batalha inútil e perdida contra a morte. 35 32 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 406, 2003. 33 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 406, 2003. 34 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 406, 2003. 35 FELBERG, Lia. Disponível em http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/lia_ felberg_01.pdf. Acesso em 22 jun 2008. 13 Assim, distanásia pode ser conceituada como a agonia prolongada, o patrocínio de uma morte com sofrimento físico ou psicológico do indivíduo, muitas vezes lúcido e senhor de suas faculdades mentais, afetado por determinado enfermidade incurável, sem qualquer perspectiva de cura ou melhora. 36 Pouco importa a situação e as condições de dignidade humana do paciente, pois a distanásia tem como foco uma cega e censurável obstinação terapêutica, prendendo-se ao próprio tratamento em si e às realidades tecnológicas existentes. Nos Estados Unidos fala-se em Futilidade Médica, e, na Europa, em Obstinação Terapêutica. 37 1.2.2 ORTOTANASIA Diante da constatação de um paciente que sofra de doença incurável, amargando profunda e intensa dor, cujo sofrimento é de impossível controle ou paralisação pelas respostas oferecidas pela biotecnologia atual, pode o enfermo optar pela interrupção do tratamento médico, ou mesmo nem sequer iniciá-lo. Esta assertiva pretende ilustrar o que seja ortotanásia, eutanásia por omissão ou paraeutanásia. A ortotanásia encontrará campo de atuação exatamente quando se estiver ante um quadro de distanásia. 38 O termo ortotanásia também tem origem grega, guardando o sentido de expressar morte correta – orto: certo; thanatos: morte. Implica a não aplicação, ou mesmo a interrupção de um tratamento médico e sem qualquer vislumbre de resultado possível à luz das forças da ciência cognoscível ao homem ao tempo da situação concreta, de sorte a evitar a manutenção de uma vida artificialmente. A ortotanásia está encampada, ou seja, implícita na 36 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 406, 2003. 37 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 406, 2003. 38 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 407, 2003. 14 concepção de eutanásia. A prática da ortotanásia é conduta atípica no ordenamento jurídico penal brasileiro, pois corresponde à promoção de um ato lícito, na medida em que não significa encurtar a vida de um paciente, senão apenas consolidar - ou formalizar – uma situação irreversível e irremediável de morte encefálica. 39 1.2.3 SUICÍDIO ASSISTIDO O suicídio assistido parte da premissa de que a pessoa não esteja sofrendo de qualquer doença incurável, e nem esteja sob a incidência de intensas dores físicas ou mentais e, mesmo que a estas esteja sujeito, inexista qualquer situação de patologia degenerativa. Não há a verificação, no mais das vezes sequer de morte cerebral. Ocorre quando uma pessoa, não dispondo de meios para consumar, por si mesma, o próprio óbito, reclama auxílio, a participação material de outrem para levar a contento sua intenção. 40 A assistência ao suicídio de outra pessoa pode ser feita por atos (prescrição de doses altas de medicação e indicação de uso) ou, de forma mais passiva, por uso de argumentos de persuasão ou de encorajamento. Em ambas as formas, a pessoa que contribui para a ocorrência da morte de outra compactua com a intenção de morrer por meio da utilização de um agente causal. Tal postura constitui crime previsto no art. 122 do CP brasileiro. 41 Diz o Código Penal em seu artigo 122: Induzimento, instigação ou auxilio a suicídio. Art.122 – induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: 39 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 408, 2003. 40 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 408, 2003. 41 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 408, 2003. 15 Pena: reclusão de 2 (dois) anos e 6 (seis) anos, se o suicídio se consumar; ou reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos se a tentativa de suicídio resultar lesão corporal de natureza grave. Parágrafo Único - pena é duplicada. Aumento da pena: I - se o crime é praticado por motivo egoístico; II - se a vitima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. A pessoa que contribui para a ocorrência da morte da outra pode ser enquadrada no art 122 do Código Penal Brasileiro, que constitui tal conduta como crime. 42 Eutanásia, homicídio, suicídio e suicídio assistido Embora seja a eutanásia vizinha do suicídio, com ele não se confunde, conforme CASABONA apud RAMOS 43 , porquanto: la primera sería la aceleración del momento de la muerte que se presenta más o menos cercana como único medio de abreviar el sufrimiento físico y moral derivado de una enfermidad terminal [...] mietras que el segundo consiste en quitarse uno mismo violenta y voluntariamente la vida que ya no quiere ser vivida por cualquier outro motivo y en circunstancias diferentes. Do mesmo modo não se confunde suicídio com suicídio assistido, uma vez que suicídio é o ato de dar a si mesmo morte ou buscá-la intencionalmente [...] o suicídio assistido, ou homicídio suicídio, é o homicídio consentido, em que uma pessoa atenta contra sua vida e porque outra a ajuda. 44 42 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 406, 2003. 43 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis OAB/SC Editora, 2003. p 108 44 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis OAB/SC Editora, 2003. p 115 16 Não há como falar em semelhança entre homicídio e suicídio assistido. Este não prescinde do consentimento da vítima, que é irrelevante para a caracterização daquele. Por fim, deve-se atentar para o fato de que o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio são condutas previstas no Código Penal pátrio, em seu art 122. 45 1.3 CLASSIFICAÇÃO Conforme já afirmado, eutanásia é termo equívoco, comportando conceitos diversos na doutrina. Muitos autores buscam relacionar as espécies de eutanásia, cada qual utilizando classificação própria. Partindo-se dos conceitos de eutanásia, distanásia, ortotanásia e suicídio assistido, abordados antes, serão apresentadas algumas classificações. 46 Em vista da diversidade de classificações encontradas na doutrina, as espécies a seguir consignadas são frutos da reunião das lições expostas por alguns autores, principalmente pela Profa. Maria Celeste Cordeiro Leite Santos, pelo Prof. Miguel Angel Nunñes Paz, pelo Prof. Ruy Santos e pelo Prof. Luis Jimenez de Asúa. 47 a) eutanásia propriamente dita: trata-se da morte aplicada por misericórdia ou piedade a alguém que esteja padecendo de uma enfermidade penosa ou incurável, tendo por intuito eliminar a agonia lenta vivida pelo doente; b) distanásia ou eutanásia lenitiva: visa a eliminar ou abrandar o sofrimento, antecipando-se a morte artificialmente; c) eutanásia ativa: é o ato deliberado, por fins misericordiosos, de ajudar a promoção da morte, para fins de eliminar o sofrimento do doente; 45 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis OAB/SC Editora, 2003. p 115 46 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 408, 2003. 47 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 408-409, 2003. 17 d) eutanásia passiva ou indireta: a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou porque é feita a interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de diminuir o sofrimento; e) eutanásia criminal: refere-se ao patrocínio de morte indolor às pessoas que representam uma ameaça social, em razão da periculosidade que ostentam; f) eutanásia terapêutica: quando são empregados ou omitidos terapêuticos, com intuito de causar a morte do paciente. É a faculdade atribuída aos médicos para propiciar uma morte suave aos pacientes; incuráveis e com dor; g) eutanásia de duplo efeito: ocorre quando a morte é acelerada com uma conseqüência indireta das ações médicas que são executadas, visando ao alívio do sofrimento de um paciente terminal; h) eutanásia experimental: é aquela que causa a morte indolor de pessoas, tendo o experimento científico como fim: i) eutanásia súbita: representa a morte repentina; j) eutanásia natural: morte natural ou senil, resultante do processo natural e progressivo do envelhecimento; k) eutanásia por omissão, paraeutanásia, ortotanásia: é a omissão do uso de meios terapêuticos com a finalidade de consumação da eutanásia; l) eutanásia eugênica: representa a eliminação, a morte de todos os seres degenerados ou inúteis, inválidos, doentes, velhos e doentes mentais. 48 Observados os aspectos gerais da eutanásia, o próximo capítulo tem como objetivo possibilitar uma visão jurídica desse instituto no Direito Penal Brasileiro. 48 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 409, 2003. 18 Capítulo 2 QUALIFICAÇÃO JURÍDICO-PENAL DA MORTE POR EUTANÁSIA 2.1. O DIREITO BRASILEIRO Ainda prevalece no Direito brasileiro a tese de que a morte não deve ser antecipada, mesmo que venha a diminuir o sofrimento dos pacientes terminais desenganados, sob nenhuma forma. Com a eutanásia evoluindo sempre ao longo dos anos, exigindo nomenclaturas específicas para coisas diferentes, a eutanásia passou a significar apenas a morte causada por conduta do médico sobre a situação do paciente incurável e em terrível sofrimento. A eutanásia, propriamente dita, é a promoção do óbito. É a conduta (ação ou omissão) do médico que emprega (ou omite) meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável em estado de gravíssimo sofrimento, diferente do curso natural. Distingue-se, em função do tipo de atitude tomada, duas modalidades de eutanásia: a eutanásia ativa que seria provocar a morte rápida, através de uma ação deliberada, como por exemplo, uma injeção intravenosa de potássio; e a passiva, que seria deixar morrer através de suspensão de uma medida vital, que levaria o paciente ao óbito em um espaço de tempo variável. Ambas as medidas filosoficamente, têm o mesmo significado. 49 49 PIVA J. P., CARVALHO, P. R. A.. Considerações éticas nos cuidados médicos do paciente terminal. Bioética. Brasília, 1993. 