GENTRIFICAÇÃO: EM BUSCA DE CONCEITUAÇÃO NOS PAÍSES

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
GENTRIFICAÇÃO: EM BUSCA DE CONCEITUAÇÃO NOS PAÍSES
PERIFÉRICOS1
MICHELLY LIMA REINA2
ARTHUR MAGON WHITACKER3
Resumo: O termo gentrificação vem sendo utilizado no Brasil para designar mudanças no conteúdo
socioeconômico de determinadas áreas, notadamente em áreas de moradia operária ou de
segmentos mais baixos de renda, áreas centrais e antigos espaços industriais, atacadistas ou de
modais de transporte que tenham perdido funções originais. Questionamo-nos sobre a adequação de
seu uso em países periféricos e em que medida se estaria frente a uma generalização conceitual ou a
uma ampliação do termo, necessária a sua ressignificação, frente a novas realidades. Neste texto
buscamos apresentar a conceituação original e mudanças no termo gentrification e, propomos
procedimentos de investigação que podem resultar numa análise crítica deste quadro, bem como
formulamos questões postas ao debate a partir do caso da cidade de São Paulo.
Palavras-chave: gentrificação; centro da cidade; São Paulo.
Abstract: Gentrification has been used in Brazil to denote changes in the socioeconomic content of
specific areas, notably in areas of workers or lower-class housing, downtown and old industrial
buildings, wholesale activities or transportation’s nodes that have lost primary functions. We wonder
about the appropriateness of its use in peripheral countries and to what extent they would be facing a
conceptual generalization or an extension of the term, required its redefinition, facing new realities. In
this paper we seek to present the original concept and changes in the term gentrification and propose
research issues that can result in a critical analysis of this framework and formulate questions to the
debate from the case of São Paulo.
Keywords: gentrification; downtown; São Paulo; Brazil.
1
Este trabalho foi desenvolvido partindo-se dos dados e análises sobre São Paulo presentes na
dissertação de mestrado da primeira autora (REINA, 2013) e das reflexões e estudos empreendidos
pelo segundo autor no desenvolvimento das pesquisas “Lógicas Econômicas e Práticas Espaciais
Contemporâneas” e “Centro e Centralidade Intraurbana”, estas duas financiadas pela Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Fapesp, e ainda em andamento.
2
Mestre em Planejamento e Gestão do Território pela Universidade Federal do ABC (UFABC)
campus de Santo André. Graduada em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP),
campus de Presidente Prudente. E-mail de contato: [email protected].
3
Doutor, Mestre e Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de
Presidente Prudente. Professor no Departamento de Geografia desta mesma instituição. E-mail de
contato: [email protected].
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1. Apresentação
O termo gentrificação (do inglês gentrification) vem sendo utilizado no Brasil,
por geógrafos, arquitetos, urbanistas e também em estratégias de city marketing e
de promotores imobiliários, para designar mudanças no conteúdo socioeconômico
de determinadas áreas (o que implicaria num foco em processos espaciais)
notadamente em áreas de moradia operária ou de segmentos mais baixos de renda,
áreas centrais e antigos espaços industriais, atacadistas ou de modais de transporte
que tenham perdido funções originais.
Esse termo, por sua vez, aparece com frequência associado a outros, tais
como reabilitação, readequação, refuncionalização,
regeneração, renovação,
requalificação e revitalização urbanas4. Nesse caso, a relação se dá mais com as
formas espaciais, mantidas, embelezadas ou substituídas por outras.
Parece-nos válido questionar se vem se apresentando mais o resultado
pontual de um processo mais amplo do que o próprio processo em si. Ou seja, a
exposição de ações, mais ou menos orquestradas, públicas e/ou privadas em
determinadas áreas da cidade, mais que a investigação ampla da reestruturação
espacial, o que denunciaria outra faceta da gentrificação que implicaria no seu
entendimento no bojo da clivagem social que se assevera nos espaços urbanos e se
relaciona à produção capitalista da cidade. Assim, a gentrificação seria não um
processo, mas um fenômeno que, para seu entendimento, exigiria o rebatimento em
escalas e ações mais amplas.
