CARLESSI_nessas matas tem - Repositório Institucional UNIFESP

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
CAMPUS DIADEMA
PEDRO CREPALDI CARLESSI
"NESSAS MATAS TEM FOLHAS!"
UMA ANÁLISE SOBRE 'PLANTAS' E 'ERVAS' A PARTIR DA UMBANDA
PAULISTA
Diadema
2016
PEDRO CREPALDI CARLESSI
"NESSAS MATAS TEM FOLHAS!"
UMA ANÁLISE SOBRE 'PLANTAS' E 'ERVAS' A PARTIR DA UMBANDA
PAULISTA
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Análises Ambientais Integradas
do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas
e Farmacêuticas da Universidade Federal de
São Paulo - Campus Diadema, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Ciências.
Orientador:
Prof. Dr. Eliana Rodrigues
Coorientador:
Prof. Dr. Vagner Gonçalves da Silva
Diadema
2016
Carlessi, Pedro Crepaldi
"Nessas matas tem folhas!": uma análise sobre 'plantas'
e 'ervas' a partir da umbanda paulista / Pedro Crepaldi Carlessi
- - Diadema, 2016.
93f.
Dissertação de mestrado (Programa de Pós-Graduação em
Análises Ambientais Integradas) - Universidade Federal de São
Paulo - Campus Diadema, 2016.
1.Etnobotânica. 2. Ervas. 3. Natueza-Cultura. 4.Religiões afrobrasileiras. 5. Umbanda
Nome: Carlessi, Pedro Crepaldi
Título: "nessas matas tem folhas": uma
análise sobre 'plantas' e 'ervas' a partir da
umbanda paulista.
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Análises Ambientais Integradas
do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas
e Farmacêuticas da Universidade Federal de
São Paulo - Campus Diadema, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Ciências.
Aprovada em 29 de abril de 2016.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Prof. Dr. Joana Cabral de Oliveira
Universidade Estadual de Campinas
_______________________________________
Dr. Priscila Matta
Universidade de São Paulo
_______________________________________
Prof. Dr. Zysman Neiman
Universidade Federal de São Paulo
Para Murí e Dona Cida,
por terem me ensinado a falar com as folhas,
com os pássaros e
com os santos.
Para Lenita e suas crianças.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente às plantas e os muitos agenciamentos que possuem sob mim.
Agradeço imensamente à comunidade do templo de umbanda Círculo de Irradiações
Espirituais de São Lázaro que carinhosamente aceitou e permitiu a realização desta pesquisa.
Não serei capaz de listá-los todos, mas em especial, agradeço a Pai Alexandre e Pai
Agostinho, Exú Sete Sepulturas e Caboclo Pena Branca, Mãe Izildinha, Iabá Carmelita, Mãe
Zizi, Mãe Beth, Mãe Janice, Rosa, Mãe Rosa, Rosa Vermelha, Ogã Richard, Iabá Betinha,
Mãe Solange, Baiana Jacobina, Vovó Maria, Pai Dudu, Pai Bento, Quinzão, Maria Padilha,
Solange Ciavatta e seu pé de café, Cris Boog, Luis, Quelma, Mãe Paula, Exú Caveira, Pai
André, Mãe Sônia, Caboclo Sete Flechas, Iabá Vera, Zé do Coqueiro, Mirim, Sete Saias.
À Eliana Rodrigues, agradeço pelas portas sempre abertas, sua atenção e orientação nesta
pesquisa. Vinícius de Moraes já bem alertava sobre os encantos de Ossanha e eu lhe agradeço
por ter permitido que eu caísse em muitos deles.
À Vagner Gonçalves da Silva sou muito grato por ter aceitado o difícil desafio de coorientar
um não antropólogo seduzido pelos encantos desta disciplina. Agradeço o investimento em
minhas ideias, sua dedicação, respeito e ensinamentos. Bernardo Lewgoy falou, Patrícia
Ferreira concordou e eu reitero: Vagner é realmente bom demais para esse mundo.
Agradeço à Universidade Federal de São Paulo pelo apoio institucional e ao Herbário
Municipal de São Paulo pela parceria nesta pesquisa. À Sumiko Honda, Ricardo Garcia,
Graça Maria, Ricardo Tameirão, Felipe Pascalicchio, Eduardo Barreto, Luara Granato, Maria
Fernanda, Simone Sordi, Gislaine Giraldo e Osmar Neto, agradeço por tornarem as minhas
idas e vindas ao herbário uma experiência sempre enriquecedora.
Aos professores do PPGAAI, especialmente Zyman Neiman e Décio Semensatto, por terem
partilhado suas inquietudes sobre ciências e cientistas, quais muito motivaram a construção
desta análise.
Agradeço Joana Cabral de Oliveira pelo incentivo e boas conversas que tivemos sobre plantas
e antropologia e à Stelio Marras pelos comentários e críticas ao relatório de qualificação. A
eles agradeço também a oportunidade de monitoria e discussões que, sem dúvida, foram
fundamentais em minha formação.
Aos bons encontros que as plantas me proporcionaram brindo à: Juliano Florczak Almeida,
Leonardo Vieira, Leonardo Almeida e Marina Moura pelas discussões e risadas que nem as
distâncias estaduais nos impediram de ter. Aos farmacêuticos às avessas Thiago Braz e
Priscila Yasbek. Aos colegas do departamento de Ciências Ambientais da Universidade
Federal de São Paulo, Lucas Gonçalves, Gabriel Izar, Mayana Fontes, Felipe Moutinho,
Georges Kharlakian, Aline Vecchio, Rafaela Freitas, Marco Silva. Agradeço ainda aos
colegas do CERNe e do departamento de Antropologia Social da Universidade de São Paulo
que muito bem me acolheram e tornaram deste ambiente minha segunda casa: Rosenilton
Oliveira, Yumei Morales, Marcello Muscari, Olavo Souza, Bruna Amaro, Lucas Lima,
Patrícia Ferreira, Jacqueline Teixeira e Leonardo Braga.
Aos meus familiares, Lenita e Vitor, serei sempre grato por terem aceitado a troca injusta que
a pós-graduação impôs em nossa relação: doaram amor e receberam ausência.
Aos sambas e amigos bambas dessa vida também só tenho a agradecer. Ao pessoal do Alves
Cruz e a jaqueira que sempre me inspirou, ao samba-reggae do Vuco e ao ijexá gostoso do
Coletivo. Sempre que eu pensava em não pensar, eram eles que me davam fôlego para seguir
em frente.
À Olívia, agradeço o sorriso, a paciência e o amor. Agradeço também por ter aceitado que
alguns autores tomassem parte em nossos cafés da manhã, almoços e jantares.
Certamente, são todos estes coautores da pesquisa que apresento.
________________________
OROZCO, Gabriel. Mi Oficina II. 1992. Edição A.P 1/1-5. Colorido. 32,1 x 47,6 cm. (Disponível online em
http://www.guggenheim.org/new-york/collections/collection-online/artwork/5438). Acesso em 01/02/2016.
"Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz.
Hoje eu desenho o cheiro das árvores."
(Manoel de Barros)
RESUMO
Esta dissertação é composta por uma coleção de três artigos, elaborados a partir de um
trabalho de campo de caráter etnográfico associado a atividade de coleta botânica realizado
em um terreiro de umbanda da cidade de São Paulo-SP-Brasil. Embora cada artigo tenha
objetivos, resultados e conclusões específicos, nesta pesquisa procura-se evidenciar o
protagonismo do universo vegetal na umbanda paulista a partir de um estudo em interface
com as ciências botânicas e a antropologia. Primeiramente apresenta-se o inventário das
plantas que puderam ser conhecidas durante os nove meses de trabalho de campo, composto
por setenta e sete espécies botânicas, coletadas majoritariamente no interior do próprio
terreiro e utilizadas no preparo de banhos de ervas, amacís, chás e defumações. Em seguida
são grifadas algumas dissensões entre o termo sintético planta e a categoria nativa utilizada
pelos membros do terreiro para se referir aos vegetais (mas não só) utilizados em suas praticas
religiosas, ervas, condição que se faz acompanhada por uma análise do próprio estatuto
ontológico deste material. Ao passo que as diferenças que particularizam plantas e ervas se
evidenciam, abre-se espaço para pensar na importância de se criar modelos analíticos
comprometidos em resguardá-las, condição que torna esta dissertação, em suas entrelinhas,
um exercício reflexivo a respeito dos modos científicos de produção de conhecimento.
Palavras-chave: Etnobotânica; Ervas; Natureza-Cultura; Religiões Afro-Brasileiras; Umbanda.
ABSTRACT
This thesis consists on a collection of three articles drawn up as a result of a ethnographic
fieldwork associated to a botanical collection activity that took place in an umbanda temple in
the city of São Paulo-SP-Brazil. Although each article has specific purposes, results and
conclusions, this research seeks to highlight the role of the universe of the plants in the
umbanda religion of São Paulo from a study interfaced with Botany and Anthropology,
Firstly it presents the inventory of the plants which could be known during this nine-monthfieldwork, consisted of seventy-seven botanical species predominantly collected inside the
temple and used in the preparation of "banho de ervas" (ritual plant bath), "amacís", teas and
"defumação" (smoking). Then, some disagreements between the synthetic term "plants" and
the native category mentioned by members of the temple when talking about the plants (but
not only) used in their religious practices, "ervas", a topic analyzed by the ontological status
of this material. While the differences that customize the "plants" and "ervas" become
apparent, it makes room for thinking about the importance of developing analytical models to
preserve them, a condition that implies in this thesis a reflexive exercise about the scientific
ways to produce knowledge.
Key words: Ethnobotany; Herbs; Nature-Culture; Afro-Brazilian Religions; Umbanda.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Fachada do terreiro CIESL. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Set/2014. ........................... 21
Figura 2: Sobre a diluição da categoria círculo. Detalhe do portão do terreiro CIESL.
Fotógrafo: Marcelo Dalla. Abr/2014. ....................................................................................... 25
Figura 3: Iabá Betinha e iabá Carmelita separando ervas para amací. Fotógrafo: Pedro
Carlessi. Abr/2014. ................................................................................................................... 29
Figura 4: Localização geográfica da atual sede do terreiro CIESL. Rua Nazaré Rezek Farah,
30 - Vila Santa Catariana - São Paulo - SP - Brasil. Localização geográfica 23o38.990'S
46o40.002'O. ............................................................................................................................. 38
Figura 5: Plantas e religiosos umbandistas no Mercadão da Lapa-SP. Fotógrafo: Pedro
Carlessi. Set/2014. .................................................................................................................... 39
Figura 6: Vista panorâmica da atual cede do terreiro CIESL (em destaque). Imagem obtida
através do aplicativo 'Google Earth' em 17/09/2015. Editado pelo autor. ............................... 42
Figura 7: Povoamento das plantas na 'firmeza dos caboclos' (1), 'cruzeiro' (2) e na 'firmeza das
pombogiras' (3). ........................................................................................................................ 44
Figura 8: Ponto riscado. A seta indica a bacia contendo o guaraná de caboclo: continuidade da
fruta amazônica através do fluxo dos materiais. Fotógrafo: Jardel Filho. Mai/2014. .............. 51
Figura 9: Frascos de álcool cheiroso (em recipiente de álcool etílico) e perfume de alfazema
(frascos com líquido verde) no estoque do terreiro, juntamente com outras ervas na condição
seca (ao fundo). Fotógrafo: Pedro Carlessi. Nov/2014. ........................................................... 53
Figura 10: Tabletes para defumação. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Out/2014. ........................... 54
Figura 11: Banho 'Cosme e Damião'. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Out/2014. ........................... 56
Figura 12: Defumação "Mãe Maria". Fotógrafo: Pedro Carlessi. Out/2014. ........................... 56
Figura 13: Defumação "7 misturas da Bahia". Ervas em cores diferentes, cada qual para um
dia da semana. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Fev/2016. .............................................................. 57
Figura 14: Ervas em diferentes apresentações. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Out/2014. ............ 60
Figura 15: Ervas comercializadas na loja 'Axé Orixá', bairro Santo Amaro-SP. Fotógrafo:
Pedro Carlessi. Out/2014. ......................................................................................................... 61
Figura 16: "Box 58" - Mercadão da Lapa - São Paulo. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Set/2014. . 62
Figura 17: "Asé Box" - Mercadão da Lapa - São Paulo. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Set/2014.63
Figura 18: Cruzeiro de Obaluaê. CIESL. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Abr/2014. ..................... 67
Figura 19: Detalhe do jardim do terreiro CIESL. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Abr/2014. ........ 75
1
SUMÁRIO
1.
Introdução: dos caminhos da pesquisa .................................................................... 3
2.
Estrutura da dissertação ........................................................................................... 8
3.
Notas de campo ........................................................................................................ 11
4.
Ambientação teórica e etnográfica ......................................................................... 18
5. Primeiro artigo ......................................................................................................... 29
Levantamento etnobotânico realizado em um terreiro de umbanda da cidade de São
Paulo-SP ............................................................................................................................ 29
6. Segundo Artigo ......................................................................................................... 39
Encontros e trajetórias de religiosos umbandistas e ervas pela cidade de São Paulo ....... 39
7. Terceiro artigo .......................................................................................................... 67
Desnaturalizando a natureza: dimensão e fluxo material das plantas em um terreiro de
umbanda da cidade de São Paulo ...................................................................................... 67
8.
Conclusão: a experiência que não cabe na prensa ................................................ 82
9.
Referências Bibliográficas ....................................................................................... 86
10. Anexos ....................................................................................................................... 93
2
1. Introdução: dos caminhos da pesquisa
Esta dissertação é composta por uma coleção de três artigos, elaborados a partir de um
trabalho de campo de caráter etnográfico associado a atividade de coleta e taxonomia botânica
realizado em um terreiro de umbanda da cidade de São Paulo-SP. Embora cada artigo tenha
objetivos específicos, nesta pesquisa procuro evidenciar o protagonismo das plantas em uma
comunidade religiosa afro-brasileira alocada em um terreiro de umbanda da capital paulista a
partir de um estudo em interface entre as ciências botânicas e a antropologia das religiões.
De antemão devo dizer que este é o resultado de um trabalho orientado por um
desiderato maior, um certo esforço de irredutibilidades analíticas frente aquilo que observei
em campo. Digo isso pois, sendo eu um pesquisador que desde minha formação inicial têm se
inclinado à botânica e suas subdivisões acadêmicas, durante esta pesquisa tive a oportunidade
de analisar certos vegetais a partir de uma linguagem radicada nos modos de ser e viver das
religiosidades afro-brasileiras.
Para além de um exercício de alteridade, esta condição se fez pertinente pois, ao passo
que me propus à procurar um modo de descrição e análise destes vegetais que permitisse
apresentá-los pela perspectiva de seus anunciantes (digo, os religiosos umbandistas), fui posto
também a seguir alguns desdobramentos do pensamento contemporâneo que têm questionado
certas fronteiras analíticas das quais as plantas se mantém reféns ora da natureza, ora da
cultura, dicotomias que estruturam o pensamento ocidental moderno mas que, como pretendo
apresentar, mostram-se pouco precisas quanto tomadas em função das religiosidades afrobrasileiras. Desse modo, aquilo que o leitor encontrará nas próximas páginas emerge de uma
revisita que faço à minha própria formação, acompanhada de uma certa luta contra alguns
automatismos intelectuais que me foram postos em cheque pelo trabalho de campo.
Esta pesquisa surge em meados de 2014, onde inicialmente dois interesses norteavam
minha prática: o primeiro, conhecer a flora envolvida nas práticas da umbanda paulista e, no
momento seguinte, analisá-las em função dos rituais observados. Para isso, uma prerrogativa
presente desde o delineamento do estudo, tanto por parte dos acadêmicos como dos religiosos
que me acompanhavam, era proceder a identificação e classificação dos vegetais coletados
através dos modos científicos de produção do conhecimento.
Naquele período o terreiro Círculo de Irradiações Espirituais de São Lázaro (CIESL),
que gentilmente cedeu espaço para o desenvolvimento desta pesquisa,
passava por um
processo de salvaguarda de sua história em decorrência de uma dupla comemoração: a
3
celebração de sessenta anos de fundação do templo (também a mudança de endereço,
ocupando uma nova sede) e as homenagens ao dirigente deste templo, que completara 18 anos
como liderança religiosa nesta comunidade. Conduzindo este registro, um grupo de trabalho
foi criado pelos próprios membros do terreiro e eventuais colegas externos, convidados a
integrar a tarefa que se fez extensa. Foram produzidos diversos materiais audiovisuais e
também encadernações, como livretos com as cantigas entoadas nas cerimônias, calendários
levando imagem dos pais e mães-de-santo trajados com as vestes de seus orixás, entrevistas
com antigas e novas personalidades da comunidade, exposição fotográfica de cerimônias e
momentos marcantes desta trajetória, além de um documentário (não finalizado) e uma
plataforma virtual1 para abrigar o material produzido e divulgá-lo aos interessados. Como
título deste projeto adotou-se o nome a teia pelo fato do grupo entender que a trajetória que
desejavam registrar, na verdade, contemplava diversos outras trajetórias, que se
entrecruzavam e compunham assim um emaranhado de histórias conduzidas por pessoas, mas
não só. Digo isso porquê a vida religiosa umbandista considera que além dos humanos, outros
seres também desempenham um papel social ativo no cotidiano. Assim são as arvores,
plantas, mares, rios, oceanos, cemitérios, florestas, além do próprio chão, e paredes do
terreiro. Como me foi reportado logo nos primeiros meses de trabalho de campo: "no terreiro
de umbanda tudo fala".
Meu ingresso junto a este grupo de trabalho nunca ocorreu efetivamente pelo fato de
ter-me envolvido com a atividade de pesquisa sobre plantas já em um segundo momento do
registro por eles conduzido. Todo modo, ao apresentar a proposta de estudo às lideranças do
terreiro, foi-me solicitado disponibilizar ao grupo os nomes científicos das plantas que seriam
por mim estudadas. Já passados os festejos e agora sediada em novo endereço, mais amplo e
tendo um grande jardim a sua disposição, o interesse da comunidade era utilizar esta
nomenclatura para a elaboração de uma apostila destinada aos membros ingressantes na
religião, bem como para a produção de filipetas para as plantas do jardim, relacionando o
nome religioso e seu correspondente científico para cada um dos vegetais ali presente.
Para além de sustentar as informações e saberes próprios do terreiro, a busca por
alianças com as ciências ocidentais modernas é uma marca presente na trajetória da umbanda
paulista, que tem sua origem segundo os padrões atualmente predominantes por volta da
década de 1920 e 1930, quando kardecistas da classe média das metrópoles emergentes do
1
No momento desta pesquisa o endereço virtual mantinha-se ativo em http://www.docateia.blogspot.com.br.
Acesso em 23/08/2015.
4
sudeste passam a mesclar suas práticas com elementos da religiosidade afro-brasileira (Silva,
2005). Neste movimento, os elementos de culto até então marginalizados, como o uso de
bebidas alcoólicas, fumo, o preparo de oferendas e sacrifício animal, por exemplo, foram
excluídos ou justificados segundo a moral das classes dominantes da época, utilizando o
potente discurso cientificista para compor seu regime de enunciação. Por outro lado, os
biólogos que acompanhavam minha trajetória de pesquisa viam no serviço de coleta e
taxonomia botânica um pressuposto indispensável à atividade científica, sem a qual minha
prática seria fadada ao fracasso pelo fato de não oferecer uma referência válida e segura
cientificamente sobre os materiais que me eram apresentados, as plantas.
Visto que os "nomes científicos" referidos por ambos alude à uma denominação que
busca ser universalista, este empenho me exigiu adotar além do caderno de campo companheiro de longa data dos aprendizes a etnógrafo - os métodos de coleta botânica, dos
quais optei pelo método seco (Alexidades, 1999), em que plantas são coletadas, prensadas em
tamanho padronizado e levadas a desidratação em estufa. De um lado a subjetividade do
registro em caderno de campo que busca apreender particularidades da "cultura" humana, de
outro, um método padronizado para conhecer e descrever a "natureza". Através deste
procedimento, sempre que um novo vegetal era incluído em meus registros de campo, me
organizava junto aos membros do terreiro para conhecer as plantas citadas e proceder a coleta
do vegetal ou de suas partes, que em seguida eram levados por mim ao Herbário Municipal de
São Paulo (PMSP2) para a atividade de identificação e classificação taxonomia.
Não há dúvidas que o conhecimento científico é hegemônico, afinal, emerge mesmo
nos discursos e solicitações dos religiosos. Esta hegemonia é marcada pelo próprio termo
comum, "ciência", que faz referência direta aos saberes ocidentais modernos ao passo que
para referir-se às demais formas de saber é utilizado o prefixo etno-. Como indica Oliveira:
Poderíamos dizer que toda ciência é necessariamente etnociência, a nossa inclusive.
Contudo, este qualitativo continua sendo empregado para alimentar a cisão nós/eles,
onde só o eles é marcado pelo etno- que carrega em seu sentido mais popularizado
uma carga semântica diminuta. (Oliveira, 2012:17).
2
Como praxe entre estas instituições, o Herbário Municipal de São Paulo utiliza a sigla PMSP em referência à
esfera do estado qual é vinculado, na caso, a Prefeitura Municipal do Estado de São Paulo. Durante a análise
manterei esta abreviação.
5
Na senda deste apontamento, posso dizer que a demanda de cientistas e religiosos por
incluir o referencial cientificista nesta pesquisa conduziu minha prática à um cenário teóricometodológico perigoso: ao considerar o trabalho e empenho dos botânicos, minha referência
para a categoria nativa "erva" passaria à noção deste termo outorgada pelos cientistas. Desse
modo, caberia à minha análise o serviço de "tradução" do termo em função dos significados
dados a este referencial por parte dos umbandistas. Entendo que o problema desta condição
está em ratificar os saberes e modos de ser do terreiro em função dos saberes científicos, de
modo a torná-los comparáveis sempre a partir destes últimos, condição ao menos
antropocêntrica e limitadora. Além disso, concederia à ciência o direito de definir a noção de
realidade sem que antes eu pudesse questionar os enunciados próprios dos saberes científicos,
condição que certamente não figura entre os objetivos de uma análise que se propõe a ser
honesta com as muitas e diferentes formas de ser no mundo.
O movimento entre o terreiro e o laboratório, porém, se mostrou interessante pois a
cada nova planta apresentada aos botânicos, muitas trocas eram estabelecidas e logo
aglomerava-se ali uma porção de cientistas interessados nos santos, nos banhos, em todo
aquele novo mundo que as plantas transportavam para dentro do herbário. Como aponta
Webb Keane (2008:230): "material things have an inherent and irreducibly open-ended
character".
Este era meu momento sublime, o deslumbramento dos cientistas botânicos pelo
universo do terreiro, que viam naquele pedaço de vegetal algo muito diferente das demais
plantas que completavam suas coleções. Foi assim com os ramos da "árvore de pombogira",
por exemplo, passaram a ser delicadamente manuseados ao passo que eu descrevia algumas
particularidades da divindade. Devo revelar que em decorrência da espessura do vegetal, os
ramos da "árvore de pombogira" foram os únicos a ter os jornais utilizados para modelar
plantas entre as prensas de madeira que dão o tamanho e formato padronizado pelos herbários
substituídos por almofadas, privilégio que embora os botânicos desconhecessem, a divindade
muito preza.
Ao mesmo tempo, conforme avançavam as coletas, os membros do terreiro também
muito se interessavam pela minha prática. Primeiro, pela minha necessidade em coletar os
vegetais preferencialmente equipados de flores ou frutos, estruturas indispensáveis ao trabalho
dos botânicos, mas que raramente eram consideradas pelos umbandistas, que valem-se
essencialmente de folhas para classificação e uso. Além disso, e certamente mais importante,
pelo fato das minhas coletas não darem conta de apanhar os vegetais tais quais eram-me
apresentados. Isso porque, no terreiro as ervas possuem aura, deuses que as acompanhavam,
6
realidades que a prensa e as folhas de jornal utilizadas na coleta botânica não davam conta de
suportar. Digo 'realidades' pois a experiência é irrefutável: o universo invisível que
costumeiramente é apontado como próprio da cultura, aos umbandistas, é parte integrante
daquilo que os cientistas entendem por "natureza". Como lidar com este paradoxo sem cair
nas armadilhas do reducionismo biológico ou cultural? Mantido em meu objetivo inicial (o de
indicar diferentes “representações” do elemento vegetal), jamais fugiria da dicotomia que o
próprio campo me levou a abandonar.
