O ensino de Filosofia: desenvolvimento da racionalidade humana Sebastião Rodrigues Gonçalves (UNIOESTE) [email protected] Francielle de Camargo Ghellere (UEM) [email protected] Resumo: Este artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre a filosofia da ciência, partindo de sua origem e desenvolvimento histórico. Pretende-se trazer uma definição de critérios sobre a teoria do conhecimento e a relação entre: mitologia, filosofia, ciência e ideologia, a partir dos estudos dos métodos de investigações filosóficas, abordando as categorias fundamentais da filosofia da ciência, e os métodos para a definição de critérios sobre a investigação do desenvolvimento da racionalidade humana. As relações entre a filosofia, a ciência e os modos de produção, estão associadas ao debate sobre a dialética das relações de poder e o discurso ideológico da neutralidade científica. A partir desse contexto, busca-se compreender os pressupostos da Filosofia na Educação Básica, uma vez que esta disciplina consta como obrigatória nos currículos escolares. Compreende-se, portanto que ensinar Filosofia enquanto ciência é hoje um grande desafio, uma vez que a educação focaliza apenas o pragmatismo, a eficiência e a produtividade, visando preparar o jovem apenas para o mercado de trabalho (quando se tem trabalho). Por outro lado, verificamos que há grandes possibilidades de superação da fragmentação do conhecimento, e as Ciências Humanas (sem deixar de lado a totalidade), nos apresenta como uma ferramenta possível de superação. Palavras chave: Filosofia da Ciência, Teoria do Conhecimento, Educação. The Teaching of Philosophy: development of human rationality Abstract This article has as objetive to do a reflect on the philosophy of science, from its origin and historical development. It is intended to bring a definition of criteria on the theory of knowledge and the relationship between: mythology, philosophy, science and ideology, from the studies of the methods of philosophical investigations, by addressing the fundamental categories of the philosophy of science, and the methods for the definition of criteria on the investigation of the development of human rationality. The relationship between philosophy, science and the modes of production, are linked to debate on the dialectics of power relations and ideological discourse of scientific neutrality. From this context, we seek to understand the assumptions of Philosophy in basic education, since this appears as a mandatory disciplina in school curriculum. It is understood, so that teaching philosophy as a science is today a big challenge, since that of education focuses only the pragmatism, efficiency and productivity, in order to prepare the young only to the market of work (when has a work). By other side, we find that there are great possibilities for overcoming the fragmentation of knowledge and Humanities Sciencies (without leaving aside the all), us presents as a possible tool of overcoming. Key-words: Philosophy of Science, Theory of Knowledge, Philosophy in the School Curriculum. 1 Introdução 1.1 Origem e Desenvolvimento da Ciência. Não será possível uma reflexão sobre a “Filosofia da Ciência” sem as seguintes interrogações: O que é Ciência? Onde começou a reflexão sobre a filosofia da ciência? Que relações se estabelecem entre a Filosofia da Ciência e a Teoria do Conhecimento? Em que base se estabelece as fronteiras limítrofes entre a Filosofia da Ciência, a Teoria do Conhecimento e a Ideologia? Qual o método mais seguro para esta reflexão? Sendo a filosofia “amiga da sabedoria” considera-se este um ponto fundamental de apoio para o lançamento desta reflexão sobre problemas contemporâneos, com base nas ciências e na tecnologia. Analisando também o papel ideológico desempenhado pela ciencia, pelos cientistas e os intelectuais como ativistas, militantes orgânicos e colaboradores diretos da classe dominante, que se apresentam como pensadores neutros. Em princípio, pode-se considerar que a reflexão sobre a ciência começa com a própria filosofia no momento da dúvida sobre as concepções mitológica do universo. Mas isso seria conteúdo para o ensino médio? Sendo uma orientação dada pelo conjunto dos professores da rede é necessário colocar em debate, não apenas o método do trabalho, mas também os conteúdos possiveis de ser compreendido pelos alunos de ensino médio. De forma sintética a filosofia da ciência pode ser considerada como a incansável procura da verdade. Isso é possivel de ser compreendido por qualquer ser humano. Assim, a filosofia da ciência se apresenta numa relação dialética entre totalidade e particularidade, entre o conhecimento específico e o geral, entre a objetividade e a subjetividade. Do ponto de vista da dialética é uma relação entre o método indutivo e o dedutivo. Uma relação entre as partes e o todo e da totalidade com as partes. Em