Seria seu uso adequado aos países periféricos, notadamente, aos espaços
urbanos brasileiros? Em que medida se estaria frente a uma generalização
conceitual? Ou se observaria uma ampliação do termo, necessária a sua
ressignificação, frente a novas realidades?
Sem intentarmos esgotar tal assunto, essa discussão será por nós enfrentada
neste texto buscando sua proposição original e, a partir do caso da cidade de São
Paulo, avaliando sua adequação. Em seguida, propomos procedimentos de
4
Aqui a polissemia é evidente. Muito embora cada termo desses carregue significados subliminares
ou associações evidentes com uma ou outra corrente teórica (WHITACKER, 2011; REINA, 2013),
não estabelecemos neste artigo tais distinções. Quando aqui comparecem associados a um
determinado autor ou obra, foram transcritos como lá estavam (ou apenas traduzidos, conforme o
caso).
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investigação que podem resultar numa análise crítica deste quadro, bem como
formulamos questões postas ao debate e às quais não temos respostas definitivas.
2. O conceito de gentrificação e sua ressignificação
Smith (2010) aponta alguns elementos importantes para se estabelecer o
conteúdo do termo gentrificação e, portanto, para toma-lo como conceito.
Primeiramente, Smith (2010: p. 31) situa a emergência da gentrificação nas cidades
do pós-guerra do capitalismo avançado. Embora identifique, na literatura, exemplos
do que ele chama de “proto-gentrificação” na Paris pós reforma de Haussmann, na
Manchester, descrita por Engels, por exemplo (SMITH, 2010: p. 31-32), faz aquele
autor uma distinção clara: “It would be misleading to consider this gentrification, however, insofar
as such redevelopment was an integral part of the outward geographical expansion of the city and not,
as with gentrification, a spatial reconcentration.
” (SMITH,2010 p. 32) [grifos nossos].
Assim, tem-se dois primeiros elementos à discussão: i) a localização no
tempo e no espaço, ainda que com alguma generalização, do surgimento da
gentrificação, considerando-se, no entanto, a ocorrência de processos a ela
precursores; ii) o entendimento de que a gentrificação não se caracteriza pelo
espraiamento rumo às periferias geométricas das cidades dos segmentos mais
abastados, num processo de suburbanização (se tomarmos as cidades norteamericanas como um exemplo) ou compreendendo os atuais desenhos da
segregação socioespacial nas cidades brasileiras, caracterizadas mormente pela
eclosão de espaços residenciais fechados nestas mesmas porções exteriores da
cidade. Trata-se, como frisado, de um processo de reconcentração espacial de
segmentos médios e altos de renda que ocorrem no seio do espaço urbano (innercity) e não em seus espaços alargados.
Uma importante consideração é feita por este autor ao estabeler que, a partir
dos anos de 1970 a gentrificação começa a se tornar um fenômeno não apenas
observado e descrito nas grandes cidades capitalistas, mas também em cidades de
dimensão demográfica menor nos países capitalistas centrais e em algumas
metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro (SMITH, 2010: p. 33-34) passando a
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correlaciona-la a uma combinação de fatores locais com elementos globais próprios
a um processo de reestruturação capitalista (SMITH, 2010, p. 34-35).
O termo gentrification5 aparece pioneiramente num estudo centrado em
Londres e elaborado no âmbito do planejamento urbano por Glass (1964). Esta
autora assim estabeleceu o quadro que denominou de gentrificação:
One by one many of the working class quarters of London have been
invaded by the middle class – upper and lower. Shabby, modest mews and
cottages – two rooms up and two down - have been taken over, when their
leases have expired, and have become elegant, expensive residences.
Larger Victorian houses, downgraded in an earlier or recent period – which
were used as lodging houses or were otherwise in multiple occupation –
have been upgraded once again […] Once this process of “gentrification”
starts in a district, it goes on rapidly until all or most of the working-class
occupiers are displaced and the whole social character of the district is
changed. (GLASS, 1964, p. 18-9).
