Educação, sociedade e trabalho: abordagem

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Técnico em Multimeios Didáticos
e Secretaria Escolar
Educação, Sociedade e
Trabalho: Abordagem
Sociológica da Educação
Ezequiel David do Amaral Canário
2014
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff
Governador do Estado de Pernambuco
João Soares Lyra Neto
Vice-presidente da República
Michel Temer
Secretário de Educação e Esportes de
Pernambuco
José Ricardo Wanderley Dantas de Oliveira
Ministro da Educação
José Henrique Paim Fernandes
Secretário Executivo de Educação Profissional
Paulo Fernando de Vasconcelos Dutra
Secretário de Educação Profissional e
Tecnológica
Aléssio Trindade de Barros
Gerente Geral de Educação Profissional
Luciane Alves Santos Pulça
Diretor de Integração das Redes
Marcelo Machado Feres
Coordenador de Educação a Distância
George Bento Catunda
Coordenação Geral de Fortalecimento
Carlos Artur de Carvalho Arêas
Coordenador Rede e-Tec Brasil
Cleanto César Gonçalves
Coordenação do Curso
Sheila Ramalho
Terezinha Beltrão
Coordenação de Design Instrucional
Diogo Galvão
Revisão de Língua Portuguesa
Eliane Azevêdo
Diagramação
Klébia Carvalho
Sumário
INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 3
1. COMPETÊNCIA 01 |TENDÊNCIAS TEÓRICAS NO ESTUDO DA SOCIEDADE: O
FUNCIONALISMO E O MATERIALISMO DIALÉTICO ................................................................... 8
1.1 O Funcionalismo de Durkheim e a Sociologia ........................................................ 9
1.2 O Materialismo Dialético e a História de Karl Marx ............................................. 15
2. COMPETÊNCIA 02 | AS PERSPECTIVAS DE EDUCAÇÃO PARA ÉMILE DURKHEIM, DE JOHN
DEWEY E DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO ......................................................................... 22
2.1 Émile Durkheim: O Papel Social da Educação ...................................................... 22
2.2 John Dewey e o Experimentalismo ...................................................................... 28
2.3 A Teoria do Capital Humano ................................................................................ 32
3. COMPETÊNCIA 03 | EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA CRÍTICA –EDUCAÇÃO COMO
REPRODUTORA DE CLASSES OU COMO ESPAÇO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL? ................ 38
3.1 Ideologia, Hegemonia e Escola numa Perspectiva Crítica.................................... 38
3.2 Antonio Gramsci e a Escola como Espaço de Luta e Mudanças .......................... 43
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 49
CURRÍCULO DO PROFESSOR PESQUISADOR .......................................................................... 52
INTRODUÇÃO
Caro estudante, neste momento do seu aprendizado, iremos direcionar nossa
atenção sobre conceitos como Educação, Sociedade e Trabalho. Lançaremos
uma abordagem sociológica da educação para compreender tais definições
que são tão usuais em nossas atividades cotidianas. Contudo, iremos “olhar”
esses conceitos com outro olhar, direcionado nossos estudos para uma
análise que irá além do senso comum.
Para que possamos iniciar nossos estudos precisamos estudar um pouco da
história da sociologia para entender como essa disciplina foi construída
dentro da trajetória da história ocidental da humanidade. Ao seguir essa
caminhada, lançaremos nosso olhar para as mudanças ocorridas no mundo
ocidental entre o século XV ao XIX, identificando o processo histórico que
possibilitou o nascimento da sociologia como disciplina científica.
Estudaremos as diferentes teorias e perspectivas de análise sobre a sociologia
e educação de pensadores e pesquisadores como Émile Durkheim, Karl Marx
e John Dewey. Além de lançarmos nossa atenção para o papel da educação
numa perspectiva crítica.
Dessa forma, iniciaremos nossos estudos lembrando as mudanças políticas,
sociais e econômicas que atingiam o mundo Ocidental entre os séculos XV e
XIX e que proporcionaram o surgimento da Sociologia como uma ferramenta
de explicação e de possível intervenção numa sociedade em radicais
mudanças.
Ao longo da história da humanidade, vários pensadores e estudiosos se
dedicaram em observar e explicar a organização social, política e econômica
da sociedade, na tentativa de entender suas várias crises, seus fatos, suas
instituições e as relações humanas em diferentes momentos da história da
humanidade.
3
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
a
Sendo assim, fica claro entender que a Sociologia, como “ciência da
sociedade” não surgiu como um ato de genialidade de um indivíduo ou de
forma repentina e mágica. Ela faz parte de uma estrada marcada pela
trajetória de diferentes pensadores em diferentes etapas da caminha do
conhecimento humano.
Podemos observar as mudanças na sociedade feudal do século XV como
ponto de partida para a constituição da sociedade capitalista, campo fértil de
estudo da sociologia. As interpretações de diferentes pensadores sobre as
mudanças ocorridas entre o século XV e XIX contribuíram e contribuem para a
compreensão da sociedade contemporânea.
Podemos afirmar que eventos marcantes da história Moderna, entre o século
XV e XVII, como a expansão marítima e a conquista do Novo Mundo,
associada a expansão comercia e de troca de mercadorias com a África, Ásia e
América; a Reforma Protestante e a contestação do monopólio da Igreja
Católica sobre a fé cristã; a própria formação dos Estados Nacionais na Europa
e o fortalecimento da burguesia foram importantes elementos que
desestruturam os pilares da sociedade feudal e colaboraram para a formação
de um novo homem e uma nova sociedade, agente transformado e
transformador da época Moderna da história humana..
Novas formas de conhecer a sociedade e a natureza foram apresentadas por
diferentes pensadores, onde podemos destacar as figuras de Nicolau
Maquiavel (1469-1527), Nicolau Copérnico (1473-1543), Martinho Lutero
(1483-1546), Galileu Galilei (1564-1542), Thomas Hobbes (1588-1679), Francis
Bacon (1561-1626) e René Descartes( 1596-1704) , John Locke(1632-1702) e
Isaac Newton ( 1642-1727).
As mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais entre o século XV e XVII
potencializaram os conflitos que explodem no século XVIII. A Revolução
Francesa (1789-1799), o pensamento Iluminista e a Revolução Industrial do
século XVIII trazem a contestação às estruturas do Antigo Regime, a
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Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
supremacia da Razão na explicação do mundo e a construção de novas formas
de produção. Todas essas mudanças levam a profundas transformações da
sociedade.
No século XVIII a sociedade européia passa por agitações sociais explosivas
com a tomada de poder dos Estados Nacionais pela burguesia e a terrível
agitação popular e a radicalização do processo de tomada de poder na França
com a Revolução Francesa 1789-1799.
A primeira Revolução industrial iniciada na Inglaterra do século XVIII, levou a
formação da classe operária, ao crescimento dos grandes centros urbanos, o
aumento das desigualdades entre proletariado e burguesia (classes em
esferas antagônicas no modo de produção capitalista). O Liberalismo com
suas exigências de liberdade econômica e liberdade de representação do
povo na política (com claras limitações para os trabalhadores) levaram
pensadores como Montesquieu (1689-1755), David Hume(1711-1776), JeanJacques Rousseau( 1712-1778), Adam Smith( 1723-1790) e Immanuel Kant (
1724-1804), entre outros, a refletirem sobre essa realidade explosiva e
explicá-la.
Figura 01- Tomada da Bastilha em 14 de julho 1789, marco do início da Revolução Francesa.
Ilustração de Jean Pierre Houel, século XVII, Museu Carnavalet, França.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b0/Prise_de_la_Bastille_clean.jpg
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Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
a
Figura 02- Gravura de 1833 representando uma tecelagem na Inglaterra
Fonte: http://www.economiabr.com.br/economia_ontem.htm
Mas é no século XIX, com Auguste Comte (1792-1857) e o pensamento
Positivista, que nasce a Sociologia como ciência que, à semelhança da física,
química e biologia, tenta encontrar leis universais que expliquem os
fenômenos sociais. Não é sem intencionalidade que Comte, considerado o
“pai” da Sociologia usa o termo “física social”, em 1822, para aproximar a
recém nascida Sociologia com as ciências naturais. Contudo, foi apenas em
1839 que Comte, em seu Curso de Filosofia Positiva, usa o termo Sociologia1.
1.LEVINE, Donald
N. Visões da
tradição
sociológica. Rio
de Janeiro: Jorge
Zahar Editore,
1997. P. 45
No século XIX, o sistema capitalista já estava consolidado e as sociedades pósindustriais apresentavam novas formas de produção de organização política e
social. Explicar essa sociedade e, se possível, intervir nela era alguns dos
objetivos dos sociólogos como Émile Durkheim, grande teórico da Sociologia e
considerado um dos pais da sociologia moderna, Max Weber e o pensador
Karl Marx.
Foi partido da consonância, da crítica ou mesmo da revisão desses três
pensadores que a sociologia do século XIX, XX e XXI aprimora ou amplia sua
base de conhecimento. Dessa forma, iniciaremos nossa jornada partindo das
teorias de Durkheim e Marx sobre educação, sociedade e trabalho.
Aprofundaremos nossos estudos através da análise de fundamentos e teorias
da sociologia da educação. Destacaremos as observações de Jonh Dewey e da
Teoria do Capital Humano e suas influências na educação e identificaremos os
principais aspectos da educação na perspectiva crítica, avaliando o papel da
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Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
educação como reprodutora de classes ou como elemento de transformação
social.
Sendo assim, convidamos você para caminhar nessa estrada e encontrar
novas perspectivas na sua trajetória profissional e pessoal. Ao estudarmos um
pouco sobre a relação entre sociedade e educação estaremos cada vez mais
capacitados e prontos para enfrentarmos os desafios da construção de uma
educação e uma sociedade mais inclusiva e menos desigual.
Bons Estudos!
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Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 01
a
1. COMPETÊNCIA 01 |TENDÊNCIAS TEÓRICAS NO ESTUDO DA
SOCIEDADE: O FUNCIONALISMO E O MATERIALISMO DIALÉTICO
Como já foi apresentada em nossa introdução, a sociedade européia ocidental
passou por um conjunto de transformações nas formas de produzir e se
organizar ao longo dos séculos XVI e XVIII, momento de formação da
sociedade capitalista. Ao longo desse período, vários pensadores tentaram
explicar essas mudanças e a sociedade que nascia.