síntese a totalidade é uma composição orgânica das partes e as partes são componentes da totalidade. Na origem do pensamento filosófico a verdade em questão era sobre o COSMO, uma visão de mundo representada pela aristocracia para legitimar a tirania sobre os súditos. A escola pitagórica se apresentou como negação da “verdade mitológica”, sobre o cosmo que já estava pré-estabelecida e legitimada pelo consenso popular. Mas na filosofia pitagórica, a dúvida não se estabelecia apenas por uma idéia de um sábio que se considerava acima da média dos comuns. Essa escola trouxe a filosofia como um desvelar da própria ignorância, mas acima de tudo movida pela necessidade do conhecimento científico. Por essa razão na concepção de Pitágoras o filósofo é sempre um curioso, um amigo da sabedoria, não o sábio conforme o pensamento aristocrático da época. Para ilustrar essa concepção podemos dizer então que o primeiro conhecimento cientifico que o ser humano adquire é a consciência que não tem conhecimento. Esse primeiro passo na sociedade industrial Marx chamou de “consciência de si”, para indicar o processo da consciência de classe do proletariado. O conhecimento aparece como necessário no pensamento dos pré-socráticos? Uma explicação pitagórica demonstraria uma relação orgânica entre as concepções mitológica de mundo e o poder político da época, que em grande proporcionalidade agiam pela tirania, mas amparados nos “poderes supraterrenos” para garantir a legitimidade e ao mesmo tempo promover a temeridade popular. Aliás, essa linha de reflexão já começa com Tales de Mileto, quando ele propõe uma causa material para origem de tudo. Mas em Pitágoras a relação e separação entre a filosofia, a política e a ciência está mais declarada. 2. Ciência e Filosofia na Antiguidade Nas doutrinas pitagóricas permanecem a concepção mítica da ciência, mas há uma inversão de princípios na orientação para a vida na Polis. Enquanto a aristocracia fundamenta o poder no Ser transcendental para legitimar os fundamentos da política, do direito e promover a tirania, a escola de Pitágoras está procurando um porto seguro para fundamentar uma nova ordem política. Por isso, seus fundamentos se encontram na matemática como ciência segura para construir mecanismos e fundamentar a nova visão do Cosmo. Mas, o conhecimento seria possível apenas através de instrumentos como a matemática, mas sobre o Cosmo permaneceria a visão mística por tratar-se da totalidade e a impossibilidade do alcance da razão. Mesmo percebendo a impossibilidade da infinita procura do conhecimento, aparecem as doutrinas filosóficas como fundamentos da organização da vida na cidade. A política seria então o instrumento de poder para disciplinar os cidadãos da polis para a vida de acordo com a harmonia universal e assim seriam superadas as injustiças promovidas pelos tiranos. A vida de acordo com a justiça estaria em harmonia com o Cosmo – as lei da natureza – em contraposição ao culto a Dionísio, que representava apenas a divindade sem relação com os mortais. Por isso a confraria de Pitágoras: Criou um sistema global de doutrinas, cuja finalidade era a de descobrir a harmonia que preside a constituição do cosmo e traçar, de acordo com ela, as regras da vida individual e do governo das cidades. Partindo de idéias órficas, o pitagorismo pressupunha uma identidade fundamental, de natureza divina, entre todos os seres; essa similitude profunda entre os vários existentes era sentida pelo homem sob a forma de um “acordo com a natureza”, que, sobretudo depois do pitagórico Filolau, será qualificada como uma “harmonia”, garantida pela presença do divino em tudo1. Natural que, dentro de tal concepção, o mal seja entendido como desarmonia (Pré-Socráticos, in Souza, 1978, p 23). Nestas primeiras investigações ainda permanecem as dúvidas sobre “o que é a ciência”. A confusão entre a natureza divina e a natureza do mundo físico, ainda permanece presente. Porém, antes mesmo dos pré-socráticos já havia uma razão para a investigação científica com intuito de orientar o pensamento e a moralidade. “Com Hesíodo surge a noção de que a virtude (areté) é filha do esforço e a de que o trabalho é o fundamento e a salvaguarda da justiça” (Souza, p 19). Sendo o trabalho a atividade principal de toda a produção dos bens necessário para a vida, é, portanto, no trabalho e pelo trabalho que o ser humano também passa a ser responsável pela produção de sua própria existência. Pelo trabalho se produz o modo de vida e as leis gerais dos costumes e da moral. Na história antiga havia injustiças produzidas pela aristocracia de sangue, mas aos poucos foram substituídas pela “aristocracia de espírito” e os interesses individuais substituídos pelos interesses comuns com base “no cultivo da investigação filosófica e científica” (Ibdem, p. 12). Assim, se pode deduzir que as reflexões filosóficas e científicas estão relacionadas com a dialética do poder. Dessa forma, o conhecimento sobre a natureza física do mundo tornar-se-ia a ciência, que seria considerada um instrumento eficaz para aplicação das técnicas de transformação de uma realidade objetiva. Esse é portanto, conteúdo necessário para o ensino médio. 