7
2. Estrutura da dissertação
Para responder a pergunta da sessão anterior, esta análise se elabora a partir de três
artigos independentes, que apesar de suas particularidades teóricas e metodológicas, guiam o
leitor por um caminho argumentativo que percorre minha leitura e análise sobre plantas e
ervas neste momento.
O primeiro artigo apresenta e discute o inventário de plantas que puderam ser
conhecidas ao longo dos nove meses de trabalho de campo junto aos membros do terreiro
CIESL. São apresentadas as partes vegetais e os usos mais preponderantes destas plantas, as
famílias e hábitos botânicos e as nomenclaturas científicas dadas pelo PMSP a estes vegetais.
Para elaboração deste artigo adotou-se um modelo de comunicação científica mais
próximo das ciências biológicas, especialmente a partir da disciplina atualmente conhecida
como 'etnobotânica', que em termos gerais têm se mostrado interessada ora nas nuances
culturais atribuídos às plantas, ora nas particularidades biológicas de vegetais utilizados por
diferentes grupos humanos (Ford, 1978; Schultes e Reis, 1995). Desta forma, o material
apresenta, tanto no estilo narrativo como na argumentação teórica, o compromisso em
relativizar as particularidades das culturas em função da natureza, tratando especificamente
sobre plantas3.
Visto que esta dissertação se elabora a partir de diálogos interdisciplinares, sobretudo
em interface com as ciências botânicas e a antropologia, os dois artigos subsequentes são
construídos através de uma estrutura mais comprometida com as diretrizes editoriais desta
segunda disciplina.
Se o primeiro artigo discute sobre plantas, utilizando para isso uma linguagem
radicada nos modos de saber próprios da ciência botânica moderna, o segundo lança um
empenho inicial para desubstancializar este termo em função da categoria nativa erva,
utilizada pelos membros do terreiro CIESL para se referir às plantas (mas não só) que fazem
parte da rotina desta comunidade. O argumento deste artigo caminha, no primeiro momento,
focado no deslocamento dos citadinos em busca destes materiais pela cidade de São Paulo.
Em paralelo são apresentadas as influências que estas mesmas ervas exercem na dinâmica da
cidade. Dois são os interesses em apresentar este artigo. O primeiro, para indicar uma certa
extensão da categoria nativa erva em função de seu análogo sintético de modo que, se as
3
Complementar à análise aqui apresentada, em Carlessi e Rodrigues (2015) indico algumas particularidades
sobre este empenho relativista.
8
plantas fornecem uma referência para o estudo das ervas na umbanda paulista, argumento que
esta referência mostra-se eminentemente repetitiva (por vezes equívoca) caso seja tomada
essencialmente em função do corpo enquanto substância vegetal. Não menos importante, ao
grifar a influência destes vegetais na dinâmica da cidade, saliento que as plantas não são
meros objetos ao aguardo dos significados que os homens lhes são capazes de atribuir, mas
justamente, são seres que, assim como os homens, participam ativamente na edificação da
cidade, condição que lança um empenho sutil, porém importante, para diminuir as cisões
sujeito-objeto que fundamentam o pensamento moderno e que me interessa reaver para
construir uma análise descritiva comprometida com os saberes e modos de ser próprios do
terreiro.
O compromisso teórico da análise neste momento é tímido e bastante restrito, visto
que meu intento foi elaborar uma narrativa passível de ser acompanhada por leitores de
diferentes áreas. Contudo, devo dizer que os aportes fornecidos pelo antropólogo britânico
Tim Ingold, sobretudo no que se refere à ideia de 'fluxo de materiais' (Ingold, 2000; 2012), se
fizeram muito pertinentes e norteiam meu olhar sobre o trabalho de campo. Isso porque, ao
passo que acompanhava religiosos e plantas terreiro afora, paulatinamente era posto a
redimensionar algumas antinomias próprias de minha formação cientificista, das quais Ingold
lança um olhar crítico e bastante apurado (Ingold, 1990; 2004; 2013).
Neste entrecruzamento entre teoria e prática, notei que muitos termos presentes nos
discursos do terreiro dialogavam com pertinência e coesão com certas categorias adotadas
pelo autor. Atento a esta condição, passei a utilizá-las de modo mais pragmático, condição
que me pôs em matrimônio com algumas ideias deste autor. Contudo, não figura entre meus
objetivos construir uma análise essencialmente ingoldiana. Lanço mão de certos conceitos
deste autor, sobretudo em situações pontuais, tão somente interessado em fortalecer a
apresentação dos argumentos sucedidos do registro etnográfico.
É apoiado neste encontro que apresento, no terceiro artigo desta dissertação, uma
análise sobre a dimensão material dos vegetais que compõe o jardim do terreiro CIESL.
Apoiado em uma narrativa essencialmente etnográfica, apresento algumas dinâmicas que
operam entre a cidade metafísica Aruanda (indicada pelos membros do terreiro como morada
dos orixás e guias espirituais) e o próprio terreiro, de modo que ambas são vistas pelos
religiosos como espaços interconectados através das plantas ali dispostas.
Posso então dizer que abdicar dos vegetais em si(ência) para, paulatinamente,
construir uma análise radicada nos modos de ser do terreiro CIESL foi uma emergência e uma
exigência empírica, resguardada, é claro, pelos conflitos e negociações que caracterizam um
9
empenho interdisciplinar. Manter-me fixado na análise dos dados botânicos ou
exclusivamente nos registros em caderno de campo certamente seria mais conveniente, tanto
pela categorização da minha própria área de estudo, como pelo diálogo facilitado, quer fosse
com biólogos ou antropólogos. Contudo, entendo que esta pesquisa se insere num meio fio,
um terreno híbrido entre a prática e a reflexão, a biologia e a antropologia, condição
desconfortável, mas igualmente privilegiada. Primeiro, pelo fato de me permitir descrever
certas plantas através de uma linguagem radicada nos modos de ser da umbanda paulista. No
mais, pelo fato das plantas que acompanhei terem travado relações também cientistas
botânicos, pude tornar esta pesquisa como um exercício reflexivo sobre minha própria área de
estudo.
É apoiado nas diferenças que particularizam os saberes botânicos e aqueles próprios
do terreiro CIESL que ao longo da narrativa procuro não indicar as correspondências entre os
nomes das ervas e seus análogos científicos. Reservo esta condição essencialmente à
exigência metodológica do primeiro artigo como um posicionamento político frente às
dissensões existentes entre ambos. Na sessão seguinte trago outras informações que
complementam as opções descritivas e analíticas que dão corpo a esta análise.
10
3. Notas de campo
Reconhecer agências e habilidades nas plantas, confesso, é algo que aprendi com os
umbandistas em momentos anteriores da pesquisa se fazer profissão. Primeiramente, devo
indicar que nos templos das religiões afro-brasileiras as plantas transportam segredos dos
mais valiosos. Adentrar nesta ceara, mesmo nos espaços em que as relações com as plantas se
dão de forma menos pragmática, requer ao menos duas intimidades: a primeira com os
detentores deste conhecimento, que geralmente pouco falam a este respeito de forma
espontânea e aberta.
Muitas vezes meus colegas do CIESL me indicavam pouco saber a respeito das ervas,
mesmo aqueles reconhecidos pela comunidade por seus conhecimentos profícuos. Muito além
da modéstia, percebi que os guias espirituais - nome dado aos espíritos manifestos via
processo de transe, a incorporação - são tidos como os verdadeiros especialistas no terreiro de
umbanda, seja sobre esse ou qualquer outro assunto. Dessa forma, além da aproximação com
os médiuns, pais-de-santo, iabás4, e ogãs5, me foi necessário tecer alguma intimidade com
seus respectivos pretos velhos, caboclos, baianos, boiadeiros, erês, e exus – estes sim, uma
vez ganhado confiança, me desenovelavam histórias, banhos, chás e amuletos à toda sorte de
plantas.
Neste grupo há uma abrupta distinção entre as figuras que ocupam, em momentos
distintos, o mesmo corpo. Sempre que procurava retomar alguma conversa que havia tido
anteriormente sobre ervas era preciso diferenciar o ator da fala por mim registrada, condição
imposta pelos próprios médiuns: "essa conversa você teve com a pessoa física ou com a
jurídica6? (risos)", distinguindo em tom de brincadeira o próprio médium que comigo
conversava dos guias espirituais que ganhavam voz a partir de seus corpos.
4
neste terreiro, cargo estritamente feminino. Entre outros, é responsável pelo preparo das comidas votivas,
oferendas, banhos, amacís e outros cuidados com os orixás e guias espirituais.
5
neste terreiro, cargo estritamente masculino. Entre outros é responsável pelo toque dos instrumentos de
percussão e despachos.
6
devo ressaltar que a utilização destas categorias foi um modo bem humorado, e em uma situação pontual, de
indicarem a distinção qual me refiro. O terreiro CIESL possui um discurso incisivo sobre o voluntariado do seu
exercício, ressaltando em todas as sessões que não opera através de remuneração financeira. Julguei oportuno
fazer referência a este quesito para que o termo "jurídico" não seja lido como uma tentativa de aproximar o
exercício do grupo com uma atividade economicamente remunerada.
11
Em função desta distinção ontológica, optei por proceder conforme os próprios
entrevistados apontavam: entrevistei "atores", no sentido que Bruno Latour dá ao termo 7.
Desse modo, figuraram entre os meus entrevistados, de modo igual, pessoas e espíritos.
Atividade que se fez extensa pelo fato de que, para cada humano, havia em média dez guias
espirituais diferentes8.
Visto que muitos espíritos neste terreiro recebem a mesma alcunha (como "Caboclo
Sete Flechas", que pude registrar mais de cinco diferentes na mesma cerimônia), procedi em
meus registros de campo anotações que pudessem remeter a aquele específico caboclo. Para
isso, usei artifícios diversos sem manter necessariamente o vínculo com o humano que o
"carregava" - para usar aqui um termo nativo relativo ao processo de incorporação. Dessa
forma, meus registros mantém um elo preciso com o entrevistado, operando entretanto através
de agências variadas. Exemplos: "Caboclo Ubiratão (Solange)", "Vó Maria que não usa
banquinho", "Exú Sete Encruzilhadas que assopra as mãos quando chega".
Para me ambientar com o trabalho de campo, a princípio estabeleci conversas
informais com membros do grupo e notei que costumeiramente alguns nomes-chave eram
citados (de ervas, humanos e guias espirituais), ampliando desta maneira o meu quadro de
atores, que era complementado com as observações realizadas por mim ao longo das sessões.
Nos meses iniciais do trabalho de campo me mantive ao lado dos primeiros-cambonos, cargo
hierárquico que goza de uma posição privilegiada quanto a visão geral da cerimônia observando e administrando a dinâmica das sessões. Interrompi esta atividade quando as
informações observadas saturaram. No segundo momento, já com um certo mapa de médiuns,
espíritos e plantas quais eu trabalhava, procurei ocupar a posição de cambono, espécie de
auxiliar dos médiuns em processo de transe, que busca tomar nota das informações e
indicações dos guias espirituais auxiliando assim a compreensão com os consulentes. Neste
terreiro os cambonos utilizam um espécie de formulário padrão (anexo A) em que registram
todo conteúdo prescritivo recomendado pelos guias espirituais, entregando-o ao final da
conversa aos consulentes. Me vali muito desta peça técnica para compor meus registros e
observações etnográficas, tanto por parte do conteúdo de prescrição (as plantas e o modo
como eram utilizadas) como a respeito da transmissão de conhecimento neste grupo (guia
7
aquele que executa uma ação, como no caso do terreiro de umbanda, os humanos que colhem plantas, os
espíritos que benzem seus consulentes com ramos de arruda, as plantas que afastam mau-olhado (Latour, 2012).
8
Neste templo existem treze "linhas" (castas) de guias espirituais mais preponderantes: caboclo, preto velho, erê
(ou criança), boiadeiro, baiano, marinheiro, malandro, cigano, médico, grande oriente, exú, pombogira e exúmirim
12
espiritual-cambono-papel). A posição de cambono também foi bastante frutífera, já que pude
completar e aprofundar muitas das observações feitas indiretamente, quando me posicionava
ao lado do primeiro-cambono.
Nesta função notei que tratando-se de plantas, um setor específico do terreiro era
frequentemente consultado sempre que havia dúvida ou necessidade de parecer mais apurado
a respeito das ervas e seus usos: a cozinha. Para adentrar neste território, em que a presença
masculina é muito pouco bem vinda, precisei além de autorização, demonstrar absoluto
comprometimento com as diretrizes que me eram postas. Contudo, foi neste momento, estágio
mais longo e igualmente prazeroso do trabalho de campo, que imergi nas conversas das iabás
e mães-de-santo que muito prazer tinham em falar sobre ervas. Com elas tive acesso a
cadernos já amarelados pelo tempo, com anotações e dicas para agradar qualquer santo; fui
introduzido a receitas infalíveis, colhi e plantei muita coisa na companhia de quem percebe as
minúcias do menor traço de verde meio ao grande cinza da cidade.
Se os humanos e os guias espirituais do CIESL me levavam às ervas, devo dizer que
as elas próprias cumpriam a função de me apresentar seus pares. Na procura por vegetais a
serem utilizados nos rituais e também para a coleta botânica, percorri muitos caminhos da
cidade em jornadas que chegavam a durar semanas. Nestas expedições um mundo de plantas
foi crescendo em mim, de modo que se torna difícil dizer se eu é quem as procurava ou se elas
é quem me davam testemunhos de sua presença pelo mundo. Foi assim com o quebra-pedra
rasteiro, planta de Iemanjá, que cresce em meio às fissuras das calçadas. Certamente já
havíamos cruzado um o caminho do outro em minhas andanças pela cidade, mas a partir do
momento que fomos apresentados pela iabá Carmelita, o quebra-pedra rasteiro me mostrou
que entre todo aquele cimento, um grupo infinito de plantas crescia e com elas, muitos santos
e religiosidades9. Foi assim que me tornei íntimo do também da serralha, da tiririca, do picão
branco e muitas outras ervas.
Certamente este trabalho não floresceria sem o interesse e afinidade com esta forma de
vida, afinal, como bem diz Manoel de Barros, para entender as plantas "é preciso sofrer
alguma decomposição lírica até o mato sair pela voz”. Prazer peculiar que além de nortear o
meu olhar pelo estudo das religiões, me rendeu bons encontros, conversas e presentes sobre (e
com) os vegetais. De orquídeas a urtigas, fui aos poucos introduzido em um universo que
embora estivesse sempre próximo, não me era íntimo.
9
Almeida amplia esta discussão ao estudar plantas e catolicismo a partir da cidade de Guarani das Missões-RS
(Almeida, 2014).
13
Embora a minha iniciação botânica tenha ocorrido ainda durante a graduação, onde
mantive um horto de plantas medicinais na universidade e monitorei um modesto herbário,
durante a pós-graduação nossa relação se enraizou. Passei a observá-las de perto, porém com
a permissividade de plantar no meu jardim de ideias não apenas fitoterápicos - como em
outrora - mas também divindades, feitiços, redes de sociabilidade, receitas para descarrego e
banhos de limpeza.
Algumas destas plantas me exigiram certos caprichos, "coisa de orixá", como dizia
Mãe Izildinha. Pela ausência de estado fértil no momento das coletas, mantive muitas plantas
em minha casa, cuidando para que florescessem e permitissem o trabalho dos biólogos do
PMSP incumbidos de identifica-las taxonomicamente. Logo meu pequeno apartamento se
transformou numa continuidade do próprio terreiro, trazendo nos vegetais seus fluxos de
religiosidade. Assim foi com a samambaia do brejo, planta de caboclo que pouco se deu em
minha casa pelo fato de caboclo ser um espírito livre, que "não gosta de viver em poleiro",
como foi chamado meu apartamento pelo Caboclo Sultão das Matas ao explicar o desgosto
que passavam as plantas. Algumas vieram de longe, dadas como presente, e não tive coragem
de entregá-las por completo ao herbário, mantendo assim alguns brotos para me lembrar do
sacrifício qual fui obrigado a cometer. Com outras mantive um verdadeiro namoro,
geralmente pela dificuldade de encontrá-las (neste caso um namoro platônico), como foi com
a carobinha e o cururu, não coletados pelos desencontros que tivemos. Com outras, me
relacionei mais intimamente pelo interesse em melhor compreendê-las, como o trevo de
quatro folhas, a goiabeira, o limoeiro, o bálsamo, o fumo e a losna. Nestes casos, procurei
cultivá-las, mas quando não era possível, me restringia a cultuá-las sempre que cruzávamos
um o caminho do outro.
Visto que indiquei na abertura desta sessão que o ambiente do terreiro CIESL já me
era familiar10, o desconhecimento que aqui relato a respeito das ervas, dos guias e dos
religiosos deve ser lido como uma falta de intimidade, afinal, como diferencia Otávio Velho
(1978), nem tudo que é familiar, necessariamente, é também íntimo. De certo, o terreiro, as
ervas e os rituais do CIESL me eram familiares, e em graus diferentes de familiaridade. Já
havíamos quase todos estabelecido contato e tecido certa proximidade, entretanto, esta
condição não implica uma direta intimidade. Por mais que conhecesse o banho de ervas,
jamais o havia avaliado enquanto suas controvérsias. Jamais havia se quer questionado tal
10
No qual ocupo desde2009 o cargo de ogã.
14
ritual, embora fizesse parte da minha rotina. É como tivesse um quebra-cabeças qual
conhecesse as peças, mas jamais tivesse visto a imagem formada pela junção de todas elas.
Do mesmo modo, se indico que a observação participante é a ferramenta que
empreguei na condução deste trabalho, neste período fui convidado (por vezes intimado) a
abandonar o caderno de campo e integrar o corpo religioso, num processo onde observação e
participação mantiveram-se em matrimônio.
Em uma certa sexta-feira, enquanto me desdobrava para dar conta de acompanhar
meus entrevistados que, por ironia do destino, ficaram tempos sem aparecer no terreiro e
retornaram todos na mesma data, fui convidado sem muitas opções de recusa à participar de
um trabalho. Nesta ocasião me foi solicitado pelo Exú Sete Sepulturas, um dos dirigentes do
templo: "você vai refazer a cartilagem da perna dela. Vai no jardim e pega as plantas vai usar.
Não pensa...só sinta". Nesta passagem, talvez minha atenção já tivera sido educada pela
pesquisa de modo que se tornou difícil atender o desejo do exú, todo modo, meu registro
aponta que coletei folhas de samambaia, folha-da-costa, melissa, alfazema e boldo miúdo,
recursos que por algum motivo me chamaram a atenção durante uma visita rápida ao jardim
do CIESL.
Tentar não pensar sobre esta coleta, confesso que foi um exercício único - coisa
de exú, que gosta mesmo é de pregar peças - e me fez revisitar o caderno de campo centenas
de vezes. Nesta ocasião, explicitamente, eu havia sido afetado de forma súbita. Meu
envolvimento chegou a ponto de eu ser o protagonista e o autor do relato de campo do dia
09/05/2014. Favret-Saada (2005) vivencia também esta condição ambígua ao relatar seu
trabalho sobre a feitiçaria praticada no vilarejo Bocage, na França. A autora relata a
experiência de tornar familiar aquilo que inicialmente lhe era estranho, levando esta condição
ao extremo. Ao assumir a condição de "ser afetada" pelas práticas de feitiçaria observadas,
Favret-Saada comenta quão paradoxal é pensar na observação como uma ação ausente de
participação e vice-versa, e provocantemente aponta que 'observar participando' ou 'participar
observando' é quase tão paradoxal quanto tomar um sorvete fervente.
***
O esforço de manter um estudo que preservasse ao máximo a vitalidade dos saberes e
os modos de ser de meus colegas do terreiro, no entretanto, se enfraqueceu ao passo que esta
pesquisa acessa aquilo que o Estado denomina por "conhecimento tradicional associado ao
patrimônio genético" (CTA), nomeado e resguardado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), órgão que precisei solicitar autorização prévia para condução
desta pesquisa em função de meus objetivos envolver a coleta de material vegetal em uma
comunidade religiosa afro-brasileira. Ainda nos primeiros meses de 2013, ano anterior ao
15
início do estudo, a proposta foi apresentada ao dirigente do Círculo de Irradiações Espirituais
de São Lázaro discutindo as nuances do estudo proposto, delineados e acordados via Termo
de Anuência Prévia (TAP). Todo modo, a chancela final que me permitiu iniciar o trabalho de
campo foi outorgada pela Pombogira Maria Padilha, que embora não seja reconhecida pelo
Estado, para o terreiro CIESL, é tão importante quanto o dirigente do terreiro. Em uma de
nossas reuniões para assinatura do TAP, o pai-de-santo chefe deste templo comenta sobre as
permissões para o estudo:
Alexandre: Você já falou disso com o Seu Sete? [ se referindo ao Exú
Sete Sepulturas, que compõe o quadro de lideranças neste terreiro].
Pedro: Ainda não. Mas falei com a sua Maria Padilha.
Alexandre: E o que ela disse?
Pedro: Disse que se eu não fizer [a pesquisa] bem feito ela me
mata...(risos).
Alexandre: Então já tá mais do que autorizado (risos)!
Anterior ao pedido para acesso ao CTA via IPHAN, o projeto de pesquisa foi
submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Paulo,
solicitando autorização da universidade para início do estudo (parecer substanciado no
610.407). Para isso, me foi necessário desenvolver e aplicar um Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE) para que os participantes da pesquisa tomassem conhecimento
dos direitos e compromissos resguardados à participação neste estudo. Todo modo, estes
'direitos e responsabilidades' mostram-se como segurança apenas aos religiosos, embora tenha
havido necessidade de negociações também com os guias espirituais, desconsiderados pela
política que outorga direito a este estudo.
Contudo, enquanto acompanhava o trabalho dos guias espirituais, procurava também
ambientá-los sobre a pesquisa da mesma maneira como procedia com os religiosos. Nestes
casos, meu TCLE sempre à mãos foi majoritariamente substituindo pelos acordos impostos
pelos próprios guias espirituais, suas regras e políticas de cooperação, salvo raros casos, em
que me indicavam pouco entender de "papel", sugerindo uma conversa posterior com o
médium que lhe dava voz.
Todo trâmite IPHAN se fez bastante moroso, com muitas visitas e revisitas tanto ao
terreiro, quanto a reitoria da universidade, situação que o ano de trabalho antecedente ao
início da pesquisa mostrou-se indispensável para a obtenção da autorização expressa no
16
processo no 01450.004819/2014-14, protocolada no Diário Oficial da União em 29 de maio de
2014.
De modo complementar, optei por realizar junto ao Ministério do Meio Ambiente (via
sistema SISBio) o registro voluntário de coleta botânica, evitando assim qualquer
contratempo no transporte das plantas entre o terreiro e o PMSP. Paralelo a esta autorização,
também recebi muitas recomendações por parte dos umbandistas sobre pedidos de 'licença'
anteriores à coleta, que também trataram de ser cumpridos.