19 No Direito brasileiro, a eutanásia caracteriza homicídio, pois é conduta típica, ilícita e culpável. É indiferente para a qualificação jurídica desta conduta e para a correspondente responsabilidade civil e penal que o paciente tenha dado seu consentimento, ou mesmo implorando pela medida. O consentimento é irrelevante para descaracterizar a conduta como crime. 50 Para que o comportamento humano seja crime previsto no Código Penal Brasileiro, é necessário que haja a ocorrência concomitante de três fatores: tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Nesse sentido, observa brilhantemente Toledo, proferindo a seguinte lição: “Do que foi dito conclui-se que a base fundamental de todo fato-crime é um comportamento humano (ação ou omissão). Mas para que esse comportamento humano possa aperfeiçoar-se como um verdadeiro crime será necessário submetê-lo a uma tríplice ordem de valoração; tipicidade, ilicitude e culpabilidade”. 51 Se pode-se afirmar de uma ação humana (a ação em sentido amplo, compreende a omissão, sendo, pois, empregado o termo como sinônimo de comportamento, ou de conduta) que é típica, ilícita e culpável, estará fato-crime caracterizado, ao qual se liga, como conseqüência, a pena criminal e/ou medidas de segurança. Tipicidade é a subjunção, a justaposição, a adequação de uma conduta da vida real a um tipo legal de crime. Toledo assim define ilicitude: A relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o ordenamento jurídico, de sorte a causar lesão ou expor a vida a perigo de lesão um bem jurídico tutelado (...) deve-se entender o princípio da culpabilidade como a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apóia sobre a crença – fundada na experiência da vida cotidiana - de que ao homem é dada a possibilidade, em certas circunstância, agir de outro modo. 52 50 FRAGOSO, H.C.; NORONHA M. e FARIA, B. apud MENEZES, Evandro Corrêa de. Direito de matar (eutanásia). 2 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977. 51 TOLEDO, F. A. Princípios básicos de Direito Penal. 4 ed., ampl. E atual. São Paulo, Saraiva, 1991, p. 84-88. 52 TOLEDO, F. A. Princípios básicos de Direito Penal. 4 ed., ampl. E atual. São Paulo, Saraiva, 1991, p. 89. 20 O consentimento na eutanásia não torna lícita a conduta do médico porque não a desclassifica como homicídio, visto que a lei não prevê tal procedimento como causa de exclusão da tipicidade da conduta. A conduta só será lícita quando não significar uma antecipação da morte natural em pacientes terminais desenganados. O Código Criminal Brasileiro de 1830 tipificava o auxílio ao suicídio e nada discorria sobe eutanásia. No artigo 196 53 : “ajudar alguém a suicidar-se ou fornecer-lhe meios para esse fim, com conhecimento de causa: pena de prisão de dois a seis anos.” O Código de 1890, no seu artigo 299, reduziu a pena máxima para quatro anos. Retirar a vida do paciente terminal, mesmo com o seu consentimento, a punição era seguida segundo as regras determinadas para o homicídio simples. O Código Penal Brasileiro vigente institui o homicídio privilegiado nos seguintes termos: Art. 121 – Matar alguém § 1° - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta comoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. É neste preceito que a doutrina situa o tratamento penal dado à eutanásia, quando praticada por piedade e consentida pelo paciente ao médico. Esse consentimento é irrelevante, pois não exclui a ilicitude da conduta. O motivo de relevante valor social ou moral pode vir a ser considerado como causa especial de redução da pena, mas a conduta permanece típica, caracterizando homicídio. 53 54 RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 125. RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis OAB/SC Editora, 2003. p 129. 54 21 A exposição de motivos do Código Penal de 1940, afirmava que: “Por motivo de relevante valor social ou moral, o projeto entende significar o motivo que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática como, por exemplo, a compaixão ante irremediável sofrimento da vítima” (caso do homicídio eutanásico). Em relação ao motivo de relevante valor social ou moral no homicídio privilegiado, Bruno firma posição sobre o que deve ou não ser considerado lícito, “a supressão de vidas inúteis dos doentes mentais, não é eutanásia e deve ser reprovada”. Aceita como fato não punível que o médico intervenha para proporcionar uma morte tranqüila, sem que diminua o tempo de vida. 55 Entretanto, Bruno afirma que “somente um pedido do paciente ou de seus familiares justificaria o prolongamento artificial de uma vida que se finda, isto é, nenhum motivo teria o médico para não se abster do tratamento. O ato sem si é louvável, ficando a ressalva apenas para o consentimento do paciente, com o qual não comungamos”. 56 Fragoso interpreta o homicídio privilegiado sem comentar sobre a eutanásia, brevemente usando como exemplo o privilégio moral. 57 Noronha não aceita a eutanásia de forma nenhuma, afirmando que a vida tem função social. 58 Mirabete faz referência ao homicídio privilegiado sem opinar. Levanta a hipótese de que estudos estão sendo utilizados com o objetivo de não considerar como homicídio a interrupação de meios artificiais. 55 59 BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 3 ed. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1975, 434 p. BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 3 ed. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1975, 435 p. 57 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial. 4. ed. São Paulo: J. Buschatsky, 1977, p. 53-9. 58 NORONHA, E Magalhães. Direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1967, v. 2, p. 24-8. 59 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1986, v. 2, p. 469. 56 22 No Brasil é escassa a doutrina sobre eutanásia e o direito legiferado não trata a eutanásia como ato impune. Faria entende que a eutanásia não deve ser tolerada pelo nosso ordenamento jurídico, pois a ninguém é dado o direito de matar por compaixão, mesmo se houvesse o consentimento do paciente. 60 O sistema jurídico brasileiro é orientado por princípios fundamentais que expressam valores acolhidos pela sociedade. A presença desses valores é evidente na população, principalmente quando se trata dos bens jurídicos de maior relevância como a vida. A eutanásia sempre foi considerada conduta ilícita no direito brasileiro. É crime, tal o grau de rejeição à sua prática, em coerência com os valores fundamentais que estruturam o ordenamento jurídico do país, notadamente o respeito à vida humana. Por isso, o consentimento do paciente à prática da eutanásia ou a motivação piedosa de quem a pratica não retiram a ilicitude do ato, tampouco exoneram de culpa quem a praticou. 61 Na legislação brasileira temos assegurado o direito à vida, afirmação essa que é consagrada dentro do nosso ordenamento jurídico, por ser o fundamental alicerce de qualquer prerrogativa jurídica da pessoa, razão pela qual o Estado resguarda a vida humana, desde a vida intra-útero até a morte. 62 O artigo 5º, caput, da Constituição Brasileira, vem assinalar que a principal característica do direito à vida vem a ser considerada um dom divino e tem que ser preservada de qualquer forma, no entanto, o próprio Estado em determinadas circunstâncias permite que o cidadão, legitimamente, pratique 60 FARIA, Atonio Bento de. Código Penal Brasileiro comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1959, p. 27-33. 61 DODGE, Raquel E F. Procuradora Regional da República 1ª Região. Bioética, vol. 7, n. 1, 1999, p. 113-120. 62 OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutánásia e o direito à vida. Disponível em < http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>. Acesso em 17 de julho 2008. 23 condutas que venham a retirar a vida de outrem, como no estado de necessidade, legítima defesa e aborto legal. 63 A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe em seu titulo II sobre os direitos fundamentais e garantias fundamentais, tutela o direito à vida e estabelece em seu art. 5º caput, que: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade e o direito à vida, [...]. Por direitos fundamentais entende Silva 64 : No qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive, e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. 2.2. O POSICIONAMENTO DO MUNDO Iniciando, a respeito da posição do mundo numa questão tão polêmica, a igreja, no mundo, faz suas considerações, as quais veremos a seguir: Jesus Cristo começou seu ministério pregando a salvação, na Judéia, e daí para todo o mundo. A Bíblia Sagrada é o livro com a única regra de fé para a palavra de Deus. 63 OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutánásia e o direito à vida. Disponível em < http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>. Acesso em 15 jul 2008. 64 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 12 ed.rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 182. 24 A igreja prega o evangelho de Jesus Cristo, e é ele o único caminho que nos leva a alcançar a salvação, nenhum outro caminho nos dá essa possibilidade. Todas as pessoas que seguem a palavra de Deus, baseada nas escrituras sagradas, são amadas pela igreja, ou seja, são filhos de Deus. 65 Deus, o Senhor da vida e da morte, nos deu a vida, e só ele tem o direito de tirá-la. Jesus Cristo é a fonte da água da vida, ele é o gerador de nossas vidas, e jamais permite antecipar a morte de alguém. 66 Fazemos aqui uma citação da Bíblia Sagrada, na qual conta a história da grave doença do Rei Ezequias, cuja morte, Deus já havia determinado, mas a fé de Ezequias, com suas orações fez com sua saúde fosse restabelecida pela vontade e determinação de Deus. 67 Quanto aos médicos profissionais de todo o mundo, que tanto auxiliam para a recuperação de pessoas doentes, Deus tem abençoado esses profissionais que ao longo de suas vidas tem restabelecido pessoas de doenças graves, mesmo incuráveis, pela interferência Divina e incansável dedicação e competência desses profissionais da saúde. A Bíblia Sagrada diz: “NÃO MATARÁS”. 68 Deus não permite a eutanásia, é um crime aos seus olhos que estão sempre nos observando em todos os minutos do dia e da noite. Deus é o único dono de nossas vidas, nós a recebemos dele para ser bem administrada e um dia, quando ele o quiser, nos levar de volta. 