2.1 A dialética das ciências naturais e humanas: Os fundamentos que justificam a necessidade do conhecimento sobre as leis da física e da mecânica estão amparados sobre premissas básicas e necessárias para a intervenção humana também sobre a natureza. Essa intervenção é uma ação que promove a transformação da natureza e do próprio ser humano e acontece através do trabalho. Ou seja, o conhecimento só é considerado verdadeiro de acordo coma a eficacia da ação, através do trabalho e nas questões sociais e polítcas. Assim, desde as primeiras manifestações filosóficas a ciência e a tecnologia estão intrinsecamente interligadas e uma sem outra não teria razão de ser. Segundo Japiassú e Marcondes (2006, p. 36), “com Platão, a ciência é uma introdução à filosofia; é ela que permite o discurso verdadeiro, mas seus conceitos exigem ser justificados pela filosofia; por isso a ciência é a mediação entre o sensível e o discurso que é absolutamente verdadeira, que é o da filosofia”(grifos nossos). Mas este é uma concepção essencialmente da clássica filosofia antiga platônica que sofreu mutações ao longo da história da filosofia e da ciência. Sobre a filosofia moderna Japiassu e Marcondes entendem que: “Com Descartes, a filosofia deixa de ser acabamento para tornar-se o pressuposto da ciência” (Ibidem, grifos nossos). Neste sentido, nos discursos do método Descartes retorna com a filosofia da ciência aos princípios da originalidade diferenciando-a da ciência, inferindo-a como pressuposto metódico da racionalidade. Mas a filosofia da ciência é a reflexão sobre os critérios de cientificidade do conhecimento metódico, uma vez que, aparecem reforçando a ideologia do poder. “A ciência não pode ser considerada um saber absoluto e puro, cuja racionalidade seria totalmente transparente e cujo método seria a garantia de uma objetividade incontestável” (idem). Assim, a ideologia do poder sempre apresenta uma teoria de conhecimento, para legitimar-se como porta-voz das necessidades circunstanciais, mas generalizadas de acordo com os momentos históricos da humanidade. Essa inversão de valores é produto de uma ilusão de ótica sobre a história. Por essa inversão de valores os fenômenos aparentes se sobrepõe a essência dos objetos e nunca se chega ao ponto original do Ser. Não há base sólida para definição dialética entre a essência e aparência sobre o objeto do conhecimento. Por isso a aparência terá sempre valor maior sobre essência e as normas e regras da linguagem prevalecem sobre os objetos de investigação. Essa é uma característica que se generalizou após a década de noventa do Século passado, com a concepção analítica. Dessa forma o que era mito na filosofia antiga se transformou na ideologia da sociedade moderna e contemporânea. Na concepção sofista do passado e analítica no presente, permanece o problema do conhecimento sobre a égide do infinito argumento sobre a análise do ser, sem princípios e sem finalidades, com argumento da neutralidade. Mas essa neutralidade é uma sutil defesa ideológica para manter tudo conforme interesses de uma classe. Isso acontecue no julgamento de Sócrates e se revelou as contradições entre as ciências da natureza e ciências humanas. Naquele episódio entra o sofisma como categoria fundamental e instrumento de separação entre a subjetividade humana e objetividade do conhecimento sobre o mundo. Resumamos, portanto, desde o começo, qual foi a acusação da qual procede a calúnia contra mim, dando crédito à qual, me moeu Meleto2 o presente processo. Vejamos: o que afirmam os caluniadores em sua difamação? Como se faz com o texto das acusações, leiamos o das suas “Sócrates é réu de pesquisar sem descrição o que existe sobre a terra e nos céus, de fazer que prevaleça a razão mais fraca e de ensinar aos outros o mesmo comportamento” (PLATÃO, p 41 - 42). O que estava em jogo na sociedade grega era o poder político que tinha suporte e legitimidade nas concepções míticas do mundo. Por isso era proibido as investigações científicas que posssibilitasse descobertas não permitida pelo poder político. Essa concepção moldava inclusive o comportamento do povo, abstraindo da própria crença popular elementos para dar suporte ao poder político. Uma nova ciência teria o risco de orientar a população para um comportamento de ruptura com o poder que se mantinha através da tirania. Por isso no processo movido contra Sócrates aparece apenas a acusação de ter corrompido a juventude. Essa curiosidade filosófica está acima dos interesses particular, mas na atividade política as disputas estavam orientadas apenas