capa, folha, sumario - Liliane Scarpin

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE TEXTOS
A PARTIR DE CANÇÕES DE CAETANO VELOSO
LILIANE SCARPIN DA SILVA STORNIOLO
MARÍLIA - SÃO PAULO
2006
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE TEXTOS
A PARTIR DE CANÇÕES DE CAETANO VELOSO
LILIANE SCARPIN DA SILVA STORNIOLO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação
Comunicação,
Strictu
área
de
Sensu
em
concentração
Mídia e Cultura, para obtenção do título de
Mestre, sob a orientação da Profª Drª
Suely F. V. Flory.
MARÍLIA- SÃO PAULO
2006
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE TEXTOS
A PARTIR DE CANÇÕES DE CAETANO VELOSO
LILIANE SCARPIN DA SILVA STORNIOLO
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação Strictu Sensu em
Comunicação, área de concentração
Mídia e Cultura. Linha de pesquisa:
Ficção na mídia , para obtenção do título
de Mestre, sob a orientação da Profª.
Suely F. V. Flory.
Aprovado em: 28/06 /2006.
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Drª Suely Fadul Villibor Flory
Prof.ª Drª Lúcia Correia Marques de Miranda Moreiras
Prof. Dr. Adolpho Carlos Françoso de Queiroz
Nota Obtida: DEZ (10)
Agradecimentos
Agradeço a Deus por me dar coragem, iluminar minha mente sempre e me
proteger por essas estradas, principalmente nos dias que o cansaço me dominava.
À minha querida orientadora Suely Flory que nunca me deixou sem respostas,
mesmo nos momentos difíceis pelos quais passou.
À minha família que sempre me encorajou com palavras e atos carinhosos,
especialmente minha irmã Sandra, minha avó Lileta (In Memorian), minha tia Sueli e
meus primos, amigos e irmãos Alan, Joel, Daniel , Neto e Mara.
Ao meu esposo Djalma que teve extrema paciência comigo, sempre me
apoiou, incentivou, acreditou em minha capacidade de superar obstáculos.
À minha amiga, mãe, irmã Rita de Cássia que é um anjo em minha vida.
Agradeço pelos conselhos que recebi das minhas amadas amigas Kátia e
Maristela que sempre sabiam o que dizer para que eu “acordasse” durante minhas
crises existenciais.
Aos meus amigos: Marcos, Robinson, William, Maristela Mascari, Alessandra,
Ana, Aline, Rosa, Arlete, Nilcéia, Célia, Cássia, Samanta, Helena, Harumi, Luciana
Montanari, Maria Nilcéia, Celinha, Luciani
e João Paulo agradeço por me
suportarem e me socorrerem durante momentos muito difíceis, agradeço por
acreditarem na minha capacidade intelectual e de superação e me “levantarem”
todas às vezes que “caí”.
Agradeço ainda aos meus amigos e companheiros de trabalho Sônia, Márcia,
Telma e Edval que muitas vezes me ouviram e me incentivaram.
Finalmente agradeço a todas as pessoas que de uma forma ou de outra
contribuíram para que eu chegasse ao final de mais uma etapa de minha vida.
Resumo
Esta pesquisa apresenta os resultados da utilização das canções de Caetano
Veloso, como estratégia de sensibilização para produção de textos de alunos do
último ano do Ensino Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio
tendo como apoio metodológico teorias da Estética da Recepção, que analisam o
texto verbal a partir do receptor.
A música sempre esteve presente na vida do ser humano e o adolescente
dificilmente criará resistência para utilizá-la em sala de aula.O estudo das canções
torna-se uma maneira prazerosa e lúdica de aprender algo que os jovens julgam
difícil, ou seja, a produção de qualquer tipo de texto que o professor proponha em
sala de aula.
O cantor e compositor Caetano Veloso é um ícone da Música Popular Brasileira,
está sempre presente no cenário midiático, escreve poemas musicais com uma
linguagem mesclada entre o erudito e o popular, reúne em sua obra momentos
históricos de nosso país e utiliza-se de elementos intertextuais com maestria e, por
esse motivo, resolvemos utilizar seus textos e músicas para a sensibilização do
nosso público-alvo.
As estratégias utilizadas neste trabalho têm como suporte as linhas de pesquisa da
Estética da Recepção de Wolfganger Iser e Hans Robert Jauss e uma
complementação da lingüística e da semiótica que trata da relação do receptor com
o texto, que lê dos teóricos Mikail Bakhthin, Umberto Eco, entre outros.
Palavras-chave: mídia; receptor; música popular brasileira; vazios; dialogismo.
Resumen
Esta pesquisa presenta los resultados del utilización de las canciones de Caetano
Veloso, como estrategia de sensibilización para la producción de textos de alumnos
del último año del enseñanza general básica y del primero y tercero año del
bachillerato unificado, tiendo como apoyo metodológico teorias de la Estética de la
Recepción, que analizan el texto verbal a partir del receptor .
La música siempre estuvo presente en la vida del ser humano y los adolescentes
difícilmente criaran resistencia para utilizarla en clases de aulas. El estudio de las
canciones tornase una manera placentera y lúdica de abordar temas y proponer
tareas que los jovenes consideren difíciles, o sea, la producción que cualquier tipo
de texto que el profesor solicite en clases de aulas.
El cantor y compositor Caetano Veloso es un ícono de la Música Popular Brasileña,
esta siempre presente en el escenario mediático, escribe poemas musicais con una
lenguaje mezclada entre el erudito y el popular, reúne en suas obras momentos
históricos de nuestro país y se utiliza de elementos intertextuales con maestria y,
por ese motivo, resolvimos utilizar sus textos y músicas para sensibilización del
nuestro público- objetivo.
Las estratégias didacticas-pedagógicas utilizadas en este trabajo tienem como
suporte teóricos los estudios sobre la Estética de la Recepción, de Wolfgang Iser y
Hans Robert Jauss y una complementación de los estudios de lingüística y de
semiótica que trata de la relación del receptor con o texto que lee de los teóricos
Mikail Bakhtin, Humberto Eco, entre otros.
Palabras-clave: medía; receptor; música popular brasileña; vacíos; dialogismo.
Sumário
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9
1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ........................................................................... 16
1.1 O texto e o leitor ............................................................................................... 16
1.2 O dialogismo nas canções de Caetano Veloso ................................................ 22
2 A TRAJETÓRIA DE UMA VIDA FILTRADA PELA MÍDIA .................................. 26
2.1 A relação com a mídia através dos anos .................................................... 26
2.2 Uma entrevista com ou sem pretensões .................................................... 32
2.3 A folia soteropolitana de Caetano Veloso .................................................. 33
2.4 O bem que Caetano faz .............................................................................. 35
3 A INTERTEXTUALIDADE NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO ................ 38
3.1.1 Análise interpretativa das canções ........................................................ 39
3.1.2 Texto 1- “Livros” .................................................................................... 39
3.1.3 Texto 2- “Sou seu sabiá” ....................................................................... 47
3.1.4 Texto 3- “Os argonautas” ...................................................................... 55
3.1.5 Texto 4- “José” ...................................................................................... 58
3.1.6 Texto 5- “Outro retrato”.......................................................................... 63
3.1.7 Texto 6- “Língua” ................................................................................... 64
3.1.8 Texto 7- “Pra ninguém”.......................................................................... 72
4 A MÚSICA COMO ESTRATÉGIA NA SENSIBILIZAÇÃO PARA A PRODUÇÃO DE
TEXTOS ................................................................................................................. 78
4.1 A Música ..................................................................................................... 78
4.2 Descrição das Estratégias Metodológicas da Aplicação das Canções como
tema de produção de textos.............................................................................. 82
4.3 Avaliação de Recepção das Canções......................................................... 96
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 98
6 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 101
6.1 Bibliográficas ......................................................................................... 104
6.2 Consultas on- line...................................................................................104
6.3 Discografia ............................................................................................. 105
9
INTRODUÇÃO
Destino eu faço, não peço
Tenho direito ao avesso
Botei todos os fracassos
Nas paradas de sucesso.
(VELOSO, 2003,p. 261)
Esta pesquisa apresenta os resultados da utilização das canções de Caetano
Veloso em sala de aula, como estímulo e estratégia de sensibilização à produção de
textos por alunos do Ensino Fundamental e Médio, tendo como apoio metodológico
teorias da Estética da Recepção, que analisam o texto verbal a partir do receptor.
O cantor e compositor Caetano Veloso não foi escolhido por acaso. Como
podemos notar na citação acima, ele desafia situações, através de provocações em
suas letras e suas canções. É um ícone da MPB (Música Popular Brasileira) com
grande poder de comunicação e interação com seu público, trabalhando com as
palavras de modo peculiar e escrevendo poemas que, posteriormente, são
cantados.
Caetano fala: efusivo, excessivo, longe da economia restritiva da escrita. A
fala irradia-se largamente em reflexões que se constróem–desconstróem. É,
então, uma maneira de cantar: abre-se aos ritmos, às melodias, inflexões,
modulações, repetições.(FERRAZ, 2003,p. 12)
As estratégias utilizadas têm como suporte as linhas de pesquisa da Estética
da Recepção e recebem uma complementação dos estudos de Lingüística e de
Semiótica que tratam da relação do receptor com o texto que lê.
Os teóricos que fundamentam esta pesquisa são: Mikhail Bakhtin1; Wolfgang
Iser; Hans Robert Jauss2 e Umberto Eco3 que vêem e estudam, na produção de
1
A prosa foi o grande tema do lingüista russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) , mas ele também teorizou sobre a
poesia, se não extensivamente, pelo menos intensivamente em alguns momentos. Introduz nos estudos literários,
os conceitos de polifonia, intertextualidade, dialogismo, entre outros.
2
Hans Hobert Jauss e Wolfgang Iser são os dois grandes nomes da Estética da Recepção, teoria desenvolvida na
Universidade de Constanza ( Alemanha), nos anos 60 / 70, que aborda uma noção dinâmica do leitor, ouvinte ou
espectador como fator essencial à constituição da obra literária ficcional.
10
textos, estratégias de interação com o leitor que prevêm os movimentos (respostas)
do outro, ou seja, um texto, desde a sua geração, tem mecanismos de inserção do
leitor no próprio discurso narrativo, como parceiro de um diálogo com o autor.
Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto
pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para
alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do
ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro.
Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é,em última análise,
em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre
mim e os outros. Se ela se apóia em mim numa extremidade, na outra
apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor
e do interlocutor.(Bakhtin,1995,p.113)
Sobre a relação entre locutor e interlocutor na mídia diz Thompson:
Devemos abandonar a idéia de que os destinatários dos produtos
da mídia são espectadores passivos cujos sentidos foram permanentemente
embotados pela contínua recepção de mensagens similares. Devemos
também descartar a suposição de que a recepção em si mesma seja um
processo sem problemas, acrítico,e que os produtos são absorvidos pelos
indivíduos como uma esponja absorve água. Suposições desse tipo têm
muito pouco a ver com o verdadeiro caráter das atividades de recepção e
com as maneiras complexas pelas quais os produtos da mídia são
recebidos pelos indivíduos, interpretados por eles e incorporados em suas
vidas.... No intercâmbio comunicativo de uma interação face a face, o fluxo
de comunicação tem mão dupla: uma pessoa fala, a outra responde, e
assim por diante.Em outras palavras, os intercâmbios numa interação face a
face são fundamentalmente dialógicos. (THOMPSON, 2004,31)
Pudemos notar pelas palavras de Thompson que suas idéias sobre a
recepção assemelham-se à teoria bakhtiniana que afirma não haver comunicação
que proceda apenas de um falante, mas sim que esse necessita de um interlocutor
para a quem transmitir a mensagem. Bakhtin fala que as palavras têm “duas faces”
enquanto Thompson refere-se a essa relação como “face a face”. Em ambos os
3
Umberto Eco (Alessandria, Itália, 1932). A princípio, dedicava-se principalmente a trabalhos de Estética, com
aceitação por parte dos estudiosos. Trabalhou como professor de Comunicação Visual em Florença e de
Semiótica em Milão, realizando diversos estudos sobre o papel da recepção e do ato de ler.. Nessa época,
escreveu muitos ensaios e livros sobre semiótica. Na ficção, obteve grande êxito com o romance O Nome da
Rosa (1981), O Pêndulo de Foucault (1985), A ilha do dia anterior (1989), entre outros.
11
casos a alteridade e a relação entre “o dito” e o “não dito” são imprescindíveis para
que se construa um significado complexo que possibilitaria a configuração do
sentido do texto.
O autor, quando escreve, tem em mente um tipo de leitor (leitor ideal) que
possa entender todo o significado que cada significante estará transmitindo. Na
maioria das vezes, porém, quem lê o texto não é esse tipo de leitor, pois cada leitor
transporta para o texto seus conhecimentos prévios de mundo, ou seja, tudo o que
tem significado para ele. Portanto, quando Bakhtin diz que a palavra é semi-alheia
refere-se à relação entre o mundo, o autor e o leitor.“Diria que um texto é um jogo de
estratégias mais ou menos como pode ser à disposição de um exército para uma
batalha”. (ECO, 1.984,p.9)
Segundo Umberto Eco, (1986,p. 36), o autor prevê seu leitor (leitor modelo) e
age no sentido de organizar o texto para que ocorra um tipo de leitura, que ele
considera adequada às suas intenções e, para isso, utiliza estratégias textuais, as
mais diversas, dos estudos lingüísticos às ideologias, envolvendo forma e conteúdo.
O mundo oferece o universo das palavras e o autor utilizar-se-á delas, de acordo
com a sua ideologia e com a sua bagagem cultural.
Para que um texto se torne vivo, presentificando-se através do ato da leitura,
é necessário que o receptor acredite que o autor tem algo a dizer, caso contrário,
não o lerá. Além disso, fará sua leitura sempre de acordo com sua ideologia e com
seu conhecimento de mundo. Para analisar um texto é necessário que façamos sua
desconstrução para que, posteriormente, possamos reconstruí-lo com a nossa
interpretação, que será baseada em nosso repertório, valores e cosmo- visão.
O texto possibilita uma leitura horizontal – sintagmática- e uma leitura verticalparadigmática. Em ambas, quando os vazios aparecerem, o leitor deverá preenchêlos buscando respostas às suas dúvidas, em seus conhecimentos lingüísticos e
sociais, em suas crenças, preconceitos, medos e esperanças. No entanto, não se
pode aceitar uma leitura aleatória, que não seja pertinente à intenção do autor e
assim sendo, deve seguir parâmetros, ter limites impostos pela própria narrativa e
suas estruturas lingüísticas e ideológicas.
Como já dissemos, o autor constrói seu discurso dentro de seu mundo de
valores e quando seu texto encontra o leitor cria-se um contexto, onde há interação
entre interlocutores, cabendo ao receptor analisar as estratégias utilizadas pelo
12
emissor para que haja interação entre ambos. Cada teórico denomina o leitor que
interage com o texto de uma forma diversa, sob um ângulo diferente:
“Arquileitor”- leitor assíduo de determinados autores, que tem familiaridade
com as estratégias estilísticas do emissor. A soma de suas leituras sobre
um mesmo autor torna-o um “Arquileitor” (RIFFATERRE,1971); leitor
“informado” desenvolve processos em que os textos são atualizados pela
recepção através da interação texto / leitor de determinadas comunidades
interpretativas (FISH,1967);o leitor “implícito” que se encontra previsto nas
estratégias textuais (ISER,1974) e “leitor modelo” (ECO,1979) que é aquele
que o autor tem em mente quando escreve, um tipo de receptor idealizado
4
pelo “emissor.”
A interpretação de um texto, mesmo podendo provocar inúmeras
interpretações, impõe seus limites, não pode ser entendida como um mero ato de
decodificação, mas como um espaço de construção de sentido, onde um signo
exprime uma organização de significantes os quais, além de ter como designar um
objeto-significado, designam também instruções para a produção de uma
significação. O ato de interpretar, para Eco, estaria na tarefa semiótica de
compreender como se produz e como são construídos os significados para seu leitor
modelo.
O conceito de leitor implícito, desenvolvido por Wolfgang Iser, parte da noção
de concretização, que se traduz em duas vertentes: de um lado a do horizonte de
expectativas lançado pela obra, configurando-se no efeito (Wirkung) predeterminado
pelo texto, o qual transmite orientações prévias, inalteráveis sobre certos aspectos,
pois a obra tem que manter uma unidade estrutural; de outro lado temos a segunda
vertente, a recepção de cunho extra-literário, condicionada pelo leitor, que colabora
com suas experiências pessoais para fornecer vitalidade à obra e manter com ela
uma relação dialógica. É a recepção da obra por diferentes comunidades
interpretativas, em diferentes épocas, pertencentes a diversas camadas sócioeconômicas, estudada por Stanley Fish em suas obras e retomada pelos teóricos de
Constanza, anos depois, tanto Iser como Jauss.
4
- Apostila da disciplina: Estética da Recepção; os vazios do texto e a interatividade do receptor, ministrada pela profª Drª
Suely F. V. Flory. Mestrado em Comunicação-UNIMAR-2.004/ 1º Semestre
13
Wolfgang Iser considera como um dos pontos teóricos básicos da Estética da
Recepção a comunicação transmitida pela obra desde a sua estrutura, que
necessita de um leitor para a construção do seu sentido. Um texto só se presentifica,
só “existe”, através do ato da leitura. As estruturas e estratégias textuais prevêem o
leitor. É a teoria do efeito estético5 desenvolvida em sua obra O ato de ler.
Iser concentra-se nos efeitos que os vazios do texto, as insinuações, ironias,
o não dito, os subentendidos, provocam na consciência de um leitor ideal. O texto,
produto de uma combinação de linguagem e de sentido, apresenta um espaço
implosivo de vazios e carências que possibilitam a inauguração de um processo de
comunicação. Estes vazios são os responsáveis pelas diferentes perspectivas de
representação, levando o leitor a fazer uma coordenação durante o processo de
leitura. As carências, ausência de elementos determinantes que são apenas
insinuados no texto, condicionam o posicionamento dos leitores na ótica da Estética
da Recepção, permitindo-lhes compreender o sentido e a forma da obra literária pela
variedade histórica das suas interpretações. Exige, por outro lado, que a obra
individual seja introduzida na seqüência literária adequada, o que permitirá
reconhecer o seu papel histórico no contexto das leituras experimentadas pela
literatura “séria” e, só assim conseguiremos captar todo o seu potencial criativo.
Hans Robert Jauss, por sua vez, afirma que a primeira impressão que o leitor
tem frente ao texto é o estranhamento e que a recepção apresenta-se no
intercâmbio de três etapas: a compreensão, a interpretação e a aplicação. A primeira
inicia a leitura, é fundamentada na lógica da pergunta e da resposta. A segunda trata
da leitura retrospectiva que pressupõe a percepção estética enquanto précompreensão, já que somente podem ser concretizadas, significações que se
manifestem ao intérprete, como perspectiva de uma leitura histórica reconstruída, à
qual o texto respondia na época em que foi escrito, e a terceira aplicação é a
significação do texto em relação a um leitor específico.
Jauss enfoca o conceito de experiência estética, desenvolvido em seu artigo
“O prazer estético e as experiências fundamentais da Poiesis, Aisthesis e Katharsis”
(apud COSTA LIMA, 1979), assinalando a denominação da filosofia, da religião e da
metafísica platônica do belo, deixando em aberto as ambivalências que tais critérios
5
A teoria do efeito estético estuda como o texto prevê o seu leitor, inserido no próprio discurso narrativo. É o
outro, o interlocutor que interage com o emissor através do ato de ler. ISER, Wolfgang, O ato de ler.2v.São
Paulo,Editora 34, 2000
14
propunham. Pede o resgate hermenêutico da necessidade da experiência estética
do leitor e junta-se ao idealismo, denunciando a visão da arte moderna como
mercadoria. Jauss define a experiência estética agrupando-a em três categorias
fundamentais: poiesis, aisthesis e katharsis – analisando, em três abordagens, os
diferentes graus de envolvimento do receptor, arrebatado pelos sentidos no ato de
ler.
Se os vazios do texto ficcionais orientam (os atos de representação do
autor) contra o pano de fundo da linguagem pragmática, contribuindo para a
desautomatização das expectativas habituais do leitor, então este precisa
reformular para si o texto formulado, a fim de ser capaz de recebê-lo.
Quanto maior a quantidade de vazios, tanto maior será o número de
imagens construídas pelo leitor. (COSTA LIMA, 1.979 ,p. 105)
Ao trabalharmos com a análise na perspectiva da Estética da Recepção não
podemos jamais dissociar o dialogismo e a intertextualidade, pois são componentes
fundamentais de tal análise, uma vez que a Estética da Recepção está atrelada à
análise do discurso, às estratégias estruturais e lingüísticas do texto, a par das
visões de mundo do emissor e do receptor.
Nesta pesquisa é fundamental falarmos sobre o dialogismo de Mikail Bakhtin,
uma vez que se trata de uma pesquisa ancorada na análise da recepção de textos,
por alunos do Ensino Fundamental e Médio e, portanto, de relações dialógicas que
se estabelecem entre as canções analisadas e seus receptores.“Tudo se reduz ao
diálogo, à contraposição dialógica enquanto centro. Tudo é meio, o diálogo é o fim.
Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida.” (
BAKHTIN,1978,p.123).
Compreendendo o que Bakhtin nos diz na citação acima, buscaremos edificar
nossa pesquisa na comunicação que só ocorre quando “um” diz algo a “outro” e
espera ser compreendido.
Esta pesquisa divide-se em cinco capítulos que dialogam entre si
apresentando teorias e suas aplicações: no primeiro capítulo, são abordados os
pressupostos teóricos que dão suporte à pesquisa, enfocando a Estética da
Recepção e os conceitos de dialogismo e repertório do receptor. O texto só faz
sentido quando lido, portanto, nesse capítulo analisaremos como os adolescentes
15
recebem e lêem as canções de Caetano Veloso e as estratégias que utilizam para
“dialogar” com elas acrescentando seus conhecimentos prévios.
