UNIVERSIDADE DE MARÍLIA MESTRADO EM COMUNICAÇÃO A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE TEXTOS A PARTIR DE CANÇÕES DE CAETANO VELOSO LILIANE SCARPIN DA SILVA STORNIOLO MARÍLIA - SÃO PAULO 2006 UNIVERSIDADE DE MARÍLIA MESTRADO EM COMUNICAÇÃO A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE TEXTOS A PARTIR DE CANÇÕES DE CAETANO VELOSO LILIANE SCARPIN DA SILVA STORNIOLO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Comunicação, Strictu área de Sensu em concentração Mídia e Cultura, para obtenção do título de Mestre, sob a orientação da Profª Drª Suely F. V. Flory. MARÍLIA- SÃO PAULO 2006 UNIVERSIDADE DE MARÍLIA MESTRADO EM COMUNICAÇÃO A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE TEXTOS A PARTIR DE CANÇÕES DE CAETANO VELOSO LILIANE SCARPIN DA SILVA STORNIOLO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Comunicação, área de concentração Mídia e Cultura. Linha de pesquisa: Ficção na mídia , para obtenção do título de Mestre, sob a orientação da Profª. Suely F. V. Flory. Aprovado em: 28/06 /2006. BANCA EXAMINADORA Prof.ª Drª Suely Fadul Villibor Flory Prof.ª Drª Lúcia Correia Marques de Miranda Moreiras Prof. Dr. Adolpho Carlos Françoso de Queiroz Nota Obtida: DEZ (10) Agradecimentos Agradeço a Deus por me dar coragem, iluminar minha mente sempre e me proteger por essas estradas, principalmente nos dias que o cansaço me dominava. À minha querida orientadora Suely Flory que nunca me deixou sem respostas, mesmo nos momentos difíceis pelos quais passou. À minha família que sempre me encorajou com palavras e atos carinhosos, especialmente minha irmã Sandra, minha avó Lileta (In Memorian), minha tia Sueli e meus primos, amigos e irmãos Alan, Joel, Daniel , Neto e Mara. Ao meu esposo Djalma que teve extrema paciência comigo, sempre me apoiou, incentivou, acreditou em minha capacidade de superar obstáculos. À minha amiga, mãe, irmã Rita de Cássia que é um anjo em minha vida. Agradeço pelos conselhos que recebi das minhas amadas amigas Kátia e Maristela que sempre sabiam o que dizer para que eu “acordasse” durante minhas crises existenciais. Aos meus amigos: Marcos, Robinson, William, Maristela Mascari, Alessandra, Ana, Aline, Rosa, Arlete, Nilcéia, Célia, Cássia, Samanta, Helena, Harumi, Luciana Montanari, Maria Nilcéia, Celinha, Luciani e João Paulo agradeço por me suportarem e me socorrerem durante momentos muito difíceis, agradeço por acreditarem na minha capacidade intelectual e de superação e me “levantarem” todas às vezes que “caí”. Agradeço ainda aos meus amigos e companheiros de trabalho Sônia, Márcia, Telma e Edval que muitas vezes me ouviram e me incentivaram. Finalmente agradeço a todas as pessoas que de uma forma ou de outra contribuíram para que eu chegasse ao final de mais uma etapa de minha vida. Resumo Esta pesquisa apresenta os resultados da utilização das canções de Caetano Veloso, como estratégia de sensibilização para produção de textos de alunos do último ano do Ensino Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio tendo como apoio metodológico teorias da Estética da Recepção, que analisam o texto verbal a partir do receptor. A música sempre esteve presente na vida do ser humano e o adolescente dificilmente criará resistência para utilizá-la em sala de aula.O estudo das canções torna-se uma maneira prazerosa e lúdica de aprender algo que os jovens julgam difícil, ou seja, a produção de qualquer tipo de texto que o professor proponha em sala de aula. O cantor e compositor Caetano Veloso é um ícone da Música Popular Brasileira, está sempre presente no cenário midiático, escreve poemas musicais com uma linguagem mesclada entre o erudito e o popular, reúne em sua obra momentos históricos de nosso país e utiliza-se de elementos intertextuais com maestria e, por esse motivo, resolvemos utilizar seus textos e músicas para a sensibilização do nosso público-alvo. As estratégias utilizadas neste trabalho têm como suporte as linhas de pesquisa da Estética da Recepção de Wolfganger Iser e Hans Robert Jauss e uma complementação da lingüística e da semiótica que trata da relação do receptor com o texto, que lê dos teóricos Mikail Bakhthin, Umberto Eco, entre outros. Palavras-chave: mídia; receptor; música popular brasileira; vazios; dialogismo. Resumen Esta pesquisa presenta los resultados del utilización de las canciones de Caetano Veloso, como estrategia de sensibilización para la producción de textos de alumnos del último año del enseñanza general básica y del primero y tercero año del bachillerato unificado, tiendo como apoyo metodológico teorias de la Estética de la Recepción, que analizan el texto verbal a partir del receptor . La música siempre estuvo presente en la vida del ser humano y los adolescentes difícilmente criaran resistencia para utilizarla en clases de aulas. El estudio de las canciones tornase una manera placentera y lúdica de abordar temas y proponer tareas que los jovenes consideren difíciles, o sea, la producción que cualquier tipo de texto que el profesor solicite en clases de aulas. El cantor y compositor Caetano Veloso es un ícono de la Música Popular Brasileña, esta siempre presente en el escenario mediático, escribe poemas musicais con una lenguaje mezclada entre el erudito y el popular, reúne en suas obras momentos históricos de nuestro país y se utiliza de elementos intertextuales con maestria y, por ese motivo, resolvimos utilizar sus textos y músicas para sensibilización del nuestro público- objetivo. Las estratégias didacticas-pedagógicas utilizadas en este trabajo tienem como suporte teóricos los estudios sobre la Estética de la Recepción, de Wolfgang Iser y Hans Robert Jauss y una complementación de los estudios de lingüística y de semiótica que trata de la relación del receptor con o texto que lee de los teóricos Mikail Bakhtin, Humberto Eco, entre otros. Palabras-clave: medía; receptor; música popular brasileña; vacíos; dialogismo. Sumário INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9 1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ........................................................................... 16 1.1 O texto e o leitor ............................................................................................... 16 1.2 O dialogismo nas canções de Caetano Veloso ................................................ 22 2 A TRAJETÓRIA DE UMA VIDA FILTRADA PELA MÍDIA .................................. 26 2.1 A relação com a mídia através dos anos .................................................... 26 2.2 Uma entrevista com ou sem pretensões .................................................... 32 2.3 A folia soteropolitana de Caetano Veloso .................................................. 33 2.4 O bem que Caetano faz .............................................................................. 35 3 A INTERTEXTUALIDADE NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO ................ 38 3.1.1 Análise interpretativa das canções ........................................................ 39 3.1.2 Texto 1- “Livros” .................................................................................... 39 3.1.3 Texto 2- “Sou seu sabiá” ....................................................................... 47 3.1.4 Texto 3- “Os argonautas” ...................................................................... 55 3.1.5 Texto 4- “José” ...................................................................................... 58 3.1.6 Texto 5- “Outro retrato”.......................................................................... 63 3.1.7 Texto 6- “Língua” ................................................................................... 64 3.1.8 Texto 7- “Pra ninguém”.......................................................................... 72 4 A MÚSICA COMO ESTRATÉGIA NA SENSIBILIZAÇÃO PARA A PRODUÇÃO DE TEXTOS ................................................................................................................. 78 4.1 A Música ..................................................................................................... 78 4.2 Descrição das Estratégias Metodológicas da Aplicação das Canções como tema de produção de textos.............................................................................. 82 4.3 Avaliação de Recepção das Canções......................................................... 96 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 98 6 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 101 6.1 Bibliográficas ......................................................................................... 104 6.2 Consultas on- line...................................................................................104 6.3 Discografia ............................................................................................. 105 9 INTRODUÇÃO Destino eu faço, não peço Tenho direito ao avesso Botei todos os fracassos Nas paradas de sucesso. (VELOSO, 2003,p. 261) Esta pesquisa apresenta os resultados da utilização das canções de Caetano Veloso em sala de aula, como estímulo e estratégia de sensibilização à produção de textos por alunos do Ensino Fundamental e Médio, tendo como apoio metodológico teorias da Estética da Recepção, que analisam o texto verbal a partir do receptor. O cantor e compositor Caetano Veloso não foi escolhido por acaso. Como podemos notar na citação acima, ele desafia situações, através de provocações em suas letras e suas canções. É um ícone da MPB (Música Popular Brasileira) com grande poder de comunicação e interação com seu público, trabalhando com as palavras de modo peculiar e escrevendo poemas que, posteriormente, são cantados. Caetano fala: efusivo, excessivo, longe da economia restritiva da escrita. A fala irradia-se largamente em reflexões que se constróem–desconstróem. É, então, uma maneira de cantar: abre-se aos ritmos, às melodias, inflexões, modulações, repetições.(FERRAZ, 2003,p. 12) As estratégias utilizadas têm como suporte as linhas de pesquisa da Estética da Recepção e recebem uma complementação dos estudos de Lingüística e de Semiótica que tratam da relação do receptor com o texto que lê. Os teóricos que fundamentam esta pesquisa são: Mikhail Bakhtin1; Wolfgang Iser; Hans Robert Jauss2 e Umberto Eco3 que vêem e estudam, na produção de 1 A prosa foi o grande tema do lingüista russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) , mas ele também teorizou sobre a poesia, se não extensivamente, pelo menos intensivamente em alguns momentos. Introduz nos estudos literários, os conceitos de polifonia, intertextualidade, dialogismo, entre outros. 2 Hans Hobert Jauss e Wolfgang Iser são os dois grandes nomes da Estética da Recepção, teoria desenvolvida na Universidade de Constanza ( Alemanha), nos anos 60 / 70, que aborda uma noção dinâmica do leitor, ouvinte ou espectador como fator essencial à constituição da obra literária ficcional. 10 textos, estratégias de interação com o leitor que prevêm os movimentos (respostas) do outro, ou seja, um texto, desde a sua geração, tem mecanismos de inserção do leitor no próprio discurso narrativo, como parceiro de um diálogo com o autor. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é,em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia em mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.(Bakhtin,1995,p.113) Sobre a relação entre locutor e interlocutor na mídia diz Thompson: Devemos abandonar a idéia de que os destinatários dos produtos da mídia são espectadores passivos cujos sentidos foram permanentemente embotados pela contínua recepção de mensagens similares. Devemos também descartar a suposição de que a recepção em si mesma seja um processo sem problemas, acrítico,e que os produtos são absorvidos pelos indivíduos como uma esponja absorve água. Suposições desse tipo têm muito pouco a ver com o verdadeiro caráter das atividades de recepção e com as maneiras complexas pelas quais os produtos da mídia são recebidos pelos indivíduos, interpretados por eles e incorporados em suas vidas.... No intercâmbio comunicativo de uma interação face a face, o fluxo de comunicação tem mão dupla: uma pessoa fala, a outra responde, e assim por diante.Em outras palavras, os intercâmbios numa interação face a face são fundamentalmente dialógicos. (THOMPSON, 2004,31) Pudemos notar pelas palavras de Thompson que suas idéias sobre a recepção assemelham-se à teoria bakhtiniana que afirma não haver comunicação que proceda apenas de um falante, mas sim que esse necessita de um interlocutor para a quem transmitir a mensagem. Bakhtin fala que as palavras têm “duas faces” enquanto Thompson refere-se a essa relação como “face a face”. Em ambos os 3 Umberto Eco (Alessandria, Itália, 1932). A princípio, dedicava-se principalmente a trabalhos de Estética, com aceitação por parte dos estudiosos. Trabalhou como professor de Comunicação Visual em Florença e de Semiótica em Milão, realizando diversos estudos sobre o papel da recepção e do ato de ler.. Nessa época, escreveu muitos ensaios e livros sobre semiótica. Na ficção, obteve grande êxito com o romance O Nome da Rosa (1981), O Pêndulo de Foucault (1985), A ilha do dia anterior (1989), entre outros. 11 casos a alteridade e a relação entre “o dito” e o “não dito” são imprescindíveis para que se construa um significado complexo que possibilitaria a configuração do sentido do texto. O autor, quando escreve, tem em mente um tipo de leitor (leitor ideal) que possa entender todo o significado que cada significante estará transmitindo. Na maioria das vezes, porém, quem lê o texto não é esse tipo de leitor, pois cada leitor transporta para o texto seus conhecimentos prévios de mundo, ou seja, tudo o que tem significado para ele. Portanto, quando Bakhtin diz que a palavra é semi-alheia refere-se à relação entre o mundo, o autor e o leitor.“Diria que um texto é um jogo de estratégias mais ou menos como pode ser à disposição de um exército para uma batalha”. (ECO, 1.984,p.9) Segundo Umberto Eco, (1986,p. 36), o autor prevê seu leitor (leitor modelo) e age no sentido de organizar o texto para que ocorra um tipo de leitura, que ele considera adequada às suas intenções e, para isso, utiliza estratégias textuais, as mais diversas, dos estudos lingüísticos às ideologias, envolvendo forma e conteúdo. O mundo oferece o universo das palavras e o autor utilizar-se-á delas, de acordo com a sua ideologia e com a sua bagagem cultural. Para que um texto se torne vivo, presentificando-se através do ato da leitura, é necessário que o receptor acredite que o autor tem algo a dizer, caso contrário, não o lerá. Além disso, fará sua leitura sempre de acordo com sua ideologia e com seu conhecimento de mundo. Para analisar um texto é necessário que façamos sua desconstrução para que, posteriormente, possamos reconstruí-lo com a nossa interpretação, que será baseada em nosso repertório, valores e cosmo- visão. O texto possibilita uma leitura horizontal – sintagmática- e uma leitura verticalparadigmática. Em ambas, quando os vazios aparecerem, o leitor deverá preenchêlos buscando respostas às suas dúvidas, em seus conhecimentos lingüísticos e sociais, em suas crenças, preconceitos, medos e esperanças. No entanto, não se pode aceitar uma leitura aleatória, que não seja pertinente à intenção do autor e assim sendo, deve seguir parâmetros, ter limites impostos pela própria narrativa e suas estruturas lingüísticas e ideológicas. Como já dissemos, o autor constrói seu discurso dentro de seu mundo de valores e quando seu texto encontra o leitor cria-se um contexto, onde há interação entre interlocutores, cabendo ao receptor analisar as estratégias utilizadas pelo 12 emissor para que haja interação entre ambos. Cada teórico denomina o leitor que interage com o texto de uma forma diversa, sob um ângulo diferente: “Arquileitor”- leitor assíduo de determinados autores, que tem familiaridade com as estratégias estilísticas do emissor. A soma de suas leituras sobre um mesmo autor torna-o um “Arquileitor” (RIFFATERRE,1971); leitor “informado” desenvolve processos em que os textos são atualizados pela recepção através da interação texto / leitor de determinadas comunidades interpretativas (FISH,1967);o leitor “implícito” que se encontra previsto nas estratégias textuais (ISER,1974) e “leitor modelo” (ECO,1979) que é aquele que o autor tem em mente quando escreve, um tipo de receptor idealizado 4 pelo “emissor.” A interpretação de um texto, mesmo podendo provocar inúmeras interpretações, impõe seus limites, não pode ser entendida como um mero ato de decodificação, mas como um espaço de construção de sentido, onde um signo exprime uma organização de significantes os quais, além de ter como designar um objeto-significado, designam também instruções para a produção de uma significação. O ato de interpretar, para Eco, estaria na tarefa semiótica de compreender como se produz e como são construídos os significados para seu leitor modelo. O conceito de leitor implícito, desenvolvido por Wolfgang Iser, parte da noção de concretização, que se traduz em duas vertentes: de um lado a do horizonte de expectativas lançado pela obra, configurando-se no efeito (Wirkung) predeterminado pelo texto, o qual transmite orientações prévias, inalteráveis sobre certos aspectos, pois a obra tem que manter uma unidade estrutural; de outro lado temos a segunda vertente, a recepção de cunho extra-literário, condicionada pelo leitor, que colabora com suas experiências pessoais para fornecer vitalidade à obra e manter com ela uma relação dialógica. É a recepção da obra por diferentes comunidades interpretativas, em diferentes épocas, pertencentes a diversas camadas sócioeconômicas, estudada por Stanley Fish em suas obras e retomada pelos teóricos de Constanza, anos depois, tanto Iser como Jauss. 4 - Apostila da disciplina: Estética da Recepção; os vazios do texto e a interatividade do receptor, ministrada pela profª Drª Suely F. V. Flory. Mestrado em Comunicação-UNIMAR-2.004/ 1º Semestre 13 Wolfgang Iser considera como um dos pontos teóricos básicos da Estética da Recepção a comunicação transmitida pela obra desde a sua estrutura, que necessita de um leitor para a construção do seu sentido. Um texto só se presentifica, só “existe”, através do ato da leitura. As estruturas e estratégias textuais prevêem o leitor. É a teoria do efeito estético5 desenvolvida em sua obra O ato de ler. Iser concentra-se nos efeitos que os vazios do texto, as insinuações, ironias, o não dito, os subentendidos, provocam na consciência de um leitor ideal. O texto, produto de uma combinação de linguagem e de sentido, apresenta um espaço implosivo de vazios e carências que possibilitam a inauguração de um processo de comunicação. Estes vazios são os responsáveis pelas diferentes perspectivas de representação, levando o leitor a fazer uma coordenação durante o processo de leitura. As carências, ausência de elementos determinantes que são apenas insinuados no texto, condicionam o posicionamento dos leitores na ótica da Estética da Recepção, permitindo-lhes compreender o sentido e a forma da obra literária pela variedade histórica das suas interpretações. Exige, por outro lado, que a obra individual seja introduzida na seqüência literária adequada, o que permitirá reconhecer o seu papel histórico no contexto das leituras experimentadas pela literatura “séria” e, só assim conseguiremos captar todo o seu potencial criativo. Hans Robert Jauss, por sua vez, afirma que a primeira impressão que o leitor tem frente ao texto é o estranhamento e que a recepção apresenta-se no intercâmbio de três etapas: a compreensão, a interpretação e a aplicação. A primeira inicia a leitura, é fundamentada na lógica da pergunta e da resposta. A segunda trata da leitura retrospectiva que pressupõe a percepção estética enquanto précompreensão, já que somente podem ser concretizadas, significações que se manifestem ao intérprete, como perspectiva de uma leitura histórica reconstruída, à qual o texto respondia na época em que foi escrito, e a terceira aplicação é a significação do texto em relação a um leitor específico. Jauss enfoca o conceito de experiência estética, desenvolvido em seu artigo “O prazer estético e as experiências fundamentais da Poiesis, Aisthesis e Katharsis” (apud COSTA LIMA, 1979), assinalando a denominação da filosofia, da religião e da metafísica platônica do belo, deixando em aberto as ambivalências que tais critérios 5 A teoria do efeito estético estuda como o texto prevê o seu leitor, inserido no próprio discurso narrativo. É o outro, o interlocutor que interage com o emissor através do ato de ler. ISER, Wolfgang, O ato de ler.2v.São Paulo,Editora 34, 2000 14 propunham. Pede o resgate hermenêutico da necessidade da experiência estética do leitor e junta-se ao idealismo, denunciando a visão da arte moderna como mercadoria. Jauss define a experiência estética agrupando-a em três categorias fundamentais: poiesis, aisthesis e katharsis – analisando, em três abordagens, os diferentes graus de envolvimento do receptor, arrebatado pelos sentidos no ato de ler. Se os vazios do texto ficcionais orientam (os atos de representação do autor) contra o pano de fundo da linguagem pragmática, contribuindo para a desautomatização das expectativas habituais do leitor, então este precisa reformular para si o texto formulado, a fim de ser capaz de recebê-lo. Quanto maior a quantidade de vazios, tanto maior será o número de imagens construídas pelo leitor. (COSTA LIMA, 1.979 ,p. 105) Ao trabalharmos com a análise na perspectiva da Estética da Recepção não podemos jamais dissociar o dialogismo e a intertextualidade, pois são componentes fundamentais de tal análise, uma vez que a Estética da Recepção está atrelada à análise do discurso, às estratégias estruturais e lingüísticas do texto, a par das visões de mundo do emissor e do receptor. Nesta pesquisa é fundamental falarmos sobre o dialogismo de Mikail Bakhtin, uma vez que se trata de uma pesquisa ancorada na análise da recepção de textos, por alunos do Ensino Fundamental e Médio e, portanto, de relações dialógicas que se estabelecem entre as canções analisadas e seus receptores.“Tudo se reduz ao diálogo, à contraposição dialógica enquanto centro. Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida.” ( BAKHTIN,1978,p.123). Compreendendo o que Bakhtin nos diz na citação acima, buscaremos edificar nossa pesquisa na comunicação que só ocorre quando “um” diz algo a “outro” e espera ser compreendido. Esta pesquisa divide-se em cinco capítulos que dialogam entre si apresentando teorias e suas aplicações: no primeiro capítulo, são abordados os pressupostos teóricos que dão suporte à pesquisa, enfocando a Estética da Recepção e os conceitos de dialogismo e repertório do receptor. O texto só faz sentido quando lido, portanto, nesse capítulo analisaremos como os adolescentes 15 recebem e lêem as canções de Caetano Veloso e as estratégias que utilizam para “dialogar” com elas acrescentando seus conhecimentos prévios. No segundo capítulo, é apresentada a relação que Caetano Veloso tem com a mídia, sempre muito conturbada, repleta de polêmicas. A relevância deste capítulo dá-se pela necessidade do conhecimento de um pouco da história do autor pelos adolescentes. Nesse capítulo, Caetano Veloso, que é considerado pela mídia um campeão de entrevistas, apresenta-se em uma entrevista e são mostrados pontos de vista de jornalistas em relação ao compositor. Caetano é um artista multimídia, portanto os adolescentes já tiveram contato com ele através de algum veículo midíático, esta é a razão do presente capítulo. No terceiro capítulo, enfoca-se a questão da intertextualidade atrelada ao dialogismo, fundamental para a análise das canções de Caetano Veloso. Nesse capítulo as canções são desconstruídas e posteriormente reconstruídas com informações sobre a funcionalidade dos intertextos usados amplamente, por Caetano Veloso. No quarto capítulo, efetua-se a aplicação das teorias descritas nos capítulos anteriores. O trabalho é feito com alunos do último ano do Ensino Fundamental e com alunos da primeira e terceira séries do Ensino Médio que analisaram as canções de Caetano Veloso e posteriormente compuseram seus textos. Trata-se de um trabalho de prática em sala de aula e as séries escolhidas para amostragem são séries em que pudemos trabalhar, efetivamente, visto que são classes regidas por nós. Na última parte, Considerações Finais, apresenta-se o resultado baseado em análise de dados, uma vez que nos fundamentamos no material produzido pelos alunos do Ensino Fundamental e Médio. São textos diversos produzidos pelos alunos em sala de aula, a partir de estudos de recepção de canções de Caetano Veloso e baseado nos temas e intertextos analisados em suas composições. Considera-se, nesta dissertação, a extrema importância da utilização de metodologias diferenciadas para o ensino de redação, visto que, cada vez mais, os adolescentes estão perdendo a habilidade da escrita pela facilidade propiciada pelo avanço tecnológico e pela síntese “telegráfica” da linguagem da Internet. A utilização de canções une o interesse dos alunos que “curtem” o som, com sua necessidade de conhecimento, preenchida pela riqueza textual das canções de Caetano Veloso. 