69 65 STINER, Robert W. Jornal O Caminho. Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (Igreja Alemã). Florianópolis, 2005. p. 5. 66 STINER, Robert W. Jornal O Caminho. Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (Igreja Alemã). Florianópolis, 2005. p. 7. 67 Traduzida por ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. 2 Reis 20.1 – 11; Is 38.1-8. ed. revista e atualizada no Brasil, 1969. p. 417. 68 Traduzida por ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. EX. 20.13. ed. revista e atualizada no Brasil, 1969. p. 84. 69 SCHEFER, Nelly. Orando em Família. Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (Igreja Alemã). Florianópolis, 2005. p. 8. 25 O argumento da eutanásia – matar por misericórdia - não tem fundamento bíblico, mesmo sendo a pedido do paciente, é um suicídio. A todo o cristão é dado o direito e a obrigação de ajudar o semelhante, na saúde e, principalmente, na doença, aliviando a sua dor. Para a igreja a eutanásia com seus propósitos são considerados um grande desafio. 70 A eutanásia é discutida no mundo todo com muitas divergências de pensamento. Assunto extremamente polêmico, ela já foi praticada facilmente pela humanidade, algumas vezes sigilosamente, em alguns países, sem nenhuma penalidade. Nos Estados Unidos se tem notícia de que em algumas pessoas foi aplicada esta prática. Na França, igual procedimento também aconteceu há décadas. Tema 71 muito discutido nos diversos segmentos da sociedade: religiosa, social, médica, ONGS e meios de comunicação, é plenamente interrogada nos planos: ético, moral e jurídico. 72 Todos os povos, cada vez mais clamam pelos direitos do homem e pelo direito à vida; como diz no direito brasileiro, a vida é inviolável. Ela tem valor absoluto, todas as pessoas são iguais e devem ser tratadas e respeitadas , igualmente. Este tema podemos afirmar, está gerando polêmica atual em todo o mundo. A vida humana deve ser preservada e não cabe ao homem interrompe-la e nem programar o seu tempo. Polêmica esta, em virtude do significativo número de situações de eutanásia que ocorre pelo mundo. 70 SPINOLZ. Valfrizio. Jornal Sinodal. Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. 11. ed. Florianópolis, 2005. p. 2. 71 SOUSA, Dinorah Leane Silva de. Eutanásia: questão de vida e de morte. Disponível em http://www.novafapi.com.br/revistajuridica/ano_II/dinorah.php. Acesso em 20 jul 2008. 72 OLIVEIRA, Heriberto Brito de. Ética e eutanásia. Disponível em http://www.bioetica.ufrgs.br. Acesso em 20 jul 2008. 26 Desde e antiguidade, a presença da dor e todo o seu significado e conseqüências tem sido um grande martírio para toda a humanidade, em todas as esferas de nossa sociedade. A obediência e o respeito às autoridades são princípios ditados nos mandamentos de Deus. A igreja obedece as Leis do País, quando estas não contrariam as Leis de Deus. 73 A igreja, com seus fundamentos bíblicos nos dão os ensinamentos corretos e ela espera que cada um de nós tome decisões a respeito do tema com responsabilidade dentro de uma vida cristã e sadia junto aos seus irmãos e semelhantes. Em alguns casos o termo eutanásia foi empregado de maneira equivocada como o que o regime nazista chamou de eutanásia, o que, na verdade foi, um holocausto, uma técnica autoritária e aberrante de eliminação de seres humanos. 74 A Holanda foi o primeiro país (em 2002) a adotar a prática da eutanásia (eutanásia ativa). A Bélgica, depois da Holanda, também já permite a eutanásia ativa. O Estado de Oregon (EUA) autoriza a morte assistida (suicídio assistido: ajuda para que o paciente terminal realize sua própria morte). A ortotanásia, por seu turno, já é autorizada na Alemanha e na França. 75 A aprovação da lei holandesa causou polêmica no país. Cerca de 10 mil manifestantes protestaram cantando hinos religiosos e lendo passagens da Bíblia. Em maior parte das escolas, os alunos não tiveram aula 73 Traduzida por ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada - At. 4.19: At. 5. 29. ed. revista e atualizada no Brasil, 1969. p. 146. 74 OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Morrer ou matar. Eutanásia e direito à vida: limites e possibilidade. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/38164,1. Acesso em 13 de julho de 2008. 75 OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Morrer ou matar. Eutanásia e direito à vida: limites e possibilidades. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/38164,1. Acesso em 13 de julho de 2008. 27 para participar dos protestos. Apesar da polêmica, pesquisas indicam que cerca de 90% dos holandeses apóiam a eutanásia. 76 A nova legislação entra em vigor no meio do ano de 2001. O direito é expressamente negado a não-residentes na Holanda. Antes da votação, a ministra holandesa da Saúde, Els Borst, assegurou que os pacientes estão protegidos caso não queiram que a eutanásia seja feita. 77 De acordo com a ministra, o paciente só poderá ter direito à eutanásia se estiver passando por um sofrimento insuportável em função de uma doença irreversível e estar ciente de todas as opções médicas disponíveis. O pedido deverá ser feito voluntariamente e pessoalmente enquanto o paciente estiver consciente. Os médicos nunca deverão sugerir a eutanásia como uma opção. 78 As diversas legislações estrangeiras tem se ocupado, com bastante freqüência, do tema da eutanásia em seus respectivos códigos. Desta maneira, vemos que a prática é vista como uma forma de homicídio privilegiado pela maioria dos povos latinos (Colômbia, Cuba, Bolívia, Costa Rica, Uruguai), e até como uma ausência de delito em outros, exceto por motivo egoístico ( Peru ), embora alguns adotem ainda uma postura extremamente conservadora, entre eles, a Argentina e o Brasil, que não excluem o delito de figurar entre os tipos de homicídio, em suas diversas formas. No caso particular do vizinho Uruguai, o código elaborado por Irureta-Goyena e recentemente aprovado, estabelece o perdão judicial nos seguintes termos do seu artigo 37 76 79 : "Os juizes tem a MARINHO, Luciano. Aprovação Polêmica. Holanda é o primeiro país a autorizar a eutanásia. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/17642,1. Acesso em 13 de julho de 2008. 77 MARINHO, Luciano. Aprovação Polêmica. Holanda é o primeiro país a autorizar a eutanásia. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/17642,1. Acesso em 13 de julho de 2008. 78 MARINHO, Luciano. Aprovação Polêmica. Holanda é o primeiro país a autorizar a eutanásia. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/17642,1. Acesso em 13 de julho de 2008. 79 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 28 faculdade de exonerar do castigo ao indivíduo de antecedentes honestos, autor de um homicídio efetuado por móveis de piedade” mediante súplicas reiteradas da vítima. " Por outro lado, as legislações européias são muito mais benevolentes, ora isentando de qualquer pena (Rússia, Código Criminal de 1922), ora cominando penas atenuadas, como na Inglaterra, Holanda, Suíça, Áustria, Noruega, República Checa e Itália, ainda que alguns outros não a admitam formalmente (Grécia, França, Espanha e Bélgica). 80 Em Portugal, há limitação da pena de seis meses a três anos, quando houver pedido do paciente (Código Penal Português, Artigo 134) e, de um a cinco anos, quando movido por compaixão, emoção violenta, desespero ou outro valor relevante social ou moral (Artigo 133). Nos Estados Unidos, a questão vinha sendo deixada ao livre arbítrio das legislações estaduais, o que foi revisto por recente decisão da Corte Suprema Nortemericana que estabeleceu ser a matéria de competência legislativa privativa da União. 81 No Canadá francófono, a lei 145 introduziu, em 1990, a figura do curador público designado livremente por qualquer cidadão, e que dispõe de poderes executáveis ainda em vida (ao contrário do testamento), devendo ser ratificado perante o registro público e homologado judicialmente, o qual se torna possuidor de um mandado para agir em determinadas circunstâncias e dentro dos limites propostos pelo concedente. 80 82 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 81 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 82 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 29 Tal mandado cobre, por exemplo, a delegação de consentimento de cuidados médicos e a administração de bens, sendo revogável a qualquer tempo, de acordo com os mesmos procedimentos formais. Atualmente, o curador público representa cerca de 16000 indivíduos maiores de idade e supervisiona 5000 curadores privados e 12000 tutores, somente na província de Québec. Ele também administra os bens desconhecidas ou não encontráveis pelos registros públicos. das pessoas 83 Para uma melhor visão acerca da questão da Eutanásia, verifiquemos com maior riqueza de detalhes a eutanásia praticada em alguns países: 2.2.1 EUTANÁSIA NA AUSTRÁLIA Nos territórios do Norte da Austrália esteve em vigor, de 1º de Julho de 1996 a março de 1997, a primeira lei que autorizava a eutanásia ativa, que recebeu a denominação de Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais. Segundo notícia publicada na folha de São Paulo, o Parlamento Australiano, revogou a referida lei depois que quatro pessoas já haviam morrido sob o seu amparo. 84 Esta Lei estabeleceu inúmeros critérios e precauções até permitir a realização do procedimento. Estas medidas, na prática, inibem solicitações intempestivas ou sem base em evidências clinicamente comprováveis. Isto já pode ser comprovado no primeiro paciente a obter a autorização que foi Robert Dent, que morreu em 22.09.96. 83 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 84 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 30 1) Paciente faz a solicitação a um médico. 2) O médico aceita ser seu assistente. 3) O paciente deve ter 18 anos no mínimo. 4) O paciente deve ter uma doença que no seu curso normal ou sem a utilização de medidas extraordinárias acarretará sua morte. 5) Não deve haver qualquer medida que possibilite a cura do paciente. 6) Não devem existir tratamentos disponíveis para reduzir a dor, sofrimento ou desconforto. 