sobre interesses dos aristocratas que pertenciam a classe dominante. Diante das acusações não era possível fazer a defesa de uma ciência que deveria orientar o conhecimento sobre o mundo, mas era possível negar o que não se considerava ciência. Além de demonstrar que o aquilo que se praticava não era ciência, era possível demonstrar também que, sobretudo, isso se configurava numa arte da dominação daqueles que tinham poder sobre os súditos. De certa forma a desmistificação do significado da dominação através da arte da retórica e do poder político, naquele momento para Sócrates se constituía numa ciência verdadeiramente humana. O fato de Sócrates ter sido mencionado pelo Oráculo de Delfos como um dos maiores sábio de Atenas fez com que ele fosse conversar com os políticos, poetas e artífices da cidade, acreditando extrair deles algum conhecimento talvez superior aos homens normais, porque esses eram considerados os mais sábios de sua região. Mas a surpresa e a decepção estão assim expressas nas observações de Sócrates: Submeti a exame essa pessoa, não e necessário dizer seu nome; era um dos políticos. Eis, atenienses, a impressão que me ficou do exame e da conversa que tive com ele; achei que ele passava por sábio, mas não o era. Pus-me, então, a explicar-lhe que supunha ser sábio, mas não o era. O resultado foi tornar-me odiado dele e de muitos dos presentes (1999, p. 45). Nas indagações de Sócrates a política aparece como as artes da dominação através da uma aparência de superioridade pela sabedoria daqueles que estão no poder. As atividades de Sócrates desmistificava a superioridade entres os homens e trazia a política para o centro da reflexão como arte da dominação e da guerra entre os seres humanos e entre as várias culturas. Mas quem pensava ao contrario da política vigente em Atenas estava contaminando a juventude e provocando a rebeldia, por isso eram acusados de crime contra a ordem. Foi o que aconteceu com Sócrates. Mas, o que aconteceu com outros seguimentos da sociedade que permaneceram pacíficos diante de uma organização política que promovia a tirania para garantir a estabilidade do poder e diante da própria condenação de Sócrates? Da conversa com os poetas Sócrates tirou as seguintes conclusões: Assim, logo compreendi que tampouco os poetas compunham suas obras por sabedoria, mas por dom natural, em estado de inspiração, como os adivinhos e profetas. Estes também dizem muitas belezas, sem nada saber do que dizem; a mesma coisa, apurei, sucede com os poetas; ao mesmo tempo, percebi que, por causa da poesia, eles supõem ser o mais sábio dos homens em outras áreas, em que não o são. Saí, pois, acreditando superá-los na mesma particularidade que os políticos (ibidem, p 46). A mesma situação aconteceu com os artesãos. Na conversa sobre conhecimento veio também as frustrações, mas estes ainda, supõe Sócrates, que tem algo de útil a oferecer para a população. O artesão precisa de certo domínio de conhecimento para transformação dos objetos de sua especialidade, contudo, estes são apenas conhecimentos específicos e o fato de a arte se constituir em atividade que exige certos domínios práticos não os coloca na condição de superioridade dos demais seres humanos. Em síntese, aqui entra o debate da relação dialética entre o possível de ser conhecido e o que se apresenta apenas como concepção de conhecimento. Assim, quanto aos artífices a decepção continua: Por fim, me encontrar com os artífices; tinha consciência de não saber, em verdade, nada, e certeza de neles descobrir muitos belos conhecimentos que me faltavam; eram, assim, mais sábios do que eu. Entretanto, atenienses, concluí que os bons artesãos possuem o mesmo defeito dos poetas; por praticar bem sua arte, cada um imagina ser sapientíssimo nos demais assuntos, os mais difíceis, e esse entrando obscurecia-lhes aquela sabedoria (idem) O que está em jogo na concepção socrática são os limites e possibilidades do conhecimento humano. Ou seja, está em jogo a dialética entre o empírico e o racional, a especificidade e a totalidade, o mundo objetivo e as concepções subjetivas. Daí a relação confusa entre a ciência e a crença. Mas não seria possível, naquele momento expressar a concepção dos limites e possibilidades do conhecimento, uma vez que a aristocracia concentrava um poder político inclusive punindo aqueles que apresentavam visão diferente dos mitos, como foi o caso de Sócrates. A relação dialética entre o empírico e o racional se manifesta da seguinte forma: o empírico é possível de ser identificado pelas relações diretas dos objetos com os órgãos sensoriais. Mas a identificação, definição e conceituação são apenas possibilidades concretas, são dados materiais para análise da razão. O que não significa dizer que toda a manifestação e aparência de objetos se traduzem em conhecimentos científicos. Essa confusão começa ser elucidada