16 1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 1.1 O texto e o leitor Abordam-se neste capítulo algumas estratégias de análise do discurso, através da Estética da Recepção e do estudo de aspectos lingüísticos, tendo em vista o papel do Enunciador (sujeito) e do Enunciatário (objeto) na composição de letras de músicas de Caetano Veloso, analisadas como texto poético. Segundo Iser, o processo comunicativo entre texto e leitor ocorre na interação entre ambos, isto é, as exigências daquele e as respostas deste. Contudo é imperativo destacar as diferenças existentes entre interação texto-leitor e interação interpessoal. Nas relações interpessoais, há uma atividade interpretativa da imagem do outro, ou seja, as pessoas, ao se comunicarem, procuram agir de acordo com aquilo que acreditam serem as expectativas do interlocutor, embora seja impraticável corresponder totalmente, tendo em vista a impossibilidade de conhecê-las em profundidade. Paradoxalmente, essa impossibilidade funciona como elemento propulsor de ações interpretativas, isto é, na relação face a face, por exemplo, valemo-nos de perguntas e respostas, na tentativa de superar prováveis contingências, que comprometeriam a comunicação e, no texto escrito, com uma relação “In absentia”6, precisamos suprir essa ausência pelas estratégias discursivas. O que poderia designar de “estranhamento” objetivado pela interação dos segmentos das mais diversas áreas de conhecimento do texto, é denominado pelo autor de “valor estético” (p. 137). A tarefa do leitor consiste em formar, a partir desses segmentos, uma nova e coerente combinação (“sistema de equivalências”) que não é formulada no próprio texto. Chama-se isso de “objeto estético”. Nesse trabalho individual, o leitor naturalmente é guiado pelo texto, principalmente pelas ”estratégias textuais”; mas já as alusões literárias, ainda pertencentes ao repertório, indicam a direção que a formação do sistema de equivalências deve seguir. Portanto,a parte do repertório, derivada da tradição literária, assumiria a função de uma primeira indicação para a apropriação, a partir dos sentidos da época. ( COSTA LIMA, 2002,p. 996,v.2) 6 absentia, -ae, subst, f. Ausência, afastamento. (FARIA, 1988,p.17) 17 Na relação texto-leitor, em que o confronto face a face é impossível, há um desequilíbrio, provocado pelos “vazios” (Wolfgang Iser), que são fundamentais no processo de interação. Eles assinalam a quebra das conexões dos segmentos textuais, ou seja, deixam espaços que devem ser conectados, de acordo com o ponto de vista do leitor, enriquecendo sua atividade imaginativa. Também impõem dificuldades ao leitor, induzindo-o a se afastar de um contexto de ações pragmáticas, para construir uma significação que gere um sentido decorrente de suas próprias projeções interpretativas. Assim, os vazios ampliam o leque de possibilidades de significação das conexões dos segmentos textuais e, conseqüentemente, da atividade imaginativa do leitor, e essa atividade é controlada pelo autor, pois oferece um objeto dado, uma situação pré-determinada, de acordo com os valores do público visado. Os vazios do texto são as palavras “não-ditas”, os subentendidos nas entrelinhas, ou seja, idéias sugeridas pelo texto ou intuídas pelo leitor como espaços abertos para a plurissignificação, levando o receptor a participar da construção do texto através de suas atividades de interação. O prazer da experiência estética, como apontamos anteriormente, dá-se, para Jauss, em três níveis intercambiáveis: poiesis, aisthesis e katharsis. A poiesis corresponde ao prazer estético decorrente da participação do leitor na compreensão do texto, pois ajuda a construí-lo, preenchendo seus vazios, completando e presentificando a significação textual através de suas projeções pessoais. A aisthesis designa o prazer do conhecimento do belo, do contato com a arte, com a mudança decorrente do prazer de contemplar a perfeição, que nos permite usufruir a própria arte. A katharsis é a possibilidade de identificação do leitor com as personagens,conflitos e idéias transmitidas pelo texto. O leitor vê-se retratado nos dramas vividos pelas personagens; sente-se liberto dos seus problemas cotidianos e imerso na ficção, o que o faz voltar-se sobre si mesmo e identificar-se com as emoções vividas pelos actantes (aqueles que atuam) da trama ficcional. Para alguns lingüistas, como Benveniste e Ducrot em seus estudos, inicialmente o que transformava a língua em discurso era a enunciação: o autor é dotado de uma atividade psicológica necessária à produção do enunciado; o autor é a origem dos atos ilocutórios, realizados na produção de um enunciado, afinal, é 18 com o autor que o texto se inicia, portanto é uma produção solitária. Posteriormente, Ducrot combate esse tipo de sujeito, ao propor a teoria da polifonia. Na terceira época da Análise do Discurso, Pëcheux apresenta uma tentativa de caracterização do que chama de “discurso do outro”: O discurso de um outro, colocado em cena pelo sujeito, ou discurso do sujeito se colocando em cena com um outro? ‘(c.f. as diferentes formas de ‘heterogeneidade mostrada )’: mas também, e, sobretudo a insistência de um ‘além’ interdiscursivo que vem aquém de todo autocontrole funcional do ‘ego-eu’ instala-se, ao mesmo tempo, em que se desestabiliza (nos pontos de deriva em que o sujeito passa no outro, onde o controle estratégico de seu discurso escapa-lhe) Uma outra evidência de que há dúvidas pode ser vista nesta outra pergunta: o sujeito seria aquele que surge por instantes, lá onde o ‘ego-eu’ vacila?(PÊCHEUX ,1983, p. 316-7 ) A intertextualidade tem um papel fundamental mostrando que “cada texto é um tecido de textos, aquele jogo aberto de uma intertextualidade flutuante na ‘luta entre homens e símbolos’”. (COSTA LIMA, 2002, p.883, v.2) . Durante a leitura, o receptor recria o texto (cada leitura é um entendimento), pois o texto permite-lhe diferentes interpretações e leituras realizadas em tempos diferentes.Cada leitor transporta para o texto seus conhecimentos prévios (verbais, sociais, ideológicos), concretizando o texto ficcional segundo suas próprias projeções interpretativas. O autor, para criar uma atmosfera de polifonia, portanto heteroglótica, deve levar para seu texto, além de seus conhecimentos a respeito da língua, sua criatividade e seu mundo de valores que são a chave para o interesse do leitor, uma vez que possibilita a fusão dos horizontes de expectativas do emissor e do receptor. A entonação do autor, tanto verbal como não-verbal, é de extrema importância para a compreensão de sua obra. Ele cria uma situação e dá-lhe entonação, para que sua idéia seja entendida pelo leitor. A língua torna-se, dentro de um texto, uma opinião concreta sobre o mundo, dentro de um texto musical, ela ganha forças e muitas vezes torna-se um ícone da história, podendo representar toda uma geração, como é o caso da canção “Sem lenço e sem documento” de Caetano Veloso. Partindo da análise teórica sugerida por Bakhtin e dos pressupostos da Estética da Recepção de Iser e Jauss , as letras de algumas canções de Caetano 19 Veloso serão colocados como objeto de nosso trabalho, focalizando principalmente o dialogismo, a interação e sua recepção pelos alunos do Ensino Fundamental e Médio, que construirão seus próprios textos, a partir das canções estudadas e analisadas em classe com o professor. Iniciar-se-á buscando fundamentar esta pesquisa na teoria, só então, passarse-á para uma análise mais concreta , trabalhando com os textos, canções selecionadas de autoria de Caetano Veloso, para trabalhar com alunos do último ano do ensino Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio, em dissertações narrações e paródias. Sabe-se que para a interpretação de um texto, o leitor utiliza seus conhecimentos prévios (repertório cultural) e, assim sendo, cada leitor pode aprofundar-se, mais ou menos, no universo do texto que está sendo seu objeto de leitura ou estudo. O texto é construído de maneira tal que leve as vozes narrativas a se organizarem num discurso, onde há uma interação do sujeito (autor) e do receptor (leitor) e é a partir dessa intenção que seu enunciado é configurado, devendo também prever uma possível reação de seu interlocutor. Há, portanto, reciprocidade dentro do enunciado e fora dele (interação de interlocutores). Dentro de uma canção de amor, por exemplo, o autor dirige-se ao seu interlocutor (pessoa amada) de maneira que a faça compreender seus sentimentos, não descartando em momento algum a possível rejeição dos mesmos , uma vez que, conhecendo o ser amado , pode prever algumas de suas atitudes. Portanto, sendo a música uma linguagem universal, o autor direciona seus sentimentos inicialmente a uma pessoa, a um conflito pessoal e a muitos outros focos, mas posteriormente esses sentimentos podem ser interpretados de acordo com a cosmovisão do receptor, tornando-se mais amplos e abrangentes e passando de uma declaração individual para um sentimento humano, que pode ser compartilhado por qualquer pessoa. As letras das músicas (poemas) de Caetano permitem uma análise estilística, em que se encontram continuidades e descontinuidades , conservação e dissolução, surpresa e espera, marcada pela temporalidade e muitos outros 20 elementos semânticos que permitem a compreensão de seu texto, marcado pela genialidade. A palavra da língua é uma palavra semi-alheia. Ela só se torna “própria” quando o falante a povoa com sua intenção, com seu acento, quando a domina através do discurso, torna-a familiar com sua orientação semântica e expressiva. (BAKHTIN, 1998,p.100). A linguagem literária é plurilíngüe, um diálogo de linguagens, para o qual o autor e seus receptores contribuem com seus repertórios, suas visões de mundo, seus quadros de valores, interagindo de forma dinâmica e concretizando o texto ficcional, que antes de ser lido, é uma virtualidade, uma possibilidade de existência. Embora o plurilingüismo, os contextos de outrem, a realidade social e outros fatores envolvam o autor, o mesmo deve imprimir sua marca à obra, bem como sua entonação e seu acento. Bakhtin afirma que o poeta não utiliza vozes de outrem, mas imagina o repertório do outro e tem domínio total de sua linguagem, porém acreditamos que há sempre a presença de um fator ideológico, pois ele escreve para outrem, visto que a linguagem do poeta só existe na medida em que existe seu interlocutor, na troca de experiências, na interação verbal e emocional e, para que isso ocorra, deve partir de aspectos concretos da vida cotidiana. Bakhtin afirma :“Ele deve partir da linguagem como um todo intencional e único: nenhuma estratificação pluridiscursiva e muito menos plurilíngüe deve ter qualquer reflexo marcante sobre sua obra poética.”( BAKHTIN, 1998, p.103 ) Percebe-se, por essa afirmação, que o poeta, no ponto de vista do lingüista, deve ter uma linguagem totalmente individualizada e transformar tudo o que conhece da realidade em um texto único, que imprima somente suas intenções. “Tudo aquilo que penetra na obra deve se afogar no Letes, esquecer sua vida anterior nos contextos de outrem: a língua só pode lembrar de sua vida nos contextos poéticos. “ ( BAKHTIN,1998, p.103) A figura lingüística do autor fica responsável por toda palavra como se fosse sua, mas não podemos esquecer que o próprio Bakhtin afirma que o ato de escrever não é individualizado, é, na verdade, um jogo interativo “quem fala são os códigos e não quem escreve”. Acredita-se, contudo, que esse jogo interativo, assim como a 21 intenção discursiva do autor só se realizam e se concretizam numa interação maior e mais complexa: a interação sujeito/ interlocutor. O “sujeito discursivo” (eu lírico nos poemas) dentro das canções representa o “sujeito do mundo”, apesar de não sê-lo efetivamente, e sim por referir-se e ter sido criado por ele, por retratar uma ideologia e representar um sujeito pertencente a um determinado grupo, a uma classe e uma sociedade, com sua visão de mundo. Bakhtin faz a afirmação de que “todo signo é ideológico”7, ou seja,o autor colhe seu discurso dentro de uma ideologia e o transporta para a sua. Sabe-se que toda modificação da ideologia desencadeia uma modificação da língua. A evolução da língua obedece a uma dinâmica positivamente conotada. A variação é inerente à língua e reflete variações sociais. A evolução lingüística obedece a leis internas, mas é, sobretudo, regida por leis externas de natureza social. O signo é encarado como signo dialético, mutável e dinâmico, plurivalente e vivo que se renova ou adquire novas significações em diferentes épocas ou comunidades interpretativas. Bakhtin fala de uma “interação dialética constante” que é a dialética e a ideologia interagindo dentro de um contexto social que faz de todos nós, autores e leitores, partes integrantes de um contexto que nos molda e influencia.“O signo ideológico vive graças à sua relação no psiquismo e reciprocidade, a realização psíquica vive do suporte ideológico.” ( Bakhtin: 1987,p.54) A língua é um fato social, portanto, a língua, que é “nascida” e “criada” dentro de uma sociedade, tende a adquirir características sociais próprias, fazendo com que haja dentro do discurso, múltiplas linguagens que, quando desprendidas da fala, criam um texto e um contexto onde há interação entre os interlocutores.“Nenhum enunciado em geral pode ser atribuído apenas ao locutor: ele é produto da interação dos interlocutores e, num sentido mais amplo, o produto de toda essa situação social complexa em que ele surgiu.” ( Bakhtin, in Todorov, 1981,p.50) Na concepção de Bakhtin, a psicologia social é o meio ambiente inicial dos atos da fala de toda espécie. Isso quer dizer que qualquer manifestação da fala 7 Bakhtin critica a categoria da causalidade mecânica para explicar como a realidade (infra-estrutura) determina a ideologia. Para ele, “o ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas se refrata” e o que determina essa refração do ser no ideológico é confronto de interesses sociais, ou seja, a luta de classes. “Classes sociais diferentes servem-se de uma só e mesma língua. Conseqüentemente, em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contraditórios. O signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes” (Bakhtin/Voloshinov, 1992a :46). 22 cotidiana, tanto no discurso exterior como no interior ( consciência), verbais ou nãoverbais, constituem a ideologia social. Segundo Bakhtin, o signo individual, dentro da sociedade, é refletido e refratado nas características ideológicas de cada um. Assim, em todo signo ideológico, confrontam-se valores contraditórios. O signo se torna a “arena onde se desenvolve a luta de classes”, o que torna o signo vivo, móvel e capaz de evoluir. Apesar das perspectivas e abordagens, a psicologia, a sociologia e a lingüística cruzam-se na elaboração de um discurso, por isso se fazem necessários os comentários e citações sobre esses assuntos, mostrando a ligação inevitável entre eles. Não se pode imaginar que o produtor do discurso musical tenha o poder soberano de produzir mensagens fechadas, que serão decodificadas de maneira uniforme por todos os receptores, nem que tais discursos não se ancorem em pressupostos comuns, muitas vezes de base ideológica, capazes de conduzir a interpretação. A mídia desempenha papel central na divulgação dos textos musicais, no entanto, a apropriação desses discursos são múltiplas, o que resulta, obviamente, em entidades sociais também múltiplas. A síntese aqui apresentada permite vislumbrar algumas das possibilidades de interpretação e interação com textos musicais. 1.2 O Dialogismo nas canções de Caetano Veloso A comunicação é inerente ao homem desde o seu nascimento pela necessidade de sobrevivência. Os estudos lingüísticos mostram a transformação da língua durante o desenvolvimento do ser humano e tornando a comunicação mais completa e complexa, pois o vocabulário do indivíduo é ampliado e enriquecido com conhecimentos adquiridos durante sua vida. Quanto mais complexa é uma sociedade, mais complexos serão os gêneros do discurso a serem percebidos na sua função de comunicação. A presente pesquisa tem por objetivo auxiliar o educando na aquisição de novos conhecimentos que conseqüentemente aumentarão sua capacitação discursiva, ou seja, deverão auxiliar o adolescente em sua busca pelo conhecimento apresentando-lhe instrumentos para a construção de textos mais consistentes, 23 unindo elementos que não se dissociam: a comunicação midiática através da audição de músicas e a lingüística. Luís Ramiro Beltrán afirma que os estudos de comunicação vistos ao longo do século XX são baseados nos princípios da “retórica” do filósofo grego Aristóteles que são divididos em três elementos: locutor, discurso e ouvinte, ou seja, alguém que fala algo para outro alguém. Para Aristóteles, o objetivo maior da comunicação é a persuasão: a capacidade que o locutor deve ter para convencer o ouvinte de que seu discurso é justo, coerente e correto. Esse esquema ainda é utilizado por muitos autores. A mídia sonora (rádio, e aparelhos que reproduzem Compact Disc) utiliza esse esquema básico, porém, além de simplesmente utilizá-lo, fornece códigos lingüísticos para uma análise mais profunda, baseada em estudos que tratam da relação entre o locutor (emissor) e o ouvinte (receptor) na ótica da análise do discurso, dos estudos de Bakhtin (dialogismo, plurilingüismo) e da Estética da Recepção. O código lingüístico compõe-se de signos gráficos e fônicos, que são interpretados de acordo com o conhecimento de mundo do receptor (ouvinte) da mensagem, pois a mensagem nunca é decodificada em sua íntegra. O emissor (locutor) que a transmite, tem seu próprio conhecimento de mundo, assim como o ouvinte (receptor) possui seus próprios quadros de valores e referências. A essência desta pesquisa reside na composição de um conjunto de atividades com os alunos, em sala de aula, a partir de textos de músicas de Caetano Veloso, com o objetivo de buscar a articulação entre a expressão literária poética e a informação objetiva de um texto. Tais textos visam o estabelecimento da leitura dialógica que os integra em uma rede única de conhecimentos, fornecendo subsídios para que os alunos elaborem seus próprios textos de formatos diversos (dissertação, narração, paródia) a partir de proposições das letras das músicas de Caetano Veloso. Busca-se, ainda, descobrir de que maneira ocorre o dialogismo nas canções de Caetano Veloso, partindo dos textos escritos e audições das canções pelos alunos do último ano do Ensino Fundamental e do primeiro e terceiro ano do Ensino Médio de Escolas Públicas. Sabendo-se que há dificuldade na leitura e elaboração de textos de alunos, especialmente do Ensino Médio, apresentar-se-á uma proposta de ensino da 24 redação partindo de textos musicais, visto que, a transmissão da mídia sonora por programas radiofônicos, televisivos ou por um instrumento como um rádio que reproduz CDs é facilmente recebida pelos adolescentes. Trabalhar-se-á, deste modo, com um material diferente dos quais eles têm contato em sala de aula freqüente. As estratégias para esta pesquisa deverão atender aos preceitos (exigências) e interesses do público alvo, ou seja, deverão ser oferecidos métodos de ensino/ aprendizagem que estimulem o interesse desse público. Os diferentes discursos de locutores diversos revelam que o diálogo do discurso próprio com diversas fontes de fala é da ordem da linguagem e não da língua, podendo ser mais ou menos marcado como tal por quem enuncia e, mais ou menos percebido por aquele a quem ele é dirigido, sendo, portanto, uma questão de interação e não de formas. Revelam também que por meio desse diálogo, os locutores se posicionam com relação ao mundo, ao outro, a ele mesmo e ao próprio discurso. Pressupõe-se que o autor coloca o centro significante de sua linguagem na perspectiva do outro, com o qual irá interagir (receptor). É a perspectiva do outro que lhe interessa, pois não escreve canções para si mesmo. Essa voz alheia não vem intacta, ela vem alterada justamente pela inserção do conhecimento de mundo de cada indivíduo. Caetano Veloso consegue ser ao mesmo tempo erudito e popular.Sua erudição pode ser observada principalmente pela freqüente intertextualidade em suas canções e pela utilização de palavras que não estão presentes no cotidiano dos falante. Já sua popularidade dá-se por conseguir atingir a “massa”, ou seja, pessoas de todos os níveis sócio-econômicos. Ao interpretar suas canções o adolescente irá adquirir novos conhecimentos para utilizá-los na interpretação de textos diversos, visto que, muitos textos mostram o retrato da sociedade brasileira, assim como outros os “sentimentos do mundo”; situações que fazem parte do ser humano durante toda sua vida, como por exemplo, a eterna luta do bem contra o mal na canção “Meu bem meu mal” (FERRAZ,2003,p.139) e muitas outras que mostram o paradoxo do amor. Com esta análise, esperamos apresentar atividades que, principalmente, estimulem a escrita dos adolescentes, enriqueçam seu vocabulário e propiciem uma escrita de textos,com conteúdo mais rico em informações. 25 Os alunos (receptores) entrarão em contato com as canções selecionadas e terão a oportunidade de conhecer a forma como esses textos foram desenvolvidos, através da desconstrução e reconstrução dos mesmos, com auxílio de estratégicas analíticas oferecidas pela Estética da Recepção. No próximo capítulo, falaremos sobre a trajetória de Caetano Veloso registrada pela mídia, uma relação permeada por declarações que ficam entre dois extremos, o amor e o ódio mas, revelam sempre um artista preocupado com o seu país, o seu povo e a sua cultura. Os estudos das canções de Caetano Veloso permitem uma ampla abordagem dos mais diversos temas, embora sempre sublinhados pelo seu amor ao seu povo e ao “outro”, ao seu parceiro(a) que o completa. A intertextualidade é uma marca de seu texto poético, uma vez que através do dialogismo e da intertextualidade, o outro é parte integrante de seu discurso. 26 2 A TRAJETÓRIA DE UMA VIDA FILTRADA PELA MÍDIA 2.1 A relação com a mídia através dos anos Quase não tínhamos livros em casa Mas os livros que em nossa vida entraram São como radiação de um corpo negro 10 Apontando pra expansão do Universo Caetano Emanuel Viana Telles Veloso, nascido em 07 de agosto de 1942, em Santo Amaro da Purificação, a 73 quilômetros de Salvador, Caetano Veloso, como ficou conhecido por todo o país, já sabia desde pequeno o que queria ser na vida e construiu seu conhecimento literário por conta própria, buscando ler tudo o que podia, conforme suas próprias palavras: ...não havia livros na minha casa. Aquela frase da minha canção ‘Livros’ é quase um desabafo, um lamento autobiográfico. Nossa casa era imensa, um sobradão daqueles enormes, antigos do recôncavo da Bahia, (...), mas não tinha uma biblioteca.Nem sequer uma estante com livros. Mas havia livros em minha casa. Uns livros fugazes que sempre estavam nas mãos de minha mãe – que era a única pessoa que eu via dentro de casa lendo. (VELOSO, 2001,p.43) Com pouco mais de quatro anos de idade, o irmão de Maria Bethânia já compunha A Tua Presença Morena, revelando seus dotes artísticos.Mas sua trajetória musical começou, realmente, quando se mudou com a família para Salvador no início dos anos 60. A capital baiana vivia um momento de efervescência cultural, e Caetano aproveitou sua paixão pela música e pela bossa nova de João Gilberto e começou a tocar em barzinhos da cidade. Em 1963, ingressa na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia e conhece o parceiro Gilberto Gil. Do fruto dessa amizade surgiram composições como No dia em que eu vim-me embora, Panis et Circenses, São 10 Livros, canção do disco “Livro” de 1997. 