Contudo foi nos séculos XIX e XX que se consolidou a sociedade capitalista
com sua expansão e mundialização do Modo de Produção Capitalista. Senda
assim, podemos afirmar que fazemos parte de sistema de produção global,
interligado e que afeta toda nossa organização social. Mesmo em regiões
rurais ou mesmo entre as populações indígenas (salvo grupos isolados do
“mundo do homem branco”) podemos afirmar que estas estão sim inseridas
no mundo capitalista e são atingidas por sua forma de organização e
produção.
Foi como filha da Revolução Francesa e da Revolução Industrial que podemos
dizer que a sociologia nasce como ciência que estuda a relação entre
indivíduo e sociedade humana. No século XIX e início do século XX, três
pensadores realizam seus estudos e publicam suas obras na tentativa de
explicar e muitas vezes intervir numa sociedade marcada por transformações
e conflitos. Karl Marx (1818-1883), Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber
(1864-1920) são pensadores fundamentais na construção do pensamento
sociológico. Suas explicações e teorias fundamentam ou servem de base para
outros estudos que convergem, divergem ou aprofundam suas explicações
sobre a sociedade capitalista.
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Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 01
Figura 03- Desenho de uma conversa entre principais pensadores da sociologia clássica,
..Max Weber, Karl Marx e Émile Durkheim.
..Fonte: ttp://geracyber.blogspot.com.br/2011/05/o-manifesto-comunista.html
Como parte dos nossos estudos sobre a relação entre educação, sociedade e
trabalho numa abordagem sociológica da educação, vamos destacar as ideias
e teorias de Émile Durkheim e de Karl Marx sobre a sociedade capitalista que
se consolidava na Europa do século XIX. De suas observações nascem o
Funcionalismo e Materialismo Dialético como formas de tentar entender e
agir sobre uma sociedade que apresentava características específicas de
organização e produção.
1.1 O Funcionalismo de Durkheim e a Sociologia
Grande teórico da sociologia e pai da sociologia da Educação, o francês Émile
Durkheim se dedica não só a elaboração de um projeto de emancipação da
sociologia das demais ciências sociais, mas a elaboração de uma teoria, uma
explicação sobre a organização e mudanças ocorridas na sociedade européia
do século XIX.
Figura 04- Fotografia de Émile Durkheim
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/24/Emile_Durk
heim.jpg
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Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 01
a
Como teórico, Durkheim se preocupou em estabelecer os métodos, os
objetivos e as aplicações da ciência Sociologia. Sendo assim, esse pensador
francês desejava colocar a Sociologia como uma disciplina científica com rigor
teórico-metodológico próprio.
Foi dessa jornada pela afirmação acadêmica da sociologia que Émile Durkheim
constrói sua explicação para a sociedade européia industrial do século XIX.
Nasce, assim, o Funcionalismo durkheimiano, que não só se preocupa em
explicar essa sociedade, mas de solucionar seu problemas. Mas o que nos diz
a teoria Funcionalista?
No funcionalismo, a sociedade é analisada como um sistema organizado em
partes conectadas e alicerçadas em leis, normas e regras sociais que
permitem não só a integração como a manutenção da sociedade. Pense na
sociedade como um ser vivo formado por diferentes órgãos (oração, pulmão,
estômago....) e onde cada órgão exerce uma importante função para a
manutenção de uma vida saudável desse ser vivo. É assim que podemos
tentar entender por linhas gerais o funcionalismo.
Vista com bons olhos por Durkheim, a sociedade industrial capitalista seria
uma “evolução” da caminhada humana. Sendo assim, o pensador francês se
preocupou em entender o caráter evolutivo da ordem, na tentativa de
manutenção do equilíbrio e da harmonia na sociedade.
Porém o mundo e a sociedade do século XIX que Durkheim vivia não era de
plena harmonia. A fome, miséria e desemprego caminhavam junto com a
expansão industrial e as inovações tecnológicas. O fortalecimento dos
sindicatos, greves e lutas sociais se propagavam e legitimavam as teorias
socialistas. Nesse mundo de conflitos e diversidades, Durkheim formulou sua
teoria de explicação e de intervenção no corpo social da Europa.
Para Durkheim os problemas que afligiam a sociedade européia não eram
motivados por problemas econômicos, mas por uma questão de fragilidade
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Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 01
moral (idéias, normas e valores). Caberia à Sociologia investigar e indicar
caminhos ou mesmo “preparar o remédio” que iria curar esse corpo social
doente. Os conflitos sociais na sociologia durkheimiana são elementos
solucionais, pois são transformações dentro do sistema e não no sistema em
si2. Foi procurando entender o funcionamento das instituições e condições
necessárias para a manutenção do equilíbrio da sociedade que Durkheim
construiu sua teoria funcionalista.
Sendo assim, observou que o indivíduo nasce dentro de um conjunto
integrado de normas, crenças, leis e valores que determinam sua ação. Todo
esse conjunto de normas, valores e leis na sociedade foram denominados de
Fatos Sociais, por Durkheim e estes são para ele o objeto de estudo da
sociologia.
2.NERY,Maria
Clara Ramos.
Sociologia: a
ciência da crise.
IN: TESKE,
Ottmar( coord)
Sociologia: textos
e contexto. 2ed.
Canoas:Ed.
ULBRA, 2005,
p.46.
Para o sociólogo francês, os fatos sociais são elementos exteriores ao
individuo, ou seja, que existe nas relações sociais independente da vontade
dos indivíduos. Fazem parte das normas coletivas que orientam a vida em
sociedade. Andar vestido, estudar em escolas e falar português são regras que
existem independente da vontade do sujeito. Leia o que o próprio Durkheim
definecomo fato social:
É fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível
de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou
ainda, que é geral na extensão de uma dada sociedade,
apresentando existência própria, independente das
manifestações individuais que possa ter3.
Além dessa observação, Durkheim afirma que os fatos sociais são coercitivos.
Eles devem ser seguidos pelo indivíduo em sociedade, pois caso contrário este
será punido. Imagine o que aconteceria se um belo dia você decidisse ir
totalmente nu comprar o pão. Dessa forma, podemos afirma que a vida social
é um conjunto de meios morais que cercam o homem e orientam nosso
sistema de ação, evitando um distanciamento entre os indivíduos. Para
3.DURKHEIM,
Émile. As Regras
do método
sociológico, São
Paulo: Companhia
Editora Nacional,
1978.p,11.
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Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 01
a
Durkheim, o indivíduo nasce da sociedade e não o contrário. Sendo assim, o
social determina o individual.
Dentro desse sistema, a sociologia durkheimiana observa que os fatos sociais
são coercitivos, pois impõem regras construídas coletivamente aos indivíduos.
Internalizamos hábitos e assim mantemos certo grau de coesão, ou seja, de
unidade entre os indivíduos.
É partindo dessa relação entre coerção (capacidade de imposição) e coesão
(grau de unidade) na sociedade que o sociólogo francês afirma que a vida em
sociedade é regida pela solidariedade social. Essa solidariedade social, vinda
da coesão social, não pode ser confundida com a solidariedade no sentido de
ser uma pessoa solidária.
No sentido de grau de unidade, Durkheim identifica dois tipos de
solidariedade existentes: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica.
Então perguntamos: Qual a diferença, as especificidades e que tipos de
sociedade se enquadram esses dois tipos de solidariedade?
A solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica estão fortemente
relacionadas com a chamada Divisão do trabalho, ou seja, ao grau de
especialização e diversificação das formas de trabalho ou de produção em
uma sociedade.
Na solidariedade mecânica temos uma baixa divisão do trabalho. Nessas
sociedades encontramos uma coesão mecânica, onde temos um
compartilhamento coletivo de valores e normas de conduta muito
semelhantes. Temos assim um baixo grau de diferenciação entre os indivíduos
e uma rigidez unitária dos padrões culturais normativos. A moral nessas
sociedades é essencialmente coercitiva e as mudanças sociais são
extremamente lentas. O enquadramento social nessas sociedades é marcado
por práticas repressivas de normatização.
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Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 01
No momento em que as sociedades aumentam seu grau de divisão de
trabalho, temos uma reorientação da relação do indivíduo com a sociedade e
a construção de um novo tipo de solidariedade: a solidariedade orgânica. Na
medida em que temos uma diversificação e especialização na maneira de
produzir, isto leva a uma interdependência funcional derivada da divisão do
trabalho e não dos costumes.
Nesse sentido, podemos entender que a solidariedade orgânica envolve uma
sociedade com forte diferenciação entre os indivíduos. A expansão da divisão
do trabalho leva a elevado grau de individualismo. A solidariedade orgânica é
defendida como ideal para Durkheim, pois este enxerga uma evolução nesse
tipo de relação social.
Sendo assim, sociedades com um maior nível de diferenciação social
estabelecem leis reparadoras ou restritivas no momento de desequilíbrio, na
tentativa de controlar o avanço da diferenciação entre os indivíduos. A coesão
social não se restringe a crenças ou costumes, mas se estabelece nos códigos
e nas regras de conduta que garantem direitos e deveres e se apresentam
através de regulamentações jurídicas, no Direito.
Contudo, faz-se necessário alertar para interpretações equivocadas sobre a
solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. Na solidariedade
mecânica, temos a formação de uma consciência coletiva que envolve a
consciência individual. Já na solidariedade orgânica temos um alto nível de
diferenciação entre os indivíduos e nas suas ações. Sendo assim, poderíamos
ser levados a pensar que a solidariedade mecânica está ligada a sociedades
“primitivas” e a solidariedade orgânica, a sociedades modernas. Porém o que
temos é preponderância de um ou de outro tipo de coesão social,
dependendo do nível de divisão de trabalho nessas sociedades. Para
Durkheim, esses dois tipos de solidariedade fazem parte de duas expressões
de uma mesma realidade. Para confirmar essa interpretação, vamos recorrer
às palavras do próprio Durkheim, que afirma:
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Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 01
a
A sociedade não é vista sob o mesmo aspecto nos dois
casos. No primeiro (solidariedade mecânica), o que se
chama por esse nome é um conjunto mais ou menos
organizado de crenças e sentimentos comuns a todos os
membros do grupo: é o tipo coletivo. Ao contrário, a
sociedade com a qual somos solidários, no segundo
caso, é um sistema de funções diferentes e especiais
que unem relações definidas. Estas duas sociedades não
passam de uma só. São duas faces de uma única
realidade, mas não demandam menos para serem
distinguidas4.