na República de Platão, em especial no livro VII “Alegoria da Caverna”. A proposta da República era de organizar um poder político puramente humano responsável pela justiça e pela organização de um sistema responsável pela educação dos homens da cidade para evitar a vida das injustiças, do poder arbitrário dos mais fortes sobre os mais fracos. Assim, durante toda a idade média a política seguiu os princípios das leis transcendentais sem a possibilidade do alcance da razão humana. Diante dessa concepção o homem medieval se situa em duas vertentes de pensamento: o divino e o profano. Em se tratando do pensamento medieval não há praticamente nada para se investigar, pois todas as organizações política dos estados estavam fundamentadas na teoria do direito divino, inclusive orientando a educação. 3. A contradição entre a filosofia medieval e as ciências modernas. O pensamento moderno é expressão de uma crítica ao pensamento medieval que teve origem nas crises econômicas. Assim, as necessidades reais resultado das crises econômicas forçaram uma nova visão de mundo com base nas investigações científicas. Nesse momento vai aparecer novamente uma contradição entre o mundo real objetivo e o mundo de ficção, das idéias com base na crença e na religião, mas desta vez, diferentemente do pensamento grego a crença está fundamentada no evangelho, que foi escrito pelos legisladores que se intitulavam representantes de Deus aqui na terra. Para isso a disciplina não estaria fundamentada em conhecimento, mas apenas na virtude para moldar o comportamento humano e o modo de agir perante o outro. O pensamento liberal aparece como uma revolução na consciência da humanidade e a defesa do direito das investigações científicas se constituem numa bandeira de luta para os pensadores modernos diante do poder Teológico que se constituía em ameaça real aos filósofos que ousavam discordar dos fundamentos transcendentais da vida material. Essas contradições começam com as investigações astronômicas, as observações no espaço sideral, um território até então proibido pelo clero de ser questionado porque se constituía como espaço da residência divina. O clero se apresentava como porta-voz de uma “verdade” até então chancelada por suas próprias autoridades que se auto-intitulavam representantes de Deus. Se as reflexões filosóficas ganham forças nos momentos de crise, então, o grande problema que se apresenta como objeto de reflexão para a filosofia moderna e para a ciência estava na própria razão da organização da vida. Em síntese, era preciso reorganizar o Estado politicamente, retirando o poder das autoridades religiosas e constituindo um poder político de fato e de direito para o próprio homem. Neste caso, os filósofos representantes do pensamento burguês que levantaram essa bandeira. As verdades cosmológicas induzidas pelas autoridades religiosas estavam expostas como castelo de cristal, mas foram quebradas e desmoronadas a partir desse momento. No discurso do método Descartes refuta sua própria formação que recebeu através da religião. [...] apesar de no juízo que faço de mim próprio eu procuro inclinar-me mais para o lado da desconfiança do que para o da presunção, e que, observando com um olhar de filósofo as variadas ações e empreendimentos de todos os homens, não exista quase nenhum que me pareça fútil e inútil, não deixo de lograr extraordinária satisfação do progresso que creio já ter feito na procura da verdade e de conceber tais esperanças para o futuro que, se entre as ocupações dos homens puramente homens existe alguma que seja solidamente boa e importante, atrevo-me acreditar que é aquela que escolhi (1991, p. 36). As preocupações de Descartes estavam associadas ao futuro da humanidade para construir bases sólidas para investigações científicas. Descartes procurava um método seguro de investigação para a ciência moderna com objetivos de encontrar critérios para construção de uma nova visão de mundo. Contraditoriamente ele descobriu movimento constante da razão humana na procura da verdade sobre o Cosmo. Novamente aprece o debate sobre a fronteira da filosofia, do conhecimento científico e da ideologia? Descartes enfatizava o método racional como recurso infalível para as investigações científicas. Pelo racionalismo cartesiano e através da razão se define o critério do conhecimento seguro. Em síntese critério verdade para Descartes está na forma como se conduz a razão sobre o objeto para distinguir o conhecimento do pensamento puro. Enquanto nos fundamentos medieval o pensamento humano estava subordinado a teoria do direito divino, na sociedade moderna há uma inversão dessa ordem, ou seja, nessa inversão está a supremacia da razão humana diante da razão divina, conforme expressão do pensamento cartesiano. Eu venerava a nossa teologia e pretendia, como qualquer um, ganhar o céu; porém, tendo aprendido, como