Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Ezequiel David do Amaral Canário 2014 Presidenta da República Dilma Vana Rousseff Governador do Estado de Pernambuco João Soares Lyra Neto Vice-presidente da República Michel Temer Secretário de Educação e Esportes de Pernambuco José Ricardo Wanderley Dantas de Oliveira Ministro da Educação José Henrique Paim Fernandes Secretário Executivo de Educação Profissional Paulo Fernando de Vasconcelos Dutra Secretário de Educação Profissional e Tecnológica Aléssio Trindade de Barros Gerente Geral de Educação Profissional Luciane Alves Santos Pulça Diretor de Integração das Redes Marcelo Machado Feres Coordenador de Educação a Distância George Bento Catunda Coordenação Geral de Fortalecimento Carlos Artur de Carvalho Arêas Coordenador Rede e-Tec Brasil Cleanto César Gonçalves Coordenação do Curso Sheila Ramalho Terezinha Beltrão Coordenação de Design Instrucional Diogo Galvão Revisão de Língua Portuguesa Eliane Azevêdo Diagramação Klébia Carvalho Sumário INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 3 1. COMPETÊNCIA 01 |TENDÊNCIAS TEÓRICAS NO ESTUDO DA SOCIEDADE: O FUNCIONALISMO E O MATERIALISMO DIALÉTICO ................................................................... 8 1.1 O Funcionalismo de Durkheim e a Sociologia ........................................................ 9 1.2 O Materialismo Dialético e a História de Karl Marx ............................................. 15 2. COMPETÊNCIA 02 | AS PERSPECTIVAS DE EDUCAÇÃO PARA ÉMILE DURKHEIM, DE JOHN DEWEY E DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO ......................................................................... 22 2.1 Émile Durkheim: O Papel Social da Educação ...................................................... 22 2.2 John Dewey e o Experimentalismo ...................................................................... 28 2.3 A Teoria do Capital Humano ................................................................................ 32 3. COMPETÊNCIA 03 | EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA CRÍTICA –EDUCAÇÃO COMO REPRODUTORA DE CLASSES OU COMO ESPAÇO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL? ................ 38 3.1 Ideologia, Hegemonia e Escola numa Perspectiva Crítica.................................... 38 3.2 Antonio Gramsci e a Escola como Espaço de Luta e Mudanças .......................... 43 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 49 CURRÍCULO DO PROFESSOR PESQUISADOR .......................................................................... 52 INTRODUÇÃO Caro estudante, neste momento do seu aprendizado, iremos direcionar nossa atenção sobre conceitos como Educação, Sociedade e Trabalho. Lançaremos uma abordagem sociológica da educação para compreender tais definições que são tão usuais em nossas atividades cotidianas. Contudo, iremos “olhar” esses conceitos com outro olhar, direcionado nossos estudos para uma análise que irá além do senso comum. Para que possamos iniciar nossos estudos precisamos estudar um pouco da história da sociologia para entender como essa disciplina foi construída dentro da trajetória da história ocidental da humanidade. Ao seguir essa caminhada, lançaremos nosso olhar para as mudanças ocorridas no mundo ocidental entre o século XV ao XIX, identificando o processo histórico que possibilitou o nascimento da sociologia como disciplina científica. Estudaremos as diferentes teorias e perspectivas de análise sobre a sociologia e educação de pensadores e pesquisadores como Émile Durkheim, Karl Marx e John Dewey. Além de lançarmos nossa atenção para o papel da educação numa perspectiva crítica. Dessa forma, iniciaremos nossos estudos lembrando as mudanças políticas, sociais e econômicas que atingiam o mundo Ocidental entre os séculos XV e XIX e que proporcionaram o surgimento da Sociologia como uma ferramenta de explicação e de possível intervenção numa sociedade em radicais mudanças. Ao longo da história da humanidade, vários pensadores e estudiosos se dedicaram em observar e explicar a organização social, política e econômica da sociedade, na tentativa de entender suas várias crises, seus fatos, suas instituições e as relações humanas em diferentes momentos da história da humanidade. 3 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação a Sendo assim, fica claro entender que a Sociologia, como “ciência da sociedade” não surgiu como um ato de genialidade de um indivíduo ou de forma repentina e mágica. Ela faz parte de uma estrada marcada pela trajetória de diferentes pensadores em diferentes etapas da caminha do conhecimento humano. Podemos observar as mudanças na sociedade feudal do século XV como ponto de partida para a constituição da sociedade capitalista, campo fértil de estudo da sociologia. As interpretações de diferentes pensadores sobre as mudanças ocorridas entre o século XV e XIX contribuíram e contribuem para a compreensão da sociedade contemporânea. Podemos afirmar que eventos marcantes da história Moderna, entre o século XV e XVII, como a expansão marítima e a conquista do Novo Mundo, associada a expansão comercia e de troca de mercadorias com a África, Ásia e América; a Reforma Protestante e a contestação do monopólio da Igreja Católica sobre a fé cristã; a própria formação dos Estados Nacionais na Europa e o fortalecimento da burguesia foram importantes elementos que desestruturam os pilares da sociedade feudal e colaboraram para a formação de um novo homem e uma nova sociedade, agente transformado e transformador da época Moderna da história humana.. Novas formas de conhecer a sociedade e a natureza foram apresentadas por diferentes pensadores, onde podemos destacar as figuras de Nicolau Maquiavel (1469-1527), Nicolau Copérnico (1473-1543), Martinho Lutero (1483-1546), Galileu Galilei (1564-1542), Thomas Hobbes (1588-1679), Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes( 1596-1704) , John Locke(1632-1702) e Isaac Newton ( 1642-1727). As mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais entre o século XV e XVII potencializaram os conflitos que explodem no século XVIII. A Revolução Francesa (1789-1799), o pensamento Iluminista e a Revolução Industrial do século XVIII trazem a contestação às estruturas do Antigo Regime, a 4 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar supremacia da Razão na explicação do mundo e a construção de novas formas de produção. Todas essas mudanças levam a profundas transformações da sociedade. No século XVIII a sociedade européia passa por agitações sociais explosivas com a tomada de poder dos Estados Nacionais pela burguesia e a terrível agitação popular e a radicalização do processo de tomada de poder na França com a Revolução Francesa 1789-1799. A primeira Revolução industrial iniciada na Inglaterra do século XVIII, levou a formação da classe operária, ao crescimento dos grandes centros urbanos, o aumento das desigualdades entre proletariado e burguesia (classes em esferas antagônicas no modo de produção capitalista). O Liberalismo com suas exigências de liberdade econômica e liberdade de representação do povo na política (com claras limitações para os trabalhadores) levaram pensadores como Montesquieu (1689-1755), David Hume(1711-1776), JeanJacques Rousseau( 1712-1778), Adam Smith( 1723-1790) e Immanuel Kant ( 1724-1804), entre outros, a refletirem sobre essa realidade explosiva e explicá-la. Figura 01- Tomada da Bastilha em 14 de julho 1789, marco do início da Revolução Francesa. Ilustração de Jean Pierre Houel, século XVII, Museu Carnavalet, França. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b0/Prise_de_la_Bastille_clean.jpg 5 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação a Figura 02- Gravura de 1833 representando uma tecelagem na Inglaterra Fonte: http://www.economiabr.com.br/economia_ontem.htm Mas é no século XIX, com Auguste Comte (1792-1857) e o pensamento Positivista, que nasce a Sociologia como ciência que, à semelhança da física, química e biologia, tenta encontrar leis universais que expliquem os fenômenos sociais. Não é sem intencionalidade que Comte, considerado o “pai” da Sociologia usa o termo “física social”, em 1822, para aproximar a recém nascida Sociologia com as ciências naturais. Contudo, foi apenas em 1839 que Comte, em seu Curso de Filosofia Positiva, usa o termo Sociologia1. 1.LEVINE, Donald N. Visões da tradição sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editore, 1997. P. 45 No século XIX, o sistema capitalista já estava consolidado e as sociedades pósindustriais apresentavam novas formas de produção de organização política e social. Explicar essa sociedade e, se possível, intervir nela era alguns dos objetivos dos sociólogos como Émile Durkheim, grande teórico da Sociologia e considerado um dos pais da sociologia moderna, Max Weber e o pensador Karl Marx. Foi partido da consonância, da crítica ou mesmo da revisão desses três pensadores que a sociologia do século XIX, XX e XXI aprimora ou amplia sua base de conhecimento. Dessa forma, iniciaremos nossa jornada partindo das teorias de Durkheim e Marx sobre educação, sociedade e trabalho. Aprofundaremos nossos estudos através da análise de fundamentos e teorias da sociologia da educação. Destacaremos as observações de Jonh Dewey e da Teoria do Capital Humano e suas influências na educação e identificaremos os principais aspectos da educação na perspectiva crítica, avaliando o papel da 6 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar educação como reprodutora de classes ou como elemento de transformação social. Sendo assim, convidamos você para caminhar nessa estrada e encontrar novas perspectivas na sua trajetória profissional e pessoal. Ao estudarmos um pouco sobre a relação entre sociedade e educação estaremos cada vez mais capacitados e prontos para enfrentarmos os desafios da construção de uma educação e uma sociedade mais inclusiva e menos desigual. Bons Estudos! 