No segundo capítulo, é apresentada a relação que Caetano Veloso tem com a
mídia, sempre muito conturbada, repleta de polêmicas. A relevância deste capítulo
dá-se pela necessidade do conhecimento de um pouco da história
do autor pelos adolescentes. Nesse capítulo, Caetano Veloso, que é considerado
pela mídia um campeão de entrevistas, apresenta-se em uma entrevista e são
mostrados pontos de vista de jornalistas em relação ao compositor. Caetano é um
artista multimídia, portanto os adolescentes já tiveram contato com ele através de
algum veículo midíático, esta é a razão do presente capítulo.
No terceiro capítulo, enfoca-se a questão da intertextualidade atrelada ao
dialogismo, fundamental para a análise das canções de Caetano Veloso. Nesse
capítulo as canções são desconstruídas e posteriormente reconstruídas com
informações sobre a funcionalidade dos intertextos usados amplamente, por
Caetano Veloso.
No quarto capítulo, efetua-se a aplicação das teorias descritas nos capítulos
anteriores. O trabalho é feito com alunos do último ano do Ensino Fundamental e
com alunos da primeira e terceira séries do Ensino Médio que analisaram as
canções de Caetano Veloso e posteriormente compuseram seus textos. Trata-se de
um trabalho de prática em sala de aula e as séries escolhidas para amostragem são
séries em que pudemos trabalhar, efetivamente, visto que são classes regidas por
nós.
Na última parte, Considerações Finais, apresenta-se o resultado baseado em
análise de dados, uma vez que nos fundamentamos no material produzido pelos
alunos do Ensino Fundamental e Médio. São textos diversos produzidos pelos
alunos em sala de aula, a partir de estudos de recepção de canções de Caetano
Veloso e baseado nos temas e intertextos analisados em suas composições.
Considera-se, nesta dissertação, a extrema importância da utilização de
metodologias diferenciadas para o ensino de redação, visto que, cada vez mais, os
adolescentes estão perdendo a habilidade da escrita pela facilidade propiciada pelo
avanço tecnológico e pela síntese “telegráfica” da linguagem da Internet.
A
utilização de canções une o interesse dos alunos que “curtem” o som, com sua
necessidade de conhecimento, preenchida pela riqueza textual das canções de
Caetano Veloso.
16
1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
1.1 O texto e o leitor
Abordam-se neste capítulo algumas estratégias de análise do discurso,
através da Estética da Recepção e do estudo de aspectos lingüísticos, tendo em
vista o papel do Enunciador (sujeito) e do Enunciatário (objeto) na composição de
letras de músicas de Caetano Veloso, analisadas como texto poético.
Segundo Iser, o processo comunicativo entre texto e leitor ocorre na interação
entre ambos, isto é, as exigências daquele e as respostas deste. Contudo é
imperativo destacar as diferenças existentes entre interação texto-leitor e interação
interpessoal. Nas relações interpessoais, há uma atividade interpretativa da imagem
do outro, ou seja, as pessoas, ao se comunicarem, procuram agir de acordo com
aquilo que acreditam serem as expectativas do interlocutor, embora seja impraticável
corresponder totalmente, tendo em vista a impossibilidade de conhecê-las em
profundidade. Paradoxalmente, essa impossibilidade funciona como elemento
propulsor de ações interpretativas, isto é, na relação face a face, por exemplo,
valemo-nos de perguntas e respostas, na tentativa de superar prováveis
contingências, que comprometeriam a comunicação e, no texto escrito, com uma
relação “In absentia”6, precisamos suprir essa ausência pelas estratégias
discursivas.
O que poderia designar de “estranhamento” objetivado pela
interação dos segmentos das mais diversas áreas de conhecimento do
texto, é denominado pelo autor de “valor estético” (p. 137). A tarefa do leitor
consiste em formar, a partir desses segmentos, uma nova e coerente
combinação (“sistema de equivalências”) que não é formulada no próprio
texto. Chama-se isso de “objeto estético”. Nesse trabalho individual, o leitor
naturalmente é guiado pelo texto, principalmente pelas ”estratégias
textuais”; mas já as alusões literárias, ainda pertencentes ao repertório,
indicam a direção que a formação do sistema de equivalências deve seguir.
Portanto,a parte do repertório, derivada da tradição literária, assumiria a
função de uma primeira indicação para a apropriação, a partir dos sentidos
da época. ( COSTA LIMA, 2002,p. 996,v.2)
6
absentia, -ae, subst, f. Ausência, afastamento. (FARIA, 1988,p.17)
17
Na relação texto-leitor, em que o confronto face a face é impossível, há um
desequilíbrio, provocado pelos “vazios” (Wolfgang Iser), que são fundamentais no
processo de interação. Eles assinalam a quebra das conexões dos segmentos
textuais, ou seja, deixam espaços que devem ser conectados, de acordo com o
ponto de vista do leitor, enriquecendo sua atividade imaginativa. Também impõem
dificuldades ao leitor, induzindo-o a se afastar de um contexto de ações pragmáticas,
para construir uma significação que gere um sentido decorrente de suas próprias
projeções interpretativas.
Assim, os vazios ampliam o leque de possibilidades de significação das
conexões dos segmentos textuais e, conseqüentemente, da atividade imaginativa do
leitor, e essa atividade é controlada pelo autor, pois oferece um objeto dado, uma
situação pré-determinada, de acordo com os valores do público visado.
Os vazios do texto são as palavras “não-ditas”, os subentendidos nas
entrelinhas, ou seja, idéias sugeridas pelo texto ou intuídas pelo leitor como espaços
abertos para a plurissignificação, levando o receptor a participar da construção do
texto através de suas atividades de interação.
O prazer da experiência estética, como apontamos anteriormente, dá-se, para
Jauss, em três níveis intercambiáveis: poiesis, aisthesis e katharsis.
A poiesis corresponde ao prazer estético decorrente da participação do leitor
na compreensão do texto, pois ajuda a construí-lo, preenchendo seus vazios,
completando e presentificando a significação textual através de suas projeções
pessoais.
A aisthesis designa o prazer do conhecimento do belo, do contato com a
arte, com a mudança decorrente do prazer de contemplar a perfeição, que nos
permite usufruir a própria arte.
A
katharsis
é a possibilidade de identificação
do
leitor com
as
personagens,conflitos e idéias transmitidas pelo texto. O leitor vê-se retratado nos
dramas vividos pelas personagens; sente-se liberto dos seus problemas cotidianos e
imerso na ficção, o que o faz voltar-se sobre si mesmo e identificar-se com as
emoções vividas pelos actantes (aqueles que atuam) da trama ficcional.
Para alguns lingüistas, como
Benveniste e Ducrot em seus estudos,
inicialmente o que transformava a língua em discurso era a enunciação: o autor é
dotado de uma atividade psicológica necessária à produção do enunciado; o autor é
a origem dos atos ilocutórios, realizados na produção de um enunciado, afinal, é
18
com o autor que o texto se inicia, portanto é uma produção solitária. Posteriormente,
Ducrot combate esse tipo de sujeito, ao propor a teoria da polifonia.
Na terceira época da Análise do Discurso, Pëcheux apresenta uma tentativa
de caracterização do que chama de “discurso do outro”:
O discurso de um outro, colocado em cena pelo sujeito, ou discurso
do sujeito se colocando em cena com um outro? ‘(c.f. as diferentes formas
de ‘heterogeneidade mostrada )’: mas também, e, sobretudo a insistência de
um ‘além’ interdiscursivo que vem aquém de todo autocontrole funcional do
‘ego-eu’ instala-se, ao mesmo tempo, em que se desestabiliza (nos pontos
de deriva em que o sujeito passa no outro, onde o controle estratégico de
seu discurso escapa-lhe) Uma outra evidência de que há dúvidas pode ser
vista nesta outra pergunta: o sujeito seria aquele que surge por instantes, lá
onde o ‘ego-eu’ vacila?(PÊCHEUX ,1983, p. 316-7 )
A intertextualidade tem um papel fundamental mostrando que “cada texto é
um tecido de textos, aquele jogo aberto de uma intertextualidade flutuante na ‘luta
entre homens e símbolos’”. (COSTA LIMA, 2002, p.883, v.2) . Durante a leitura, o
receptor recria o texto (cada leitura é um entendimento), pois o texto permite-lhe
diferentes interpretações e leituras realizadas em tempos diferentes.Cada leitor
transporta para o texto seus conhecimentos prévios (verbais, sociais, ideológicos),
concretizando o texto ficcional segundo suas próprias projeções interpretativas.
O autor, para criar uma atmosfera de polifonia, portanto heteroglótica, deve
levar para seu texto, além de seus conhecimentos a respeito da língua, sua
criatividade e seu mundo de valores que são a chave para o interesse do leitor, uma
vez que possibilita a fusão dos horizontes de expectativas do emissor e do receptor.
A entonação do autor, tanto verbal como não-verbal, é de extrema
importância para a compreensão de sua obra. Ele cria uma situação e dá-lhe
entonação, para que sua idéia seja entendida pelo leitor. A língua torna-se, dentro
de um texto, uma opinião concreta sobre o mundo, dentro de um texto musical, ela
ganha forças e muitas vezes torna-se um ícone da história, podendo representar
toda uma geração, como é o caso da canção “Sem lenço e sem documento” de
Caetano Veloso.
Partindo da análise teórica sugerida por Bakhtin e dos pressupostos da
Estética da Recepção de Iser e Jauss , as letras de algumas canções de Caetano
19
Veloso serão colocados como objeto de nosso trabalho, focalizando principalmente
o dialogismo, a interação e sua recepção pelos alunos do Ensino Fundamental e
Médio, que construirão seus próprios textos, a partir das canções estudadas e
analisadas em classe com o professor.
Iniciar-se-á buscando fundamentar esta pesquisa na teoria, só então, passarse-á para uma análise mais concreta , trabalhando com os textos, canções
selecionadas de autoria de Caetano Veloso, para trabalhar com alunos do último
ano do ensino Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio, em
dissertações narrações e paródias.
Sabe-se que para a interpretação de um texto, o leitor utiliza seus
conhecimentos prévios (repertório cultural) e, assim sendo, cada leitor pode
aprofundar-se, mais ou menos, no universo do texto que está sendo seu objeto de
leitura ou estudo.
O texto é construído de maneira tal que leve as vozes narrativas a se
organizarem num discurso, onde há uma interação do sujeito (autor) e do receptor
(leitor) e é a partir dessa intenção que seu enunciado é configurado, devendo
também prever uma possível reação de seu interlocutor. Há, portanto, reciprocidade
dentro do enunciado e fora dele (interação de interlocutores).
Dentro de uma canção de amor, por exemplo, o autor dirige-se ao seu
interlocutor (pessoa amada) de maneira que a faça compreender seus sentimentos,
não descartando em momento algum a possível rejeição dos mesmos , uma vez
que, conhecendo o ser amado , pode prever algumas de suas atitudes.