algo muito certo, que o seu caminho não está menos franqueado aos mais ignorantes do que aos mais sábios e que as verdades reveladas que para lá conduzem estão além de nossa inteligência, não me atreveria a submetê-las à debilidade de meus raciocínios, e pensava que, para empreender sua análise e obter êxito, era preciso receber alguma extraordinária assistência do céu e ser mais do que homem (Ibidem, p 40). Desde os antepassados a crença e a Ciência sempre tiveram uma relação antagônica, mas a sociedade medieval sistematizou a crença popular através da teologia e a devolveu para a população em forma de religião. Assim a teologia se transformou no instrumento de poder transcendental, com poderes imanentes à vida material dos mortais. Os dogmas apresentados indicavam um caminho a ser seguido, mas acima de tudo orientado pelas autoridades religiosas. Essas autoridades eram também porta-voz do conhecimento, mas foram renegadas por Descartes como representantes fieis da verdade. Ao perceber que toda a formação teológica que recebera, não passou de um “parlatanismo” vago, que produz e reproduz o temor indicando o caminho do céu ou do inferno, de acordo com os exercícios das atividades terrenas. Na sociedade medieval a visão mítica e religiosa se transformou na expressão da vida dos tormentos da classe dominante sobre os comuns. O mérito da filosofia moderna está no desvelar dessa visão de mundo que apresentava uma Cosmovisão3 para orientar a vida prática e particular de cada um. Assim, a religião era a vida prática e a vida prática era uma vida religiosa. Em síntese a religião produzia a crença, que por sua vez orientava a vida, mas se constituía num mistério sagrado, um terreno proibido de ser investigado pela razão humana. Assim, tudo o que acontecia na vida prática era por vontade Divina. Enquanto Descartes buscava fundamentos teóricos para destruir a autoridade divina e construir razão humana como autoridade máxima da produção do conhecimento, por outro lado Francis Bacon na Inglaterra, se fundamentava no empirismo como premissas básica para organizar um novo sistema de conhecimento para orientar o novo modo de produção que estava surgindo. “De nossa parte, dizemos que não se pode conhecer muito acerca da natureza com auxilio dos procedimentos ora em uso. E indo mais longe, eles destroem a autoridade dos sentidos e do intelecto, enquanto nós, ao contrário, lhes inventamos e subministramos auxílios” (BACON, 1984, p. 20). Observa-se que pela concepção empirista aquisição de conhecimento significa recolher objetos do mundo real externo, do mundo natural através da sensibilidade, dos órgãos sensoriais para dentro do intelecto humano. Isso se constitui no primeiro passo para aquisição do conhecimento. Pela concepção empirista, aparência é uma simples manifestação fenomênica, mas não significa conhecimento porque o ser humano é apenas um intérprete dos objetos que se manifestam através dos sentidos para o intelecto. “O homem, ministro e interprete da natureza, faz e entende quanto constata, pela observação dos fatos ou pelo trabalho da mente, sobre o trabalho da natureza; não sabe e nem pode mais” (Ibdem, p. 08). Diante dessa fundamentação pode-se constatar que até mesmo os objetos que estão relacionados com a experiência têm uma intrínseca dependência com a concepção humana e por isso dificilmente há acordo sobre a definição dos objetos do conhecimento. O conhecimento empírico não pode ser entendido como conhecimento científico. Essa interpretação é a verdadeira causa de todos os problemas em que vive a humanidade segundo Bacon. “A verdadeira causa e raiz de todos os males que afetam as ciências é uma única: enquanto admiramos e exaltamos de modo falso os poderes da mente humana, não lhe buscamos auxílios adequados” ( 1984, p. 24). Essa constatação se refere ao conhecimento imediato, àquilo que se apresenta de forma direta para os sentidos e a menta interpreta de acordo com os conhecimentos anteriormente acumulado. As investigações científicas para Bacon tinham apenas um sentido: produzir os bens necessários para a vida através do trabalho. Por isso a ciência não poderia de forma alguma ser uma falsa interpretação da natureza, porque o trabalho seria aplicabilidade do conhecimento científico, ou seja, o trabalho seria aplicação técnica e quando a interpretação for equivocada o esforço é energia dispendiosa. “Por meio de diversos trabalhos [...] chega enfim, ao homem, de alguma parte, o pão que é destinado aos usos da vida humana” (1984, p. 231). O conhecimento científico seria então o meio adequado para facilitar a vida em sociedade, mas a ciência se transformou na nova ideologia e não resolveu o problema da existência humana. 