Princípios de conservação e Equação de Evolução Os princípios fundamentais da Mecânica aplicam-se a corpos materiais e por isso em fluidos aplicam-se a uma porção de fluido e não a um volume fixo do espaço. Este texto descreve os princípios de Conservação da massa e a lei de Newton e mostra como, usando o chamado teorema de Reynolds, se passa de um volume material para um volume do espaço. Implicitamente o texto mostra o significado de derivada total (ou material), de derivada local temporal e de derivada convectiva. O texto termina apresentando a forma geral de uma equação de evolução. 1.1 CONSERVAÇÃO DA MASSA: A lei de conservação da massa foi “popularizada” pela frase de Lavoisier “Nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma”. Efectivamente, o que esta frase pretende dizer é que a massa se conserva: dM 0 dt Esta equação só é posta em causa pela teoria da relatividade, onde a massa se pode transformar em energia. 1.2 LEI DE NEWTON, QUANTIDADE DE MOVIMENTO E ENERGIA CINÉTICA A lei de Newton diz que a resultante das forças aplicadas sobre um corpo é igual ao produto da massa pela aceleração: dv i dv F M Fi M dt dt , A lei de Newton pode ser escrita como uma equação de evolução da quantidade de movimento utilizando a lei da conservação da massa, em vez de ser uma equação de evolução da velocidade. dv dM d Mv FM v dt dt dt Esta equação diz que a resultante das forças aplicadas sobre uma massa é igual à taxa de variação da sua quantidade de movimento. A lei de Newton permite também analisar o significado de quantidade de movimento. Integrando a força e a aceleração do corpo ao longo do tempo obtém-se: T T V dv dv FM Fdt M dt Mdv Mv dt dt 0 0 v 0 Esta equação mostra que a quantidade de movimento de um corpo é o integral temporal do somatório das forças aplicadas sobre um corpo inicialmente em repouso. Isso mostra que forças pequenas podem ser determinantes para um escoamento se actuarem ao longo de muito tempo. É o que se passa na atmosfera e no oceano com a força de coriolis. Se o corpo tivesse velocidade inicial v o o integral da força no tempo (impulso da força seria igual à variação de quantidade de movimento do corpo: T T V dv dv F M Fdt M dt Mdv M v v 0 dt dt 0 0 v v 0 Perceber a diferença entre quantidade de movimento e energia cinética é um aspecto crítico para a mecânica dos fluidos. Energia = Trabalho. Então: v2 e 2 dv e 2 dv 1 2 2 F d e M d e M v dt M v e1 e1 dt e1 dt v1 dv 2 V2 V1 e2 Onde e representa o vector posição. Esta equação mostra que o trabalho das forças que actuam um corpo ao longo do seu deslocamento é igual à variação da sua energia cinética durante o período do deslocamento. Enquanto que a quantidade de movimento varia desde que a resultante das forças aplicadas sobre o corpo seja não nula, a energia cinética só varia se existir trabalho. Assim, as forças perpendiculares ao movimento modificam a quantidade de movimento, mas não lhe modificam a energia cinética porque o produto interno da força pelo deslocamento é nulo. 1.3 TEOREMA DE REYNOLDS A lei de conservação da massa e a lei de Newton aplicam-se a um volume material, frequentemente designado por “sistema”, que é o volume que contém a massa M utilizada nas equações acima. O teorema de Reynolds permite relacionar um volume material “sistema” e um volume fixo do espaço por onde vai passando o fluido durante o seu deslocamento, i.e. o volume fixo do espaço é um volume por onde vão passando vários sistemas materiais. Consideremos o conjunto dos 3 volumes materiais e o volume de controlo (volume fixo no espaço) representados na Figura 1. O volume de controlo fixo é coincidente com o sistema material 2, no instante inicial (t0), i.e. está completamente ocupado pelo sistema material 2. Seja B o valor de uma propriedade genérica associada a cada um dos volumes. Assim: Bsistema i : valor total da propriedade no sistema i (com i =1, 2 ou 3) Bvc: valor total da propriedade no volume de controlo. Três porções de fluido Vol. de (sistemas 1, 2 e 3) no instante controlo inicial T0. (vc) O sistema 2 coincide com o volume de controlo. Sistema 1 Sistema 2 Sistema 3 Figura 1: Conjunto de três volumes materiais e de um volume de controlo fixo no espaço. O volume material “2” coincide com o volume de controlo no instante “t0”. A taxa de Variação da propriedade no Sistema i será: BsistemaI t t BsistemaI t 0 0 t e no volume de controlo será: Bvc t t Bvc t 0 0 t No instante t0 o sistema 2 coincidia com o volume de controlo e portanto: Bvc t 0 Bsistema 2 0 t em t0 + t a relação entre ambos é dada pelo que entra, menos o que sai, como se pode ver na Figura 2. Parte do material que compõe o Sistema 2 já saiu do Volume de Controlo e parte do material que constitui o Sistema 1 já entrou no Volume de Controlo. Três porções de fluido Vol. de (sistemas 1, 2 e 3) no instante controlo inicial T1=. T0+dt (vc) O sistema 2 coincide com o volume de controlo. Sistema 1 Sistema 2 Sistema 3 Figura 2: Localização dos três volumes materiais que inicialmente estavam na posição indicada na Figura 1, depois de decorrido um intervalo de tempo dt. Algum do material do Sistema 2 já saiu e algum do material que constitui o Sistema 1 já entrou. Bvc t t Bsistema 2 t t massa _ que _ entra massa _ que _ sai 0 0 então a taxa de variação da propriedade B no interior do volume de controlo pode ser relacionada com a taxa de variação no sistema que o ocupava no início do intervalo de tempo substituindo as expressões anteriores na que dá a taxa de variação no volume de controlo: Bvc t t Bvc t 0 B t 0 = t t Bsistema 2 t 0 sistema 2 t 0 quantidade _ que _ entra quantidade _ que _ sai t As quantidades que entram ou saem por unidade de tempo são os fluxos A quantidade total da propriedade existente no interior do volume é dada pelo integral no volume do valor específico dessa propriedade ( dB ) dV B dV Os fluxos podem ser advectivos ou difusivos. O fluxo advectivo representa o transporte pela velocidade, sendo dado por: advB v .n dA A velocidade é medida sobre a superfície e por conseguinte é a velocidade relativa. à superfície do volume. No caso do volume de controlo fixo é a velocidade do escoamento. Se o volume de controlo se deslocasse à velocidade do fluido a velocidade relativa seria nula e a variação no interior do volume de controlo seria igual à variação das propriedades do fluido que nele estava contido no instante inicial. Neste caso a taxa de variação no interior do volume seria igual à taxa de variação do sistema 2. O fluxo difusivo pode ser calculado a partir da lei de Fick: dif B .n j dA .ndA x j Este fluxo existe desde que existam gradientes da propriedade. Por conseguinte o fluxo existe através das faces do volume fixo e do volume material, sendo o mesmo quando eles são coincidentes. Deste modo este fluxo não contribui para as diferenças entre o que se passa no interior de cada um dos volumes de controlo (fixo ou material) e não deve ser considerado na equação que dá a diferença entre o que se passa em cada um dos volumes. O que se passa no interior de ambos os volumes pode então ser relacionado pela equação: t dV vc d dV v .n dA a dt sistem surface A variação no interior do sistema material é devida à produção (fontes) e ao consumo (poços ou sumidouros) e à difusão referida acima. O teorema de Reynols indica que a diferença entre o que se passa no interior de um volume fixo no espaço e o que se passa no seio do fluido (sistema material) é quantificado pelo integral dos fluxos advectivos através da sua superfície. Se volume de controlo tiver deslocamento, a diferença entre a taxa de acumulação no seu interior e o que a taxa de acumulação no seio do fluido é quantificada pelos fluxos advectivos associados à velocidade relativa. Se o volume for suficientemente pequeno (volume elementar, V) para que possa ser considerado constante no seu interior e sobre cada uma das suas faces, bem como a velocidade e a difusividade, esta equação pode ser escrita como: d V V v .n Aentrada v .n Asaida t dt Mas d ( V ) d( ) d ( V ) d( ) u V V V k dt dt dt dt x k Se o volume de controlo for indeformável e tiver as faces alinhadas com os eixos coordenados, com comprimentos xj a equação escreve-se como: dV x2 x3 v1 x1 x2 x3 v1 x x t t x1x3 v 2 x 2 x1x3 v 2 x 2 x1x2 v 3 x 3 x1x2 v 3 x x1x2 x 3 1 2 1 1 3 x 3 substituindo a equação anterior nesta e fazendo tender xj para zero, obtém-se: d v v d v v j , ou dt t x j x k k t dt xk x j j k Desenvolvendo o segundo termo do segundo membro obtém-se a expressão da derivada total temporal em função da derivada local temporal e da derivada convectiva: d vj dt t x j A derivada total representa por conseguinte a taxa de variação de uma propriedade no interior de um volume material, enquanto que a derivada local representa a taxa de variação num volume fixo (derivada local temporal). A derivada convectiva (ou advectiva) representa o que sai menos o que entra. 2 Equação de Transporte No parágrafo anterior quantificámos: O valor total de uma propriedade no interior de um volume de controlo (integral do valor específico dessa propriedade no interior do volume de controlo); Escrevemos a taxa de variação temporal dessa propriedade num volume de controlo fixo e numa porção de fluido (sistema); Verificámos que a variação no seio de um volume de controlo fixo e no seio do fluido que está a passar por esse volume de controlo fixo estão relacionadas pelo integral do fluxo advectivo ao longo da superfície do volume fixo e que por isso a taxa de variação no interior de volume fixo pode ser sintetizada como “a taxa de variação de uma propriedade no interior de um volume de controlo é igual ao que entra, menos o que