Há, assim, claro entendimento de que o fenômeno estava circunscrito,
naquela análise, à dimensão da substituição de uma população residente mais
pobre por outra mais rica, implicando em novos usos às formas habitacionais
renovadas. Smith (1979), talvez um dos geógrafos que mais tenham se dedicado à
discussão desse tema, acolhe esse significado restrito ao mercado de moradias,
estabelecendo,
porém,
uma
importante
distinção
entre
gentrificação
e
redesenvolimento: o primeiro se referiria à reabilitação do estoque de moradias já
existente; o segundo envolveria exclusivamente novas construções.
Porém, em publicação mais recente (SMITH & WILLIAMS, 1986), o próprio
autor questiona a validade desta distinção num quadro mais amplo de
reestruturação em que se observaria profundas mudanças na paisagem central das
cidades, em que se combinariam os dois elementos. Esse quadro seria mais
abrangente e complexo, constituindo-se numa característica marcante das grandes
cidades (SMITH, 2010, p. 34-6). Questiona o autor:
5
Não seria inoportuno avaliar se o próprio aportuguesamento da expressão inglesa gentrification é
adequado. No Brasil, a utilização mais frequente é a translação que resulta no termo que
empregamos neste artigo, gentrificação. Em Portugal, embora uma alternativa tenha sido proposta
por Salgueiro (2001), nobilitação urbana, também emprega-se largamente a expressão gentrificação.
Em francês, o termo embourgeoisement concorre com outros como gentilhommisation e
ennoblissement (sendo o primeiro defendido por BOURDIN, 2008), no entanto, também se faz
corrente uso do termo gentrification (ESPACES ET SOCIÉTÉS, 2008).
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How, in the larger context of changing social geographies, are we to
distinguish adequately between the rehabilitation of nineteenth-century
housing, the construction of new condominium towers, the opening of
festival markets to attract local and not so local tourists, the proliferation of
wine bars – and boutiques for everything – and the construction of modern
and postmoderns office buildings employing thousands o professionals, all
looking for a place to live [...]? (SMITH, 2010, p. 35).
Há, assim, uma transição nos escritos de Smith que redunda numa ampliação
do conceito original de gentrificação, apliando-o para retratar não apenas as
mudanças observadas nas práticas que elvolviam a moradia, mas também em
práticas de consumo nos ditos espaços gentrificados e destes próprios,
compreendendo-se este fenômeno como atinente ao quadro geral da reestruturação
econômica e espacial:
Gentrification is no longer about a narrow and quixotic oddity in the housing
market but has become the leading residential edge of a much larger
endeavor: the class remake of the central urban landscape. It would be
anachronistic now to exclude redevelopment from the rubric of gentrification,
to assume the gentrification of the city was restricted to the recovery of an
elegant history in the quaint mews and alleys of old cities, rather than bound
up with a larger restructuring (Smith and Williams, 1986).Smith (2010, p. 35).
Essa relação entre gentrificação e esse quadro mais amplo, em síntese, se
daria porque a revalorização das áreas centrais6 estaria fundamentalmente
associada a uma dinâmica de revalorização do capital imobiliário, inclusive, via
algumas denominadas ações de planejamento urbano (d’ARC, 2006; ROUSSEAU,
2008); porque essa dinâmica se estabeleceria num contexto mais amplo de
transformações que envolvem a própria reprodução hodierna do capital; porque se
trataria não mais de um fenômeno local, raro ou excepcional, mas global (SMITH,
2010; SMITH, 2002; SMITH, 1996; SMITH & WILLIAMS, 1986)7.
Nossa leitura do que, então, passou-se a estabelecer como gentrificação se
apoia firmemente em Neil Smith, muito embora os estudos de Hamnett (2003a,
2003b) estabeleçam questões importantes a se considerar que não são valorizadas,
6
Estamos utilizando neste texto uma abordagem mais ampla ao denominarmos as áreas que
possuem centralidade e onde ocorreria a gentrificação como “áreas centrais”. Em outros trabalhos,
tivemos por objeto e tema essa própria conceituação, denominando todas as áreas que expressam
centralidade como áreas centrais e distinguindo o que chamamos de centro consolidado e centro
principal (WHITACKER, 2015).