27 João, Xangô Menino, Haiti, Cinema Novo, Dadá, entre outras.Nesse período, também conheceu Gal Costa e Tom Zé, futuros componentes da Tropicália. Em 1965 abandona a faculdade e acompanha sua irmã Bethânia, que foi chamada ao Rio para substituir a cantora Nara Leão no show "Opinião", sucesso naquele ano. No mesmo ano, Bethânia gravou É de Manhã, de Caetano, e a música marcou sua estréia com um compacto simples. Em 1966, a "Revista Civilização", no seu número sete, publica um depoimento de Caetano Veloso, em que ele fala da necessidade da "retomada da linha evolutiva da música popular brasileira" a partir das lições mais fundamentais da bossa nova. É uma das primeiras manifestações teóricas do artista-crítico, pensador da arte, Caetano. Estreando na era dos festivais, que sacudiram a MPB nos anos 60, ele concorre, em São Paulo, no Festival Nacional da Música Popular, da TV Excelsior, com "Boa palavra". A canção, defendida por Maria Odette, classifica-se em quinto lugar. O grande poeta da canção começa a ser reconhecido como tal. A sua "Um dia" recebe o prêmio de melhor letra, no 2º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record de São Paulo. Em novembro, Caetano promove disputas nas quais os artistas participantes exibem seus conhecimentos de música popular; passa a se tornar mais conhecido. Compõe a trilha do filme "Proezas de Satanás na terra do leva-e-traz" de Paulo Gil Soares. Contratado pela Philips, gravadora pela qual saíram todos os seus discos daquele momento em diante, Caetano lançou seu LP de estréia "Domingo", dividido com Gal Costa; do repertório, constam "Coração vagabundo" e "Avarandado" entre outras. O disco mostra uma filiação do artista à bossa nova; no texto, na contracapa, porém, ele avisa que sua inspiração está tendendo a novos caminhos muito diferentes do que havia conseguido até aquele instante. A apresentação de sua marcha "Alegria, alegria", ao som das guitarras elétricas do conjunto pop argentino Beat Boys, enlouquece o 3º FMPB, da TV Record, juntamente com a cantiga de capoeira "Domingo no parque" de Gilberto Gil, com acompanhamento d'Os Mutantes. As duas canções se classificam, 28 respectivamente, em quarto e segundo lugares. Eram os baianos rompendo com a tradição na nossa música. "Alegria, alegria" é lançada em compacto simples. A essa altura, já está em curso o Tropicalismo, movimento de vanguarda que abalará nossas estruturas musicais e culturais, com conseqüências notáveis até hoje. O movimento aplica e atualiza, num contexto de massa, a filosofia antropofágica do modernista Oswald de Andrade, que propôs o reprocessamento de informações estrangeiras para a criação de uma arte brasileira e original. Público, crítica e artistas - entre tropicalistas e esquerdistas engajados dividiram-se. Na imprensa, o poeta Augusto de Campos saudou o grupo baiano que o promoveu. Um “happening” ocorre em Salvador e repercute nas revistas de todo o país: o seu casamento pop-tropicalista com a baiana Dedé Gadelha. Em janeiro de 1968, houve a gravação de seu primeiro LP individual, "Caetano Veloso". No disco ressaltam grandes e memoráveis clássicos como "Alegria, alegria", a emblemática "Tropicália", "Soy loco por ti, América" (esta, de Gil e Capinan). O Brasil vivia momentos de repressão por parte do governo militar. Com a liberdade de expressão proibida, os artistas tentavam, a todo custo, quebrar as barreiras da censura. Caetano era um dos revoltados com a situação pela qual passava o país. Junto com Gil, lançou o movimento cultural Tropicalista na tentativa de expressar seu inconformismo. Através do deboche, da irreverência e da improvisação, o tropicalismo revoluciona a MPB, utilizando-se de elementos estrangeiros fundidos com a cultura brasileira (a filosofia antropofágica do modernista Oswald de Andrade) e baseando-se na contracultura. O movimento foi lançado no Festival de MPB da TV Record, em 1967, com as músicas Alegria, Alegria, de Caetano, e Domingo no Parque, de Gil, que se tornaram hinos da juventude da época. Em 1968, no auge do movimento, Caetano lançou o álbum Tropicália, junto com Gilberto Gil, Gal Costa e Tom Zé. A parceria com Gilberto Gil estendeu-se da música e foi parar na vida dos dois artistas. O choque de idéias com a ditadura militar ocasionou a prisão dos dois em São Paulo, e impôs o exílio na Inglaterra, em 1968. Entretanto, a barreira geográfica não impediu que os protestos continuassem e, de Londres, Caetano 29 enviasse artigos para o jornal O Pasquim e músicas para diversos intérpretes como Gal Costa, Maria Bethânia, Elis Regina, Erasmo e Roberto Carlos. Caetano retornou ao Brasil em 1972 e passou por um momento de alta criatividade. Até o final dos anos 70, muitos sucessos como Tigresa, Leãozinho, Odara e Sampa foram lançados. O encontro com os antigos companheiros Gal, Bethânia e Gil resultou, em 1976, na formação do grupo Doces Bárbaros. O show excursionou por São Paulo e outras dez cidades brasileiras, revivendo antigos sucessos e, resultando na gravação de um LP. Em 1993, a parceria com Gilberto Gil foi retomada e juntos lançaram o disco "Tropicália 2". Multimídia, Caetano também se arriscou em outras formas de arte. Em 1986 comandou, ao lado de Chico Buarque, o programa de televisão da Rede Globo "Chico & Caetano", onde cantavam e traziam convidados. Essa experiência na televisão ajudou a quebrar a imagem de que os dois músicos não se davam bem. No cinema, ele dirigiu o filme O Cinema Falado e outros, como escritor, sua estréia foi Verdade Tropical, no qual faz um relato pessoal sobre os principais aspectos e acontecimentos relacionados ao movimento tropicalista. Hoje, com mais de sessenta (60) anos, Caetano Veloso é um senhor grisalho e de cabelos aparados que, à primeira vista, em nada lembra aquele representante da geração hippie. Em seu novo CD e show, A Foreign Sound, Caetano volta a buscar em composições alheias, no caso, de autores norte-americanos, a possibilidade de criticar um sistema dominante. Em um repertório que mistura Assis Valente, Noel Rosa com Nirvana e Cole Porter, Caetano faz a ponte entre o Brasil e o mundo que ele começou a conhecer no exílio. A ousadia continua sendo uma marca registrada de Caetano. Caetano é o mais original compositor/criador musical da nossa geração e essa originalidade reside no tratamento elegante e delicado que dá à sua inequívoca ousadia poética, à exploração de um modernismo melódico/harmônico que equilibra com perfeição signos da melhor tradição da música popular nacional (samba, canção, baião, toada nordestina), à utilização dos elementos arrojados da modernidade pop e rock (incluindo aí, se quisermos, as influências da Escola de Viena a Stockhousen). (...) A música de Caetano é um convite e um estímulo à meditação sobre a eterna tragédia da solidão do ser e da contingência da vida, um estímulo ao cultivo 30 da palavra sonora, hospedeira da verdade e da mentira: pertence, quase, 11 ao plano da Filosofia. Nos anos setenta, Caetano era mal visto pelos conservadores da época e hoje é visto como intelectual e excêntrico. Caetano envolve-se freqüentemente, em polêmicas com a mídia. Ele não procura agradar ao interlocutor, enfrenta a mídia em plano de igualdade. É uma das poucas figuras públicas que têm peso, agilidade e disposição para fazê-lo. Muitos jornalistas pensam que o sucesso de uma entrevista está em “desmascarar” alguém que tenha conseguido uma certa unanimidade. Caetano é, na área cultural, considerado por alguns como artista decadente, aburguesado que está sempre aparecendo na mídia. É uma espécie de reação ao “grande consenso que se formou em torno do autor”, conforme comentário do jornalista Marcos Augusto Gonçalves, em artigo da edição do caderno Mais! da Folha de São Paulo de novembro de 1997. A capa daquele suplemento dedicado ao livro “Verdade tropical” já indicava o desejo de desmascarar Caetano.Os textos diziam: “O tropicalismo do cárcere ao poder”, “Documentos mostram que o regime militar não diferenciava a tropicália de outras manifestações culturais que agitaram o Brasil nos anos 60”. Essa última afirmação era baseada numa reportagem com o general António Bandeira, que em 1968 ocupava posto de comando na estrutura dos organismos de repressão política. De acordo com o general, conforme apurou Mais! , os tropicalistas não incomodavam tanto os militares quanto os guerrilheiros envolvidos na luta armada. O jornal procurava desnudar o que seria um erro na avaliação de Caetano Veloso. Em seu livro, ele diz que acreditava que os tropicalistas seriam os mais profundos inimigos do regime militar. Caetano tem uma relação, assim como outros intelectuais, de amor e ódio com a mídia, porém prefere, na maioria das vezes, não dar importância ao que dizem a seu respeito. Assume posições pessoais e controvertidas, mesmo correndo 11 Gil, Gilberto, pref. [1987]. Caetano: poesia e pensamento. In: Veloso, Caetano. Caetano Veloso: songbook. 3.ed. rev. v.2, p.7. 31 o risco de ser “odiado” pela mídia que não tolera muito as mediações e quer respostas imediatas, diretas, enquanto Caetano procura ter sua opinião “ou não”, como fala na maioria das vezes em suas entrevistas, e já foi motivo de muitas piadas por humoristas que fazem sua imitação em programas como “Casseta e Planeta Urgente” da Rede Globo de Televisão. Em uma de suas entrevistas à revista Época, Caetano fala de sua relação com a crítica: ... dialogo e entro em competição com a crítica. Sempre atuei criticamente, desde os tempos da revista que Glauber Rocha editava. Isso não é desprezo pelos jornalistas, como alguns pensam. Ao contrário, respeito a boa crítica. Gosto de propor discussão de idéias, cada vez mais difícil nos jornais. O problema é que, para vocês jornalistas, o pior é sempre o melhor. Trabalho com atitude explícita. Nada fica sem resposta.(VELOSO, 2004: 61) Quando Caetano participa de programas televisivos, as atenções se voltam inteiramente para ele. Trata-se de um ícone de nossa MPB, e não importa quem esteja falando ou até mesmo cantando, as câmeras focalizam todos os movimentos de Caetano, como foi visto no último dia 21 de agosto de 2005, em sua aparição no programa Global “Domingão do Faustão” no lançamento da trilha sonora do filme “Os dois filhos de Francisco”. No dia 22 de agosto, no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo foi publicada uma nota dizendo que Caetano ficou após o programa conversando com os atores da novela América, dizendo ser fã da mesma. Caetano é um cantor com um imenso repertório que, como já foi dito, apresenta desde o erudito até o popular com desenvoltura e influenciou vários cantores como Ney Matogrosso, segundo uma declaração do cantor na revista Época de 29 de agosto de 2005. A primeira vez que vi Caetano eu era um funcionário público em Brasília, no fim dos anos 60. Ele apareceu vestido de cor-de-rosa, dos pés a cabeça. Naquele tempo homem não usava nem meia cor-de-rosa. Imagina o choque; ditadura, você encontra Caetano Veloso todo de rosa em Brasília! Pensei ‘Se um dia eu for artista, quero causar nas pessoas o que ele causa em mim.(MATOGROSSO, 2005, p.103). Apesar de intelectuais cultuarem Caetano como ícone da Música Popular Brasileira, ter também uma diversidade de público e de suas aparições na mídia sempre serem mostradas como um grande espetáculo, as músicas mais conhecidas 32 pelo público principalmente ouvintes da mídia radiofônica na atualidade são composições de outros artistas interpretadas por ele, como por exemplo, a canção “Sozinho” de Peninha que foi um grande sucesso por ser tema da novela Global "Suave Veneno". Gravada no disco "Prenda Minha" de 1999, a canção ajudou a alavancar as vendas do CD que chegaram a um milhão de cópias.12 Orfeu, filme de 2000 com direção de Cacá Diegues, ganhou os prêmios de Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora (Caetano Veloso), no Grande Prêmio Cinema Brasil. A canção, de autoria e interpretação de Caetano Veloso “Sou você” rendeu-lhe o prêmio António Carlos Jobim, mas não obteve êxito com a mídia. Outra canção interpretada por Caetano que foi muito executada nas rádios em 2003, “Você não me ensinou a te esquecer” dos compositores Bruno Mattos e Odair José foi tema dos personagens principais Leléu e Lisbela do filme “Lisbela e o prisioneiro” com direção de Guel Arraes. 2.2 Uma entrevista “com” ou “sem” pretensões Em entrevista concedida à revista Época, em 24 de maio de 2004, ao jornalista Luís Antônio Giron, Caetano fala de tudo um pouco e rebate as alfinetadas do jornalista com muito bom humor. (Anexa entrevista na íntegra) O jornalista descreve Caetano como alguém de bem com a vida, que não precisa provar nada a ninguém, faz comentários sobre suas frases polêmicas e obtém como resposta do entrevistado explicações simples para falas que foram supervalorizados pela imprensa desde a década de sessenta (1960). Ao ser questionado sobre sua condição de intelectual, diz que gosta de externar suas opiniões sobre qualquer assunto e atribui isso ao momento histórico pelo qual passou, quando todos os artistas deviam sempre ter opiniões próprias a respeito de tudo, pois era uma obrigação.“... sou uma pessoa da área de entretenimento que dá suas opiniões”.(VELOSO, 2004: 108) 12 htpp//:www.imusica.com.br 33 Sobre política, apesar de ser um político em sua essência, diz que não gosta, mas sempre lê jornais para ficar por dentro de tudo o que ocorre no país e no mundo. Vê em Ariano Suassuna um gênio, mas diz que o autor transforma-se em um palhaço pela obrigação de manter uma posição conservadora e afirma que a xenofobia não é bem vinda nos dias atuais. Sente-se lesado pela pirataria de CDS, mas não quer entrar no mérito da questão por considerar-se despreparado para isso e acima de tudo não dar a menor importância ao fato.“... perdemos o controle sobre a veiculação de música. Não sou empresário, não sou nem mesmo capitalista. Só não posso cuspir no prato em que comi. Existe uma crise, mas eu não estou nem aí”.(VELOSO, 2004:110) A música é considerada pelo compositor como arte e os lucros que vêm dela nada mais são do que reconhecimento pelo trabalho e dedicação do artista. João Gilberto é a sua grande influência musical. Quando questionado sobre o porquê de não cantar como o ídolo, diz que tentou imitá-lo, mas considerou o feito impossível. Admite que sua competência musical é limitada, comparada com artistas como Chico Buarque, por exemplo. Considera-se um bom compositor. Sobre cinema, diz que gosta muito e que foi muito bom dirigir um filme e tem o desejo de dirigir algo ambientado em Salvador, Bahia. Acredita arriscar seu prestígio com o lançamento de seu disco em inglês e considera a música americana melhor que a nacional, por influenciar maior número de pessoas no mundo. 2.3 A folia soteropolitana de Caetano Veloso “A inteligência puramente musical de Caetano Veloso” 13 13 Título da matéria publicada por J.D. Borges na revista eletrônica “Observatório da imprensa”. 34 No jornal eletrônico de vinte (20) de agosto de mil novecentos e noventa e nove (1999), o jornalista J. D. Borges faz uma crítica a Caetano mostrando sua aversão pelas idéias, comentários e a própria presença do compositor, dizendo que ele gosta de aparecer e faz falsas interpretações de fatos, dando suas opiniões sobre tudo e não tem paciência para explicar ao público suas obras. (Anexa, entrevista na íntegra) Considera Caetano um recordista de entrevistas e trata o Tropicalismo como um movimento de idéias vagas, de mau gosto e popularesco típico. Diz, ainda, que para o compositor, o único Estado que tem importância em nosso país é a Bahia. Acusa Caetano de privilegiar seus conterrâneos baianos, cita João Gilberto e António Carlos Magalhães, diz que o artista é inconseqüente, inoportuno, cara-depau e ingrato a São Paulo e Rio de Janeiro. Diz ainda que o estilo musical e comentários do compositor estão ultrapassados e praticamente pede para que ele “ se recolha à sua insignificância” com palavras bem agressivas. Não é raro encontrarmos opiniões como a de J. D. Borges na imprensa nacional. Na maioria das vezes, os jornalistas consideram Caetano como alguém que não pensa para falar e que, por vezes, tem uma verborragia que pode prejudicar sua imagem na mídia. Como já foi dito anteriormente, muitos jornalistas querem “desmascarar” quem de alguma forma consegue se destacar, midiaticamente, no panorama nacional ou até internacional e sabemos que embora Caetano seja “quase” uma unanimidade nacional, há um “coro de contrários” às suas produções artísticas e suas opiniões, muitas vezes polêmicas. Podemos citar, como exemplo da manipulação da mídia, uma entrevista para o jornal “O Globo” de 27 de maio de 2001 cujo título foi recortado de uma declaração do artista pelo jornalista ou editor do jornal. Tratava-se de um comentário normal, mas tornou-se uma “afronta” aos leitores, principalmente conterrâneos de Caetano. O título dizia “A estrela baiana aqui sou eu”. Quem não leu a entrevista, certamente imaginou Caetano prepotente, mas quem a leu, pôde perceber que o artista diz isso ao ser perguntado sobre António Carlos Magalhães na intenção de não desfocar a 35 entrevista na qual falava sobre seu trabalho e não sobre política ou outro assunto qualquer. 2.4 O bem que Caetano faz Se nariz de poeta aponta sempre contra os chapadões. Mesmo no contexto de absurda excelência da poesia da música popular brasileira, um de nossos maiores patrimônios, relativamente pouco estudado, a arte de Caetano Veloso é qualquer coisa, ou muito. Encanta e surpreende a cada página, que nunca se dá sem fogo, sem o brilho da consciência e da paixão. Depois do quê, ficamos nós, desastrados tropeçando nos milagres 12 (NESTROVSKI, 2003, Folha de são Paulo) Neste trecho do artigo de Arthur Nestrovski à Folha de São Paulo, o jornalista mostra a paixão pelas letras de Caetano Veloso e no contexto faz intertextualidade com canções “Qualquer coisa” e “Livros”. Assim como Nestrovski, muitos jornalistas reconhecem o brilhantismo de Caetano Veloso. Em artigo à Folha on line, de novembro de 1997, Mário Vitor Santos também sai em defesa do compositor, que havia lançado seu livro “Verdade Tropical” e fora duramente criticado pela mesma Folha de São Paulo no suplemento dominical “Mais!” de novembro, do mesmo ano, pelo jornalista Marcos Augusto Gonçalves. Marcos Augusto Gonçalves dizia, na reportagem, que Caetano, em seu livro “Verdade tropical” , considerava-se o dono da verdade. Mário Vitor Santos considera este comentário invejoso e acredita que a colocação foi feita pelo jornalista a fim de desautorizar a integridade de Caetano. Santos diz que “Verdade tropical” é um livro excelente, com uma linguagem de fácil entendimento e sem prepotência do autor e que o jornalista da Folha tem necessidade de um enfrentamento franco com Caetano, para que entenda sua obra e possa criticá-la. 12 Artigo da Folha de São Paulo escrito por Arthur Nestrovski em novembro de 2003, época do lançamento do livro “Letra só” de Eucanaã Ferraz. 36 O jornalista considera as intervenções críticas de Caetano, no terreno jornalístico, revigoradas através dos anos, sabe que Caetano não tem a menor intenção de agradar seu interlocutor e, quando faz uma declaração, enfrenta a mídia, em plano de igualdade, sendo uma das poucas pessoas que faz isso com destreza. Não é apenas sobre os brasileiros que o compositor e cantor Caetano Veloso causa forte impacto. Famoso internacionalmente, o baiano deixa jornalistas estrangeiros inquietos, ao saberem de uma possibilidade de entrevista, como revela a repórter de Chicago Irma Nunez, que escreveu, especialmente para o jornal japonês The Japan Times. Na reportagem, Irma não esconde seu prazer e orgulho em conversar com Caetano. Santuza Cambraia Naves, em Revista do Arquivo Nacional de 23 de junho de 2004, fala sobre Caetano Veloso, apresentando uma figura paradigmática, de uma certa tradição de compositores populares brasileiros que, por recorrerem a procedimentos metalingüísticos — embaralhando assim as classificações referentes à arte erudita e popular —, demandam interpretação. Parafraseando Bakhtin em sua alusão a Dostoiévski (1981:14), creio que posso afirmar que Caetano é, por excelência, o bardo das transformações realizadas na sociedade brasileira e nas concepções sobre a sua natureza. Mas trata-se de um bardo atualizado, que não se contenta em recolher e comentar repertórios diversos; Caetano atua como significante desta pluralidade cultural, expressando e dramatizando, em sua figura pública, as contradições inerentes ao seu meio. (NAVES,1998:71) No texto acima, podemos concluir que Naves coloca Caetano como um artista que cria, inova sobre atualidade e com isso consegue deixar sua marca nada convencional na cultura nacional. Romildo Sant’ Anna fala sobre Caetano e resume o sentimento das pessoas que admiram sua arte. Veloso de tantas brisas e velas, tratando o som com desvelo, ele se mantém fora das opiniões padronizadas; é o doce bárbaro de todas as mídias, do disco às telas, que refletem o iluminar da vida. Desfolhamento, em alta voz, de um montão de livros. ( SANT ’ANNA, 2003: 320) 37 Como pudemos perceber, Caetano Veloso coloca-se sempre à disposição da mídia, mesmo sabendo que ela pode ser benéfica ou maléfica à sua imagem. O compositor e cantor sempre responde aos questionamentos feitos a ele com extrema naturalidade e não tem medo de admitir que esteve errado em algum aspecto. Em uma de suas entrevistas, diz que não gostava da música “Pétala” de Djavan quando foi lançada, mas com o tempo apaixonou-se pela canção. No desejo de alcançar prestígio nos meios de comunicação de massa, alguns jornalistas ou repórteres tentam criar sensacionalismo, envolvendo nomes de pessoas famosas como é o caso de Caetano e, algumas vezes, extrapolam os limites e constroem uma imagem destorcida da realidade, manipulando e colocando palavras fora do contexto em que foram ditas. Caetano é extremamente polêmico e, às vezes, fala demais. Ele mesmo admite ser este seu maior defeito, mas não se pode negar seu talento literário, musical e principalmente sua sensibilidade na maneira de tratar as palavras, de criar poemas musicais. A mídia tem todo interesse em suas atividades, sejam elas artísticas ou envolvendo sua vida íntima. Suas opiniões, suas posições ideológicas, suas músicas, seus amores, seus amigos são sempre notícia. Os repórteres, ora admiradores ora críticos, estão sempre atentos aos seus movimentos. È uma vida filtrada pela mídia que se revela aos leitores em todos os seus ângulos, mas é na sua música que ele se coloca por inteiro, sendo considerado, com toda razão, um dos ícones da arte musical brasileira, onde erudito e popular fundem-se em músicas que são a essência de nossa sociedade e de nosso tempo. No capítulo seguinte veremos o estudo da intertextualidade contida nos textos que serão analisados, visto que este fator é o mais representativo nas canções analisadas. 38 3 A INTERTEXTUALIDADE NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO À referência implícita ou explícita de um texto a outros textos, dá-se o nome de intertextualidade.Um texto é a voz que dialoga com outros textos, mas também funciona como eco das vozes de seu tempo, da história de um grupo social, de seus valores, suas crenças, preconceitos, medos e esperanças e isso não poderia ser mais claro do que nas canções de Caetano Veloso. Segundo suas próprias palavras: “As minhas letras são todas autobiográficas. Até as que não são, são”.(VELOSO, 2003,p. 09) As relações transtextuais evidenciam que o texto literário não se esgota em si mesmo: plurariza seu espaço nos paratextos; multiplica-se em interfaces; projeta-se em outros textos; perpetua-se na crítica; estabelece tipologias; repete-se em alusões, plágios, paródias, paráfrases e citações. A intertextualidade, confirmada na literatura pelos temas retomados, eternizando e dando novas feições aos mitos e às emoções humanas, comprova que os textos se completam e se inter-relacionam. Pode-se dizer que a intertextualidade ocorre na mídia com muita freqüência e entre textos de diferentes signos lingüísticos, textos verbais e não-verbais. Portanto, neste momento, analisaremos como Caetano Veloso se utiliza desse recurso lingüístico para tornar suas canções inesquecíveis. Nas canções afastadas de sua melodia, as palavras ganham em materialidade e se mostram das mais diversas maneiras: versos econômicos aparecem ao lado de longas estruturas narrativas, construções experimentais convivem com formas tradicionais, simplicidade extrema mistura-se à sofisticação formal. É indiscutível que o leitor deve ter um conhecimento de mundo (memória discursiva) amplo ao ler as canções de Caetano. Se isso não for possível, deve haver interesse em ampliar seus conhecimentos pesquisando, quando ocorrerem dúvidas sobre o sentido de frases dentro do contexto das canções, para que sua interpretação seja satisfatória. Quando falamos em intertextualidade, devemos pensar também em dialogismo que é o que constrói o texto “vivo”. É a relação que existe entre os 39 falantes envolvidos no discurso das canções. Um texto só existe, se for contado ou lido por alguém, e esse alguém tem o poder de transformar o texto em outro texto, isto é, o texto com interferência de conhecimentos prévios de receptor já não é mais o texto original, pois foi “povoado” pelo conhecimento de mundo desse receptor. 3.1 Análise interpretativa das canções Neste momento faremos a desconstrução das letras de algumas canções de Caetano Veloso, procurando preencher os vazios (uma das possibilidades interpretativas) deixados pelo autor, para que posteriormente possamos reconstruílas com nossa memória discursiva, ampliada através da pesquisa detalhada sobre cada paráfrase, paródia ou citação. Analisaremos aqui oito canções, mas na prática de sala de aula trabalharemos com apenas algumas (Capítulo IV), pois foram escolhidas as que mais se adequaram aos interesses dos alunos, as demais serão utilizadas em outras oportunidades. 3.1.1 Texto 1- “Livros” A primeira canção que analisaremos será “Livros” do disco Livro de 2.004 que fala da paixão pelos livros e das transformações que estes podem provocar na vida do ser humano. Livros Tropeçavas nos astros desastrada Quase não tínhamos livros em casa E a cidade não tinha livraria Mas os livros que em nossa vida entraram São como a radiação de um corpo negro Apontando pra a expansão do Universo Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso (E, sem dúvida, sobretudo o verso) É o que pode lançar mundos no mundo 40 Tropeçavas nos astros desastrada Sem saber que a ventura e a desventura Dessa estrada que vai do nada ao nada São livros e o luar contra a cultura Os livros são objetos transcendentes Mas podemos amá-los do amor táctil Que votamos aos maços de cigarro Domá-los, cultivá-los em aquários, Em estantes, gaiolas, em fogueiras Ou lançá-los pra fora das janelas (Talvez isso nos livre de lançarmo-nos) Ou o que é muito pior por odiarmo-los Podemos simplesmente escrever um: Encher de vãs palavras muitas páginas E de mais confusão as prateleiras Tropeçavas nos astros desastrada Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas. A canção é composta por vinte e seis (26) versos e dividida em quatro (4) estrofes. Na primeira estrofe, cujo primeiro verso é repetido como refrão por três vezes no decorrer da canção, o autor faz intertextualidade com um dos versos de Orestes Barbosa da canção “Chão de estrelas” que foi gravada pela primeira vez em 1937 por Sílvio Caldas. Notemos a semelhança entre os versos: Caetano: “Tropeçavas nos astros desastrada” Orestes: “E tu pisavas nos astros distraída” 41 Caetano substitui a palavra distraída (desatenta) pela palavra desastrada (que produz desastres, danos, prejuízos) e o uso dessa palavra muda o contexto do verso de Orestes que usou a palavra distraída com suavidade, podemos comprovar isso nos seis (6) últimos versos da canção “Chão de estrelas” : “A porta do barraco era sem trinco Mas a lua furando nosso zinco Salpicava de estrelas nosso chão E tu pisavas nos astros distraída Sem saber que a ventura desta vida É a cabrocha, o luar e o violão” Caetano usou a palavra desastrada com mais agressividade,considerando que seu interlocutor tropeçava nos astros (livros/ palavras) por desconhecê-los pela falta de leitura. Isso percebemos pelos versos a seguir: “Quase não tínhamos livros em casa E a cidade não tinha livraria” Seus versos são praticamente um protesto, um desabafo como em suas próprias palavras “...não havia livros em minha casa. Aquela frase da minha canção ‘Livros’ é quase um desabafo, um lamento autobiográfico” (VELOSO,2001,p.43). Ainda na primeira estrofe, nos dois últimos versos aparece a importância dos livros na vida do compositor representando a “radiação13 de um corpo negro14”, um 13 “radiação sf.1.Ato ou efeito de radiar. 2.Ondas ou energia luminosa, calorífera, etc.[Pl.:-ções] – Radiação cósmica de fundo. Cosm.Radiação difusa e isotrópica que permeia o universo e seria resultado da grande explosão [v. Teoria da grande explosão].”