4. Da empiria a racionalidade: a extensão e possibilidade do conhecimento científico. Qual é o limite da extensão e da potencialidade do conhecimento humano? Até onde se pode considerar conhecimento, percepção ou concepção? Esse foi um dos dilemas das ciências modernas enfrentada por vários pensadores. Na Obra de Galileu “O Ensaiador” aparece as investigações sobre o território até então proibido pelas autoridades teológicas que tinham monopólio sobre o conhecimento. Nessa obra fica evidente que a Reforma Religiosa trouxe uma nova visão de mundo para interpretação do evangelho, mas não traz nada de novo no que diz respeito aquisição do conhecimento. Portanto, a contra-reforma que procurou argumentos científicos para desautorizar os reformadores a se apresentarem como porta voz da verdade científica. Esse desafio já havia sido debatido no pensamento grego, entre os atomistas. Na impossibilidade de conhecer o mundo infinitamente grande os atomistas se limitaram a debater aquilo que era perceptível na sua infinita pequenez. Mas os pré-socráticos não tinham instrumentos para investigar o universo na sua totalidade, tampouco poderia decompor um objeto até chegar a sua minúscula parte de um todo para então recompor e assim entender a composição orgânica da natureza. Tudo o que se debatia estava limitado aos fundamentos da lógica dialética ou formal sem a possibilidade da experimentação. Alem do mais as investigações sobre composição, origem e movimento do universo era um território proibido de ser questionado porque as autoridades religiosas não permitiam outros fundamentos que entrasse em contradição com a lógica do poder. O mérito da Reforma Protestante está na quebra da hegemonia do poder teológico da Igreja Católica, mas os reformadores se limitaram a dar novas interpretações para o evangelho, mas estes não avançaram nas investigações do espaço sideral, um território até então proibido de ser investigado pelas autoridades religiosas. A descoberta da luneta, o aperfeiçoamento de telescópio por Galileu, permitiu a observação e a desmistificação do território sagrado, um espaço que até então os sentidos ainda não haviam penetrado. Mas esse espaço que até então era interpretado de forma mítica pelas autoridades religiosa, se transformou num território de investigado científica, mas quase custou a vida de Galileu, pelo fato de ter acreditado em seu amigo, o Papa Urbano Oitavo. As informações do espaço que até então não passava de especulações, a partir de Galileu se transformou num espaço concreto de investigação científica em busca da verdade objetiva. A partir desse momento o espaço sideral não era mais tratado apenas como filosofia da natureza, mas como espaço concreto de investigação científica e procura da verdade sobre o conteúdo da astronomia. As novas investigações possibilitaram mudanças de conceitos sobre a luz, a energia, a claridade, o calor, a eclipse e até a cor. Galileu tornou-se o criador da física moderna, quando anunciou as leis fundamentais do movimento; foi também um dos maiores astrônomos de todos os tempos, pelas observações pioneiras que fez com o telescópio. Essas descobertas, contudo, foram resultado de uma nova maneira de abordar os fenômenos da natureza e nisso reside sua importância dentro da história da filosofia (Vida e Obra de Galileu, p. 8). A partir de Galileu foi possível afirmar que a filosofia tomou outra direção. A metafísica pura perdeu terreno e autoridade para a ciência, para a filosofia da práxis e se abriu os horizontes para as investigações cientificas. O Ser absoluto deixou de ser transcendental e se transformou numa totalidade imanente ao próprio universo material, incluindo o próprio ser humano. A filosofia da natureza ganhou estatuto próprio e passa a ser reconhecida de forma legítima, como direito de investigar e discordar sobre as leis da natureza e convencionar as formas de interpretação do universo. O conhecimento científico exige comprovação objetiva. “Galileu estruturou todo o conhecimento científico da natureza e abalou os alicerces que fundamentava a concepção medieval do mundo” (Ibidem). A idéia de um Ser transcendental desaparece, porque desaparece também a concepção finita do espaço humano. “Destruiu a idéia de que o mundo possui uma estrutura finita, hierarquicamente ordenada e substituiu-a pela visão de um universo aberto, indefinido e até mesmo infinito” (Ibidem). Não é possível detalhar integralmente os conteúdos de sua obra “O ENSAIADOR”, mas a concepção metódica apresentada em sua obra através da experiência revelou a contradição com a visão tradicional da lógica metafísica da visão formal de mundo, até então apresentada pela religião. A concepção religiosa sem observação se apresentava como única representante da verdade sobre o mundo. Mas a luneta de Galileu desestruturou esse pensamento. Bertoldo Brecht em seu teatro “Vida e Obra de Galileu” faz uma demonstração do significado da luneta, tanto para a ciência da exploração do espaço, como para as mudanças radicais na concepção de mundo. No momento da