17
4. Ambientação teórica e etnográfica
A Umbanda é talvez a mais urbana das religiões afro-brasileiras. Constituída e
legitimada como culto organizado meio aos grandes centros urbanos do início do século
(Silva, 2005), hoje se faz presente em todo o Brasil - sobretudo nas metrópoles do sul e
sudeste. Seu culto remete aos santos do catolicismo popular, à deuses africanos diretamente
ligados a elementos da natureza e espíritos que, segundo os umbandistas, outrora estiveram
entre os homens e hoje retornam com aprendizados adquiridos em vivencias passadas,
geralmente, em espaços e tempos anterior ao mato rarear em prol do "progresso". Entre eles,
destacam-se os caboclos, espíritos ameríndios conhecedores dos "segredos da selva", os
pretos velhos, arquétipo do velho escravo que carrega rezas e plantas medicinais infalíveis, os
boiadeiros, representantes do homem do campo e sua sabedoria como bom raizeiro, além dos
exús, pombogiras e exús-mirins, verdadeiras modulações de continuidade e hibridismo entre o
sagrado e o profano, "direita" e "esquerda", entre humanos e orixás, figuras emblemáticas que
compõe o cenário da umbanda paulista.
Embora a importância das plantas entre as comunidades-terreiro seja notoriamente
conhecida, trazida pela grande maioria dos autores que imergiram no universo dos cultos afrobrasileiros, um esforço ainda inicial foi empreendido na particularidade das relações destes
grupos com as plantas. Nesta linha de pesquisa, nota-se que o candomblé - especialmente as
nações jêje-nagô11 - apresenta o maior número de investigações (Barros, 1993; Voeks, 1997;
Barros e Napoleão, 1999; Serra et al., 2002; Barros, 2011). Entre estes, torna-se
imprescindível destacar os subsídios de José Flávio Pessoa de Barros -especialmente sobre os
sistemas de classificação botânica nos candomblés da Bahia- e a contribuição de Pierre
Verger (1987) sobre o intercâmbio vegetal entre África e Brasil. Ao certo privilégio dado ao
candomblé pelos pesquisadores, sobretudo às casas Jeje-Nagô da Bahia - destaca-se o fato de
terem sido estas as primeiras organizações religiosas afro-brasileiras consideradas no cenário
acadêmico, artístico e político quando, a partir de meados de 1920, passa-se a ressaltar as
culturas historicamente marginalizadas na expectativa de formação de uma identidade
11
como aponta Silva (2005), o termo nação alude aos agrupamentos das casas de Candomblé que remetem a
identidade daquele grupo. Embora as etnias que dão origem a religião sejam difusas, a nação indica a
prevalência de determina característica cultural, como tronco linguístico, panteão, organização do culto, etc.
Dessa forma, o grupamento jeje-nagô remete aos ritos que abrangem as nações nagôs (ketu, ijexá, etc.) e as jejes
(jeje-fon e jeje-marrin).
18
nacional, espaço em que o candomblé preenchia o arquétipo de uma “brasilidade autêntica”.
Este pioneirismo culminou na constituição de um modelo analítico sustentado até os dias de
hoje.
Entretanto, no panorama multicultural das religiões afro-brasileiras não há um modelo
singular que abarque a imensa diversidade de concepções e relações com plantas, tão pouco
um arsenal botânico restrito. Em seus trabalhos, Pereira (1979) e Ferreti (1996) falam sobre o
papel dos vegetais na Casa das Minas, culto de origem daomeana praticado no Maranhão.
Motta (1986) faz referência às plantas do sítio de Pai Adão, Xangô Pernambucano. Cascudo
(1988; 1999) inventaria as plantas ligadas ao Catimbó, predominante no nordeste brasileiro.
Além desses, Figueiredo (1983), Cacciatore (1977), Pires & Andrade (1986), Camargo (1990;
2005), Anthony (2001), Rodrigues e Carlini (2004), Silva e Andrade (2005), Albuquerque
(2011), e Antonio et al. (2011) empenham esforços para colaborar com as investigações deste
segmento.
Bastide (1946) em seu estudo sobre a macumba paulista traz notas que indicam a
pluralidade de influências que futuramente constituiriam a umbanda no estado de São Paulo.
O autor aponta a congruência das práticas de cura e religiosa negras, sobretudo banto, com a
magia e medicina popular dos imigrantes europeus e trabalhadores do campo, dando origem a
um exercício reprimido e perseguido pela Polícia de Costumes. Segundo o autor, a macumba
(ou "curandeirismo") não se tratava de uma prática organizada, se pulverizava pelo estado
paulista onde cada curador aplicava seus saberes e técnicas utilizando do comércio para se
abastecer de plantas, partes animais, favas e pedras incomuns meio à cidade, que já tomava
ares de metrópole. Silva (2005) complementa que nestas sessões procurava-se cultuar o maior
número possível de "linhas" (termo nativo para agrupamentos de divindades), sugerindo
assim, trabalhos mais poderosos. Na mesma obra, o autor ainda aponta que na macumba
paulista o termo “umbanda” por vezes designava o líder religioso, sugerindo que pela
popularidade, a linha de umbanda pode ter adquirido autonomia em relação às demais,
passando a designar um culto à parte.
Na senda de Roger Bastide, Ortiz (1976) e Negrão (1996) notam que a formação da
umbanda segue as linhas traçadas pelas mudanças da sociedade brasileira do século XIX,
ressaltando que no processo de legitimação da religião, as práticas afro-brasileiras, católicas e
kardecistas fundiram-se dando origem ao um novo culto. Nesse processo, elementos de até
então marginalizados, como o uso de bebidas alcoólicas, fumo e o preparo de oferendas foram
excluídos ou justificados segundo a moral das classes dominantes da época.
19
À amálgama sugerida por Roger Bastide, retomada por Concone, Ortiz e Negrão (op.
cit.), somam-se também as novas práticas de esoterismo urbano (Magnani, 1996; 1999), como
o neo-xamanismo no caso do CIESL, e os diálogos que cada templo estabelece - ora mais
próximos do candomblé, ora do kardecismo e do catolicismo, principalmente - formando
dissidências dentro da própria religião: quimbanda, umbanda-branca, umbanda-canjerê,
umbanda-esotérica, umbanda-kardesista, umbanda-mística, umbanda-omolokô, umbandomblé
(Pinheiro, 2012), denominações que embora confiram identidade própria a cada segmento,
por vezes é rejeitada pelos próprios adeptos. Como certa vez reportou Pai Agostinho, membro
do terreiro CIESL: “dizem por ai que existem vários tipo de umbanda. Eu não concordo com
isso. Umbanda é amor. Onde existir amor, o conforto dos bons guias e a força dos orixás,
existe umbanda. Não importa o nome que o pai-de-santo dê...umbanda é umbanda, é fé, amor,
caridade e alegria”.
Este hibridismo pode ser vivenciado também nos enredos que levam plantas como
protagonistas. Vegetais vindos de África ganham nomes católicos, europeias contam histórias
xamânicas, especiarias encontradas na sessão de temperos dos supermercados recuperam
saúde, alegria e carreiras profissionais em declínio.
Esta particularidade talvez tenha sido um empecilho para os pesquisadores inclinados
às relações das religiões afro-brasileiras com as plantas, visto a ausência de investigações
desta natureza sobre a umbanda. Os trabalhos existentes concentram-se nas produções de
caráter doutrinário elaborados por líderes religiosos, com exceção do ensaio botânico de
Guedes et al. (1985) que encarregaram-se de identificar os espécimes botânicos apontados por
Chico Birosca, que na época da publicação era mateiro aposentado do Parque da Tijuca (Rio
de Janeiro), reconhecido filho de Ossaim que como aponta Varella (apud Albuquerque, 1999),
“[...] dava-se ao luxo de ter na cabeça uma enormidade de classificações científicas...”.
Dessa forma, o trabalho descritivo dos artigos apresentados nesta dissertação
procuram suprir uma importante lacuna no estudo das plantas utilizadas no contexto das
religiosidades afro-brasileiras, da qual a umbanda paulista ainda não conta com investigações.
***
20
O Círculo de Irradiações Espirituais de São Lázaro: sobre uma comunidade que não cabe em
um círculo
As páginas que seguem tratam de uma sensibilidade absurda que
podemos encontrar esparsa no século - e não de uma filosofia absurda
que o nosso tempo, para dizer com propriedade, não conheceu. É
então de uma honestidade elementar enfatizar, logo de início, o que
elas devem à certos espíritos contemporâneos. [...] Mas vale a pena
notar, ao mesmo tempo, que o absurdo, encarado até aqui como
conclusão, é considerado neste ensaio como ponto de partida.
(Camus, 2014 [1942]).
Figura 1: Fachada do terreiro CIESL. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Set/2014.
Fundado no início da década de 50 por um casal imigrante europeu vindo do interior
de São Paulo, o Círculo de Irradiações Espirituais de São Lázaro possui cerca de 60 anos de
atividade, com um período de fechamento ocorrido após o falecimento de seus fundadores.
21
Em sua história mais recente, o terreiro foi reaberto em 1996 por Alexandre Meirelles da
Silva, antigo médium e atual pai-de-santo chefe12 deste terreiro.
Alexandre foi iniciado como pai-de-santo aos 25 anos de idade e assumiu consigo o
compromisso da reabertura do terreiro, que completou no ano 2016 vinte anos sob sua tutela.
No decorrer desta transição, a incorporação lenta e contínua de elementos que remetem à
práticas religiosas vindas especialmente do candomblé e do tambor de mina se fazem
presentes, visto a coroação13 de Alexandre como pai-de-santo através de Mãe Carmem,
yalorixá do candomblé ketu paulista, sua passagem e significante relação com Toy Francelino
de Xapanã, já falecido e referência do culto maranhense na cidade de São Paulo. Cito apenas
como exemplo destas influências a inclusão de instrumentos de percussão (atabaques e mais
recentemente agogô e xequerê), aumento do panteão de orixás cultuados (incluindo Logun
Edé, Oxumaré e Ossaim, pouco presentes na umbanda paulista) e a organização sócioreligiosa estabelecida a partir de cargos iniciáticos14.
Não bastante, outras muitas mudanças foram promovidas através do novo pai-desanto. Após sua coroação, Alexandre por muitos anos dedicou-se ao estudo daquilo que têm
sido chamado na literatura acadêmica como xamanismo urbano (Magnani, 1999; 2005).
Aluno de estima de Carminha Levy, precursora da prática na cidade de São Paulo, Alexandre
tornou-se mestre xamã e atualmente ministra cursos de iniciação e capacitação nesta prática
espiritualista.
Nesta modalidade de xamanismo, os iniciantes são convidados a descobrir o que
chamam de um 'outro mundo', o mundo xamânico, geralmente invisível aos olhos dos
adeptos, mas que é absolutamente conectado e atuante neste mundo em que vivemos
habitualmente. Embora existam também humanos no mundo xamânico (geralmente caricatos
de um imaginário indígena romântico), a forma predominante de vida neste mundo é de
animal não-humano, sobretudo predadores, animais com presa e outros de grande porte.
Através de um longo processo de aprendizado, os praticantes exercitam "entrar", "sair" e
"fazer coisas" no mundo xamânico. Para isso, valem-se de suas quatro contrapartes animais:
"animal sagrado", "animal de poder", "animal de cura" e "animal de sabedoria", diferentes
12
categoria utilizada neste terreiro para diferenciar o dirigente do templo dos demais pais-de-santo que integram
este coletivo.
13
neste terreiro, nome dado ao rito de iniciação neste cargo hierárquico.
14
A este respeito, vide as notas de Gustavo Chiesa a respeito da confluência entre as experiências pessoais e a
construção de práticas religiosas a partir da umbanda carioca (Chiesa, 2012).
22
devires-animais15 (Deleuze e Guattari, 1997)
que integram a condição de sujeito dos
praticantes.
Aprender esta modalidade de xamanismo não é obrigatório no terreiro CIESL. A
atividade é oferecida pelo pai-de-santo em um outro círculo, chamado 'Aldeia Círculo das
Tradições' e diferente das atividades promovidas no terreiro, na "aldeia", os cursos, vivências
e demais atividades não são gratuitos. Todo modo, há um trânsito bastante intenso de adeptos
do terreiro CIESL que frequentam o espaço e vice-versa, de modo que o xamanismo deste
outro círculo, constantemente integra as práticas promovidas no terreiro. Logo, os animais
também são evocados e se fazem presentes na rotina do templo, agindo juntamente com os
humanos, pretos velhos, caboclos, exús e orixás ali presentes. Descreverei alguns detalhes
deste intercruzamento entre xamanismo e umbanda no terceiro artigo desta dissertação. Por
hora meu interesse é indicar o povoamento daquilo que estou aqui chamando de círculo, em
referência ao pronome utilizado para compor o nome do terreiro.
Não obstante, além de humanos, espíritos, orixás e animais xamânicos, neste grupo o
próprio terreiro é tido como um organismo vivo, que age e reage aos estímulos do mundo. Um
organismo que não só comporta, mas também integra e participa da comunidade-terreiro.
Quero dizer que o terreiro CIESL não é tido como um mero espaço de culto, mas sim como
um ser vivente, autônomo e que expressa seus constantes desejos aos dirigentes, que devem
ser ávidos em percebê-los (digo 'dirigentes', no plural, porquê o trabalho de coordenação de
um terreiro de umbanda se faz em um processo de constante coautoria: juntamente com o paide-santo, tomam posse nas decisões espíritos que dividem a responsabilidade de administrar a
comunidade religiosa, como são, neste caso, o Caboclo Pena Branca e o Exú Sete Sepulturas,
principalmente).
O terreiro CIESL não conta, até o momento, com uma sede própria. Para atender às
demandas e desejo de crescimento do templo, por muitos anos Alexandre buscou pela Vila
Mascote, bairro em que a comunidade sempre se manteve, um espaço adequado às exigências
e desejos do terreiro. Em primeiro lugar, era necessário um espaço que comportasse o grande
número de pessoas que frequentava o templo e por vezes chegava a impedir a fluidez do
15
a categoria deleuzeana de devir fundamenta algumas ideias e abordagens teóricas que farão parte desta análise,
como a ideia de linhas e fluxos proposta pelo antropólogo britânico Tim Ingold. Para uma compreensão pontual
e precisa, por hora, entendo ser suficiente indicar que a categoria sinaliza à coexistência de elementos : “tudo
coexiste em perpétua interação”, como indicam os autores na obra Mil Platôs (Deleuze e Guattari, 1997:119). O
devir-animal que refiro, seria então uma continuidade do animal através do humano, que o torna, assim, um
"humano com devir-animal".
23
tráfico de veículos e pessoas pela rua em que se localizava. O próprio Exú Sete Sepulturas era
muito atuante nesta atividade: descrevia lugares, dava coordenadas e solicitava às pessoas que
buscassem pelas indicações. Muitas vezes os adeptos chegavam aos locais indicados pelo exú,
porém alguns inconvenientes atravancavam a mudança, que postergou-se por anos. Além de
amplo, os dirigentes do templo exigiam uma área à céu aberto, principalmente para que o
cultivo de plantas fosse realizado, condição que o galpão que se instalavam até 2013 não
oferecia. Muito tempo se passou até que a mudança de endereço de fato acontecesse.
Neste
período, o terreiro, manifesto na estrutura do antigo galpão, dava seus sinais de desagrado: o
sistema elétrico mostrava-se constantemente ineficiente, as paredes e pisos quebravam a todo
momento, muitos ratos passaram a povoar o terreiro e o mal cheiro do córrego localizado ao
lado do antigo galpão impunha-se até mesmo ao forte cheiro de perfume de alfazema e da
mistura de plantas aromáticas da defumação. "A casa está expulsando vocês daqui", explicava
o Exú.
A atitude, entretanto, não é de personificar o espaço, mas sim de reconhecer que além
de humanos, outros seres integram este coletivo agindo de modo ativo. Embora o termo
'círculo' sugira um certo halo distintivo, que supostamente limita o que é e o que não é o
terreiro, o que é ou o que não é uma "comunidade" ou ainda, uma "prática de umbanda", estas
categorias se mostram imprecisas quando tomadas pelos seres e pelas ações das coisas que
compõe o grupo. Na fala de Alexandre: "quando vocês pensarem que fazem parte do Círculo
de Irradiações Espirituais São Lázaro vocês tem que pensar que não estão sozinhos. Vocês são
muitos...muitos! Cada um aqui tem uma imensidão de espíritos que acompanha vocês dias e
noite. Cada pessoa que bate cabeça neste congá16, não importa quem seja, está protegido por
Obaluaê, senhor do cemitério e dono dessa casa. Além disso, está protegido pela própria
ancestralidade, pelos guias espirituais desse terreiro, por todos os protetores, exús, anjos de
guarda, por todas as orações que fazemos diariamente, pelas pessoas, por todas as boas
intenções desse lugar."
A ideia de círculo como adjetivo para instituição religiosa, indica, em primeiro plano,
justamente a unidade que estabelece e define a comunidade. Partilha-se dentro do circulo
ensinamentos, regras, métodos de administração de um templo, éticas, tabus e uma série de
outros atributos que justamente caracterizam a individualidade de uma religião que se
estabelece a partir de doutrinas e diretrizes determinadas in situ. Quando tomados pelos seres
que o compõe, a ideia de comunidade implícita nesta categoria se alarga, afinal, a
16
"altar".
24
sociabilidade que caracteriza este grupo se dá a partir de relações interespecíficas: homens
que falam com espíritos, espíritos que se comunicam a partir de um estado de humanidade
efêmera (chamado incorporação), casas que agem e expressam seus desejos e plantas que
determinam a mudança ou não de um grupo de humanos para um novo endereço.
Na fala reportada acima, por exemplo, o pai-de-santo contra-argumentava um grupo
de médiuns que se queixava de um ano dificilmente conturbado e que, agradeciam, pois
chegava ao fim. A fala do pai-de-santo evidencia o povoamento do terreiro de umbanda, em
que as ações humanas somam-se à muitas outras que também desempenham um papel ativo
neste coletivo. Sendo assim, estar "protegido" contra um ano difícil é estar permeado por
anjos, orações, espíritos, boas intenções e tantos outros.
Se esta condição alarga a ideia de círculo, um olhar atento aos movimentos, às
dinâmicas e àquilo que fazem os seres que o compõe, não só alarga, mas também dilui a
suposta contenção imbuída ao termo.
Figura 2: Sobre a diluição da categoria círculo. Detalhe do portão do terreiro CIESL. Fotógrafo: Marcelo
Dalla. Abr/2014.
25
A imagem acima ilustra o adjetivo circulo tal como articulado no terreiro CIESL, e
que aqui a utilizo em consonância com a teoria ingoldiana de teia17 (Ingold, 2012), que neste
momento ambienta meu olhar para o trabalho de campo e também a abordagem que faço nos
artigos dois e três desta dissertação. Trata-se de uma estrela de seis pontas cujos vértices se
sobrepõem e se multiplicam em outras estrelas do mesmo tamanho e formato, que extrapolam
o halo dourado que circunscreve a estrela central. Postas desta forma, as estrelas formam uma
grande tessitura em dourado, prata e branco. Justamente o branco, que serve aqui como plano
de fundo para o desenho e cor base do portão do terreiro, também integra a figura e não se
limita a apenas suportá-la: embora seja bidimensional, a precisão dos contornos desta imagem
sugere que a cor branca está também nos meandros de cada estrela de modo que o "meio
ambiente" do desenho é, se não, o encontro e a ação, uma na outra, destas três cores, bem
como da tinta e da madeira que compõe o portão.
Entendo que esta ideia de círculo subjaz antes à um jogo de relações, visto que os
seres que compõe esta comunidade são sempre muito variados e, igualmente, articulam
relações sempre novas e para além dos muros do terreiro. No limite, a categoria círculo, como
utilizada pelos meus colegas do terreiro CIESL, não deve ser vista como algo que define o
que está dentro ou fora dele (e nisso a imagem acima é precisa), mas é justamente um convite
à relação e que remete ao constante emaranhamento (op. cit) de seres que caracteriza esta
comunidade-terreiro.
17
Ingold aposta justamente em aberturas e continuidades ao invés de contenções e distinções para romper
algumas fronteiras intelectuais do pensamento moderno. Emerge dai o diálogo truncado que o autor estabelece
com Bruno Latour, antropólogo que como Ingold é também interessado em desestabilizar o estatuto de "social"
como algo exclusivo aos humanos. Ao passo que Latour investe na ideia de redes (actor network theory), na
agência distribuída e no transporte de informações entre atores, Ingold prefere pensar em fluxos que não ligam,
mas perpassam os seres do mundo. Os pressupostos teóricos que se apoiam são bastante distintos, de certo, bem
como os motes de suas investigações: Latour mais próximo da antropologia da ciência e da técnica, e Ingold em
diálogos mais próximos da percepção e meio ambiente. Contudo, a proposta dos autores supostamente converge
ao passo que apresentam, entre outros, um certo modelo gráfico em comum. Neste sentido, Ingold é ferrenho em
apresentar as distinções (inclusive gráficas) entre suas ideias e as de Latour (Ingold, 2008). Para sinalizar as
continuidades ininterruptas e incontinentes que dão forma ás suas ideias, Ingold rechaça em várias publicações a
ideia de círculo como contentor dos movimentos do mundo (Ingold, 1993; 2007a; 2012; 2013). Utilizo a
discussão entre os autores e as metáforas gráficas sobre círculos sempre apresentadas por Ingold justamente para
desestabilizar a ideia de círculo, que compõe o nome do terreiro CIESL, como algo redutível e contentor de
relações entre humanos e não humanos no terreiro CIESL.
26
[...] as vidas são vividas não em mundos sociais fechados, mas no espaço aberto.
Estas vidas são sociais não porque estão enquadradas, mas porque estão
entrelaçadas. Toda vida é social neste sentido, uma vez que é fundamentalmente
multifacetada, um entrelaçamento de muitas linhas correndo concomitantemente.
(Ingold, 2015:317).
O antropólogo britânico Tim Ingold utiliza a ideia deleuzeana de 'linhas de devir' para
construir seu argumento sobre meio ambiente (Ingold, 2000; 2013) e recentemente também a
utilizou para revisitar a ideia de social/sociedade, qual reporto acima18. Sua teoria busca
justamente abolir as fronteiras de um organismo -seja um indivíduo ou um coletivoindicando-o como o encontro de muitos fluxos, ou ainda, como um nó, feito a partir do
encontro de muitas linhas. O autor aposta então na ideia de continuidade e movimento para
romper algumas dicotomias e invólucros característicos do pensamento moderno, tais como
'objeto e sujeito', 'organismo e meio ambiente', 'natureza e sociedade'. O resultado destas
interações, contínuas e numerosas, seria então uma tessitura, qual o autor nomeia como teia
ou malha ('meshwork').
Ingold possui um diálogo produtivo com as ciências biológicas e em sua antropologia
assume o compromisso de "trazer as coisas de volta a vida". O intuito do autor é então chamar
a atenção para aquilo que a modernidade tratou de subtrair do mundo: a condição de sujeito
de plantas, bichos, pedras. O caminho argumentativo que elabora para apresentar estes seres
em pé de igualdade enquanto sujeitos é deslocar o foco, até então polarizado nos corpos, para
18
Nesta breve passagem, retirada da recente tradução para português do livro Been Alive, Ingold metaforiza dois
diferentes modos de pensar a categoria "sociedade" a partir de dois diferentes modos de fazer arte: um, através
do desenho, outro, através da pintura a óleo. Neste argumento, o autor recupera Norman Bryson, historiador da
arte, para pensar justamente no instante em que ambos, desenhista e pintor, iniciam seu trabalho sob superfície
em branco. O autor argumenta que na pintura a óleo, assim como na forma historicamente predominante de
pensar "sociedade", os limites do quadro e do grupo antecedem o trabalho, respectivamente, do pintor e do
sociólogo. Propõe então que ao contrário, no desenho - que muito o autor paraleliza com seu argumento de
fluxos e linhas-, o encontro do lápis com o papel tende à um certo subterfúgio desta contenção. Entendo que no
argumento do autor, pensar em "sociedade" sem evocar invólucros está muito distante de uma suposta ideia de
globalização, tampouco induz pensar que o termo é um mero falsete epistemológico. A primazia do movimento,
tão presente na obra de Ingold, me leva a crer justamente que as linhas de devir não são acionadas pelo autor no
intuito de definir grupos, mas assim como o papel para o desenhista, sugerem algo em que os grupos se
desenvolvem. As linhas seriam então algo que atravessa e perpassa todo e qualquer limite de grupo ou de corpo.