4.DURKHEIM,
1989, p.150 apud
SOUZA,João
Valdir Alves de.
Introdução à
sociologia da
educação. 2.ed. 1
reimp. – Delo
Horizonte:
Autentica, 2012.
p. 57.
Após essa leitura dos marcos teóricos da sociologia de Durkheim, percebemos
sua preocupação na manutenção da ordem e não de sua transformação.
Assim como um médico, o sociólogo, na perspectiva funcionalista de
Durkheim, deveria intervir no corpo social doente para tratá-lo e torná-lo
sadio, procurando restabelecer o equilíbrio.
A crise que atingia a sociedade capitalista européia do século XIX seria de
ordem moral e não econômica. O funcionalismo durkheimiano se preocupava
em resolver tais problemas na tentativa da manutenção da ordem burguesa.
Estudar o funcionamento das instituições e da sociedade permitiria encontrar
mecanismos de manutenção.
Os fatos sociais, através de sua exterioridade, coerção e generalidade, na
perspectiva funcionalista durkheimiana, são elementos de grande força sobre
os indivíduos e/ou grupos, fazendo com que estes internalizem as regras da
sociedade em que vivem. Para Durkheim é o indivíduo que nasce da
sociedade e não o contrário. A aceitação e a conformação do indivíduo as
normas são aspectos que independem de suas vontades e desejos e garantem
a harmonia na sociedade.
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Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 01
1.2 O Materialismo Dialético e a História de Karl Marx
Na Europa do século XIX, talvez nenhum país expressasse tão bem o modelo
de sociedade capitalista como a Inglaterra. Nação onde nasceu a Revolução
Industrial e onde o liberalismo econômico estava consolidado, a Inglaterra foi
o campo de observação para a construção da análise sobre a sociedade
capitalista, na opinião do alemão Karl Marx(1818-1883). Vivendo grande parte
da sua vida nesse centro do capitalismo, Marx foi contemporâneo da segunda
revolução industrial (momento de inovações técnicas na forma de produzir e
expansão industrial) e viveu num mundo onde o modo de produção
capitalista se consolidava.
Talvez Marx seja o pensador que mais tenha influenciado as gerações de
futuros críticos do sistema capitalista. Seu pensamento serviu de base para a
Revolução Russa de 1917 e formação da primeira nação socialista do mundo,
a extinta URSS. Suas idéias e teorias, ainda hoje, influenciam a forma de se
perceber a sociedade capitalista. Mas o que dizia Karl Marx?
Assim como Durkheim, Marx vivia num mundo em transformação, onde novas
formas de produzir, de governo e de relações sociais eram vivenciadas por
milhões de pessoas. Mas diferente de Durkheim, Marx não via com bons
olhos esse mundo pós-revolução industrial. A precariedade da vida dos
operários e as contradições do sistema capitalista levaram Marx a elaborar
uma explicação sobre essa sociedade e projetar uma forma de atuação sobre
ela.
Diferente dos chamados socialista Utópicos (Robert Owen e Charles Fourier)
que acreditavam que o mundo podia mudar pela boa vontade da burguesia,
Marx criava um novo sistema de análise e de ação sobre a sociedade
capitalista. Através da construção de um método racional e crítico de
avaliação da sociedade capitalista e de uma proposta de mudança desse
mundo nasceu o Socialismo Científico, mais conhecido pelo nome de
Marxismo.
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Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 01
a
No marxismo, destacamos a papel do materialismo dialético como abordagem
teórica de explicação e de intervenção no mundo capitalista. Como o próprio
nome propõe, o Materialismo Dialético tem como base uma explicação
material do mundo e que destaca as contradições desse mesmo mundo como
agente de constante transformação do mundo.
Para Marx, o mundo pode ser explicado pela realidade material de toda a
sociedade e tem nos seus conflitos o potencial de transformação, o motor da
história que através das contradições dentro das próprias sociedade, movem
a história na passagem do homem por diferentes formas de produção
econômica e relação social.
É partindo desses pressupostos teóricos que Marx, que em várias ocasiões
teve como companheiro de luta e pensamento o também alemão Friedrich
Engels (1820-1895), elaborou sua explicação sobre o mundo capitalista.
Podemos afirmar que, diferente de Durkheim, que pretendia dar uma base
sociológica para suas observações, Marx se deteve a uma análise tanto
sociológica como filosófica e histórica do mundo capitalista.
Alguns conceitos são fundamentais na obra de Marx para as suas
observações. Uma delas é a ideia de classe social. Para este pensador, a
sociedade era composta em dois grupos historicamente antagônicos: os
proprietários dos meios de produção (terra, ferramentas, fábricas, matériasprimas, ou seja tudo aquilo que intercede na relação entre o homem e a
natureza) e os não proprietários dos meios de produção.
Para Marx, esses dois grupos têm interesses antagônicos e com isso estão
num constante processo de luta de classes. Dessa luta de classes geradas
pelas contradições do próprio Modo de Produção surgem as revoluções, que
permitem a transformação no Modo de Produção existente (a maneira como
cada sociedade organiza sua vida econômica, o trabalho, as relações sociais,
suas estruturas políticas, jurídicas e suas práticas culturais).
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Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 01
Sendo assim, a luta de classes é o motor da história e explica as passagens do
modo de produção existentes na história da humanidade, concebidos por
Marx da seguinte forma: Comunismo primitivo, escravocrata antiga,
Feudalismo, Capitalismo, Socialismo e Comunismo. Vejamos as próprias
palavras de Marx em sua obra Manifesto do Partido Comunista, de 1848:
A história de todas as sociedades que existiram até
nossos dias tem sido a história das lutas de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo,
mestre de corporação e companheiro, numa palavra,
opressores e oprimidos, em constante oposição, têm
vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora
disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por
uma transformação revolucionária, da sociedade inteira,
ou pela destruição das duas classes em luta.
Nas primeiras épocas históricas, verificamos, quase por
toda parte, uma completa divisão da sociedade em
classes distintas, uma escala graduada de condições
sociais. Na Roma antiga encontramos patrícios,
cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores,
vassalos, mestres, companheiros, servos; e, em cada
uma destas classes, gradações especiais. A sociedade
burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade
feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez
senão substituir novas classes, novas condições de
opressão, novas formas de luta às que existiram no
passado. Entretanto, a nossa época, a época da
burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os
antagonismos de classe. A sociedade divide-se, cada vez
mais, em dois vastos campos opostos, em duas grandes
classes diametralmente opostas: a burguesia e o
proletariado5.
5.MARX, Karl e
ENGELS,
Friedrich. Manife
sto do Partido
Comunista.
Expressão
Popular. 1a
edição,
2008.p.36.
.
Dessa forma, percebemos que Marx elabora uma série de conceitos, como
Classes sociais, luta de classes, modo produção para explicar a história da
humanidade numa perspectiva material e dialética. Para Marx, os séculos XVI
ao XVIII formam o momento de passagem do feudalismo para o capitalismo
ou nas palavras de Marx: de Acumulação primitiva do Capital.
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Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 01
a
Acumulação primitiva do capital foi o processo de acumulação de riquezas
ocorrido na Europa entre os séculos XVI e XVIII, que possibilitou as grandes
transformações econômicas da Revolução Industrial. Para Marx, a
acumulação primitiva de capital se desenvolveu a partir de dois elementos: o
da concentração de grande massa de recursos (dinheiro, ouro, prata, terras)
nas mãos de um pequeno número de proprietários e o da formação de um
grande número de indivíduos despossuídos dos meios de produção e
obrigados a vender sua força de trabalho aos proprietários dos meio de
produção (terras e manufaturas).
Todo esse processo foi possível às riquezas acumuladas pelos negociantes
europeus com o tráfico de escravos africanos, com a exploração das Colônias
européias na América, a expulsão dos camponeses das terras comunais, do
protecionismo às manufaturas nacionais e com o confisco e venda a baixo
preço das terras da Igreja por governos revolucionários.
Dessa forma, a sociedade capitalista que surgia com o advento da Revolução
Industrial era uma sociedade marcada pela exploração da classe operária e de
sua alienação do trabalho, pois a divisão técnica do trabalho nas fábricas
(onde os trabalhadores são divididos em setores específicos de produção de
mercadorias) levava a uma mecanização do Homem. Para Marx, o sistema de
produção capitalista com sua divisão técnica do trabalho e expansão pelo
mundo de mercadorias, fazia com que o homem não se apropriasse do que
produzia, pois já não tinha mais o controle do que fazia na fábrica. Sendo
assim, o trabalho de condição libertadora e humana se tornava um elemento
de alienação, prisão e desumanização
Essa expansão, nunca antes vista, de se produzir mercadorias favorecia a
classe burguesa (donos dos meios de produção) que através do trabalho do
proletariado (os não possuidores do meio de produção) geravam a Mais-valia,
ou seja, a diferença entre o salário pago ao trabalhador e o valor do trabalho
realizado. É através da exploração do trabalho do operário que a burguesia
gera sua riqueza.
18
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 01
Marx também observou e criticou a maneira como o modo de produção
capitalista gerava uma sociedade de mercado, onde tudo se torna
mercadoria, passível de ser comercializada. Dessa nova sociedade surgem
novas formas de relações e organização social.
Dentro desse conjunto de ideias, Marx identificava que as contradições dessa
sociedade eram motivadas por questões econômicas e não morais, como
afirmava Durkheim. E foi dessas contradições internas do sistema capitalista
que Marx propôs um projeto de intervenção, de luta revolucionária.
Dentro desse projeto, seria o papel do proletariado liderar a derrubada do
sistema capitalista vigente e levar a libertação da classe trabalhadora. Marx
acreditava que a próxima etapa na evolução do modo de produção seria feita
pela expropriação da burguesia pelo proletariado, instalando o sistema
socialista, etapa assentada no domínio do Estado e dos meios de produção
pelos trabalhadores. Após esse momento, a humanidade caminharia para o
Comunismo, fase em que Estado e classes sociais deixariam de existir.