7 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 01 a 1. COMPETÊNCIA 01 |TENDÊNCIAS TEÓRICAS NO ESTUDO DA SOCIEDADE: O FUNCIONALISMO E O MATERIALISMO DIALÉTICO Como já foi apresentada em nossa introdução, a sociedade européia ocidental passou por um conjunto de transformações nas formas de produzir e se organizar ao longo dos séculos XVI e XVIII, momento de formação da sociedade capitalista. Ao longo desse período, vários pensadores tentaram explicar essas mudanças e a sociedade que nascia. Contudo foi nos séculos XIX e XX que se consolidou a sociedade capitalista com sua expansão e mundialização do Modo de Produção Capitalista. Senda assim, podemos afirmar que fazemos parte de sistema de produção global, interligado e que afeta toda nossa organização social. Mesmo em regiões rurais ou mesmo entre as populações indígenas (salvo grupos isolados do “mundo do homem branco”) podemos afirmar que estas estão sim inseridas no mundo capitalista e são atingidas por sua forma de organização e produção. Foi como filha da Revolução Francesa e da Revolução Industrial que podemos dizer que a sociologia nasce como ciência que estuda a relação entre indivíduo e sociedade humana. No século XIX e início do século XX, três pensadores realizam seus estudos e publicam suas obras na tentativa de explicar e muitas vezes intervir numa sociedade marcada por transformações e conflitos. Karl Marx (1818-1883), Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920) são pensadores fundamentais na construção do pensamento sociológico. Suas explicações e teorias fundamentam ou servem de base para outros estudos que convergem, divergem ou aprofundam suas explicações sobre a sociedade capitalista. 8 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 01 Figura 03- Desenho de uma conversa entre principais pensadores da sociologia clássica, ..Max Weber, Karl Marx e Émile Durkheim. ..Fonte: ttp://geracyber.blogspot.com.br/2011/05/o-manifesto-comunista.html Como parte dos nossos estudos sobre a relação entre educação, sociedade e trabalho numa abordagem sociológica da educação, vamos destacar as ideias e teorias de Émile Durkheim e de Karl Marx sobre a sociedade capitalista que se consolidava na Europa do século XIX. De suas observações nascem o Funcionalismo e Materialismo Dialético como formas de tentar entender e agir sobre uma sociedade que apresentava características específicas de organização e produção. 1.1 O Funcionalismo de Durkheim e a Sociologia Grande teórico da sociologia e pai da sociologia da Educação, o francês Émile Durkheim se dedica não só a elaboração de um projeto de emancipação da sociologia das demais ciências sociais, mas a elaboração de uma teoria, uma explicação sobre a organização e mudanças ocorridas na sociedade européia do século XIX. Figura 04- Fotografia de Émile Durkheim Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/24/Emile_Durk heim.jpg 9 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 01 a Como teórico, Durkheim se preocupou em estabelecer os métodos, os objetivos e as aplicações da ciência Sociologia. Sendo assim, esse pensador francês desejava colocar a Sociologia como uma disciplina científica com rigor teórico-metodológico próprio. Foi dessa jornada pela afirmação acadêmica da sociologia que Émile Durkheim constrói sua explicação para a sociedade européia industrial do século XIX. Nasce, assim, o Funcionalismo durkheimiano, que não só se preocupa em explicar essa sociedade, mas de solucionar seu problemas. Mas o que nos diz a teoria Funcionalista? No funcionalismo, a sociedade é analisada como um sistema organizado em partes conectadas e alicerçadas em leis, normas e regras sociais que permitem não só a integração como a manutenção da sociedade. Pense na sociedade como um ser vivo formado por diferentes órgãos (oração, pulmão, estômago....) e onde cada órgão exerce uma importante função para a manutenção de uma vida saudável desse ser vivo. É assim que podemos tentar entender por linhas gerais o funcionalismo. Vista com bons olhos por Durkheim, a sociedade industrial capitalista seria uma “evolução” da caminhada humana. Sendo assim, o pensador francês se preocupou em entender o caráter evolutivo da ordem, na tentativa de manutenção do equilíbrio e da harmonia na sociedade. Porém o mundo e a sociedade do século XIX que Durkheim vivia não era de plena harmonia. A fome, miséria e desemprego caminhavam junto com a expansão industrial e as inovações tecnológicas. O fortalecimento dos sindicatos, greves e lutas sociais se propagavam e legitimavam as teorias socialistas. Nesse mundo de conflitos e diversidades, Durkheim formulou sua teoria de explicação e de intervenção no corpo social da Europa. Para Durkheim os problemas que afligiam a sociedade européia não eram motivados por problemas econômicos, mas por uma questão de fragilidade 10 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 01 moral (idéias, normas e valores). Caberia à Sociologia investigar e indicar caminhos ou mesmo “preparar o remédio” que iria curar esse corpo social doente. Os conflitos sociais na sociologia durkheimiana são elementos solucionais, pois são transformações dentro do sistema e não no sistema em si2. Foi procurando entender o funcionamento das instituições e condições necessárias para a manutenção do equilíbrio da sociedade que Durkheim construiu sua teoria funcionalista. Sendo assim, observou que o indivíduo nasce dentro de um conjunto integrado de normas, crenças, leis e valores que determinam sua ação. Todo esse conjunto de normas, valores e leis na sociedade foram denominados de Fatos Sociais, por Durkheim e estes são para ele o objeto de estudo da sociologia. 2.NERY,Maria Clara Ramos. Sociologia: a ciência da crise. IN: TESKE, Ottmar( coord) Sociologia: textos e contexto. 2ed. Canoas:Ed. ULBRA, 2005, p.46. Para o sociólogo francês, os fatos sociais são elementos exteriores ao individuo, ou seja, que existe nas relações sociais independente da vontade dos indivíduos. Fazem parte das normas coletivas que orientam a vida em sociedade. Andar vestido, estudar em escolas e falar português são regras que existem independente da vontade do sujeito. Leia o que o próprio Durkheim definecomo fato social: É fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, que é geral na extensão de uma dada sociedade, apresentando existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter3. Além dessa observação, Durkheim afirma que os fatos sociais são coercitivos. Eles devem ser seguidos pelo indivíduo em sociedade, pois caso contrário este será punido. Imagine o que aconteceria se um belo dia você decidisse ir totalmente nu comprar o pão. Dessa forma, podemos afirma que a vida social é um conjunto de meios morais que cercam o homem e orientam nosso sistema de ação, evitando um distanciamento entre os indivíduos. Para 3.DURKHEIM, Émile. As Regras do método sociológico, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.p,11. 11 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 01 a Durkheim, o indivíduo nasce da sociedade e não o contrário. Sendo assim, o social determina o individual. Dentro desse sistema, a sociologia durkheimiana observa que os fatos sociais são coercitivos, pois impõem regras construídas coletivamente aos indivíduos. Internalizamos hábitos e assim mantemos certo grau de coesão, ou seja, de unidade entre os indivíduos. É partindo dessa relação entre coerção (capacidade de imposição) e coesão (grau de unidade) na sociedade que o sociólogo francês afirma que a vida em sociedade é regida pela solidariedade social. Essa solidariedade social, vinda da coesão social, não pode ser confundida com a solidariedade no sentido de ser uma pessoa solidária. No sentido de grau de unidade, Durkheim identifica dois tipos de solidariedade existentes: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. Então perguntamos: Qual a diferença, as especificidades e que tipos de sociedade se enquadram esses dois tipos de solidariedade? A solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica estão fortemente relacionadas com a chamada Divisão do trabalho, ou seja, ao grau de especialização e diversificação das formas de trabalho ou de produção em uma sociedade. Na solidariedade mecânica temos uma baixa divisão do trabalho. Nessas sociedades encontramos uma coesão mecânica, onde temos um compartilhamento coletivo de valores e normas de conduta muito semelhantes. Temos assim um baixo grau de diferenciação entre os indivíduos e uma rigidez unitária dos padrões culturais normativos. A moral nessas sociedades é essencialmente coercitiva e as mudanças sociais são extremamente lentas. O enquadramento social nessas sociedades é marcado por práticas repressivas de normatização. 12 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 01 No momento em que as sociedades aumentam seu grau de divisão de trabalho, temos uma reorientação da relação do indivíduo com a sociedade e a construção de um novo tipo de solidariedade: a solidariedade orgânica. Na medida em que temos uma diversificação e especialização na maneira de produzir, isto leva a uma interdependência funcional derivada da divisão do trabalho e não dos costumes. Nesse sentido, podemos entender que a solidariedade orgânica envolve uma sociedade com forte diferenciação entre os indivíduos. A expansão da divisão do trabalho leva a elevado grau de individualismo. A solidariedade orgânica é defendida como ideal para Durkheim, pois este enxerga uma evolução nesse tipo de relação social. Sendo assim, sociedades com um maior nível de diferenciação social estabelecem leis reparadoras ou restritivas no momento de desequilíbrio, na tentativa de controlar o avanço da diferenciação entre os indivíduos. A coesão social não se restringe a crenças ou costumes, mas se estabelece nos códigos e nas regras de conduta que garantem direitos e deveres e se apresentam através de regulamentações jurídicas, no Direito. Contudo, faz-se necessário alertar para interpretações equivocadas sobre a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. Na solidariedade mecânica, temos a formação de uma consciência coletiva que envolve a consciência individual. Já na solidariedade orgânica temos um alto nível de diferenciação entre os indivíduos e nas suas ações. Sendo assim, poderíamos ser levados a pensar que a solidariedade mecânica está ligada a sociedades “primitivas” e a solidariedade orgânica, a sociedades modernas. Porém o que temos é preponderância de um ou de outro tipo de coesão social, dependendo do nível de divisão de trabalho nessas sociedades. Para Durkheim, esses dois tipos de solidariedade fazem parte de duas expressões de uma mesma realidade. Para confirmar essa interpretação, vamos recorrer às palavras do próprio Durkheim, que afirma: 13 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 01 a A sociedade não é vista sob o mesmo aspecto nos dois casos. No primeiro (solidariedade mecânica), o que se chama por esse nome é um conjunto mais ou menos organizado de crenças e sentimentos comuns a todos os membros do grupo: é o tipo coletivo. Ao contrário, a sociedade com a qual somos solidários, no segundo caso, é um sistema de funções diferentes e especiais que unem relações definidas. Estas duas sociedades não passam de uma só. São duas faces de uma única realidade, mas não demandam menos para serem distinguidas4. 