(Ferreira,2000,p. 578) 14 Kirchhoff introduziu a idéia de corpo perfeitamente negro, isto é, um corpo ideal, que não existe na realidade, pois absorve toda radiação que nele incide. Podemos imaginar um corpo negro como sendo uma caixa metálica, de material isolante térmico perfeito, com um pequeno orifício de onde são emitidas radiações idênticas à do corpo negro, à temperatura T que é mantida a caixa, pois devido à abertura mínima, qualquer radiação incidente ficará presa na cavidade da caixa, sendo absorvida por reflexões e absorções sucessivas. (http://fisica.cdcc.sc.usp.br/Professores/EinsteinSHMCarvalho/node6.html) 42 caminho novo a ser percorrido o qual o conduzirá ao mundo dos sentimentos, das emoções e da razão15. “Mas os livros que em nossa vida entraram São como a radiação de um corpo negro Apontando pra expansão do Universo” Ao lermos sobre “A teoria da grande explosão”16 percebemos que Caetano nos remete a ela, comparando os livros com a radiação provocada por essa suposta teoria da expansão do Universo. Podemos comparar a radiação penetrando em um corpo negro com uma “chapa” de Raio X, ou seja, a radiação entra pelo corpo e é impressa em uma “chapa” que antes da radiação era negra, depois apresenta pontos transparentes, tornando fácil de enxergar o que há na parte interna do corpo. Assim, os livros que apareceram na vida do emissor foram exatamente como essa radiação que abriu o Universo para ele. Percebemos que a primeira estrofe e a segunda são ligadas pelo primeiro verso que fala da expansão do Universo já explicitada anteriormente. Vejamos os próximos versos da segunda estrofe: “Porque a frase,o conceito,o enredo, o verso (E, sem dúvida, sobretudo o verso) É o que pode lançar mundos no mundo” 15 16 Os três níveis básicos de leitura: sensorial,emocional e racional. (MARTINS,1994,p.37) Como uma conseqüência da "Grande Explosão" que deu origem ao universo, vemos todo o universo em expansão. O Super Aglomerado Local é também avizinhado em todas as direções por outros aglomerados e super aglomerados, que se movem afastando-se uns dos outros. Quanto mais distante um corpo se encontra de outro, maior essa velocidade de afastamento. Através do horizonte observável detectamos, além de uma radiação uniforme também proveniente da "Grande Explosão Cósmica", pontos de grande intensidade de radiação aos quais denominamos quasares. http://www.observatorio.ufmg.br/pas04.htm 43 O compositor deixa clara a idéia da construção de uma visão mais ampla do mundo. Os livros, através das palavras que podem ser frases, conceitos, enredos e , segundo o compositor, “sobretudo o verso” abrem espaço para novas idéias e concepções sobre a vida, lançam “mundo nos mundos”, ou melhor, fazem com que a visão de mundo das pessoas se amplie.“Dá-nos a impressão de o mundo estar ao nosso alcance; não só podemos compreendê-lo, conviver com ele, mas até modificálo à medida que incorporamos experiências de leitura” (MARTINS, 1994,p.17) Nos dois últimos versos da segunda estrofe: “Tropeçavas nos astros desastrada Sem saber que a ventura e a desventura Dessa estrada que vai do nada ao nada São livros e o luar contra a cultura” Novamente Caetano trabalha com a intertextualidade com o texto de Orestes Barbosa, as contradições da vida contidas nos livros que são expressas pela antítese ventura/desventura ;a desilusão de muitas vezes não chegar a lugar algum nada/nada. Esses versos podem ser pensados como algo que alguém lê e essa leitura não lhe traz conhecimento, mas só ilusão de uma vida que não existe (sempre com final feliz). A antítese ventura/desventura pode estar ligada aos livros fugazes que o compositor via nas mãos de sua mãe quando criança “Mas havia livros em minha casa. Uns livros fugazes que sempre estavam nas mãos de minha mãe...” (VELOSO,2001,p.43). Esses livros poderiam ser romances para mulheres da época que serviam apenas de entretenimento, e por serem fugazes levavam quem os lia “do nada ao nada”, não transmitiam cultura. No último verso da primeira estrofe o compositor faz uma provocação afirmando que esses livros que fazem sonhar (luar) são contra a cultura. 44 Na terceira estrofe, o compositor apresenta o poder que o livro pode exercer sobre o ser humano que ultrapassa as coisas materiais e sentimentais (são objetos transcendentes) e que pode despertar nosso amor, nossa indiferença ou o ódio: “Os livros são objetos transcendentes Mas podemos amá-los do amor táctil E voltamos aos maços de cigarros Domá-los , cultivá-los em aquários, Ou lançá-los pra fora das janelas” Quando o emissor fala sobre “amor táctil” faz alusão ao nível básico de leitura sensorial que é o que faz com que tenhamos capacidade de sentir um livro com o tato, com a visão, com a audição, com o olfato e com o gosto é o início do ato de leitura: “Antes de ser um texto escrito, um livro é um objeto; tem forma, cor, textura, volume, cheiro. Pode-se até ouvi-lo se folhearmos suas páginas.” (MARTINS,1994,p.42) Ao dizer que volta aos maços de cigarros a alusão é feita ao nível básico de leitura racional, que implica na leitura de um texto intelectualmente, isso é, entendendo o que lê sem se deixar levar pelas emoções. Dessa forma podemos dizer que a intenção do emissor ao nos reportar supostamente, à advertência sobre os malefícios do uso do cigarro que depois que a mensagem foi lida e decodificada se dissipa o abstrato (sensorial ou emocional) e permanece a escrita concreta (racional) e a decisão de acatar a advertência ou não fica a critério do leitor. “... a leitura racional acrescenta à sensorial e à emocional o fato de estabelecer uma ponte entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, a reordenação do mundo objetivo, possibilitando-lhe, no ato de ler, atribuir significado ao texto e questionar tanto a própria individualidade como o universo das relações sociais. E ela não é importante por ser racional, mas por aquilo que seu processo permite, alargando os horizontes de expectativa do leitor e ampliando as possibilidades de leitura do texto e da própria realidade social.” (MARTINS, 1994,p.66) 45 Quando o emissor fala que podemos “Domá-los, cultivá-los em aquários” refere-se ao nível básico de leitura emocional que é o nível em que soltamos nossa imaginação e deixamos nossos sentimentos nos guiarem, mesmo que no futuro nos arrependamos. “Na leitura emocional emerge a empatia, tendência de sentir o que se sentiria caso estivéssemos na situação e circunstâncias experimentadas por outro, isto é, na pele de outra pessoa, ou mesmo de um animal, de um objeto, de um personagem de ficção. Caracteriza-se, pois, um processo da participação efetiva numa realidade alheia, fora de nós. Implica necessariamente disponibilidade, ou seja, predisposição para aceitar o que vem do mundo exterior, mesmo se depois viermos a recharçá-lo.” (MARTINS, 1994, p.51, 52) O quarto verso da terceira estrofe, além de apresentar-nos o nível de leitura emocional, não deixa de ser uma provocação às pessoas que por acharem um livro de difícil entendimento ou mesmo por preguiça não o lêem, o emissor sugere que o leitor “dome o livro como se fosse um animal”, que tenha coragem para ler. Ao falar sobre “cultivá-los em aquários” nos reportamos a um tempo em que os livros nunca eram lidos, serviam de enfeites em estantes que tinham portas de vidro para que ficassem à mostra, era “moda”. No verso a seguir, Caetano nos conduz à época da repressão à leitura na Contra-Reforma quando em 1943 foi lançada uma lista de livros proibidos, o Índex17 “Em estantes, gaiolas, em fogueiras” 17Em 1943 o papa Paulo III mandou redigir o Índex – Catálogo de leitura proibida aos fiéis, por serem perniciosos à fé.(PAZZINATO, 1997,p. 69) 46 Os livros nessa época eram encerados em estantes de bibliotecas e num ato extremo eram queimados em praça pública por serem considerados indecentes,leituras que depunham contra a moral e os bons costumes da época. O emissor mostra-se contrário a essa idéia,isso fica claro com o próximo verso no qual o compositor mostra seu anseio pela liberdade de expressão: “Ou lançá-los para fora das janelas” Nessa mesma estrofe, podemos encontrar um verso que representa a realidade (ficcional) que os livros nos proporcionam, liberta-nos do desespero da realidade pessoal que nos livra de nos lançarmos fora das janelas. “(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)” Em seguida o livro é desmistificado, pois qualquer um tem liberdade de se expressar adequadamente, mas muitas pessoas escrevem e publicam livros sem se preocuparem se seu conteúdo será útil para alguém a não ser pra si mesmo. “Podemos simplesmente escrever um: Encher de vãs palavras muitas páginas E de mais confusão as prateleiras” Os versos abaixo configuram um intertexto com os versos de Orestes Barbosa na canção “Chão de estrelas” que já foi explicitada no início desta análise. “Tropeçavas nos astros desastrada Mas para mim foste a estrela entre as estrelas” 47 Nesses versos há um interlocutor: tu (mulher) e dão a idéia de uma vida simples, pautada pelo amor, a mulher, a música e pelos livros que são onipresentes na vida do compositor. Caetano extraiu da canção de Orestes Barbosa a idéia transmitida por seus versos mais expressivos que são os três últimos: “E tu pisavas nos astros distraída Sem saber que a ventura desta vida É a cabrocha, o luar e o violão” A intertextualidade apresentada na análise dessa canção deixa bem clara a importância da intertextualidade e principalmente o conhecimento de mundo do emissor que uniu Poesia, História, Química e Física em um texto ímpar. Como se pôde observar, além de contribuir para um texto criativo e conseqüentemente atraente, a intertextualidade resgata textos, os quais muitas vezes caem no esquecimento ou são desconhecidos para muitos. A intertextualidade pressupõe um universo cultural muito amplo e complexo, pois implica a identificação de alusão a outros textos literários ou não, textos mais ou menos conhecidos, além de exigir de seu interlocutor a capacidade de interpretar buscando respostas em sua memória discursiva. 3.1.2 Texto 2 “Sou seu sabiá” Agora se verá um exemplo de intertextualidade que ultrapassa as expectativas de um texto poético, pois, magistralmente, Caetano Veloso une texto verbal e não-verbal na canção “Sou seu sabiá” do disco Noites do Norte de 2000. Sou seu sabiá 48 Se o mundo for desabar sobre a sua cama E o medo se aconchegar sob o seu lençol E se você sem dormir Tremer ao nascer do sol Escute a voz de quem ama Ela chega aí Você pode estar tristíssimo no seu quarto Que eu sempre terei meu jeito de consolar É só ter alma de ouvir E coração de escutar Eu nunca me canso do uníssono com a vida Eu sou Sou seu sabiá Não importa onde for Vou te catar Te vou cantar Te vou, te vou, te vou, te dar Eu sou Sou seu sabiá O que eu tenho eu te dou Que tenho a dar? Só tenho a voz Cantar, cantar, cantar, cantar Essa canção é composta por vinte e três (23) versos e quatro (4) estrofes. Nesse texto pode-se fazer uma interface com Gonçalves Dias, que imortalizou o canto do sabiá, ave símbolo nacional desde outubro de 200218, no poema “Canção do exílio”, usado inúmeras vezes em paráfrases, paródias e citações. Vejamos os primeiros versos do poema: 18 DECRETO DE 3 DE OUTUBRO DE 2002. Publicado no D.O.U. de 4.10.2002. 49 “Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.” (Gonçalves Dias, 1843) Dentro do texto ‘Sou seu sabiá”, o enunciador (eu lírico) aparece com um diálogo mascarado e somente uma voz se faz ouvir, pois a do enunciatário (o receptor) é abafada. “ A importância do organismo criador interno não é a mesma em todos os gêneros poéticos, ela é máxima na poesia lírica” (BAKHTIN, 1988,p.67) O enunciador, “organismo criador” nas palavras de Bakhtin, coloca-se diante do enunciatário e busca sua adesão através da persuasão, construída na suposição de problemas iminentes e soluções possíveis para esses problemas. O texto assume uma nítida intensão argumentativa, já que o desejo do “eu lírico” é convencer a mulher amada a aceitar seu amor. Vejamos como exemplo a primeira estrofe do texto: “Se o mundo for desabar sobre a sua cama e o medo se aconchegar sob seu lençol se você sem dormir tremer ao nascer do sol escute a voz de quem ama ela chega aí.” A suposição de algum problema iminente pode ser vista principalmente pela hipérbole “se o mundo for desabar/ sobre sua cama”, que revela um amor carnal, visto que, fala-se de elementos que pertencem ao universo desse tipo de amor ( cama, lençol). A solução para este problema é dada ao enunciatário somente se ele escutar a voz de quem ama. Tudo se concentra na expectativa da superação de um estado melancólico do enunciatário (nos primeiros versos). Trata-se de um tempo parado que precisa se 50 distender e essa transição vem sintetizada no verso seguinte no qual o enunciador expõe seus sentimentos e se coloca à disposição do enunciatário, para ajudá-lo a solucionar o problema com a razão e com o coração. Em Bakhtin, o sujeito tem um projeto de fala que não depende só de sua intenção, mas que depende do “outro” (primeiro o “outro” com quem fala; depois o “outro”, ideológico porque é tecido por outros discursos do contexto). O sujeito de Bakhtin se constitui na e através da interação e se reproduz na sua fala e na sua prática o seu conceito imediato e social. A palavra não é monológica, mas plurivalente, e o dialogismo, uma condição constitutiva do sentido. Portanto, não haveria sentido e não seria possível o texto ser escrito pelo enunciador e dirigido a ele mesmo, pois, mesmo sendo monológico, um texto sempre busca um interlocutor. O dialogismo na canção é explicitado pelo verso em que o enunciador se dirige diretamente ao interlocutor: “Que tenho a dar ?” O enunciador do texto analisado apresenta uma metáfora dizendo ser o sabiá que possui um canto melodioso e nostálgico e que canta no tempo do amor: a primavera19. O texto é narrado em primeira pessoa num discurso direto e dirige-se a uma segunda pessoa. “Que eu sempre terei meu jeito de consolar” “Se o mundo for desabar sobre a sua cama e o medo se aconchegar sob seu lençol” 19 Popular por seu canto nostálgico, triste e saudoso, a Majestade O Sabiá tem sido lembrado na literatura brasileira pelos poetas José de Alencar, Gonçalves Dias, Chico Buarque de Holanda, entre outros, como pássaro que canta no tempo do amor: a primavera. http://www.cagedor.com.br/index.php?id=perfil 51 Os pontos de indeterminação (vazios) do texto aparecem já nos primeiros versos com a utilização do pronome Se que indica uma situação condicional e cria uma expectativa sobre o desfecho do texto, atiçando a curiosidade do leitor para chegar ao final do texto,saber o final da “estória”. O leitor participa na construção, preenchendo os pontos de indeterminação do texto de acordo com seus conhecimentos prévios e sua imaginação, é o prazer da ”poiesis” de que nos fala Jauss: A poiesis corresponde ao prazer estético decorrente da participação do leitor na compreensão do texto, pois ajuda a construi-lo, preenchendo seus vazios, completando e presentificando a significação textual através de suas projeções pessoais. ( cap. 1) O texto que estamos analisando traz, em todo seu conteúdo, como já foi dito, situações hipotéticas que buscam a superação de um estado melancólico do enunciatário causado supostamente por uma desilusão amorosa, para isso o enunciatário cria a “história” do texto de acordo com sua bagagem cultural e busca soluções para os problemas apresentados. As hipóteses levantadas pelo enunciador chegam a dois problemas: medo e tristeza. A primeira hipótese, o medo, pode-se detectar nos versos: “Se o mundo for desabar sobre a sua cama e o medo se aconchegar sob seu lençol se você sem dormir tremer ao nascer do sol” A segunda hipótese, a tristeza, é explicitada claramente pelo adjetivo superlativo absoluto sintético tristíssimo. “Você pode estar tristíssimo no seu quarto” 52 As duas hipóteses conduzem o enunciatário, através do preenchimento de pontos indeterminados (o não-dito) e o que está dito, a uma situação depressiva e cria um clima melancólico. O enunciador apresenta soluções irrecusáveis que envolvem sentimentos profundos, capazes de curar qualquer enfermidade da alma e do coração. “É só ter alma de ouvir e coração de escutar” Os verbos ouvir e escutar apresentam sentidos diferentes, o segundo tratase apenas do ato passivo de escutar uma mensagem sem decodificá-la, enquanto o primeiro, além de decodificar a mensagem, apresenta uma interpretação do seu sentido completo, o entendimento da mesma. Lendo esses versos vemos a intertextualidade implícita com o texto de Olavo Bilac: Via Láctea Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto, E abro as janelas, pálido de espanto... E conversamos toda a noite enquanto A via láctea, como um pálio aberto, Cintila. E ao vir do Sol, saudoso e em pranto Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: "Tresloucado-amigo! Que conversas com elas? Que sentido Têm o que dizem, quando estão contigo?" E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 53 Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e entender estrelas." Olavo Bilac20 Como pudemos ler e analisar, Bilac apresenta o verbo “ouvir” como condição essencial para “entender” as estrelas no poema acima. Caetano na canção que estamos analisando fala dessa mesma condição quando diz: “É só ter alma de ouvir/ e coração de escutar”. Suas condições são mostradas de maneira sutil, porém com muita profundidade e, sem dúvida, extrema sensibilidade. Somente quem é sensível é capaz de “ouvir” e “entender” estrelas, o mesmo acontece com quem é capaz de “ouvir” e “entender” o canto do sabiá. No verso seguinte: “E nunca me farto do uníssono com a vida” Demonstra-se uma maneira plena de viver, em que a vida e o enunciador caminham em um só ritmo (em um só som), sem deixar-se envolver pelo “coro de contrários” que fazem com que pessoas desafinem muitas vezes. Nas duas últimas estrofes, há a transição do estado de expectativa do leitor para a superação dessa expectativa. “Eu sou seu sabiá não importa onde for vou te catar te vou cantar te vou te vou te vou te vou Eu sou, sou seu sabiá 20 http://www.mundocultural.com.br/index.asp?url=http://www.mundocultural.com.br/literatura1/parnasi anismo/bilac.htm 54 O que eu tenho eu te dou e tenho a dar só tenho a voz cantar, cantar, cantar.” Através da disposição das palavras utilizadas pelo enunciatário afirmando que independente do local que seu objeto de desejo estiver, ela também estará e o buscará com seu canto. Percebe-se essa idéia pelo verbo catar21 que também tem significado de ficar à espreita, estar atendo, nesse caso, de ficar à espera da necessidade do interlocutor. Ao ler o texto, percebe-se a onomatopéia do canto de um sabiá pelo uso de verbos que fazem a melodia do texto: catar, cantar e dar e vou (repetidos). Essa característica de musicalidade é comparada às cantigas medievais do 22 trovadorismo , mais especificamente às cantigas de amor que focalizam as idéias e sentimentos dos cavaleiros a cerca da mulher amada. Ao ouvir-se a declamação do poema musical, percebe-se a onomatopéia somada à sinestesia que faz com que se tenha uma sensação sublime e bucólica, é a katharsis que faz com que o leitor se identifique com as emoções vividas pelos actantes ( personagens) do texto ficcional. A katharsis é a possibilidade de identificação do leitor com as personagens,conflitos e idéias transmitidas pelo texto. O leitor vê-se retratado nos dramas vividos pelas personagens; sente-se liberto dos seus problemas cotidianos e imerso na ficção, o que o faz voltar-se sobre si mesmo e identificar-se com as emoções vividas pelos actantes da trama ficcional. (Cap.1) Percebe-se, então, a grande criatividade e sensibilidade do autor e principalmente sua memória discursiva, ele usa a intertextualidade imitando o canto do pássaro com palavras e estabelece um conluio com o receptor que, num primeiro momento sente-se inserido no próprio texto, um co-autor que preenche os vazios e brancos da canção e, num segundo momento, experimenta uma relação catártica 21 catar, v.t. Buscar, procurar; pegar; recolher um por um, ficar à espreita.(Bueno,1996,p.198) A poesia desta época compõe-se basicamente de cantigas, geralmente com acompanhamento de instrumentos (alaúde, flauta, viola, gaita etc.). Quem escrevia e cantava essas poesias musicadas eram os jograis e os trovadores. Estes últimos deram origem ao nome deste estilo de época português. (http://www.graudez.com.br/literatura/trovadorismo.html) 22 55 uma vez que se vê como ele mesmo um sabiá que se doa à pessoa amada e só assim pode escapar da opressão que o domina. Caetano Veloso coloca sutilmente sua capacidade de usar a língua para mostrar que tudo é possível, desde que haja sensibilidade do leitor, inclusive para conseguir ler o canto do sabiá. 3.1.3 Texto 3 - “Os argonautas” No próximo texto, “Os argonautas”, do disco Caetano Veloso de 1.969, configura-se uma intertextualidade constante com a poesia “Navegar é preciso” de Fernando Pessoa, frisando os percalços da vida, a importância da travessia do nascimento à morte do ser humano, o fazer (nossas necessidades cotidianas) que nos leva a cumprir nossa sina, mais importante que o próprio viver. Os argonautas O barco, meu coração não agüenta Tanta tormenta, alegria Meu coração não contenta O dia, o marco, meu coração O porto, não Navegar é preciso Viver não é preciso O barco, noite no céu tão bonito Sorriso solto, perdido Horizonte, madrugada O riso, o arco da madrugada O porto, nada 56 Navegar é preciso Viver não é preciso O barco, o automóvel brilhante O trilho solto, o barulho Do meu dente em tua veia O sangue, o charco, barulho lento O porto, silêncio Navegar é preciso Viver não é preciso Nesse texto Caetano Veloso faz o resgate do poema “Navegar é preciso” de Fernando Pessoa. Navegar é preciso Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso; viver não é preciso". Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar como eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha. Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade. 57 É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça. (PESSOA, 1986,p.15) Fernando Pessoa utiliza-se também da intertextualidade, quando coloca a frase que Pompeu, general romano, 106-48 aC., dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra (cf. Plutarco, in Vida de Pompeu) “Navigare necesse; vivere non est necesse”23. Fernando Pessoa utiliza o signo preciso como sinônimo de precisão, exatidão, pontualidade.Usa somente o espírito da frase de Pompeu:“Quero para mim o espírito dessa frase”, ou seja, utiliza apenas a idéia transmitida por Pompeu e dá seu significado particular ao signo preciso. No poema “Navegar é preciso” Fernando Pessoa diz que a vida, que não passa de uma tênue teia, pode ser vivida com intensidade a cada momento, não lhe importa viver muitos anos, o que realmente importa é o que pode fazer da vida para torná-la “grande” e, conseqüentemente, imortal. Caetano trabalha com o texto de Pessoa e mostra que a vida não é simples de ser vivida, mas os seres humanos, “os navegadores”, devem conduzi-la da melhor maneira possível. A canção de Veloso divide-se em seis (6) estrofes, sendo três delas o refrão: “Navegar é preciso Viver não é preciso” A força da repetição instiga o interlocutor para as necessidades de batalhar, perseguir ideais, atravessar a vida, cumprir seu caminho e, principalmente, ser parte da humanidade, contribuir para torná-la grande. Caetano compartilha dos sentimentos de Fernando Pessoa que coloca sua vida e sua alma à disposição dos dissabores do mundo, sabendo que o tempo é inexorável. 23 http://www.secrel.com.br/JPOESIA/fpesso05.html 58 Ao navegar, o marinheiro orienta-se pela bússula, enquanto a vida pode nos surpreender a cada dia com problemas que podem mudar o “curso” da nossa existência, é preciso enfrentar a travessia através de realizações, de feitos que nos permitam permanecer para além da vida. Pessoa fala sobre sua alegria de viver e tornar a vida uma “criação”, colocando-se como peça fundamental nesse processo, nem que seja num tempo diminuto. “Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande; ainda que para isso tenha que ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.” Veloso fala sobre algo que escapa à precisão científica e à certeza do experimento. O barco não é o limite, mas uma precisão, e o coração transborda e se inquieta. É a inquietação que faz com que o sujeito se depare com suas incertezas e o seu vazio, próprio do ser humano; e é aí que aparecem as paixões e os amores, o discurso do poeta fala sobre a falta de precisão da vida que o conduz por caminhos tortuosos. “O barco, meu coração não agüenta tanta tormenta...” 3.1.4 Texto 4 “José” Na canção que veremos a seguir, cujo nome é “José” do disco homônimo de 1987, pela gravadora Polygram, a intertextualidade explícita é feita com o texto bíblico “José, vendido pelos irmãos” (Gn 37, 2 – 36), há também uma intertextualidade implícita com o poema de Carlos Drummond de Andrade “José”, cujo interlocutor passa por uma agonia semelhante à de seus homônimos da Bíblia e de Caetano. Vejamos o poema de Drummond: 59 José E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, Você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, Você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José? E agora, José? sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio, - e agora? Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora? Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse, a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse.... Mas você não morre, você é duro, José! Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, 60 sem cavalo preto que fuja do galope, você marcha, José! José, para onde?24 A parábola “José, vendido pelos irmãos” fala sobre José, filho de Jacó, o mais jovem dos doze filhos que fora vítima de inveja dos irmãos por ser o mais amado pelo pai e por saber interpretar sonhos. Certa vez, quando foi apascentar o rebanho com seus irmãos, esses tiveram idéia de matá-lo, mas foram dissuadidos por um deles chamado Rúben que sugeriu que José fosse jogado em uma cisterna, para que houvesse tempo de buscar ajuda e salvá-lo das mãos dos irmãos invejosos, porém, ao voltar com ajuda, José já havia sido vendido para os egípcios como escravo. Vejamos agora, a canção de Caetano: José Estou no fundo do poço Meu grito Lixa o céu seco O tempo espicha mas ouço O eco Qual será o Egito que responde E se esconde no futuro? O poço é escuro Mas o Egito resplandece No meu umbigo E o sinal que vejo é esse De um fado certo Enquanto espero Só comigo e mal comigo No umbigo do deserto 24 http://www.culturabrasil.pro.br/cda.htm#jose 61 Essa canção é composta por quinze (15) versos em uma só estrofe. Como se pode analisar, Caetano descreve a suposta agonia de José em uma situação sem perspectiva de solução, comparando-a com a sua e do ser humano em geral, enquanto estava no fundo de uma cisterna (poço), no meio do deserto, sem suas roupas e imagina um sonho (eco) de José que diz que o Egito é seu futuro, o que realmente acontece na história bíblica, quando ele é vendido aos egípcios pelos irmãos e para lá é levado. O nome próprio José, e o que os versos vão colocando a seu respeito, atribuem a este José de Caetano, aspectos que nos remetem ao José Bíblico. No entanto, este é um José que se aproxima do outro mas que compartilha das dores de qualquer “José” nas mesmas circunstâncias. Isto comprova-se por exemplo no verso em que o Egito deixa de ser particular,específico, para se tornar um lugar universal: o lugar da incerteza, da dúvida – “Qual será o Exito que responde / E se esconde no futuro?” “Estou no fundo do poço Meu grito Lixa o céu seco O tempo espicha mais ouço O eco” Nos versos acima, o compositor utiliza a primeira pessoa do singular através dos verbos “Estou/ Meu/ ouço”, em seguida os versos são dirigidos ao seu interlocutor, então aparece o dialogismo: “Qual será o Egito que responde E se esconde no futuro?” Outro fato que evidencia a intertextualidade com o texto bíblico é a citação de um sinal dizendo que terá muita tristeza no Egito. 62 “E o sinal que vejo é esse De um fado certo Enquanto espero Só comigo e mal comigo No umbigo do deserto” O “fado certo” refere-se à sua prisão na narrativa bíblica, por não querer deitar-se com a mulher do Faraó que, ao ser rejeitada cria uma mentira, dizendo ao Faraó que José havia tentado violentá-la. A intertextualidade implícita com o poema de Drummond é vista justamente na agonia de um José que pode ser qualquer ser humano que se vê em uma situação sem saída. Drummond trabalha com dialogismo em todo seu poema perguntando a seu interlocutor: “E agora José?” Outra intertextualidade não pode deixar de ser feita, é com relação à obra de José Saramago, mesmo sabendo que Caetano Veloso não pôde utilizar-se do livro “Evangelho segundo Jesus Cristo” de José Saramago, que foi escrito em 1.991; portanto, posterior à letra escrita por Caetano, essa leitura, que também merece ser considerada, somente poderá ser feita pelo leitor que tem conhecimento dessa obra de Saramago. Trata-se da passagem em que José está no meio do deserto com Maria e Jesus, dentro de uma caverna escura, e pode ouvir os gritos de horror diante de um fato que já sabia que iria acontecer, a matança de meninos com menos de três anos, autorizada por Herodes; José carrega essa culpa pelo resto de sua vida. ... alguém gritara na aldeia, um grito agudíssimo que nem parecera de uma voz humana , e logo depois os ecos pareciam ressoar de colina a colina, um clamor de novos gritos e prantos encheu a atmosfera, não eram os anjos chorando sobre a desgraça dos homens, eram os homens enlouquecendo debaixo de um céu vazio ... No interior da cova o negrume podia-se palpar. 3 Maria tinha medo da escuridão, habituara-se ... 3 Evangelho segundo Jesus Cristo. José Saramago, págs. 112 e 113. 63 Portanto a intertextualidade transcende o tempo e existe a partir do momento em que o leitor tem maior ou menor memória discursiva. O tema central do desespero é superado pela esperança, pelo “Egito” (futuro) que cada um de nós poderá vir a ter. 3.1.5 Texto 5 “Outro retrato” Agora veremos a intertextualidade na canção “Outro retrato” do disco Estrangeiro de 1989, Poliygram. Outro retrato Minha música vem da Música da poesia de um poeta João que Não gosta de música Minha poesia vem Da poesia da música de um João músico que Não gosta de poesia O dado de Cabral A descoberta de Donato O fato, o sinal O sal, o ato, o salto: Meu outro retrato O “Outro retrato”, sobre o qual fala Caetano, fundamenta-se em suas influências poéticas e musicais. É o resgate de suas influências, de pessoas e idéias que marcaram a sua vida e a sua música, sua música, sua voz, a expressão do seu ser, o seu modo de comunicar-se com o outro. “Minha música vem da 64 música da poesia...” Caetano inicialmente faz intertextualidade com João Cabral de Melo Neto que é um poeta que não gosta de música, isso pode ser comprovado através de trechos de entrevistas com críticas negativas e positivas, com o próprio autor, contidos nos anexos desta dissertação. Quando Caetano fala sobre um João que não gosta de poesia, podemos imaginar que seja João Gilberto, amado e odiado pelo público por seus hábitos peculiares, pois em seguida fala de João Donato, compositor, poeta e arranjador, admirado e considerado por Tom Jobim como gênio e o único que João Gilberto convidaria para tocar com ele. Assim, Caetano se reconhece com um amálgama de poetas e músicos que vieram antes dele e que fazem parte de sua construção como ser humano e músico, encarregado como todos os artistas de serem “porta vozes” da humanidade. 3.1.6 Texto 6- “Língua” A intertextualidade na canção a seguir é extremamente clara, ela é composta inteiramente com referências a outros textos. Falamos da canção “Língua” do disco Velô,1984 - Polygram. Língua Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões Gosto de ser e de estar E quero me dedicar a criar confusões de prosódia E uma profusão de paródias Que encurtem dores E furtem cores como camaleões Gosto do Pessoa na pessoa Da rosa no Rosa E sei que a poesia está para a prosa Assim como o amor está para a amizade E quem há de negar que esta lhe é superior? E deixe os Portugais morrerem à míngua 65 "Minha pátria é minha língua" Fala Mangueira! Fala! Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó O que quer O que pode esta língua? Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas E o falso inglês relax dos surfistas Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas! Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate E – xeque-mate – explique-nos Luanda Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo Sejamos o lobo do lobo do homem Lobo do lobo do lobo do homem Adoro nomes Nomes em ã De coisas como rã e ímã Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã Nomes de nomes Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé e Maria da Fé Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó O que quer O que pode esta língua? Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção Está provado que só é possível filosofar em alemão Blitz quer dizer corisco Hollywood quer dizer Azevedo E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo A língua é minha pátria 66 E eu não tenho pátria, tenho mátria E quero frátria Poesia concreta, prosa caótica Ótica futura Samba-rap, chic-left com banana (– Será que ele está no Pão de Açúcar?) – Tá craude brô – Você e tu – Lhe amo – Qué queu te faço, nego? – Bote ligeiro! – Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado! – Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho! – I like to spend some time in Mozambique – Arigatô, arigatô!) Nós canto-falamos como quem inveja negros Que sofrem horrores no Gueto do Harlem Livros, discos, vídeos à mancheia E deixa que digam, que pensem, que falem A riqueza plural da língua portuguesa falada em nosso país de extrema importância no processo de comunicação é apresentada nessa canção de maneira magistral. Ao ser declamada ou cantada a canção “Língua” deixa seu emissor e conseqüentemente seu receptor que esteja atento, “sem fôlego” por sua beleza estética e sua riqueza de informações que não podem ser assimiladas com uma única leitura. Caetano utiliza-se da intertextualidade nessa canção para falar da Língua Portuguesa que recebeu influência da miscigenação de raças que deu origem ao povo brasileiro e ocorre até hoje pelos estrangeirismos oriundos da aquisição de novas tecnologias. A identificação da intertextualidade fica clara nas citações de nomes completos ou sobrenomes: Luís de Camões; Pessoa (Fernando Pessoa); Rosa 67 (Guimarães Rosa); Carmem Miranda; Chico Buarque de Holanda; Moon de Chevalier; Glauco Mattoso; Arrigo Barnabé; Maria da Fé e Azevedo (Alinor Azevedo). Caetano reúne nessa canção nomes de artistas de diferentes áreas culturais, nacionais e internacionais que requerem atenção do leitor para identificar cada um deles e paciência para pesquisar, caso desconheça algum deles, e isso o torna um excelente material para análise, pois o adolescente entra em contato com algo que até então era desconhecido, aumentando assim, sua capacidade discursiva. No primeiro verso da canção o enunciador faz uma alusão a Luís Vaz de Camões considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa. Seu propósito é mostrar a beleza da língua (há ‘gosto’) em falar nossa língua: “Gosto de sentir minha língua roçar a língua de Luís de Camões” Os três versos seguintes apresentam algumas possibilidades de se “brincar” com a riqueza da língua portuguesa e isso pode ser comprovado pelas palavras: confusão26e profusão27 que tem como um dos sinônimos a palavra exuberância. “Gosto de ser e de estar E quero me dedicar a criar confusões de paródias E uma profusão de paródias” As palavras têm poder tanto de consolar as pessoas como de arrasá-las, de persuadi-las ou dissuadi-las, então, sobre isso, Caetano diz: “Que encurtem dores E furtem cores como camaleões” Ao dizer “furtem cores como camaleões” o enunciador apresenta a versatilidade da nossa língua, que é diferente da língua falada em Portugal, na qual o significante (palavra) pode adquirir vários significados, dependendo do contexto em que é colocado e da intenção de quem escreve ou fala, para persuadir seu receptor. 26 27 Confusão,s.f. Ato ou efeito de confundir, baralhada;perplexidade; equívoco. Profusão, s.f. Abundânca;exuberância; exagero. (Aurélio,1987) 68 Nos versos seguintes Caetano faz referência a dois grandes escritores Fernando Pessoa, que escrevia por meio de seus muitos heterônimos, dividindo-se em diversas vozes poéticas e João Guimarães Rosa, que em “Grandes sertões veredas” criou a personagem Diadorim, que a princípio assumia papel masculino para poder lutar entre homens e no final do livro é descoberta como uma mulher. “Gosto do Pessoa na pessoa Da rosa no Rosa” A seguir temos versos que em 2004 Arnaldo Jabor inspirou-se para nomear seu livro “Amor é prosa, Sexo é poesia”28 com a seleção de suas melhores crônicas afetivas. Posteriormente, na composição musical “Amor e Sexo”29 com Rita Lee e Roberto de Carvalho o escritor utilizou-se das mesmas palavras nos versos: “Amor é prosa Sexo é poesia” No 12º verso Caetano afirma a superioridade da língua portuguesa falada no Brasil apoiado no 8º , 9º e 10º versos da canção: “Da Rosa no Rosa/ E sei que a poesia está pra prosa/ Assim como o amor está para a amizade” Caetano faz uma provocação a seu receptor questionando: “E quem há de negar que esta lhe é superior?” Este questionamento se refere aos versos que apresentam a equação: poesia/prosa, amor/ amizade. Caetano se refere à poesia contida na prosa de Guimarães Rosa mostrando a superioridade dessa, à língua nacional, confirmando tal efeito de sentido pelo 12º verso: “E deixem os portugais morrerem à míngua”. 28 29 http://www.planetanews.com/produto/L/56289 http://www.ritalee.com.br/novo_cd_2004/musicas.asp 69 Caetano “dialoga” com seus receptores e sabe que a pergunta feita é provocativa, pois nem todos compartilharão de suas idéias e conclusões. No verso abaixo Caetano faz intertextualidade com o seguinte verso:”A minha pátria é a língua portuguesa” do Livro do Desassossego de Bernardo Soares considerado um semi-heterônimo de Fernando Pessoa por ser muito parecido com Álvaro de Campos, segundo carta de 1935 a Adolfo Casais Monteiro, Pessoa justifica o porquê de não o considerar como os outros: «O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as faculdades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semiheterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual 30 a esta, e o português perfeitamente igual [.....] » O verso de Caetano diz: “Minha pátria é minha língua” Em seguida o emissor utiliza-se do dialogismo num discurso muito repetido pelos puxadores de samba no nosso carnaval para incentivar os componentes da escola de samba à animação,Caetano fala de uma das mais antigas escolas do Rio de Janeiro, a “Mangueira”. “Fala Mangueira!Fala! Num dos versos mais intertextuais da canção: “Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó” Observaremos o verso em duas etapas: 30 http://www.navedapalavra.com.br/resenhas/livrododesassossego.htm 70 “Flor do Lácio31/ latim em pó”. A língua portuguesa é considerada a última “filha” do latim e ao dizer “latim em pó” o emissor mostra a evolução e a fragmentação da língua portuguesa em nosso país que originou “nossa língua portuguesa”. Caetano utiliza-se do primeiro e do terceiro versos do poema de Olavo Bilac “Língua Portuguesa” de 1964: “Última flor do Lácio..., Ouro nativo...” A utilização da palavra Sambódromo é um neologismo remete-nos ao local onde são realizadosos desfiles da festa mais popular do nosso país,o Carnaval. Lusamérica remete-nos a mistura da nossa língua vinda de Portugal com o estrangeirismo, principalmente da língua inglesa no Brasil. Caetano utiliza-se de palavras em inglês colocando suas respectivas traduções para o português no mesmo verso: “ Blitz quer dizer corisco” ou, como no exemplo seguinte, deixa que o leitor imagine que tipo de inglês é falado pelos surfistas: “...falso inglês relax dos surfistas” ou ainda: “Samba-rap, chic-left com banana” 31 O latim é um idioma original da região itálica do Lácio que ganhou grande importância por ser o idioma oficial do antigo Império Romano. O latim deu origem a um grande número de línguas européias, denominadas românicas, ou neo-latinas, como o português, espanhol, o francês, o italiano, o romeno, o galego, o occitano, o rético, o catalão e o dalmático - este, já extinto. Durante séculos depois da queda do Império Romano, o latim continuou a ser utilizado em toda a Europa como língua culta. Atualmente é idioma oficial na Cidade do Vaticano. 71 Faz uma brincadeira com as palavras misturando ritmos, relacionando samba com o rap e fazendo um jogo de palavras que nos remetem ao grupo musical baiano “Chiclete com Banana” ( chic-left com banana). Cita Luanda, lembrando uma das origens do Carnaval do Brasil: “E xeque-mate- explique-nos Luanda” A rede de televisão mais importante do país, cuja influência é inevitável nos hábitos da população do nosso país: “Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo” Nos versos: “Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção Está provado que só é possível filosofar em alemão” Caetano, segundo Luís Carlos Carpein8, não só achincalha com a pretensão germânica de Heidegger, o pensador que acreditava só ser possível filosofar em alemão, quanto exige profunda reflexão sobre o “poder da língua portuguesa” em transformar filosofia em canção. Quase no final da canção, o poeta dialoga (dialogismo) com seus interlocutores, possivelmente amigos do Rio de Janeiro. “- Será que estão no Pão de Açúcar?” O diálogo dispensa a utilização da norma culta ao empregar a gíria “mano” palavra originária de brothers, que em português significa irmãos, expressão vinda dos guetos americanos que são marginalizados (há citação do Gueto do Harlem), 32 Nascido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, é escritor, jornalista e professor. Já publicou ensaios e reportagens em jornais e revistas, além de ter desenvolvido, como bolsista do CNPQ e da Funarte/MEC, estudos sobre a crítica de arte nas revistas semanais de informação e sobre a ilustração na imprensa do Rio Grande do Sul. 72 mais especificamente das igrejas evangélicas onde os fiéis utilizam essa expressão para se cumprimentarem. O último verso da canção remete-nos ao primeiro rap genuinamente brasileiro “Deixa isso pra lá” composto e cantado por Jair Rodrigues no disco “Vou de samba com você” de 1964: “Deixa que digam, que pensem, que falem” Essa frase resume o que pensam Jair Rodrigues e Caetano Veloso sobre comentários a respeito de suas atitudes e suas letras de canções. Em entrevista à revista Cult, Caetano Veloso afirma que a canção Língua nasceu da vontade de usar os procedimentos do rap como veículo para “celebrar a língua portuguesa” falada no Brasil: “Eu planejava então explorar um novo filão de textos declamados sobre base rítmica (mas uma base inventada por mim e meus amigos músicos, não uma reprodução do que faziam os americanos): seria um modo de ter mais liberdade para a poesia na música. E o tema de gostar de falar apareceu logo, o que me levou a celebrar a língua portuguesa, sugerindo 33 reflexões sobre ela .”(VELOSO, 2001: 56). 3.1.7 Texto 7- “Pra ninguém” Sobre canção “Pra ninguém” do CD Livro de 1997, pela gravadora Polygran, Caetano diz: “É uma lista do que eu gosto, uma lista quase acrítica. Só ao final é que surge o João, acima de tudo, como a atitude crítica que rege tudo o mais, até o gosto acrítico.”9 As palavras de Caetano são bem claras, fala de vários intérpretes e compositores e classifica João Gilberto como o mais crítico de todos, faz intetextualidade com os nomes das canções e seus respectivos interpretes, canções que cantam, mas não compuseram. Pra ninguém 33 33 http://www.inventario.ufba.br/02/d02/02eversilva.htm Veloso, Caetano. Sobre as letras, pág.62 73 Nana cantando "Nesse mesmo lugar" Tim Maia cantando "Arrastão" Bethânia cantando "A primeira manhã" Djavan cantando "Drão" Chico cantando "Exaltação à Mangueira" Paulinho, "Sonho de um carnaval" Gal cantando "Candeias" E Elis, "Como nossos pais" Elba cantando "De volta pra o aconchego" Sílvio cantando "Mulher" E Elisete cantando "Chega de mágoa" Carmen cantando "Adeus batucada" Gilberto cantando "Sobre todas as coisas" Cauby cantando "Camarim" Orlando cantando "Faixa de cetim" Milton, "O que será?" Roberto, "A madrasta" Bosco, "Rio de Janeiro" E Dalva, "Poeira do chão": Melhor do que isso só mesmo o silêncio E melhor do que o silêncio só João Nara cantando "Diz que fui por aí" Marisa, "A menina dança" Aracy cantando "A camisa amarela" Amélia, "Boêmio" Max, "Polícia" Nora, "Menino grande" Dolores, "Não se avexe não": Melhor do que isso só mesmo o silêncio Melhor do que o silêncio só João 74 Vamos à análise intertextual: Nana Caymmi é filha de Dorival Caymmi Dori Caymmi, cantor e compositor baiano. A canção “Nesse mesmo lugar” sobre a qual se refere o texto é dos compositores Klécius Caldas e Arnaldo Cavalcanti. Sebastião Rodrigues Maia é compositor e violonista carioca. Em 1957 formou o conjunto Os Sputniks, que tinha também entre seus integrantes Erasmo Carlos e Roberto Carlos, tendo sido professor de violão de ambos. A canção “Arrastão” foi composta por Edu Lobo e Vinícius de Morais. Maria Bethânia é cantora e irmã do compositor e cantor Caetano Veloso. ”A primeira manhã”, na verdade, com título original “Na primeira manhã” é composição de Alceu Valença. Djavan, cantor e compositor Alagoano . Por sua originalidade e polinização de suas canções, a única coisa que se pode prever a cada novo trabalho de Djavan é sua versatilidade de tons. Drão, canção composta por Gilberto Gil do disco “Um banda Um” de 1982. Chico Buarque, além de cantor e compositor consagrado da MPB (Música Popular Brasileira), trilhou com êxito o caminho da dramaturgia e incursionou pela literatura ficcional. Uma das características marcantes de sua obra como letrista é a verossimilhança com que retrata o imaginário feminino. “Exaltação à Mangueira”, canção composta por Enéas Brittes e Silva e Aloísio Augusto da Costa em 1955, foi lançada por Jamelão no carnaval de 1956. Paulinho da Viola é um dos mais requintados compositores de samba em atividade, letrista e instrumentista. Sonho de um carnaval, canção composta por Chico Buarque de Holanda em 1965 e gravada no disco “Nervos de aço” de 1973 pela Odeon. 75 Gal Costa é uma das vozes mais afinadas da MPB (Música Popular Brasileira) e considerada por Caetano Veloso a melhor cantora do Brasil. A canção “Candeias” foi composta por Edu Lobo em 1967. Elis Regina tornou-se conhecida nacionalmente em 1965, ao sagrar-se vencedora do I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, defendendo a música "Arrastão" de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. A canção “Como nossos pais” é composição de Belchior dos anos 70 que foi gravada por Elis Regina em 1971 e foi a alavanca da carreira do compositor, pois posteriormente, vários artistas famosos interpretaram suas canções também. Elba, cantora nordestina, teve como cartilha os mais diversos ritmos dessa ensolarada região: baião, maracatu, xote, frevo, pastoril, caboclinhos e forrós. Gêneros musicais que preservam a pureza ao mesmo tempo que criaram novas dinâmicas na cultura popular e influenciaram toda a música brasileira. “De volta pro aconchego”, citada por Caetano, tem como nome original “De volta pro meu aconchego”, composição de Dominguinhos e Nando Cordel de 1985. O cantor Sílvio Caldas foi o maior responsável pela consolidação da seresta na música popular brasileira, tendo contribuído para o gênero também como compositor nos anos 30. Por isso ele se tornou identificado como "O Seresteiro do Brasil", epíteto ao qual se manteve fiel durante toda a sua longa carreira. A canção “Mulher” de 1940 é composição de Custódio Mesquita e Sadi Cabral. Elizeth Cardoso foi uma das maiores divas da canção brasileira. Faleceu em 7 de maio de 1990. “Chega de mágoa” foi uma composição coletiva ( Milton Nascimento, Djavan, Rita Lee, Caetano Vesoso, Elisete Cardoso e outros), gravada no compacto simples “Nordeste já” no ano de 1985, ano da solidariedade. Carmem Miranda, cantora e atriz brasileira de origem portuguesa, nasceu em 9 de fevereiro de 1909 e faleceu em 5 de agosto de 1955. A gravação de 1935, citada por Caetano, é de composição de Sinval Silva. Gilberto Gil e Caetano Veloso revolucionam, com o Tropicalismo, toda a música popular brasileira, com composições mais engajadas e políticas, ao contrário da ingenuidade que a jovem guarda passava para a juventude de então. Em 1969 foi 76 exilado, juntamente com Caetano, devido a convicções políticas discordantes dos então ditadores de plantão. A canção “Sobre todas as coisas” é composição de Chico Buarque e Edu Lobo de 1982 e foi composta para o balé “O grande circo místico”. Cauby Peixoto foi um dos grandes ídolos da era do rádio em 1.954 perseguido pelas fãs. Sua imagem foi forjada para agradar: vestindo-se de maneira extravagante para a época, e colocando trinados e versos inexistentes em suas canções, criou um tipo diferente, obtendo sucesso imediato. A canção “Camarim” é uma composição com letra de Hermínio Bello de Carvalho e música de Cartola. Orlando Silva, cantor da era do rádio, recebeu o “slogan” de “O cantor das multidões” do radialista Oduvaldo Cozzi, depois de cantar em 1.938 para um público de dez mil pessoas em São Paulo. A canção “Faixa de cetim” de 1962 é composição de Ary Barroso. Milton Nascimento é considerado, tanto no Brasil quanto no exterior, um dos maiores cantores da música brasileira, além de ser um compositor consagrado, que influenciou toda uma geração de músicos. Em 1998 ganhou o Grammy na categoria A canção “O que será?” ou “À Flor da pele” é composição de Chico Buarque de Hollanda de 1976. Roberto Carlos, considerado o “REI” Da MPB (Música Popular Brasileira) foi um dos primeiros ídolos jovens da cultura brasileira. Além do programa e dos discos, estrelou filmes, inspirados no modelo lançado pelos Beatles nos anos 60. A canção “A madrasta” ou somente “Madrasta” é composição de Beto Ruschel e Renato Teixeira de 1968, está no disco “O inimitável” pela gravadora CBS. João Bosco é violonista, cantor e compositor mineiro e foi parceiro de grandes nomes da MPB. A canção “Rio de Janeiro” ou “Samba do avião” é composição de Tom Jobim de 1962. Dalva de Oliveira também da era do rádio foi eleita a “Rainha do rádio” em 1.951. 77 A canção “Poeira do chão” é composição de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas de 1952.(Em anexo: vida e obra dos cantores e compositores acima citados). Nas canções analisadas, observamos a intertextualidade (o diálogo entre diversos tipos de textos) e o dialogismo (Mikail Bakhtin) que fazem que consigamos interagir com as canções, como receptores da palavra poética e da música de Caetano. Para Bakhtin a língua se harmoniza em conjuntos, pois não é um sistema abstrato de normas, mas sim uma opinião plurilíngüe concreta sobre o mundo e assim as ideologias do autor e receptores encontram-se em horizontes e expectativas comuns. Caetano faz paráfrases e paródias e, para tanto, utiliza-se de grande variedade de textos de várias épocas históricas (desde o Gênesis da bíblia, passando por artistas até citações como nossa maior festa popular, o Carnaval), exprimindo o que pensa através de letras poéticas e utilizam-se de seu vasto repertório,onde se fundem o erudito e o popular, o clássico e a massa, encontrando eco, em diferentes níveis nos repertórios de seus mais variados receptores. Ao analisarmos a intertextualidade nas canções de Caetano Veloso podemos constatar sua memória discursiva ilimitada. O talento do compositor é indiscutível, suas citações vão desde o Gênesis da Bíblia Sagrada às gírias populares. É de extrema importância que os leitores dos textos de Caetano Veloso tenham uma boa memória discursiva, mas, se isso não for possível, é necessário que haja disposição em adquiri-la através de pesquisas, para que a leitura seja efetiva e os leitores consigam entender e interagir (dialogar) com eles, através dos vazios deixados pelo compositor. No capítulo seguinte, enfocamos a prática em sala de aula, ou seja, como fazer das canções de Caetano instrumentos de motivação e estímulo para que os alunos escrevam textos diversos, de dissertações a poesias, tendo como tema e inspiração, as idéias, os sentimentos e as visões de mundo, auridas da análise das canções de Veloso. 