Nesse objetivo traçado pelos estudos de Marx, o conhecimento científico do
materialismo dialético tem por finalidade não apenas estudar as etapas do
modo de produção e criticar o sistema capitalista, mas de transformá-la,
como o mesmo autor afirma nas sua Teses sobre Feuerbach: “Os filósofos
têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém,
é transformá-lo6”.
Após essas observações podemos perceber semelhanças e diferenças no
pensamento de Émile Durkheim e de Karl Marx. Ambos os autores viveram
num mundo marcado por transformações e crise. Ambos tentaram explicar
racionalmente essas mudanças e intervir nessa sociedade. Durkheim enxerga
que ação do indivíduo esta limitada pela regras, normas e costumes (fatos
sociais) de sua sociedade. Os problemas sociais seriam para este autor uma
questão moral. Já Marx enxerga a crise como um elemento de caráter
econômico
6.MARX, Karl.
Teses sobre
Feuerbach.(1845)
. Disponível em: <
http://www.marx
ists.org/portugue
s/marx/1845/tesf
euer.htm>.
Acesso em: 23
mar. 2014..
19
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 01
a
Karl Marx, apesar de enxergar no proletariado uma tarefa histórica de
rompimento do processo de exploração, chega a criar um determinismo
social, pois os indivíduos, independente de suas vontades, estabelecem
relações a partir daquelas que foram transmitidas pelas gerações passadas
pelo modo de produção e pela luta de classe. Os homens conscientes ou não
são levados a atuarem num teatro de ações predeterminadas. O próprio Marx
afirma isso:
Os homens fazem a sua própria história, mas não a
fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com
que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas
pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas
oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E
justamente quando parecem empenhados em
revolucionar-se a si e às coisas, em criarem algo que
jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise
revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em
seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes
emprestado os nomes, os gritos de guerra e as
roupagens, a fim de apresentar, nessa linguagem
emprestada, a nova cena da história universal7.
7.MARX, Karl, O
18 de Brumário
de Louis
Bonaparte.
Capítulo I.
Disponível em: <
http://www.marx
ists.org/portugue
s/marx/1845/tesf
euer.htm>.
Acesso em: 23
mar. 2014.
Dessa forma, vemos que tanto Durkheim quanto Marx coloca o indivíduo
dentro de uma estrutura que determina a ação do indivíduo na sociedade.
Contudo, esses dois pensadores divergem sobre o papel que o conhecimento
da sociedade capitalista tem em sua organização.
Para Durkheim, a sociologia deve encontrar mecanismo de equilíbrio e
manutenção da ordem. Para Marx, os conflitos fazem parte da história da luta
de classe e do processo de caminhada da humanidade para o modo de
produção comunista, o estudo sobre a sociedade capitalista deve levar o
proletariado a tomar consciência de sua tarefa histórica e derrubar a ordem
burguesa.
Agora, use sua imaginação e tente pensar como seria um debate ao vivo entre
esses dois pensadores! De que lado você se colocaria? Você não pode assistir
20
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 01
esse debate, mas pode estudar as teorias e conceitos desses autores e se
colocar, construir sua interpretação da sociedade capitalista atual.
No próximo capítulo vamos estudar um pouco sobre a sociologia de
Durkheim, agora voltada para o papel da educação e o pensamento de John
Dewey e a teoria do Capital Humano, destacando as suas influências na
educação. Não perca o foco e continue conosco nessa caminhada!
21
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 02
a
2. COMPETÊNCIA 02 | AS PERSPECTIVAS DE EDUCAÇÃO PARA
ÉMILE DURKHEIM, DE JOHN DEWEY E DA TEORIA DO CAPITAL
HUMANO
Como podemos perceber, as mudanças ocorridas na sociedade européia entre
os séculos XVI e XVIII possibilitaram não só novas formas de trabalho e nas
relações políticas. Novas formas de relação social e de entendimento do
mundo forjaram o chamado “homem moderno”.
Nos séculos XIX e XX houve a consolidação mundial da sociedade capitalista e
a criação e fortalecimento de uma ciência voltada para a compreensão e
intervenção nessa nova sociedade: a sociologia. Vimos as diferentes
perspectivas de abordagem da sociologia funcionalista de Émile Durkheim e
do materialismo dialético de Karl Marx.
Agora vamos continuar nossa trajetória e analisar as perspectivas sobre o que
é e o papel da educação nesse novo mundo que se afirma. Continuaremos a
analisar a abordagem de Durkheim sobre a educação e vamos caminhar para
o pensamento liberal do século XX com as abordagens de John Dewey e de
Theodore Schult sobre o papel da educação na sociedade ocidental
capitalista. Então se acomode e prepare-se para essa caminhada!
2.1 Émile Durkheim: O Papel Social da Educação
Como observamos, a perspectiva sociologia de Durkheim pode ser
apresentada como uma “sociologia da ordem social”. Preocupado em
compreender os mecanismos estruturais da sociedade, Durkheim voltou sua
atenção para os mecanismos de coesão e coerção da sociedade européia do
século XIX. Sendo um dos defensores da sociologia com ciência de ação e
estudo da sociedade, Durkheim é um dos principais teóricos da Sociologia.
Além disso, esse pensador francês dedicou boa parte da sua vida acadêmica a
estudar o papel da educação na sociedade. Entre 1887 a 1902 ministrou aulas
semanais de Pedagogia na Faculdade de Letras de Bordeaux. Já 1902, e
22
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 02
definitivamente em 1906, ocupou a cadeira de Ciência da Educação na
Sorbonne. Também reservou parte da sua vida acadêmica a sessões,
conferências e cursos para professores do Ensino Primário e alunos da Escola
Normal Superior8.
Sua dedicação e elaboração de estudos sistemáticos dos mecanismos de
funcionamento das instituições escolares e o modo como essas instituições se
relacionam com a sociedade permite que Durkheim seja considerado o “pai”
da sociologia da Educação (uma ramificação ou especialização da Sociologia).
Nesse sentido, Durkheim cria uma disciplina voltada para a identificação dos
problemas relativos às instituições de ensino e encontra soluções para os seus
problemas.
8 DURKHEIM,
Émile. Educação e
Sociologia.
Tradução de
Stephania
Matousek.2.ed.
Petrópolis: Vozes,
2011. p.9.
Mas por que essa preocupação com a temática da educação? Devemos
lembrar que no século XIX é um período de transformações e crises. Afirmar o
papel da nação e de formar indivíduos cada vez mais preparados para o novo
sistema de trabalho fez com que as nações europeias se preocupassem com a
maneira de integrar os povos que viviam numa mesma região e de qualificálos. Nesse sentido a Educação formal se torna um instrumento essencial.
Mas, o que é Educação? Que tipo de educação deveria ser praticada? Qual a
importância da educação para a sociedade e quem deveria ser educado?
Essas perguntas fizeram com que diferentes pensadores se debruçassem
sobre o papel da Educação e Durkheim foi um deles.
Em seus estudos, Durkheim observou que o próprio termo educação já se
apresentava como um elemento múltiplo, que variava ao longo do tempo e
nas diferentes sociedades. Sendo assim, seria melhor falar em educação no
plural. Além disso, o autor francês também destacou que cada tipo de
sociedade elabora uma educação voltada para formar sujeitos que atendam
as necessidades de cada grupo. Depois dessas afirmações, pense um pouco: A
educação e a escola podem ser consideradas elementos de dominação e de
perpetuação da desigualdade numa sociedade?
23
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 02
a
Foi no século XIX, que Durkheim viu a educação assumir o papel de elemento
de difusão da razão e da ciência. A escola se torna espaço de “escolarização
do conhecimento científico”. Nesse sentido, estabelecer conteúdos
específicos, currículos, tempo determinado de ensino, sequência pedagógica,
sistema avaliativo, notas, aprovações, certificados e níveis de escolarização
foram aspectos fundamentais para a legitimação da Educação Formal. Sendo
assim, a Sociologia da Educação ganhava um caráter prático de atuação e
análise das instituições escolares.
Dentro de sua análise sociológica sobre a educação, Durkheim identifica a
educação como elemento de solidariedade social ou de coesão social.
Devemos destacar que a educação se torna um meio de socialização.
Retomando a ideia de fatos sociais (conjunto de normas, crenças, valores e
ideias compartilhados) podemos enxergar a escola como instrumento de
coerção. Instituições como família, igreja, estado e escola são instrumentos de
normatização e que internalizam os modos de vida de uma sociedade.
Continuando dentro de sua abordagem, Durkheim apresenta uma diferença
no papel da educação para as sociedades com baixo nível de divisão de
trabalho e nas sociedades com alto nível de divisão de trabalho. Nas
sociedades com uma solidariedade mecânica, a socialização se faz através de
rituais de iniciação, pelo cotidiano de trabalho e, em especial, com o convívio
entre os anciões (mediadores da educação nessas sociedades). Já nas
sociedades com atuação da solidariedade orgânica, temos uma educação para
qualificação de indivíduos, sendo a escola a instituição educadora por
excelência.
Na sua análise de uma sociedade em constante mudança, Durkheim enxerga a
necessidade de criar padrões de solidariedade social. É através da elaboração
de suas teorias sociológicas voltadas para a educação que o estudioso francês
faz uma análise sobre os elementos comuns do sistema educacional em todas
as sociedades e identifica um duplo caráter: “singular e múltiplo9.
9 DURKHEIM,
Émile. Educação e
Sociologia.
Tradução de
Stephania
Matousek.2.ed.
Petrópolis: Vozes,
2011. P.50.
24
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 02
Em seu caráter uno, ou universal, temos a preocupação da sociedade em
transmitir uma base comum a toda a sociedade, algo que deve ser
compartilhado por todos os membros da sociedade (aspectos ligados à
solidariedade mecânica).
Língua, símbolos e rituais são exemplos mais simples de observação geral,
mas se voltarmos para a nosso próprio sistema de ensino podemos identificar
esses elementos no que concerne a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 26,
parágrafo 1º, que determina um currículo de núcleo comum com a
obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa, de matemática, o
conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política,
especialmente do Brasil10.