Portanto, sendo a música uma linguagem universal, o autor direciona seus
sentimentos inicialmente a uma pessoa, a um conflito pessoal e a muitos outros
focos, mas posteriormente esses sentimentos podem ser interpretados de acordo
com a cosmovisão do receptor, tornando-se mais amplos e abrangentes e passando
de uma declaração individual para um sentimento humano, que pode ser
compartilhado por qualquer pessoa.
As letras das músicas (poemas) de Caetano permitem uma análise estilística,
em que se encontram
continuidades e descontinuidades , conservação e
dissolução, surpresa e espera, marcada pela temporalidade e muitos outros
20
elementos semânticos que permitem a compreensão de seu texto, marcado pela
genialidade.
A palavra da língua é uma palavra semi-alheia. Ela só se torna “própria”
quando o falante a povoa com sua intenção, com seu acento, quando a
domina através do discurso, torna-a familiar com sua orientação semântica
e expressiva. (BAKHTIN, 1998,p.100).
A linguagem literária é plurilíngüe, um diálogo de linguagens, para o qual o
autor e seus receptores contribuem com seus repertórios, suas visões de mundo,
seus quadros de valores, interagindo de forma dinâmica e concretizando o texto
ficcional, que antes de ser lido, é uma virtualidade, uma possibilidade de existência.
Embora o plurilingüismo, os contextos de outrem, a realidade social e outros
fatores envolvam o autor, o mesmo deve imprimir sua marca à obra, bem como sua
entonação e seu acento.
Bakhtin afirma que o poeta não utiliza vozes de outrem, mas imagina o
repertório do outro e tem domínio total de sua linguagem, porém acreditamos que há
sempre a presença de um fator ideológico, pois ele escreve para outrem, visto que a
linguagem do poeta só existe na medida em que existe seu interlocutor, na troca de
experiências, na interação verbal e emocional e, para que isso ocorra, deve partir de
aspectos concretos da vida cotidiana.
Bakhtin afirma :“Ele deve partir da linguagem como um todo intencional e
único: nenhuma estratificação pluridiscursiva e muito menos plurilíngüe deve ter
qualquer reflexo marcante sobre sua obra poética.”( BAKHTIN, 1998, p.103 )
Percebe-se, por essa afirmação, que o poeta, no ponto de vista do lingüista,
deve ter uma linguagem totalmente individualizada e transformar tudo o que
conhece da realidade em um texto único, que imprima somente suas intenções.
“Tudo aquilo que penetra na obra deve se afogar no Letes, esquecer sua vida
anterior nos contextos de outrem: a língua só pode lembrar de sua vida nos
contextos poéticos. “ ( BAKHTIN,1998, p.103)
A figura lingüística do autor fica responsável por toda palavra como se fosse
sua, mas não podemos esquecer que o próprio Bakhtin afirma que o ato de escrever
não é individualizado, é, na verdade, um jogo interativo “quem fala são os códigos e
não quem escreve”. Acredita-se, contudo, que esse jogo interativo, assim como a
21
intenção discursiva do autor só se realizam e se concretizam numa interação maior e
mais complexa: a interação sujeito/ interlocutor.
O “sujeito discursivo” (eu lírico nos poemas) dentro das canções representa o
“sujeito do mundo”, apesar de não sê-lo efetivamente, e sim por referir-se e ter sido
criado por ele, por retratar uma ideologia e representar um sujeito pertencente a um
determinado grupo, a uma classe e uma sociedade, com sua visão de mundo.
Bakhtin faz a afirmação de que “todo signo é ideológico”7, ou seja,o autor
colhe seu discurso dentro de uma ideologia e o transporta para a sua. Sabe-se que
toda modificação da ideologia desencadeia uma modificação da língua. A evolução
da língua obedece a uma dinâmica positivamente conotada. A variação é inerente à
língua e reflete variações sociais.
A evolução lingüística obedece a leis internas, mas é, sobretudo, regida por
leis externas de natureza social. O signo é encarado como signo dialético, mutável e
dinâmico, plurivalente e vivo que se renova ou adquire novas significações em
diferentes épocas ou comunidades interpretativas.
Bakhtin fala de uma “interação dialética constante” que é a dialética e a
ideologia interagindo dentro de um contexto social que faz de todos nós, autores e
leitores, partes integrantes de um contexto que nos molda e influencia.“O signo
ideológico vive graças à sua relação no psiquismo e reciprocidade, a realização
psíquica vive do suporte ideológico.” ( Bakhtin: 1987,p.54)
A língua é um fato social, portanto, a língua, que é “nascida” e “criada” dentro
de uma sociedade, tende a adquirir características sociais próprias, fazendo com
que haja dentro do discurso, múltiplas linguagens que, quando desprendidas da fala,
criam um texto e um contexto onde há interação entre os interlocutores.“Nenhum
enunciado em geral pode ser atribuído apenas ao locutor: ele é produto da interação
dos interlocutores e, num sentido mais amplo, o produto de toda essa situação social
complexa em que ele surgiu.” ( Bakhtin, in Todorov, 1981,p.50)
Na concepção de Bakhtin, a psicologia social é o meio ambiente inicial dos
atos da fala de toda espécie. Isso quer dizer que qualquer manifestação da fala
7
Bakhtin critica a categoria da causalidade mecânica para explicar como a realidade (infra-estrutura)
determina a ideologia. Para ele, “o ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas se refrata”
e o que determina essa refração do ser no ideológico é confronto de interesses sociais, ou seja, a luta
de classes. “Classes sociais diferentes servem-se de uma só e mesma língua. Conseqüentemente,
em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contraditórios. O signo se torna a arena onde
se desenvolve a luta de classes” (Bakhtin/Voloshinov, 1992a :46).
22
cotidiana, tanto no discurso exterior como no interior ( consciência), verbais ou nãoverbais, constituem a ideologia social.
Segundo Bakhtin, o signo individual, dentro da sociedade, é refletido e
refratado nas características ideológicas de cada um. Assim, em todo signo
ideológico, confrontam-se valores contraditórios. O signo se torna a “arena onde se
desenvolve a luta de classes”, o que torna o signo vivo, móvel e capaz de evoluir.
Apesar das perspectivas e abordagens, a psicologia, a sociologia e a
lingüística cruzam-se na elaboração de um discurso, por isso se fazem necessários
os comentários e citações sobre esses assuntos, mostrando a ligação inevitável
entre eles.
Não se pode imaginar que o produtor do discurso musical tenha o poder
soberano de produzir mensagens fechadas, que serão decodificadas de maneira
uniforme por todos os receptores, nem que tais discursos não se ancorem em
pressupostos comuns, muitas vezes de base ideológica, capazes de conduzir a
interpretação. A mídia desempenha papel central na divulgação dos textos musicais,
no entanto, a apropriação desses discursos são múltiplas, o que resulta, obviamente,
em entidades sociais também múltiplas.
A síntese aqui apresentada permite vislumbrar algumas das possibilidades de
interpretação e interação com textos musicais.
1.2 O Dialogismo nas canções de Caetano Veloso
A comunicação é inerente ao homem desde o seu nascimento pela
necessidade de sobrevivência. Os estudos lingüísticos mostram a transformação da
língua durante o desenvolvimento do ser humano e tornando a comunicação mais
completa e complexa, pois o vocabulário do indivíduo é ampliado e enriquecido com
conhecimentos adquiridos durante sua vida. Quanto mais complexa é uma
sociedade, mais complexos serão os gêneros do discurso a serem percebidos na
sua função de comunicação.
A presente pesquisa tem por objetivo auxiliar o educando na aquisição de
novos conhecimentos que conseqüentemente aumentarão sua capacitação
discursiva, ou seja, deverão auxiliar o adolescente em sua busca pelo conhecimento
apresentando-lhe instrumentos para a
construção de textos mais consistentes,
23
unindo elementos que não se dissociam: a comunicação midiática através da
audição de músicas e a lingüística.
Luís Ramiro Beltrán afirma que os estudos de comunicação vistos ao longo
do século XX são baseados nos princípios da “retórica” do filósofo grego Aristóteles
que são divididos em três elementos: locutor, discurso e ouvinte, ou seja, alguém
que fala algo para outro alguém. Para Aristóteles, o objetivo maior da comunicação é
a persuasão: a capacidade que o locutor deve ter para convencer o ouvinte de que
seu discurso é justo, coerente e correto. Esse esquema ainda é utilizado por muitos
autores. A mídia sonora (rádio, e aparelhos que reproduzem Compact Disc) utiliza
esse esquema básico, porém, além de simplesmente utilizá-lo, fornece códigos
lingüísticos para uma análise mais profunda, baseada em estudos que tratam da
relação entre o locutor (emissor) e o ouvinte (receptor) na ótica
da análise do
discurso, dos estudos de Bakhtin (dialogismo, plurilingüismo) e da Estética da
Recepção.
O código lingüístico compõe-se de signos gráficos e fônicos, que são
interpretados de acordo com o conhecimento de mundo do receptor (ouvinte) da
mensagem, pois a mensagem nunca é decodificada em sua íntegra. O emissor
(locutor) que a transmite, tem seu próprio conhecimento de mundo, assim como o
ouvinte (receptor) possui seus próprios quadros de valores e referências.
A essência desta pesquisa reside na composição de um conjunto de
atividades com os alunos, em sala de aula, a partir de textos de músicas de Caetano
Veloso, com o objetivo de buscar a articulação entre a expressão literária poética e
a informação objetiva de um texto. Tais textos visam o estabelecimento da leitura
dialógica que os integra em uma rede única de conhecimentos, fornecendo
subsídios para que os alunos elaborem seus próprios textos de formatos diversos
(dissertação, narração, paródia) a partir de proposições das letras das músicas de
Caetano Veloso.
Busca-se, ainda, descobrir de que maneira ocorre o dialogismo nas canções
de Caetano Veloso, partindo dos textos escritos e audições das canções pelos
alunos do último ano do Ensino Fundamental e do primeiro e terceiro ano do Ensino
Médio de Escolas Públicas.
Sabendo-se que há dificuldade na leitura e elaboração de textos de alunos,
especialmente do Ensino Médio, apresentar-se-á uma proposta de ensino da
24
redação partindo de textos musicais, visto que, a transmissão da mídia sonora por
programas radiofônicos, televisivos ou por um instrumento como um rádio que
reproduz CDs é facilmente recebida pelos adolescentes. Trabalhar-se-á, deste
modo, com um material diferente dos quais eles têm contato em sala de aula
freqüente. As estratégias para esta pesquisa deverão atender aos preceitos
(exigências) e interesses do público alvo, ou seja, deverão ser oferecidos métodos
de ensino/ aprendizagem que estimulem o interesse desse público.
Os diferentes discursos de locutores diversos revelam que o diálogo do
discurso próprio com diversas fontes de fala é da ordem da linguagem e não da
língua, podendo ser mais ou menos marcado como tal por quem enuncia e, mais ou
menos percebido por aquele a quem ele é dirigido, sendo, portanto, uma questão de
interação e não de formas. Revelam também que por meio desse diálogo, os
locutores se posicionam com relação ao mundo, ao outro, a ele mesmo e ao próprio
discurso.