sai, mais a taxa de variação no seio de fluido em movimento” Fazendo tender o volume de controlo para zero, verificámos que a relação entre a taxa de variação no seio do fluido e num volume fixo é dada pela relação entre as derivadas total e parcial temporal, representando a derivada convectiva o integral do fluxo convectivo ao longo da superfície do volume de controlo. Aquando da introdução do conceito do fluido como meio continuo e do conceito de velocidade num escoamento foi mostrado que o movimento browniano das moléculas não é quantificado pela velocidade. O efeito desse movimento resulta num transporte à escala molecular cuja intensidade está associada à facilidade do movimento das moléculas, quantificada através da difusividade. O fluxo resultante deste movimento depende da difusividade e do gradiente da propriedade, de acordo com a lei de Fick (também chamada de Fourier, quando se trata de calor). No caso de a propriedade transportada ser a quantidade de movimento e de se tratar de líquidos, os processos de escala molecular envolvem o rompimento de grupos de moléculas. Por esta razão a difusividade de quantidade de movimento é tratada de forma diferente da difusividade de outras propriedades, sendo designada por viscosidade. Depois dos conceitos introduzidos acima, estamos agora em condições de escrever a equação de evolução (ou de transporte) de uma propriedade. No seio de um fluido em movimento uma propriedade pode evoluir devido aos processos de produção e destruição (frequentemente designados por “fontes e poços”) ou devido ao fluxo difusivo através da sua superfície, não quantificado através da velocidade do fluido. O transporte pela velocidade permitirá relacionar a equação para um volume de fluido em movimento, com a equação para outro volume de fluido. Consideremos de novo os volumes de controlo fixo e material, coincidentes no instante t0. Calculando os fluxos vamos relacionar o valor de uma propriedade no instante t0, no interior do volume de controlo fixo com o seu valor num instante t0+t. A partir do conceito de derivada total passaremos da equação no volume fixo para a equação para um volume material. Para calcular a taxa de variação no interior do volume teremos que considerar os fluxos difusivo e advectivo: dV v . n k .n dA t vc surface Definindo um volume de controlo paralelepipédico, indeformável, os fluxos podem ser expressos em termos das 3 componentes da velocidade e dos gradientes: x1 x 2 x 3 dV x 2 x 3 v1 x 2 x 3 v1 t t x1 x 1 x1 x x 1 1 x1 x 3 v 2 x1 x 3 v 2 x1 x 2 v 3 x1 x 2 v 3 x2 x 2 x2 x 2 x3 x 3 x 3 x x 2 1 3 Fazendo de novo tender o volume para zero obtém-se a equação de transporte em coordenadas cartesianas: v k t x k x j v j xj ou desenvolvendo o termo convectivo: v v k j vj t x k x j x j x j xj O primeiro e segundo termos do segundo membro da equação anulam-se. Considerando a relação entre a derivada local temporal e a derivada total a equação pode ser escrita como: d vj dt t x j x j xj No caso de a propriedade ter fontes ou poços (não ser conservativa) a equação deverá ser escrita como: 3 d vj dt t x j x j F P xj Quando consideramos um volume de controlo que acompanha o fluido estamos a usar um formalismo lagrangeano (derivada total = difusão + fontes – poços), enquanto que quando consideramos um ponto fixo do espaço estamos a usar um formalismo euleriano (derivada local=advecção+difusão+fontes - poços). Se a propriedade transportada for a massa volúmica do fluido, o termo difusivo é nulo e a produção/destruição dependem da divergência da velocidade. Fazendo = e ( F P) v j x j Obtém-se a equação da continuidade. Fazendo =vi e (F-P) = Somatório das forças aplicadas, obtém-se a equação de transporte de quantidade de movimento. 3 Nota final Este texto apresenta o conceito de equação de evolução para uma propriedade genérica como”o somatório do que entra mais o que sai, mais o que se produz e menos o que se destrói”. O texto mostra ainda a relação entre um volume material (formulação lagrangeana) e um volume de controlo fixo (formulação eulerianas), mostrando que ambas estão relacionadas pelo fluxo advectivo, da mesma maneira que a derivada total temporal (lagrangeana) está relacionada com a parcial pela derivada convectiva, a qual, em termos diferenciais tem o mesmo significado que o integral do fluxo advectivo numa formulação integral. Estas equações são a base do estudos dos processos de transporte de qualquer propriedade no ambiente e da própria mecânica dos fluidos. As equações mostram que quando as equações se tornam não lineares quando a propriedade transportada é a velocidade. Essa não linearidade advém do facto de a velocidade se transportar a ela própria e é responsável pelo facto de as chamadas forças de inércia (massa vezes aceleração) serem proporcionais ao quadrado da velocidade.