Já em seu aspecto múltiplo, Durkheim destaca elementos responsáveis pela
diversificação da sociedade (ligada a solidariedade orgânica). Sendo assim,
cabe à escola o papel de promover uma educação que atenda a diversificação
cultural existente em a cada sociedade.
Na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional Brasileira (LDB) podemos
identificar esse caráter no que se propõe a parte diversificada do currículo,
voltada para conteúdos de áreas específicas do conhecimento, como por
exemplo, as línguas estrangeiras modernas e música11.
Dessa forma, podemos compreender que a Educação exerce um papel de
homogeneização e de diferenciação em cada sociedade. Contudo, após
entendermos a função da educação e seu caráter, podemos nos questionar o
que era educação para Émile Durkheim? Dessa forma, recorremos às palavras
do próprio autor para que possamos entender sua perspectiva:
10. BRASIL. Lei nº
9.394, de 20 de
dezembro de
1996 . Estabelece
as diretrizes e
bases da
educação
nacional.
Disponível em: <
http://www.plana
lto.gov.br/ccivil_0
3/LEIS/L9394.htm
>. Acesso em: 30
mar. 2014.
11.BRASIL. Lei nº
9.394, de 20 de
dezembro de
1996 . Estabelece
as diretrizes e
bases da
educação
nacional.
Disponível em: <
http://www.plana
lto.gov.br/ccivil_0
3/LEIS/L9394.htm
>. Acesso em: 30
mar. 2014.
A educação é a ação exercida pelas gerações adultas
sobre as gerações que não se encontram ainda
preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar
e desenvolver, na criança, certo número de estados
25
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 02
a
físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade
política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a
criança, particularmente, se destine12.
A partir dessa observação, podemos entender especificamente o pensamento
de Durkheim e de sua Sociologia da Educação. Para o sociólogo, a educação é
um processo consciente e sistematizado, pois são as gerações adultas que
selecionam e transmitem o conhecimento definido como legítimos para as
crianças. A educação é um sistema de socialização e que assim impõem os
fatos sociais aos indivíduos, pois devem suscitar e desenvolver nas crianças
estados físicos, intelectuais e morais.
12.DURKHEIM,
Émile. Educação e
Sociologia.
Tradução de
Stephania
Matousek.2.ed.
Petrópolis: Vozes,
2011. P.53-54.
Nesse sentido temos também que destacar que em sociedades com alta
divisão de trabalho, o adulto a estabelecer essa pratica educativa é um
especialista, o professor, o mestre. Já nas sociedades com baixa divisão de
trabalho, essa tarefa está difusa entre todos os membros da sociedade,
cabendo, em alguns momentos, especificamente aos anciões.
Apesar de uma posição verticalizadora e conservadora de sua definição de
educação, onde a criança se apresenta como um ser passível e que não possui
um conhecimento a ser compartilhado com o adulto, podemos enxergar na
perspectiva de Durkheim uma análise ampla de educação.
Diferente de conceitos como instrução, ensino e formação, a idéia de
educação de Durkheim nos permite refletir sobre a ação do educador.
Diferente de educação, Instrução e ensino são aspectos que toda pessoa é
capaz de realizar e ensinar, pois se destina à capacidade de decodificação,
como por exemplo, a montagem de um aparelho com base na leitura de um
manual.
Já a formação se apresenta como algo bastante amplo e que acompanha o
indivíduo ao longo da sua vida. Nesse sentido, formação é um processo
contínuo e que ultrapassa o simples contato entre gerações adultas e
crianças, como estabelece Durkheim.
26
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 02
Educação está muito mais relacionada à capacidade norteadora que o adulto
exerce sobre a criança. Nesse aspecto, o professor, o padre, o pai e as
autoridades devem se apresentar com referências e estabelecer coordenadas
para a gerações mais jovens. Sendo assim, a escola não apenas transmite
conteúdos ou forma alunos, mas orientam os jovens para a vida em
sociedade, incutindo neles as normas, crenças e valores da sociedade.
Nesse sentido, a escola é vista por Durkheim como uma instituição de
fortalecimento da coesão social. Para Durkheim a escola é essencialmente
boa, fazendo com que os indivíduos se sujeitem à ação normativa, pois “o
novo ser que a ação coletiva edifica em cada um de nós através da educação
representa o que há de melhor em nós, ou seja, o que há de propriamente
humano em nós13.
Contudo, não podemos ser seduzidos pelo pensamento de Durkheim, pois a
funcionalidade da educação na sociologia educacional durkheimiana não
enxerga a educação como uma instituição atrelada às desigualdades sociais e
à diversidade cultural e de desejos em uma sociedade.
13.DURKHEIM,
Émile. Educação e
Sociologia.
Tradução de
Stephania
Matousek.2.ed.
Petrópolis: Vozes,
2011. P.58.
A Escola é uma instituição integrada à sociedade em que esta inserida.
Diferentes projetos de escola atendem a diferentes projetos sociais. Escolas
religiosas, sindicais, comunitárias, rurais, técnicas, liberais, marxistas e
anarquistas atendem os interesses e desejos de poder conflituosos e
contraditórios de diferentes grupos sociais não estando indiferentes às
relações sociais em que estão inseridas.
Nessa perspectiva partiremos para a abordagem liberal de John Dewey e a
teoria do capital humano para a ampliação da nossa compreensão sobre as
diferentes formas de enxergar o papel da educação em nossa sociedade ao
longo de sua história.
27
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 02
a
2.2 John Dewey e o Experimentalismo
Figura 05- Fotografia de John Dewey
Fonte:http://osmaioresdahumanidade.blogspot.com.br/2013/04/os-mestres-doensino-john-dewey.html
Durante o final do século XIX e início do século XX um dos sistemas
educacionais mais frequentemente aplicado nos Estados Unidos eram
voltados pra técnicas de memorização e transferência do conhecimento vindo
do professor. Esse modelo de ensino pode ser classificado como “Ensino
Tradicional”, ainda muito praticado em nossas escolas.
Nesse modelo de ensino, temos uma prática disciplinar e educacional
autoritária, destacando a aula expositiva, a lição magistral, onde o professor é
o único detentor do conhecimento, sendo um informador e transmissor de
um saber já elaborado. O aluno é visto como um ser passivo, voltado a
receber um conhecimento selecionado e estruturado. Nesse sentido, a função
dos estudantes na escola tradicional se restringe em fixar, repetir e reproduzir
ao saber vindo do professor. Dessa forma, os conhecimentos que são
assimilados pelo estudante não possuíam nenhuma finalidade ou utilidade.
Foi nesse cenário educacional que o norte-americano John Dewey (18591852) verificou que este tipo de ensino era insatisfatório para o mundo
capitalista do início do século XX, marcado pelo aperfeiçoamento técnico –
cientifico ocasionado pela Segunda Revolução Industrial (1850-1870) que
proporcionou o avanço da indústria química, elétrica, de petróleo, uso do aço,
navios movidos a vapor, o desenvolvimento do avião, a produção em massa
28
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 02
de bens de consumo, o enlatamento de comidas, refrigeração mecânica e
outras técnicas de preservação e a invenção do telefone eletromagnético.
Dewey tem como base de pensamento o Pragmatismo14, que apesar de ter
de William James e de Charles Sanders Peirce o sentido originário do
pensamento pragmático, o pensador norte americano preferiu chamar sua
filosofia de Instrumentalismo ou Experimentalismo, pois acreditava que o
indivíduo deveria usa suas experiências cotidianas para direcionar sua ação.
Contudo, devemos perceber que o experimentalismo de Dewey se restringe
ao empirismo inglês, que tem a experiência como compreensão do mundo.
Dewey leva em consideração a experiência como ação do pensamento, ou
melhor, como o método que motivado pelo pensamento direciona-se a
resolução dos problemas que são apresentados aos indivíduos.
Apesar de ter pensado a Educação num contexto norte-americano, as ideias
de Dewey são importantes pois revelam uma preocupação com o caráter
prático e utilitário da escola e da educação na vida cotidiana dos estudantes.
Para Dewey, tanto a Escola como a Educação devem possibilitar que o
estudante parta da sua
experiência de vida, de sua construção social de mundo para construir assim o
conhecimento. Para Dewey, a criança não era uma tábua rasa e trazia consigo
experiências de vida que deveriam ser usadas e compartilhadas, sendo essas
experiências e conhecimentos a matéria-prima que deve ser trabalhada com a
orientação do educador.
Nesse sentido, Dewey não opõe pensamento e ação, mas cria uma unidade
entre eles. Os conteúdos devem ser trabalhados em situações problemas,
para que os alunos possam reincorporar os temas de estudo na experiência.
Dessa forma, cria a idéia de aprender fazendo ou o learn by doing.
O papel do professor não seria o de transmitir conhecimentos acumulados ao
longo das gerações, proporcionando uma fixação e de reprodução do
14.Pragmatismo
(ingl. pragmatism)
Concepção
filosófica, mantida
em diferentes
versões por, dentre
outros, Charles
Sanders Peirce,
William James e
John Dewey,
defendendo o
empirismo no
campo da teoria do
conhecimento e o
utilitarismo no
campo da moral. O
pragmatismo
valoriza a prática
mais do que a
teoria e considera
que devemos dar
mais importância às
consequências e
efeitos da ação do
que a seus
princípios e
pressupostos. A
teoria pragmática
da verdade mantém
que o critério de
verdade deve ser
encontrado nos
efeitos e
consequências de
uma ideia, em sua
eficácia, em seu
sucesso. A validade
de uma idéia está
na concretização
dos resultados a
que se propõe
obter.( Ver Hilton
Japiassú. Danilo
Marcondes. DICION
ÁRIO
BÁSICO DE. FILOSOF
IA. terceira edição
revista e ampliada.
Jorge Zahar Editor.
Rio de Janeiro. 2001
29
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 02
a
conhecimento, mas o de orientar o estudante num processo de construção do
conhecimento de forma coorporativa e democrática. Dessa forma, o professor
é um indivíduo capacitado e conhecedor de sua disciplina, numa tarefa de
reconstrução da sociedade e não de manutenção.