7) Deve haver a confirmação do diagnóstico e do prognóstico por um médico especialista. 8) Um psiquiatra qualificado deve atestar que o paciente não sofre de uma depressão clínica tratável. 9) A doença deve causar dor ou sofrimento. 10) O médico deve informar ao paciente todos os tratamentos disponíveis, inclusive tratamentos paliativos. 11) As informações sobre os cuidados paliativos devem ser prestadas por um médico qualificado nesta área. 12) O paciente deve expressar formalmente seu desejo de terminar com a vida. 13) O paciente deve levar em consideração as implicações sobre a sua família. 14) O paciente deve estar mentalmente competente e ser capaz de tomar decisões livre e voluntariamente. 15) Deve decorrer um prazo mínimo de sete dias após a formalização do desejo de morrer. 16) O paciente deve preencher o certificado de solicitação. 17) O médico assistente deve testemunhar o preenchimento e a assinatura do Certificado de Solicitação. 18) Um outro médico deve assinar o certificado atestando que o paciente estava mentalmente competente para livremente tomar a decisão. 19) Um interprete deve assinar o certificado, no caso em que o paciente não tenha o mesmo idioma de origem dos médicos. 20) Os médicos envolvidos não devem ter qualquer ganho financeiro, além dos honorários médicos habituais, com a morte do paciente. 21) Deve ter decorrido um período de 48 horas após a assinatura do certificado. 31 22) O paciente não deve ter dado qualquer indicação de que não deseja mais morrer. 23) A assistência ao término voluntário da vida pode ser dada. 85 “Verificou-se que além do roteiro a ser seguido, a lei determinava três requisitos essenciais para que o interessado pudesse utilizar-se da Eutanásia”: 1º. O estado de saúde do paciente deveria ser crítico e atestado por três médicos; 2º. Os períodos de tempo devem ser extremamente respeitados; 3º. Após esse período, o paciente teria acesso a um equipamento, operado por computador, que consiste em um tubo que é ligado à veia do paciente e uma tecla SIM. Se o paciente pressionasse a tecla, recebia uma injeção letal.” 86 2.2.2 EUTANÁSIA NOS ESTADOS UNIDOS Em 1991, foi feita uma proposição de alteração do Código Civil da Califórnia/EEUU (Proposição 161), não aceita em um plebiscito, de que uma pessoa mentalmente competente, adulta, em estado terminal poderia solicitar e receber uma ajuda médica para morrer. O objetivo seria o de permitir a morte de maneira indolor, humana e digna. O médicos teriam imunidade legal destes atos. Em abril de 1996, o juiz Stephen Reinhardt, do 9o, Tribunal de Apelação de Los Angeles Califórnia, estabeleceu que a Constituição Americana garante o direito ao suicídio assistido a todo paciente terminal. 87 85 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 86 ALVES, Leo da Silva. Eutanásia. Revista Consulex, São Paulo, nº 29, p. 15, maio 1999. 87 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 32 Em 26 de junho de 1997, a Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou as decisões das comarcas e ratificou as leis dos Estados de Nova Iorque e Washington que estabelecem como crime o fato de médicos ministrarem drogas a pacientes terminais em perfeito estado de lucidez, a fim de os assistirem em seus desejos de pôr termo às suas vidas. A suprema corte sustentou que não haveria subsídios constitucionais que amparassem tais suicídios assistidos. 88 A Suprema Corte proferiu a sentença sobre os casos de Nova Iorque e Washington, em 26 de julho de 1997. Foi declarado que o cidadão americano comum não detém o direito constitucional para praticar o suicídio assistido por um médico. A votação foi de nove votos a zero; uma unanimidade incomum. 89 Desta forma, as leis de Nova Iorque e Washington são consideradas constitucionais. Por outro lado, a Corte deixou subentendido que não há barreiras constitucionais que proíbam a um Estado aprovar uma lei que permita o suicídio assistido por um médico. O Estado de Oregon seguiu exatamente essa conduta. Esse batalha, por conseguinte, deverá ser travada em nível estadual. 90 A abrangência da decisão da Suprema Corte foi muito limitada, tendo em vista que somente legislou sobre se o público teria um direito genérico quanto ao suicídio assistido. Tal caso se deve originalmente a seis pacientes terminais que à época padeciam de dores intratáveis, e que reivindicavam o acesso ao suicídio assistido.Contudo, no momento da audiência, para a apresentação dos argumentos legais à Corte, todos os seis pacientes haviam morrido. Ou seja, a Corte não estava apta a decidir se os pacientes 88 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 89 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 90 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 33 terminais deveriam ter o direito ao suicídio assistido, uma vez que a mesma legislara, somente em termos gerais, sobre o direito de socorrer a tal prática. 91 2.2.3 EUTANÁSIA NA HOLANDA Na Holanda, a eutanásia tornou-se legalizada pelo Senado em 10 de abril de 2001, seguindo uma decisão concordante da câmara baixa, ambas por maioria, apesar da forte oposição da opinião pública. O fato de já existir legalização a respeito não significa que a eutanásia esteja totalmente liberada. 92 Ao contrário: a eutanásia limita-se a um ato médico; em segundo lugar, a nova legislação retoma os “critérios de minúcia”, publicados pelo governo em 1994, que haviam permitido uma prática cada vez mais ampla da eutanásia, sem o risco de uma condenação por homicídio. 93 “A nova lei submete o ato da eutanásia a sete condições: à doença do candidato deve ser incurável e lhe trazer sofrimentos insuportáveis; o pedido do paciente deve ser voluntário e refletido; o paciente receber do médico informação completa sobre sua condição; o médico deve consultar pelo menos um colega que concorde com uma intervenção; a assistência ao falecimento ser minuciosamente preparada e organizada; a eutanásia, uma vez praticada, ser submetida a uma comissão composta por um magistrado, um médico e um especialista, que verifique se os critérios de minúcia foram efetivamente 91 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 92 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 93 REVISTA JURÍDICA CONSULEX, ano V – nº 114 –15 de outubro de 2001, p. 18. 34 respeitados; se não, a comissão deverá apresentar uma denúncia à justiça penal”. 94 Além disso, a lei institui uma “declaração de intenção de eutanásia”, de forma que qualquer pessoa possa pedir por escrito o recurso à eutanásia, em caso de se tornar incapaz de reclamá-la (doença mental, senilidade, coma, etc.). 95 O texto da lei foi aprovado oficialmente em 10 de abril de 2001, mas, na prática, a eutanásia já era tolerada sob condições especiais desde 1997. Apenas no ano passado, houve 2.123 casos oficiais de eutanásia na Holanda – 1.893 doentes de câncer pediram a um médico que terminasse com suas vidas, o que representa 89% do total das eutanásias realizadas no país em 2000. Depois, aparecem pacientes com doenças neurológicas, pulmonares e cardiovasculares. 96 2.2.4 EUTANÁSIA NA SUÍÇA Na Suíça o Direito Penal não distingue entre a prática da eutanásia por um médico ou não. No entanto, um ato dessa importância nunca é qualificado como assassinato. O Código Penal (art.114) institui como homicídio privilegiado o fato de aquele que, “cedendo a um móvel honroso, por exemplo a piedade”, dá morte àquele que faz “o pedido sério e inequívoco”. Da mesma forma, o art. 115, CP, torna passível de punição a assistência ao suicídio apenas se o autor agiu “movido por um motivo egoísta”. Enfim, aquele que abreviar o sofrimento de um doente agonizante, movido pala caridade, piedade ou sob 94 REVISTA JURÍDICA CONSULEX, ano V – nº 114 –15 de outubro de 2001, p. 18. JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 95 96 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 35 efeito de confusão mental, estará agindo como previsto no art. 113, CP: assassinato passional, um outro tipo de homicídio privilegiado. 97 Podemos concluir no que se refere ao Direito Penal suíço, a eutanásia não foge à lei penal; ela não é beneficiada por uma cláusula absolutória, mas por uma circunstância atenuante especial. Tal regulamentação é criticada pelos médicos (a Academia Suíça das Ciências Médicas admite a eutanásia passiva) e por grupos de pressão, o que provocou no Parlamento em 1996, uma intervenção visando à introdução no Código Penal de uma disposição com o seguinte teor: 98 “Não há assassinato no sentido do art. 114, nem assistência ao suicídio no sentido do art. 115, quando as seguintes condições são preenchidas”: I – A morte foi dada a uma pessoa a pedido sério e inequívoco do paciente; II – O falecido padecia de uma doença incurável, que tendo tomado um curso irreversível com um prognóstico fatal, ocasionava-lhe sofrimentos físicos ou psíquicos intoleráveis; III – Dois médicos diplomados e independentes um do outro, e em relação ao defunto, certificaram-se previamente de que as condições indicadas no segundo item foram preenchidas; IV – A autoridade médica competente certificou-se que o paciente foi devidamente informado; V – A assistência ao falecimento deve ser praticada por um médico com diploma federal, escolhido pelo requerente entre os médicos que o atendiam. Foi instituído sobre essa base um grupo de trabalho que publicou, em 1999, um relatório adotado pelo Governo, propondo o seguinte: 97 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 98 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 36 - Manter o art. 114, CP: punibilidade daquele que, por compaixão a uma pessoa e a seu pedido inequívoco, dá fim a uma vida que padece sofrimentos inúteis (eutanásia ativa direta); - Introduzir reformas no que diz respeito à eutanásia passiva (interrupção dos cuidados suscetíveis de prolongar a vida de um agonizante) e ativa indireta (administração de substâncias cujos efeitos secundários podem reduzir a duração da sobrevivência). Essas propostas estão transitando no Parlamento, mas ainda não foram debatidas. 99 2.2.5 EUTANÁSIA NA FRANÇA A Eutanásia é punida pelo Código Pena e pela Jurisprudência Criminal Francesa como homicídio voluntário (assassinato) porque pressupõe no plano estritamente jurídico a questão do consentimento da vítima. Seria esse consentimento real, livre e voluntário? 