É a partir deste mote que argumento o vazamento da categoria círculo, indicando nas páginas seguintes o devirplanta como subterfúgio à algumas contenções e relativismos.
27
aquilo que os seres do mundo fazem, suas trajetórias, trilhas e fluxos. Decorre dai a
possibilidade de desfazer as fronteiras entre processos naturais e culturais, ao mesmo tempo
em que aproxima as humanidades da biologia e das abordagens contemporâneas sobre o meio
ambiente.
A primazia do movimento, que dá corpo a grande parte das teorias de Tim Ingold
muito me ajuda a pensar em termos das relações com plantas que são constantemente
evocadas no terreiro de umbanda. Do modo como leio meu trabalho de campo, pensar em
Ogum, por exemplo, se mostra evidente pensar em ferro, em guerra, em fogo, na planta
Espada de São Jorge, fluxos que se encontram e se emaranham para compor os enunciados
sobre Ogum e que também seguem terreiro afora, inundando outros templos, tempos e
discussões. Do modo como leio estas relações, mostra-se imprescindível não analisá-las
isoladamente, mas sim a partir de seus imbricamentos.
Foi seguindo os movimentos e relações que as plantas do terreiro estabelecem com o
mundo que me permiti, ao invés de conter-me no suposto halo distintivo que as ciências
biológicas categorizam plantas, tomá-las a partir da perspectiva de seus anunciantes, digo, os
próprios religiosos umbandistas. É interessado em apresentá-las do modo que são vividas no
terreiro que concentro meu esforço analítico.
Por fim, se Ingold está certo em dizer que "não há um ponto em que a história termina
e a vida começa" (Ingold, 2007b:90), as próximas páginas são, para além de uma análise,
mais uma dimensão da vida das ervas de umbanda.
28
5. Primeiro artigo
Levantamento etnobotânico realizado em um terreiro de umbanda da
cidade de São Paulo-SP
Figura 3: Iabá Betinha e iabá Carmelita separando ervas para amací. Fotógrafo: Pedro Carlessi.
Abr/2014.
29
LEVANTAMENTO ETNOBOTÂNICO REALIZADO EM UM TERREIRO DE
UMBANDA DA CIDADE DE SÃO PAULO-SP
Pedro Crepaldi Carlessi19,20, Sumiko Honda21, Eliana Rodrigues20
[email protected]
RESUMO
Nesta pesquisa apresenta-se um levantamento etnobotânico realizado em uma comunidade
religiosa afro-brasileira alocada em um terreiro de umbanda da cidade de São Paulo-SP. O
trabalho de campo que dá corpo a esta análise foi realizado durante nove meses,
acompanhando as cerimônias de passe e consulta do Círculo de Irradiações Espirituais de
São Lázaro (CIESL), localizado na zona sul da capital paulista. Metodologicamente a
pesquisa foi norteada por entrevistas informais e observação participante com registros em
caderno de campo, associados à atividade de coleta botânica através do método seco. Do
material levantado, apresenta-se 77 espécies botânicas (em que 10 não puderam ser
identificadas até o nível de espécie) utilizadas em 7 usos, sendo predominantes o banho de
ervas, o amací, chás e defumações. O trabalho descritivo desta análise procura suprir uma
importante lacuna no estudo das plantas utilizadas no contexto das religiosidades afrobrasileiras, da qual a umbanda paulista ainda não conta com investigações.
Palavras-chave: etnobotânica, ervas, religiões afro-brasileiras, umbanda.
ABSTRACT
This research presents an ethnobotanical survey conducted in an afro-Brazilian religious
community placed in an umbanda temple in the city of São Paulo. The fieldwork used in this
analisys has been done for nine months in the rituals of healing touch and consultations at
“Circulo de Irradiações Espirituais de São Lázaro" (CIESL), located in the south area of São
Paulo. Methodologically, the research was guided by informal interviews and participant
observation registered in a field notebook, associated to the botanical collection activity
through dry method. From the material gathered, 77 botanical species are presented (which 10
could not be identified up to the level of species) applied in seven uses, predominantly in
plant baths ritual, amací, teas and defumações – a kind of smoking”. The descriptive work of
19
Mestrando em Ciências pelo Programa de Pós Graduação em Análises Ambientais Integradas - Universidade
Federal de São Paulo.
20
Centro de Estudos Etnobotânicos e Etnofarmacológicos (CEE-UNIFESP).
21
Herbário Municipal de São Paulo (PMSP).
30
this analisys tends to supply an important gap in the study of the plants used in the afroBrazilian religious ritual contexts which the umbanda of São Paulo does not count on a deep
study.
Key words: ethnobotany; ritual plants; afro-Brazilian religions; umbanda
INTRODUÇÃO
O papel das plantas entre as comunidades-terreiro é notoriamente conhecido e trazido
pela grande maioria dos autores que imergiram no estudo das religiosidades afro-brasileiras.
Embora a importância das plantas entre estes grupos seja preeminente, um esforço ainda
inicial foi empreendido na particularidade das plantas que compõem estas práticas. Das
investigações existentes, o candomblé (sobretudo as nações jêje-nagôs) têm contado com o
maior volume de publicações (Voeks, 1997; Barros e Napoleão, 1999; Serra et al., 2002;
Barros, 2011). Contudo, no panorama multicultual das religiões afro-brasileiras não há um
modelo singular de culto, tampouco um arsenal botânico restrito. Embora seja expressiva e se
faça presente em todo o Brasil, as investigações que consideram a umbanda em suas relações
com as plantas ainda são pouco muito conhecidas (Guedes et al., 1985).
A umbanda é uma religião afro-brasileira que têm sua origem segundo os padrões
atualmente predominantes por volta da década de 1920 e 1930, sobretudo a partir das
metrópoles emergentes do sul e sudeste brasileiro, como Rio de Janeiro, Porto Alegre e São
Paulo (Silva, 2005). Nos templos desta religião, as plantas desempenham um papel de grande
importância e mostram-se indispensáveis à manutenção das próprias práticas religiosas. Esta
pesquisa procura dar seguimento ao estudo das plantas em interface com o estudo das
religiosidades afro-brasileiras e apresenta um inventário etnobotânico realizado entre os
membros de uma comunidade religiosa alocada em um templo de umbanda da capital
paulista.
METODOLOGIA
O trabalho de campo que dá corpo a esta pesquisa foi desenvolvido entre os meses de
março e novembro de 2014 por um dos autores deste estudo (Pedro Carlessi), em visitas
regulares ao terreiro Círculo de Irradiações Espirituais de São Lázaro - CIESL (imagem 1),
sobretudo durante as sessões semanais de passe e consulta. Para isso contou-se com a
autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) - processo no
31
01450.004819/2014-14 - que autoriza acesso ao conhecimento tradicional associado ao
patrimônio genético brasileiro.
Em campo, o trabalho foi conduzido através de entrevistas informais e da observação
participante nestas cerimônias (Bernard, 1988), acompanhando o trabalho dos guias
espirituais, mães/pais-de-santo e primeiros-cambonos, bem como através da participação ativa
durante as cerimônias, ocupando a posição de cambono. Durante as entrevistas e
acompanhamentos, procurou-se levantar quais os usos e as respectivas plantas mais utilizadas
neste templo, bem como as relações que estabelecem com os consulentes e com panteão
cultuado. Foram entrevistados 10 guias espirituais, 2 iabás, 5 mães/pais-de-santo e 1
primeiro-cambono indicados pela comunidade religiosa (sobretudo a partir do pai-de-santo
chefe do CIESL) como especialistas no uso das plantas nas práticas deste terreiro.
Destes acompanhamentos, pode-se inventariar as plantas apresentadas nesta análise, que
trataram de ser coletadas na presença daqueles que às indicaram, seguidas de confirmação via
check list (Bhandary, Chandrashekar e Kaveriappa, 1995).
Para as coletas adotou-se o método seco de coleta botânica (Alexiades, 1996). Tais
coletas foram guiadas pelo preenchimento de uma ficha de dados botânicos enfocando:
hábito, floração, frutificação, origem e local de coleta, conforme recomenda Lipp (1989).
Estas informações foram compiladas e enviadas ao Herbário Municipal de São Paulo para
identificação, classificação taxonômica e acervo do material botânico. O trabalho de
identificação realizado pelos botânicos, apresentado na discussão a seguir, se fez orientado
pelo sistema APG III - Angiosperm Philogeny Group (Bremer et al., 2009).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As plantas são amplamente utilizadas na rotina das sessões de passe e consulta do
terreiro CIESL. O emprego que fazem destes vegetais, independente da forma como são
preparados, caminha no sentido de promover estados de equilíbrio entre o espírito, o corpo e a
vida social dos consulentes. Como indicam, são utilizadas para "descarregar/equilibrar
energia", "trazer boa sorte/afastar a inveja", "harmonizar corpo e espírito".
Esta ideia está fundamentalmente ligada à noção de axé, energia vital sem a qual não
há vida nem movimento, das quais as plantas são indicadas como transportadoras. A falta de
axé caracteriza a doença, o desemprego, a falta de amor, que são entendidos como desordem
ou desequilíbrio, seja de ordem biológica ou em qualquer domínio da vida social. Dessa
forma, a utilização que fazem destes vegetais está atrelada ao beneficiamento através desta
energia, da qual cada planta (ou grupo de plantas) é relacionada à modulações específicas de
32
axé, de acordo com as divindades que se relacionam. As plantas que transportam o axé de
Ogum, por exemplo, geralmente são aquelas de folhas puntiformes, empregadas para
"proteger/descarregar" os consulentes e "afastar os inimigos". Já que levam o axé de Oxum ou
dos ciganos, geralmente cujas folhas são arredondadas e aromáticas, estão relacionadas à
fartura e prosperidade e empregadas para "trazer boa sorte" e "aproximar o amor".
Entre aqueles que indicam plantas aos consulentes estão, de igual modo, os guias
espirituais, que manifestam-se nos médiuns através do processo de transe denominado
incorporação, bem como as mães/pais-de-santo de templo, que desincorporados também
realizam atendimentos, sobretudo voltados ao desenvolvimento e iniciação dos adeptos. Nesta
pesquisa foram entrevistados os guias espirituais e religiosos indicados como especialistas em
ervas por parte da comunidade, principalmente a partir do pai-de-santo chefe do terreiro
(apresentados na tabela 1). Ente elas estão especialmente as mães-de-santo com grande tempo
de iniciação na religião e os guias espirituais mais próximos do universo botânico, em que se
destacam os caboclos, tidos como espíritos ameríndios conhecedores dos "segredos da selva",
os pretos velhos, arquétipo do velho escravo que carrega rezas e indicações de plantas para
todos os males, baianos e boiadeiros, representantes do homem de vida simples e sua
sabedoria como bom raizeiro.
Nomenclatura e classificação
Nesta pesquisa foram identificadas 77 espécies botânicas. As plantas identificadas
distribuem-se em 36 famílias botânicas, sendo as mais representativas Lamiaceae (dez
espécies),
Asteraceae
(oito
espécies),
Araceae,
Asparagaceae,
Euphorbiaceae,
Melastomataceae e Poaceae (cada família com quatro espécies). Entre os vegetais levantados,
11 não puderam ser classificados até o nível de espécie e 1 até o nível de gênero em função da
ausência de estruturas reprodutivas ou nível de fragmentação do material coletado.
Quanto ao sistemas de nomenclatura de plantas adotados neste terreiro, o
levantamento realizado (tabela 1) demonstra que são muito heterogêneos. Predominam nomes
genéricos, conhecidos popularmente para além das práticas religiosas afro-brasileiras.
Contudo, uma parte significativa destes nomes sinaliza aos atributos do sensível que compõe
as estruturas do sistema classificatório destes vegetais. Ora são nomeados em função da cor,
do aspecto e textura, ora sinalizam os locais de coleta. Também fazem referências ao panteão
cultuado e ao emprego ritual.
Os sistemas de classificação de plantas próprios do terreiro CIESL mostram-se muito
variados e se elaboram sobretudo a partir do imbricamento entre os atributos referidos acima.
33
Neste aspecto, a categorização de plantas enquanto "terra/fogo/ar/água" é preeminente pelo
fato de serem estes elementos sincrônicos presentes na ordenação de diversos outros sistemas
de classificação no terreiro (como das divindades, das doenças e partes do corpo, dos
sentimentos, entre tantas outras - a este respeito vide Amaral, 2002:68), que se desdobram
para outros, análogos: "quentes/frias", "masculinas/femininas", "positivas/negativas",
"fortes/fracas".
Hábitos e ambientes de coleta
Entre os hábitos encontrados, predominam as espécies herbáceas (42%), seguidas de
arbustos (35%) e arvores (23%). Estes vegetais foram coletados majoritariamente no próprio
terreiro (48%), que goza de um amplo espaço para cultivo de plantas. Como já grifado pela
literatura, no que confere ao contato das religiões afro-brasileiras com o verde, por mais que
disponham de espaço privilegiado para o contato com plantas, esta interação não se limita aos
muros dos terreiros, sinalizado à certas continuidades entre os territórios de prática do sagrado
(Silva, 1995; Rêgo, 2006; Moutinho-Da-Costa, 2012). Nestes espaços, como são as praças e
vias públicas, foram coletadas 18% das plantas que compõem este levantamento. Para certos
vegetais, mais específicos ou dificilmente encontrados, a rede de comércio próprio do circuito
religioso afro-brasileiro também fornece um volume expressivo de plantas (17%). Entre esses,
outros foram encontrados sob cultivo doméstico (15%) ou adquiridos durante viagens do
grupo (2%).
Usos e partes vegetais mais frequentes.
Foram levantados 7 diferentes usos de plantas neste terreiro: banhos de ervas (71
espécies empregadas neste uso), amacís - espécie de banho destinado a lavagem exclusiva da
cabeça dos médiuns durante o processo de iniciação (34), chás (9), defumações (8), batefolhas (4), confecção/preparo de fundamentos (2), trabalhos e oferendas (10).
Tratando-se precisamente do banho de ervas, o mais expressivo entre estes usos, é
importante destacar que as plantas que os compõem variam de acordo com o consulente, seu
enredo de orixás pessoais e as queixas por eles trazidas. Embora existam receitas fixas (como
é mais observado no caso dos amacís), nos banhos o estado de equilíbrio é promovido através
de associações particulares entre estas plantas, de modo que o consulente (e não precisamente
as queixas por ele trazidas) é o foco do atendimento.
As partes vegetais predominantes foram os ramos e folhas, como já indicado por
outros autores que tratam desta temática (Serra et al., 2002; Barros, 2011), prevalecendo o uso
34
de flores e frutos exclusivamente no preparo de trabalhos e oferendas, bem como na
decoração do templo em dias de festividade. Outras partes vegetais, como caules, sementes e
rizomas possuem emprego diminuto e quando carecem utilização, geralmente são adquiridos
na rede de comércio na forma desidratada ou fragmentada, invalidando assim o serviço de
taxonomia, problema também referido em Guedes et al. (1985).
CONCLUSÃO
A exemplo de outros trabalhos realizados junto às comunidades religiosas afrobrasileiras que levam o estudo das plantas como temática central, esta pesquisa apresentou um
levantamento etnobotânico realizado a partir da umbanda paulista, ainda pouco estudada em
suas relações com as plantas. Pode-se então lançar um empenho inicial a respeito das plantas
que fazem parte desta prática religiosa na cidade de São Paulo, grifando também os rituais em
que tais plantas são mais comumente empregadas. No que diz respeito ao estudo das
religiosidades afro-brasileiras, a escassez de estudos no campo da etnobotânica serve como
mote para ações interdisciplinares no sentido de preencher as lacunas existentes no
entendimento destas práticas.
35
Espécie botânica (família) voucher
Nome popular
Hábito
Ambiente de coleta
Usos
Intermediário
Justicia gendarussa Burm.f (Acanthaceae) PCC-016
Sambucus sp. (Adoxaceae) PCC-036
Schinus terebinthifolius Raddi (Anacardiaceae) PCC-067
Mangifera indica L (Anacardiaceae) PCC-021
Foeniculum vulgare Mill (Apiaceae) PCC-014
Aglaonema commutatum Schott (Araceae) PCC-020
Cf. Dieffenbachia (Araceae) PCC-066
Philodendron bipinnatifidum Schott (Araceae) PCC-059
--- (Araceae) PCC-055
Sansevieria trifasciata Prain (Asparagaceae PCC-063
Sansevieria trifasciata Prain (Asparagaceae) PCC-017
Abre Caminho / Vence Demanda
Sabugueiro
Aroeira
Manga
Erva doce / Funcho
Comigo-ninguém-pode / Café de Salão
Comigo-ninguém-pode
Costela de Adão/ Banana de macaco
Taioba
Espada de Iansã / de Santa Bárbara
Espada de Ogum / de São Jorge
Her
Arv
Arv
Arv
Arb
Her
Her
Arb
Her
Her
Her
CIESL
C
C
VP
CIESL
CIESL
C
CIESL
CIESL
CIESL
CIESL
B/D
B
B
B/T
B/C
B/T
B
B
B
B/A
B/A
Exú Sete Sepulturas
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Preta Velha Vó Maria
Preto Velho Pai Bento
Pai Alexandre
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Pai Alexandre
Mãe Izildinha
Sansevieria cylindrica Bojer ex Hook (Asparagaceae) PCC-019
Cordyline fruticosa (L.) A.Chev (Asparagaceae) PCC-007
Dracaena fragrans (L.) Ker Gawl (Asparagaceae) PCC-052
Dracaena fragrans (L.) Ker Gawl (Asparagaceae) PCC-001;003
Dracaena fragrans (L.) Ker Gawl (Asparagaceae) PCC-022
Artemisia camphorata Vill (Asteraceae) PCC-081
Baccharis crispa Spreng (Asteraceae) PCC-048
Ageratum conyzoides L (Asteraceae) PCC-032
Chrysanthemum morifolium Ramat (Asteraceae) PCC-062
Artemisia absinthium L (Asteraceae) PCC-084
Galinsoga parviflora Cav (Asteraceae) PCC-025a
Galinsoga quadriradiata Ruiz & Pav (Asteraceae) PCC-025b
Sonchus oleraceus L (Asteraceae) PCC-037
Spathodea campanulata P.Beauv (Bignoniaceae) PCC-010
Brassica oleracea Grupo Acephala (Bignoniaceae) PCC-083
Coronopus didymus (L.) Sm (Bignoniaceae) PCC-080
Terminalia catappa L (Combretaceae) PCC-038
Costus spiralis (Jacq.) Roscoe (Costaceae) PCC-073
Crassula ovata (Miller) Druce (Crassulaceae) PCC-018
Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers (Crassulaceae) PCC-015
Cyperus meyenianus Kunth (Cyperaceae) PCC-065
Equisetum hyemale L (Equisetaceae) PCC-047
Euphorbia milii Des Moul (Euphorbiaceae) PCC-041
Ricinus communis L (Euphorbiaceae) PCC-006
Jatropha gossypiifolia L (Euphorbiaceae) PCC-033
Lança de Ogum
Peregún Roxo
Peregún Verde
Peregún Verde e Amarelo
Peregún Verde e Branco
Cânfora
Carqueja
Erva de São João
Flor do campo / crisântemo
Losna
Picão branco
Picão branco
Serralha
Arvore de Pombogira / Tulipeira
Couve Manteiga
Mentruz
Chapéu de Sol
Cana do brejo
Bálsamo
Folha da Costa
Tiririca
Cavalinha / Cavalinha do brejo
Coroa de Cristo
Mamona
Pião Roxo
Her
Arv
Arv
Arv
Arv
Arb
Arb
Her
Arb
Arb
Her
Her
Her
Arv
Her
Her
Arv
Arb
Her
Her
Her
Her
Arb
Arb
Her
CIESL
PP
PP
CIESL
ACT
C
J
C
CIESL
CD
VP
VP
CIESL
CIESL
CD
C
PP
ACT
CIESL
CIESL
VP
CIESL
CIESL
VP
C
B
BF
BF
BF
BF
C
B
C
B/A/T
B
B/C
B/C
B
B
A
B/A
B
B
B/A
B/A
B
C
B
B
B
Mãe Izildinha
Pai Alexandre
Mãe Izildinha
Pai Alexandre
Pai Alexandre
Mãe Solange
Mãe Izildinha
Mãe Beth
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Caboclo Ubiratão
Caboclo Ubiratão
Pai Alexandre
Pombogira Maria Padilha
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Exú Sete Sepulturas
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Pai Alexandre
Pai Alexandre
Exú Sete Sepulturas
Mãe Izildinha
Pai Alexandre
36
Espécie botânica (família) voucher
Euphorbia prostrata Aiton (Euphorbiaceae) PCC-082
Bauhinia variegata L (Fabaceae) PCC-040
Cajanus cajan (L.) Huth (Fabaceae-Faboideae) PCC-027
Heliconia rostrata Ruiz & Pav (Heliconiaceae) PCC-058
Rosmarinus officinalis L (Lauraceae) PCC-072
Lavandula dentata L (Lauraceae) PCC-053
Plectranthus barbatus Andrews (Lauraceae) PCC-049
Plectranthus sp (Lauraceae) PCC-050
Mentha sp.1 (Lauraceae) PCC-028
Mentha sp.2 (Lauraceae) PCC-079
Ocimum americanum L (Lauraceae) PCC-035
Ocimum basilicum L (Lauraceae) PCC-054
Origanum vulgare L (Lauraceae) PCC-012
Mentha pulegium L (Lauraceae) PCC-069
Nome popular
Quebra-Pedra Rasteiro
Pata de Vaca
Feijão / feijão gandú / gandú
Helicônia
Alecrim
Alfazema
Boldo / Tapete de Oxalá
Boldo miúdo / Boldinho
Hortelã
Levante / Elevante
Manjericão
Manjericão roxo
Orégano
Poejo
Hábito
Her
Arv
Arb
Arb
Her
Her
Arb
Her
Her
Her
Her
Her
Her
Her
Ambiente de coleta
VP
VP
C
CIESL
CD
CIESL
CIESL
CIESL
CD
C
C
CIESL
CIESL
C
Usos
B/A
B
B/A
B
B/A/D
B/A/D/C
B/A/C/F
B
B/A/T
B
B/A
B
B/D
B
Intermediário
Iabá Carmelita
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Mãe Zizi
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Baiana Jacobina
Pai Alexandre
Pai Alexandre
Baiana Florinda
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Baiana Jacobina
Persea americana Mill (Lauraceae) PCC-039
Marsilea sp (Marsileaceae) PCC-004;74
Leandra aurea (Cham.) Cogn (Melastomataceae) PCC-034
Tibouchina heteromalla (D.Don) Cogn (Melastomataceae) PCC-071
Morus nigra L (Moraceae) PCC-024
Eucalyptus cf. tereticornism Sm (Moraceae) PCC-031
Psidium guajava L (Moraceae) PCC-009
Plinia cauliflora (Mart.) Kausel (Moraceae) PCC-029
Eugenia uniflora L (Moraceae) PCC-051
Oxalis sp. (Oxalidaceae) PCC-085
Phyllanthus tenellus Roxb (Phyllanthaceae) PCC-008
Petiveria alliacea L (Phytolaccaceae) PCC-005
Bambusa tuldoides Munro (Poaceae) PCC-076
Cymbopogon citratus (DC.) Stapf (Poaceae) PCC-086
Coix lacryma-jobi L (Poaceae) PCC-002
Zea mays L (Poaceae) PCC-064
Rosa sp.2 (Rosaceae) PCC-060
Rosa sp.1 (Rosaceae) PCC-013
Coffea arabica L (Rubiaceae) PCC-056
Ruta graveolens L (Rutaceae) PCC-026
Citrus sp (Rutaceae) PCC-030
Nicotiana tabacum L (Solanaceae) PCC-068
Abacate
Trevo / Trevo de 4 folhas
Erva de Fogo / Folha de Fogo
Folha de Xangô
Amora
Eucalipto
Goiaba
Jabuticaba
Pitanga
Trevo / Trevo de 4 folhas
Quebra-Pedra
Guiné / Amansa-senhor
Bambu
Capim Santo / Erva Cidreira
Lágrima de Nossa Senhora
Milho
Rosa
Rosa Manã /Rosa Branca Manã
Café
Arruda
Limão
Fumo
Arv
Her
Her
Arb
Arv
Arv
Arv
Arv
Arv
Arb
Her
Arb
Arb
Arb
Arb
Arb
Arb
Arb
Her
Arb
Arv
Arb
VP
CIESL
C
CIESL
ACT
VP
VP
PP
VP
CD
CIESL
CIESL
ACT
CIESL
CIESL
PP
CIESL
CIESL
CIESL
C
CD
C
A/C/T
B/A
B
B/A
A/A
B/A/D
B/A/T
B
B
B/A
B/A
B/A/D
B/A
B/A/D
B/A
B/A/T
B/A/ T
B
B/A
B/A/D
B/A/T
B/A/T
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Pai Alexandre
Pombogira Maria Padilha
Primeiro-cambobo Luis
Mãe Izildinha
Baiana Florinda
Pai Alexandre
Baiana Jacobina
Mãe Izildinha
Preto Velho Pai Bento
Pai Alexandre
Mãe Solange
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Pai Alexandre
Baiano Zé do Coqueiro
Baiano Zé do Coqueiro
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
Mãe Izildinha
37
Espécie botânica (família) voucher
Solanum scuticum M. Nee (Solanaceae) PCC-023
Thelypteris hispidula (Decne.) C.F.Reed (Thelypteridaceae) PCC-042; 43; 44; 46; 70
Thelypteris sp.1 (Thelypteridaceae) PCC-045
Thelypteris sp.1 (Thelypteridaceae) PCC-070b
Aloe arborescens Mill (Urticaceae) PCC-078
Urera caracasana (Jacq.) Gaudich. ex Griseb (Urticaceae) PCC-077
Lantana camara L (Verbenaceae) PCC-061
Lippia alba (Mill.) N.E.Br (Verbenaceae) PCC-011
Alpinia zerumbet (Pers.) B.L.Burtt & R.M.Sm (Zingiberaceae) PCC-057
Nome popular
Jurubeba
Samambaia do Brejo
Samambaia do Brejo
Samambaia do Brejo
Babosa
Urtiga
Lantana / Cambará
Melissa
Colônia
Hábito
Arv
Her
Her
Her
Arb
Arb
Her
Arb
Arb
Ambiente de coleta
CIESL
ACT
CIESL
CIESL
CIESL
M
CIESL
CIESL
CIESL
Usos
B/F
B/A
B/A
B/A
B
B
B
B
B
Intermediário
Malandro Bira
Mãe Izildinha
Caboclo Ubiratão
Iabá Betinha
Pai Alexandre
Mãe Izildinha
Preto Velho Pai Bento
Mãe Zizi
Pai Alexandre
Tabela 1: levantamento das 77 espécies botânicas indicadas pelos guias espirituais, pais/mães-de-santo do terreiro CIESL para uso ritual
Figura 4: Localização geográfica da atual sede do terreiro CIESL. Rua Nazaré Rezek Farah, 30 - Vila Santa Catariana - São Paulo - SP - Brasil. Localização geográfica 23o38.990'S
46o40.002'O.