4.DURKHEIM, 1989, p.150 apud SOUZA,João Valdir Alves de. Introdução à sociologia da educação. 2.ed. 1 reimp. – Delo Horizonte: Autentica, 2012. p. 57. Após essa leitura dos marcos teóricos da sociologia de Durkheim, percebemos sua preocupação na manutenção da ordem e não de sua transformação. Assim como um médico, o sociólogo, na perspectiva funcionalista de Durkheim, deveria intervir no corpo social doente para tratá-lo e torná-lo sadio, procurando restabelecer o equilíbrio. A crise que atingia a sociedade capitalista européia do século XIX seria de ordem moral e não econômica. O funcionalismo durkheimiano se preocupava em resolver tais problemas na tentativa da manutenção da ordem burguesa. Estudar o funcionamento das instituições e da sociedade permitiria encontrar mecanismos de manutenção. Os fatos sociais, através de sua exterioridade, coerção e generalidade, na perspectiva funcionalista durkheimiana, são elementos de grande força sobre os indivíduos e/ou grupos, fazendo com que estes internalizem as regras da sociedade em que vivem. Para Durkheim é o indivíduo que nasce da sociedade e não o contrário. A aceitação e a conformação do indivíduo as normas são aspectos que independem de suas vontades e desejos e garantem a harmonia na sociedade. 14 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 01 1.2 O Materialismo Dialético e a História de Karl Marx Na Europa do século XIX, talvez nenhum país expressasse tão bem o modelo de sociedade capitalista como a Inglaterra. Nação onde nasceu a Revolução Industrial e onde o liberalismo econômico estava consolidado, a Inglaterra foi o campo de observação para a construção da análise sobre a sociedade capitalista, na opinião do alemão Karl Marx(1818-1883). Vivendo grande parte da sua vida nesse centro do capitalismo, Marx foi contemporâneo da segunda revolução industrial (momento de inovações técnicas na forma de produzir e expansão industrial) e viveu num mundo onde o modo de produção capitalista se consolidava. Talvez Marx seja o pensador que mais tenha influenciado as gerações de futuros críticos do sistema capitalista. Seu pensamento serviu de base para a Revolução Russa de 1917 e formação da primeira nação socialista do mundo, a extinta URSS. Suas idéias e teorias, ainda hoje, influenciam a forma de se perceber a sociedade capitalista. Mas o que dizia Karl Marx? Assim como Durkheim, Marx vivia num mundo em transformação, onde novas formas de produzir, de governo e de relações sociais eram vivenciadas por milhões de pessoas. Mas diferente de Durkheim, Marx não via com bons olhos esse mundo pós-revolução industrial. A precariedade da vida dos operários e as contradições do sistema capitalista levaram Marx a elaborar uma explicação sobre essa sociedade e projetar uma forma de atuação sobre ela. Diferente dos chamados socialista Utópicos (Robert Owen e Charles Fourier) que acreditavam que o mundo podia mudar pela boa vontade da burguesia, Marx criava um novo sistema de análise e de ação sobre a sociedade capitalista. Através da construção de um método racional e crítico de avaliação da sociedade capitalista e de uma proposta de mudança desse mundo nasceu o Socialismo Científico, mais conhecido pelo nome de Marxismo. 15 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 01 a No marxismo, destacamos a papel do materialismo dialético como abordagem teórica de explicação e de intervenção no mundo capitalista. Como o próprio nome propõe, o Materialismo Dialético tem como base uma explicação material do mundo e que destaca as contradições desse mesmo mundo como agente de constante transformação do mundo. Para Marx, o mundo pode ser explicado pela realidade material de toda a sociedade e tem nos seus conflitos o potencial de transformação, o motor da história que através das contradições dentro das próprias sociedade, movem a história na passagem do homem por diferentes formas de produção econômica e relação social. É partindo desses pressupostos teóricos que Marx, que em várias ocasiões teve como companheiro de luta e pensamento o também alemão Friedrich Engels (1820-1895), elaborou sua explicação sobre o mundo capitalista. Podemos afirmar que, diferente de Durkheim, que pretendia dar uma base sociológica para suas observações, Marx se deteve a uma análise tanto sociológica como filosófica e histórica do mundo capitalista. Alguns conceitos são fundamentais na obra de Marx para as suas observações. Uma delas é a ideia de classe social. Para este pensador, a sociedade era composta em dois grupos historicamente antagônicos: os proprietários dos meios de produção (terra, ferramentas, fábricas, matériasprimas, ou seja tudo aquilo que intercede na relação entre o homem e a natureza) e os não proprietários dos meios de produção. Para Marx, esses dois grupos têm interesses antagônicos e com isso estão num constante processo de luta de classes. Dessa luta de classes geradas pelas contradições do próprio Modo de Produção surgem as revoluções, que permitem a transformação no Modo de Produção existente (a maneira como cada sociedade organiza sua vida econômica, o trabalho, as relações sociais, suas estruturas políticas, jurídicas e suas práticas culturais). 16 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 01 Sendo assim, a luta de classes é o motor da história e explica as passagens do modo de produção existentes na história da humanidade, concebidos por Marx da seguinte forma: Comunismo primitivo, escravocrata antiga, Feudalismo, Capitalismo, Socialismo e Comunismo. Vejamos as próprias palavras de Marx em sua obra Manifesto do Partido Comunista, de 1848: A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta. Nas primeiras épocas históricas, verificamos, quase por toda parte, uma completa divisão da sociedade em classes distintas, uma escala graduada de condições sociais. Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores, vassalos, mestres, companheiros, servos; e, em cada uma destas classes, gradações especiais. A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez senão substituir novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta às que existiram no passado. Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade divide-se, cada vez mais, em dois vastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado5. 5.MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manife sto do Partido Comunista. Expressão Popular. 1a edição, 2008.p.36. . Dessa forma, percebemos que Marx elabora uma série de conceitos, como Classes sociais, luta de classes, modo produção para explicar a história da humanidade numa perspectiva material e dialética. Para Marx, os séculos XVI ao XVIII formam o momento de passagem do feudalismo para o capitalismo ou nas palavras de Marx: de Acumulação primitiva do Capital. 17 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 01 a Acumulação primitiva do capital foi o processo de acumulação de riquezas ocorrido na Europa entre os séculos XVI e XVIII, que possibilitou as grandes transformações econômicas da Revolução Industrial. Para Marx, a acumulação primitiva de capital se desenvolveu a partir de dois elementos: o da concentração de grande massa de recursos (dinheiro, ouro, prata, terras) nas mãos de um pequeno número de proprietários e o da formação de um grande número de indivíduos despossuídos dos meios de produção e obrigados a vender sua força de trabalho aos proprietários dos meio de produção (terras e manufaturas). Todo esse processo foi possível às riquezas acumuladas pelos negociantes europeus com o tráfico de escravos africanos, com a exploração das Colônias européias na América, a expulsão dos camponeses das terras comunais, do protecionismo às manufaturas nacionais e com o confisco e venda a baixo preço das terras da Igreja por governos revolucionários. Dessa forma, a sociedade capitalista que surgia com o advento da Revolução Industrial era uma sociedade marcada pela exploração da classe operária e de sua alienação do trabalho, pois a divisão técnica do trabalho nas fábricas (onde os trabalhadores são divididos em setores específicos de produção de mercadorias) levava a uma mecanização do Homem. Para Marx, o sistema de produção capitalista com sua divisão técnica do trabalho e expansão pelo mundo de mercadorias, fazia com que o homem não se apropriasse do que produzia, pois já não tinha mais o controle do que fazia na fábrica. Sendo assim, o trabalho de condição libertadora e humana se tornava um elemento de alienação, prisão e desumanização Essa expansão, nunca antes vista, de se produzir mercadorias favorecia a classe burguesa (donos dos meios de produção) que através do trabalho do proletariado (os não possuidores do meio de produção) geravam a Mais-valia, ou seja, a diferença entre o salário pago ao trabalhador e o valor do trabalho realizado. É através da exploração do trabalho do operário que a burguesia gera sua riqueza. 18 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 01 Marx também observou e criticou a maneira como o modo de produção capitalista gerava uma sociedade de mercado, onde tudo se torna mercadoria, passível de ser comercializada. Dessa nova sociedade surgem novas formas de relações e organização social. Dentro desse conjunto de ideias, Marx identificava que as contradições dessa sociedade eram motivadas por questões econômicas e não morais, como afirmava Durkheim. E foi dessas contradições internas do sistema capitalista que Marx propôs um projeto de intervenção, de luta revolucionária. Dentro desse projeto, seria o papel do proletariado liderar a derrubada do sistema capitalista vigente e levar a libertação da classe trabalhadora. Marx acreditava que a próxima etapa na evolução do modo de produção seria feita pela expropriação da burguesia pelo proletariado, instalando o sistema socialista, etapa assentada no domínio do Estado e dos meios de produção pelos trabalhadores. Após esse momento, a humanidade caminharia para o Comunismo, fase em que Estado e classes sociais deixariam de existir. Nesse objetivo traçado pelos estudos de Marx, o conhecimento científico do materialismo dialético tem por finalidade não apenas estudar as etapas do modo de produção e criticar o sistema capitalista, mas de transformá-la, como o mesmo autor afirma nas sua Teses sobre Feuerbach: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo6”. Após essas observações podemos perceber semelhanças e diferenças no pensamento de Émile Durkheim e de Karl Marx. Ambos os autores viveram num mundo marcado por transformações e crise. Ambos tentaram explicar racionalmente essas mudanças e intervir nessa sociedade. Durkheim enxerga que ação do indivíduo esta limitada pela regras, normas e costumes (fatos sociais) de sua sociedade. Os problemas sociais seriam para este autor uma questão moral. Já Marx enxerga a crise como um elemento de caráter econômico 6.MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach.(1845) . Disponível em: < http://www.marx ists.org/portugue s/marx/1845/tesf euer.htm>. Acesso em: 23 mar. 2014.. 19 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 01 a Karl Marx, apesar de enxergar no proletariado uma tarefa histórica de rompimento do processo de exploração, chega a criar um determinismo social, pois os indivíduos, independente de suas vontades, estabelecem relações a partir daquelas que foram transmitidas pelas gerações passadas pelo modo de produção e pela luta de classe. Os homens conscientes ou não são levados a atuarem num teatro de ações predeterminadas. O próprio Marx afirma isso: Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criarem algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar, nessa linguagem emprestada, a nova cena da história universal7. 7.MARX, Karl, O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. Capítulo I. Disponível em: < http://www.marx ists.org/portugue s/marx/1845/tesf euer.htm>. Acesso em: 23 mar. 2014. Dessa forma, vemos que tanto Durkheim quanto Marx coloca o indivíduo dentro de uma estrutura que determina a ação do indivíduo na sociedade. Contudo, esses dois pensadores divergem sobre o papel que o conhecimento da sociedade capitalista tem em sua organização. Para Durkheim, a sociologia deve encontrar mecanismo de equilíbrio e manutenção da ordem. Para Marx, os conflitos fazem parte da história da luta de classe e do processo de caminhada da humanidade para o modo de produção comunista, o estudo sobre a sociedade capitalista deve levar o proletariado a tomar consciência de sua tarefa histórica e derrubar a ordem burguesa. Agora, use sua imaginação e tente pensar como seria um debate ao vivo entre esses dois pensadores! De que lado você se colocaria? Você não pode assistir 20 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 01 esse debate, mas pode estudar as teorias e conceitos desses autores e se colocar, construir sua interpretação da sociedade capitalista atual. No próximo capítulo vamos estudar um pouco sobre a sociologia de Durkheim, agora voltada para o papel da educação e o pensamento de John Dewey e a teoria do Capital Humano, destacando as suas influências na educação. Não perca o foco e continue conosco nessa caminhada! 21 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 02 a 2. COMPETÊNCIA 02 | AS PERSPECTIVAS DE EDUCAÇÃO PARA ÉMILE DURKHEIM, DE JOHN DEWEY E DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO Como podemos perceber, as mudanças ocorridas na sociedade européia entre os séculos XVI e XVIII possibilitaram não só novas formas de trabalho e nas relações políticas. Novas formas de relação social e de entendimento do mundo forjaram o chamado “homem moderno”. Nos séculos XIX e XX houve a consolidação mundial da sociedade capitalista e a criação e fortalecimento de uma ciência voltada para a compreensão e intervenção nessa nova sociedade: a sociologia. Vimos as diferentes perspectivas de abordagem da sociologia funcionalista de Émile Durkheim e do materialismo dialético de Karl Marx. Agora vamos continuar nossa trajetória e analisar as perspectivas sobre o que é e o papel da educação nesse novo mundo que se afirma. Continuaremos a analisar a abordagem de Durkheim sobre a educação e vamos caminhar para o pensamento liberal do século XX com as abordagens de John Dewey e de Theodore Schult sobre o papel da educação na sociedade ocidental capitalista. Então se acomode e prepare-se para essa caminhada! 2.1 Émile Durkheim: O Papel Social da Educação Como observamos, a perspectiva sociologia de Durkheim pode ser apresentada como uma “sociologia da ordem social”. Preocupado em compreender os mecanismos estruturais da sociedade, Durkheim voltou sua atenção para os mecanismos de coesão e coerção da sociedade européia do século XIX. Sendo um dos defensores da sociologia com ciência de ação e estudo da sociedade, Durkheim é um dos principais teóricos da Sociologia. Além disso, esse pensador francês dedicou boa parte da sua vida acadêmica a estudar o papel da educação na sociedade. Entre 1887 a 1902 ministrou aulas semanais de Pedagogia na Faculdade de Letras de Bordeaux. Já 1902, e 22 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 02 definitivamente em 1906, ocupou a cadeira de Ciência da Educação na Sorbonne. Também reservou parte da sua vida acadêmica a sessões, conferências e cursos para professores do Ensino Primário e alunos da Escola Normal Superior8. Sua dedicação e elaboração de estudos sistemáticos dos mecanismos de funcionamento das instituições escolares e o modo como essas instituições se relacionam com a sociedade permite que Durkheim seja considerado o “pai” da sociologia da Educação (uma ramificação ou especialização da Sociologia). Nesse sentido, Durkheim cria uma disciplina voltada para a identificação dos problemas relativos às instituições de ensino e encontra soluções para os seus problemas. 8 DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Tradução de Stephania Matousek.2.ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p.9. Mas por que essa preocupação com a temática da educação? Devemos lembrar que no século XIX é um período de transformações e crises. Afirmar o papel da nação e de formar indivíduos cada vez mais preparados para o novo sistema de trabalho fez com que as nações europeias se preocupassem com a maneira de integrar os povos que viviam numa mesma região e de qualificálos. Nesse sentido a Educação formal se torna um instrumento essencial. Mas, o que é Educação? Que tipo de educação deveria ser praticada? Qual a importância da educação para a sociedade e quem deveria ser educado? Essas perguntas fizeram com que diferentes pensadores se debruçassem sobre o papel da Educação e Durkheim foi um deles. Em seus estudos, Durkheim observou que o próprio termo educação já se apresentava como um elemento múltiplo, que variava ao longo do tempo e nas diferentes sociedades. Sendo assim, seria melhor falar em educação no plural. Além disso, o autor francês também destacou que cada tipo de sociedade elabora uma educação voltada para formar sujeitos que atendam as necessidades de cada grupo. Depois dessas afirmações, pense um pouco: A educação e a escola podem ser consideradas elementos de dominação e de perpetuação da desigualdade numa sociedade? 23 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 02 a Foi no século XIX, que Durkheim viu a educação assumir o papel de elemento de difusão da razão e da ciência. A escola se torna espaço de “escolarização do conhecimento científico”. Nesse sentido, estabelecer conteúdos específicos, currículos, tempo determinado de ensino, sequência pedagógica, sistema avaliativo, notas, aprovações, certificados e níveis de escolarização foram aspectos fundamentais para a legitimação da Educação Formal. Sendo assim, a Sociologia da Educação ganhava um caráter prático de atuação e análise das instituições escolares. Dentro de sua análise sociológica sobre a educação, Durkheim identifica a educação como elemento de solidariedade social ou de coesão social. Devemos destacar que a educação se torna um meio de socialização. Retomando a ideia de fatos sociais (conjunto de normas, crenças, valores e ideias compartilhados) podemos enxergar a escola como instrumento de coerção. Instituições como família, igreja, estado e escola são instrumentos de normatização e que internalizam os modos de vida de uma sociedade. Continuando dentro de sua abordagem, Durkheim apresenta uma diferença no papel da educação para as sociedades com baixo nível de divisão de trabalho e nas sociedades com alto nível de divisão de trabalho. Nas sociedades com uma solidariedade mecânica, a socialização se faz através de rituais de iniciação, pelo cotidiano de trabalho e, em especial, com o convívio entre os anciões (mediadores da educação nessas sociedades). Já nas sociedades com atuação da solidariedade orgânica, temos uma educação para qualificação de indivíduos, sendo a escola a instituição educadora por excelência. Na sua análise de uma sociedade em constante mudança, Durkheim enxerga a necessidade de criar padrões de solidariedade social. É através da elaboração de suas teorias sociológicas voltadas para a educação que o estudioso francês faz uma análise sobre os elementos comuns do sistema educacional em todas as sociedades e identifica um duplo caráter: “singular e múltiplo9. 9 DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Tradução de Stephania Matousek.2.ed. Petrópolis: Vozes, 2011. P.50. 24 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 02 Em seu caráter uno, ou universal, temos a preocupação da sociedade em transmitir uma base comum a toda a sociedade, algo que deve ser compartilhado por todos os membros da sociedade (aspectos ligados à solidariedade mecânica). Língua, símbolos e rituais são exemplos mais simples de observação geral, mas se voltarmos para a nosso próprio sistema de ensino podemos identificar esses elementos no que concerne a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 26, parágrafo 1º, que determina um currículo de núcleo comum com a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa, de matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil10. Já em seu aspecto múltiplo, Durkheim destaca elementos responsáveis pela diversificação da sociedade (ligada a solidariedade orgânica). Sendo assim, cabe à escola o papel de promover uma educação que atenda a diversificação cultural existente em a cada sociedade. Na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional Brasileira (LDB) podemos identificar esse caráter no que se propõe a parte diversificada do currículo, voltada para conteúdos de áreas específicas do conhecimento, como por exemplo, as línguas estrangeiras modernas e música11. Dessa forma, podemos compreender que a Educação exerce um papel de homogeneização e de diferenciação em cada sociedade. Contudo, após entendermos a função da educação e seu caráter, podemos nos questionar o que era educação para Émile Durkheim? Dessa forma, recorremos às palavras do próprio autor para que possamos entender sua perspectiva: 10. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 . Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: < http://www.plana lto.gov.br/ccivil_0 3/LEIS/L9394.htm >. Acesso em: 30 mar. 2014. 11.BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 . Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: < http://www.plana lto.gov.br/ccivil_0 3/LEIS/L9394.htm >. Acesso em: 30 mar. 2014. A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados 25 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 02 a físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine12. A partir dessa observação, podemos entender especificamente o pensamento de Durkheim e de sua Sociologia da Educação. Para o sociólogo, a educação é um processo consciente e sistematizado, pois são as gerações adultas que selecionam e transmitem o conhecimento definido como legítimos para as crianças. A educação é um sistema de socialização e que assim impõem os fatos sociais aos indivíduos, pois devem suscitar e desenvolver nas crianças estados físicos, intelectuais e morais. 12.DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Tradução de Stephania Matousek.2.ed. Petrópolis: Vozes, 2011. P.53-54. Nesse sentido temos também que destacar que em sociedades com alta divisão de trabalho, o adulto a estabelecer essa pratica educativa é um especialista, o professor, o mestre. Já nas sociedades com baixa divisão de trabalho, essa tarefa está difusa entre todos os membros da sociedade, cabendo, em alguns momentos, especificamente aos anciões. Apesar de uma posição verticalizadora e conservadora de sua definição de educação, onde a criança se apresenta como um ser passível e que não possui um conhecimento a ser compartilhado com o adulto, podemos enxergar na perspectiva de Durkheim uma análise ampla de educação. Diferente de conceitos como instrução, ensino e formação, a idéia de educação de Durkheim nos permite refletir sobre a ação do educador. Diferente de educação, Instrução e ensino são aspectos que toda pessoa é capaz de realizar e ensinar, pois se destina à capacidade de decodificação, como por exemplo, a montagem de um aparelho com base na leitura de um manual. Já a formação se apresenta como algo bastante amplo e que acompanha o indivíduo ao longo da sua vida. Nesse sentido, formação é um processo contínuo e que ultrapassa o simples contato entre gerações adultas e crianças, como estabelece Durkheim. 26 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 02 Educação está muito mais relacionada à capacidade norteadora que o adulto exerce sobre a criança. Nesse aspecto, o professor, o padre, o pai e as autoridades devem se apresentar com referências e estabelecer coordenadas para a gerações mais jovens. Sendo assim, a escola não apenas transmite conteúdos ou forma alunos, mas orientam os jovens para a vida em sociedade, incutindo neles as normas, crenças e valores da sociedade. Nesse sentido, a escola é vista por Durkheim como uma instituição de fortalecimento da coesão social. Para Durkheim a escola é essencialmente boa, fazendo com que os indivíduos se sujeitem à ação normativa, pois “o novo ser que a ação coletiva edifica em cada um de nós através da educação representa o que há de melhor em nós, ou seja, o que há de propriamente humano em nós13. Contudo, não podemos ser seduzidos pelo pensamento de Durkheim, pois a funcionalidade da educação na sociologia educacional durkheimiana não enxerga a educação como uma instituição atrelada às desigualdades sociais e à diversidade cultural e de desejos em uma sociedade. 13.DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Tradução de Stephania Matousek.2.ed. Petrópolis: Vozes, 2011. P.58. A Escola é uma instituição integrada à sociedade em que esta inserida. Diferentes projetos de escola atendem a diferentes projetos sociais. Escolas religiosas, sindicais, comunitárias, rurais, técnicas, liberais, marxistas e anarquistas atendem os interesses e desejos de poder conflituosos e contraditórios de diferentes grupos sociais não estando indiferentes às relações sociais em que estão inseridas. Nessa perspectiva partiremos para a abordagem liberal de John Dewey e a teoria do capital humano para a ampliação da nossa compreensão sobre as diferentes formas de enxergar o papel da educação em nossa sociedade ao longo de sua história. 27 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 02 a 2.2 John Dewey e o Experimentalismo Figura 05- Fotografia de John Dewey Fonte:http://osmaioresdahumanidade.blogspot.com.br/2013/04/os-mestres-doensino-john-dewey.html Durante o final do século XIX e início do século XX um dos sistemas educacionais mais frequentemente aplicado nos Estados Unidos eram voltados pra técnicas de memorização e transferência do conhecimento vindo do professor. Esse modelo de ensino pode ser classificado como “Ensino Tradicional”, ainda muito praticado em nossas escolas. Nesse modelo de ensino, temos uma prática disciplinar e educacional autoritária, destacando a aula expositiva, a lição magistral, onde o professor é o único detentor do conhecimento, sendo um informador e transmissor de um saber já elaborado. O aluno é visto como um ser passivo, voltado a receber um conhecimento selecionado e estruturado. Nesse sentido, a função dos estudantes na escola tradicional se restringe em fixar, repetir e reproduzir ao saber vindo do professor. Dessa forma, os conhecimentos que são assimilados pelo estudante não possuíam nenhuma finalidade ou utilidade. Foi nesse cenário educacional que o norte-americano John Dewey (18591852) verificou que este tipo de ensino era insatisfatório para o mundo capitalista do início do século XX, marcado pelo aperfeiçoamento técnico – cientifico ocasionado pela Segunda Revolução Industrial (1850-1870) que proporcionou o avanço da indústria química, elétrica, de petróleo, uso do aço, navios movidos a vapor, o desenvolvimento do avião, a produção em massa 28 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 02 de bens de consumo, o enlatamento de comidas, refrigeração mecânica e outras técnicas de preservação e a invenção do telefone eletromagnético. Dewey tem como base de pensamento o Pragmatismo14, que apesar de ter de William James e de Charles Sanders Peirce o sentido originário do pensamento pragmático, o pensador norte americano preferiu chamar sua filosofia de Instrumentalismo ou Experimentalismo, pois acreditava que o indivíduo deveria usa suas experiências cotidianas para direcionar sua ação. Contudo, devemos perceber que o experimentalismo de Dewey se restringe ao empirismo inglês, que tem a experiência como compreensão do mundo. Dewey leva em consideração a experiência como ação do pensamento, ou melhor, como o método que motivado pelo pensamento direciona-se a resolução dos problemas que são apresentados aos indivíduos. Apesar de ter pensado a Educação num contexto norte-americano, as ideias de Dewey são importantes pois revelam uma preocupação com o caráter prático e utilitário da escola e da educação na vida cotidiana dos estudantes. Para Dewey, tanto a Escola como a Educação devem possibilitar que o estudante parta da sua experiência de vida, de sua construção social de mundo para construir assim o conhecimento. Para Dewey, a criança não era uma tábua rasa e trazia consigo experiências de vida que deveriam ser usadas e compartilhadas, sendo essas experiências e conhecimentos a matéria-prima que deve ser trabalhada com a orientação do educador. Nesse sentido, Dewey não opõe pensamento e ação, mas cria uma unidade entre eles. Os conteúdos devem ser trabalhados em situações problemas, para que os alunos possam reincorporar os temas de estudo na experiência. Dessa forma, cria a idéia de aprender fazendo ou o learn by doing. O papel do professor não seria o de transmitir conhecimentos acumulados ao longo das gerações, proporcionando uma fixação e de reprodução do 14.Pragmatismo (ingl. pragmatism) Concepção filosófica, mantida em diferentes versões por, dentre outros, Charles Sanders Peirce, William James e John Dewey, defendendo o empirismo no campo da teoria do conhecimento e o utilitarismo no campo da moral. O pragmatismo valoriza a prática mais do que a teoria e considera que devemos dar mais importância às consequências e efeitos da ação do que a seus princípios e pressupostos. A teoria pragmática da verdade mantém que o critério de verdade deve ser encontrado nos efeitos e consequências de uma ideia, em sua eficácia, em seu sucesso. A validade de uma idéia está na concretização dos resultados a que se propõe obter.( Ver Hilton Japiassú. Danilo Marcondes. DICION ÁRIO BÁSICO DE. FILOSOF IA. terceira edição revista e ampliada. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 2001 29 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 02 a conhecimento, mas o de orientar o estudante num processo de construção do conhecimento de forma coorporativa e democrática. Dessa forma, o professor é um indivíduo capacitado e conhecedor de sua disciplina, numa tarefa de reconstrução da sociedade e não de manutenção. 1 É dentro desse pensamento que o autor norte americano enxerga a escola com um instrumento de construção de uma sociedade democrática, pois identifica na colaboração mútua dos indivíduos em sociedade, com suas diferentes qualidades, a possibilidade de criação do bem-estar social e do sentimento de pertencimento. A escola deve desenvolver o espírito social e democrático na medida em que proporciona uma organização em comunidade ou em cooperativas. Dewey cria, assim, a Escola Nova ou Progressista, onde o destaque da aprendizagem dos alunos está na relação que estes devem ter um com os outros e onde o ensino é ativo e se estimula a criatividade do aluno e do professor. Para por em prática suas ideias, Dewey teve a oportunidade, em 1886, de participar da formação da Escola Experimental de Chicago, que ficou conhecida como Escola de Dewey. Inicialmente composta por 16 alunos e 2 professores. Já em 1903 a escola Experimental já possuía 140 alunos, 26 professores e 11 assistentes. Na sua maioria, os alunos eram os filhos de profissionais liberais e filhos de colegas do próprio Dewey. Na Escola Experimental os programas de estudo se balizavam em atividades que relacionassem a teoria dos conteúdos com a experiência pratica, vivida dos estudantes. Esse programa foi denominado pelo próprio Dewey de “ocupação”, ou seja, “um modo de atividade por parte da criança que reproduz um tipo de trabalho realizado na vida social ou é paralelo a ela”15. 