100 Em segundo lugar, no plano da política criminal, uma descriminalização da eutanásia apresentaria graves riscos de supressão, sob uma aparência médica, de deficientes, de idosos ou de pessoas gravemente doentes, de quem seria difícil estabelecer a liberdade e realidade do consentimento. Finalmente, no plano médico, o critério do caráter incurável de uma doença permanente como questão que pode evoluir com os progressos da medicina; essa apreciação, para por fim à vida de um indivíduo, não pode ser entregue ao médico por se tratar de um ato muito grave. 101 99 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 100 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 101 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 37 Nesse campo, não podemos admitir “desculpa legal”. Em contrapartida, quando um médico é objeto de perseguições judiciárias por ter praticado eutanásia, as Cortes Criminais francesas, apreciam as circunstâncias da infração e podem ser indulgentes com o médico, se as circunstâncias do fato justificam o ato. Assim é a legislação francesa. Devemos constatar, no entanto, que existem certas correntes de idéias minoritárias em favor de uma flexibilização da legislação, que têm como objetivo “justificar” o atentado à vida humana que a eutanásia representa. 102 2.2.6 EUTANÁSIA NO URUGUAI O Uruguai, talvez, tenha sido o primeiro país do mundo a legislar sobre a possibilidade de ser realizada eutanásia no mundo. Em 1o. de agosto de 1934, quando entrou em vigor atual Código Penal uruguaio, foi caracterizado o "homicídio piedoso", no artigo 37 do capítulo III, que aborda a questão das causas de impunidade. 103 De acordo com a legislação uruguaia, é facultado ao juiz a exoneração do castigo a quem realizou este tipo de procedimento, desde que preencha três condições básicas: ter antecedentes honráveis; ser realizado por motivo piedoso, e a vítima ter feito reiteradas súplicas. 104 A proposta uruguaia, elaborada em 1933, é muito semelhante a utilizado na Holanda, a partir de 1993. Em ambos os casos, não há uma autorização para a realização da eutanásia, mas sim uma possibilidade do 102 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 103 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 104 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 38 indivíduo que for o agente do procedimento ficar impune, desde que cumpridas as condições básicas estabelecidas. Esta legislação foi baseada na doutrina estabelecida pelo penalista espanhol Jiménez de Asúa. 105 Vale destacar que, de acordo com o artigo 315 deste mesmo Código, isto não se aplica ao suicídio assistido, isto é quando uma pessoa auxilia outra a se suicidar. Nesta situação há a caracterização de um delito, sem a possibilidade de perdão judicial. 106 2.2.7 EUTANÁSIA NA COLÔMBIA Segundo notícia recentemente publicada no Jornal a Folha de São Paulo, em 22.05.97, a Corte Constitucional da Colômbia autorizou a eutanásia em casos de doentes terminais e com o consentimento prévio do envolvido. 107 Finalmente, no Capítulo 3, existiu uma preocupação de efetuar uma reflexão sobre a visão dos prós e contras a respeito da eutanásia no Direito Penal Brasileiro. 105 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 106 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 107 JUNIOR, Geraldo Pereira. Eutanásia, aspectos éticos e jurídicos. Disponível em http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/eutanasiaaspectoseticosejuridicos.pdf. Acesso em 15 de julho de 2008. 39 Capítulo 3 A VISÃO DOS PRÓS E CONTRAS 3.1. A IGREJA CATÓLICA E RELIGIÃO A eutanásia, também conhecida como “morte doce” ou por piedade, é a ação que provoca a morte de uma pessoa para que ela não sofra ou para que acabem de uma vez por todas os seus sofrimentos. 108 Nesta discussão uma parcela da sociedade aprova a eutanásia e até a considera uma caridade para com o moribundo. Outra parcela se coloca na oposição não aceitando sob hipótese nenhuma tal prática considerando-a ilícita e até mesmo criminosa. A Igreja repudia a eutanásia. Somente Deus tem o direito de dar ou tirar a vida. O Senhor Jesus se apresentou como sendo Ele o caminho e a vida. Ele é, portanto a fonte geradora de vida. É muito louvável que os médicos apliquem todos os recursos disponíveis para salvar vidas, e nunca para antecipar a morte. Lemos na Bíblia a história do Rei Ezequias que estava gravemente enfermo e cuja morte estava determinada pelo próprio Deus. Mas diante de sua oração e suplicas, Deus lhe restaurou a saúde e acrescentou-lhe mais quinze anos de vida. A Igreja louva a Deus pelo trabalho dos médicos e todos os profissionais da área de saúde que tanto tem contribuído para minorar o sofrimento de milhões de doentes. A Igreja o considera uma benção de Deus. Temos o testemunho de muitas pessoas que estavam doentes já em fase terminal, tendo já se esgotado todos os recursos da medicina, foram completamente restaurados pela interferência direta de Deus mediante a oração dos seus servos. 108 109 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 473. 109 RAMOS, Dalton Luiz de Paula. Eutanásia: Conheça a posição da Igreja Católica e seu fundamento. DisponÍvel em www.ad.org.br/adclassico/posic.htm - 9k. Acesso em 10 de julho de 2008. 40 A bíblia não trata deste problema da eutanásia, visto que é um problema moderno. Mas o antigo Testamento demonstra um grande respeito pela vida dos homens, que é dom e propriedade de Deus. 110 Já o novo testamento insiste no valor do heroísmo de quem dá a vida generosamente pela causa do Evangelho. Mas, no fundo, o Senhor da vida é sempre Deus. 111 O homem pode oferecer a sua vida, mas é Deus quem decide a nossa sorte. Se, tradicionalmente, a Igreja tolerou a pena de morte, a licitude de uma guerra em que se mata ou a legítima defesa diante do agressor, ela o fez em nome da própria vida, para defendê-la das agressões injustas. 112 A eutanásia direta entendida como uma ação ou omissão que, em si ou na intenção, gera a morte a fim de suprimir a dor constitui um assassinato gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador. É moralmente inadmissível (Catecismo da Igreja Católica, n.2277). 113 A Igreja Católica também rejeita a chamada “obstinação terapêutica”. Entende-se que pode ser legítima a interrupção de procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados esperados. Não se quer dessa maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la. Nesses casos as decisões devem ser tomadas pelo paciente, se tiver a competência e a capacidade para isso; caso contrário, pelos que têm direitos 110 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 474. 111 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 474. 112 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 475. 113 RAMOS, Dalton Luiz de Paula. Eutanásia: Conheça a posição da Igreja Católica e seu fundamento. Disponível em http://br.geocities.com/catequesebr/eutanasia.html. Acesso em 10 de Julho de 2008. 41 legais, respeitando sempre a vontade razoável e os interesses legítimos do paciente (Catecismo da Igreja Católica, n.2278). 114 Muitos daqueles que defendem a eutanásia argumentam que ela é uma forma de evitar o sofrimento, quando a vida não tem mais sentido, quando não se dispõe de “qualidade de vida”. 115 A colocação moderna do problema da vida se faz com razões que não são muito difíceis de rebater do ponto de vista teórico. Fala-se de casos em que a vida já não parece um bem, tanto em criança disformes ou reduzidas a uma vida quase vegetativa, como em doentes esvaziados de qualquer esperança de melhoria e que vivem em condições inumanas. 116 O argumento da compaixão é tão forte e as circunstâncias tão angustiantes em alguns casos, que não é de estranhar que se chegue a encarrar com boa vontade o que, em si, implica numa transgressão das leis da vida. 117 Se a consciência é o último juiz antes de Deus, não há dúvidas de que, em muitos casos extremos, age-se de boa vontade ao praticar a eutanásia. 118 No entanto, o ensinamento cristão aponta em direção contrária, em defesa da vida. Os seus argumentos não são convincentes às vezes, pois não têm um sentido utilitário, mas giram em torno do respeito à 114 RAMOS, Dalton Luiz de Paula. Eutanásia: Conheça a posição da Igreja Católica e seu fundamento. Disponível em http://br.geocities.com/catequesebr/eutanasia.html. Acesso em 10 de Julho de 2008. 115 RAMOS, Dalton Luiz de Paula. Eutanásia: Conheça a posição da Igreja Católica e seu fundamento. Disponível em http://br.geocities.com/catequesebr/eutanasia.html. Acesso em 10 de Julho de 2008. 116 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 475. 117 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 475. 118 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 475. 42 pessoa e do amor à vida. E por vez essas razões são muito teóricas para aqueles que se sentem envolvidos por um problema existencial. 119 Quanto à visão da religião podemos dizer que este assunto sempre inspirou grandes inquietações e controvérsias, desta forma apresentaremos de modo sintético a opinião das grandes religiões a respeito da eutanásia: 3.1.2 RELIGIÃO CATÓLICA A posição da Igreja Católica em relação à eutanásia tem sido expressa nas declarações papais e outros documentos, partindo-se da prescrição normativa ínsita nos dez mandamentos "não matarás", como se observa adiante: 120 "Toda forma de eutanásia direta, isto é, a subministração de narcóticos para provocarem ou causarem a morte, é ilícita porque se pretende dispor diretamente da vida. Um dos princípios fundamentais da moral natural e cristã é que o homem não é senhor e proprietário, mas apenas usufrutuário de disposição direta que visa à abreviação da vida como fim e como meio. Nas hipóteses que vou considerar, trata-se unicamente de evitar ao paciente dores insuportáveis, por exemplo, no caso de câncer inoperável ou doenças semelhantes. Se entre o narcótico e a abreviação da vida não existe nenhum nexo causal direto, e se ao contrário a administração de narcóticos ocasiona dois efeitos distintos: de um lado aliviando as dores e de outro abreviando a vida, serão lícitos. Precisamos, porém, verificar se entre os dois efeitos há uma proporção razoável, e se as vantagens de um compensam as desvantagens do outro. Precisamos, também, primeiramente verificar se o estado atual da ciência não permite obter o mesmo resultado com o uso de outros meios, não podendo ultrapassar, no uso dos narcóticos, os limites do que for estritamente necessário." (Papa Pio XII, em 1956) 119 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 475. 