38
6. Segundo Artigo
Encontros e trajetórias de religiosos umbandistas e ervas pela cidade
de São Paulo
Figura 5: Plantas e religiosos umbandistas no Mercadão da Lapa-SP. Fotógrafo: Pedro Carlessi.
Set/2014.
39
ENCONTROS E TRAJETÓRIAS DE RELIGIOSOS UMBANDISTAS E ERVAS
PELA CIDADE DE SÃO PAULO
Pedro Crepaldi Carlessi22
[email protected]
RESUMO
A partir de um trabalho de campo de caráter etnográfico realizado em um terreiro de
umbanda da cidade de São Paulo e outros equipamentos urbanos, esta pesquisa tem
como objetivo central as interlocuções entre ambiente urbano e as "ervas", categoria
utilizada pelo grupo acompanhado para se referir aos vegetais (mas não só) utilizados
em suas práticas religiosas. Desde o cultivo no próprio terreiro até a busca por ervas
vindas de outros estados, o argumento desta análise caminha, no primeiro momento,
focado no deslocamento dos citadinos em busca destes materiais. Em paralelo são
apresentadas as influências que estas mesmas ervas exercem na dinâmica da cidade de
modo que, se o meio urbano modela as relações entre religiosos e plantas, é ele mesmo
forjado a partir destas relações.
Palavras-chave: Ervas; Mercado Religioso; Religiões afro-brasileiras; Umbanda.
ABSTRACT
From an ethnographic fieldwork in an umbanda temple of São Paulo city and other
urban facilities, this research aimed at the dialogues between the urban environment and
ervas, category used by the religious group to refer to plants (but not only) used in their
practices. Since the cultivation in their own yard to search for plants from other states,
the argument of this analysis goes, at first, focused on the movement of city dwellers in
search of these materials. At the same time, it shows the influences that these same
ervas have on the dynamics of the city, so that the urban environment mold the relations
between religious and plants, it is itself forged from these relationships.
Keywords: Afro-Brazilians religion; Ervas; Religious Market; Umbanda.
22
Mestrando em ciências pelo Programa de Pós Graduação em Análises Ambientais Integradas da
Universidade Federal de São Paulo.
40
INTRODUÇÃO
Nos templos das religiões afro-brasileiras as plantas desempenham um papel de
grande importância. São utilizadas para lavar e sacralizar objetos, nos processos de cura
e iniciação dos adeptos, no preparo de banhos, defumações e outros compostos
indispensáveis à manutenção das próprias práticas religiosas. Neste contexto, embora o
contato entre homens e plantas se faça indispensável, nem sempre o encontro entre
religiosos e plantas acontece com facilidade visto o verde raso dos grandes centros
urbanos. Para suprir esta demanda, uma rede de comércio trata de abastecer os terreiros
com toda sorte de plantas, pedras, penas e bichos que se façam necessários aos cultos.
Através de uma série de equipamentos urbanos algumas distâncias entre a cidade e a
floresta são encurtadas. Esta mediação mercadológica certamente não é recente e se faz
presente em São Paulo desde o início do século vinte (Bastide, 1946:209),
acompanhando assim a própria trajetória da umbanda23 neste estado.
Durante o ano de 2014, em parceria com o Herbário Municipal de São Paulo,
pude inventariar grande parte do arsenal botânico que integrava as práticas religiosas de
um grupo alocado em um terreiro de umbanda da capital paulista24. Para que eu pudesse
conhecer estes vegetais, além de visitas ao terreiro -que goza de um amplo espaço para
cultivo de plantas- acompanhei meus colegas umbandistas por expedições atrás de
certas ervas, fato que me pôs a trilhar a cidade orientado por um certo itinerário de
religiosidades que se faziam presentes através destes materiais. Contudo, ao passo que
me deslocava, percebia que a carência de verde na cidade era suprida, se não, pelo
florescimento de uma paisagem orientada por esta demanda, que levava homens,
comércios e equipamentos da urbe à atenderem as exigências destes materiais.
Meu empenho foi então deslocar (ou educar) minha atenção, anteriormente
orientada essencialmente por plantas e seguir as trilhas daquilo que meus colegas do
terreiro constantemente me apresentavam, ervas, suas demandas e exigências. Dessa
forma, convido o leitor para seguir estes itinerários nas páginas seguintes e "ouvir o que
23
Segundo Silva (2005), a umbanda enquanto culto organizado nos padrões atualmente predominantes
emerge dos grandes centros urbanos da virada do século, sobretudo a partir de Porto Alegre, Rio de
Janeiro e São Paulo, espaços em que, nesta época, o mato já rareava em prol do "progresso", dando
espaço para as cidades que tomavam ar de metrópoles.
24
Templo de umbanda Círculo de Irradiações Espirituais de São Lázaro (CIESL) , localizado na Zona Sul
da cidade de São Paulo.
41
as plantas têm a dizer" sobre o ambiente e a religião que cotidianamente ajudam a
construir.
O JARDIM SAGRADO DA UMBANDA
O Círculo de Irradiações Espirituais de São Lázaro (CIESL) é um templo de
umbanda que até o momento não possui cede própria, sendo este um dos grandes
esforços da comunidade religiosa. Em sua atual localização, o terreiro conta com uma
área verde de grande destaque e prestígio por parte dos adeptos: trata-se de um amplo
jardim, que circunda toda área interna e fachada do terreiro. Ter uma área para cultivo
de plantas era um desejo antigo do dirigente do templo, que pessoalmente planejou e
executou a construção deste espaço. Durante a reforma do atual prédio que abriga a
comunidade-terreiro (que até 2012 instalava-se em um galpão muito próximo da atual
sede, sem espaço para cultivo de plantas), foi esta a última e mais aclamada obra
inaugural. Primeiramente, vale descrever o conjunto arquitetônico do terreiro para
melhor compreensão do espaço qual pretendo discutir.
Figura 6: Vista panorâmica da atual cede do terreiro CIESL (em destaque). Imagem obtida através
do aplicativo 'Google Earth' em 17/09/2015. Editado pelo autor.
Como mostra a imagem, o CIESL ocupa uma área totalmente cimentada, tendo
ao centro uma casa que abriga a secretaria da instituição religiosa e as salas temáticas
que cediam grande parte das cerimônias. No caso, as salas recebem nomes relativos às
atividades nelas realizadas, como "sala de medicina", onde encontram-se macas, frascos
42
com álcool e algodão, quadros pedagógicos de corpos humanos com denominações
anatômicas e equipamentos voltados ao universo das terapias holísticas, "sala do congá"
- sendo este o salão principal - "sala da desobsessão", "sala dos marinheiros" e
"camarinha", destinada aos processo de iniciação deste terreiro. Externo a casa central
encontram-se outras edificações que prestam serviço direto ao culto - como "cozinha",
"estoque", "sala de banho", além das chamadas firmezas, como são a "trunqueira", o
"cruzeiro", a "capela", a "fonte das iabás" e a "casa de fogo".
De modo bastante geral a categoria "firmeza" se refere a edificações que através
do processo de sacralização tornam-se protetores do terreiro contra inimigos, sejam eles
humanos ou não. É o caso da "trunqueira", pequena construção de alvenaria localizada
ao lado esquerdo da porta de entrada do templo em que são assentados objetos
veiculados a exú, neste terreiro, espírito protetor que zela pela porta do templo e pela
guarda dos fieis, ora também referido como "guardião". A firmeza possui ainda o
caráter de trazer para dentro do terreiro determinado atributo ausente ou enfraquecido
sem sua presença. Como o próprio nome refere, o CIESL tem São Lázaro como
patrono, correspondente católico para o orixá Obaluaê, cultuado na umbanda paulista
sobretudo nos cemitérios pelo fato de estar ligado aos processos de vida/morte e
saúde/doença. O cruzeiro é então a "firmeza" que remete ao cemitério, criando dentro
do terreiro uma espécie de elo entre ambos os espaços25.
Retomando ao jardim, a categoria corresponde à área externa edificada para o
cultivo de plantas e abriga a grande maioria dos vegetais utilizados pela comunidade
religiosa. Do modo como é construído, no limite, este é um jardim temático: cada área
é dedicada à determinada divindade ou a determinado grupo de divindades. Os vasos de
'folha de Xangô', por exemplo, são encontrados em frente ao vaso que suporta um
25
Neste grupo há uma grande distinção entre "fundamento" e "firmeza". O primeiro, já bastante
apresentado
pela
literatura
antropológica,
refere-se
precisamente
aos
objetos
elaborados
(construídos/sacralizados) durante os processos de iniciação que tratam de dar corpo e forma para a
divindade que é "feita". Logo, o fundamento materializa a divindade. À "firmeza" atribui-se outro sentido,
mas ligado ao passaporte e ao trânsito dos guias espirituais e orixás, que através de pequenas edificações,
transitam entre o terreiro e outros territórios. Com Marilyn Strathern eu poderia dizer que, se a firmeza
permite o fluxo e a continuidade entre tempos e espaços, o fundamento faz justamente o contrário: "corta
a rede" (Strathern, 2011) e faz deste objeto, o próprio corpo e ambiente de morada das divindades feitas.
43
pequeno exemplar de 'peregún verde', que neste terreiro é associado ao orixá Iansã26,
fazendo referência ao casal mitológico. Vegetais ligados a Ogum e Oxossi são dispostos
lado a lado, remetendo ao parentesco dos irmãos guerreiros. Permeando esta área de
cultivo encontram-se as firmezas, que dialogam diretamente com a composição e
ornamento do jardim: o canteiro próximo ao 'cruzeiro' abriga um pé de café e outras
plantas que remetem ao orixá Obaluaê, como o bálsamo e o milho. A 'firmeza dos
caboclos' é formada pro um jardim vertical composto essencialmente por samambaias,
em referência à uma certa habilidade destas plantas em trazer a divindade para dentro
dos terreiros27. A firmeza das pombogiras é instituída ao redor de uma grande tulipeira
em que as paredes do entorno são pintadas na cor vermelha com detalhes em dourado e
adornada com leques, fitas, taças e joias em reverência à divindade.
Figura 7: Povoamento das plantas na 'firmeza dos caboclos' (1), 'cruzeiro' (2) e na 'firmeza das
pombogiras' (3).
26
No terreiro CIESL diferencia-se quatro tipos de "peregùn": peregùn verde, peregùn roxo, peregùn verde
e amarelo e peregùn verde e branco, todos atribuídos ao orixá Iansã.
27
Duas cantigas ("pontos cantados") de caboclo indicam esta condição: "Samambaia na beira da praia
onde tem caboclo ela vai buscar / Samambaia vai rastejar, vai buscar caboclo no Juremá" e "Que lindo
capacete de pena / Que tem a Cabocla Jurema / Mas ela vem na raiz da samambaia ela vem trabalhar / Ê
êê êá!"
44
Manter esta ordenação é uma atividade que exige empenho e dedicação da
comunidade religiosa. Constantemente mutirões de manutenção são convocados para
substituir as plantas já enfraquecidas ou mortas por outras novas, geralmente mudas
produzidas na própria comunidade ou adquiridas na rede de comércio paisagista.
Contudo, o jardim do terreiro não é um mero espaço de contemplação e, embora
desfrute de toda sorte de plantas, também não se restringe à alguma serventia que possa
ter aos humanos que frequentam o terreiro CIESL. Muito pelo contrário, o uso,
manipulação e manutenção do jardim é bastante restrito e quando carecem utilizar as
plantas ali dispostas, os médiuns não o fazem sem antes consultar alguma mãe-de-santo
que esteja presente. Mesmo elas, quando pouco familiarizadas com a lida do jardim,
procuram pouco utilizá-lo, buscando as áreas externas do templo para abastecerem-se
das plantas que mais utilizam.
Mãe Izildinha, grande zeladora deste jardim, certa vez argumentou comigo a
respeito desta restrição indicando que as plantas que ali se fazem presentes, assim como
os humanos, também estão "a serviço dos guias e orixás" e não ao aguardo do uso e das
necessidades que os humanos possam fazer delas: "as plantas que tão aqui trabalham
também, ou você acha que não? Chega uma pessoa no terreiro precisando de ajuda, as
vezes mal de saúde, as vezes obsediada, e mesmo antes de conversar com os guias já
está sendo trabalhada. As plantas puxam tudo de ruim pra limpar a pessoa...agora você
acha que é essa a planta que o médium tem que usar? Cheia de coisa ruim dos outros?
Essas aqui não são pra mexer, já avisei eles [aos médiuns], mesmo assim tem uns que
teimam...vou fazer o que? Cada um sabe o que faz...".
O relato da mãe Izildinha indica o jardim como um lugar de (com)vivência, o
encontro das ações, trajetórias e ações dos humanos, guias espirituais, orixás e, não
menos importante, das próprias plantas. Além disso, ressalta a participação ativa destes
vegetais no cotidiano da comunidade-terreiro. Neste sentido, para além de um espaço
em que a "cultura" reina sobre a "natureza" (refiro-me à atividade de cultivo), o jardim é
um território de domínio mútuo e que justamente põe em cheque esta antinomia.
Mesmo a ordenação do jardim me foi apresentada não apenas como uma atividade de
domínio humano, mas como algo que emerge dos encontros e trajetórias dos seres que
ali se fazem presentes.
A este respeito, relatei uma passagem interessante nos primeiros meses de
trabalho de campo. Nesta ocasião, um botão floral na cor vermelha surgiu na 'rosa
45
branca manã' mantida na área do jardim dedicada à Iemanjá, cuja cor vermelha não é
atribuída. No primeiro instante Mãe Izildinha muito se incomodou, indicando que
algum intruso havia se atrevido a plantar no "cantinho de Iemanjá" uma rosa vermelha.
Pela importância que atribuiu a este fato, a mãe-de-santo levou a questão ao exú Sete
Sepulturas, um dos dirigentes deste templo, para quem as questões de pequena ordem,
definitivamente, não são levadas. Percebendo a seriedade que a mãe-de-santo dava ao
fato, o exú respondeu ao seu modo: às gargalhadas indicou que aquela planta "servia"
tanto à Iemanjá como a seu filho mitológico, Ogum, e por este motivo floria tanto em
branco como em vermelho. O exú ainda ressaltou que a 'rosa manã' era erva muito boa
para "problemas de vista", sendo que neste terreiro Ogum é tido como orixá patrono da
visão. O exú ressaltava, dessa maneira, o diálogo entre Ogum e Iemanjá tranquilizando
a mãe-de-santo que zelava pela boa diagramação do jardim.
Em uma das conversas que tivemos a respeito do jardim, pai Alexandre me
relatou que sua ideia inicial era construir uma "horta" capaz de fornecer os sucedâneos
mais utilizados pelos médiuns, condição que também favoreceria interação entre os
adeptos do terreiro e as plantas. Contudo, ao ser construído, o jardim passou a
desempenhar muitas outras ações nesta comunidade religiosa, superando o feito e os
objetivos de seu criador.
Uma delas diz respeito à continuidade da floresta para dentro do terreiro,
condição realizada através do jardim. Assim como outros autores já trataram de
apresentar, nos grandes centros urbanos, espaços em que o verde teima em rarear em
prol do "progresso", as comunidades-terreiro encontram alternativas para manter o
contato íntimo com as áreas de vegetação, tidas como morada mítica dos antepassados e
indispensáveis à manutenção das práticas religiosas (Santos, 1977; Barros, 1993; Silva,
1995; Rêgo, 2006).
Para além do jardim, o CIESL conta com sua "floresta particular", um sítio
localizado nas mediações da cidade de Juquitiba, que encontra-se em fase de construção
para futuramente sediar os trabalhos do grupo meio à mata. Contudo, o acesso a este
local se faz difícil, tanto pela distância como pela condição da estrada que dá acesso
sítio, por vezes acessível apenas a veículos com tração nas quatro rodas. Como me disse
a iabá Patrícia, quando necessita despachar uma oferenda aos seus guias e orixás e tem
possibilidade, prefere levá-las ao sítio do CIESL, mas como o deslocamento até lá não é
fácil, opta por realizar as entregas na própria cidade. Segundo a iabá: "eu procuro uma
46
praça que esteja bem cuidada, que não esteja suja, sabe? Deixo as oferendas numa
clareira ou aos pés de uma árvore bonita". A iabá Carmelita também faz uso das praças,
entretanto, quando necessita entregar algo especial em função do pedido, procura por
áreas em que possa vivenciar o verde de forma mais intensa: "até no parque Ibirapuera
eu já deixei [oferendas]! Era uma pra cigano....uma cesta grande, linda. Fui de branco
no ônibus, parei lá na frente e fiz a entrega na frente daquele lago". Contudo, na rotina
de trabalhos dos CIESL o próprio jardim cumpre as vezes de floresta sagrada e recebe
as oferendas e comidas votivas dedicadas aos deuses28.
Embora epistemologicamente seja clara a distinção entre os espaços de mata
vivenciados pelos umbandistas, entendo que sítios, parques, praças e jardins se
articulam não como representações da floresta; pelo contrário, ontologicamente a
floresta sagrada se faz presente nestes espaços de forma latente, que vaza para além de
suas árvores, bichos, pedras, rios e inunda a cidade no menor fragmento de verde que
possa existir. Se por um lado a fragmentação dos espaços de vegetação vividos pelos
umbandistas é descontínuo quanto sua territorialidade, posso dizer que esta
descontinuidade
é
"costurada"
por
linhas
de
religiosidade
(Ingold,
2012),
independentemente da forma que assumam. Nesse sentido, as plantas e o jardim do
terreiro são eles mesmos uma firmeza, elos entre cidade e a floresta que criam uma
ruptura na homogeneidade espaço-tempo. Contudo, esta condição pode ser percebida
somente abandonando a ideia estática de plantas e paisagem, como procurei argumentar
até então.
No mais, um falsete conceitual se deixou passar nesta sessão e pretendo
apresentá-lo adiante. Me refiro à algumas dissensões entre a o termo sintético "planta" e
a categoria utilizada pelos membros do CIESL para se referir aos vegetais (mas não só)
utilizados nas atividades do terreiro: "ervas".
28
De acordo com a mitologia umbandista, orixás e guias espirituais habitam o mundo dos humanos tendo
como morada aquilo que se chama de ponto de força. Os marinheiros, por exemplo, por estarem
diretamente associados ao portos, estuários e todo universo marítimo têm como ponto de força a própria
praia. Exús, Pombogiras e Exús-Mirins habitam principalmente o cruzamento de ruas, avenidas e também
cemitérios pelo fato destes espaços cumprirem, no cenário urbano, a mesma atribuição destas divindades:
a intersecção entre dois ou mais caminhos. Logo, as oferendas dedicadas a cada um deles costuma seguir
esta "geografia do sagrado". Contudo, a floresta (aqui vivenciada através dos equipamentos urbanos) me
foi apresentada como um espaço de comunhão entre os seres do panteão umbandista, e por este motivo
recebe oferendas dedicadas à todos.
47
GUARANÁ DE CABOCLO: INTRODUÇÃO À CATEGORIA ERVA.
Folheando algumas literaturas que fazem referência aos vegetais do universo
religioso afro-brasileiro, pude grifar duas categorias que se referem às plantas utilizadas
por estes grupos: "folhas" e "ervas". Na obra de Barros (1993; 1999; 2011), talvez a
mais robusta a respeito das plantas utilizadas nos candomblés jêje-nagô - ambos os
termos são encontrados, todo modo, noto que ao transcrever falas e relatos de campo o
autor privilegia a categoria "folha", sugerindo ser esta a categoria mais habitual entre os
candomblés baianos estudados pelo autor. Além de Barros, percebi que falar sobre
"folhas" predominava em outras referências que tratam sobre o candomblé (Santos,
1977; Silva, 1995; Albuquerque, 1997; Serra et al., 2002; Prandi, 2005; Boaes, 2006;
Rêgo, 2006), prevalecendo também nos escritos de Verger (1995), a respeito dos
babalossain iorubás que acompanhou em África.