expansão comercial, em que tudo era proibido pelo Clero aparece a luneta como uma invenção de Galileu. Esse instrumento era visto pelos religiosos como um instrumento de investigação em território até então proibido pela religião, mas ao mesmo tempo era visto pela burguesia como uma mercadoria que deveria ser produzido em série para comercializar em outros territórios. Para o próprio Galileu era um instrumento de investigação no espaço, mas quase custou sua vida. A partir desse momento, todos os valores tradicionais caem por terra e a razão humana ganha terreno. As autoridades religiosas vão perdendo espaço porque o mistério do conhecimento sobre o infinito foi desvendado pela ciência. A religião que até então se apresentava como representante dos interesses universais fica restrita aos princípios do direito de praticar a religião. 5. Considerações Finais Se até aquele momento a teoria do Direito Divino orientava a política, o direito e fundamentava a justiça, a sociedade moderna restringe a religião ao direito político de praticar a religião. O Direito Divino se limita ao direito canônico como categoria específica apenas daqueles que cultuam o credo religioso. Mas a ciência que surgiu como instrumento de libertação da burguesia se transformou num instrumento de manipulação da consciência através da ideologia burguesa. Se a sociedade não encontrava o verdadeiro caminho da razão porque tentava entender a ciência da religião, na atualidade a humanidade continua confusa tentando entender a crença na ciência e na autoridade do cientista. Qual é a função da filosofia da ciência na atualidade? Penetrar nos mistérios da ideologia dominante, que está agindo incansavelmente. Contraditoriamente sem acordos entre os próprios cientistas que se apresentam como os deuses do capitalismo tentando orientar o comportamento da humanidade. Mas garantindo, sobretudo o regime de exploração sobre os verdadeiros produtores da existência humana e da própria natureza. A verdadeira filosofia tem o compromisso histórico de revelar as contradições entre as teorias do Estado de Direito e as contradições com a concepção de justiça. É necessário penetrar nos mistérios do esoterismo ideológico da ciência e desvendar o papel que ela cumpre para manter a alienação do trabalho sobre o capital e do trabalhador sobre o explorador. Mas isso só será possível penetrando no terreno da verdadeira ciência da história da humanidade para compreender a macroestrutura de exploração. A realidade continua mistificada, não mais pela crença religiosa, mas pela religiosa ciência da organização política, econômica e social que impõe o credo do direito para falsificar a justiça. É necessário revelar a contradição entre o direito e a ciência, o direito e a justiça, a produção e acumulação que está garantida como direito na ordem social burguesa. Se a filosofia da ciência não cumprir essa tarefa ela continua tão misteriosa quanto a religião da idade media e a ideologia da idade moderna e contemporânea. 6. Notas de rodapé 1 Essa visão pode ser considerada o panteísmo da modernidade. 2 Poeta menor cujas obras não chegaram até nós. (N. Do T.). 3 Visão cosmológica que expressa uma concepção de totalidade sobre o universo. Normalmente a ideologia, seja ela política ou religiosa apresentam a concepção como conhecimento. Do ponto de vista científico só será possível um conhecimento parcial, sobre a totalidade é sempre algo a ser descoberto. 7. Referências ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução por Leonel Vellandro e Gerd Bornheim; Seleção de texto: José Américo Pessanha, 4ª edição Nova Cultural São Paulo SP. 1991. BACON, Francis. Novo Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza. Tradução e notas por José Aluysio Rei de Andrade, 3ª edição, editora Nova Atlântida (Coleção os Pensadores), São Paulo SP. 1984. BRECT, Bertolt. Teatro Completo Vida de Galileu, tradução Roberto Schwarz, ed. Paz e Terra 2ª edição Petrópolis RJ. S/D. DESCARTES, Renê. Discurso do Método. Introdução por Gilles-Gaston Granger, 5ª edição, ed. Nova Cultural (Coleção os Pensadores), São Paulo SP. 1991. GALILEI, Galileu. Vida e obra, por José Américo Pessanha, ed. Nova Cultural, São Paulo SP. 1987. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de filosofia. 4 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. OS PRÉ-SÓCRATICOS. Seleção de textos, tradução e supervisão por José Cavalcante de Souza; dados bibliográficos por Remberto Francisco Kuhnen, 2ª edição, editora Abril Cultural, São Paulo SP. 1978. PLATÃO. A República. Tradução por equipe de tradutores da Editora Martins Claret, editora, Martins Claret, São Paulo SP. 2000. ________. Apologia de Sócrates, Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates. Seleção de texto José Américo Motta Pessanha, tradução, de Erico Corvistieri e Mirtes Coscodai, ed. Nova Cultural São Paulo SP. !999.