120 CARNEIRO, Antonio Soares; CUNHA, Maria Edilma. Eutanásia e Distanásia. A problemática da Bioética. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1862&p=3. Acesso em 14 de julho de 2008. 43 A Constituição Pastoral Gaudium et Spes (n. 27) preceitua: "Tudo o que é contra a vida, como o homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o suicídio voluntário (...) são coisas verdadeiramente vergonhosas (...)." Papa Paulo VI: "A vida humana deve ser absolutamente respeitada: como no aborto, eutanásia e homicídio." Declaração sobre a Eutanásia da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, em 05 de maio de 1980: "Não se pode impor a ninguém a obrigação de recorrer a uma técnica que, embora já em uso, ainda não está isenta de perigos ou é demasiadamente onerosa. Na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito de forma consciente tomar a decisão de renunciar ao tratamento que daria somente um prolongamento precário e penoso à vida, sem, contudo interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes." Pode-se observar, assim, que a posição da Igreja Católica é no sentido de que a obrigação do médico é tratar do paciente, aliviando a dor e o sofrimento e respeitando sua dignidade como pessoa humana. Isso implica os procedimentos chamados ordinários, como a analgesia, a hidratação, e a nutrição artificial. O mesmo não se diga com os "cuidados médicos extraordinários", de altíssimo custo e procedimentos penosos, como a ventilação mecânica, a radioterapia e a diálise renal, denominadas "futilidade médica", pois não ofereceriam nenhum benefício ao paciente, constituindo-se no que passou a chamar recentemente de distanásia, ou simplesmente encarniçamento terapêutico, ante a manutenção obstinada e precária de uma vida sem remissão e redenção. 121 121 CARNEIRO, Antonio Soares; CUNHA, Maria Edilma. Eutanásia e Distanásia. A problemática da Bioética. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1862&p=3. Acesso em 14 de julho de 2008. 44 3.1.3 RELIGIÃO JUDAICA O judaísmo é a mais velha tradição de fé monoteísta do Ocidente. É uma religião que estabelece regras de conduta para seus seguidores. 122 O pensamento judaico em relação à eutanásia assinala que a tradição legal hebraica é contra, pelo fato do médico servir como um meio de Deus para preservar a vida humana, sendo-lhe proibido arrogar-se à prerrogativa divina de decisão entre a vida e a morte de seus pacientes. O conceito de santidade da vida humana significa que a vida não pode ser terminada ou abreviada, tendo como motivações à conveniência do paciente, utilidade ou empatia com o sofrimento do mesmo. A halaklan distingue entre o prolongamento da vida do paciente, que é obrigatório, e o prolongamento da agonia, que não o é. Se o médico está convencido de que seu paciente seja gozes, isto é, terminal, e poderá morrer em três dias, pode suspender as manobras de prolongamento de vida e também o tratamento não-analgésico. 123 Em síntese, a halaklan proíbe a eutanásia ativa, mas admite deixar morrer um paciente em determinadas condições. 122 124 OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Morrer ou matar. Eutánásia e o direito à vida: limites e possibilidades. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/38164,1. Acesso em 14 de julho de 2008. 123 OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Morrer ou matar. Eutánásia e o direito à vida: limites e possibilidades. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/38164,1. Acesso em 14 de julho de 2008. 124 OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Morrer ou matar. Eutánásia e o direito à vida: limites e possibilidades. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/38164,1. Acesso em 14 de julho de 2008. 45 3.1.4 RELIGIÃO ISLÂMICA O islamismo que significa literalmente “submissão à vontade de Deus”, é a mais jovem e a última das grandes religiões mundiais e a única surgida após o cristianismo (Maomé – 570-632 d.C.). 125 Nos dizeres de Nogueira (1995), a posição islâmica em relação à eutanásia é que sendo a concepção da vida humana considerada sagrada, aliada a “limitação drástica da autonomia da ação humana”, proíbem a eutanásia, bem como o suicídio, pois para seus seguidores o médico é um soldado da vida, sendo que não deve tomar medidas positivas para abreviar a vida do paciente. No entanto, se a vida não pode ser restaurada é inútil manter uma pessoa em estado vegetativo utilizando-se de medidas heróicas. 126 3.1.5 RELIGIÃO HINDU Embora a Escritura Hindu não faça referência expressa à eutanásia, extrai-se de seu texto a proibição de sua realização, pois que a alma deve sustentar todos os prazeres e dores do corpo em que reside, embora na Índia Antiga terem sido prescritas medidas particulares para por termo à vida de pessoas afetadas por moléstias incuráveis. 125 127 OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Morrer ou matar. Eutánásia e o direito à vida: limites e possibilidades. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/38164,1. Acesso em 14 de julho de 2008. 126 OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Morrer ou matar. Eutánásia e o direito à vida: limites e possibilidades. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/38164,1. Acesso em 14 de julho de 2008. 127 CARNEIRO, Antonio Soares; CUNHA, Maria Edilma. Eutanásia e Distanásia. A problemática da Bioética. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1862&p=3. Acesso em 14 de julho de 2008. 46 3.1.6 RELIGIÃO BUDISTA Para o budismo, nossa personalidade deriva da interação de cinco atividades: a atividade corporal, as sensações, as percepções, a vontade e a consciência. De todas, a vontade é a mais importante, porquanto representa a capacidade de escolha, de orientar a consciência: a morte de alguém, assim, ocorre quando alguém não mais possa exercer uma vontade consciente, quando seu encéfalo perdeu definitivamente a capacidade de viver, quando o último traço de atividade elétrica o abandonou. 128 O sofrimento tem grande importância no pensamento de Buda: as Quatro Verdades Nobres para obter a Iluminação são sua verdadeira causa. Destarte, a eutanásia ativa e a passiva podem ser aplicadas em numerosos casos, admitindo o budismo que a vida vegetativa seja abreviada ou facilitada. 129 3.2 QUESTÕES MÉDICAS Partindo de um tema como a Eutanásia, torna-se impossível não abordar a responsabilidade do médico. Quando fala-se em atos ilícitos, deve-se lembrar de que um fato ilícito pode gerar efeitos civis e penais, além de outros. 128 CARNEIRO, Antonio Soares; CUNHA, Maria Edilma. Eutanásia e Distanásia. A problemática da Bioética. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1862&p=3. Acesso em 14 de julho de 2008. 129 CARNEIRO, Antonio Soares; CUNHA, Maria Edilma. Eutanásia e Distanásia. A problemática da Bioética. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1862&p=3. Acesso em 14 de julho de 2008. 47 A eutanásia envolve uma questão médica com reflexos legais. Em seu bojo estão consignados a incurabilidade de uma doença e a dor insuportável e a inevitabilidade da morte. 130 Segundo Jiménez de Asúa, “a dor é um fato psicológico eminentemente subjetivo”. De fato, a dor varia de indivíduo para indivíduo eis que o estado emocional vivido pelo paciente é determinante dessas sensações doloríficas. 131 A Medicina busca prevenir os males, mas também quer encontrar melhorias dos padrões de saúde e de vida da coletividade, como indica o artigo 1º do Código de Ética Médica. Exercendo sua profissão, o médico sempre deve zelar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão, em obediência a princípios éticos norteadores de sua atividade. 132 Infelizmente, observa-se um acentuado crescimento de falhas médicas, ocasionadas não somente pelas atividades do próprio médico, ma também pelo quadro degenerado do sistema de saúde do país. A péssima remuneração dos médicos e a falta de condições ideais de trabalho são os principais motivos apontados e que os levam a se tornarem mais suscetíveis a falhas e cometimentos enganosos. 133 Conseqüentemente, os pacientes acabam sendo vítimas dessas deficiências, não sendo raro observar casos de doentes que foram 130 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 271. 131 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 271. 132 SOUZA, Éverton Gomes de. Eutanásia. Disponível em http://br.monografias.com/trabalhos2/eutanasia/eutanasia2.shtml. Acesso em 15 de julho de 2008. 133 SOUZA, Éverton Gomes de. Eutanásia. Disponível em http://br.monografias.com/trabalhos2/eutanasia/eutanasia2.shtml. Acesso em 15 de julho de 2008. 48 vítimas de erros médicos, caracterizando, sem dúvidas, violações aos direitos da personalidade humana e sancionáveis em diferentes níveis. 134 Um ato ilícito gera efeitos civis e criminais. A conduta do médico que prática a eutanásia pode ser ativa ou passiva, por ação ou omissão e gerará a responsabilidade civil ou criminal, ou ambas, como também na esfera ética. 135 Uma vez sabendo que a eutanásia é encaixada dentro da figura do homicídio, deve-se levar em consideração esta posição para efeitos dentro da esfera civil. Dessa forma, de acordo com o artigo 948 do NOVO CÓDIGO CIVIL (2005, p.291), podemos dizer que: Art. 948 - No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I- No pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II- Na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando em conta a duração provável da vida da vítima. 