15 DEWEY, 1899,p.92 apud Westebrook, 2010,p.23. Os alunos, divididos em onze grupos de idades diferentes, desenvolviam diversos projetos com base em profissões modernas e contemporâneas. As 30 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 02 crianças, de acordo com suas idades, realizavam atividades que conheciam por meio da vivência de suas próprias casas ou localidade. Construção de granjas, réplicas de cavernas, caravelas, o uso de matérias de marcenaria e formação de clubes de debates eram instrumentos na construção de um conhecimento ativo, na prática. Língua, matemática, história e geografia, por exemplo, eram aprendidos em atividade de construção de maquetes, serviços de cozinha ou em debates. Dessa forma, dava-se um sentido para aquele conhecimento, por exemplo ¼ da terra usada, leitura da história da navegações para a construção de uma maquete ou mesmo em debates entre os alunos mais velhos. Através de problemas apresentados aos alunos articulava-se o conteúdo. Contudo, depois de sua saída da Escola Experimental após uma disputa política interna, Dewey viu que a escola é uma instituição vinculada à sociedade e assim reproduz seus conflitos, suas desigualdades e problemas. Dessa forma, a educação acaba refletindo e reproduzindo os defeitos da sociedade. Somente através da ação de forças sociais desejosas em transformar a sociedade é que teremos uma escola Democrática, pois a escola não pode ser desvinculada da estrutura social, mas pode sim ser uma ferramenta no auxilio da transformação da própria sociedade. No Brasil, vemos uma forte influência do pensamento de Dewey na figura de Anísio Teixeira (1900-1971), um dos principais divulgadores do pensamento de Dewey no Brasil. A divulgação do Manifesto dos Pioneiros, em 1932, a fundação, em 1934, da Universidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em 1935, são alguns elementos gerados pela mudança política no Brasil provocada pela revolução de 1930 e a projeção de um grupo social que, após a queda de uma Republica das Oligarquias, deseja uma sociedade diferente e onde a educação era um agente de mudanças. Dessa forma, desejava-se uma educação pública, gratuita, laica, para todos e como um dever do Estado. 31 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 02 a Figura 06- Fotografia de Anísio Teixeira Fonte: http://jornalpequeno.com.br/edicao/2011/01/16/anisio-teixeira-oinventor-da-escola-publica-no-brasil/ Partindo desse desejo de mudança e desenvolvimento, que muitas vezes são atrelados exclusivamente à educação, é que teremos a construção da Teoria do Capital Humano, que será debatida nas próximas páginas. 2.3 A Teoria do Capital Humano Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi adotada entre as nações europeias uma política de Estado que visava a proteção social de todos o cidadãos, onde se patrocinava ou regulamentava os sistemas nacionais de Saúde, Assistência Social, Habitação, Previdência e Educação. Essa ação de planejamento e intervenção do Estado na economia era adotada pelos EUA após o crack da Bolsa de Nova Iorque (1929), pela a economia Planificada da URSS e foi uma alternativa pensada pelo economista John Maynard Keynes para a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial. Essa política ficou conhecida como Estado de Bem-Estar Social (welfare state). Com base nessa nova política estatal, os governos cada vez mais se preocupam em realizar diversos investimentos públicos na garantia do Pleno Emprego. A garantia do pleno emprego possibilitaria que todos tivessem renda e assim consumissem, criando um ciclo virtuoso de produção e consumo que garantiria o funcionamento do capitalismo. 32 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 02 Figura 07- Fotografia de John Maynard Keynes( 1889-1946) Fonte: http://www.alunosonline.com.br/historia/a-teoria keynesiana.htm l John Maynard Keynes, nascido na Inglaterra em 1883, e morreu em Firle, East Sussex, em 1946. Foi um dos mais importantes economistas do século XX e é considerado como o pai da macroeconomia. As suas ideias revolucionárias levaram à adoção de políticas intervencionistas do Estado a fim de criar estímulos ao desenvolvimento econômico. Keynes propôs intervenções estatais na economia com o objetivo de estimular o crescimento e baixar o desemprego através do aumento dos gastos públicos e/ou redução da carga fiscal. Dentro desse contexto temos a elaboração de um conjunto de ideias e abordagens que vinculam o desenvolvimento econômico de uma nação com a educação de seu povo. Surge assim a Teoria do Capital Humano, elaborada por diferentes economistas onde se destaca a figura de Theodore Schultz (1902-1998) que ganhou o prêmio Nobel de economia de 1979 com a defesa da Teoria do Capital humano. Figura 08- Fotografia de Theodore Schultz Fonte: http://www.ecured.cu/index.php/Theodore_William_Schultz 33 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 02 a Na Teoria do Capital Humano temos a elaboração de avaliações de nível Macroeconômico e Microeconômico que identificam a educação como elemento de desenvolvimento econômico e de distribuição de renda. Nesse sentido, temos uma relação intrínseca ente educação e desenvolvimento ou educação e renda pessoal. Nesse sentido, o investimento em capital humano, tendo a educação como principal recurso, seria uma política do Estado na garantia do desenvolvimento econômico nacional e uma maneira de atingir o pleno emprego. O investimento governamental na escolarização de sua população seria uma ação governamental que proporcionaria o desenvolvimento econômico da nação. Na perspectiva macroeconômica, o investimento em educação era um elemento determinante para a superação do atraso econômico de uma nação, de distribuição de renda e de harmonização da desigualdade social. Nesse sentindo, a superação do atraso econômico e da desigualdade social nos países subdesenvolvidos poderia ser solucionada através do investimento na educação de seu povo. Numa perspectiva microeconômica, a Teoria do Capital Humano identifica na educação ou treinamento do indivíduo as origens das diferenças de renda, de produtividade, de desigualdade. Além disso, seria através do investimento particular em educação ou treinamento que decorreria a mobilidade social. Se prestarmos atenção, a ideia da relação entre educação, desenvolvimento e renda ainda é bastante defendida em nossa sociedade. A UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) estabelece uma série de medidas educacionais a serem seguidas, através de políticas, programas e projetos, na perspectiva de avanço na educação de diferentes nações e povos. 34 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 02 Nestas recomendações é possível identificar a Teoria do Capital Humano que vincula a educação ao desenvolvimento econômico, pois a UNESCO afirma que os índices de uma renda mais alta estão associados ao um maior nível educacional. Nesse sentido, a educação é vista como um elemento que reduz a pobreza, fomenta o emprego e o crescimento, pois: A educação não apenas facilita que os indivíduos escapem da pobreza, mas também gera produtividade, que acelera o crescimento econômico. Um aumento de um ano na média educacional alcançada pela população de um país aumenta o crescimento anual do seu PIB per capita de 2% para 2,5%16. Contudo, podemos lançar críticas a essa visão mecânica da ação integradora da educação na sociedade capitalista. A ideia que através do investimento em educação seria a solução para o fim das desigualdades mascara as desigualdades geradas pelo modelo capitalista, pois tira o indivíduo do contexto socioeconômico no qual está inserido. Variáveis como: família, ambiente, nutrição, escola, professores, equipamentos, currículos, tempo e capital financeiro, cultural e social, por exemplo, não são levados em conta nessa avaliação. Qualquer fracasso ou sucesso é apresentado como resultado de decisões individuais, inaptidão ou inadequação do indivíduo. O próprio conflito de classe é visto como irrelevante. Será que uma criança rica e uma criança pobre têm as mesmas oportunidades de acesso ao conhecimento? Suas relações familiares, sociais, econômicas, culturais, suas moradias, alimentação e suas relações com o mundo não interferem na sua formação? 16.UNESCO. RELATÓRIO DE MONITORAMENT O GLOBAL DE EPT 2013/4. Disponível em < http://unesdoc.u nesco.org/images /0022/002256/22 5654POR.pdf >. Acesso em: 18 abril. 2014. Em muitos aspectos a Teoria do Capital Humana legitima e mantem um modelo burguês capitalista de produção. Indivíduos mais aptos intelectualmente estariam destinados aos cargos melhores, à educação superior e atividades que exijam de suas capacidades intelectuais. Pessoas menos aptas estariam destinadas aos trabalhos braçais, profissionalizantes e devem atender as exigências do mercado de trabalho. A escola assim tem um caráter funcionalista e de manutenção da ordem vigente. 35 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 02 a No final da década de 1970 e início dos anos de 1980, temos a crise do modelo de Estado de Bem-Estar social e implementação do Neoliberalismo. O papel da garantia da empregabilidade recai sobre o indivíduo. Não há mais espaço para todos no mercado e o desenvolvimento econômico de um país não elimina as desigualdades sociais. Dessa forma, o indivíduo é um consumidor de todo um conhecimento que o capacita ao mercado de trabalho e a renda está relacionada a sua inserção no mercado de trabalho, sendo de responsabilidade do indivíduo as opções que melhor o capacite a competir no mercado de trabalho. Nesse sentido, o conceito de empregabilidade leva em consideração não apenas o acúmulo de conhecimento do indivíduo, mas se relaciona a assimilação privada de capital cultural, social, além de relacionar-se com fatores como cor, origem, sexo ... O aumento do nível de escolarização nem sempre significa uma diminuição da desigualdade social. Pablo Gentili, em seu texto “Três Tese sobre a Relação trabalho e educação em tempos Neoliberais” afirma, através da análise de dados de agências como a Inter-American Dialogue e do Programa de Promoción de La reforma Educativa em América Latina y El Caribe (PREAL) , que a educação está aumentando e mantendo a disparidade na distribuição de renda, ao invés de reduzi-la17. 