1
É dentro desse pensamento que o autor norte americano enxerga a escola
com um instrumento de construção de uma sociedade democrática, pois
identifica na colaboração mútua dos indivíduos em sociedade, com suas
diferentes qualidades, a possibilidade de criação do bem-estar social e do
sentimento de pertencimento. A escola deve desenvolver o espírito social e
democrático na medida em que proporciona uma organização em
comunidade ou em cooperativas.
Dewey cria, assim, a Escola Nova ou Progressista, onde o destaque da
aprendizagem dos alunos está na relação que estes devem ter um com os
outros e onde o ensino é ativo e se estimula a criatividade do aluno e do
professor.
Para por em prática suas ideias, Dewey teve a oportunidade, em 1886, de
participar da formação da Escola Experimental de Chicago, que ficou
conhecida como Escola de Dewey. Inicialmente composta por 16 alunos e 2
professores. Já em 1903 a escola Experimental já possuía 140 alunos, 26
professores e 11 assistentes. Na sua maioria, os alunos eram os filhos de
profissionais liberais e filhos de colegas do próprio Dewey.
Na Escola Experimental os programas de estudo se balizavam em atividades
que relacionassem a teoria dos conteúdos com a experiência pratica, vivida
dos estudantes. Esse programa foi denominado pelo próprio Dewey de
“ocupação”, ou seja, “um modo de atividade por parte da criança que
reproduz um tipo de trabalho realizado na vida social ou é paralelo a ela”15.
15 DEWEY,
1899,p.92 apud
Westebrook,
2010,p.23.
Os alunos, divididos em onze grupos de idades diferentes, desenvolviam
diversos projetos com base em profissões modernas e contemporâneas. As
30
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 02
crianças, de acordo com suas idades, realizavam atividades que conheciam
por meio da vivência de suas próprias casas ou localidade. Construção de
granjas, réplicas de cavernas, caravelas, o uso de matérias de marcenaria e
formação de clubes de debates eram instrumentos na construção de um
conhecimento ativo, na prática. Língua, matemática, história e geografia, por
exemplo, eram aprendidos em atividade de construção de maquetes, serviços
de cozinha ou em debates. Dessa forma, dava-se um sentido para aquele
conhecimento, por exemplo ¼ da terra usada, leitura da história da
navegações para a construção de uma maquete ou mesmo em debates entre
os alunos mais velhos. Através de problemas apresentados aos alunos
articulava-se o conteúdo.
Contudo, depois de sua saída da Escola Experimental após uma disputa
política interna, Dewey viu que a escola é uma instituição vinculada à
sociedade e assim reproduz seus conflitos, suas desigualdades e problemas.
Dessa forma, a educação acaba refletindo e reproduzindo os defeitos da
sociedade. Somente através da ação de forças sociais desejosas em
transformar a sociedade é que teremos uma escola Democrática, pois a escola
não pode ser desvinculada da estrutura social, mas pode sim ser uma
ferramenta no auxilio da transformação da própria sociedade.
No Brasil, vemos uma forte influência do pensamento de Dewey na figura de
Anísio Teixeira (1900-1971), um dos principais divulgadores do pensamento
de Dewey no Brasil. A divulgação do Manifesto dos Pioneiros, em 1932, a
fundação, em 1934, da Universidade de São Paulo e da Universidade do
Distrito Federal, em 1935, são alguns elementos gerados pela mudança
política no Brasil provocada pela revolução de 1930 e a projeção de um grupo
social que, após a queda de uma Republica das Oligarquias, deseja uma
sociedade diferente e onde a educação era um agente de mudanças. Dessa
forma, desejava-se uma educação pública, gratuita, laica, para todos e como
um dever do Estado.
31
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 02
a
Figura 06- Fotografia de Anísio Teixeira
Fonte: http://jornalpequeno.com.br/edicao/2011/01/16/anisio-teixeira-oinventor-da-escola-publica-no-brasil/
Partindo desse desejo de mudança e desenvolvimento, que muitas vezes são
atrelados exclusivamente à educação, é que teremos a construção da Teoria
do Capital Humano, que será debatida nas próximas páginas.
2.3 A Teoria do Capital Humano
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi adotada entre as nações
europeias uma política de Estado que visava a proteção social de todos o
cidadãos, onde se patrocinava ou regulamentava os sistemas nacionais de
Saúde, Assistência Social, Habitação, Previdência e Educação. Essa ação de
planejamento e intervenção do Estado na economia era adotada pelos EUA
após o crack da Bolsa de Nova Iorque (1929), pela a economia Planificada da
URSS e foi uma alternativa pensada pelo economista John Maynard Keynes
para a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial. Essa política
ficou conhecida como Estado de Bem-Estar Social (welfare state).
Com base nessa nova política estatal, os governos cada vez mais se
preocupam em realizar diversos investimentos públicos na garantia do Pleno
Emprego. A garantia do pleno emprego possibilitaria que todos tivessem
renda e assim consumissem, criando um ciclo virtuoso de produção e
consumo que garantiria o funcionamento do capitalismo.
32
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 02
Figura 07- Fotografia de John Maynard Keynes( 1889-1946)
Fonte: http://www.alunosonline.com.br/historia/a-teoria keynesiana.htm
l
John Maynard Keynes, nascido na Inglaterra em 1883, e morreu em Firle, East
Sussex, em 1946. Foi um dos mais importantes economistas do século XX e é
considerado como o pai da macroeconomia. As suas ideias revolucionárias
levaram à adoção de políticas intervencionistas do Estado a fim de criar
estímulos ao desenvolvimento econômico. Keynes propôs intervenções
estatais na economia com o objetivo de estimular o crescimento e baixar o
desemprego através do aumento dos gastos públicos e/ou redução da carga
fiscal.
Dentro desse contexto temos a elaboração de um conjunto de ideias e
abordagens que vinculam o desenvolvimento econômico de uma nação com a
educação de seu povo. Surge assim a Teoria do Capital Humano, elaborada
por diferentes economistas onde se destaca a figura de Theodore Schultz
(1902-1998) que ganhou o prêmio Nobel de economia de 1979 com a defesa
da Teoria do Capital humano.
Figura 08- Fotografia de Theodore Schultz
Fonte: http://www.ecured.cu/index.php/Theodore_William_Schultz
33
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 02
a
Na Teoria do Capital Humano temos a elaboração de avaliações de nível
Macroeconômico e Microeconômico que identificam a educação como
elemento de desenvolvimento econômico e de distribuição de renda. Nesse
sentido, temos uma relação intrínseca ente educação e desenvolvimento ou
educação e renda pessoal.
Nesse sentido, o investimento em capital humano, tendo a educação como
principal recurso, seria uma política do Estado na garantia do
desenvolvimento econômico nacional e uma maneira de atingir o pleno
emprego. O investimento governamental na escolarização de sua população
seria uma ação governamental que proporcionaria o desenvolvimento
econômico da nação.
Na perspectiva macroeconômica, o investimento em educação era um
elemento determinante para a superação do atraso econômico de uma
nação, de distribuição de renda e de harmonização da desigualdade social.
Nesse sentindo, a superação do atraso econômico e da desigualdade social
nos países subdesenvolvidos poderia ser solucionada através do investimento
na educação de seu povo.
Numa perspectiva microeconômica, a Teoria do Capital Humano identifica na
educação ou treinamento do indivíduo as origens das diferenças de renda, de
produtividade, de desigualdade. Além disso, seria através do investimento
particular em educação ou treinamento que decorreria a mobilidade social.
Se prestarmos atenção, a ideia da relação entre educação, desenvolvimento e
renda ainda é bastante defendida em nossa sociedade. A UNESCO
(Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) estabelece
uma série de medidas educacionais a serem seguidas, através de políticas,
programas e projetos, na perspectiva de avanço na educação de diferentes
nações e povos.
34
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 02
Nestas recomendações é possível identificar a Teoria do Capital Humano que
vincula a educação ao desenvolvimento econômico, pois a UNESCO afirma
que os índices de uma renda mais alta estão associados ao um maior nível
educacional. Nesse sentido, a educação é vista como um elemento que reduz
a pobreza, fomenta o emprego e o crescimento, pois:
A educação não apenas facilita que os indivíduos
escapem da pobreza, mas também gera produtividade,
que acelera o crescimento econômico. Um aumento de
um ano na média educacional alcançada pela população
de um país aumenta o crescimento anual do seu PIB per
capita de 2% para 2,5%16.
Contudo, podemos lançar críticas a essa visão mecânica da ação integradora
da educação na sociedade capitalista. A ideia que através do investimento em
educação seria a solução para o fim das desigualdades mascara as
desigualdades geradas pelo modelo capitalista, pois tira o indivíduo do
contexto socioeconômico no qual está inserido. Variáveis como: família,
ambiente, nutrição, escola, professores, equipamentos, currículos, tempo e
capital financeiro, cultural e social, por exemplo, não são levados em conta
nessa avaliação. Qualquer fracasso ou sucesso é apresentado como resultado
de decisões individuais, inaptidão ou inadequação do indivíduo. O próprio
conflito de classe é visto como irrelevante. Será que uma criança rica e uma
criança pobre têm as mesmas oportunidades de acesso ao conhecimento?
Suas relações familiares, sociais, econômicas, culturais, suas moradias,
alimentação e suas relações com o mundo não interferem na sua formação?
16.UNESCO.
RELATÓRIO DE
MONITORAMENT
O GLOBAL DE EPT
2013/4.
Disponível em <
http://unesdoc.u
nesco.org/images
/0022/002256/22
5654POR.pdf >.
Acesso em: 18
abril. 2014.
Em muitos aspectos a Teoria do Capital Humana legitima e mantem um
modelo burguês capitalista de produção. Indivíduos mais aptos
intelectualmente estariam destinados aos cargos melhores, à educação
superior e atividades que exijam de suas capacidades intelectuais. Pessoas
menos aptas estariam destinadas aos trabalhos braçais, profissionalizantes e
devem atender as exigências do mercado de trabalho. A escola assim tem um
caráter funcionalista e de manutenção da ordem vigente.
35
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 02
a
No final da década de 1970 e início dos anos de 1980, temos a crise do
modelo de Estado de Bem-Estar social e implementação do Neoliberalismo. O
papel da garantia da empregabilidade recai sobre o indivíduo. Não há mais
espaço para todos no mercado e o desenvolvimento econômico de um país
não elimina as desigualdades sociais.