136 O disposto no presente artigo vale, claramente, para o médico que, de acordo com o artigo 951 do Código Civil, no exercício de atividade profissional causar a morte de seu paciente. Portanto, deverá ser responsabilizado pelo pagamento das despesas com os tratamentos que foram realizados, bem como com funeral e luto da família, fato que pode ocorrer na eutanásia quando realizada pelo profissional da Medicina. Da mesma forma, 134 SOUZA, Éverton Gomes de. Eutanásia. Disponível em http://br.monografias.com/trabalhos2/eutanasia/eutanasia2.shtml. Acesso em 15 de julho de 2008. 135 SOUZA, Éverton Gomes de. Eutanásia. Disponível em http://br.monografias.com/trabalhos2/eutanasia/eutanasia2.shtml. Acesso em 15 de julho de 2008. 136 SOUZA, Éverton Gomes de. Eutanásia. Disponível em http://br.monografias.com/trabalhos2/eutanasia/eutanasia2.shtml. Acesso em 15 de julho de 2008. 49 pode ser o médico responsabilizado a prestar alimentos às pessoas que o paciente morto pela eutanásia os devia. 137 A medicina entende ser viável a aplicação da eutanásia, quer por incurabilidade do mal, quer pela inviabilidade morte, em casos em que não haja mais recursos, tais como os mortalmente feridos, os acidentados, os mortalmente queimados, etc.....desde que se certifique que a vida se extinguirá inegavelmente e sem demora. 138 Para estes casos a eutanásia deve estar presente, eis que presta uma valorosa contribuição, tanto para a medicina como para a sociedade. 139 3.3. O CONSENTIMENTO Após termos estudado no que concerne à qualificação penal da eutanásia no direito comparado, vejamos o que leva a prática da eutanásia, com relação ao consentimento de quem a ela se submete. De acordo com alguns estudiosos, consentimento e piedade são elementos que tornam lícita ou atenuam a conduta do agente; para outros não retiram o caráter delituoso da questão. 140 É do Direito Romano a máxima volenti et consentienti non fit injuria – não se faz injúria a quem quer e a quem consente - pelo qual percebemos que, já entre os antigos, o consentimento tinha relevância jurídica. 141 137 SOUZA, Éverton Gomes de. Eutanásia. Disponível em http://br.monografias.com/trabalhos2/eutanasia/eutanasia2.shtml. Acesso em 15 de julho de 2008 138 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 273. 139 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual. 2000. p. 274. 140 RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 115. 141 RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 115. 50 Divergem as opiniões e nenhum posicionamento consegue manter-se como principio a ser seguido. De início os adversários do direito sobre a própria vida utilizam-se da divisão: direitos inatos, também denominados de irrenunciáveis, inalienáveis, inatingíveis ou indisponíveis, onde figura o direito à vida, à integridade física, e direitos adquiridos – os únicos renunciáveis, em que o interessado direto é o próprio titular do direito e não o Estado. 142 Por este prisma, os direitos inatos ultrapassam a esfera individual, enquanto que os demais, por exemplo, os patrimoniais, denotam identidade puramente privada. Dentre todas as virtudes do ser humano, certamente a piedade ocupa seu lugar de destaque. 143 Em relação ao consentimento, nada dispõe o atual Código Penal, permitindo, portanto, que a eutanásia seja perpetrada ainda que contra a vontade do paciente – não obstante os inegáveis efeitos que exerce sobre a magnitude do injusto. Por seu turno, a proposta de 1999 demanda, para a eutanásia ativa, o consentimento da vítima, imputável e maior de 28 anos (art.121, § 3º). Não andou bem o legislador ao prescrever a exigência da imputabilidade para o enfermo, posto que, conforme já se analisou os critérios a serem atendidos, em se cuidando de capacidade para consentir, são aqueles propostos pela lei civil. Demais disso, é difícil conceber o que estariam os redatores do Anteprojeto a pretender com a redundante expressão “imputável e maior”, já que a imputabilidade penal se adota para esses fins, abrange por si só a maioridade como um de seus requisitos. 144 O consentimento da pessoa humana neste sentido, objeto do trabalho que ora expressamos, mesmo quando é manifestado de modo livre e espontâneo, não poderá ser acatado pela autoridade médica ou um membro da família, pois a prática da eutanásia, em qualquer circunstância é uma atitude criminosa, ilegal, sem nenhum respaldo jurídico. Tudo a ser solicitado que se faça para outrem é plenamente permitido, como alguma atitude de mudar sua 142 RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 115. RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 115-121. 144 CARVALHO, Gisele Mendes de. Revista dos Tribunais. Ano 91 - Abril de 2002. Vol. 798, p.495. 143 51 aparência física deixando-a mais bonita, até mesmo uma cirurgia plástica, mas nunca que a matem, isto jamais será permitido, em qualquer hipótese. 145 A questão da eutanásia terapêutica não se consubstancia em razões de compaixão. Ao médico cabe o exame do caso em si, com base nas probabilidades de cura e de acordo com o que a ciência lhe oferece. 146 Juntamente com o consentimento, a piedade é alegada por todos aqueles que se posicionam ao lado do homicídio piedoso ou consentido. Diferem ambos da eutanásia realizada pelo profissional da área médica. 147 A piedade é invocada em nome de uma ação nobre realizada por quem a ela se submete. Foge, portanto, ao caráter terapêutico da forma proposta, isto é, entendemos a nobreza deste sentimento, mas não conseguimos enquadrá-lo como integrante da eutanásia terapêutica. 148 Famoso é o caso da menina parisiense vítima de grave e incurável difteria. O pai, médico, terrivelmente angustiado com o sofrimento da filha, resolve abreviar-lhe a dor, dando-lhe dose letal de ópio. No dia seguinte ao enterro da pobre criança, chega pelo correio recém-descoberto soro antidiftérico. 149 145 SILVA, Sônia Maria Teixeira da. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1863. Acesso em 15 de julho de 2008. 146 RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 121. 147 RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 121. 148 RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 121. 149 TOLEDO, Luiza Helena Lellis Andrade de Sá Sodero. Eutanásia, ortotanásia e legislação penal. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11093. Acesso em 15 de julho de 2008. 52 Ainda uma questão, esta das mais relevantes, é a que diz respeito ao consentimento da vítima. O fato de alguém dar consentimento para sua própria morte exclui o caráter ilícito da eutanásia? 150 Certamente não. O jus in se ipsum, ou o direito de dispor livremente de si, há tempos não é aceito, porque se contrapõe ao interesse público. A vida humana é bem indisponível por excelência. O consentimento para a morte, a livre disposição sobre a vida não são permitidos em nossa sociedade. Tanto é assim que o simples auxílio ao suicídio é punido, se a morte se consuma, com reclusão de dois a seis anos e, mesmo que não se efetive o resultado, há punição: reclusão de um a três anos. Isto porque a vida não é um bem que interessa ao indivíduo, tão somente; a vida é patrimônio público, representa interesse de todos, coletivamente. Desta feita, não há que se falar em consentimento para a morte, embora muitos autores que defendem a legalização da eutanásia justifiquem seu posicionamento justamente com base nisto: 151 "Modernamente, eutanásia é a morte de uma pessoa (que se encontra em grande sofrimento decorrente de doença, sem perspectiva de melhora) produzida por médico, com o consentimento dela. O consentimento do paciente exclui a ilicitude dessa intervenção, o que consagra o princípio da vontade livre como garantia suprema do exercício e renúncia a direitos fundamentais. Eutanásia não é morte por piedade; é morte por vontade". 152 150 TOLEDO, Luiza Helena Lellis Andrade de Sá Sodero. Eutanásia, ortotanásia e legislação penal. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11093. Acesso em 15 de julho de 2008. 151 TOLEDO, Luiza Helena Lellis Andrade de Sá Sodero. Eutanásia, ortotanásia e legislação penal. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11093. Acesso em 15 de julho de 2008. 152 RIBEIRO, Diaulas Costa. Viver bem não é viver muito. Revista Jurídica Consulex. 29/18. 53 3.4 BIOÉTICA O termo Bioética representa um neologismo, traduzindo o sentido de expressar à “ética da vida”, ou o modo de ser da vida. Na década de 60, nos Estados Unidos da América, houve um primeiro questionamento ético no relacionamento entre os médicos e os pacientes que não detinham condições de expressar sua vontade de modo autônomo, sob o crivo do livre consentimento esclarecido e informado. 153 Entende-se de bioética como o estudo dos problemas e implicações morais despertados pelas pesquisas científicas em medicina e biologia’. O adjetivo moral, nesse caso, atua como sinônimo de ética. Em outras palavras, a Bioética dedica-se a estudar as questões éticas suscitadas pelas novas descobertas científicas; ‘novos poderes da ciência significam novos deveres do homem. 154 Relativamente à origem da bioética, as suas raízes remontam aos postulados de Hipócrates, mormente ao princípio da não maleficência, que impõe ao médico o dever de não agredir o paciente e não provocar nele sofrimento. Contemporaneamente, a doutrina é unânime em fixar como marco da bioética o conhecimento em âmbito mundial, quando do julgamento de Nuremberg, em 1945, dos horrores cometidos por médicos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial nos campos de concentração, cujos experimentos suscitaram os mais candentes debates éticos. 155 Aventou-se a preocupação com o estado de saúde e a situação especifica do paciente, de forma q não fosse submetido a abusos em 153 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 397, 2003. 154 ALMEIDA, Guilherme Assis; CHRISTMANN, Martha Ochsenhofer. Ética e Direito: uma perspectiva integrada. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.62. 155 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis: OAB/SC Editora. 2003, p. 68. 54 seu tratamento. Surgiu, portanto, uma discussão voltada aos direito do paciente, que culminou com a promulgação, em 1970, da conhecida Carta dos Direitos do Enfermo, reconhecida e aprovada por todas as entidades relacionadas com a saúde, estabelecendo um divisor de águas pioneiro nas relações entre os profissionais da saúde e os doentes. 