Pressupõe-se que o autor coloca o centro significante de sua linguagem na
perspectiva do outro, com o qual irá interagir (receptor). É a perspectiva do outro que
lhe interessa, pois não escreve canções para si mesmo. Essa voz alheia não vem
intacta, ela vem alterada justamente pela inserção do conhecimento de mundo de
cada indivíduo.
Caetano Veloso consegue ser ao mesmo tempo erudito e popular.Sua
erudição pode ser observada principalmente pela freqüente intertextualidade em
suas canções e pela utilização de palavras que não estão presentes no cotidiano
dos falante. Já sua popularidade dá-se por conseguir atingir a “massa”, ou seja,
pessoas de todos os níveis sócio-econômicos. Ao interpretar suas canções o
adolescente irá adquirir novos conhecimentos para utilizá-los na interpretação de
textos diversos, visto que, muitos textos mostram o retrato da sociedade brasileira,
assim como outros os “sentimentos do mundo”; situações que fazem parte do ser
humano durante toda sua vida, como por exemplo, a eterna luta do bem contra o
mal na canção “Meu bem meu mal” (FERRAZ,2003,p.139) e muitas outras que
mostram o paradoxo do amor.
Com esta análise, esperamos apresentar
atividades que, principalmente,
estimulem a escrita dos adolescentes, enriqueçam seu vocabulário e propiciem uma
escrita de textos,com conteúdo mais rico em informações.
25
Os alunos (receptores) entrarão em contato com as canções selecionadas e
terão a oportunidade de conhecer a forma como esses textos foram desenvolvidos,
através da desconstrução e reconstrução dos mesmos, com auxílio de estratégicas
analíticas oferecidas pela Estética da Recepção.
No próximo capítulo, falaremos sobre a trajetória de Caetano Veloso
registrada pela mídia, uma relação permeada por declarações que ficam entre dois
extremos, o amor e o ódio mas, revelam sempre um artista preocupado com o seu
país, o seu povo e a sua cultura. Os estudos das canções de Caetano Veloso
permitem uma ampla abordagem dos mais diversos temas, embora sempre
sublinhados pelo seu amor ao seu povo e ao “outro”, ao seu parceiro(a) que o
completa. A intertextualidade é uma marca de seu texto poético, uma vez que
através do dialogismo e da intertextualidade, o outro é parte integrante de seu
discurso.
26
2 A TRAJETÓRIA DE UMA VIDA FILTRADA PELA MÍDIA
2.1 A relação com a mídia através dos anos
Quase não tínhamos livros em casa
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como radiação de um corpo negro
10
Apontando pra expansão do Universo
Caetano Emanuel Viana Telles Veloso, nascido em 07 de agosto de 1942, em
Santo Amaro da Purificação, a 73 quilômetros de Salvador, Caetano Veloso, como
ficou conhecido por todo o país, já sabia desde pequeno o que queria ser na vida e
construiu seu conhecimento literário por conta própria, buscando ler tudo o que
podia, conforme suas próprias palavras:
...não havia livros na minha casa. Aquela frase da minha canção ‘Livros’ é
quase um desabafo, um lamento autobiográfico. Nossa casa era imensa,
um sobradão daqueles enormes, antigos do recôncavo da Bahia, (...), mas
não tinha uma biblioteca.Nem sequer uma estante com livros. Mas havia
livros em minha casa. Uns livros fugazes que sempre estavam nas mãos de
minha mãe – que era a única pessoa que eu via dentro de casa lendo.
(VELOSO, 2001,p.43)
Com pouco mais de quatro anos de idade, o irmão de Maria Bethânia já
compunha A Tua Presença Morena, revelando seus dotes artísticos.Mas sua
trajetória musical começou, realmente, quando se mudou com a família para
Salvador no início dos anos 60. A capital baiana vivia um momento de efervescência
cultural, e Caetano aproveitou sua paixão pela música e pela bossa nova de João
Gilberto e começou a tocar em barzinhos da cidade.
Em 1963, ingressa na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da
Bahia e conhece o parceiro Gilberto Gil. Do fruto dessa amizade surgiram
composições como No dia em que eu vim-me embora, Panis et Circenses, São
10
Livros, canção do disco “Livro” de 1997.
27
João, Xangô Menino, Haiti, Cinema Novo, Dadá, entre outras.Nesse período,
também conheceu Gal Costa e Tom Zé, futuros componentes da Tropicália. Em
1965 abandona a faculdade e acompanha sua irmã Bethânia, que foi chamada ao
Rio para substituir a cantora Nara Leão no show "Opinião", sucesso naquele ano. No
mesmo ano, Bethânia gravou É de Manhã, de Caetano, e a música marcou sua
estréia com um compacto simples.
Em 1966, a "Revista Civilização", no seu número sete, publica um depoimento
de Caetano Veloso, em que ele fala da necessidade da "retomada da linha evolutiva
da música popular brasileira" a partir das lições mais fundamentais da bossa nova. É
uma das primeiras manifestações teóricas do artista-crítico, pensador da arte,
Caetano.
Estreando na era dos festivais, que sacudiram a MPB nos anos 60, ele
concorre, em São Paulo, no Festival Nacional da Música Popular, da TV Excelsior,
com "Boa palavra". A canção, defendida por Maria Odette, classifica-se em quinto
lugar.
O grande poeta da canção começa a ser reconhecido como tal. A sua "Um
dia" recebe o prêmio de melhor letra, no 2º Festival de Música Popular Brasileira da
TV Record de São Paulo.
Em novembro, Caetano promove disputas nas quais os artistas participantes
exibem seus conhecimentos de música popular; passa a se tornar mais conhecido.
Compõe a trilha do filme "Proezas de Satanás na terra do leva-e-traz" de Paulo Gil
Soares. Contratado pela Philips, gravadora pela qual saíram todos os seus discos
daquele momento em diante, Caetano lançou seu LP de estréia "Domingo", dividido
com Gal Costa; do repertório, constam "Coração vagabundo" e "Avarandado" entre
outras. O disco mostra uma filiação do artista à bossa nova; no texto, na contracapa,
porém, ele avisa que sua inspiração está tendendo a novos caminhos muito
diferentes do que havia conseguido até aquele instante.
A apresentação de sua marcha "Alegria, alegria", ao som das guitarras
elétricas do conjunto pop argentino Beat Boys, enlouquece o 3º FMPB, da TV
Record, juntamente com a cantiga de capoeira "Domingo no parque" de Gilberto Gil,
com
acompanhamento
d'Os
Mutantes.
As
duas
canções
se
classificam,
28
respectivamente, em quarto e segundo lugares. Eram os baianos rompendo com a
tradição na nossa música.
"Alegria, alegria" é lançada em compacto simples. A essa altura, já está em
curso o Tropicalismo, movimento de vanguarda que abalará nossas estruturas
musicais e culturais, com conseqüências notáveis até hoje. O movimento aplica e
atualiza, num contexto de massa, a filosofia antropofágica do modernista Oswald de
Andrade, que propôs o reprocessamento de informações estrangeiras para a criação
de uma arte brasileira e original. Público, crítica e artistas - entre tropicalistas e
esquerdistas engajados dividiram-se. Na imprensa, o poeta Augusto de Campos
saudou o grupo baiano que o promoveu.
Um “happening” ocorre em Salvador e repercute nas revistas de todo o país:
o seu casamento pop-tropicalista com a baiana Dedé Gadelha. Em janeiro de 1968,
houve a gravação de seu primeiro LP individual, "Caetano Veloso". No disco
ressaltam grandes e memoráveis clássicos como "Alegria, alegria", a emblemática
"Tropicália",
"Soy
loco
por
ti,
América"
(esta,
de
Gil
e
Capinan).
O Brasil vivia momentos de repressão por parte do governo militar. Com a liberdade
de expressão proibida, os artistas tentavam, a todo custo, quebrar as barreiras da
censura. Caetano era um dos revoltados com a situação pela qual passava o país.
Junto com Gil, lançou o movimento cultural Tropicalista na tentativa de expressar
seu inconformismo. Através do deboche, da irreverência e da improvisação, o
tropicalismo revoluciona a MPB, utilizando-se de elementos estrangeiros fundidos
com a cultura brasileira (a filosofia antropofágica do modernista Oswald de Andrade)
e baseando-se na contracultura. O movimento foi lançado no Festival de MPB da TV
Record, em 1967, com as músicas Alegria, Alegria, de Caetano, e Domingo no
Parque, de Gil, que se tornaram hinos da juventude da época. Em 1968, no auge do
movimento, Caetano lançou o álbum Tropicália, junto com Gilberto Gil, Gal Costa e
Tom Zé.
A parceria com Gilberto Gil estendeu-se da música e foi parar na vida dos
dois artistas. O choque de idéias com a ditadura militar ocasionou a prisão dos dois
em São Paulo, e impôs o exílio na Inglaterra, em 1968. Entretanto, a barreira
geográfica não impediu que os protestos continuassem e, de Londres, Caetano
29
enviasse artigos para o jornal O Pasquim e músicas para diversos intérpretes como
Gal Costa, Maria Bethânia, Elis Regina, Erasmo e Roberto Carlos.
Caetano retornou ao Brasil em 1972 e passou por um momento de alta
criatividade. Até o final dos anos 70, muitos sucessos como Tigresa, Leãozinho,
Odara e Sampa foram lançados. O encontro com os antigos companheiros Gal,
Bethânia e Gil resultou, em 1976, na formação do grupo Doces Bárbaros. O show
excursionou por São Paulo e outras dez cidades brasileiras, revivendo antigos
sucessos e, resultando na gravação de um LP. Em 1993, a parceria com Gilberto Gil
foi retomada e juntos lançaram o disco "Tropicália 2".
Multimídia, Caetano também se arriscou em outras formas de arte. Em 1986
comandou, ao lado de Chico Buarque, o programa de televisão da Rede Globo
"Chico & Caetano", onde cantavam e traziam convidados. Essa experiência na
televisão ajudou a quebrar a imagem de que os dois músicos não se davam bem. No
cinema, ele dirigiu o filme O Cinema Falado e outros, como escritor, sua estréia foi
Verdade Tropical, no qual faz um relato pessoal sobre os principais aspectos e
acontecimentos relacionados ao movimento tropicalista.
Hoje, com mais de sessenta (60) anos, Caetano Veloso é um senhor grisalho
e de cabelos aparados que, à primeira vista, em nada lembra aquele representante
da geração hippie. Em seu novo CD e show, A Foreign Sound, Caetano volta a
buscar em composições alheias, no caso, de autores norte-americanos, a
possibilidade de criticar um sistema dominante. Em um repertório que mistura Assis
Valente, Noel Rosa com Nirvana e Cole Porter, Caetano faz a ponte entre o Brasil e
o mundo que ele começou a conhecer no exílio.
A ousadia continua sendo uma marca registrada de Caetano.