7
Observar, também: Davidson (2007); Lebreton & Mougel (2008).
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ou centrais, na abordagem de Smith. Muito embora Hamnett possua abordagem a
partir de um viés que podemos denominar “culturalista” (REINA, 2013) e que em
alguns estudos denota uma leitura com forte influência das chamadas dinâmicas de
acomodação próprias à Escola de Chicago, deve-se considerar que os processos
culturais, ou de motivação oriunda de grupos e segmentos sociais também podem
se relacionar às práticas espaciais que culminam tanto na valoração, quanto na
desvalorização de determinados espaços, seja para as escolhas de moradia, seja
para as escolhas de consumo.
Se nas obras de Smith o foco está na produção capitalista da cidade, no
preço e renda da moradia, ideia formulada em sua teoria do rent gap (Smith, 1996) (o
que ampliaríamos para preço e renda do imóvel, considerando-se a hipótese de uma
gentrificação com outros usos que não apenas o da habitação), em Hamnett a
gentrificação se estabelece, em primeiro lugar, pela “escolha”. Consideramos
oportuna esta distinção, mas compreendemos que os elementos de escolha,
portanto associados à matizes culturais na obra de Hamnett, estão em posição
subjacente àquelas estabelecidas por Smith.
Tanto um autor como outro, no entanto, estabelecem pouca relação entre a
gentrificação e o que pode se mostrar como um elemento a ser sopesado no estudo
deste fenômeno nas cidades brasileiras e que parece ser determinante: trata-se da
acessibilidade das áreas centrais e da mobilidade dos moradores e trabalhadores.
Para Smith uma teoria da gentrificação tem que explicar o processo histórico
de desvalorização do capital no centro da cidade e de que modo essa
desvalorização produz a possibilidade de reinvestimento lucrativo. (SMITH, 1996).
Em seus estudos sobre gentrificação, Smith (2006, p.74) afirma que em São Paulo
até 2006 "o processo é espacialmente isolado e se encontra praticamente no início",
indicando que São Paulo, não havia conhecido nem a primeira nem a segunda fase
da gentrificação, ou seja, para ele, primeiramente um processo que ocorre de forma
pontual e esporádica, promovido em parte, por artistas que instalam seus ateliês e
passam a viver em bairros centrais, e posteriormente, a promoção desses bairros é
assumida pelos promotores imobiliários. Com relação ao centro de São Paulo,
poderíamos arriscar que alguns bairros já vivenciam a primeira fase da gentrificação,
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outros já entraram na segunda fase e outros ainda estão prestes a entrar na
segunda fase.
Além disso, cabe ressaltar que o poder público tem tido um papel importante
e contraditório, ora promovendo políticas de inclusão e proteção social (no mais das
vezes, em atendimento a demandas e pressões de grupos organizados e
movimentos populares urbanos), e ora adotado o discurso pró-elitização e
promovendo políticas de incentivo à atração de investidos privados para inflar o
ambiente de negócios na cidade.
3. Gentrificação em São Paulo
A história recente da cidade mostra que o processo de abandono e
desinteresse de atuação no centro, promovido tanto pelo poder público, quanto pelo
mercado imobiliário, constitui-se direta ou indiretamente na formação de uma
reserva de território, de localização, mais do que apenas e simplesmente, um
processo demográfico, de transferência populacional.
Foi durante a gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992) do PT, que
ocorreu a aprovação da primeira Operação Urbana na cidade de São Paulo, a
Operação Urbana Anhangabaú, buscando atrair investimentos privados no
melhoramento da infraestrutura dos espaços públicos. Na área da habitação,
considera-que a política implementada superou a produção tradicional de unidades
novas para venda em grandes conjuntos periféricos produzidos por empreiteiras,
ampliando-se o leque de políticas por meio da: construção de unidades novas (em
conjuntos pequenos) através de mutirões em co-gestão em parceria com
associações de moradores e movimentos de moradia (FELIPE, 1995; COMARU,
1998).