156 3.4.1 ÉTICA Constituindo a eutanásia, como visto, tema atrelado à Bioética, insta sejam consignados alguns apontamentos sobre ética e moral, o que será levado a efeito de modo lacônico, somente visando deixar assente que não se trata de termos sinônimos, pois, sem dúvida, a investigação profunda de tão espinhosos conceitos demandaria a elaboração de uma obra própria, após robustas pesquisas acadêmicas e filosóficas. 157 A ética refere-se ao sistema ou à teoria que busca delinear e descrever o que é bem e, por conseqüência e extensão, o que é mal. As fontes mais antigas da ética são a mitologia, a teologia, malgrado atualmente as discussões girarem em torno dos sistemas filosóficos. 158 A moral, por seu turno, refere-se às normas que nos direcionam e nos apontam o que fazer ou não fazer, dividindo as ações em certo 156 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 92, v.818, p 397, 2003. 157 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 398, 2003. 158 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 398, 2003. 55 ou errado. A ética, portanto corresponde à teoria, a formulação do bem, enquanto a moral diz respeito à prática. 159 3.4.2 BIODIREITO A evolução tecnológica, sobretudo no campo da medicina e das investigações científicas, ocorre com uma fantástica velocidade, influenciando diversos questionamentos atrelados a valores que partem de um consenso universalmente aceito, que servem de indicadores à obtenção de uma fórmula que apóie a conduta humana correta e eticamente aceitável. 160 O Biodireito trata especificamente das relações jurídicas referentes à natureza jurídica do embrião, eutanásia, aborto, transplante de órgãos e tecidos entre seres vivos ou mortos, eugenia, genoma humano, manipulação e controle genético, com fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana. 161 A essas descobertas científicas que implicam a relação do Homem com a Vida, é imperiosa a existência de normas que regulamentem e circunscrevam a própria liberdade e os limites daquelas condutas que podem ou não ser praticadas. Esta árdua tarefa redunda no surgimento de um novo ramo do Direito, que passou a ser denominado Biodireito. 162 159 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 398-399, 2003. 160 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 402, 2003. 161 Bueno e Costanze. Biodireito. Disponível em http://buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_content&task=view&id=265&Itemid=79. Acesso em 16 de julho de 2008. 162 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 403, 2003. 56 3.4.3 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS Princípios são tipos de ações comuns que, com o tempo se tornam regras gerais que dirigem os interessados a uma determinada abordagem para a solução de um problema. 163 Segundo H. Tristam ENGELHARDT apud Augusto César Ramos, “os princípios funcionam como regras, talvez como regra geral, que dirige o interessado, a uma abordagem particular para a solução de um problema”. A origem dos princípios fundamentais da bioética decorre das barbáries envolvendo experimentos em seres humanos, em hospitais norte-americanos, fruto da revolução terapêutica. 164 Consoante anteriormente consignado, a Bioética teve sua origem na preocupação da utilização dos conhecimentos médicos na vida dos pacientes. Desta forma, em 1974, nos Estados Unidos da América, formou-se a Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos sujeitos de Investigação Biomédica e do Comportamento. A referida comissão, após quatro anos de exaustivos trabalhos, debates e discussões, publicou o chamado Relatório Belmont, que se tornou um verdadeiro guia para a ética da experimentação humana. Despontou, destarte, a formulação de três princípios bioéticos elementares: princípio da autonomia, princípio da beneficência e princípio da justiça. 165 163 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis: OAB/SC Editora. 2003, p. 72. 164 RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis: OAB/SC Editora. 2003, p. 72. 165 ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 400, 2003. 57 3.4.3.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA Se refere à capacidade de autogoverno do homem, de tomar suas próprias decisões, de o cientista saber ponderar, avaliar e decidir sobre qual método ou qual rumo deve dar a suas pesquisas para atingir os fins desejados, sobre o delineamento dos valores morais aceitos e de o paciente se sujeitar àquelas experiências, ser objeto de estudo, utilizar uma nova droga em fase de testes. A decisão deve deixar de ser apenas do médico e passar a ser do médico juntamente com o paciente. O princípio da autonomia é considerado o principal princípio da Bioética, pois os outros princípios estão vinculados a ele de alguma forma. 166 3.4.3.2 PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA Está intimamente ligado ao juramento de Hipócrates, onde afirma que "aplicarei os regimes para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, e nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja", o que significa a ponderação entre riscos e benefícios, sendo eles atuais ou potenciais, individuais ou coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos. Este princípio ordena aos médicos e cientistas que se isentem de qualquer atividade que venha, ou possa vir, a causar um mal sem propósito ao paciente. 166 167 Bueno e Costanze. Biodireito. Disponível http://buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_content&task=view&id=265&Itemid=79. Acesso em 16 de julho de 2008. 167 Bueno e Costanze. Biodireito. Disponível http://buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_content&task=view&id=265&Itemid=79. Acesso em 16 de julho de 2008. em em 58 3.4.3.3 PRINCÍPIO DA JUSTIÇA Pode ser dividido em três questões básicas, ou seja, o ônus do encargo da pesquisa científica, onde todos os membros da sociedade devem arcar com o ônus da manutenção das pesquisas e da aplicação dos resultados, de forma igual e nas medidas do possível; a aplicação dos recursos destinados à pesquisa, que implica em uma distribuição justa e eqüitativa dos recursos financeiros e técnicos da atividade científica e dos serviços de saúde, não só para países de primeiro mundo mas, principalmente, para países subdesenvolvidos; e a destinação dos resultados práticos obtidos destas pesquisas, o qual a ciência deve ser aplicada de forma igual para todos os membros da espécie humana, não devendo existir distinção em função de classe social, ou capacidade econômica de quem necessita de tratamento médico. 168 A eutanásia, propriamente dita, é a promoção do óbito. No Direito Penal Brasileiro a eutanásia caracteriza homicídio, trata-se de uma conduta típica, ilícita e culpável. O consentimento do paciente é irrelevante para descaracterizar a conduta como crime. Para acontecer no Brasil o direito de morrer com dignidade, existe a necessidade de mais tempo para que, talvez, um amadurecimento cultural sobre a questão da morte digna possa estar avolumada o suficiente para discutir o tema nesses termos. Até lá, é importante garantir que, pelo menos, a proposta do novo Código Penal para este assunto seja aprovada. 168 Bueno e Costanze. Biodireito. Disponível http://buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_content&task=view&id=265&Itemid=79. Acesso em 16 de julho de 2008. em 59 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto neste trabalho, destacando-se todos os tópicos, pode-se ver, nitidamente, a grande dificuldade que se apresenta no sentido do mistério entre a vida e a morte. Dentro deste contexto tão discutido sob os aspectos políticos, éticos, religiosos e jurídicos, muito importante é observar a postura ética da figura do médico, que é o especialista o qual deve lutar incansavelmente pela cura dos seus enfermos. A vida é o bem maior do ser humano. O Homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Para um tema tão complexo como este, foram questionadas todas as formas de pensamento da igreja, em todas as suas denominações, e como elas se postulam diante de um processo como este. No aspecto jurídico, enfocando à Parte Especial do Código Penal de 1999, não há avanço para que esta proposta seja aprovada na legislação brasileira, processo este com teor de suma responsabilidade. Que a morte é indiscriminadamente a todos os seres, raças, posição política, econômica e social, é óbvio, mas a forma como esta deverá acontecer somente a Deus pertence. A intenção aqui não é opinar a favor ou contra a eutanásia que é uma abordagem tão cruel e com discussões tão significativas. É de grande responsabilidade a difícil tarefa de legislar sobre o mundo misterioso da vida e da morte. 60 Acreditamos que o médico não pode ser o Juiz da vida e morte de qualquer ser humano. O presente trabalho não teve a intenção de mostra-se contra ou a favor da eutanásia. Seu histórico foi, apenas, fazer um panorama para a compreensão de suas implicações morais sociais e jurídicas. Creio que, pela ótica sócio-jurídica, a eutanásia nos trará mais problemas do que soluções. Maiores problemas, por ser a eutanásia, um procedimento de difícil compreensão para a sociedade que hoje a vê com grande rejeição. Em especial, quando se trata de um familiar perante uma decisão desta natureza a ser tomada. Como mencionamos no transcorrer deste trabalho, onde o bem jurídico de maior relevância é a vida, a sociedade evidencia a sua rejeição, notadamente pelo respeito à vida humana. 61 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS CARVALHO, Gisele Mendes de. Revista dos Tribunais. Ano 91 - Abril de 2002. Vol. 798, p.478-501. ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 395423, 2003. RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis OAB/SC Editora, 2003. 180 p. RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2ª ed. rev. e atual.2000. SOUSA, Dinorah Leane Silva de. Eutanásia: questão de vida e de morte. Disponivel em http://www.novafapi.com.br/revistajuridica/ano_II/dinorah.php. Acesso em 17 jun 2008. ASÚA, Luis Jimenes de. Liberdade de amar e direito a morrer. 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