Caetano é o mais original compositor/criador musical da nossa geração e
essa originalidade reside no tratamento elegante e delicado que dá à sua
inequívoca
ousadia
poética,
à
exploração
de
um
modernismo
melódico/harmônico que equilibra com perfeição signos da melhor tradição
da música popular nacional (samba, canção, baião, toada nordestina), à
utilização dos elementos arrojados da modernidade pop e rock (incluindo aí,
se quisermos, as influências da Escola de Viena a Stockhousen). (...) A
música de Caetano é um convite e um estímulo à meditação sobre a eterna
tragédia da solidão do ser e da contingência da vida, um estímulo ao cultivo
30
da palavra sonora, hospedeira da verdade e da mentira: pertence, quase,
11
ao plano da Filosofia.
Nos anos setenta, Caetano era mal visto pelos conservadores da época e
hoje é visto como intelectual e excêntrico.
Caetano envolve-se freqüentemente, em polêmicas com a mídia. Ele não
procura agradar ao interlocutor, enfrenta a mídia em plano de igualdade. É uma das
poucas figuras públicas que têm peso, agilidade e disposição para fazê-lo. Muitos
jornalistas pensam que o sucesso de uma entrevista está em “desmascarar” alguém
que tenha conseguido uma certa unanimidade. Caetano é, na área cultural,
considerado por alguns como artista decadente, aburguesado que está sempre
aparecendo na mídia. É uma espécie de reação ao “grande consenso que se formou
em torno do autor”, conforme comentário do jornalista Marcos Augusto Gonçalves,
em artigo da edição do caderno Mais! da Folha de São Paulo de novembro de 1997.
A capa daquele suplemento dedicado ao livro “Verdade tropical” já indicava o desejo
de desmascarar Caetano.Os textos diziam: “O tropicalismo do cárcere ao poder”,
“Documentos mostram que o regime militar não diferenciava a tropicália de outras
manifestações culturais que agitaram o Brasil nos anos 60”.
Essa última afirmação era baseada numa reportagem com o general António
Bandeira, que em 1968 ocupava posto de comando na estrutura dos organismos de
repressão política.
De acordo com o general, conforme apurou Mais! , os tropicalistas não
incomodavam tanto os militares quanto os guerrilheiros envolvidos na luta armada.
O jornal procurava desnudar o que seria um erro na avaliação de Caetano
Veloso. Em seu livro, ele diz que acreditava que os tropicalistas seriam os mais
profundos inimigos do regime militar.
Caetano tem uma relação, assim como outros intelectuais, de amor e ódio
com a mídia, porém prefere, na maioria das vezes, não dar importância ao que
dizem a seu respeito. Assume posições pessoais e controvertidas, mesmo correndo
11
Gil, Gilberto, pref. [1987]. Caetano: poesia e pensamento. In: Veloso, Caetano. Caetano Veloso: songbook.
3.ed. rev. v.2, p.7.
31
o risco de ser “odiado” pela mídia que não tolera muito as mediações e quer
respostas imediatas, diretas, enquanto Caetano procura ter sua opinião “ou não”,
como fala na maioria das vezes em suas entrevistas, e já foi motivo de muitas piadas
por humoristas que fazem sua imitação em programas como “Casseta e Planeta
Urgente” da Rede Globo de Televisão. Em uma de suas entrevistas à revista Época,
Caetano fala de sua relação com a crítica:
... dialogo e entro em competição com a crítica. Sempre atuei criticamente,
desde os tempos
da revista que Glauber Rocha editava. Isso não é
desprezo pelos jornalistas, como alguns pensam. Ao contrário, respeito a
boa crítica. Gosto de propor discussão de idéias, cada vez mais difícil nos
jornais. O problema é que, para vocês jornalistas, o pior é sempre o melhor.
Trabalho com atitude explícita. Nada fica sem resposta.(VELOSO, 2004: 61)
Quando Caetano participa de programas televisivos, as atenções se voltam
inteiramente para ele. Trata-se de um ícone de nossa MPB, e não importa quem
esteja falando ou até mesmo cantando, as câmeras focalizam todos os movimentos
de Caetano, como foi visto no último dia 21 de agosto de 2005, em sua aparição no
programa Global “Domingão do Faustão” no lançamento da trilha sonora do filme
“Os dois filhos de Francisco”. No dia 22 de agosto, no caderno Ilustrada da Folha de
São Paulo foi publicada uma nota dizendo que Caetano ficou após o programa
conversando com os atores da novela América, dizendo ser fã da mesma.
Caetano é um cantor com um imenso repertório que, como já foi dito,
apresenta desde o erudito até o popular com desenvoltura e influenciou vários
cantores como Ney Matogrosso, segundo uma declaração do cantor na revista
Época de 29 de agosto de 2005.
A primeira vez que vi Caetano eu era um funcionário público em
Brasília, no fim dos anos 60. Ele apareceu vestido de cor-de-rosa, dos pés a
cabeça. Naquele tempo homem não usava nem meia cor-de-rosa. Imagina
o choque; ditadura, você encontra Caetano Veloso todo de rosa em Brasília!
Pensei ‘Se um dia eu for artista, quero causar nas pessoas o que ele causa
em mim.(MATOGROSSO, 2005, p.103).
Apesar de intelectuais cultuarem Caetano como ícone da Música Popular
Brasileira, ter também uma diversidade de público e de suas aparições na mídia
sempre serem mostradas como um grande espetáculo, as músicas mais conhecidas
32
pelo público principalmente ouvintes da mídia radiofônica na atualidade são
composições de outros artistas interpretadas por ele, como por exemplo, a canção
“Sozinho” de Peninha que foi um grande sucesso por ser tema da novela Global
"Suave Veneno". Gravada no disco "Prenda Minha" de 1999, a canção ajudou a
alavancar as vendas do CD que chegaram a um milhão de cópias.12
Orfeu, filme de 2000 com direção de Cacá Diegues, ganhou os prêmios de
Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora (Caetano Veloso), no
Grande Prêmio Cinema Brasil. A canção, de autoria e interpretação de Caetano
Veloso “Sou você” rendeu-lhe o prêmio António Carlos Jobim, mas não obteve êxito
com a mídia.
Outra canção interpretada por Caetano que foi muito executada nas rádios
em 2003, “Você não me ensinou a te esquecer” dos compositores Bruno Mattos e
Odair José foi tema dos personagens principais Leléu e Lisbela do filme “Lisbela e o
prisioneiro” com direção de Guel Arraes.
2.2 Uma entrevista “com” ou “sem” pretensões
Em entrevista concedida à revista Época, em 24 de maio de 2004, ao
jornalista Luís Antônio Giron, Caetano fala de tudo um pouco e rebate as alfinetadas
do jornalista com muito bom humor. (Anexa entrevista na íntegra)
O jornalista descreve Caetano como alguém de bem com a vida, que não
precisa provar nada a ninguém, faz comentários sobre suas frases polêmicas e
obtém como resposta do entrevistado explicações simples para falas que foram
supervalorizados pela imprensa desde a década de sessenta (1960).
Ao ser questionado sobre sua condição de intelectual, diz que gosta de
externar suas opiniões sobre qualquer assunto e atribui isso ao momento histórico
pelo qual passou, quando todos os artistas deviam sempre ter opiniões próprias a
respeito de tudo, pois era uma obrigação.“... sou uma pessoa da área de
entretenimento que dá suas opiniões”.(VELOSO, 2004: 108)
12
htpp//:www.imusica.com.br
33
Sobre política, apesar de ser um político em sua essência, diz que não gosta,
mas sempre lê jornais para ficar por dentro de tudo o que ocorre no país e no
mundo. Vê em Ariano Suassuna um gênio, mas diz que o autor transforma-se em
um palhaço pela obrigação de manter uma posição conservadora e afirma que a
xenofobia não é bem vinda nos dias atuais.
Sente-se lesado pela pirataria de CDS, mas não quer entrar no mérito da
questão por considerar-se despreparado para isso e acima de tudo não dar a menor
importância ao fato.“... perdemos o controle sobre a veiculação de música. Não sou
empresário, não sou nem mesmo capitalista. Só não posso cuspir no prato em que
comi. Existe uma crise, mas eu não estou nem aí”.(VELOSO, 2004:110)
A música é considerada pelo compositor como arte e os lucros que vêm dela
nada mais são do que reconhecimento pelo trabalho e dedicação do artista.
João Gilberto é a sua grande influência musical. Quando questionado sobre o
porquê de não cantar como o ídolo, diz que tentou imitá-lo, mas considerou o feito
impossível.
Admite que sua competência musical é limitada, comparada com artistas
como Chico Buarque, por exemplo. Considera-se um bom compositor.
Sobre cinema, diz que gosta muito e que foi muito bom dirigir um filme e tem o
desejo de dirigir algo ambientado em Salvador, Bahia.
Acredita arriscar seu prestígio com o lançamento de seu disco em inglês e
considera a música americana melhor que a nacional, por influenciar maior número
de pessoas no mundo.
2.3 A folia soteropolitana de Caetano Veloso
“A inteligência puramente musical de Caetano Veloso”
13
13
Título da matéria publicada por J.D. Borges na revista eletrônica “Observatório da imprensa”.
34
No jornal eletrônico de vinte (20) de agosto de mil novecentos e noventa e
nove (1999), o jornalista J. D. Borges faz uma crítica a Caetano mostrando sua
aversão pelas idéias, comentários e a própria presença do compositor, dizendo que
ele gosta de aparecer e faz falsas interpretações de fatos, dando suas opiniões
sobre tudo e não tem paciência para explicar ao público suas obras. (Anexa,
entrevista na íntegra)
Considera Caetano um recordista de entrevistas e trata o Tropicalismo como
um movimento de idéias vagas, de mau gosto e popularesco típico. Diz, ainda, que
para o compositor, o único Estado que tem importância em nosso país é a Bahia.
Acusa Caetano de privilegiar seus conterrâneos baianos, cita João Gilberto e
António Carlos Magalhães, diz que o artista é inconseqüente, inoportuno, cara-depau e ingrato a São Paulo e Rio de Janeiro. Diz ainda que o estilo musical e
comentários do compositor estão ultrapassados e praticamente pede para que ele “
se recolha à sua insignificância” com palavras bem agressivas.
Não é raro encontrarmos opiniões como a de J. D. Borges na imprensa
nacional. Na maioria das vezes, os jornalistas consideram Caetano como alguém
que não pensa para falar e que, por vezes, tem uma verborragia que pode prejudicar
sua imagem na mídia.
Como já foi dito anteriormente, muitos jornalistas querem “desmascarar” quem
de alguma forma consegue se destacar, midiaticamente, no panorama nacional ou
até internacional e sabemos que embora Caetano seja “quase” uma unanimidade
nacional, há um “coro de contrários” às suas produções artísticas e suas opiniões,
muitas vezes polêmicas.
Podemos citar, como exemplo da manipulação da mídia, uma entrevista para
o jornal “O Globo” de 27 de maio de 2001 cujo título foi recortado de uma declaração
do artista pelo jornalista ou editor do jornal. Tratava-se de um comentário normal,
mas tornou-se uma “afronta” aos leitores, principalmente conterrâneos de Caetano.