Na gestão do prefeito Paulo Maluf (1993-1996) do PP, em relação a habitação
desarticulou-se o papel das estruturas administrativas8 e os procedimentos
relacionados com as políticas urbanas e sociais do governo anterior; paralisou-se os
empreendimentos por mutirão; deu-se continuidade às obras por empreiteira,
fortalecendo a terceirização dos serviços técnicos (IKUTA, 2008; FELIPE, 1995). A
8
Particularmente no que se refere a Habi – Superintendência de Habitação Popular da Secretaria de Habitação
da Prefeitura de São Paulo.
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gestão do prefeito Celso Pitta também do PP (1997-2000) não apresentou nenhuma
política expressiva para o centro da cidade.
Na gestão da prefeita Suplicy (2001-2004) do PT, o Programa Morar no
Centro9, buscava, entre outras ações, realizar a "recuperação e requalificação de
edifícios que se encontram vazios, subutilizados e degradados, para uso residencial,
destinados a famílias com renda entre 0 e 6 salários mínimos", através de ações de
"melhoria ambiental no Perímetro de Reabilitação Integrada do Habitat (PRIH -Luz)",
na estruturação de um Programa de Locação Social, "mediante a construção de
pequenos edifícios em lotes intersticiais para uso residencial, tendo como públicoalvo famílias e pessoas sós com renda inferior a 3 salários mínimos", além da
melhoria das condições de vida em cortiços e moradias coletivas e urbanização e
regularização fundiárias de favelas, como no caso da favela do Gato.
Já na gestão dos prefeitos José Serra (2005-2006) e Gilberto Kassab (20062008) a iniciativa mais expressiva foi referente ao programa “Nova Luz”, com um
destaque também para a Lei de Incentivos Seletivos. O Programa visou incentivar a
implantação de novas atividades comerciais e de prestação de serviços, mais
sofisticados que as existentes como: galerias de arte, shopping centers, escritório de
marketing e propaganda, entre outras, com o objetivo “de promover e fomentar o
desenvolvimento adequado da região”10. Cabe-nos esclarecer ainda, que o
Programa de Incentivos Seletivos, parecia ser uma tentativa do poder público em
valorizar a região transformando a paisagem do centro, com a oferta de novas
atividades de comércio e serviços, voltadas aos consumidores de renda média, em
contradição às atividades que lá se encontram, bem como, ao perfil popular dos
consumidores. Em junho de 2012, o Projeto Nova Luz foi paralisado por ação judicial
da Defensoria Pública que evidenciou a falta de participação popular na aprovação
do projeto, e inexistência de um cadastro de moradores que seriam atingidos no
9
A Programa fazia parte da Ação Centro, programa da PMSP, que tinha como objetivo reverter o processo de
degradação e abandono do centro da cidade, através da implementação de projetos sociais e intervenções
urbanas capazes de qualificarem os espaços públicos e restabelecerem suas potencialidades.
10
Projeto Nova Luz. Disponível em: http://www.novaluzsp.com.br/proj_hist.asp?item=projeto. Acessado em
30/05/12
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perímetro de intervenção, mostrando descomprometimento do poder público com a
população da região.
4. Procedimentos e questões à investigação
Neste contexto, a atuação do mercado imobiliário, como uma das molas
propulsoras do retorno populacional e de ocupação de regiões dotadas de
infraestrutura urbana e serviços, pela presença de novos lançamentos imobiliários,
configura-se como uma hipótese importante a ser checada. Para esta análise,
utilizamos informações do banco de lançamentos imobiliários residenciais da
Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (EMBRAESP). Esses dados são
referentes aos distritos do centro de São Paulo entre 1990 e 2010. O banco de
dados é composto por empreendimentos verticais e horizontais, que foram objeto de
comercialização e propagandas nos meios de comunicação (jornais, revistas,
panfletos, e aprovados pela Secretaria da Habitação do Município de São Paulo).