Porém, bem se sabe, a distinção de categorias empíricas observadas em campo,
sempre a partir do contexto que se estuda, mostra-se imprescindível para isolar algumas
noções abstratas, que no meu caso, dizem respeito aos vegetais utilizados na umbanda
paulista, mais precisamente no terreiro CIESL. Neste terreiro, "erva" é a categoria
predominantemente empregada para se remeter às plantas envoltas nas atividades
religiosas. Posso ilustrar com algumas cantigas:
oi com incenso e benjoim,
alecrim e alfazema
oi defumá os filhos de fé
com as ervas da jurema
oi corre gira pai Ogum
filhos quer se defumar
oi umbanda tem fundamento
é preciso preparar
***
defuma com as ervas da jurema
defuma com arruda e guiné
com alecrim, benjoim e alfazema
vamos defumar filhos de fé
48
Embora também tenha observado a categoria folha durante as cerimônias do
CIESL, seu uso é muito diminuto. Das vezes que busquei utilizá-la percebi um certo
estranhamento por parte dos meus colegas do terreiro. Mesmo porque, neste templo o
termo folha é carregado de outro sentido e indica, geralmente, uma parte específica da
erva. Das vezes que me mantive na cozinha ao aguardo do início das sessões, tive a
oportunidade de coletar, preparar e utilizar algumas ervas. Certa sexta-feira, ao aguardo
do início de uma das sessões por mim acompanhadas, apareceu por ali o marinheiro
Tumbaraí, divindade que incorpora no pai Alexandre e que muito raramente caminha
pelo terreiro, devido a dificuldade de se locomover, mesmo usufruindo das pernas do
pai-de-santo, que não sofre de qualquer mal neste sentido. Na ocasião, a aparição
repentina e deslocamento custoso do marinheiro até a cozinha se deu em função de uma
recomendação que desejava dar à mãe Izildinha, que ali estava comigo. O marinheiro
pediu para que a mãe-de-santo preparasse e tomasse um banho de ervas com 'alecrim',
'alfazema' e 'boldo'. Dessa indicação a mãe-de-santo me solicitou: "você pode pegar as
ervas pro meu banho? Não gosto muito de boldo, então traz só uma folha e já tá
bom...mas pode caprichar nas outras ervas....".
Uma conclusão precipitada poderia sugerir que o termo "folha" estaria mais
ligado aos vegetais de grande porte, em que é possível observar ou separar as partes
vegetativas com facilidade e, na contramão, "erva" remeteria às plantas de porte
reduzido. De fato, grande parte das plantas que pude conhecer no jardim deste terreiro
atingiam menos de um metro. Entretanto, quando eram evocados os vegetais de grande
porte, como a 'mangueira', a 'aroeira', o 'sabugueiro' e a 'arvore de pombogira', essas
eram também ervas. Voeks (1997) colabora neste sentido indicando a equidade entre
vegetais de pequeno e grande porte nos terreiros de candomblé da Bahia, espaços em
que Barros (op. cit) acenou à categoria "folha".
Ressaltando a distinção entre o que é e o que não é erva, remeto à outra
passagem do caderno de campo. Certa tarde havia combinado uma visita ao jardim do
terreiro com a mãe Zizi, indicada pelo dirigente do terreiro como grande especialista em
ervas. Havíamos nos aproximado meses antes pela afinidade com as plantas, mas
também pelo fato de eu, anualmente, visitar o interior da Bahia e conhecer parte dos rios
e algumas das plantas que a mãe-de-santo convivia enquanto ainda criança. Busquei
neste encontro desfrutar uma conversa menos pretensiosa quanto aos meus objetivos de
pesquisa. Conversávamos sobre as plantas de lá e de cá, os nomes que tinham na Bahia,
49
suas correspondências com as serras, com os morros, com os santos, os rios. Contudo,
durante a agradável conversa, avistei um cardo ainda muito pequeno que crescia
próximo à trunqueira. O cardo não havia sido apresentado por mim no terreiro, mas eu
já o conhecia, da Bahia e de outros encontros. Aproveitei para indicar a pequena flor
roxa que surgia nele, me atentei às folhas pontiagudas e urticantes, certo que encontraria
ali um excelente exemplar de uma erva de exú, mas pra minha surpresa, a resposta da
mãe Zizi, que depois também se confirmou pela mãe Izildinha foi "isso não é erva
não...é mato".
Destaco então a articulação de três importantes categorias do terreiro CIESL
para as plantas: "erva", "folha" e "mato". Se "erva" é sinônimo das planta rituais desse
grupo, "mato" é o oposto, e indica tudo aquilo que não possui utilidade ritual. Entre esta
oposição, a categoria "folha", embora menos comum, também indica as plantas ligadas
à religião, porém geralmente acena à uma parte específica do vegetal. Contudo, meu
interesse nesta tipologia não é criar um halo distintivo entre o que é e o que não é um
vegetal utilizável neste grupo, mas justamente o contrário. Meu interesse é indicar que,
se nem todas as plantas são ervas, nem toda erva é planta.
O CIESL mantém as giras29 de sábado fechadas ao público, espaço destinado
aos cuidados e formação dos médiuns, cerimônia chamada "gira de desenvolvimento".
Em uma destas giras tive a oportunidade de acompanhar um trabalho para melhora do
quadro de saúde de sete membros desta comunidade-terreiro. Na ocasião, desenhou-se
um ponto riscado30, utilizando sete pratos brancos contendo cada um deles uma bolinha
de barro, indicadas cada qual como um dos sete enfermos. Durante o ritual conduzido
pelo Caboclo Sultão das Matas, divindade que junto com Mãe Janice se encarrega das
atividades da 'gira de sábado', outros elementos compuseram o desenho: ali foram
postos copos contendo água, mel, dendê, cachaça e um maço com ramos de diferentes
plantas, gradativamente adicionados enquanto cantigas dedicadas ao orixá Obaluaê
eram entoadas. Ao término das cantigas e já desincorporada, a mãe-de-santo solicitou a
um dos médiuns do terreiro que trouxesse uma bacia branca e dois litros de refrigerante
29
Como são denominadas as cerimônias.
30
Espécie de desenho, geralmente feito no chão, em que diferentes símbolos são grafados utilizando uma
espécie de "giz" ritual, chamado pemba (devo dizer que no terreiro de umbanda a pemba possui diversas
outras utilidades. Indico-a como "giz" em referência à atividade que desempenha na elaboração dos
pontos riscados).
50
guaraná. Solicitou que fosse cantada uma cantiga para caboclo e, em seguida, que os
médiuns retornassem ao salão principal do terreiro para finalizar as atividades daquele
dia.
Aproveitei os momentos finais da cerimônia para questionar os elementos postos
no ponto riscado. Em outra oportunidade mel, água, dendê e cachaça já me haviam sido
apresentados respectivamente como "terra", "água", "fogo" e "ar", elementos
sincrônicos que compõe a noção de equilíbrio dos seres na cosmologia religiosa afrobrasileira (Amaral, 2002:68). Meu interesse estava precisamente no refrigerante, que
diferente dos demais elementos, não foi adicionado dentro do círculo que delimitava o
ponto riscado. A resposta me foi dada pela mãe-de-santo: "guaraná é a erva do meu
caboclo. É que aqui na cidade não tem a planta guaraná, então ele pede pra eu usar o
refrigerante....traz a força dele do mesmo jeito e ele vai ficar ai, cuidando do trabalho".
Figura 8: Ponto riscado. A seta indica a bacia contendo o guaraná de caboclo: continuidade da
fruta amazônica através do fluxo dos materiais. Fotógrafo: Jardel Filho. Mai/2014.
51
MAS AFINAL, O QUE É UMA ERVA?
Além do guaraná do Caboclo Sultão das Matas, muitas outras ervas tiveram vida
no terreiro graças à continuidade das plantas para além da matéria e forma vegetal.
Inventariá-las, como outrora procurei fazer com os vegetais, certamente seria uma
atividade infindável devido à variedade de corpos que assumem, portanto apresento-as
através da descrição etnográfica, acompanhada por algumas imagens que ilustram e
norteiam o leitor através destes materiais. Foi seguindo estas ervas em seus estados
ontológicos mais variados que pude chegar à frascos de perfumes comercializados em
lojas de artigos religiosos, plantas desidratadas, resinas, pós aromáticos e também ao
álcool cheiroso, que é preparado no próprio terreiro CIESL.
O álcool cheiroso é um macerado de plantas em álcool etílico, utilizado pelo
pessoal do terreiro em diversas ocasiões. Ao término da defumação, costuma-se
distribuir uma pequena quantidade para os médiuns esfregarem as mãos e inalarem o
odor das plantas postas ali dentro. Também se usa muito o álcool cheiroso nos trabalhos
de medicina espiritual. Nessas sessões, o álcool geralmente é passado pelo corpo do
assistido ou, menos comum, lhe dão de beber em pequeníssimas quantidades.
Certa vez tive a oportunidade de acompanhar Exú Caveira, que coordenava a
sessão daquela noite incorporado no Pai André e também atendia uma jovem com
problemas de insônia. Na ocasião o exú falava com sua consulente sobre a importância
de regularmente preparar e utilizar banhos de ervas. Comentava que pelo fato da jovem
ser "filha de santo", era muito importante que não deixasse de "se cuidar", lembrando da
importância da composição médium-planta nos terreiros de umbanda. Em determinado
momento da conversa, já um pouco fatigado com as justificativas dadas pela jovem, o
exú disse: "quer saber? leva aqui esse álcool cheiroso pra você passar pelo corpo. Não é
banho de erva mas funciona também. Se deixar por tua conta não vai sair banho nenhum
mesmo...então leva o álcool!". O exú comentava então que independentemente da
apresentação (quer em banho ou em álcool) as ervas se faziam presentes para além da
matéria e forma vegetal e agiam no mundo por caminhos sempre novos.
O Caboclo Ubiratão, que incorpora na mãe Solange, também já precisou se valer
de ervas não-vegetais para dar seguimento ao seu trabalho. Certa vez a entidade pediu a
um de seus consulentes que utilizasse 'sementes de alfazema' para preparar um
determinado banho de ervas. Vejamos que por mais profícuas que fossem as habilidades
do consulente em agronomia ou botânica, conseguir sementes de alfazema meio à
52
cidade não é uma tarefa fácil. Contudo, para obter estas sementes não era necessário
conhecer sobre plantas, tampouco sobre cultivo. Talvez sabendo que o ambiente urbano
exige outras relações, o próprio caboclo tratou de indicar: "suncê compra [as sementes
de alfazema] nessas lojas de umbanda".
Acompanhei na semana seguinte o retorno da consulte, que informou ao caboclo
que não havia feito o banho pois não tivera tempo para procurar a erva. Bastante
incomodado, o caboclo indicou que o banho deveria ser feito de qualquer maneira e
com urgência, pois o "estado emocional" da consulente era crítico. Me pediu, então, que
buscasse pelo terreiro alguns ramos de alfazema para que fosse feito o banho. Para azar
do caboclo e sorte do etnógrafo, naquela ocasião o terreiro também não dispunha de
nenhum pé de alfazema para o banho. Porém este infortúnio não invalidou a indicação
da divindade, que tratou de preparar o banho para sua consulente utilizando perfume de
alfazema.
Figura 9: Frascos de álcool cheiroso (em recipiente de álcool etílico) e perfume de alfazema (frascos
com líquido verde) no estoque do terreiro, juntamente com outras ervas na condição seca (ao
fundo). Fotógrafo: Pedro Carlessi. Nov/2014.
Diferente do álcool cheiroso, o perfume de alfazema não é preparado no terreiro,
tampouco contém plantas em sua composição. Contudo, esta questão não se apresentou
como um problema para o caboclo utilizá-lo como erva. Procurei reaver este assunto
com alguns dos meus colegas do terreiro.
53
Logo após retornar de uma loja de artigos religiosos, em que acabara de comprar
um pouco de ervas secas para a defumação daquela noite, um dos médiuns do terreiro
conversava comigo a este respeito. Nesta ocasião eu lhe contava que há poucos dias
havia visitado um outro terreiro de umbanda da cidade em que as defumações, diferente
do terreiro CIESL, eram feitas essencialmente com plantas frescas. Interessado pelo
assunto, nos tivemos a respeito da defumação. Embora tenha me ouvido muito bem, já
nas minhas primeiras palavras meu amigo demonstrava ter sua opinião formada a este
respeito. Mal eu terminara de contar minha experiência, Irineu logo rebateu que era
muito difícil utilizá-las dessa forma em função da combustão dificultada e, por este
motivo, dava preferência às plantas secas nas defumações. Durante a conversa ele
argumentou: "vê só esse aqui que eu comprei, tá escrito 'queima sem brasa' [lia o rótulo
do produto enquanto argumentava]...como é que pode queimar sem brasa? Pra mim isso
aqui é serragem, isso sim!". Perguntei então se o fato do produto lhe parecer "serragem"
ao invés de "mistura de ervas", como indicava o rótulo, seria um problema. Sua resposta
foi que não: " é tudo erva! (risos)".
Em tom de risada conversávamos então sobre os produtos que ele havia visto
pela loja. Bem deve-se imaginar, lojas de artigos religiosos costumam trazer pouco
estranhamento aos religiosos que as frequentam, entretanto, meu colega comentava
sobre os rótulos dos produtos que ali estavam dispostos, sempre muito criativos. Em
uma saída de campo, procurei visitar a loja indicada pelo meu colega e registrar em
imagem sobre aquilo que conversávamos:
Figura 10: Tabletes para defumação. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Out/2014.
54
"Falange do mar", "Tira Teima", "Antioquia", "Desencanto", "Luz da Lua", são
alguns exemplos daquilo que conversávamos naquela noite. Meu interesse se deu,
primeiramente, a respeito da leitura que o médium fazia a respeito destes produtos.
Independente da matéria ou da forma que assumiam, meu colega (assim como fez o Exú
Caveira e o Caboclo Ubiratão) indicava que embora as ervas tomem vida através de
uma variedade muito grande de materiais, eram todos eles acompanhados
implicitamente por uma certa continuidade das plantas para estes produtos, condição
que as caracterizavam como ervas mesmo na ausência de plantas.
Ao enfatizar perfumes de alfazema, tabletes de incenso e tantos outros produtos
comerciais, estou propondo que para seguir e conhecer as ervas do terreiro de umbanda
é preciso tomar o mundo não como um amontoado de matéria, distinto e organizado em
diferentes corpos. Tomando a perspectiva dos meus colegas do CIESL como horizonte
especulativo, argumento que no terreiro de umbanda aquilo que une diferentes "coisas"
na categoria de erva não é, fundamentalmente, o corpo enquanto substância vegetal,
mas sim sua capacidade de socializar, de criar relações (Ingold, 2012). Porém, não
quero grifar um halo de "desubstancialização" ingênuo em meus colegas do terreiro. O
corpo vegetal enquanto matéria-forma é absolutamente considerado pelo grupo, e
justamente predispõe uma certa hierarquia existente na escolha das ervas utilizadas nas
práticas religiosas: primeiro, vegetais frescos colhidos pelos próprios membros da
comunidade, seguido daqueles comercializados ainda na condição fresca. À estes
sequenciam as plantas desidratadas e os extratos vegetais, seguidos (por vezes com
certas restrições) dos perfumes, essências e uma gama extensa de produtos próprios
destes seguimento comercial.
E a este respeito, devo dizer, os produtos comercializados que intercambiam
com as plantas na qualidade de ervas são muito variados e parecem se adequar muito
bem às dinâmicas da cidade: são econômicos31, práticos, de fácil acesso e diferente dos
31
Digo "econômicos" em dois sentidos: um, em relação ao valor mercantil do produto, geralmente de
baixo custo; outro, no sentido de oferecerem uma "economia da relação" médium-planta bastante
adaptada à vida urbana. Como argumenta Silva (1995:215) estes produtos atuam entre a floresta e a
cidade em um nível que prevalece a cidade, pois sem sair dela é possível obter uma infinidade de
produtos próprios da floresta, condição que grifa os agenciamentos do mercado sobre citadinos e plantas
em detrimento de outras relações entre homens e plantas, como plantio, cultivo e colheita.
55
vegetais dispersos pelas praças e vias públicas da cidade, que exigem uma certa atenção
dos citadinos para serem percebidos e classificados, estas modalidades de ervas trazem
em si testemunhos de um mundo povoado pelas plantas, pelos orixás, pela boa sorte e
proteção contra inveja:
Figura 11: Banho 'Cosme e Damião'. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Out/2014.
Figura 12: Defumação "Mãe Maria". Fotógrafo: Pedro Carlessi. Out/2014.
56
Figura 13: Defumação "7 misturas da Bahia". Ervas em cores diferentes, cada qual para um dia da
semana. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Fev/2016.
Além de vegetais desidratados, o "banho Cosme & Damião", por exemplo,
possui 'açúcar' entre seus ingredientes, sinalizando aos traços de doçura (de sabor e de
afeto) próprios da divindade que ali se fazem presentes. Neste caso, 'sagu' e 'grãos de
soja' também complementam o produto e evocam à cores e formatos de confeitos, tão
apreciados pelos santos infantes.
Diferente do banho de Cosme e Damião, a defumação 'Mãe Maria' (figura 7) não
apresenta detalhes sobre as plantas ali presentes. Ao abrir o produto na companhia de
meus colegas do terreiro também não fomos hábeis em reconhecer qualquer traço
visível de planta, mas sim um pó amorfo, defectível. Contudo, esta condição não
invalida o status de erva que os médiuns do terreiro atribuem à mercadoria: as insígnias
do rótulo, em referência às "raízes do Brasil", bem como a imagem da preta velha e uma
oração posta abaixo da imagem, dão cabo de ambientar aos agenciamentos próprios das
plantas utilizadas nas defumações, benzimentos e passes aplicados por esta divindade,
que muito se faz presente nos terreiros da umbanda paulista.
Já a defumação "7 misturas da Bahia" é composta por sete pequenas
embalagens, fracionadas e em cores diferentes, para que sejam usadas individualmente
em cada dia da semana (figura 8). Visto que na cosmologia afro-brasileira cada dia da
57
semana é dedicado a certa divindade (ou grupo de divindades32), cada pequeno saquinho
colorido oferece modulações específicas de ervas e deuses relacionados aos calendário
religioso.
Se grifo algumas continuidades entre ervas de diferentes formas e materiais não
é para equipará-las (digo, negar a tensão e alteridade entre ambas), mas sim para indicar
que no terreiro de umbanda uma erva assume estados ontológicos sempre muito
variados, todos eles intercambiáveis entre si, porém resguardados pelos conflitos e
negociações próprios desta relação. A preeminência desta continuidade, para além de
uma certa desnaturalização do termo sintético "planta", caminha em grifar a primazia da
relação vegetal - não vegetal sobre aquilo que é (ou não é) uma erva.
E justamente tratando-se de relações, sobretudo das plantas com o ambiente
urbano, destaco que além de suprirem uma demanda do circuito religioso afro-brasileiro
na cidade, estas ervas são também agentes de construção do próprio espaço. Seus
agenciamentos sobre religiosos e cultos vaza para além dos muros do terreiro e percorre
a malha urbana dando origem à uma rede de comércio complexa, forjada, se não, nas
demandas e exigências destes próprios vegetais. São elas que apresento a seguir.
O CIRCUITO COMERCIAL DE ERVAS NA CIDADE DE SÃO PAULO.
Ao indicar a existência de um comércio de ervas próprio ao universo religioso
afro-brasileiro em São Paulo, estou sugerindo por consequência a existência de sistemas
de circulação e troca, além da produção e consumo desta mercadoria pela cidade, sendo
esta uma investigação já realizada em outros territórios em que o espaço urbano impõe
tal necessidade à estas religiões, como em Salvador (Serra et al., 2002), Rio de Janeiro
(Arjona, Montezuma e Silva, 2007; Maioli-Azevedo e Da Fonseca-Kruel, 2007; Leitão
et al., 2009; De Azevedo e Silva, 2013) e Recife (Albuquerque, 1997).
Como ponto de partida, indico a existência de um "circuito comercial",
utilizando a categoria trazida por Zelizer (2009), que faz uma abordagem ampliada
deste termo e grifa não apenas o mero intercâmbio de mercadorias, mas também a
circulação de ideias, saberes, conversas e outros aspectos interpessoais envolvidos nas
32
No terreiro CIESL, por exemplo, a semana se dá desta maneira: segunda-feira (Obaluaê), terça-feira
(Ogum), quarta-feira (Xangô), quinta-feira (Oxossi), sexta-feira (Oxalá), sábado (todas as divindades
femininas), domingo (todas as almas).
58
relações mercantis, que no caso que apresento, envolve religiosos, ervas e equipamentos
do ambiente urbano.
Um espaço importante na aquisição de ervas em São Paulo, pelo seu dinamismo
e força de presença, se dá entre as muitas feiras livres que operam semanalmente em
todos os bairros da cidade. Entre as barracas de condimentos, especiarias e temperos é
possível encontrar um leque amplo de ervas que intercambiam com aquelas utilizadas
na alimentação e culinária. De modo semelhante, o comércio informal de plantas
medicinais pelas ruas da capital paulista também se mostra como alternativa à aquisição
daquelas que operam entre práticas religiosas e médicas. Foi visitando estas barracas
que pude conhecer outras facetas das plantas ali dispostas.
Certa vez, na companhia de Mãe Janice, procurávamos pela feira da Vila
Mascote alguns punhados de orégano; não para temperar as comidas de santo, em que o
condimento tem pouca valia, mas sim para trazer felicidade para a iabá Patrícia, que
passava por uma semana de grandes aborrecimentos. Foi também através destes espaços
que pude conhecer o 'chapéu de couro' indicado pelo Caboclo Ubiratão, que me
solicitara uma boa quantidade para preparar um banho de Oxum. Precisamente nesta
ocasião, fui surpreendido pelo fato da pequena banca de plantas medicinais (que além
de plantas comercializava uma grande variedade de cápsulas para emagrecimento,
estimulantes sexuais e boas doses de garrafadas) localizada nos arredores do largo de
Pinheiros, estar atenta também aos itinerários religiosos que perpassavam o 'chapéu de
couro': "é pra banho? se quiser eu consigo fresca pra você...mas ai é só pra amanhã
porque eu tenho que buscar", me indicava o vendedor enquanto separava uma pequena
embalagem contendo alguns gramas da erva desidratada.
Bem pude perceber, nas plantas comercializadas nestes espaços não predominam
os empregos litúrgicos. Contudo, os vendedores não deixam de estar atentos às
peregrinações que os religiosos fazem atrás de certas ervas e logo tratam de adequar
seus comércios à estas demandas. Seu Fernando, feirante há mais de trinta anos no
bairro Vila Carbone já era meu conhecido desde tempos anteriores ao início desta
pesquisa, mas foi a partir do momento que me atentei para as trajetórias e encontros
entre plantas e religiosos que pude perceber um pequeno galinho de arruda trazido atrás
de sua orelha. Me disse: "é bom porque espanta olho gordo. Mas tem outra coisa...é uma
malandragem minha: o pessoal de santo vê o galinho e já sabe que eu sou do babado
(risos), ai passa aqui pra ver se eu tenho uma erva ou outra e acaba comprando uma
59
coisinha...na feira a gente tem que ser esperto!". O galinho de arruda atrás da orelha de
Seu Fernando tratava de sinalizar aos clientes da feira um comércio que transitava nos
bastidores da venda de alho, cebola e especiarias que ali estavam. Mais do que isso,
modificava a própria natureza do comércio, que passava a se expandir a partir do
comércio de ervas.
Contudo, a demanda por plantas na metrópole não se limita ao comércio
informal, tampouco à pouca venda que Seu Fernando faz de plantas para uso religioso.
Uma rede bastante articulada e específica para o comércio destas mercadorias se faz
presente pelos quatro cantos da cidade e se estende também para as localidades vizinhas
e até outros estados.
Como indiquei anteriormente, a utilização de folhas desidratadas (bem como dos
perfumes e extratos vegetais) é sempre um assunto polêmico nos terreiros. Embora
eventualmente se valham da comodidade deste material, nem sempre seu emprego é
bem visto pelos religiosos. Parte destes partilham da opinião que o axé das ervas
encontra-se na seiva vegetal e, logo, a condição desidratada seria desprovida desta
qualidade. Uma visão mais flexível entre os religiosos indica que as folhas secas podem
ser empregadas em determinadas ocasiões e apenas em certos rituais. Embora seja
controverso, a condição desidratada favorece e movimenta um comércio específico,
estabelecido principalmente nas lojas de artigos religiosos da cidade.
Figura 14: Ervas em diferentes apresentações. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Out/2014.
60
Figura 15: Ervas comercializadas na loja 'Axé Orixá', bairro Santo Amaro-SP. Fotógrafo: Pedro
Carlessi. Out/2014.
Segundo Mãe Sonia, proprietária de uma loja no Largo Treze de Maio (bairro
Santo Amaro), o público umbandista é o principal consumidor desta mercadoria: "quem
compra [plantas desidratadas] mesmo é o pessoal da umbanda. Compram bastante
dessas ervas em saquinho e até uns banhos que já vem prontos, numas garrafinhas, mas
desses eu vendo pouco...”.
Contudo, pude perceber que mesmo entre aqueles que lançam mão destes
produtos, a utilização se mostra sempre como segunda opção, uma alternativa à
ausência de plantas frescas. Por este motivo, grande parte das lojas voltadas ao
comercio próprio das religiosidades afro-brasileiras trata de revender também ervas
frescas, que transitam entre os estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo,
abastecendo inúmeros terreiros da capital paulista. A loja da Mãe Sonia, por exemplo,
utiliza do serviço dos Correios para viabilizar o fornecimento: "quando o pessoal
encomenda alguma folha, eu peço para um fornecedor do Rio de Janeiro, que me manda
por Sedex. Mas isso é um problema, porque as vezes o Correio abre e confisca a
mercadoria, ou então a entrega atrasa e ai, como eu faço se a iniciação da pessoa tiver
data marcada? É complicado...". Silva (1995) reporta uma questão semelhante ao
61
transcrever a fala de Pai Cássio, proprietário de uma loja de artigos religiosos no centro
de Diadema-SP: "tem determinadas ervas que nós não vendemos, porque tem um tempo
de durabilidade depois de colhida e tem uma determinada maneira de colher, pois colher
a erva não significa nada, tem que ter as rezas certas para tirar as folhas com o axé que
ela tem. Ainda assim as lojas procuram ter o máximo que pode...". (apud Silva,
1995:215).
Como apontam, a logística exigida por estas ervas dificulta o comércio entre
estados, favorecendo a produção e comércio local que, em São Paulo, se estabelece
principalmente no Mercadão da Lapa, zona oeste da cidade.
Figura 16: "Box 58" - Mercadão da Lapa - São Paulo. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Set/2014.
62
Figura 17: "Asé Box" - Mercadão da Lapa - São Paulo. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Set/2014.
Fundado na década de cinquenta com o intuito de atender a demanda de
imigrantes europeus por produtos de sua terra natal, o Mercado Municipal Rivaldo
Rivetti, mais conhecido como Mercadão da Lapa, hoje se faz referência no comércio
religioso afro-brasileiro de São Paulo, principalmente no que diz respeito à aquisição de
produtos de origem natural, onde predominam não só as plantas, mas também carnes,
flores, cabaças, balaios de palha, potes de barro, conchas, mandiocas e outros
tubérculos, fumo de corda, pimentas, grãos variados e animais, embora atualmente este
último se faça de forma discreta33.
Há mais de vinte anos o Mercadão da Lapa conta com dois boxes dedicados ao
comércio de "plantas de axé", como denominam os vendedores. Neste espaço,
sobretudo nos boxes 57 e 58 (vide imagens acima) é possível encontrar uma arsenal
botânico bastante diversificado, que é renovado três vezes por semana, dando cabo de
33
Embora não sejam expostos no mercado, coelhos, pombos, galinhas, galos, patas e preás podem ser
adquiridos a partir do contato direto com os vendedores do setor granjeiro. Durante visita realizada em
agosto/2014, uma galinha branca e uma pata custavam respectivamente R$ 20,00 e R$ 40,00, sem
necessidade de encomenda. Segundo o próprio vendedor de um dos boxes: “vou ali buscar e trago pra
você em cinco minutos...”.
63
oferecer produtos sempre na condição fresca. No mais, os boxes abastecem-se também
com uma quantidade reduzida de plantas desidratadas e tímidas outras mercadorias. Ali
os vegetais são comercializados em maços. No caso das plantas de pequeno porte, os
maços são formados por folhas, galhos, eventualmente raízes e flores. Para os vegetais
de grande porte ou demasiadamente rígidos, os maços são formados exclusivamente por
folhas, diferente dos primeiros, comercializados em ramos. Embora o público dos boxes
seja predominantemente religioso, o comércio também atende aos que buscam
predicados de cura nestas plantas, visto que outros boxes do mercado que atendem a
esta demanda comercializam exclusivamente plantas desidratadas. Durante as visitas
que fiz ao Mercadão da Lapa34 foi possível registrar inúmeros clientes buscando
informação quanto às propriedades medicinais das espécies ali comercializadas, tanto
para uso humano quanto para animais domésticos.
Diferente das lojas de artigos religiosos, que importam vegetais vindos de outros
estados e concentram suas vendas em ervas desidratadas e não-vegetais, os boxes do
Mercadão são abastecidos por sítios do interior de São Paulo, gerenciados pelos
proprietários destes estabelecimentos. Neste comércio, o emprego de técnicas agrícolas
para a produção de plantas que pouco se desenvolvem no solo e clima paulistano se
fazem presentes, proporcionando aos terreiros da urbe vegetais difíceis de serem
cultivados: "você tem que ver o sítio do patrão. Tem uma estufa só plantar oriri35!".
Embora façam parte do mesmo circuito, os adeptos dos diferentes seguimentos
religiosos que frequentam este espaço se diferenciam pela variedade e, por vezes, grau
de especificidade das plantas adquiridas, como aponta um antigo vendedor do Box 57:
"a gente vende folha de fundamento mesmo [referindo-se a rituais mais voltados ao
candomblé], mas ai tem que encomendar, no dia a dia não é sempre que tem porque não
vende muito. As vezes o pessoal passa por aqui e pede informação, "eu quero uma folha
de Oxum", e a gente mostra qual tem. Pra você ver, se for comprar em outro lugar, lá no
CEAGESP36, por exemplo pode ser que a pessoa encontre a folha, mas ninguém vai
saber te dizer pra que serve, aqui a gente conhece porque todo mundo [referindo-e aos
vendedores] é da religião".
34
Totalizaram oito visitas de campo, entre os meses de março e novembro de 2014.
35
Peperomia pellucida, de acordo com Arjona, Montezuma e Silva (2007:47) e Voeks (2000:155).
36
Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo.
64
O CEAGESP, indicado pelo vendedor do Box 57, oferece na madrugada de
quinta-feira uma imensa feira de flores, que comercializa desde produtos de decoração e
apetrechos de jardinagem até árvores frutíferas de grande porte. Durante a pesquisa de
campo realizei três visitas a esta feira, sobretudo acompanhando meus colegas do
CIESL, que buscavam neste espaço a aquisição de folhagens e flores em grande volume
para a decoração e ornamento do terreiro em dias de festa. Motivado pelo comentário do
vendedor do Mercadão, procurei entre as milhares de plantas ali expostas algumas que
me servissem como sinalizadores de um comércio próprio das religiosidades afrobrasileiras. Minha tentativa foi em vão. Mesmo quando me deparava com plantas de
grande valia aos universo religioso afro-brasileiro e de difícil acesso meio à cidade, os
compromissos destes vegetais eram outros. O òsíbàtá37, por exemplo, comercializado
em um aquário adornado com pedras coloridas ao fundo, me foi apresentado por um
comerciante nipônico como "ninféria", e nada soube me dizer sobre os orixás que vez
ou outra povoam a planta. O mesmo ocorreu com o ojuorô38, que batizado como "alface
d'água" por uma vendedora apressada, pouco me dizia sobre seus compromissos
religiosos. Embora não seja segmentária, a feira de flores do CEAGESP é também
forjada pelo encontro de pessoas e plantas, que ali se amalgamam entre folhagens e
flores para suprir a carência de verde dos terreiros.
Minha experiência caminhando por estas lojas, feiras e mercados, foi perceber
que a confluência de itinerários dos religiosos, comerciantes e das próprias ervas borram
as fronteiras e códigos individuais destes expoentes, cedendo lugar à cruzamentos e
encontros sempre novos que justamente colaboram para o desenvolvimento tanto da
cidade, como da umbanda paulista, que se elabora e modifica a cada novo encontro.
37
Nymphaea alba L., de acordo com Barros (2011:146). Utilizo a mesma grafia adotada pelo autor.
38
Pistia stratiotes L., de acordo com Barros (Barros, 2011:155). Utilizo a mesma grafia adotada pelo
autor.
65
CONCLUSÃO
Nesta análise procurei guiar o leitor por alguns percursos que percorri
juntamente com meus colegas do terreiro CIESL interessado em conhecer as ervas
empregadas em suas práticas religiosas. Inicialmente apresentei as dinâmicas que
operam no jardim mantido pela comunidade religiosa, interessado em sinalizar que para
além de meros vegetais, as plantas ali dispostas encarregam-se de diminuir as distâncias
entre a floresta e a cidade.
Busquei indicar nas sessões seguintes os espaços em que estes vegetais são
adquiridos quando o espaço que dispõem para cultivo não se mostra suficiente. Foi
caminhando por feiras livres, lojas de artigos religiosos e mercados municipais que
pode-se grifar uma certa desnaturalização do termo sintético "planta" a partir da
categoria nativa "erva", indicando haver aberturas e continuidades entre vegetais e
produtos sintéticos comercializados em lojas de artigos religiosos que justamente
permitem seu emprego nas práticas da umbanda paulista.
Por fim, o resultado desta peregrinação foi vislumbrar os movimentos e
transformações que estes materiais promovem na própria paisagem urbana, forjada pelo
encontro e trajetórias de religiosos umbandistas e ervas.
66
7. Terceiro artigo
Desnaturalizando a natureza: dimensão e fluxo material das plantas
em um terreiro de umbanda da cidade de São Paulo
Figura 18: Cruzeiro de Obaluaê. CIESL. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Abr/2014.
67
DESNATURALIZANDO A NATUREZA: DIMENSÃO E FLUXO MATERIAL
DAS PLANTAS EM UM TERREIRO DE UMBANDA DA CIDADE DE SÃO
PAULO
Pedro Crepaldi Carlessi39
[email protected]
RESUMO
Esta pesquisa discute sobre a dimensão material das plantas e das áreas de vegetação
que integram o cotidiano de um grupo religioso alocado em um terreiro de umbanda da
cidade de São Paulo-SP. A partir de um trabalho de campo de caráter etnográfico,
apresenta-se duas situações empíricas vividas em campo em que pode-se perceber que,
do modo como são vivenciadas no terreiro, as plantas não finalizam na superfície de
suas folhas, mas justamente caminham no sentido de um certo transbordamento que
perpassa e se estende para além do universo (ou "reino") vegetal. Propõe-se então
pensar nas plantas em seu sentido relacional e a partir dos engajamentos que lhes
caracterizam, condição que permite revisitar a ideia de 'cultura material', da qual as
plantas mantém-se reféns ora da natureza, ora da cultura.
Palavras-chave: Ervas; Natureza-Cultura; Religiões Afro-brasileiras; Umbanda.
DESNATURALIZED NATURE: MATERIAL DIMENSION AND FLOWS OF
PLANTS IN AN UMBANDA’S TEMPLE
ABSTRACT
This paper discusses about the material dimension of plants and vegetation areas that
make up the daily life of a religious group allocated in an umbanda’s temple of São
Paulo city (Brazil). From an ethnographic fieldwork, the study presents two empirical
situations in which it may be seen that plants do not finalize on the surface of their
leaves, but they precisely go toward a certain overflow that permeates and extends
beyond the plant’s universe (or "kingdom"). It is proposed, then, to think about the
relations of the plants and the engagements that characterize them, a condition that
39
Mestrando em Ciências pelo Programa de Pós Graduação em Análises Ambientais Integradas da
Universidade Federal de São Paulo.
68
allows revisiting a certain idea of 'material culture', which keeps plants either prisoners
of culture or nature domains.
Keywords: Afro-Brazilian religions; Herbs; Nature-Culture; Umbanda.
INTRODUÇÃO
Neste artigo meu objetivo é dividir algumas observações que tenho feito em uma
comunidade religiosa afro-brasileira alocada em um terreiro de umbanda da cidade de
São Paulo. Os resultados aqui apresentados fazem parte de um estudo mais amplo, em
que tenho procurado questionar alguns dos empenhos cientificistas calcados em
modelos comparativos a respeito do termo sintético "natureza" (ou, mais precisamente,
"planta"). Se meu empenho sobrecai à alguma desnaturalização deste termo junto aos
meus colegas biólogos e cientistas botânicos, julgo oportuno dividi-los também com os
antropólogos inclinados aos estudos das religiões. Isso por que a materialidade, que me
foi posta em cheque no terreiro de umbanda a partir da relação com as plantas,
estabelece um importante campo reflexivo para pensarmos nas dinâmicas que envolvem
humanos e artefatos em função de práticas religiosas.
A partir de um trabalho de campo de caráter etnográfico, procuro apresentar
como o pensamento relativista apoiado em dicotomias como material-imaterial, realimaginário, profano-sagrado, físico-mental, variações da clássica dicotomia naturezacultura, não dá conta de apresentar as relações dos umbandistas com as plantas sem os
eminentes riscos do reducionismo cultural ou biológico. Como linha de fuga para este
problema, apresento minhas observações de campo a partir de dois casos específicos,
um ritual de 'desobsessão' seguido de um processo de cura com ervas e uma breve
descrição da cidade mítica Aruanda, utilizando para isso os aportes teóricos da chamada
'virada ontológica', especialmente a partir da ideia de 'fluxo dos materiais', articulada
pelo antropólogo britânico Tim Ingold (2012).
69
ERVA DE PODER, PLANTAS E COISAS PLASMADAS
Plasmar é uma atividade bastante comum no terreiro CIESL40. Trata-se de um
ato geralmente breve conduzido pelos médiuns41 do terreiro e que consiste no transporte
de objetos do mundo dos espíritos para o mundo dos humanos, fazendo-os presentes
naquela situação, por mais distante ou desconhecidos que sejam. Explico melhor esta
habilidade através do ritual de desobsessão para, em seguida, apresentá-la no sentido
que me interessa neste momento, a respeito das plantas.
Desobsessão é um dos rituais mais emblemáticos neste terreiro, envolto de
técnicas, ferramentas e práticas adquiridas após longos períodos de treinamento,
sobretudo nas 'giras de desenvolvimento', cerimônia fechada ao público e dedicada ao
ensino e exercício das chamadas 'atividades mediúnicas'. De modo bastante geral a
desobsessão consiste em um ritual de exorcismo, porém, em que o diálogo e negociação
prevalecem à expulsão. Parte-se da ideia de que em certas circunstâncias, determinados
espíritos podem aproximar-se dos humanos em um quadro de verdadeira obsessão:
acompanham o humano dia e noite em suas atividades rotineiras, alimentam-se daquilo
que o sustenta e, além disso, promovem discórdias, injúrias e outras maledicências.
Pode-se dizer que a obsessão espiritual está para os umbandistas assim como o
parasitismo está para os ecólogos (sobre este paralelismo de conceitos sem
sobreposição, vide Cássia, Santos e Barros, 2014). Nesta interação entre dois seres
diferentes um deles - a parasita ou os espíritos malfeitores - mantém-se vivo à custa de
outra - a hospedeira ou humanos obsediados -, prejudicando-a. Segundo me foi relatado
neste terreiro, diversos são os motivos que levam à um quadro de obsessão espiritual,
maiores ainda os males que podem ser causados por esta relação: dores, doenças,
alucinações, perda de recursos financeiros, brigas e maus entendimentos afetivos, má
sorte, violência, quadros depressivos; quanto maior a interação entre ambos, maiores os
agravos. Nestes casos, a solução está em afastar o agente obsessor, atividade que
40
Abreviação para Círculo de Irradiações Espirituais de São Lázaro, terreiro de umbanda localizado na
cidade de São Paulo, SP, Brasil.
41
Neste terreiro corresponde tanto à uma denominação genérica, que se refere a todos os humanos hábeis
no contato com espíritos, como também uma específica posição na estrutura sócio-religiosa, que
organiza-se hierarquicamente a partir de "mães ou pais de santo" (que subdividem-se em "grandes" ou
"pequenos"), "primeiros cambonos", "iabás", "ogãs" e "médiuns", sendo este último o mais expressivo em
número de adeptos.
70
acontece pelo ritual de desobsessão espiritual. Os médiuns incumbidos desta tarefa
possuem a missão de, através de um breve contato físico realizado através de suas mãos
com o corpo da pessoa obsediada, peças de roupa, joias ou mesmo o nome completo
escrito em pedaço de papel, remover o agente causador das queixas trazidas pelo
assistido.
Embora bastante empregada, no CIESL a desobsessão é tida como "último
recurso", utilizada apenas em condições extremas em que as demais tentativas de
diálogo e afaste destes agentes oportunistas já não se mostram mais suficientes. Nestas
tentativas, os banhos de ervas são muito comuns, porém, como me disse o Exú Sete
Sepulturas, "tem situações que erva não resolve mais, e ai não adianta ficar passando
banho e defumação, tem é que tirar o obsessor que está com a pessoa!". Vale me
adiantar e dizer que 'erva' remete à categoria nativa desta comunidade para as plantas
utilizadas em contexto ritual e que não envolve exclusivamente plantas no estado
material mais comumente conhecido. Percebe-se pela fala do exú um dos motivos que
levam os umbandistas ao contato íntimo e constante com as plantas: visto que os
vegetais são tidos como transportadores de axé, energia vital sem a qual não há vida ou
movimento, a interação com estes não-humanos, ao oposto do que é com os obsessores,
aumenta e alimenta a vitalidade dos médiuns.
Na concepção deste grupo, não é só aos humanos que os obsessores podem
prejudicar. Animais, imóveis, automóveis e outros bens materiais, seja qual for sua
natureza, uma vez obsediados, também estão a mercê das maldades causadas pelos
obsessores. Do mesmo modo, não é apenas na forma humana que os maus espíritos se
manifestam. Ao entrar em contato com o assistido42, muitas vezes os médiuns relatam
encontrar facas, punhais, adagas, correntes, algemas, coleiras, armas de fogo e mais uma
variedade de artefatos sádicos apontados como agentes manifestos e responsáveis pelo
quadro obsessivo diagnosticado. Das conversas que tive com os médiuns aptos a esta
atividade, pude perceber que poucos enxergam tais artefatos com o recurso da visão;
aliás, por vezes a aptidão de enxergar elementos de outros mudos com os olhos foi-me
colocada como rara e também desnecessária. Isso porquê embora os artefatos não sejam
vistos pelo recurso oftálmico, são percebidos em riqueza de detalhes por uma série de
outros atributos em que é possível indicar com precisão o local em que se encontram,
42
Nome dado aos membros externos da comunidade religiosa, visitantes do terreiro, também chamados
'filhos-de-fé'.
71
bem como o tamanho e a forma que possuem, prática desenvolvida ao longo do tempo.
Como Mãe Sônia disse à um grupo de médiuns neófitos deste terreiro: "a espiritualidade
está em tudo. Nós estamos nela e ela está em nós. Meu objetivo como mãe de santo
desta gira43 de desenvolvimento é dar os primeiros passos com vocês neste treino e
começar a desenvolver as faculdades que vão permitir vocês tomarem contato com a
espiritualidade".
A partir do momento em que os artefatos-obsessores são percebidos, os médiuns
envolvidos na desobsessão tratam de plasmá-lo, dar a ele certa vida e removê-lo de uma
vez por todas do corpo daquele que apresenta-se obsediado. Para tanto, corporeamente o
médium que realiza esta atividade empenha grande concentração e esforço físico: no
primeiro momento, através de um movimento circular das mãos, realizado na região em
que pode perceber tal artefato, o médium sugere moldá-lo, levando certo tempo para
isso; na sequência, já plasmado e transposto ao mundo dos humanos, o médium trata de
removê-lo, geralmente em um gesto bruto - por vezes seguido de quedas ao chão,
grunhidos, gritos sufocantes, escarros e vômito, indicando a remoção do artefatoobsessor.
"Dar vida" a tais artefatos acredito não ser o termo mais adequado, uma vez que
o agente obsessor já encontra-se vivo, afinal, foi capaz de promover importunos. Talvez
seja mais adequado dizer que ao plasmar coisas o médium umbandista permita o
vazamento (Ingold, 2012) dos artefatos-obsessores, intensificando o elo entre os dois
mundos. Isso porque, como mostrou a fala da Mãe Sônia, na concepção umbandista não
há uma barreira entre o mundo espiritual e o mundo humano. Humanos, não-humanos e
todas as coisas que existem transitam entre estes dois universos de modo que ambos,
embora distintos, estão contidos um no outro de forma indissociável.
Embora invisíveis, os artefatos-obsessores são percebidos pelos humanos, que
logo tratam de removê-los. É bastante certo que os umbandistas do terreiro CIESL
distinguem ambos os mundos. O mundo espiritual é tido como ausente de forma
estabilizada; já o mundo humano é descrito pelo grupo essencialmente em função da
matéria. Por este motivo, no instante em que desejam permitir a continuidade do mundo
espiritual para o mundo humano, tais objetos necessitam de uma forma, elaborada pelas
mãos dos médiuns e materializada nas secreções aqui apresentadas. Todo modo, pude
43
Como chamam-se as cerimônias religiosas neste templo.
72
perceber que no terreiro de umbanda a forma é uma condição efêmera e quiçá
importante, visto que a "vida", de fato, é tida como uma vida espiritual, sendo a
condição humana, uma breve passagem. No caso dos materiais em trânsito durante a
desobsessão, a materialidade44 não é, ao menos, bem vinda: quando toma forma,
geralmente através das secreções expelidas pelos médiuns que a trouxeram, as coisas
plasmadas precisam ser queimadas; isso porque neste terreiro o fogo é tido como um
portal entre os dois mundos. Munidos com um pouco de álcool, ateia-se fogo ao artefato
expelido em forma de escarro, eliminando-o do terreiro e rompendo a continuidade
entre os planos por este agente.
Com um pouco de treino e prática, materializar artefatos parece fazer parte da
rotina deste grupo. O recurso foi acionado em diversas e inusitadas situações, desde
procedimentos médicos nas sessões de 'medicina espiritual', em que toda a parafernália
cirúrgica é acionada, até para fugir de paradas policiais no trânsito da cidade, onde uma
"capa de inviabilidade" nos permitiu a continuidade da viagem sem empecilhos. No que
diz respeito às ervas, não diferente, estas também são passíveis de serem plasmadas.
Sobretudo nas sessões de xamanismo praticadas pelo grupo é que pude observar o
emprego de ervas, mesmo sem enxergá-las.
Quando me refiro a xamanismo evoco uma prática complementar aos rituais
deste terreiro de umbanda, já bem apresentadas na literatura antropológica como
"xamanismo urbano" (Magnani, 1999; 2005). Nesta modalidade (que podemos chamar
pela categoria utilizada pelo grupo, "xamabanda"), busca-se através de um processo de
semitranse chamado de viagem, conduzido pelo toque ritmado de um tambor circular
similar a um grande pandeiro (porém, sem platinelas), tomar contato e conhecimento de
um mundo "selvagem" e que supostamente abriga o íntimo de cada participante. Após
as viagens, as vivências individuais são compartilhadas em grupo, discutidas e
analisadas pelo pai-de-santo-xamã com o propósito de autoconhecimento, ou, como se
diz no CIESL, de "resgate do poder pessoal". Digo que esta prática é complementar às
atividades do terreiro pois, o xamanismo, embora bastante aplicado, não abarca todos os
integrantes desta comunidade religiosa. Seu emprego mantém-se restritito àqueles que
buscam pela iniciação nesta prática, oferecida pelo dirigente do templo em sua
44
refiro-me à "fisicalidade dura do mundo" (Olsen, 2003:88 apud Ingold, 2012:34), objetos enquanto
forma-matéria.
73
instituição, chamada 'Aldeia Círculo das Tradições', atualmente localizada a poucos
metros da atual cede do terreiro.