78 4 A MÚSICA COMO ESTRATÉGIA NA SENSIBILIZAÇÃO PARA A PRODUÇÃO DE TEXTOS 4.1 A Música “A mais simples canção popular imbuída de humanidade é poesia” 35 Benedetto Croce A música, como já dissemos em capítulo anterior, sempre esteve presente na vida do ser humano é através dela que podemos contar a história da humanidade resgatando costumes, crenças, medos e anseios de cada etapa vivida pelo receptor. A música não tem fronteiras. As canções de Caetano Veloso fazem parte da história política do nosso país, representam toda uma geração incompreendida, no momento em que a ditadura militar assolava nosso país. Essa geração consagrou o compositor como um de seus líderes, aquele que dizia o que todos queriam dizer e não tinham coragem. Em suas canções, Caetano era a voz de um povo oprimido. Eu sou apenas um velho baiano Um fulano, um caetano, um mano qualquer Vou contra a via, canto contra a melodia Nado contra a maré (VELOSO, 1989 ) Nesse trecho da canção “Branquinha” podemos dizer que existe intertextualidade implícita com versos do poema “Morte e vida Severina” de João Cabral de Melo Neto quando diz: “Eu sou apenas um velho baiano/ Um fulano, um Caetano, um mano”. Observemos os versos de João Cabral de Melo Neto: “O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI” - O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. 35 http://geocities.yahoo.com.br/buscagratis/frasepoesia.html 79 Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias. Mais isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. ”36 Há intertextualidade também com uma tradução de Augusto de Campos de um poema provençal de Arnaut Daniel que diz: “eu nado contra a maré”; com essas palavras, Caetano expressa seu lugar de defensor da sociedade, diante de fatos que vão contra a sua ideologia. Na época da opressão do governo militar, Caetano escreveu várias canções, um dos exemplos mais explícitos é a canção “Enquanto seu lobo não vem” do disco “Tropicália” de 1968 que estabelece intertextos que propiciam o dialogismo entre o autor e o receptor com o conto de fadas “Chapeuzinho vermelho”, no título e no início do poema, remetendo à repressão militar, com a repetição do refrão “Os clarins da banda militar”, numa canção política que incita aos protestos e à revolução. Vejamos a letra da canção na íntegra: 36 http://www.navedapalavra.com.br/resumos/morteevidaseverina.htm 80 Enquanto seu lobo não vem Caetano Veloso I Vamos passear na floresta escondida, meu amor Vamos passear na avenida Vamos passear nas veredas, no alto meu amor Há uma cordilheira sob o asfalto II (Os clarins da banda militar…) A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas (Os clarins da banda militar…) Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas (Os clarins da banda militar…) Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas (Os clarins da banda militar…) III Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil Vamos passear escondidos Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou Vamos por debaixo das ruas IV (Os clarins da banda militar…) Debaixo das bombas, das bandeiras (Os clarins da banda militar…) Debaixo das botas (Os clarins da banda militar…) Debaixo das rosas, dos jardins (Os clarins da banda militar…) Debaixo da lama (Os clarins da banda militar…) Debaixo da cama Estruturalmente a canção é composta, basicamente, da seguinte forma: 81 - A primeira estrofe da canção apresenta a figura de estilo anáfora nos primeiros versos e uma conclusão no último verso, que configura a busca de interação com o outro, representados pela namorada e pelo receptor que estão todos contidos no sintagma “Vamos”, repetido com grande força semântica no início dos versos; - A segunda estrofe quebra essa estrutura com versos que se intercalam com o refrão que aparece entre parênteses, quatro vezes, instaurando a idéia que se concretiza do decorrer da canção (poema), de repressão militar que se apresenta em todas as situações vividas pelo autor e pelos receptores de sua mensagem; - A terceira estrofe é composta somente com a anáfora, sem nenhuma conclusão, mostrando o percurso que nós todos somos convidados a seguir reiteradamente reforçado pelo sintagma “Vamos”; - A última estrofe segue a mesma estrutura da segunda estrofe, aumentando a intensidade da repressão e dos perigos que o autor ( personagem) e todos nós compartilhamos ao enfrentar a ditadura e as perseguições políticas da época. A canção sugere que os amantes andem pela cidade nos subterrâneos para se livrarem da repressão militar, sempre lembrada pela frase “(Os clarins da banda militar)”, como vemos, sempre entre parênteses como se estivessem falando sobre esse som num sussurro para não serem descobertos. Caetano Veloso faz um comentário sobre essa canção no livro “Sobre as Letras”14 : Uma música muito política, do período tropicalista. É uma incitação às passeatas de protesto... Presidente Vargas é invocado aos brados! Apesar do forte conteúdo político, os censores deixaram-na passar, porque não entenderam nada... Aliás, a esquerda também não entendeu direito, ninguém entendeu muito bem, e quem entendeu fingiu que não. (VELOSO, 2003: 38) Caetano queria mais. Queria inovar, chocar. De tão autêntico, chegou a ser vaiado ao levar para o palco “É proibido proibir” na eliminatória paulista do 3º Festival Internacional da Canção, no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, em 1968. No entanto, nada o derrubaria. Em 1969, depois de ser delatado, foi 14 Livros, canção do disco “Livro” de 1997. 82 mandado para o exílio em Londres, onde continuou compondo e participando da vida de sua Terra, agora tão distante. Portanto, são letras que por sua força histórica muito contribuem para a educação do nosso país e quando usadas como estímulo à escrita, automaticamente ajudam na formação de um cidadão mais crítico e principalmente consciente. 4.2 Descrição das Estratégias Metodológicas da aplicação de canções como tema de produção de textos As canções que serão apresentadas como objeto de estudo neste capítulo foram selecionadas de acordo com o interesse, o conhecimento prévio e a visão de mundo de alunos de Escolas Públicas Estaduais do último ano do Ensino Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio, trata-se de um público heterogêneo, com postura e interesses de adolescentes, massificados pelo consumismo desenfreado de início do Século XXI, que visa sobretudo o “objeto” e não a sua análise crítica, dentro desse contexto, as canções: “Livros”, “Sou seu sabiá” e “Os argonautas”, foram as que mais se enquadraram na realidade sóciocultural desses alunos, conforme suas análises e comentários realizados em sala de aula. Tudo se reduz ao diálogo, a contraposição dialógica enquanto centro. Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida. Mikail Bakhtin 37 O dialogismo é um diálogo entre textos com diversas formas de expressão (oral, escrito, visual, etc.) e de todos os textos envolvidos nesse diálogo sairá um novo texto. Conforme citação de Bakhtin não há diálogo sem pelo menos duas vozes (enunciador e enunciatário) e essas vozes imprimem no texto sua memória 37 http://www.cefetsp.br/edu/sinergia/claudia2.html 83 discursiva, que depende de seu conhecimento de mundo e da ideologia dos envolvidos no discurso. As palavras do enunciador estão sempre e, inevitavelmente, atravessadas pelas palavras do outro: o discurso elaborado pelo enunciatário se constitui também no discurso do outro que o atravessa, condicionando o discurso do eu de Bakhtin que diz que o discurso nunca é individual, mas social. Bakhtin aborda o processo de formação do discurso em três etapas: o eu – para - mim; o eu – para –os -outros e o outro – para - mim. Essa tríade mostra sua visão em relação ao eu relacionando-se com o mundo.“Para ele não há mundo dado ao qual o sujeito possa se opor. É o próprio mundo externo que se torna determinado e concreto para o sujeito que com ele se relaciona.”(FREITAS, 1995: p. 126-6) Os sujeitos do discurso vivem em constante diálogo e o emissor pode oferecer obstáculos à sua realização ou manutenção provocando rupturas que vão infiltrando sensíveis mudanças no contexto. É neste momento que ocorre a interferência do professor no processo de recepção dos textos pelos alunos. O ensino da Língua Portuguesa deve ser voltado para o desenvolvimento crítico do cidadão, em relação aos aspectos políticos, culturais, profissionais e participativos da sociedade. Os educandos deverão conscientizar-se de seu papel dentro da sociedade e caberá ao educador ter competência para organizar os conhecimentos que deverão ser adquiridos por eles, levando em consideração a realidade e a sociedade em que eles estão inseridos e contribuindo para sua transformação através do conhecimento que construirão através de pesquisas, aulas expositivas e muita leitura, decodificação, interpretação e escrita de textos. A competência lingüística do educando deve ser construída com bases sólidas, portanto a escolha das canções de Caetano Veloso fazem parte dessa base em nossa pesquisa, visto que aguçará a capacidade do aluno em ler, interpretar e escrever textos. Cabe ao professor colocar à disposição dos alunos instrumentos que os façam compreender melhor os textos preenchendo os vazios neles contidos. Os textos que serão analisados e posteriormente utilizados como tema de redações são fontes inesgotáveis de vazios, conforme palavras de Eucanaã Ferraz: 84 Penso inicialmente nas várias e longas entrevistas com Caetano Veloso. Apesar da condução incisiva das questões que abraça, assistimos mais que a exteriorização do que está pronto: acompanhamos o alçar de um pensamento e uma fala ela mesma, pontuada por vazios, reminiscências, desvios.( FERRAZ, 2000,11) Cabe ao leitor preencher os vazios dos textos com sua memória discursiva que é adquirida, conforme já dito, com tudo que o leitor aprende durante sua vida. Foram aplicados vários textos de Caetano Veloso, cuja análise intertextual consta no segundo capítulo, e feitas propostas de redação com os diferentes tipos de composição: Dissertação, Narração e Paródia. Dissertação: “nesse tipo de texto predomina a defesa de uma idéia, de um ponto de vista. Portanto, tem objetivos bem distintos, se comparado a outros tipos de composição.A dissertação é o fruto da razão, da capacidade de argumentação, do raciocínio lógico. O autor do texto desenvolve argumentos que sedimentam, solidificam sua posição final.” (NICOLA: 1986, 52) É muito importante que os educandos reconheçam os vários formatos textuais na manifestação cultural, para que haja a perpetuação cultural, propagação de ideologias, convenções, valores e , principalmente, a formação de um sujeito crítico.Para isso e por isso o processo da comunicação e tão importante para o homem. Inicialmente trabalharemos com o texto “Livros”.15 Vejamos a letra da canção na a seguir: Livros Tropeçavas nos astros desastrada Quase não tínhamos livros em casa E a cidade não tinha livraria Mas os livros que em nossa vida entraram São como a radiação de um corpo negro Apontando pra a expansão do Universo Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso (E, sem dúvida, sobretudo o verso) 15 Livros, canção do disco “Livro” de 1997. 85 É o que pode lançar mundos no mundo. Tropeçavas nos astros desastrada Sem saber que a ventura e a desventura Dessa estrada que vai do nada ao nada São livros e o luar contra a cultura. Os livros são objetos transcendentes Mas podemos amá-los do amor táctil Que votamos aos maços de cigarro Domá-los, cultivá-los em aquários, Em estantes, gaiolas, em fogueiras Ou lançá-los pra fora das janelas (Talvez isso nos livre de lançarmo-nos) Ou o que é muito pior por odiarmo-los Podemos simplesmente escrever um: Encher de vãs palavras muitas páginas E de mais confusão as prateleiras. Tropeçavas nos astros desastrada Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas. Caetano Veloso A metodologia utilizada para a produção de textos dissertativos com base na canção aqui apresentada foi: 1- Entrega de uma cópia do texto para cada aluno; 2- Leitura silenciosa do texto pelos alunos; 3- Leitura em voz alta do texto pelo professor pausadamente e com expressividade; 4- Interpretação oral do texto pelos alunos após breve explanação dos elementos do texto pelo o professor (Ver análise da canção no Capítulo III, item 1.0); 5- Primeira audição da canção na sala de aula através de um aparelho de rádio que reproduz a mídia sonora CD Player; 6- Análise de elementos intertextuais do texto em um seminário com interação entre professor e alunos; 7- Aulas interdisciplinares com utilização de palavras da canção: - História – Santa inquisição (índex e queima de livros); 86 - Física- Radiação, Corpo Negro, Expansão do Universo. 8- Pesquisa na sala de informática; 9- Segunda audição da canção na sala de aula, com a música tocada no violão por um convidado ou por um dos alunos da sala; 10- Novo diálogo sobre a canção entre professor e alunos com maior interação pelo maior entendimento da mensagem transmitida pela canção; 11- Proposta de redação pelo professor: “Com base no poema Livros de Caetano Veloso redija um texto dissertativo / argumentativo sobre o seguinte tema: Qual a importância dos livros em nossas vidas”; 12- Produção de textos dissertativos pelos alunos. O público alvo desta atividade foram 40 alunos da terceira série do Ensino Médio da Escola Estadual “Victor Maida” de Ibitinga, SP. A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min). Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de uma canção com conteúdo que causasse interesse nos jovens e da sensibilização conseguida através da reprodução da canção, principalmente, ao vivo, podemos comprovar essa afirmação nos textos dos alunos em anexo. Ainda com esse mesmo texto a proposta de redação foi uma composição narrativa. As estratégias metodológicas foram as mesmas utilizadas no texto dissertativo, apenas foi mudado o foco do tipo de texto a ser escrito que passou da dissertação para a narração. Narração: o texto centra-se em um fato ou acontecimento; há personagens que atuam e um narrador que relata a ação. Percebe-se o predomínio de frases verbais, indicando um processo ou ação. (NICOLA: 1986, pág.52) O público alvo desta atividade foram 40 alunos da primeira série do Ensino Médio da Escola Estadual “Victor Maida” de Ibitinga, SP. (Em anexo exemplo de narrações) As outras etapas da produção do texto repetiram-se conforme as utilizadas na produção do texto dissertativo. A próxima atividade de produção textual utilizou-se da paródia. Paródia: é recurso encontrado com freqüência na literatura. Reside na retomada de um texto, trabalhado com novas e diferentes intenções daquelas com que foi criado por seu autor. Encontramos paródias humorísticas, críticas, poéticas. 87 Detendo-se na etimologia da palavra, Genette (1982) nos faz lembrar que ode é canto, canção e para de paródia, aquilo que se desenvolve ao longo de, ao lado de. Logo, a paródia seria um contracanto, uma canção transposta com interação irônica ou humorística. Genette destaca três possibilidades de paródias representadas na tradição literária: 1. a aplicação de um texto nobre, modificado ou não, a um diferente assunto, geralmente vulgar; 2. a transposição de um texto nobre para um estilo vulgar; 3. o emprego de um estilo nobre (epopéia) de uma obra singular a um assunto vulgar ou não-heróico. “A forma mais rigorosa de paródia consiste na retomada de um texto conhecido para lhe dar um novo sentido ou mesmo desligá-lo de seu contexto e de seu nível de dignidade. Ela se faz, nesse caso, paródia de umas poucas frases, textos curtos, provérbios, ditos históricos tomados em outro sentido que não o original. Com essas características, funciona como destaque dentro do texto que a abriga, levando o receptor a estabelecer relações entre o texto de origem e a paródia inserida em novo contexto. Encontram-se paródias que consistem em mudar uma letra em uma palavra; outras trocam uma palavra de um verso; outras ainda, sem qualquer alteração textual, suprimem o sentido de uma citação, ao dar-lhes um novo contexto. Existem aquelas que compõem toda uma obra nos moldes de outra, modificando-lhe o assunto ou o sentido mediante alteração de certas expressões. Uma outra forma de paródia, que se caracteriza por desenvolver textos de acordo com o gosto e o estilo de autores pouco aceitos, é vista por Genette como ‘imitação estilística com função crítica ou ridicularizante.’ Essa paródia de aspecto caricatural recebe a denominação específica de pastiche.” (GENETTE, 2005,p. 35) Após estudar as relações intertextuais, os alunos da primeira série do Ensino Médio fizeram uma paródia da canção “Sou seu sabiá” 16que veremos a seguir: Sou Seu Sabiá Se o mundo for desabar sobre a sua cama 16 “Sou seu sabiá” do disco Noites do Norte de 2000. 88 E o medo se aconchegar sob o seu lençol E se você sem dormir tremer ao nascer do sol Escute a voz de quem ama ela chega aí Você pode estar tristíssimo no seu quarto Que eu sempre terei meu jeito de consolar É só ter alma de ouvir, e coração de escutar E nunca me farto do uníssono com a vida Eu sou, sou seu sabiá Não importa onde for vou te catar Te vou cantar te vou te vou te vou te vou Eu sou, sou seu sabiá O que eu tenho eu te dou E tenho a dar Só tenho a voz cantar, cantar, cantar, cantar Caetano Veloso A metodologia utilizada para a sensibilização para a escrita de textos foi a seguinte: 1-Todos os alunos receberam a cópia da canção; 2-Leitura silenciosa da letra pelos alunos; 3-Levantamento de idéias sobre o significado do nome da canção pelos alunos; 89 4-Leitura oral por um aluno do poema “Canção do exílio” de Gonçalves Dias por um dos alunos; 5- Pesquisa sobre o sabiá com livros da biblioteca e na sala de informática da escola com utilização da internet; 6- Posicionamento das cadeiras dos alunos em círculo; 7- Leitura oral do texto “Sou seu sabiá” feita por um aluno com entonação e expressividade; 8- Leitura do poema “Via Láctea” por um aluno; 9- Compreensão e interpretação oral com interação entre professor e alunos, descobrindo as intenções e as sugestões levantadas pelo eu-lírico ( Ver análise da canção no Capítulo 2, item 2.1.2); - Esgotadas as dúvidas quanto ao vocabulário, à compreensão e à intencionalidade da canção houve a audição da canção em um aparelho de CD Player; - A sala foi dividida em duplas para que os alunos escrevessem uma paródia ou um poema sobre a canção. O público alvo dessa atividade foram 40 alunos da primeira série do Ensino Médio da Escola Estadual “Ângelo Martino” de Ibitinga, SP.(Nos anexos alguns trabalhos dos alunos). A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min). Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de uma canção com conteúdo que causasse interesse nos jovens, afinal, estão na época das “paixões adolescentes”, e da sensibilização conseguida através da reprodução da canção. A última estratégia de sensibilização teve como tema a canção “Os argonautas” ,o poema de Fernando Pessoa “Navegar é preciso” 17e a utilização do Tangram18: 17 18 “Os argonautas” do disco Caetano Veloso de 1.969 Tangram: s.m. LUD espécie de quebra-cabeça de origem chinesa composto por um quadrado dividido em sete peças (cinco triângulos, um quadrado, um robóide) remontáveis em figuras diversas. ETIM ing. Tangram (de 1864) ‘ id, prov.chn. tang + suf. Ing – gram – grama. Dicionário HOUAISS, p. 2.668. 90 Vejamos com dobraduras e detalhes a “historinha” do Tangram que foi retirada de um Caderno Pedagógico Fome e solidariedade do Concurso viagem Nestlé pela literatura de 2003. 91 92 93 41 41 Caderno Pedagógico “Fome de solidariedade”, Concurso viagem Nestlé pela Literatura, 2003, Ano 5,págs 27,28,29 e 30. 94 Lenda do Tangram O Tangram surgiu na China e seu nome significa Tábua das Sete Sabedorias. Conta-se que, no século XII, um monge taoísta deu ao seu discípulo um quadrado de porcelana, um rolo de papel de arroz, pincel e tintas, e disse: - Vai e viaja pelo mundo. Anota tudo que vires de belo e depois volta. A emoção da tarefa fez com que o discípulo deixasse cair o quadrado de porcelana que se partiu em sete pedaços. O discípulo, tentando reproduzir o quadrado, viu formar uma imensidão de figuras belas e conhecidas a partir das sete peças. De repente percebeu que não precisaria mais correr o mundo. Tudo de belo 19 que existia poderia ser formado pelo Tangram. O Tangram é um jogo educativo construído com um quadrado de papel chacrim (no caso de nosso trabalho) ou de outros materiais que é dividido através de dobraduras em: dois triângulos grandes; dois triângulos pequenos; um triângulo médio; um trapézio e um quadrado pequeno, essas formas geométricas permitem a criação de várias outras formas, como, por exemplo, animais, pessoas, etc. Vejamos, agora a canção de Caetano: Os argonautas O barco, meu coração não agüenta Tanta tormenta, alegria Meu coração não contenta O dia, o marco, meu coração O porto, não Navegar é preciso Viver não é preciso 19 http://www.chinaonline.com.br/artes_gerais/tangram/default.asp 95 O barco, noite no céu tão bonito Sorriso solto, perdido Horizonte, madrugada O riso, o arco da madrugada O porto, nada Navegar é preciso Viver não é preciso O barco, o automóvel brilhante O trilho solto, o barulho Do meu dente em tua veia O sangue, o charco, barulho lento O porto, silêncio Navegar é preciso Viver não é preciso Caetano Veloso A metodologia utilizada para a produção de textos foi: 1- Cada aluno recebeu uma folha de papel de dobradura; 2- A professora contou aos alunos a origem do Tangram; 3- Seguindo a “historinha” do Tangram foram feitas as dobraduras para sua construção; 4- Debate entre professor e alunos com manifestações espontâneas dos alunos sobre atitudes de inconformismo das pessoas com a realidade e transformação que o ser humano pode construir; 96 5- Os alunos construíram personagens com as peças do Tangram; 6- Audição da a canção “Os argonautas” reproduzida por um aparelho de CD Player; 7- Entrega do texto da canção para os alunos; 8- Estudo do texto com leitura compartilhada entre alunos e professor em voz alta com expressividade de ambas as partes; 9- Leitura e exploração compartilhadas do texto “Navegar é preciso” de Fernando Pessoa; 10- Estabelecimento das marcas de intertextualidade entre a canção, o poema e a historinha do auto-conhecimento; 11- Produção de um texto em prosa ou em verso com o tema “Navegar é preciso” com a seguinte proposta: “ Produzir um texto escrito em prosa ou verso a partir da canção ‘Os argonautas’ de Caetano Veloso, do poema ‘Navegar é preciso’ de Fernando Pessoa e da história do Tangram”. O público alvo dessa atividade foram 41 alunos da oitava série do Ensino Fundamental da Escola Estadual “Profª Iracema de Oliveira Carlos” de Ibitinga, SP. (Em anexo, trabalho dos alunos.) A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min). Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de uma canção, com conteúdo que conduzisse os alunos à reflexão sobre transformações pessoais e o crescimento interior do ser humano. Esse entendimento foi auxiliado pelo poema e pela atividade lúdica do Tangram, que auxiliaram na interpretação da canção, através da intertextualidade feita entre os textos. 4.3 Avaliação da recepção das canções As atividades despertaram interesse nos alunos, especialmente a atividade lúdica do Tangram os deixou mais “soltos” e predispostos para as atividades de 97 análise e produção textual. A audição das canções, desconhecidas pelos alunos, foi de extrema importância na sensibilização dos alunos para a escrita de textos, fez do ato de redigir uma atividade lúdica e prazerosa. As canções selecionadas para estudos em salas de aulas de acordo com os interesses dos alunos foram: “Livros”, “Sou seu sabiá” e “Os argonautas” , cada uma delas refere-se respectivamente aos temas: 1- a importância dos livros-2, o amor e o livre arbítrio do ser humano para conduzir sua vida e propiciam material para a escrita ( sobre o que escrever) suprindo uma necessidade sempre apontada pelos alunos que afirmam “não saber o que escrever”, “não ter assunto”. Os alunos participaram de maneira efetiva na interpretação dos textos e, quando não conseguiam preencher os vazios deixados pelo compositor, faziam questionamentos ao professor ou pesquisavam em livros, nas Bibliotecas das escolas e nas Salas de Informática utilizando a Internet. As produções textuais foram consideradas satisfatórias, embora possam melhorar ainda mais com a aplicação dessas atividades com maior freqüência. 