No período analisado, identificamos o lançamento de mais de 55 mil novas
unidades habitacionais na área central de São Paulo, correspondente a 22% de toda
produção imobiliária do município. Realizamos também um mapeamento das
informações dos lançamentos imobiliários, utilizando o Código de Endereçamento
Postal-CEP e o endereço completo, por meio de uma técnica chamada de
adressmatching.11.
Na década de 1990, notamos que os distritos do Bom Retiro e Brás, não
foram alvo de nenhuma produção imobiliária nova. Já os distritos de Santa Cecília,
Consolação, Bela Vista, Liberdade e Mooca, apresentam grande concentração
dessa produção. Na década de 2000, em números absolutos, os distritos que mais
apresentaram lançamentos foram respectivamente: Mooca, Barra Funda, Bela Vista,
Liberdade e Santa Cecília, evidenciando a atuação do mercado no que chamamos
de anel imobiliário, como podemos observar nos mapas 1 e 2 abaixo.
11
Um processo que compara um endereço ou uma tabela de endereços para o endereço de atributos de um
conjunto de dados de referência para determinar se um determinado endereço cai dentro de um intervalo de
endereços associado com um recurso no conjunto de dados de referência.Se um endereço cai dentro da faixa de
endereços de um recurso, que é considerado um jogo e uma localização pode ser devolvido. Fonte:
http://support.esri.com/en/knowledgebase/GISDictionary/term/address matching
Acessado em 06/08/2013
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Mapa 1: Lançamentos imobiliários nos distritos centrais (1990-1999)
Fonte de dados: EMBRAESP
Organização: REINA e WHITACKER, 2015.
Mapa 2: Lançamentos imobiliários nos distritos centrais (2000-2010)
Fonte de dados: EMBRAESP
Organização: REINA e WHITACKER, 2015.
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Os dados da Embraesp mostram que o capital imobiliário ora dedicou seus
investimentos em regiões já consolidadas e de presença constante do mercado, ora
dedicou-se a promover lançamentos em regiões também consolidadas, mas com
pouca produção imobiliária recente (1990-2000).
Consideramos que, as ações, programas e projetos de intervenção que
previram investimentos privados na região central, ainda não geraram alterações
profundas na paisagem urbana, mas foram fundamentais na promoção e divulgação
de um “discurso potencializador de especulação” sobre as possíveis transformações
no uso e ocupação dessa porção do território. Propostas de sofisticação e
especialização tecnológica na região da Luz por meio do programa Nova Luz e por
meio de incentivos fiscais, proporcionados às empresas que se transferissem para a
região, são exemplos deste tipo de intervenção pública e intenção política e
econômica.
Por fim destacar que o processo de desinvestimento público e privado por que
passou o centro de São Paulo nas últimas décadas, pode ser considerado um
ingrediente importante do processo de gentrificação, como apontado por Smith. Na
medida em que esta região se torna suficientemente desqualificada e desvalorizada,
sobretudo na relação entre o valor da propriedade e o valor da terra, como nos
explicou Smith (1996) esta ampla diferença garantirá ao capital imobiliário sobre
taxas potenciais de lucros e pode estimular o retorno ao centro de alguns
investidores e parte de velhas e novas elites interessadas em investir e residir no
centro. O padrão dos imóveis lançados no distrito da Mooca, em específico,
sobretudo na década de 2000 reforça os indícios de um potencial processo de
gentrificação, onde 70% da produção de imóveis é destinada para extratos de renda
média e renda média alta.
De acordo com a revisão teórica e conceitual realizada na primeira parte do
artigo, estes se constituem ingredientes básicos de um processo de gentrificação em
região consolidada: valorização imobiliária, lançamentos imobiliários para públicos
com renda mais alta, elitização do comércio e dos serviços, discurso oficial do poder
público com intenção de transformação/revitalização/requalificação da região.
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