O título dizia “A estrela baiana aqui sou eu”. Quem não leu a entrevista, certamente
imaginou Caetano prepotente, mas quem a leu, pôde perceber que o artista diz isso
ao ser perguntado sobre António Carlos Magalhães na intenção de não desfocar a
35
entrevista na qual falava sobre seu trabalho e não sobre política ou outro assunto
qualquer.
2.4 O bem que Caetano faz
Se nariz de poeta aponta sempre contra os chapadões. Mesmo no contexto
de absurda excelência da poesia da música popular brasileira, um de
nossos maiores patrimônios, relativamente pouco estudado, a arte de
Caetano Veloso é qualquer coisa, ou muito. Encanta e surpreende a cada
página, que nunca se dá sem fogo, sem o brilho da consciência e da paixão.
Depois do quê, ficamos nós, desastrados tropeçando nos milagres
12
(NESTROVSKI, 2003, Folha de são Paulo)
Neste trecho do artigo de Arthur Nestrovski à Folha de São Paulo, o jornalista
mostra a paixão pelas letras de Caetano Veloso e no contexto faz intertextualidade
com canções “Qualquer coisa” e “Livros”.
Assim como Nestrovski, muitos jornalistas reconhecem o brilhantismo de
Caetano Veloso. Em artigo à Folha on line, de novembro de 1997, Mário Vitor
Santos também sai em defesa do compositor, que havia lançado seu livro “Verdade
Tropical” e fora duramente criticado pela mesma Folha de São Paulo no suplemento
dominical “Mais!” de novembro, do mesmo ano, pelo jornalista Marcos Augusto
Gonçalves.
Marcos Augusto Gonçalves dizia, na reportagem, que Caetano, em seu livro
“Verdade tropical” , considerava-se o dono da verdade.
Mário Vitor Santos considera este comentário invejoso e acredita que a
colocação foi feita pelo jornalista a fim de desautorizar a integridade de Caetano.
Santos diz que “Verdade tropical” é um livro excelente, com uma linguagem
de fácil entendimento e sem prepotência do autor e que o jornalista da Folha tem
necessidade de um enfrentamento franco com Caetano, para que entenda sua obra
e possa criticá-la.
12
Artigo da Folha de São Paulo escrito por Arthur Nestrovski em novembro de 2003, época do lançamento do
livro “Letra só” de Eucanaã Ferraz.
36
O jornalista considera as intervenções críticas de Caetano, no terreno
jornalístico, revigoradas através dos anos, sabe que Caetano não tem a menor
intenção de agradar seu interlocutor e, quando faz uma declaração, enfrenta a
mídia, em plano de igualdade, sendo uma das poucas pessoas que faz isso com
destreza.
Não é apenas sobre os brasileiros que o compositor e cantor Caetano Veloso
causa forte impacto. Famoso internacionalmente, o baiano deixa jornalistas
estrangeiros inquietos, ao saberem de uma possibilidade de entrevista, como revela
a repórter de Chicago Irma Nunez, que escreveu, especialmente para o jornal
japonês The Japan Times. Na reportagem, Irma não esconde seu prazer e orgulho
em conversar com Caetano.
Santuza Cambraia Naves, em Revista do Arquivo Nacional de 23 de junho de
2004, fala sobre Caetano Veloso, apresentando uma figura paradigmática, de uma
certa tradição de compositores populares brasileiros que, por recorrerem a
procedimentos metalingüísticos — embaralhando assim as classificações referentes
à arte erudita e popular —, demandam interpretação.
Parafraseando Bakhtin em sua alusão a Dostoiévski (1981:14), creio que
posso afirmar que Caetano é, por excelência, o bardo das transformações
realizadas na sociedade brasileira e nas concepções sobre a sua natureza.
Mas trata-se de um bardo atualizado, que não se contenta em recolher e
comentar repertórios diversos; Caetano atua como significante desta
pluralidade cultural, expressando e dramatizando, em sua figura pública, as
contradições inerentes ao seu meio. (NAVES,1998:71)
No texto acima, podemos concluir que Naves coloca Caetano como um artista
que cria, inova sobre atualidade e com isso consegue deixar sua marca nada
convencional na cultura nacional.
Romildo Sant’ Anna fala sobre Caetano e resume o sentimento das pessoas
que admiram sua arte.
Veloso de tantas brisas e velas, tratando o som com desvelo, ele se
mantém fora das opiniões padronizadas; é o doce bárbaro de todas as
mídias, do disco às telas, que refletem o iluminar da vida. Desfolhamento,
em alta voz, de um montão de livros. ( SANT ’ANNA, 2003: 320)
37
Como pudemos perceber, Caetano Veloso coloca-se sempre à disposição da
mídia, mesmo sabendo que ela pode ser benéfica ou maléfica à sua imagem.
O compositor e cantor sempre responde aos questionamentos feitos a ele
com extrema naturalidade e não tem medo de admitir que esteve errado em algum
aspecto. Em uma de suas entrevistas, diz que não gostava da música “Pétala” de
Djavan quando foi lançada, mas com o tempo apaixonou-se pela canção.
No desejo de alcançar prestígio nos meios de comunicação de massa, alguns
jornalistas ou repórteres tentam criar sensacionalismo, envolvendo nomes de
pessoas famosas como é o caso de Caetano e, algumas vezes, extrapolam os
limites e constroem uma imagem destorcida da realidade, manipulando e colocando
palavras fora do contexto em que foram ditas.
Caetano é extremamente polêmico e, às vezes, fala demais. Ele mesmo
admite ser este seu maior defeito, mas não se pode negar seu talento literário,
musical e principalmente sua sensibilidade na maneira de tratar as palavras, de criar
poemas musicais.
A mídia tem todo interesse em suas atividades, sejam elas artísticas ou
envolvendo sua vida íntima. Suas opiniões, suas posições ideológicas, suas
músicas, seus amores, seus amigos são sempre notícia. Os repórteres, ora
admiradores ora críticos, estão sempre atentos aos seus movimentos. È uma vida
filtrada pela mídia que se revela aos leitores em todos os seus ângulos, mas é na
sua música que ele se coloca por inteiro, sendo considerado, com toda razão, um
dos ícones da arte musical brasileira, onde erudito e popular fundem-se em músicas
que são a essência de nossa sociedade e de nosso tempo.
No capítulo seguinte veremos o estudo da intertextualidade contida nos textos
que serão analisados, visto que este fator é o mais representativo nas canções
analisadas.
38
3 A INTERTEXTUALIDADE NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO
À referência implícita ou explícita de um texto a outros textos, dá-se o nome
de intertextualidade.Um texto é a voz que dialoga com outros textos, mas também
funciona como eco das vozes de seu tempo, da história de um grupo social, de seus
valores, suas crenças, preconceitos, medos e esperanças e isso não poderia ser
mais claro do que nas canções de Caetano Veloso. Segundo suas próprias palavras:
“As minhas letras são todas autobiográficas. Até as que não são, são”.(VELOSO,
2003,p. 09)
As relações transtextuais evidenciam que o texto literário não se esgota em si
mesmo: plurariza seu espaço nos paratextos; multiplica-se em interfaces; projeta-se
em outros textos; perpetua-se na crítica; estabelece tipologias; repete-se em
alusões, plágios, paródias, paráfrases e citações.
A intertextualidade, confirmada na literatura pelos temas retomados,
eternizando e dando novas feições aos mitos e às emoções humanas, comprova
que os textos se completam e se inter-relacionam.
Pode-se dizer que a intertextualidade ocorre na mídia com muita freqüência e
entre textos de diferentes signos lingüísticos, textos verbais e não-verbais. Portanto,
neste momento, analisaremos como Caetano Veloso se utiliza desse recurso
lingüístico para tornar suas canções inesquecíveis.
Nas canções afastadas de sua melodia, as palavras ganham em
materialidade e se mostram das mais diversas maneiras: versos econômicos
aparecem ao lado de longas estruturas narrativas, construções experimentais
convivem com formas tradicionais, simplicidade extrema mistura-se à sofisticação
formal.
É indiscutível que o leitor deve ter um conhecimento de mundo (memória
discursiva) amplo ao ler as canções de Caetano. Se isso não for possível, deve
haver interesse em ampliar seus conhecimentos pesquisando, quando ocorrerem
dúvidas sobre o sentido de frases dentro do contexto das canções, para que sua
interpretação seja satisfatória.
Quando falamos em intertextualidade, devemos pensar também em
dialogismo que é o que constrói o texto “vivo”. É a relação que existe entre os
39
falantes envolvidos no discurso das canções. Um texto só existe, se for contado ou
lido por alguém, e esse alguém tem o poder de transformar o texto em outro texto,
isto é, o texto com interferência de conhecimentos prévios de receptor já não é mais
o texto original, pois foi “povoado” pelo conhecimento de mundo desse receptor.
3.1 Análise interpretativa das canções
Neste momento faremos a desconstrução das letras de algumas canções de
Caetano Veloso, procurando preencher os vazios (uma das possibilidades
interpretativas) deixados pelo autor, para que posteriormente possamos reconstruílas com nossa memória discursiva, ampliada através da pesquisa detalhada sobre
cada paráfrase, paródia ou citação.
Analisaremos aqui oito canções, mas na prática de sala de aula
trabalharemos com apenas algumas (Capítulo IV), pois foram escolhidas as que
mais se adequaram aos interesses dos alunos, as demais serão utilizadas em outras
oportunidades.
3.1.1 Texto 1- “Livros”
A primeira canção que analisaremos será “Livros” do disco Livro de 2.004 que
fala da paixão pelos livros e das transformações que estes podem provocar na vida
do ser humano.
Livros
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo
40
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.
A canção é composta por vinte e seis (26) versos e dividida em quatro (4)
estrofes.
Na primeira estrofe, cujo primeiro verso é repetido como refrão por três vezes
no decorrer da canção, o autor faz intertextualidade com um dos versos de Orestes
Barbosa da canção “Chão de estrelas” que foi gravada pela primeira vez em 1937
por Sílvio Caldas.
Notemos a semelhança entre os versos:
Caetano: “Tropeçavas nos astros desastrada”
Orestes: “E tu pisavas nos astros distraída”
41
Caetano substitui a palavra distraída (desatenta) pela palavra desastrada (que
produz desastres, danos, prejuízos) e o uso dessa palavra muda o contexto do verso
de Orestes que usou a palavra distraída com suavidade, podemos comprovar isso
nos seis (6) últimos versos da canção “Chão de estrelas” :
“A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
E tu pisavas nos astros distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão”
Caetano usou a palavra desastrada com mais agressividade,considerando
que seu interlocutor tropeçava nos astros (livros/ palavras) por desconhecê-los pela
falta de leitura. Isso percebemos pelos versos a seguir:
“Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria”
Seus versos são praticamente um protesto, um desabafo como em suas
próprias palavras “...não havia livros em minha casa. Aquela frase da minha canção
‘Livros’ é quase um desabafo, um lamento autobiográfico” (VELOSO,2001,p.43).