Dessa forma, o indivíduo é um consumidor de todo um conhecimento que o
capacita ao mercado de trabalho e a renda está relacionada a sua inserção no
mercado de trabalho, sendo de responsabilidade do indivíduo as opções que
melhor o capacite a competir no mercado de trabalho. Nesse sentido, o
conceito de empregabilidade leva em consideração não apenas o acúmulo de
conhecimento do indivíduo, mas se relaciona a assimilação privada de capital
cultural, social, além de relacionar-se com fatores como cor, origem, sexo ...
O aumento do nível de escolarização nem sempre significa uma diminuição da
desigualdade social. Pablo Gentili, em seu texto “Três Tese sobre a Relação
trabalho e educação em tempos Neoliberais” afirma, através da análise de
dados de agências como a Inter-American Dialogue e do Programa de
Promoción de La reforma Educativa em América Latina y El Caribe (PREAL) ,
que a educação está aumentando e mantendo a disparidade na distribuição
de renda, ao invés de reduzi-la17.
17.GENTILI,
Pablo. Três teses
sobre a relação
trabalho e
educação em
tempos
neoliberais. In:
LOMBARDI, José
Claudinei.
SAVIANI,
Dermeval.
SANFELICE, José
Luis.Capitalismo,
trabalho e
educação. P.59.
Com base no “O Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013 e o
no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal”, o IDHM, que através dos
dados do Censo Demográfico do IBGE e com parceria entre o Ipea (O Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada), o PNUD ( O Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento) e Fundação João Pinheiro (FJP), disponível a todo
brasileiro na internet verificamos que no Recife, por exemplo, o nível de
crianças e jovens, entre 6 anos e 24 anos que frequentam ou que terminaram
a educação básica aumentou significativamente nos anos 1991, 2000 e 2010.
Também se verifica um aumento na renda per capita média e uma diminuição
da extrema pobreza. Contudo, os dados também revelam que, de acordo com
36
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 02
Gini (instrumento usado para medir o grau de concentração de renda, que
numericamente, varia de 0 a 1, sendo que 0 representa a situação de total
igualdade, e valor 1 significa completa desigualdade de renda), houve um
pequeno aumento da desigualdade social, de 0,67 em 1991 para 0,68 em
2010, e não uma redução, como defende a Teoria do Capital Humano18.
Dessa forma, podemos questionar se o modelo de escola e educação que é
adotado nas sociedades capitalistas é realmente um elemento de
transformação ou mudança social ou se é um instrumento de manutenção de
estruturas de poder e do modo de produção vigente. Será que existem outras
propostas de educação? Essas perguntas serão posta em análise no nosso
próximo capítulo.
18.Atlas de
Desenvolvimento
Humanono Brasil
2013. Disponível
em <
http://www.atlas
brasil.org.br/2013
/pt/perfil/recife_
pe#renda >.
Acesso em: 18
abril. 2014.
37
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 03
a
3. COMPETÊNCIA 03 | EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA CRÍTICA –
EDUCAÇÃO COMO REPRODUTORA DE CLASSES OU COMO ESPAÇO
DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL?
Após a leitura dos dois capítulos deste caderno, podemos perceber que a
escola tem um papel muito relacionado à manutenção da ordem estabelecida
ou de instrumento gerador de mão de obra especializada e adaptada às
transformações ocorridas dentro do modo de produção capitalista.
Formas de entender o papel da escola e as maneiras de como ensinar melhor
os jovens das sociedades liberais capitalistas ocidentais foram
sistematicamente apresentadas ao longo do nosso estudo. Contudo, podemos
nos perguntar se a escola e a educação podem ser vistas como um agente
transformado da sociedade ou se apenas reproduz estruturas de poder e
organização social. Isso nos faz questionar sobre a nossa própria maneira de
entender o papel da escola e da educação em nossa sociedade.
Nesse momento apresentaremos pensadores que se propuseram a questionar
o modelo de educação Liberal Capitalista existente na sociedade ocidental,
apontando seus mecanismos de manutenção da estrutura de poder vigente.
Suas ideias nos permitem questionar a nossa visão sobre o papel que a escola
e a educação desempenham hoje na nossa sociedade e nos leva a refletir
sobre o tipo de escola e de pessoas que desejamos que atuem em nossa
sociedade.
3.1 Ideologia, Hegemonia e Escola numa Perspectiva Crítica
Como qualquer outro ambiente social, a escola não pode e não deve ser vista
como um espaço neutro, isolado dos conflitos, das disputas, dos defeitos e
das qualidades que envolvem nossa sociedade. A escola dever ser vista com
um espaço de luta e de construção de alternativas.
Talvez partindo desse enfretamento com a realidade é que devemos
compreender que nosso mundo é marcado por diferentes ideologias,
38
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 03
entendidas aqui como um conjunto de ideias ou mesmo de crenças mais ou
menos coerentes que possibilitam a cada um de nós se entender e se
posicionar no mundo.
Como nenhuma sociedade é desprovida de crenças e valores, a ideologia
pode sim ser entendida como parte integrante desses valores. Podemos
entender também que diferentes grupos sociais possuem ideologias
diferentes que podem, em diferentes momentos, confluírem-se ou mesmo se
antagonizarem. Sendo assim, dependendo das relações sociais determinadas
pelas condições materiais em diferentes momentos históricos temos idéias,
crenças e valores que representam a ideologia de um determinado grupo
social, econômico e político.
Foi partindo de uma perspectiva crítica da sociedade capitalista
contemporânea que o pensador francês Louis Althusser (1918-1990),
elaborou, com base numa abordagem marxista, uma análise sobre a relação
entre ideologia e escola.
Figura 09- Fotografia de Louis Althusser
Fonte:http://sociologiadaeducacaoparapedagogos.blogspot.com.br/2011/08/que
m-foi-louis-althusser.html.
Preocupado em demonstrar como o Estado burguês capitalista monta suas
estruturas de poder e de manutenção do poder de uma classe social (a
burguesa) sobre outra classe (a operária), Althusser identifica duas forças de
manutenção do poder do Estado burguês. Uma seria através do Aparelho de
Estado ( Governo, Administração, Exército, Polícia, Tribunais, prisões) que
39
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 03
a
usam predominantemente a repressão. O outro aparelho de manutenção do
poder do Estado burguês seria o Aparelho Ideológico de Estado, que, em sua
pluralidade, funciona predominantemente através da ideologia.
É através do Aparelho Ideológico de Estado que a classe dominante
estabelece sua ideologia e assegura a reprodução das relações de exploração,
impedindo qualquer alteração no modelo capitalista de produção e a coesão
social. Sendo assim, o uso da violência pelos Aparelhos de Repressão do
Estado seria apenas em momentos críticos e em ultima instância.
Mas, quais seriam esses Aparelhos Ideológicos de Estado? Em sua obra
Ideologia e Aparelhos ideológicos de Estado, Althusser nos apresenta esses
aparelhos da seguinte forma:
Designamos por Aparelhos Ideológicos de Estado certo
numero de realidades que se apresentam ao observador
imediato sob a forma de instituições distintas e
especializadas...(a ordem pela qual as enunciamos não
tem qualquer significado particular):
O AIE religioso (o sistema das diferentes Igrejas),
O AIE escolar (o sistema das diferentes escolas públicas
e particulares),
O AIE familiar,
O AIE jurídico,
O AIE político (o sistema político de que fazem parte os
diferentes partidos),
O AIE sindical,
O AIE da informação (imprensa, rádio-televisão, etc.)19
19.ALTHUSSER,
Louis. Ideologia e
Aparelhos
ideológicos de
estado. Lisboa:
Presença 1970,
p.43-44.
Como podemos observar, o pensador francês nos apresenta uma série de
Aparelhos Ideológicos que funcionam na manutenção da ordem capitalista.
Todos esses mecanismos incutem na mente dos indivíduos ideias, crenças e
valores que devem ser seguidos sob pena de sofrerem sanções sociais. Sendo
assim, a burguesia mascara o verdadeiro motivo da exploração da classe
trabalhadora e a induz a acreditar que todo fracasso, exploração e opressão
são elementos normais, ações motivadas pela falta de vontade ou
40
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 03
incapacidade do trabalhador, provações que devem se aceitas com
resignações ou parte de uma tradição que não deve ser questionada.
Mas qual é o instrumento mais eficaz de dominação ideológica para,
Althusser? Usaremos das próprias palavras do pensador francês que afirma
abertamente:
julgamos autorizados a avançar a Tese seguinte com
todos os riscos que isso comporta: pensamos que o
Aparelho Ideológico de Estado que foi colocado em
posição dominante nas formações capitalistas maduras,
após uma violenta luta das classes política e ideológica
contra o antigo Aparelho Ideológico de Estado
dominante, é o Aparelho Ideológico Escolar20.
20.ALTHUSSER,
Louis.Ideologia e
Aparelhos
ideológicos de
estado. Lisboa:
Presença 1970, p.
60.
Pode assim identificar a escola como o principal instrumento de dominação
ideológica, apontado por Althusser. Diferente da Igreja, família, livros,
televisão e cinema, a escola é um espaço sistemático e de maior tempo nesse
processo.
Para Althusser, assim como os outros aparelhos ideológicos, a Escola é um
espaço de reprodução das relações de produção, relações estas baseadas na
exploração. Tendo o sistema educacional francês, o autor afirma que é no
aparelho escolar que se encontra as condições que nenhum outro oferece,
pois:
(...) a Escola toma a seu cargo todas as crianças de todas
as classes sociais(...),inculca-lhes durante anos, os anos
em que a criança está mais ‘vulnerável’, entalada entre
o aparelho de Estado familiar e o aparelho de Estado
Escola, ‘saberes práticos’ envolvidos na ideologia
dominante (o francês, o cálculo, a história, as ciências, a
literatura), ou simplesmente, a ideologia dominante no
estado puro (moral, instrução cívica, filosofia). Algures,
por volta dos dezesseis anos, uma enorme massa de
crianças cai ‘na produção’: são os operários ou os
pequenos camponeses. A outra parte da juventude
41
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 03
a
escolarizável continua: e seja como for faz um troço do
caminho para cair sem chegar ao fim e preencher os
postos dos quadros médicos e pequenos, empregados,
pequenos e médios funcionários, pequeno-burgueses de
toda a espécie. Uma última parte consegue acender aos
cumes, quer para cair no semi-desemprego intelectual,
quer para fornecer, além dos ‘intelectuais do
trabalhador coletivo’, os agentes da exploração,
(capitalistas, managers), os agentes da repressão
(militares, polícias, políticos, administradores) e os
profissionais da ideologia (padres de toda a espécie, a
maioria dos quais são ‘laicos’ convencidos)21.