17.GENTILI, Pablo. Três teses sobre a relação trabalho e educação em tempos neoliberais. In: LOMBARDI, José Claudinei. SAVIANI, Dermeval. SANFELICE, José Luis.Capitalismo, trabalho e educação. P.59. Com base no “O Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013 e o no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal”, o IDHM, que através dos dados do Censo Demográfico do IBGE e com parceria entre o Ipea (O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o PNUD ( O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e Fundação João Pinheiro (FJP), disponível a todo brasileiro na internet verificamos que no Recife, por exemplo, o nível de crianças e jovens, entre 6 anos e 24 anos que frequentam ou que terminaram a educação básica aumentou significativamente nos anos 1991, 2000 e 2010. Também se verifica um aumento na renda per capita média e uma diminuição da extrema pobreza. Contudo, os dados também revelam que, de acordo com 36 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 02 Gini (instrumento usado para medir o grau de concentração de renda, que numericamente, varia de 0 a 1, sendo que 0 representa a situação de total igualdade, e valor 1 significa completa desigualdade de renda), houve um pequeno aumento da desigualdade social, de 0,67 em 1991 para 0,68 em 2010, e não uma redução, como defende a Teoria do Capital Humano18. Dessa forma, podemos questionar se o modelo de escola e educação que é adotado nas sociedades capitalistas é realmente um elemento de transformação ou mudança social ou se é um instrumento de manutenção de estruturas de poder e do modo de produção vigente. Será que existem outras propostas de educação? Essas perguntas serão posta em análise no nosso próximo capítulo. 18.Atlas de Desenvolvimento Humanono Brasil 2013. Disponível em < http://www.atlas brasil.org.br/2013 /pt/perfil/recife_ pe#renda >. Acesso em: 18 abril. 2014. 37 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 03 a 3. COMPETÊNCIA 03 | EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA CRÍTICA – EDUCAÇÃO COMO REPRODUTORA DE CLASSES OU COMO ESPAÇO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL? Após a leitura dos dois capítulos deste caderno, podemos perceber que a escola tem um papel muito relacionado à manutenção da ordem estabelecida ou de instrumento gerador de mão de obra especializada e adaptada às transformações ocorridas dentro do modo de produção capitalista. Formas de entender o papel da escola e as maneiras de como ensinar melhor os jovens das sociedades liberais capitalistas ocidentais foram sistematicamente apresentadas ao longo do nosso estudo. Contudo, podemos nos perguntar se a escola e a educação podem ser vistas como um agente transformado da sociedade ou se apenas reproduz estruturas de poder e organização social. Isso nos faz questionar sobre a nossa própria maneira de entender o papel da escola e da educação em nossa sociedade. Nesse momento apresentaremos pensadores que se propuseram a questionar o modelo de educação Liberal Capitalista existente na sociedade ocidental, apontando seus mecanismos de manutenção da estrutura de poder vigente. Suas ideias nos permitem questionar a nossa visão sobre o papel que a escola e a educação desempenham hoje na nossa sociedade e nos leva a refletir sobre o tipo de escola e de pessoas que desejamos que atuem em nossa sociedade. 3.1 Ideologia, Hegemonia e Escola numa Perspectiva Crítica Como qualquer outro ambiente social, a escola não pode e não deve ser vista como um espaço neutro, isolado dos conflitos, das disputas, dos defeitos e das qualidades que envolvem nossa sociedade. A escola dever ser vista com um espaço de luta e de construção de alternativas. Talvez partindo desse enfretamento com a realidade é que devemos compreender que nosso mundo é marcado por diferentes ideologias, 38 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 03 entendidas aqui como um conjunto de ideias ou mesmo de crenças mais ou menos coerentes que possibilitam a cada um de nós se entender e se posicionar no mundo. Como nenhuma sociedade é desprovida de crenças e valores, a ideologia pode sim ser entendida como parte integrante desses valores. Podemos entender também que diferentes grupos sociais possuem ideologias diferentes que podem, em diferentes momentos, confluírem-se ou mesmo se antagonizarem. Sendo assim, dependendo das relações sociais determinadas pelas condições materiais em diferentes momentos históricos temos idéias, crenças e valores que representam a ideologia de um determinado grupo social, econômico e político. Foi partindo de uma perspectiva crítica da sociedade capitalista contemporânea que o pensador francês Louis Althusser (1918-1990), elaborou, com base numa abordagem marxista, uma análise sobre a relação entre ideologia e escola. Figura 09- Fotografia de Louis Althusser Fonte:http://sociologiadaeducacaoparapedagogos.blogspot.com.br/2011/08/que m-foi-louis-althusser.html. Preocupado em demonstrar como o Estado burguês capitalista monta suas estruturas de poder e de manutenção do poder de uma classe social (a burguesa) sobre outra classe (a operária), Althusser identifica duas forças de manutenção do poder do Estado burguês. Uma seria através do Aparelho de Estado ( Governo, Administração, Exército, Polícia, Tribunais, prisões) que 39 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 03 a usam predominantemente a repressão. O outro aparelho de manutenção do poder do Estado burguês seria o Aparelho Ideológico de Estado, que, em sua pluralidade, funciona predominantemente através da ideologia. É através do Aparelho Ideológico de Estado que a classe dominante estabelece sua ideologia e assegura a reprodução das relações de exploração, impedindo qualquer alteração no modelo capitalista de produção e a coesão social. Sendo assim, o uso da violência pelos Aparelhos de Repressão do Estado seria apenas em momentos críticos e em ultima instância. Mas, quais seriam esses Aparelhos Ideológicos de Estado? Em sua obra Ideologia e Aparelhos ideológicos de Estado, Althusser nos apresenta esses aparelhos da seguinte forma: Designamos por Aparelhos Ideológicos de Estado certo numero de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas...(a ordem pela qual as enunciamos não tem qualquer significado particular): O AIE religioso (o sistema das diferentes Igrejas), O AIE escolar (o sistema das diferentes escolas públicas e particulares), O AIE familiar, O AIE jurídico, O AIE político (o sistema político de que fazem parte os diferentes partidos), O AIE sindical, O AIE da informação (imprensa, rádio-televisão, etc.)19 19.ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos ideológicos de estado. Lisboa: Presença 1970, p.43-44. Como podemos observar, o pensador francês nos apresenta uma série de Aparelhos Ideológicos que funcionam na manutenção da ordem capitalista. Todos esses mecanismos incutem na mente dos indivíduos ideias, crenças e valores que devem ser seguidos sob pena de sofrerem sanções sociais. Sendo assim, a burguesia mascara o verdadeiro motivo da exploração da classe trabalhadora e a induz a acreditar que todo fracasso, exploração e opressão são elementos normais, ações motivadas pela falta de vontade ou 40 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 03 incapacidade do trabalhador, provações que devem se aceitas com resignações ou parte de uma tradição que não deve ser questionada. Mas qual é o instrumento mais eficaz de dominação ideológica para, Althusser? Usaremos das próprias palavras do pensador francês que afirma abertamente: julgamos autorizados a avançar a Tese seguinte com todos os riscos que isso comporta: pensamos que o Aparelho Ideológico de Estado que foi colocado em posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta das classes política e ideológica contra o antigo Aparelho Ideológico de Estado dominante, é o Aparelho Ideológico Escolar20. 20.ALTHUSSER, Louis.Ideologia e Aparelhos ideológicos de estado. Lisboa: Presença 1970, p. 60. Pode assim identificar a escola como o principal instrumento de dominação ideológica, apontado por Althusser. Diferente da Igreja, família, livros, televisão e cinema, a escola é um espaço sistemático e de maior tempo nesse processo. Para Althusser, assim como os outros aparelhos ideológicos, a Escola é um espaço de reprodução das relações de produção, relações estas baseadas na exploração. Tendo o sistema educacional francês, o autor afirma que é no aparelho escolar que se encontra as condições que nenhum outro oferece, pois: (...) a Escola toma a seu cargo todas as crianças de todas as classes sociais(...),inculca-lhes durante anos, os anos em que a criança está mais ‘vulnerável’, entalada entre o aparelho de Estado familiar e o aparelho de Estado Escola, ‘saberes práticos’ envolvidos na ideologia dominante (o francês, o cálculo, a história, as ciências, a literatura), ou simplesmente, a ideologia dominante no estado puro (moral, instrução cívica, filosofia). Algures, por volta dos dezesseis anos, uma enorme massa de crianças cai ‘na produção’: são os operários ou os pequenos camponeses. A outra parte da juventude 41 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 03 a escolarizável continua: e seja como for faz um troço do caminho para cair sem chegar ao fim e preencher os postos dos quadros médicos e pequenos, empregados, pequenos e médios funcionários, pequeno-burgueses de toda a espécie. Uma última parte consegue acender aos cumes, quer para cair no semi-desemprego intelectual, quer para fornecer, além dos ‘intelectuais do trabalhador coletivo’, os agentes da exploração, (capitalistas, managers), os agentes da repressão (militares, polícias, políticos, administradores) e os profissionais da ideologia (padres de toda a espécie, a maioria dos quais são ‘laicos’ convencidos)21. É dentro dessa perspectiva crítica que Althusser vê o papel da escola e da educação no mundo capitalista. Instrumento de reprodução das desigualdades e de manutenção e controle da ordem. Nesse sentido, caberia à escola fornecer a matéria prima para o trabalho braçal e a as mentes para o controle social. A escola e a educação são vistas como simples espaços de condicionamento e controle (em certa maneira semelhante à visão funcionalista de Durkheim). 