98 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nossa pesquisa é fundamentada na Estética da Recepção, no dialogismo bakhtiniano e na Semiótica. A Estética da Recepção e o dialogismo têm teorias que se complementam, portanto nossos estudos concentraram-se nesse aspecto. Na Estética da Recepção o texto é o objeto das investigações do receptor que o analisará e o interpretará de acordo com seu conhecimento de mundo, o momento histórico em que vive e conhecimentos adquiridos através de informações obtidas por meio de descobertas (pesquisas). O leitor “desconstrói” o texto através de sua análise para posteriormente “reconstruí-lo” preenchendo os “vazios” deixados pelo emissor que quando escreveu imaginou um leitor implícito ( Wolfgang Iser). ... do ponto de vista da Estética da Recepção, o texto apenas se “concretiza” através da atuação do leitor e que, devido a isso, não pode simplesmente ser compreendido como uma partitura de instruções que por si própria já assegurassem sua transformação em forma significativa. Isto quer dizer, contudo, que aquela base de comparação, que deveria possibilitar “a discutibilidade intersubjetiva, das interpretações individuais, feita durante a leitura”, não pode mais ser obtida como um conceito de texto separado do leitor - seja ele modificado como for - e sim apenas como resultado da co-atuação entre texto e leitor. (COSTA LIMA, 2002,p. 991, v.2) O dialogismo também trata da relação do texto com seu receptor, porém, concentra-se nas diversas estratégias utilizadas pelo emissor no momento em que escreve seu texto (momento da criação) afim de persuadir seu leitor, é como se imaginasse um diálogo entre texto (objeto) e leitor (receptor). O falante tende a orientar o seu discurso, com o seu círculo determinante, para o círculo alheio de quem compreende, entrando em relação dialógica com os aspectos deste âmbito. O locutor penetra no horizonte alheio de seu ouvinte, constrói a sua enunciação no território de outrem, sobre o fundo aperceptivo do seu ouvinte. ( BAKHTIN, 1998,p.91) Esta pesquisa foi desenvolvida em salas de aula e as metodologias utilizadas propiciaram aos receptores, alunos do ensino Fundamental e Médio, o encontro com textos de Caetano Veloso os quais, inicialmente, causaram estranhamento, mas propiciaram um estudo significativo que ampliou seus conhecimentos, visto que são 99 canções com grande conteúdo histórico e cultural e levou-os a redigir com maior segurança e espírito crítico decorrentes de debates e seminários. A análise da intertextualidade nas canções de Caetano foi a estratégia de maior significação para nosso estudo, visto que é um material de pesquisa inestimável e conduz o receptor, auxiliado pelo educador, para a pesquisa e compreensão efetiva dos temas, envolvendo aspectos sociais e pessoais, desde o período de repressão da ditadura militar até a dedicação e envolvimento amorosos. Caetano Veloso é um dos artistas considerado campeão de aparições na mídia. Muitas vezes suas declarações são polêmicas, sempre fala o que pensa e não tem medo de voltar atrás quando percebe que errou em alguma declaração feita. Os jornalistas ou apresentadores de programas televisivos sempre procuram saber sua opinião sobre tudo. Caetano tem sua vida filtrada pela mídia, é um dos ícones da arte musical brasileira e suas composições são poemas musicais, como foi exposto no Capítulo II. Os receptores das canções de Caetano Veloso em nossa pesquisa (adolescentes entre quinze e dezessete anos), não possuíam conhecimentos prévios sobre as canções analisadas. Conheciam, somente, algumas músicas que tiveram grande veiculação na mídia. Muitas delas eram somente interpretadas por ele e não composições próprias, como, por exemplo, a canção de Peninha “Sozinho” que fez parte da trilha sonora de uma novela da Rede Globo e “Você não me ensinou a te esquecer” de Fernando Mendes, que faz parte da trilha sonora do filme Lisbela e o Prisioneiro. As músicas, que inicialmente causaram estranhamento nos receptores, depois de analisadas, provocaram admiração e certamente enriqueceram o vocabulário, além de transmitirem conhecimentos históricos e culturais do nosso país, através de vivências pessoais do autor, bem como outras informações importantes. Toda essa metodologia aplicada resultou em produções escritas satisfatórias de diversos tipos de textos (narrativos, dissertativos e poéticos) pelos receptores, os quais foram estimulados principalmente por não serem somente textos estáticos os que analisaram, mas pela sedução da sonoridade, que nos leva a interagir com as canções musicais muito mais do que com poemas estáticos, o que se compreende, pois os jovens têm em seu repertório maior contato com textos musicais. 100 Pode-se concluir, portanto,que a metodologia utilizada produz bons resultados, desde que aplicada por educadores que desejem inovar e interagir com os alunos,revelando-lhes as belezas e as inúmeras possibilidades de leituras e interpretações resultantes da análise poética. No caso deste estudo, tendo como “corpus básico” as canções de Caetano Veloso, procurou-se enriquecer o repertório dos alunos com análises, audições e interação emissor e receptor (professor/canções de Veloso e alunos), levando-os a uma maior compreensão da realidade histórico-social e humana que os cerca, conseguindo concretizar a produção de textos verbais com conteúdo, coesão e coerência, advindos de um trabalho conjunto marcado pela seriedade e dedicação. 101 6 REFERÊNCIAS 6.1 BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira, colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. 5ª ed. São Paulo: Hucitec, 1978. ________________. Questões de literatura e de estética (A teoria do romance). Trad. do russo por Aurora Formoni Bernardini, José Pereira Júnior, Augusto Góes Júnior, Helena Spryndis Názaro e Homero Freitas, São Paulo: Editora Unesp/ Hucitec,1998. BÍBLIA SAGRADA: Antigo testamento, Gênesis. 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ANEXO 1 UMA ENTREVISTA “COM”OU “SEM” PRETENÇÕES- CAPÍTULO 3, ÍTEM 3.2ENTREVISTA DO JORNALISTA LUÍS ANTONIO GIRON Luís Antônio Giron "Um mico planetário", copyright Época, 24/05/04 "Aos 61 anos, Caetano Veloso diz não sentir necessidade de se impor ao mercado nem de atuar na política. De ótimo humor, recebeu ÉPOCA em sua gravadora, Natasha Records, no bairro da Gávea, Rio de Janeiro. Em duas horas de conversa, Caetano falou de tudo. Criticou o governo Lula, analisou o mercado de entretenimento e questionou a noção de identidade brasileira que seu amigo Gilberto Gil tem estimulado à frente do Ministério da Cultura. E, claro, abordou seu tema favorito: a música e a nova turnê que faz pelo Brasil a partir da quinta-feira 27, em São Paulo. Revelou que acha a canção americana melhor que a brasileira e confessou limitações musicais. A nova excursão tem uma peculiaridade na carreira de 38 anos do compositor: quase todo o repertório é de músicas em inglês, incluídas no recém-lançado CD A Foreign Sound. A pré-estréia do show, em 16 de abril, no Carnegie Hall de Nova York, foi um triunfo. Resta saber a reação da platéia brasileira. O compositor e seis músicos vão percorrer nove capitais. Em cada cidade, juntam-se ao grupo orquestras de cordas locais. Caetano e banda ensaiaram na semana passada no estúdio de Gil, no sopé da Favela da Rocinha. Introduziram no espetáculo títulos como os sambas ‘Não Tem Tradução’ (Noel Rosa) e ‘Manhã de Carnaval’ (Luís Bonfá), mais a inédita ‘Diferentemente’. Em outubro, a turnê corre México, Estados Unidos e Europa. ÉPOCA - Pelos ataques à crítica durante sua carreira, parece que você não é um crítico frustrado. Caetano Veloso - Não sou, porque dialogo e entro em competição com a crítica. Sempre atuei criticamente, desde os tempos da revista que o Glauber Rocha editava. Isso não é desprezo pelos jornalistas, como alguns pensam. Ao contrário, respeito a boa crítica. Gosto de propor discussão de idéias, cada vez mais difícil nos jornais. O problema é que, para vocês, jornalistas, o pior é sempre o melhor. Trabalho com atitude explícita. Nada fica sem resposta. ÉPOCA - Você adora dizer frases bombásticas para horrorizar os jornalistas e criar polêmica... Caetano - Diga aí alguma para eu me defender. ÉPOCA - Em 1998, por exemplo, você ganhou o título de doutor honoris causa pela Universidade da Bahia, fez questão de receber a honraria no Carnaval, em cima de um trio elétrico. E declarou: ‘A partir de agora, quando eu rebolar, é um doutor que estará rebolando!’. Não é uma provocação à universidade? Caetano - Essa frase não passou de uma auto-ironia porque achei engraçado virar doutor. Dizem que faço tudo para aparecer. Não é isso. Gosto de contrariar ondas de opinião que ocorrem vez ou outra. Lembro de jornalistas de São Paulo mancomunados com intelectuais da USP querendo impor opinião. Aí respondo com agressividade, mas não é nada ofensivo. É picada de quem está de bom humor. Vejo os jornalistas no Brasil defendendo o rock contra a axé music, e aí vou contra. No cinema também: os velhos críticos atuam como porta-vozes de filmes tipo Cronicamente Inviável, do Sérgio Bianchi, que achei muito ruim. Tudo isso é provinciano. É coisa de um Brasil subordinado culturalmente. ÉPOCA - Desde a tropicália, você distribui opiniões. Você se considera intelectual? Caetano - Concordo com o que dizia o José Guilherme Merquior, que sou um subintelectual de miolo mole. Atuo e adoro expor meu pensamento, mas talvez seja um vício geracional. Pertenço a uma geração que fazia isso, se manifestando no teatro, na música, na TV. Era uma obrigação e um direito ter postura sobre a realidade política. Agora, as mesmas pessoas que inventaram esse hábito o ridicularizam. Nos anos de censura os artistas e os jornalistas agiram em bloco em nome da luta política. Era às vezes ridículo, porque todo o mundo tinha de ‘se posicionar’. Até mesmo aquelas atrizes iniciantes, que não sabiam nada, precisavam falar alguma coisa. Aí começou-se a ficar cético a respeito disso. Sou uma pessoa da área de entretenimento que dá suas opiniões. ÉPOCA - Você é um animal político? Caetano - Não gosto de política, ela não me atrai. Não sei por que, mas gosto de arte, música, poesia, cinema. Adoro frescura e vivo no mundo das idéias. Política é um negócio chato, de uma gente que não tem a ver com meu temperamento. Não sou preparado, acho difícil entender de política. Leio dedicadamente artigos de jornal, exceto os do José Sarney. ÉPOCA - Como você viu a crise provocada pelo artigo de Larry Rohter, do New York Times - jornal que você já atacou? Caetano - Sou colega do Lula nesse assunto. Com o NYT, aconteceu comigo anos atrás uma coisa parecida com o que fizeram com o presidente. O correspondente agiu de forma irresponsável, pensando que podia falar qualquer coisa porque o Brasil é um país do Terceiro Mundo. Sou contra os correspondentes do NYT no Brasil que faltem com o respeito. Um deles escreveu que eu e o Gil íamos a festas vestidos de mulher porque queríamos alardear nossa bissexualidade. Mandei uma carta ao jornal, que não foi publicada. Aí fui danado da vida ao programa do Jô para chiar. Aquilo foi uma leviandade. Nunca fui presidente da República. O Lula nunca apareceu bêbado em público e o álcool jamais prejudicou sua atuação. Mas acho inadmissível o que o Lula e o núcleo duro do governo tentaram fazer com Rohter. Lula criou com o episódio um mico planetário para o Brasil. Ainda bem que Márcio Thomaz Bastos achou uma saída para a situação. O pessoal do Lula tem de pensar melhor. Desta vez o Brasil foi salvo pelo gongo. Tem coisa que não se faz. Já mandei embora jornalista da minha sala. Mas querer expulsar o sujeito do país pega mal! ÉPOCA - Como você analisa o governo Lula? Caetano - Vi muita gente se decepcionar, mas não é o meu caso. Eu não tinha esperanças de que o governo do PT viesse a ser firme. Quase não votei no Lula. Meu candidato era o Ciro Gomes. Mas aí o Ciro se retirou e fiquei sem candidato, e resolvi votar no Lula porque pensei assim: Lula tem de chegar à Presidência, a gente tem de conhecer essa experiência, ele merece por tudo o que fez. Espero que ele consiga passar os quatro anos à frente do governo e passe a faixa de presidente ao sucessor no melhor rito democrático. ÉPOCA - Você teme que ele não consiga passar a faixa? Caetano - O PT não é a salvação. Há uma esquizofrenia neste governo: o Delfim apóia os economistas do PT e criticava os inventores do Plano Real. O Palocci vem com uma conversa que não tem nada a ver com as promessas de campanha do PT. Quando assumiu o governo, o partido quis se apossar de todas as áreas da máquina estatal. O PT não é republicano nem democrático e confunde Estado com partido. A esquizofrenia do governo se expressa em certas atitudes. O Ministério da Economia compõe com o mercado, enquanto o da Reforma Agrária se alinha com o MST. Tudo para que o PT não saia nunca mais do poder. ÉPOCA - Como você viu o expurgo dos membros rebeldes do PT? Caetano - Um exagero. É outra prova da esquizofrenia do governo. Essa atitude dura não é sintoma de capacidade política. É preciso desconfiar de um partido que praticamente expulsa o Fernando Gabeira poucos meses depois de subir ao poder. ÉPOCA - Você disse que falta experimentalismo no Executivo. Existe algum pensamento politicamente arrojado para o país? Caetano - Mangabeira Unger apresenta uma alternativa crítica, uma sugestão concreta do caminho a trilhar. Diz que o Brasil tem todos os recursos materiais e espirituais para ser mais inventivo. Ensina que existe um caminho alternativo para inserir o Brasil na economia mundial sem a política petista de se curvar às exigências do FMI. O pensamento do Mangabeira faz eco àquilo que penso sobre como resolver os problemas sociais internos, como o salário mínimo e o abismo social, e a política externa. Mangabeira é um dos raros pensadores do Brasil. ÉPOCA - Como você vê a política educacional de Lula? Caetano - Sou a favor da compensação dos negros. É preciso confrontar a questão de raça com a social, porque a gente observa que a maioria dos negros pertence às classes mais baixas. É positivo dar acesso a eles à educação, e agora aos alunos da rede pública ao terceiro grau. Tenho lido só críticas tecnicistas sobre o assunto. É preciso criar um sistema de acompanhamento para verificar se as medidas compensatórias serão implementadas corretamente. ÉPOCA - Monitorar não é difícil? Caetano - Graças a Deus, no Brasil todo o mundo tem sangue negro ou, pelo menos, aprendeu a valorizar isso. Esse é um tesouro do Brasil. ÉPOCA - Você tem gostado de Gilberto Gil no Ministério da Cultura? Caetano - Gil trouxe visibilidade a um ministério que nunca teve importância. Quando ele ia assumir, eu lhe disse: você corre o risco de ser o Lula do Lula. Gil tem um imenso valor simbólico no mundo. ÉPOCA - O Ministério da Cultura criou uma secretaria para promoção da identidade nacional. Não é curioso isso acontecer sob a gestão de um antigo tropicalista? Caetano - Pois é, a tropicália enfrentou a questão da identidade e tratou de superá-la. Desde então, mudaram os pontos de referência. Parece difícil um ministério que tem Gil no comando sair por aí em busca de identidade. Hoje esse tipo de idéia só tem dois defensores de plantão: o José Ramos Tinhorão e o Ariano Suassuna. O Tinhorão criou argumentos sofisticados sobre o tema, mas é medíocre em suas sugestões artísticas. O Suassuna é o gênio que escreveu O Auto da Compadecida e A Pedra do Reino, mas assume o papel de um palhaço pela obrigação de manter uma posição que acha sagrada. Ele promove a xenofobia fazendo a gente rir. O MinC não deveria defender essas posições próxenófobas. ÉPOCA - Seu novo CD é um dos campeões mundiais de download ilegal. Como você encara o problema? Caetano - Claro que isso é lesivo aos direitos autorais do artista. O fato é que perdemos o controle sobre a veiculação de música. Não sou empresário, não sou nem mesmo capitalista. Mas não posso cuspir no prato em que comi. Existe uma crise na indústria da música, mas eu não estou nem aí. Houve uma hipertrofia do mercado musical desde a explosão do sucesso dos Beatles nos anos 60. Desde então, a indústria musical moveu fábulas de dinheiro, produziu muita música ruim e muito crítico de música escrevendo nos jornais. Talvez haja razão para haver a retração no mercado. Só não posso deixar de reparar que coisas boas surgiram do comercialismo, como o rock e a axé music. O rock mudou o mundo. A axé music nasceu da ambição descarada, e hoje virou força popular. Não tenho por que chorar. ÉPOCA - A música popular ainda é uma missão ou virou business? Caetano - Quando entrei nesse negócio, pensava em ser 100% puro e que sairia dele com as mãos limpas. Minha turma - Dori Caymmi, Edu Lobo, Chico Buarque e Paulinho da Viola - foi abençoada por pertencer à segunda geração da bossa nova. João Gilberto, o fundador da BN, nos legou a dignidade, colocando a música num patamar artístico muito alto. A gente nunca pensou nessa história de jabá. Quando ele apareceu, a gente se sentiu regredir aos anos 50. Não posso mudar na minha idade. Continuo vendo a música do ponto de vista artístico. A música do Brasil é forte. E continua sendo importante para mim e para o mundo, não importando a reprodutibilidade técnica. ÉPOCA - Por que você cultua João Gilberto, sem cantar e tocar como ele? Caetano - João é o maior artista da música popular, caso extremo de comprometimento com a perfeição. Ele é mais e menos que uma influência. Ele me influenciou de uma forma definitiva e seria assim se eu tivesse virado professor de Filosofia. Desde que ouvi suas gravações lá em Santo Amaro, João me deu um norte estético. Depois me levou a escutar Chet Baker. Tentei imitá-lo na formulação de acordes e no canto. Mas parou aí. Eu dizer que João é uma influência musical minha seria como um escritor que lança um romance e declara que suas influências são Kafka, Proust e Dostoiévski. Não tenho competência para ser influenciado por João Gilberto. ÉPOCA - Você diferencia sua música da dos ‘bregas’ que você grava. Não é excesso de modéstia? Caetano - Minha competência musical é limitada. Não posso ser comparado com a musicalidade de Djavan, Edu, Paulinho da Viola e até de Chico. Sou um compositor que canta às vezes. Meu violão não tem nível profissional. Isso não impediu que eu compusesse algumas canções relevantes que viraram standards. Algumas saíram boas, melhores do que eu imaginava. No início da carreira, as gravadoras não aceitavam gravar o meu violão, considerado amador. Aí fui para Londres, lá eles gostaram do meu jeito, e quando voltei ao Brasil os produtores já aceitavam que eu gravasse. Quando comecei, eu atuava na periferia da música e contribuía com idéias sonoras. Eu queria ser pintor. Depois, fazer cinema. Não é preciso ter talento para ser cineasta, apenas vocação. ÉPOCA - Você se sentiu feliz ao dirigir Cinema Falado? Caetano - Adorei me envolver com as filmagens e com a equipe. Mas me apavorei com os problemas extrafílmicos, como distribuição e contratos. O filme foi bem recebido pela crítica em 1986, ao contrário do que escrevem hoje. Falaram mal só três diretoras mulheres, o Arthur Omar - gostei do livro de fotografias dele - e o Caio Túlio Costa, que escreveu algo terrível no caderno de variedades da Folha de S.Paulo, num tempo em que o jornal ainda agitava a cultura. Os críticos adoraram o filme porque ele traz cenas de pura crítica. Tem uma seqüência amorosa em que o rapaz fala uma crítica completa para a parceira. ÉPOCA - E projetos de longas-metragens? Caetano - Quero voltar a filmar quando for possível. Queria fazer um filme que se passasse em Salvador e mostrasse a vida lá. ÉPOCA - Não está na hora de voltar a fazer música? Caetano - Estou compondo. Na temporada no Baretto em São Paulo fiz uma música - ‘Diferentemente’. Pensei nela correndo, minutos antes do show. Os músicos aprovaram a estrutura. Vou cantá-la na turnê. ÉPOCA - Você foi bem recebido pelo público americano na estréia do show. Mas, para o público brasileiro, não é estranho um ídolo nacional apresentar repertório americano? Caetano - No Brasil é mais fácil. Vendi aqui 1,2 milhão de discos com Prenda Minha - porque tinha a música do Peninha e canções conhecidas. Não tenho feito esse sucesso todo cantando em outras línguas. Fina Estampa foi recebido sem entusiasmo pelo público mais caloroso do mundo - o portenho. Não parei o trânsito no México nem em Miami. A Foreign Sound não vai fazer sucesso nos países de língua inglesa, nem tenho intenção de impor meu nome nos Estados Unidos. ÉPOCA - Como você define o CD e o show A Foreign Sound? Caetano - Eu sei que estou arriscando minha respeitabilidade com ele. De certa maneira, o disco depõe contra mim. Eu o chamo de a difficult easy listening (música comercial difícil). É um trabalho esquisito e apareceu com atraso. Eu deveria tê-lo gravado dez anos atrás, ou, pelo menos, antes dos dois CDs do Rod Stewart com standards. Mas, enfim, decidi lançá-lo porque era uma coisa que eu queria fazer. ÉPOCA - Você acha que a música americana é melhor que a brasileira? Caetano - É, sim. Com o jazz, Cole Porter, Irving Berlinn e Gershwin; com a soul music e o rock; a música americana tem enorme riqueza, apesar de Caymmi, Tom Jobim, Chico e Gil. E os americanos têm James Brown. A influência dele é tamanha que hoje todo o mundo no Brasil se chama Brown: Mano Brown, Charlie Brown Jr., Carlinhos Brown!" ANEXO 2 A FOLIA SOTEROPOLITANA DE CAETANO VELOSO, CAPÍTULO 2, ÍTEM 2.3ENTREVISTA DO JORNALISTA J. D. BORGES A inteligência puramente musical de Caetano Veloso O perigo da opinião. Muitos os que se abstêm de opinar, de se mostrar, de aparecer — a fim de poupar sua obra e seu público de falsas interpretações, de mal-entendidos e de julgamentos macarrônicos em torno de sua produção intelectual e artística. Não admitem uma pseudo-analogia, entre o que falam e o que realizam. Não suportam pré-concepções do que virão a fazer — a partir de declarações pretéritas ou futuras. Não têm, em suma, paciência para vir a público e explicar suas obras (evitando, de quebra, emitir palpites infelizes sobre os últimos acontecimentos). Há também, como não poderia deixar de ser, um outro time. Time daqueles que entram em cena, a toda e qualquer hora, sendo ou não requisitados. Como representantes auto-proclamados de seu auditório, ávidos por publicidade, sentem-se no direito — e no dever — de posicionar-se frente a todo e qualquer abalo sísmico. Num tempo de notícia pré-fabricada, como o nosso, muitas são as mudanças de maré — algo que garante, ao oportunista falastrão, muito assunto. Prefere, em geral, política (em que cabem arroubos de populismo, temperados com bravatas de grande efeito). Política seguida de questões sociais, morais, pessoais, religiosas, econômicas, ou o que vier. E como não consegue ser oráculo e nem pessoa humana (ou realizador) ao mesmo tempo, acaba tropeçando na própria língua, disparando inconsistências e revelando, aos mais experimentados, todos os seus truques e todas as suas falhas de argumentação. Inevitavelmente. Caetano Veloso é mestre nisso. Outro dia, quebrou, na Folha de S. Paulo, um recorde seu — numa modalidade em que já é invicto: a entrevista. Dentre uma série de temas, tratou, claro, do recorrente Tropicalismo. O Tropicalismo foi um movimento cheio de definições vagas, cuja tônica (preservada a duras penas) prega a reciclagem do mau gosto através da sofisticação e do estilo de quem se considera acima do popularesco típico. Como do auge do Tropicalismo só restou um álbum — que prima mais pelo elenco que reúne do que pela música "engajada" propriamente dita —, Caetano Veloso, na falta de seguidores ou discípulos, costuma rotular toda e qualquer manifestação mais tendente ao piegas, ao popular, ao hit parade como tropicalista. Assim, credita a si próprio, e à Bahia (lógico), iniciativas bem sucedidas na área — enquanto que reserva aos seus desafetos, e aos outros estados "não-baianos" da Federação, a responsabilidade pelos dejetos e pelas merdices musicais que temos visto. Assim, segundo o moço, o Samba nasceu lá na Bahia, a Bossa-Nova foi inventada por João Gilberto (notadamente um baiano), e a Axé Music (resultado da linha evolutiva da folia soteropolitana) não tem o que invejar dos clássicos do carnaval carioca (citadamente "Alá-lá-ô" e as marchinhas de Emilinha Borba) — ao passo que a degradante TV de massas veio de São Paulo, o "apartheid social e cultural" veio do Rio, e os sertanejos, imagina-se, de Minas Gerais. Do mesmo modo, foi Antônio Carlos Magalhães (o imperador da Bahia e, às vezes, também do Brasil) quem "animalescamente" pôs um ponto final na ditadura militar; o mesmo que, ultimamente, em nome da sociedade civil, vai redistribuir a renda do país. Enquanto isso, Fernando Henrique Cardoso (uma alma paulista; às vezes, presidente do Brasil) só fez desqualificar Gilberto Freyre, junto com a USP — que tem a ingênua ambição de querer interpretar a Terra Brasilis. Como se não bastasse, Caetano Veloso completa: — "Parece até que eu estou posando de bacana diante de vocês. Mas acho que muita gente que não é de São Paulo teve mais facilidade de sentir isso do que as pessoas daqui." Animado, aproveitou a ocasião para criticar e rebaixar o mesmíssimo caderno cultural que lhe concedia aquele tempo e aquele espaço para falar: "Esse estilo que a Ilustrada comprou e que se disseminou pela imprensa brasileira é uma vergonha. Como é que isso é mantido pela grande imprensa brasileira?" Que sujeitinho mais inconseqüente, mais inoportuno, mais cara-de-pau! Quando é que o paulista vai deixar de ser paspalhão, e cortar as assas de ingratos e malagradecidos como Caetano Veloso? Certo (mais uma vez) estava Paulo Francis (um carioca) ao inesquecivelmente afirmar: "Os baianos invadiram o Rio para cantar ‘Ó, que saudade eu tenho da Bahia...’. Bem, se é por falta de adeus, PT saudações." Inexplicável que se permita um aviltamento de tal porte. Caetano Veloso deveria se restringir ao seu ofício, hoje alquebrado, de cantor e compositor — poupandonos de seus embustes literários e de seus raciocínios desrespeitosos e bairristas. Afinal, já vão três décadas de requentada MPB e de repetitiva e ultrapassada ideologia dos tempos de 1968. Vai, então, o presente conselho: Caetano Veloso, feche o bico — se não quiser acabar como tema de novela. Sozinho. J. D. Borges ANEXO 3 VIDA E OBRA DE ESCRITORES CANTORES E COMPOSITORES,CITADOS NO CAPÍTULO 3- ITEM 3.1.7- TEXTO 7- “PRA NINGUÉM” Luís Vaz de Camões 1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa. – 1528: Desterro no Ribatejo; alista-se no Ultramar. - 1549: Embarca para Ceuta; perde o olho direito numa escaramuça contra os Mouros. – 1551:Regressa a Lisboa. – 1552: Numa briga fere um funcionário da Cavalariça Real e é preso. – 1553: É libertado; embarca para o Oriente.