É dentro dessa perspectiva crítica que Althusser vê o papel da escola e da
educação no mundo capitalista. Instrumento de reprodução das
desigualdades e de manutenção e controle da ordem. Nesse sentido, caberia
à escola fornecer a matéria prima para o trabalho braçal e a as mentes para o
controle social. A escola e a educação são vistas como simples espaços de
condicionamento e controle (em certa maneira semelhante à visão
funcionalista de Durkheim).
1
21.ALTHUSSER,
Louis.Ideologia e
Aparelhos
ideológicos de
estado. Lisboa:
Presença 1970, p.
64-65.
Contudo, Althusser em sua abordagem, apesar de baseada no modo de
produção, não levanta alguns aspectos ligados às diferenças socioeconômicas
no sucesso ou fracasso escolar. Parte do mecanismo da luta de classe, a escola
e a educação se apresentam de forma negativa para a classe dominada
(proletariado). Para o pensador francês a força da ideologia da classe
dominante era completa sobre a classe dominada, não havendo uma
possibilidade de reação.
Essa abordagem não foi a única dentro das correntes de pensamento que
questionam e criticam o papel da escola na sociedade capitalista. Outros
pensadores enxergaram outros tipos de escolas e educação como forma de
transformação da sociedade e de resistência dentro do processo histórico da
luta de classes. Veremos um desses pensadores e abordaremos suas idéias e
conceitos.
42
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 03
3.2 Antonio Gramsci e a Escola como Espaço de Luta e Mudanças
Como estamos estudando, a perspectiva crítica da escola burguesa foi um dos
temas abordados por pensadores de esquerda durante o século XX.
Identificada como aparelho de manutenção da ordem capitalista burguesa, a
escola carrega, para alguns pensadores de esquerda, uma função específica
na montagem do Estado Contemporâneo.
Dentro desse contexto, destacamos o pensador italiano Antonio Gramsci
(1891-1937) como uma das referências do pensamento de esquerda no
século XX. Membro fundador do Partido Comunista Italiano (PCI), em 1922,
Gramsci se destaca na elaboração de um pensamento critico do mundo
capitalista em que vivia. Preso em 1926 após a ascensão do Partido Nacional
Fascista na Itália, liderado por Benito Mussolini, Gramsci continuou pensando
e assim escreveu sua principal obra, Cadernos do Cáceres (Quaderni Del
Carcere), uma obra com um total de 2.848 páginas de anotações manuscritas
e, que dentre outros temas, aborda a função da educação.
Figura 10- Fotografia de Antonio Gramsci
Fonte:http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/antonio-gramsci307895.shtml
Voltado para análise da sociedade italiana do período entre guerras (19181934), Gramsci elabora uma série de críticas e reflexões do sistema de ensino
italiano e o papel dos intelectuais que deveriam ser formados na sociedade
moderna industrial italiana. Essas observações e preceitos teóricos de
Gramsci foram difundidos após o fim da Segunda Guerra Mundial (1934-1945)
43
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 03
a
e influenciaram fortemente muitos pensadores da educação no Brasil, em
especial na década de 1980.
Ao observar a sociedade e o mundo capitalista burguês, Gramsci enxerga o
Estado dentro de um bloco histórico construído pela burguesia. Sendo assim,
O Estado burguês elabora toda uma aparelhagem de força coercitiva e de
consenso para a manutenção de uma Hegemonia Dominante, que atua na
manutenção da ordem e da dominação de uma classe social sobre outra em
suas diferentes esferas: política, cultural, social e intelectual, por exemplo.
Nesse sentido, podemos observar que para Gramsci, a hegemonia de um
bloco histórico (o burguês) não se faz apenas por aspectos da infraestrutura
(meios matérias de produção), mas a manutenção da hegemonia dominante
também é sentida em seus aspectos superestruturais como as esferas
políticas, jurídicas e religiosas.
É nessa análise que Gramsci identifica a estrutura do Estado dividida em dois
aspectos ou conjuntos de atuação: a sociedade política (espaço por onde age
o poder repressivo dos dirigentes) e a sociedade civil, formada por instituições
como Igrejas, sindicatos, partidos e a escola, onde atua a difusão da ideologia
dominante para a classe governada.
Montada essa estrutura de pensamento, o autor italiano identifica a escola
como um espaço que proporciona a manutenção da hegemonia dominante
como também um espaço de luta e de formação de uma contra-hegemonia. É
nesse espaço que o proletariado deve conquistar e elaborar outra ideologia.
Dessa forma, a escola deve passar de um espaço de interpretação
inconsciente, mecânica e fragmentado da realidade que leva ao senso
comum, para um local de construção de um conhecimento elaborado,
consciente e orgânico, ou seja, filosófica e criadora de uma nova cultura, a do
proletariado.
44
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
Competência 03
A construção de uma nova ideologia deve levar a uma “filosofia da práxis”,
um aparelho ideológico que leve a expansão da consciência das massas sobre
os aspectos infraestruturais e superestruturais, fazendo com que as massas
populares estejam melhor capacitadas para controlar suas vidas e dirigir a
sociedade ou mesmo controlar seu dirigentes.
Como a escola reflete a luta história de classes, ela se torna o local de onde
surge o Intelectual orgânico, ser que surge de um ou mais grupos sociais
existentes na sociedade. Usando as próprias palavras de Gramsci que afirma:
Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função
essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao
mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de
intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria
função, não apenas no campo econômico, mas também no social e
político: o empresário capitalista cria, consigo, o técnico da
indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma
22
nova cultura, de um novo direito, etc., etc.
Este tipo de intelectual que surge dentro de sua classe social se opõem ao
“Intelectual Tradicional”, uma categoria de intelectuais que já existem e que
são “representantes de uma continuidade histórica que não foi interrompida
nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das formas
sociais e políticas23 e que por sentirem com “espírito de grupo” a sua
ininterrupta continuidade histórica e sua “qualificação”, eles se põem a si
mesmos como autônomos e independentes do grupo social dominante24.
É partindo desses conceitos que Gramsci identifica a escola não apenas como
um espaço de manutenção da hegemonia dominante e de formação do
intelectual orgânico do bloco histórico burguês, mas a escola é também um
espaço de luta onde a classe operária explorada formar seu intelectual
orgânico e alterar a hegemonia dominante e constrói um conhecimento que
articula ação política e educação que, juntamente com a luta por mudanças
no modo produção, levam o sujeito a emancipação e autonomia. Educação e
22.GRAMSCI,
Antonio.
Cadernos do
cárcere, volume 2
/ edição e
tradução, Carlos
Nelson Coutinho;
co-edição, Luiz
Sérgio Henriques
e Marco Aurélio
Nogueira. - 2a ed.
- Rio de Janeiro:
Civilização
Brasileira,
2001.GRAMSCI,
A. Cartas do
cárcere. Rio de
Janeiro: Ed.
Civilização
Brasileira, 1978,
p. 15
23.GRAMSCI,
Antonio.
Cadernos do
cárcere, p. 16
24.GRAMSCI,
Antonio.
Cadernos do
cárcere, p. 17.
45
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
Competência 03
a
trabalho, educação e ação política, educação e liberdade são relações centrais
na ideia gramsciana de educação.
46
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dessa caminhada podemos estudar e avaliar os diferentes projetos,
propostas e práticas pedagógicas que influenciaram ou que ainda influenciam
a maneira como a escola e a educação são vistas e, principalmente,
vivenciadas em nossas escolas.
Como parte integrante de uma sociedade em constante transformação, a
escola também mudou. Contudo, todas as propostas ou mesmo práticas
pedagógicas que atuaram sobre a escola estão fortemente atreladas a um
sentimento de utilidade e de esperança no processo educativo de nossos
jovens.
A escola pode ser vista como um instrumento de manutenção ou de
transformação da ordem social dominante, mas todos os pensadores que
estudamos enxergam o papel relevante e extremamente importante em
nossa sociedade.
Apesar das diferentes concepções de escola e de educação, em nossa
sociedade o papel da escola e da educação se apresenta como uma discussão
fundamental, pois nos revela, em parte, qual o projeto de futuro e de mundo
que desejamos. Definir o tipo de escola e de educação que temos e que
desejamos definir em parte o tipo de sociedade que temos e que sonhamos.
Talvez você tenha identificado parte de sua própria visão de mundo em
algumas das correntes de pensamento que foram apresentadas nessas
páginas. Talvez você tenha questionado a visão de alguns pensadores ou
concordado com um ou mais de um desses pensadores. Tudo isso se deve a
sua própria construção do que é e do que poderia ser uma educação e uma
escola que você vivencia ou que deseja.
Partindo dessa pequena exposição desejamos que suas esperanças e críticas,
os modelo de escola e educação que temos não adormeçam, mas que se
47
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
a
despertem do sono da conformidade e o façam arregaçar as mangas da
esperança. Tarefa árdua, muitas vezes não reconhecida e geralmente pouco
lembrada, educar é cuidar das gerações mais novas, é construir sonhos em
mentes antes desérticas de desejos e chacoalhar vidas envolvidas na inércia
da desilusão.
48
Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
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Técnico em Multimeios Didáticos e Secretaria Escolar
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Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
51
Educação, Sociedade e Trabalho: Abordagem Sociológica da Educação
a
CURRÍCULO DO PROFESSOR PESQUISADOR
Ezequel David do Amaral Canario possui Licenciatura Plena em História pela
Universidade Federal de Pernambuco (2007.2) e Mestrado em História pela
Universidade Federal de Pernambuco- UFPE. Atualmente ensina no curso de
História da Faculdade Joaquim Nabuco (São Lourenço da Mata-PE) e no
ensino fundamental II do Colégio Americano Batista ( Recife-PE)
52
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