1 21.ALTHUSSER, Louis.Ideologia e Aparelhos ideológicos de estado. Lisboa: Presença 1970, p. 64-65. Contudo, Althusser em sua abordagem, apesar de baseada no modo de produção, não levanta alguns aspectos ligados às diferenças socioeconômicas no sucesso ou fracasso escolar. Parte do mecanismo da luta de classe, a escola e a educação se apresentam de forma negativa para a classe dominada (proletariado). Para o pensador francês a força da ideologia da classe dominante era completa sobre a classe dominada, não havendo uma possibilidade de reação. Essa abordagem não foi a única dentro das correntes de pensamento que questionam e criticam o papel da escola na sociedade capitalista. Outros pensadores enxergaram outros tipos de escolas e educação como forma de transformação da sociedade e de resistência dentro do processo histórico da luta de classes. Veremos um desses pensadores e abordaremos suas idéias e conceitos. 42 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 03 3.2 Antonio Gramsci e a Escola como Espaço de Luta e Mudanças Como estamos estudando, a perspectiva crítica da escola burguesa foi um dos temas abordados por pensadores de esquerda durante o século XX. Identificada como aparelho de manutenção da ordem capitalista burguesa, a escola carrega, para alguns pensadores de esquerda, uma função específica na montagem do Estado Contemporâneo. Dentro desse contexto, destacamos o pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937) como uma das referências do pensamento de esquerda no século XX. Membro fundador do Partido Comunista Italiano (PCI), em 1922, Gramsci se destaca na elaboração de um pensamento critico do mundo capitalista em que vivia. Preso em 1926 após a ascensão do Partido Nacional Fascista na Itália, liderado por Benito Mussolini, Gramsci continuou pensando e assim escreveu sua principal obra, Cadernos do Cáceres (Quaderni Del Carcere), uma obra com um total de 2.848 páginas de anotações manuscritas e, que dentre outros temas, aborda a função da educação. Figura 10- Fotografia de Antonio Gramsci Fonte:http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/antonio-gramsci307895.shtml Voltado para análise da sociedade italiana do período entre guerras (19181934), Gramsci elabora uma série de críticas e reflexões do sistema de ensino italiano e o papel dos intelectuais que deveriam ser formados na sociedade moderna industrial italiana. Essas observações e preceitos teóricos de Gramsci foram difundidos após o fim da Segunda Guerra Mundial (1934-1945) 43 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 03 a e influenciaram fortemente muitos pensadores da educação no Brasil, em especial na década de 1980. Ao observar a sociedade e o mundo capitalista burguês, Gramsci enxerga o Estado dentro de um bloco histórico construído pela burguesia. Sendo assim, O Estado burguês elabora toda uma aparelhagem de força coercitiva e de consenso para a manutenção de uma Hegemonia Dominante, que atua na manutenção da ordem e da dominação de uma classe social sobre outra em suas diferentes esferas: política, cultural, social e intelectual, por exemplo. Nesse sentido, podemos observar que para Gramsci, a hegemonia de um bloco histórico (o burguês) não se faz apenas por aspectos da infraestrutura (meios matérias de produção), mas a manutenção da hegemonia dominante também é sentida em seus aspectos superestruturais como as esferas políticas, jurídicas e religiosas. É nessa análise que Gramsci identifica a estrutura do Estado dividida em dois aspectos ou conjuntos de atuação: a sociedade política (espaço por onde age o poder repressivo dos dirigentes) e a sociedade civil, formada por instituições como Igrejas, sindicatos, partidos e a escola, onde atua a difusão da ideologia dominante para a classe governada. Montada essa estrutura de pensamento, o autor italiano identifica a escola como um espaço que proporciona a manutenção da hegemonia dominante como também um espaço de luta e de formação de uma contra-hegemonia. É nesse espaço que o proletariado deve conquistar e elaborar outra ideologia. Dessa forma, a escola deve passar de um espaço de interpretação inconsciente, mecânica e fragmentado da realidade que leva ao senso comum, para um local de construção de um conhecimento elaborado, consciente e orgânico, ou seja, filosófica e criadora de uma nova cultura, a do proletariado. 44 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar Competência 03 A construção de uma nova ideologia deve levar a uma “filosofia da práxis”, um aparelho ideológico que leve a expansão da consciência das massas sobre os aspectos infraestruturais e superestruturais, fazendo com que as massas populares estejam melhor capacitadas para controlar suas vidas e dirigir a sociedade ou mesmo controlar seu dirigentes. Como a escola reflete a luta história de classes, ela se torna o local de onde surge o Intelectual orgânico, ser que surge de um ou mais grupos sociais existentes na sociedade. Usando as próprias palavras de Gramsci que afirma: Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político: o empresário capitalista cria, consigo, o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma 22 nova cultura, de um novo direito, etc., etc. Este tipo de intelectual que surge dentro de sua classe social se opõem ao “Intelectual Tradicional”, uma categoria de intelectuais que já existem e que são “representantes de uma continuidade histórica que não foi interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas23 e que por sentirem com “espírito de grupo” a sua ininterrupta continuidade histórica e sua “qualificação”, eles se põem a si mesmos como autônomos e independentes do grupo social dominante24. É partindo desses conceitos que Gramsci identifica a escola não apenas como um espaço de manutenção da hegemonia dominante e de formação do intelectual orgânico do bloco histórico burguês, mas a escola é também um espaço de luta onde a classe operária explorada formar seu intelectual orgânico e alterar a hegemonia dominante e constrói um conhecimento que articula ação política e educação que, juntamente com a luta por mudanças no modo produção, levam o sujeito a emancipação e autonomia. Educação e 22.GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, volume 2 / edição e tradução, Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. - 2a ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.GRAMSCI, A. Cartas do cárcere. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1978, p. 15 23.GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, p. 16 24.GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, p. 17. 45 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação Competência 03 a trabalho, educação e ação política, educação e liberdade são relações centrais na ideia gramsciana de educação. 46 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo dessa caminhada podemos estudar e avaliar os diferentes projetos, propostas e práticas pedagógicas que influenciaram ou que ainda influenciam a maneira como a escola e a educação são vistas e, principalmente, vivenciadas em nossas escolas. Como parte integrante de uma sociedade em constante transformação, a escola também mudou. Contudo, todas as propostas ou mesmo práticas pedagógicas que atuaram sobre a escola estão fortemente atreladas a um sentimento de utilidade e de esperança no processo educativo de nossos jovens. A escola pode ser vista como um instrumento de manutenção ou de transformação da ordem social dominante, mas todos os pensadores que estudamos enxergam o papel relevante e extremamente importante em nossa sociedade. Apesar das diferentes concepções de escola e de educação, em nossa sociedade o papel da escola e da educação se apresenta como uma discussão fundamental, pois nos revela, em parte, qual o projeto de futuro e de mundo que desejamos. Definir o tipo de escola e de educação que temos e que desejamos definir em parte o tipo de sociedade que temos e que sonhamos. Talvez você tenha identificado parte de sua própria visão de mundo em algumas das correntes de pensamento que foram apresentadas nessas páginas. Talvez você tenha questionado a visão de alguns pensadores ou concordado com um ou mais de um desses pensadores. Tudo isso se deve a sua própria construção do que é e do que poderia ser uma educação e uma escola que você vivencia ou que deseja. Partindo dessa pequena exposição desejamos que suas esperanças e críticas, os modelo de escola e educação que temos não adormeçam, mas que se 47 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação a despertem do sono da conformidade e o façam arregaçar as mangas da esperança. Tarefa árdua, muitas vezes não reconhecida e geralmente pouco lembrada, educar é cuidar das gerações mais novas, é construir sonhos em mentes antes desérticas de desejos e chacoalhar vidas envolvidas na inércia da desilusão. 48 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil 2013.Disponível em < http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil/recife_pe#renda > Acesso em: 18 abril. 2014. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Lisboa: Presença 1970. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 . Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 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Civilização Brasileira, 1978. 49 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação a JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3ª ed. edição revista e ampliada. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 2001 LEVINE, Donald N. Visões da tradição sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editore, 1997. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. Expressão Popular. 1a edição, 2008. MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach.(1845). Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm>. Acesso em: 23 mar. 2014. MARX, Karl, O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. Capítulo I. Disponível em: < http://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm> Acesso em: 23 mar. 2014. MONASTA, Attilio. Antonio Gramsci / tradução: Paolo Nosella. – Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. NERY,Maria Clara Ramos. Sociologia: a ciência da crise. IN: TESKE, Ottmar (coord) Sociologia: textos e contexto. 2ed. Canoas:Ed. 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Westbrook; Anísio Teixeira, José Eustáquio Romão, Verone Lane Rodrigues (org.). – Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 51 Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação a CURRÍCULO DO PROFESSOR PESQUISADOR Ezequel David do Amaral Canario possui Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2007.2) e Mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco- UFPE. Atualmente ensina no curso de História da Faculdade Joaquim Nabuco (São Lourenço da Mata-PE) e no ensino fundamental II do Colégio Americano Batista ( Recife-PE) 52 Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar