OFICINA - TECNOLOGIA Relato de experiência: 1o curso de Introdução à Informática para Pessoas com Síndrome de Down Patrícia Chaves de Carvalho, Sandra Carvalho Carabetti e Andréa Queiroga de Moura - PUC Minas - 1 Introdução Tradicionalmente, o atendimento às pessoas portadoras de deficiências era realizado de forma assistencial. A deficiência era vista como uma doença crônica, e o seu portador, como um ser inválido e incapaz; deveria ficar aos cuidados da família ou de instituições especializadas, pouco podendo contribuir pa-ra a sociedade. O desenvolvimento da psicologia e de ou-tras ciências afins, assim como o progresso tecnológico nas mais diversas áreas, gerou propostas educacionais alternativas que mostram que esses indivíduos podem aprender e ter uma participação mais ativa na vida comunitária. Assim, considerando a importância da integração desses indivíduos ao ambiente que os cerca e pensando no computador como um meio de superação, pelo menos parcial, de suas deficiências, sentimo-nos motivadas a oferecer um curso de Informática a jovens com necessidades educativas especiais. Experiências várias, apresentadas em congressos, seminários, relatos orais e escritos, assim como a nossa própria experiência, nos têm apontado ganhos significativos nas áreas cognitiva afetiva e social das pessoas portadoras de necessidades especiais, que fazem uso do computador. Pretendemos relatar aqui a nossa experiência com um primeiro grupo de trabalho. 2 Objetivo Verificar as possibilidades do uso do computador no desenvolvimento cognitivo e socioafetivo de indivíduos com síndrome de Down. 3 Metodologia Este trabalho refere-se a seis meses de sessões com um grupo de doze sujeitos com síndrome de Down em interação com o computador. 1 Os sujeitos têm idades entre 14 e 38 anos: 7 do sexo masculino, e 5 do sexo feminino, indicados pela instituição Família Down. Esta colocou como condição que os sujeitos que se apresentassem para fazer o curso, já fossem alfabetizados e tivessem pais que demonstrassem acreditar nesse investimento para seus filhos, o que conseqüentemente diminuiria a possibilidade de o curso vir a ser abandonado. Não parte dos alunos a idéia desse abandono, mas dos pais, que têm pouca expectativas nos resultados do trabalho. Dos 12 alunos iniciantes, 2 já possuíam alguma experiência no uso do computador; somente 7 ainda freqüentavam escolas especializadas; 5 já haviam abandonado essas escolas, no entanto, desenvolviam atividades paralelas como natação, cerâmica, entre outras. Apesar de alguns alunos freqüentarem séries mais avançadas como a 3a e a 4a séries do ensino fundamental, seu desenvolvimento cognitivo se apresentou abaixo da média dos alunos que freqüentam tais séries no ensino regular. Inicialmente o trabalho se organizou em três sessões semanais de 60 minutos; posteriormente foi alterado para duas sessões de 90 minutos, visto que o tempo das sessões iniciais se mostrava pequeno para o bom andamento das atividades. Nas primeiras sessões, trabalhamos principalmente com jogos e softwares educativos com o objetivo principal de avaliar o desenvolvimento cognitivo dos alunos, tais como habilidades de leitura e escrita e competência no uso do teclado e manuseio do mouse. Verificamos que, devido à diversidade da turma principalmente no que dizia respeito ao processo de leitura e escrita, teríamos de propor, em um primeiro momento, atividades variadas e mais diversas, visando atender às necessidades de cada um. Nas sessões posteriores, priorizamos um trabalho mais livre com editores de textos e gráficos, atendendo aos interesses dos sujeitos, mas fornecendo-lhes a oportunidade de confronto com textos diversos: jornais, letras de músicas, poesias, histórias, etc. Ao longo de todo o processo, reservamos um momento inicial de cada aula, para a "rodinha", em que cada indivíduo tinha a oportunidade de expressar seus desejos, partilhar sentimentos e experiências vivenciadas no dia-a-dia. Procuramos ao máximo valorizar esses momentos e, sempre que possível, aproveitávamos os interesses de cada aluno para o desenvolver alguma atividade como, por exemplo, a digitação, elaboração e criação de textos, tendo como objetivo final a execução de um jornal, o que se mostrou um trabalho rico, fruto de um processo de muita expectativa e envolvimento dos sujeitos. 4 Resultados Como resultados de nosso trabalho, apontamos progressos obtidos em relação a: • Reconhecimento e correção de erros de grafia, assim como de pequenos detalhes na acentuação; • Organização lógica do pensamento o que resultou em textos mais elaborados, coerentes e criativos; • Capacidade para de concentração e independência em relação aos professores/facilitadores; 2 • Autonomia na construção do conhecimento, já que o "explorar"permitiu uma gama variada de opções e propiciou descobertas; • Socialização, decorrente da oportunidade de cada aluno se expressar, principalmente devido as suas trocas nas "rodinhas"; • Diversificação dos campo de interesses; • Facilidade de expressão de sentimentos e vivências de conflitos, conseqüentemente maior resistência a frustrações. • Melhora da auto-estima, visto que apesar das dificuldades de coordenação motora, através do computador desenhos e textos dos alunos ficavam mais decifráveis, trazendo-lhes segurança, satisfação e prazer. Além disso, o indivíduo se sentia valorizado por deter um conhecimento que muitas vezes não era de domínio dos pais e irmãos; • Oportunidade de realização de pequenos trabalhos, o que permitiu a inserção de dois alunos no mercado de trabalho informal; Outro aspecto indireto, mas não menos significativo que podemos observar, foi que os pais dos alunos se tornaram mais ativos e participantes em decorrência dessa conquista; com isso, conseguiram vislumbrar outras possibilidades para seus filhos e para si próprios. 5 Considerações finais Conforme salienta Emília Ferreiro (1995), a aprendizagem se processa pela exposição a um ambiente lúdico, motivador e favorável, passível de propiciar um envolvimento afetivo. O computador é uma ferramenta que, por ser novidade, apresenta grande potencial de motivação, ainda mais entre sujeitos que apresentam resistências advindas de fracassos anteriores em outros meios da aprendizagem. Muitos indivíduos que caminham numa estrada de sucessivos fracassos tendem a esconder o que sabem. Diante dessa ferramenta que não os ameaça, acabam desfazendo-se de suas defesas e assim conseguem dar um grande passo para reconquistar o seu "saber". (Fernández, 199-) Outro aspecto importante que advém do uso do computador e que por nós foi verificado, refere-se a uma nova postura diante da idéia de erro. Segundo Flores (1996), a facilidade de recuperação de uma informação armazenada assim como a rapidez com que se modifica um registro anula a antiga imagem do erro, que passa a representar para seus usuários apenas como uma exploração que não deu certo e permite uma nova direção na construção do conhecimento. Além disso, permite ao professor a avaliar e perceber dificuldades específicas do aluno, que o mesmo acompanha o processo passo a passo, através dos movimentos registrados no computador. Assim, o professor pode orientar e intervir de maneira mais concreta e com mais êxito. Outro elemento importante no uso do computador é a interatividade, que permite organizar, sustentar e orientar, em uma determinada direção, a atividade do sujeito de acordo com o cenário do software. Sua força está na interação, na possibilidade de atuação, criação e construção, deixando-o em vantagem em relação aos demais recursos didáticos. 3 Para finalizar, cumpre ressaltar além do papel do computador como recurso didático, a relação o professor/aluno. Apesar de tão questionado e discutido, o professor ainda abriga a imagem de "dono do saber". Em um trabalho com o computador, esse saber já apresenta um diferencial, visto que também para o professor, a ferramenta é uma novidade em termos de potencialidades, o que resulta numa postura, inclusive física, mais igualitária em relação ao aluno. Acreditamos que o uso do computador como uma ferramenta didática pode transformar essa relação em profundidade, tornando professores e alunos parceiros, proporcionando, assim, o crescimento de todo o processo ensino/aprendizagem. (Parcerias: Instituição Família Down, Colégio Soma, SETASCAD - Secretaria do Trabalho e Ação Social da Criança e do Adolescente) 6 Referências bibliográficas FERNÁNDEZ, A. Inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas, 199-. FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. 19. ed. atual. São Paulo: Cortez, 1991, (Coleção Polêmicas do nosso tempo; v. 17) FLORES, Angelina Marçal. A informática na educação: uma proposta pedagógica. Tubarão, 1996, Coordenadoria do Curso de Especialização em Informática, (Monografia, Especialização em Informática) MARQUES, Cristina P. C., MATTOS, M. Isabel L. de, TAILLE, Yves de la. Computador e ensino: uma aplicação à língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Ática, 1995. OLIVEIRA, Vera Barros de, (Org.). Informática em psicopedagogia. São Paulo: SENAC, 1996. VALENTE, J. A. (Org.). Liberando a mente: computadores na educação especial. Campinas: Unicamp, 1991. 4