Em uma das viagens propostas nos primeiros estágios da iniciação ao
xamanismo, os adeptos são orientados a viajar em busca da sua erva de poder. Trata-se
de fechar os olhos e no pulsar dos tambores deixar-se imergir no "mundo xamânico"
atrás daquela planta que comunga com o viajante propriedades particulares, geralmente
relacionadas ao universo da cura. Cada participante retorna então das suas viagens com
descrições sempre muito interessantes da flora deste mundo. Geralmente as plantas de lá
são também encontradas no mundo daqui, e nestes casos os novos xamãs procuram
mantê-las em cultivo. Isso porquê, sendo aquele vegetal 'a sua erva de poder', muitos
são os poderes dela sob seu dono e vice versa. Desde protegê-lo contra algum mal até
curá-lo de afecções graves, a relação da planta com o homem neste caso é
particularmente íntima.
Em outros casos, porém, a erva descrita pelo iniciante não encontra
correspondência com as plantas conhecidas no planeta terra. Nem sempre são verdes,
nem sempre tomam forma vegetal, condição em que as descrições sempre ricas enchem
de curiosidade aqueles que ouvem os relatos. Nestas situações, como o cultivo não é
possível, "plasmar" a erva é o caminho para tê-la meio aos rituais.
De volta ao terreiro, o xamanismo nos moldes aqui descritos integram sobretudo
as giras de medicina espiritual, em que uma sala é arranjada para que um "médiumxamã" já experiente utilize seus recursos para atender aos assistidos do templo. O
processo geralmente envolve a condução das viagens, seguida de uma longa conversa
entre médium-xamã e assistido. Todo modo, quando se faz necessário complementar a
viagem com alguma atividade própria do terreiro (como "passe energético" e
"desobsessão", apenas para ilustrar alguns exemplos), os dois movimentos se
entrelaçam. É nesse universo de continuidades metafísicas que a erva de poder sai do
mundo xamânico e toma vida e forma pelas mãos do médium-xamã.
Em uma segunda-feira, dia da semana dedicado aos atendimentos de saúde na
chamada 'gira de medicina', pude acompanhar um ritual de cura realizado por médiuns
iniciados também nas práticas de xamanismo urbano. Nesta ocasião, três assistidos
foram dispostos sobre esteiras de palha no salão principal do terreiro. Ao redor de cada
um deles, um pequeno grupo de médiuns iniciantes se somou a um médium-xamã,
responsável naquele momento pela condução dos cuidados com aquele assistido. Entre
74
estes, me detive em um médium que expressava enorme concentração e certa distância
do assistido, que repousava sob a esteira rodeada por velas de muitas cores, dispostas
pelos médiuns incorporados em pretos velhos e caboclos45. Em determinado momento,
o médium solicitou a um colega que não participava ativamente do trabalho para que
verificasse no jardim a disponibilidade de certa planta. Passou-se um intervalo de tempo
razoável até o retorno do assistente, que informou não ter encontrado a planta nem no
jardim, nem no estoque do terreiro, onde ficam alguns vegetais desidratados dos mais
comuns. De prontidão, o médium-xamã respondeu que pela demora do colega a planta
já havia sido utilizada, materializada através de suas mãos. Pude perceber que em
determinado momento o médium curvara-se levemente e expressava manter em suas
mãos uma espécie de cuia, da qual supostamente retirava algo e passava pelo corpo do
assistido. Estava ali o bálsamo sagrado do enfermo, que trazida de outro mundo, agora
materializada nas mãos de seu mestre, era livre para agir no mundo.
Figura 19: Detalhe do jardim do terreiro CIESL. Fotógrafo: Pedro Carlessi. Abr/2014.
ONDE MORA O CABOCLO?
O relato da erva de poder indica que as plantas neste terreiro transitam entre
mundos que, embora invisíveis aos olhos, são passíveis de interação pelos umbandistas.
Como tratarei de mostrar nesta próxima sessão, neste grupo a ideia de "floresta"
45
Divindades que compõem o panteão umbandista.
75
também não se limita ao universo da matéria; ao contrário, cria uma ruptura no espaço
físico em que pessoas e divindades comungam um terreno contínuo entre o céu e a terra.
Mesmo esta bipartição, “céu” e “terra”, embora por vezes se faça presente nos
discursos umbandistas, não é vivida de modo antagônico. Diversas situações vividas em
campo indicam esta condição, todo modo, centralizo a análise em um diálogo
específico, tanto pelo preciosismo em certos detalhes como pela oportunidade
privilegiada de entrevistar uma preta velha.
Em certa quarta-feira acompanhava os trabalhos da mãe de santo Zizi, que
mantinha uma sessão de passe e consulta vespertina, como horário alternativo aos
consulentes - sobretudo idosos - que encontram dificuldades para dirigirem-se ao
terreiro no período noturno, horário em que invariavelmente ocorrem as demais sessões.
Nesta tarde presenciei o exato momento de desincorporação de um caboclo, divindade
das mais comuns no terreiro de umbanda e que se manifesta através do processo de
incorporação. O instante corriqueiro certamente não me chamaria atenção não fosse pela
particularidade do local escolhido para a despedida do guia espiritual46: o lado externo
do terreiro, meio ao jardim, condição pouco comum visto que de modo geral os
espíritos finalizam as incorporações no salão principal do templo. Meio às plantas,
tratou de bradar e através de um pequeno salto para trás, desligou-se de seu
companheiro humano. Tomei a passagem com a preta velha:
Pedro (P): Vó Maria, onde moram os caboclos?
Vó Maria (VM): Os caboclo moram na mata, fio. Você num sabe?
P: É que vi um caboclo 'indo embora' no jardim e fiquei pensando...
VM: Caboclo mora na floresta, em Aruanda.
P: Você pode me dizer alguma coisa sobre Aruanda?
VM: Aruanda é a cidade onde moram os guia tudo. Todos os guia de
umbanda vem de lá. Como é que se diz, é uma colônia espiritual...
P: Mas essa colônia é uma floresta?
VM: É também, fio. Tem floresta lá...é onde moram os caboclo, os
preto velho, os orixás...
P: E como é essa floresta?
46
"Guia", "guia espiritual" ou "entidade" refere-se aos espíritos que povoam o terreiro de umbanda,
manifestos sobretudo através do processo de incorporação. Neste templo, existem treze "linhas" (castas)
de guias espirituais: caboclo, preto-velho, erê ou criança, boiadeiro, baiano, marinheiro, malandro,
cigano, médico, grande oriente, exú, pombogira e exú-mirim.
76
VM: É uma mata, fio...igual essas de vocês daqui. Tem muita arvore,
muita! Tem também as ervas. Mas Aruanda é uma cidade espiritual.
P: Então em Aruanda além da cidade, existe a floresta?
VM: Não é como aqui, fio, que tem floresta e cidade. É tudo Aruanda.
P: Não entendi.
VM: Você não entendeu porque lá é um mundo diferente do de vocês.
Lá tem coisas parecidas, mas não é a mesma coisa.
P: Você pode me dizer algumas coisas que são diferentes?
VM: Lá a gente não precisa de comida, de água. Num tem vício,
tristeza. É um mundo muito bonito.
P: E as plantas de lá? São como as daqui, que precisam de água, ou
também vivem sem?
VM: É tudo espírito, fio! Num tem água porque água é uma coisa
daqui da terra. Lá são outras energias, é outra coisa.
P: Aqui no terreiro se fala que os caboclos vivem na floresta. É na
floresta de Aruanda eles vivem?
VM: É sim.
P: Eles não vivem na nossa floresta, a floresta dos humanos?
VM: Vivem na de vocês e na de Aruanda. Elas tão junto.
P: Quando eu estou na floresta eu também estou em Aruanda?
VM: Não. O telefone toca só de lá pra cá...
P: Não entendi.
VM: Silêncio...
P: E essas plantas que a senhora falou? As plantas que tem aqui
também tem em Aruanda?
VM: Lá as plantas são muito lindas.
P: Mas são as mesmas que tem aqui?
VM: Algumas são, fio.
P: E nesse caso, porque o caboclo escolheu ir embora no jardim?
VM: Aqui já se acabou tudo a floresta deles. Eles são o espírito da
floresta. Se não tem floresta, não tem caboclo, não tem guia, não tem
nada. As planta tem muita força, fio. Você tá vendo, tá fazendo teu
estudo, aprendendo a religião. Aqui não tem floresta mas tem o
jardim, é o não é? Onde tem planta tem caboclo, preto velho, orixá,
exú, né?
P: Qualquer planta?
VM: Todas as planta. Umas melhor que outras.
77
O diálogo logo cedeu em função do decorrer da sessão, coordenada pela preta
velha47 que enquanto conversava e fumava cachimbo, observava o últimos afazeres
daquela tarde. O fato que busco destacar nesta passagem é o caráter contínuo da floresta
por entre os mundos. Assim como remeti a respeito do fogo nas práticas de
desobsessão, as plantas são também elementos de intersecção entre o mundo dos
humanos e dos não-humanos. A respeito da cidade metafísica Aruanda48, no terreiro de
umbanda parece que toda e qualquer vegetação é capaz de criar este elo, como relata
Mãe Janice: "se no terreiro existir uma folhinha verde, uma só, vocês podem
transformar ela numa floresta inteira e chamar todos os caboclos, ou então transformar
no remédio que a pessoa precisa...". Este seria então um importante aporte dos vegetais
à religião: permitir o fluxo ente mundos. Todo modo, não se trata de mundos distintos,
“lá” e “cá”. Os caboclos são de Aruanda, entretanto, a morada mítica não se encontra
em meio ao céu, e sim em meio a terra, assim como Prandi (2005) observou a respeito
dos iorubás africanos:
Os iorubás, como povo da floresta, pouco se interessaram pelos astros,
que ocuparam posição importante nos sistemas religiosos de povos
que viviam em lugares abertos e altos. (...) A morada dos deuses e dos
espíritos dos iorubás, emblematicamente, não fica no céu, mas sob a
superfície da terra. (Prandi, 2005:6).
Sobrepostos e conectados, humanos e divindades vivenciam através do jardim
do terreiro CIESL a intersecção entre mundos. Porém, como a preta velha indicou, o
telefone toca apenas de lá pra cá. Ou seja, os espíritos de Aruanda estão também no
mundo dos humanos, embora os humanos não possam acessar Aruanda de modo direto.
Apesar de não ser uma via de mão dupla, é nesse sentido que destaco o caráter contínuo
da floresta. De modo semelhante se dá a concepção de nascimento e morte neste
terreiro. Através do processo de reencarnação, fruto das raízes kardecistas, acredita-se
47
Refiro-me à "preta velha" e não à "mãe de santo incorporada com preta velha" respeitando as
dissensões ontológicas postas pelos umbandistas nesta condição.
48
Para complementar a questão das cidades metafísicas na cosmologia religiosa afro-brasileira, vide o
diálogo etnográfico com a Jurema, praticada sobretudo no nordeste brasileiro e etnografada a partir da
cidade de Alhandra-PB por Salles (2004).
78
que antes de nascer em terra, os homens já existiam, habitando, porém, outros mundos.
Digo outros, pois além de Aruanda – morada exclusiva dos guias e orixás – e do mundo
xamânico, outras cidades espirituais foram-me relatadas e aos montes emergem na
literatura romancista destinada a este seguimento religioso.
Somado a estes exemplos, o uso do tabaco no terreiro de umbanda também
ilustra as continuidades que busco evidenciar a partir das plantas. Pai Bento, outro guia
espiritual acompanhado durante o trabalho de campo, assim como Vó Maria e outros
pretos velhos, também fuma cachimbo, porém nunca cigarro, como me relatou: “pra
você ver, aqui no cachimbo é essa cumbuquinha de barro segurando a erva que queima,
esse pino de madeira que leva a fumaça pra boca. É como macho e a fêmea. Cigarro não
tem isso, fio, fica só o fumo no papel. Cachimbo tem muita magia”.
“Macho” e “fêmea”, “barro” e “madeira”, “fumo” e “fumaça”, são estas
intersecções, nunca rompidas e sempre contínuas, que confere a magia qual o preto
velho comenta. No caso, entendo esta magia como a configuração de um microcosmo
deste universo religioso expresso na própria ferramenta da divindade. Como podemos
perceber, não cabe neste contexto pensar nas fronteiras entre o fumo e a fumaça, por
exemplo, exatamente pelo fato da “magia” – para utilizar o termo do preto velho – não
estar contida em um destes polos, e sim na continuidade destas duas condições uma para
a outra. Juntos, cumbuca e pino formam uma terceira coisa, um emaranhado (Ingold,
2012) da primeira com a segunda, em que a oposição deixa de fazer sentido e, em
contrapartida, a união a torna plena.
Logo, analisar este modelo no intuito de discernir aquilo que é “natureza”
daquilo que é social (“cultura”) torna-se impreciso se antes não calibrarmos aquilo que
entendemos por “natureza” ou “cultura”. Caso a explicação não se faça suficiente ou
careça de validação, basta retornar algumas linhas e tentar responder ao tema desta
sessão: onde mora o caboclo?
CONCLUSÃO: PLANTAS E MUNDOS EM TRÂNSITO
Mesmo que breves, acredito que estes dois relatos fornecem dados suficientes
para avançar a discussão a respeito da dimensão material das plantas no contexto
religioso afro-brasileiro.
Tenho pensado no terreiro de umbanda como um campo de relações
absolutamente dinâmico, caracterizado e constituído justamente pela fluidez, contato e
79
contágio entre seres de ontologias diversas que ali se apresentam e se elaboram. Sendo
assim, ao mesmo tempo que as plantas transitam entre diferentes mundos (trazidas pelo
ato de plasmar coisas, como indiquei), são elas mesmas passaportes para o trânsito, que
permitem, por exemplo, encontros e continuidades entre florestas, cidades míticas e
ambiente urbano. No limite, posso dizer que estas plantas possuem "an inherent and
irreducibly open-ended character", como indica Webb Kaene (2008:230) ao refletir
sobre a dimensão material de artefatos religiosos.
Dessa forma, o jardim do terreiro CIESL não "simboliza" a floresta sagrada dos
caboclos, mas justamente mostra-se como um "nó" (Ingold, 2012), o encontro entre
seres, tempos e espaços que permite a fluidez e interação de um para o outro,
resguardados pelos conflitos e negociações que emergem desta relação. Ainda que
brevemente, Cabrera (2012) e Barros (1993) trazem também algumas contribuições que
asseveram a confluência de mundos a partir de áreas de vegetação vividas pelo povo-desanto (nestes casos, a respeito dos grupos religiosos afro-cubanos e jêje-nagôs da Bahia,
respectivamente).
Entendo que abdicar da materialidade enquanto concretude do mundo para
questionar as fronteiras e limites das plantas é um caminho produtivo contra os
automatismos intelectuais de minha própria formação cientificista, que apoia-se
sobretudo na relação matéria-forma para compor seus regimes de enunciação sobre
plantas. A este respeito, as religiões afro-brasileiras há muito contribuem (vide Bastide,
1946; Silva, 1995; Negrão, 1996; Ortiz, 1999; Silva, 2005) sinalizando um modelo de
pensamento que não opera através de pares opositores. Desde Roger Bastide tem-se
bastante claro que entre as comunidades-terreiro, as fronteiras entre sagrado e profano,
vida e morte, homens e deuses são borradas por uma certa continuidade e fluidez de
uma para a outra.
Para além de um exercício de alteridade, não apresentar estes vegetais a partir da
relação matéria-forma se mostra como um esforço em preservar a vitalidade dos modos
de ser do terreiro de umbanda, constituídos a partir de um sistema interativo em que
tanto a ideia de natureza como de cultura são simultaneamente elaboradas, de modo que
distingui-las ou separá-las entre polos opostos cria um certo alo distintivo qual a
cosmologia umbandista parece não se enquadrar. Neste aspecto, recuperar a categoria
'naturezacultura' de Donna Haraway (2003) mostra-se como um empenho analítico
comprometido com a condição observada em campo.
80
Dessa maneira, se a materialidade fornece uma referência para o diálogo sobre
plantas nas comunidades terreiro, minha experiência leva a crer que este referente
mostra-se eminentemente repetitivo (por vezes equívoco) caso seja tomado em função
de sua concretude; todavia, considerado como o contrário, a dimensão que pode-se ter
das ervas caminha no sentido de uma certa fluidez, que perpassa e se estende para além
do universo (ou "reino") vegetal.
81
8. Conclusão: a experiência que não cabe na prensa
Pode ocorrer a um grupo de biólogos a ideia de organizar um
colóquio sobre “estruturas” em biologia, mas jamais passaria por
suas mentes organizar um colóquio sobre o sentido da palavra
'estrutura' (Wolff, 1971:15).
Nesta análise sobre plantas e ervas foram apresentados três artigos que
demonstram, cada qual com metodologias e aportes teóricos próprios, algumas nuances
da relação entre religiosos umbandistas e o universo vegetal, sendo este um caminho já
trilhado por pesquisas anteriores, das quais a umbanda paulista ainda não conta com
investigações. Dessa forma, o empenho analítico se concentrou em suprir esta lacuna no
estudo das religiosidades afro-brasileiras em interface com as ciências biológicas.
O primeiro artigo apresentado se elabora a partir de particularidades da
"natureza" e da "cultura" e leva como horizonte argumentativo os significados e usos
das plantas a partir dos membros do Círculo de Irradiações Espirituais de São Lázaro,
terreiro de umbanda localizado na zona sul da cidade de São Paulo. Neste artigo foi
apresentado o levantamento de setenta e sete espécies botânicas, utilizadas em sete
diferentes usos, dentre os quais predominam os banhos de ervas, chás e defumações.
Particularidades desta relação homem-planta também puderam ser grifadas, como partes
vegetais mais comumente empregadas (ramos e folhas), a predominância de hábitos
(42% herbáceas, seguidas de 35% arbustos e 23% arvores) e locais de coleta (coletados
majoritariamente no interior do próprio terreiro, seguidos da coleta em vias públicas e
comércio - 48%, 18% e 17%, respectivamente).
Em complemento, o trabalho descritivo que caracteriza os dois artigos
subsequentes procuraram complementar uma questão que não coube na abordagem do
primeiro. Trata-se de uma suspeita que emerge de dissensões observadas em campo,
bastante simples e localizada em função das concepções deste terreiro: "o que é uma
planta?", ou, como preferi abordar, "o que é uma erva?". Ambos artigos tratam então de
discutir o estatuto ontológico vegetal em função dos modos de ser e viver próprios do
grupo acompanhado em campo.
82
Assim como todas as perguntas simples, que culminam em respostas
insuficientes ou demasiadamente complexas, foi esta argumentação que ocupou meus
pensamentos e labor durante a análise dos dados levantados.
A constatação do biólogo francês que abre essa sessão já alerta que, a princípio,
a análise especulativa não têm se mostrado como mote das investigações científicas
modernas. Para que não ficassem essencialmente na abstração, procurei responder esta
questão a partir de um empirismo extremo: descrevê-las e analisá-las pela ótica de seus
anunciantes, através de um esforço irredutível de não apresentá-las de modo
comparativo com os saberes científicos, tampouco pelo viés dos significados e da
cognição. Sabe-se bem que desde Francis Bacon a ciência tem se pautado pela análise
do "mundo em si" e, portanto, pela definição da noção de realidade e separação rigorosa
entre fato e interpretação. Abdicar desta condição, tão cara à minha formação, mostrouse fundamental para construir uma análise comprometida com as religiosidades afrobrasileiras, cujos modos de ser residem menos em acentuar oposições e mais em
enfatizar continuidades.
Foi atento a esta condição que no artigo dois procurei demonstrar que no terreiro
de umbanda as plantas são vivenciadas através de uma infinidade de outros materiais,
que supuram os supostos limites do corpo vegetal. Entre eles, extratos vegetais variados,
perfumes e incensos comercializados em lojas de artigos religiosos e até mesmo
refrigerante sabor guaraná são todos ervas, independentemente da presença ou não de
plantas em sua composição. Neste ponto, torna-se essencial ressaltar que no terreiro de
umbanda o corpo enquanto matéria-forma não é fixo, assim como parece ser para nós,
cientistas modernos. As relações e compromissos que os vegetais assumem com o
mundo ao seu redor é o que define se um vegetal será erva ou mato, ou seja, se terá ou
não utilidade ritual. Do mesmo modo, os materiais não-vegetais que intercambiam com
plantas na condição de ervas emergem destas relações. Ao invés de mostrar-se como
agente de separação, esta categoria se apresenta justamente como um instrumento de
encontro entre materiais diversos que compõe as práticas de rotina do terreiro CIESL.
O que a experiência em campo e a categoria erva pode revelar é que não existe
"natureza" fixa, mas sim relações que precedem e definem esta(s) natureza(s). Com essa
mesma condição pude concluir que não existem plantas fixas, tanto em epistemologias
como em ontologias.
83
Para demonstrar esta condição, no artigo três foram apresentadas duas situações
de campo complementares. Através da descrição de uma sessão de desobsessão pode-se
evidenciar que o universo umbandistas é composto por elementos de ontologias
variadas, que transitam entre mundos diferentes (porém não opostos) e absolutamente
conectados. Foram assim com as ervas de poder, que através do ato de plasmar puderam
ser trazidas do mundo xamânico para serem utilizadas em uma prática de cura na sessão
de medicina espiritual.
Ao fazer referência aos "diferentes mundos" procurei grifar justamente a
continuidade entre seres, tempos e espaços que caracterizam os modos de ser deste
grupo. Se no caso da desobsessão seguida de cura xamânica as plantas transitam entre
mundos, a partir de uma conversa que tive com a Preta Velha Vó Maria pode-se
perceber que estes vegetais são também passaportes para o trânsito de seres, nesse caso,
entre a cidade mítica Aruanda e o terreiro.
Tomada esta experiência como ponto de partida e não como conclusão, o
resultado deste meu exercício híbrido entre a prática e a reflexão é tão somente
provisório, e lança um esforço inicial no sentido de reaver (e refutar) o comentário do
biólogo que abre essa sessão.
Primeiramente, passo a questionar a pertinência de pensar o mundo a partir de
realidades comparáveis, tal como feito no primeiro artigo desta análise. Sendo honesto
com as concepções apreendidas em campo, entendo ser mais ponderado não comprimir
conceitos em modelos comparativos, mas sim, criar novos modelos analíticos,
substituindo a universalidade que engendra o pensamento científico moderno pelas
particularidades que o mundo constantemente nos revela.
Não menos importante, se a noção de realidade que grifei acima têm se mostrado
definida pela ótica das ciências modernas, me parece pertinente em estudos futuros
considerar os empenhos científicos lançados na construção deste mundo unívoco, qual
advogam sobre o nome de "natureza". Neste aspecto devo dizer que o esforço em
distinguir as categorias planta e erva não foi uma tentativa de instaurar uma separação
forçosa entre ambas, mas sim preservar a vitalidade e os compromissos que ambas
apresentaram, a primeira mais próxima dos cientistas que me acompanharam, a
segunda, dos religiosos umbandistas. Contudo, ressalto que ambos não são exclusos um
ao outro. Quero dizer que há uma certa "botânica" no terreiro, assim como uma certa
"fé" nas ciências modernas. Em outras palavras, estou longe de sugerir o predomínio do
84
social em função do natural, tampouco o inverso. Ambas são 'naturezacultura'
(Haraway, 2003) e para que pudessem ser melhor mensuradas, em paralelo aos
religiosos umbandistas, seria importante considerar o trabalho dos botânicos e
etnobotânicos que acompanharam esta pesquisa, seus mitos, como produzem realidades
e corpos, modos de perceber e saber sobre plantas.
Apresentar as ciências também como algo desmontável, subjetivo e passível de
análise, entendo como uma atitude elementar para configuração de novas ideias e que
passa, antes de tudo, por uma revisão dos termos, alianças e compromissos das próprias
ciências. Se a emergência do pensamento contemporâneo é, entre outros, a integralidade
entre diferentes formas de produzir conhecimento, com Umberto Eco tenho questionado
se é possível sermos "integrados" sem antes sermos "apocalípticos" e questionarmos os
paradigmas que nós, "cientistas em ação" (Latour, 2000), temos nos apoiado.
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm
devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num
fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais
ternura que um rio que flui entre 2 lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.
(Manoel de Barros)
85
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terreiro CIESL.
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