- 1554: Parte de Goa em perseguição a navios mercantes mouros, sob o comando de Fernando de Menezes. – 1556: É nomeado provedor-mor em Macau; Naufraga nas Costas do Camboja. – 1562: É preso por dívidas não pagas; é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido. – 1567: Segue para Moçambique. – 1570: Regressa a Lisboa na Nau Santa Clara. – 1572:Sai a primeira edição de “Os Lusíadas”. – 1579 ou 1580: Morre de peste, em Lisboa. É considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa. Fernando Pessoa, poeta português (1888-1935) é visto por muitos estudiosos como poeta de língua portuguesa mais importante do século XX. Estudou na África do Sul e no Curso Superior de Letras, em Lisboa. Deixou os estudos e trabalhou como tradutor e correspondente estrangeiro em casas comerciais. Em 1915, participou da revista Orfeu, que lançou o futurismo em Portugal. Criou várias teorias estéticas e usou diferentes heterônimos para assinar a sua obra . Os mais conhecidos são Alberto Caeiro , Álvaro de Campos e Ricardo Reis , cada um com estilos e visões de mundo diferentes. Caeiro é considerado naturalista e cético, Reis, um clássico, cuja poesia é influenciada por Horácio (neopaganismo português); enquanto o estilo de Álvaro de Campos é associado ao do poeta norte-americano Walt Whitman. Entre seus poemas destacam-se “Tabacaria” e “Autopsicografia”. É considerado anti-romântico por opor-se à tradição lírica e sentimental da poesia portuguesa. Publica um único livro em vida, Mensagem (1934), ganhador do segundo prêmio do concurso do Secretariado de Propaganda Nacional. Entre seus principais textos em prosa estão A Nova Poesia Portuguesa, Páginas de Doutrina Estética e Textos Filosóficos, todos publicados postumamente. João Guimarães Rosa nasceu em Codisburgo (MG) em 1908 e morreu no Rio de Janeiro em 1967. Filho de um comerciante do centro-norte de Minas, fez os primeiros estudos na cidade natal, vindo a cursar Medicina em Belo Horizonte. Formado Médico, trabalhou em várias cidades do interior de Minas Gerais, onde tomou contato com o povo e o cenário da região, tão presentes em suas obras. Autodidata, aprendeu alemão e russo, e tornou-se diplomata, trabalhando em vários países. Veio a ser Ministro no Brasil no ano de 1958, e chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras, tratando de dois casos muito críticos de nosso território: o do Pico da Neblina e o das Sete Quedas. Seu reconhecimento literário veio mesmo na década de 50, quando da publicação de Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile, ambos de 1956. Eleito para ocupar cadeira na Academia Brasileira de Letras no ano de 1963, adiou sua posse por longos anos. Tomando posse no ano de 1967, morreu três dias depois, vítima de um enfarte. Carmen Miranda,cantora e atriz brasileira de origem portuguesa1, nasceu em 9 de fevereiro de 1909 e faleceu em 5 de agosto de 1955. Por 15 anos fez sucesso nos Estados Unidos (EUA), especialmente em Hollywood. Seu nome verdadeiro é Maria do Carmo Miranda da Cunha Nascida em Marco de Canaveses, Portugal, veio para o Brasil com 2 anos. Seu primeiro disco saiu em 1930, marcado pelo êxito de “Taí”, de Joubert de Carvalho. Na década de 30, suas gravações fazem sucesso nos carnavais (Alô... Alô..., Adeus Batucada, No Tabuleiro da Baiana) e ela realizou turnês pela Argentina e pelo Uruguai. Atuou no cinema brasileiro estrelando cinco filmes. No último deles, Banana da Terra (1938), apareceu pela primeira vez vestida de baiana para cantar “O Que É Que a Baiana Tem?”, de Dorival Caymmi. O traje estilizado de baiana com balangandãs e turbante tornou-se sua marca. Em 1939 foi para os EUA. Estreiou em um musical da Broadway e, em 1940, apresentou-se na Casa Branca para o presidente Franklin Roosevelt. No ano seguinte assinou contrato para atuar em Hollywood. Trabalhou em “Uma Noite no Rio” (1941) e em mais 12 filmes. Consagrada internacionalmente, viajou ao Brasil em 1954 para rever a família. Meses depois, já de volta a Hollywood, morreu de um ataque do coração. 1 Por causa do sotaque de Carmem Miranda, Caetano Veloso utiliza-se da onomatopéia “choo-choo” quando refere-se a cantora. Chico Buarque,conhecido principalmente como compositor e cantor de música popular, trilhou com êxito o caminho da dramaturgia e incursionou pela literatura ficcional. Uma das características marcantes de sua obra como letrista é a verossimilhança com que retrata o imaginário feminino. Francisco Buarque de Holanda, filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, nasceu no Rio de Janeiro em 19 de junho de 1944. Chegou à vida universitária no início da década de 1960, auge do movimento popular e estudantil que precedeu o golpe militar de 1964. Suas primeiras canções, como “Pedro Pedreiro”, impregnadas de preocupações sociais, foram seguidas de composições líricas como “Olê, olá”, “Carolina” e “A banda”, esta uma das vencedoras do II Festival de Música Popular Brasileira (São Paulo, 1966). Ao decretar-se o ato institucional nº 5, em dezembro de 1968, a música popular brasileira polarizava-se em torno de dois nomes e estilos: Caetano Veloso, vanguardista e líder do tropicalismo, e Chico Buarque, que freqüentemente apelava para a música da década de 1930, especialmente a de Noel Rosa. Ambos foram vítimas da censura do regime, que lhes vetava grande parte das composições, e se exilaram na Europa. Com Vinícius de Morais e Toquinho, Chico compôs o Samba de Orly, sua canção do exílio. Para o teatro, Chico Buarque compôs a música da peça Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, e do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Escreveu, com parceiros, textos e música de Roda viva (1967), Calabar (1973), Gota d'água (1975) e Ópera do malandro (1979). Publicou e encenou textos infantis e escreveu a novela Fazenda modelo (1974) e o romance Estorvo (1991). Scarlet Moon de Chevalier é carioca, atriz e jornalista. Nasceu no dia 12 de setembro de 1950, no Rio de Janeiro. Desde 1996 assina a coluna "Abalo", às quintas-feiras, no caderno Zona Sul do jornal O Globo. Pedro Silva, ou Glauco Mattoso nasceu na cidade de São Paulo em 1951. Foi o criador do fanzine poético-satírico chamado JORNAL DO BRABIL entre 1977 e 1981 (possivelmente um dos primeiros fanzines do mundo) colaborou em diversas publicações alternativas, como LAMPIÃO (um tablóide gay o Pasquim, Chiclete com Banana e outros. Seu pseudônimo, Glauco Mattoso é na verdade um trocadilho com "glaucomatoso", uma vez que é portador de glaucoma congênito. Com a perda da visão, foi abandonando a criação de cunho visual (concretismo, quadrinhos) para dedicar-se às letras de música e à produção de discos. Arrigo Barnabé nasceu em Londrina, PR, em 14 de Setembro de 1951. Em São Paulo, cursou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (1971 a 1973) e a Escola de Comunicações e Artes (1974 a 1979), onde fez o curso de composição, no Departamento de Musica. Ainda na década de 1970, participou do Festival Universitário da TV Cultura, com a musica Diversões eletrônicas. Lançou seu primeiro LP, Clara Crocodilo, em 1980. Excursionou pelo Brasil em 1983, ano em que compôs a Saga de Clara Crocodilo para a Orquestra Sinfônica Juvenil do Estado de São Paulo e grupo de rock. Com trabalho singular na musica brasileira, tem composições de características que vão do dodecafonismo a atonalidade. Sempre na fronteira entre o erudito contemporâneo e o popular, na década de 1990 escreveu quartetos de cordas e peças para a Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo. Em 1997, depois de quatro anos sem gravar, lançou o CD Ed Mort, do selo Rob Digital, trilha sonora do filme de mesmo nome, dirigido por Alain Fresnot. Maria da Fé, nasceu no Porto a 25 de Maio, da década de 40. Aos 9 anos começou a cantar em festas particulares, notando-se desde logo o seu talento para o fado então ganhou todos os concursos que participou. Maria da Fé é sem sombra de dúvida uma das melhores intérpretes do fado de sempre, resistente da sua autenticidade e divulgação, mas sem nunca se opor à modernidade e à sua natural evolução. Abilio Pereira de Almeida (1906-1977), nascido em 26 de Fevereiro de 1906, em São Paulo, foi dramaturgo, ator, cineasta e produtor. Fundador da Vera Cruz, faleceu em São Paulo, em 17 de Maio de 1977. Escreveu entre outros: O Gato de Madame (1957); Candinho (1954); e Nadando em Dinheiro (1952). Nana Caymmi ou Dinair Tostes Caymmi , nascida a 29 de abril de 1941, no Rio de Janeiro, filha de Dorival Caymmi e Stella Maris, irmã de Danilo e Dori Caymmi, cresceu numa das famílias mais musicais do Brasil. Começou a cantar ainda muito jovem, adotando desde cedo uma técnica particular para valorizar seu timbre grave. A canção “Nesse mesmo lugar” sobre a qual se refere o texto é dos compositores Klécius Caldas e Arnaldo Cavalcanti. Sebastião Rodrigues Maia nasceu no Rio de Janeiro RJ em 28 de Setembro de 1942. Penúltimo de 19 irmãos, aos oito anos já compunha suas primeiras musicas. Aos 14 anos, formou seu primeiro conjunto musical, Os Tijucanos do Ritmo, no qual tocava bateria, e que durou apenas um ano. Começou a estudar violão num curso particular e formou em 1957 o conjunto Os Sputniks, que tinha também entre seus integrantes Erasmo Carlos e Roberto Carlos, tendo sido professor de violão de ambos. Em 1959, antes de completar 17 anos, com a morte do pai, foi para os EUA, onde fez cursos de inglês e iniciou carreira como vocalista, participando de um conjunto chamado The Ideals. A canção “Arrastão” foi composta por Edu Lobo e Vinícius de Morais. Maria Bethânia Vianna Telles Veloso, irmã do compositor e cantor Caetano Veloso, nasceu no dia 18 de Junho de 1946 em Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Pensava em ser atriz. Em 1960 foi para Salvador terminar os estudos, e passou a freqüentar o meio artístico, ao lado do irmão Caetano Veloso. Três anos depois estreou na peça "Boca de Ouro", de Nelson Rodrigues, como cantora. Por essa época, Bethânia e Caetano conheceram outros músicos iniciantes: Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Alcivando Luz e outros. No ano de 1965 gravou seus primeiros discos. A primeira manhã, na verdade, com título original “Na primeira manhã” é composição de Alceu Valença. Nascido em família pobre, a 27 de janeiro de 1949, em Maceió (AL), Djavan poderia ter virado raiz, mas a música mudou seu destino e de uma flor-de-lis brotou uma carreira cuja floração já perdura por mais de 25 primaveras. Por sua originalidade e polinização de suas canções, a única coisa que se pode prever a cada novo trabalho de Djavan é sua versatilidade de tons. Drão, canção composta por Gilberto Gil do disco “Um banda Um” de 1982. Exaltação à Mangueira, canção composta por Enéas Brittes e Silva e Aloísio Augusto da Costa em 1955 foi lançada por Jamelão no carnaval de 1956. Paulinho da Viola, nascido aos 12 dias do mês de novembro de 1942 no Rio de Janeiro,um dos mais requintados compositores de samba em atividade, letrista e instrumentista aclamado, é filho do violonista e chorão César Faria, do conjunto Época de Ouro. Cresceu no Rio de Janeiro ouvindo em casa canjas de músicos como Pixinguinha e Jacob do Bandolim, e logo aprendeu a tocar violão e cavaquinho. Sonho de um carnaval, canção composta por Chico Buarque de Holanda em 1965 e gravada no disco “Nervos de aço” de 1973 pela Odeon. Maria da Graça Costa Pena Burgos, Gal Costa,nasceu no dia 26 de setembro de 1945 em Salvador, Bahia. Gracinha, Gau, Maria da Graça, 15 anos. Nas festinhas, a adolescente retraída empunhava o violão e cantava as canções da época. Evidenciava-se, lentamente, a sua vocação de cantora. A cidade de Salvador fervilhava de idéias vanguardistas. Brasília era inaugurada, as rádios tocavam João Gilberto em Chega de Saudade, Martim Gonçalves dirigia a Escola de Teatro, os soviéticos lançavam ao espaço o Sputinik 4: o futuro parecia próximo e moderno. John Kennedy vencia as eleições nos Estados Unidos, Gláuber Rocha estreava como diretor em Barravento, Roberto Pires acabara de filmar A Grande Feira e Elvis Presley avisava: It´s Now or Never. O mundo perdia a inocência da década anterior. A canção “Candeias” foi composta por Edu Lobo em 1967. Elis Regina Carvalho Costa, nasceu em Porto Alegre 17 de março de 1945 , e desde os 11 anos se apresentava na Rádio Farroupilha, cantando. Fez parte do elenco fixo da emissora, onde trabalhou por algum tempo. Em 1959 assinou o primeiro contrato profissional, na Rádio Gaúcha, e no ano seguinte foi para o Rio de Janeiro, onde gravou o primeiro compacto, pela Continental. A mesma gravadora em 1961 lançou seu primeiro LP, "Viva a Brotolândia", com calipsos e rocks. Em seguida voltou para Porto Alegre, onde ficou até 1964, quando regressou definitivamente para o Rio. Cantou no Beco das Garrafas, reduto da bossa nova, onde teria aprendido com o bailarino americano Lennie Dale a célebre coreografia que lhe valeu o apelido de "Hélice Regina". Contratada pela TV Rio, passa a trabalhar ao lado de Jorge Ben, Wilson Simonal e outros. Tornou-se conhecida nacionalmente em 1965, ao sagrar-se vencedora do I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, defendendo a música "Arrastão", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. A canção “Como nossos pais” é composição de Belchior dos anos 70 que foi gravada por Elis Regina em 1971 e foi a alavanca da carreira do compositor, pois posteriormente, vários artistas famosos interpretaram suas canções também. Elba Ramalho, a filha do nordeste brasileiro, nascida no dia 17 de agosto de 1951, no alto sertão da Paraíba sob o signo de Leão, teve a sorte de ter um pai músico, que a despertou cedo para a música. Criando-se no Nordeste, Elba teve como cartilha os mais diversos ritmos dessa ensolarada região: baião, maracatu, xote, frevo, pastoril, caboclinhos e forrós. Gêneros musicais que preservam a pureza ao mesmo tempo que criaram novas dinâmicas na cultura popular e influenciaram toda a música brasileira. “De volta pro aconchego” citada por Caetano tem como nome original “De volta pro meu aconchego” composição de Dominguinhos e Nando Cordel de 1985. Sílvio Antônio Narciso de Figueiredo Caldas nasceu em 1908, no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, numa família grande e musical. O pai, Antônio Narciso Caldas, possuía uma pequena loja de instrumentos, consertava e afinava pianos e era compositor (Orlando Silva chegou a gravar uma valsa sua, "Neusa", em 1938). A mãe, a avó e as tias cantavam no coro da igreja, nas festas e quermesses. Sílvio Caldas cresceu ouvindo música e cantando em festas familiares e escolares. Sua primeira apresentação ocorreu aos seis anos de idade, numa conferência no Teatro Fênix. À época, ele já integrava um bloco carnavalesco chama do “Família Ideal” . Em São Paulo, para onde foi tentar a sorte aos dezesseis anos, foi lavador de automóveis e mecânico em diversas oficinas. Chegou a trabalhar até na rodovia Rio-São Paulo, como motorista e cozinheiro. E a ser leiteiro, depois, no estado do Rio. Entre um serviço e outro, cantava e fazia boemia. O cantor Sílvio Caldas foi o maior responsável pela consolidação da seresta na música popular brasileira, tendo contribuído para o gênero também como compositor, nos anos 30. Por isso, ele se tornou identificado como "O Seresteiro do Brasil", epíteto ao qual se manteve fiel durante toda a sua longa carreira. A canção “Mulher” de 1940 é composição de Custódio Mesquita e Sadi Cabral. Elisete Moreira Cardoso nasceu no dia 16 de julho de 1920 no subúrbio do Rio de Janeiro, cantava desde pequena, no subúrbio do Rio, cobrando ingresso das outras crianças para ouvi-la cantar. Foi descoberta aos 16 anos por Jacob do Bandolim, que a levou para cantar no Programa Suburbano, da Rádio Guanabara. Nos anos 30 e 40 trabalhou em várias rádios, boates, casas noturnas, foi crooner de orquestra e emplacou seu primeiro sucesso, "Canção de Amor" (Chocolate/ Elano de Paula). Em 1958 gravou o antológico disco "Canção do Amor Demais", com músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, considerado marco inaugural da bossa nova. No ano seguinte continuou atuando ao lado dos compositores da bossa nova, e gravou músicas para o filme "Orfeu do Carnaval". Na década de 60 chegou a ter seu próprio programa na TV Rio, Nossa Elizeth. Sua ligação com o samba fez-se mais forte depois da participação no show "Rosa de Ouro", que originou o LP "Elizeth Sobe o Morro", um de seus discos mais importantes, ao lado de "A Enluarada Elizeth", que contou com a participação de Pixinguinha, Cartola, Clementina de Jesus. Em 1968 realizou o show que alguns consideram o ápice de sua carreira, com Jacob do Bandolim, Época de Ouro e Zimbo Trio, no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. O espetáculo, produzido por Hermínio Bello de Carvalho para o Museu da Imagem e do Som, virou um LP duplo. Nos anos 70 fez shows no Japão, onde hoje em dia são editado CDs com suas músicas que não existem no Brasil. Elizeth foi uma das maiores divas da canção brasileira. Faleceu em 7 de maio de 1990. “Chega de mágoa” foi uma composição coletiva ( Milton Nascimento, Djavan, Rita Lee, Caetano Vesoso, Elisete Cardoso e outros), gravada no compacto simples “Nordeste já” no ano de 1985, ano da solidariedade. Gilberto Passos Gil Moreira nasceu em Salvador, no dia 26 de junho de 1942. Passou sua infância na pequena cidade de Ituaçu e sua vocação musical despertou cedo, aos três anos de idade já manifestava o desejo de ser músico, fascinado pelos grandes sucessos das rádios do Rio de Janeiro e as tantas matizes da música local. Em 1952 Gil vai estudar em Salvador no Colégio dos Irmãos Maristas e aproveita para matricular-se em uma escola de acordeom.Em 1962 ele tem, pela primeira vez, uma música gravada: “Bem devagar”, com o conjunto vocal As Três Baianas. Na televisão, no início de 1966, passa a se destacar em “O Fino da Bossa”, programa da TV Record apresentado pela cantora Elis Regina, que consagra a sua composição “Louvação”. Nascia um novo e grande compositor popular brasileiro, que consolidou parcerias com os maiores nomes da Música Popular Brasileira. Gil e Caetano revolucionam, com o Tropicalismo, toda a música popular brasileira, com composições mais engajadas e políticas, ao contrário da ingenuidade que a jovem guarda passava para a juventude de então. Em 1969 foi exilado, juntamente com Caetano, devido a convicções políticas discordantes dos então ditadores de plantão. A canção “Sobre todas as coisas” é composição de Chico Buarque e Edu Lobo de 1982 e foi composta para o balé “O grande circo místico”. Cauby Peixoto Barros nasceu em Niterói RJ em 10 de Fevereiro de 1934. De família de artistas populares. Estudou num colégio de padres salesianos no Rio de Janeiro RJ, e já no tempo de estudante cantava no coral da igreja. Mais tarde, quando trabalhava no comércio, apresentou-se no programa de calouros da Rádio Tupi, Hora dos Comerciários, patrocinado pelo SESC e dirigido pela pianista Babi de Oliveira, conseguindo então chamar a atenção da Revista do Rádio, em 1949. Sua imagem foi forjada para agradar: vestindo-se de maneira extravagante para a época, e colocando trinados e versos inexistentes em suas canções, criou um tipo diferente, obtendo sucesso imediato. Em 1993 foi o grande homenageado, ao lado de Ângela Maria, no Prêmio Sharp de Música. Em 1996, foi lançada pela Columbia caixa com 2 CDs abrangendo suas gravações de 1953 a 1959, com sucessos como Conceição. A canção “Camarim” é uma composição com letra de Hermínio Bello de Carvalho e música de Cartola. Orlando Garcia da Silva, cantor. Y 3/10/1915, Rio de Janeiro, RJ ~ V 7/8/1978, Rio de Janeiro, RJ, por isquemia (derrame) cerebral.Filho de José Celestino da Silva, exímio violonista mas que Orlando não chegou a ver tocar pois morreu em 1918 (Gripe Espanhola) e de Balbina Garcia Silva. Apesar de nunca ter estudado música e ser extremamente tímido, desde pequeno era atraído pelo canto. Chegou a cantar em circos, clubes, restaurantes e cinemas. Em 1934, apresentado pelo compositor Bororó, estreou na Rádio Cajuti (Tijuca ao contrário) no programa de Francisco Alves, o qual ajudou-o muito em sua carreira. Gravou seu primeiro disco na Colúmbia com o samba Olha a baiana (Kid Pepe e Germano Augusto Coelho) e a marcha Ondas curtas (Kid Pepe e Zeca Ivo), ambas para o carnaval de 1935. Seu segundo disco foi feito neste mesmo ano na RCA Victor, onde permaneceu até 1942. Este foi o período de ouro em sua carreira.Quando esteve em São Paulo em 1938 e cantou para um público de 10 mil pessoas, o radialista Oduvaldo Cozzi lhe atribuiu o "slogan" de "O Cantor das Multidões". Em 7 de agosto 1978 faleceu no Hospital Gaffrée Guinle e foi sepultado no Cemitério São João Batista. O público participou do cortejo entoando a valsa Carinhoso. A canção “Faixa de cetim” de 1962 é composição de Ary Barroso. Milton Nascimento nascido no Rio no dia 26 de outubro de 1942, foi para Três Pontas (MG) com menos de dois anos de idade, na companhia dos pais adotivos. Portanto, mesmo sendo carioca, tornou-se conhecido como o principal responsável pela projeção da moderna música de Minas Gerais. Desde cedo tinha consciência de sua voz extraordinária e começou aos 13 anos como crooner, profissão que buscou resgatar recentemente com o CD "Crooner", de 1999. Em 1998 ganhou o Grammy na categoria World Music com seu disco "Nascimento". A canção “O que será?” ou “À Flor da pele” é composição de Chico Buarque de Hollanda de 1976. Roberto Carlos Braga é capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, nascido no dia 19 de abril de 1941. Aos 9 anos já chamava a atenção na rádio local imitando o cantor Bob Nelson. Aos 12 mudou-se para Niterói com a família, e começou a fazer amizades com outros rapazes que gostavam de música, especialmente o rock'n'roll que vinha dos Estados Unidos. Em 1957 formou com alguns amigos, inclusive Tim Maia, o conjunto "Os Sputniks". No ano seguinte já era integrante do "The Snakes", junto com Erasmo Carlos. Com esse grupo chegou a participar do programa Clube do Rock, de Carlos Imperial, na TV Continental. Gravou alguns compactos no final da década de 50 e em 1961 lançou o primeiro LP, "Louco por Você". A partir daí passou a investir, com apoio da gravadora CBS, no incipiente mercado de música jovem. Para isso juntou-se ao amigo Erasmo e passou a fazer versões e compor músicas como "Splish Splash", "O Calhambeque", "É Proibido Fumar" e outras que visavam ao filão juventude transviada, criando o primeiro movimento de rock feito no Brasil. Em 1965 estreou, ao lado de Erasmo e Wanderléa, o programa Jovem Guarda, na TV Record, que daria nome ao movimento. Desde 1961 conseguiu a incrível façanha de lançar um disco inédito por ano, interrompida apenas em 1999 por causa da doença de sua então esposa, Maria Rita, que viria a falecer. Nos últimos anos esse lançamento acontece invariavelmente no Natal. Seus discos já venderam milhões de cópias e bateram recordes de vendagem (em 1994 bateu a marca de 70 milhões de discos vendidos). Fez milhares de shows em centenas de cidades, no Brasil e no exterior. Seu fã-clube é um dos maiores de todo o mundo. A canção “A madrasta” ou somente “Madrasta” é composição de Beto Ruschel e Renato Teixeira de 1968, está no disco “O inimitável” pela gravadora CBS. João Bosco nasceu no dia 13 de julho de 1946 em Minas Gerais. Começou a tocar violão aos 12 anos, incentivado pela família cheia de músicos.Anos mais tarde vai para a faculdade de engenharia Metalúrgica em Ouro Preto, e, sem abandonar os estudos, dedica-se à música, atraído principalmente pelo jazz, bossa nova e tropicalismo. Um de seus primeiros parceiros foi Vinicius de Moraes, que o encorajou a ir para o Rio de Janeiro. Algumas músicas da dupla são "Rosa dos Ventos", "Samba do Pouso" e "O Mergulhador". Em 1971 conhece o letrista Aldir Blanc, com quem faria uma série de geniais parcerias ("Bala com Bala", "De Frente pro Crime", "Kid Cavaquinho", "Caça à Raposa", "Falso Brilhante", "O Rancho da Goiabada"). No ano seguinte termina a faculdade e se radica no Rio de Janeiro, onde grava sua primeira música, "Agnus Sei" (parceria com Aldir) no lado B do Disco de Bolso lançado por "O Pasquim" que lançava "Águas de Março", de Tom Jobim. No Rio compõe muito com Aldir Blanc, e várias dessas parcerias se tornam clássicos atemporais na voz de Elis Regina, como "Mestre-sala dos Mares", "Dois pra Lá, Dois pra Cá" e "O Bêbado e a Equilibrista", que se torna um hino informal da anistia política. Na década de 70 lança discos solos que o destacam como violonista virtuose, elogiado por ases como o inglês John McLaughin, e compositor. Nos anos 80 e 90, depois de encerrar sua parceria com Aldir Blanc, passa a atuar mais freqüentemente como cantor, e encontra outros parceiros como Capinam ("Papel Machê", outro grande sucesso), Waly Salomão e Antônio Cícero ("Holofotes"), além do filho poeta, Francisco Bosco, com quem compôs as faixas do disco "As Mil e Uma Aldeias". Em 1998 compôs a trilha para o balé "Benguelê", do Grupo Corpo, apresentado no Rio, São Paulo, Belo Horizonte e em festivais internacionais. A canção “Rio de Janeiro” ou “Samba do avião” é composição de Tom Jobim de 1962. Dalva de Oliveira nasceu no dia 05 de maio de 1917 em Rio Claro (SP), seu pai era saxofonista amador e clarinetista e a menina acompanhava o conjunto do pai em serenatas e bailes. Na década de 30 formou o Trio de Ouro com Nilo Chagas e Herivelto Martins, com quem acabou casando. O grupo emplacou clássicos como "Praça Onze" (Herivelto/ Grande Otelo) e "Ave Maria no Morro" (Herivelto). Trabalhou nas principais rádios da então capital do país, cantou no famoso Cassino da Urca. Em 1951 foi eleita Rainha do Rádio e excursionou pela Argentina e Europa. Em 1997, a EMI lançou uma caixa com suas principais gravações, intitulada "A Rainha da Voz". A canção “Poeira do chão” é composição de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas de 1952.