Ainda na primeira estrofe, nos dois últimos versos aparece a importância dos
livros na vida do compositor representando a “radiação13 de um corpo negro14”, um
13
“radiação sf.1.Ato ou efeito de radiar. 2.Ondas ou energia luminosa, calorífera, etc.[Pl.:-ções] –
Radiação cósmica de fundo. Cosm.Radiação difusa e isotrópica que permeia o universo e seria
resultado da grande explosão [v. Teoria da grande explosão].”(Ferreira,2000,p. 578)
14
Kirchhoff introduziu a idéia de corpo perfeitamente negro, isto é, um corpo ideal, que não existe na
realidade, pois absorve toda radiação que nele incide. Podemos imaginar um corpo negro como
sendo uma caixa metálica, de material isolante térmico perfeito, com um pequeno orifício de onde são
emitidas radiações idênticas à do corpo negro, à temperatura T que é mantida a caixa, pois devido à
abertura mínima, qualquer radiação incidente ficará presa na cavidade da caixa, sendo absorvida por
reflexões e absorções sucessivas.
(http://fisica.cdcc.sc.usp.br/Professores/EinsteinSHMCarvalho/node6.html)
42
caminho novo a ser percorrido o qual o conduzirá ao mundo dos sentimentos, das
emoções e da razão15.
“Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do Universo”
Ao lermos sobre “A teoria da grande explosão”16 percebemos que Caetano
nos remete a ela, comparando os livros com a radiação provocada por essa suposta
teoria da expansão do Universo.
Podemos comparar a radiação penetrando em um corpo negro com uma
“chapa” de Raio X, ou seja, a radiação entra pelo corpo e é impressa em uma
“chapa” que antes da radiação era negra, depois apresenta pontos transparentes,
tornando fácil de enxergar o que há na parte interna do corpo. Assim, os livros que
apareceram na vida do emissor foram exatamente como essa radiação que abriu o
Universo para ele.
Percebemos que a primeira estrofe e a segunda são ligadas pelo primeiro
verso que fala da expansão do Universo já explicitada anteriormente.
Vejamos os próximos versos da segunda estrofe:
“Porque a frase,o conceito,o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo”
15
16
Os três níveis básicos de leitura: sensorial,emocional e racional. (MARTINS,1994,p.37)
Como uma conseqüência da "Grande Explosão" que deu origem ao universo, vemos todo o
universo em expansão. O Super Aglomerado Local é também avizinhado em todas as direções por
outros aglomerados e super aglomerados, que se movem afastando-se uns dos outros. Quanto mais
distante um corpo se encontra de outro, maior essa velocidade de afastamento. Através do horizonte
observável detectamos, além de uma radiação uniforme também proveniente da "Grande Explosão
Cósmica", pontos de grande intensidade de radiação aos quais denominamos quasares.
http://www.observatorio.ufmg.br/pas04.htm
43
O compositor deixa clara a idéia da construção de uma visão mais ampla do
mundo. Os livros, através das palavras que podem ser frases, conceitos, enredos e ,
segundo o compositor, “sobretudo o verso”
abrem espaço para novas idéias e
concepções sobre a vida, lançam “mundo nos mundos”, ou melhor, fazem com que a
visão de mundo das pessoas se amplie.“Dá-nos a impressão de o mundo estar ao
nosso alcance; não só podemos compreendê-lo, conviver com ele, mas até modificálo à medida que incorporamos experiências de leitura” (MARTINS, 1994,p.17)
Nos dois últimos versos da segunda estrofe:
“Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura”
Novamente Caetano trabalha com a intertextualidade com o texto de Orestes
Barbosa, as contradições da vida contidas nos livros que são expressas pela
antítese ventura/desventura ;a desilusão de muitas vezes não chegar a lugar algum
nada/nada.
Esses versos podem ser pensados como algo que alguém lê e essa leitura
não lhe traz conhecimento, mas só ilusão de uma vida que não existe (sempre com
final feliz). A antítese ventura/desventura pode estar ligada aos livros fugazes que o
compositor via nas mãos de sua mãe quando criança “Mas havia livros em minha
casa. Uns livros fugazes que sempre estavam nas mãos de minha mãe...”
(VELOSO,2001,p.43). Esses livros poderiam ser romances para mulheres da época
que serviam apenas de entretenimento, e por serem fugazes levavam quem os lia
“do nada ao nada”, não transmitiam cultura. No último verso da primeira estrofe o
compositor faz uma provocação afirmando que esses livros que fazem sonhar (luar)
são contra a cultura.
44
Na terceira estrofe, o compositor apresenta o poder que o livro pode exercer
sobre o ser humano que ultrapassa as coisas materiais e sentimentais (são objetos
transcendentes) e que pode despertar nosso amor, nossa indiferença ou o ódio:
“Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
E voltamos aos maços de cigarros
Domá-los , cultivá-los em aquários,
Ou lançá-los pra fora das janelas”
Quando o emissor fala sobre “amor táctil” faz alusão ao nível básico de leitura
sensorial que é o que faz com que tenhamos capacidade de sentir um livro com o
tato, com a visão, com a audição, com o olfato e com o gosto é o início do ato de
leitura: “Antes de ser um texto escrito, um livro é um objeto; tem forma, cor, textura,
volume,
cheiro.
Pode-se
até
ouvi-lo
se
folhearmos
suas
páginas.”
(MARTINS,1994,p.42)
Ao dizer que volta aos maços de cigarros a alusão é feita ao nível básico de
leitura racional, que implica na leitura de um texto intelectualmente, isso é,
entendendo o que lê sem se deixar levar pelas emoções. Dessa forma podemos
dizer que a intenção do emissor ao nos reportar supostamente, à advertência sobre
os malefícios do uso do cigarro que depois que a mensagem foi lida e decodificada
se dissipa o abstrato (sensorial ou emocional) e permanece a escrita concreta
(racional) e a decisão de acatar a advertência ou não fica a critério do leitor.
“... a leitura racional acrescenta à sensorial e à emocional o fato de
estabelecer
uma ponte entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, a
reordenação do mundo objetivo, possibilitando-lhe, no ato de ler, atribuir
significado ao texto e questionar tanto a própria individualidade como o
universo das relações sociais. E ela não é importante por ser racional, mas
por aquilo que seu processo permite, alargando os horizontes de
expectativa do leitor e ampliando as possibilidades de leitura do texto e da
própria realidade social.” (MARTINS, 1994,p.66)
45
Quando o emissor fala que podemos “Domá-los, cultivá-los em aquários”
refere-se ao nível básico de leitura emocional que é o nível em que soltamos nossa
imaginação e deixamos nossos sentimentos nos guiarem, mesmo que no futuro nos
arrependamos.
“Na leitura emocional emerge a empatia, tendência de sentir o que
se sentiria caso estivéssemos na situação e circunstâncias experimentadas
por outro, isto é, na pele de outra pessoa, ou mesmo de um animal, de um
objeto, de um personagem de ficção. Caracteriza-se, pois, um processo da
participação
efetiva
numa
realidade
alheia,
fora
de
nós.
Implica
necessariamente disponibilidade, ou seja, predisposição para aceitar o que
vem do mundo exterior, mesmo se depois viermos a recharçá-lo.”
(MARTINS, 1994, p.51, 52)
O quarto verso da terceira estrofe, além de apresentar-nos o nível de leitura
emocional, não deixa de ser uma provocação às pessoas que por acharem um livro
de difícil entendimento ou mesmo por preguiça não o lêem, o emissor sugere que o
leitor “dome o livro como se fosse um animal”, que tenha coragem para ler. Ao falar
sobre “cultivá-los em aquários” nos reportamos a um tempo em que os livros nunca
eram lidos, serviam de enfeites em estantes que tinham portas de vidro para que
ficassem à mostra, era “moda”.
No verso a seguir, Caetano nos conduz à época da repressão à leitura na
Contra-Reforma quando em 1943 foi lançada uma lista de livros proibidos, o Índex17
“Em estantes, gaiolas, em fogueiras”
17Em
1943 o papa Paulo III mandou redigir o Índex – Catálogo de leitura proibida aos fiéis, por serem
perniciosos à fé.(PAZZINATO, 1997,p. 69)
46
Os livros nessa época eram encerados em estantes de bibliotecas e num ato
extremo
eram
queimados
em
praça
pública
por
serem
considerados
indecentes,leituras que depunham contra a moral e os bons costumes da época. O
emissor mostra-se contrário a essa idéia,isso fica claro com o próximo verso no qual
o compositor mostra seu anseio pela liberdade de expressão:
“Ou lançá-los para fora das janelas”
Nessa mesma estrofe, podemos encontrar um verso que representa a
realidade (ficcional) que os livros nos proporcionam, liberta-nos do desespero da
realidade pessoal que nos livra de nos lançarmos fora das janelas.
“(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)”
Em seguida o livro é desmistificado, pois qualquer um tem liberdade de se
expressar adequadamente, mas muitas pessoas escrevem e publicam livros sem se
preocuparem se seu conteúdo será útil para alguém a não ser pra si mesmo.
“Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras”
Os versos abaixo configuram um intertexto com os versos de
Orestes
Barbosa na canção “Chão de estrelas” que já foi explicitada no início desta análise.
“Tropeçavas nos astros desastrada
Mas para mim foste a estrela entre as estrelas”
47
Nesses versos há um interlocutor: tu (mulher) e dão a idéia de uma vida
simples, pautada pelo amor, a mulher, a música e pelos livros que são onipresentes
na vida do compositor.
Caetano extraiu da canção de Orestes Barbosa a idéia transmitida por seus
versos mais expressivos que são os três últimos:
“E tu pisavas nos astros distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão”
A intertextualidade apresentada na análise dessa canção deixa bem clara a
importância da intertextualidade e principalmente o conhecimento de mundo do
emissor que uniu Poesia, História, Química e Física em um texto ímpar.
Como se pôde observar, além de contribuir para um texto criativo e
conseqüentemente atraente, a intertextualidade resgata textos, os quais muitas
vezes caem no esquecimento ou são desconhecidos para muitos.
A intertextualidade pressupõe um universo cultural muito amplo e complexo,
pois implica a identificação de alusão a outros textos literários ou não, textos mais ou
menos conhecidos, além de exigir de seu interlocutor a capacidade de interpretar
buscando respostas em sua memória discursiva.
3.1.2 Texto 2 “Sou seu sabiá”
Agora se verá um exemplo de intertextualidade que ultrapassa as
expectativas de um texto poético, pois, magistralmente, Caetano Veloso une texto
verbal e não-verbal na canção “Sou seu sabiá” do disco Noites do Norte de 2000.
Sou seu sabiá
48
Se o mundo for desabar sobre a sua cama
E o medo se aconchegar sob o seu lençol
E se você sem dormir
Tremer ao nascer do sol
Escute a voz de quem ama
Ela chega aí
Você pode estar tristíssimo no seu quarto
Que eu sempre terei meu jeito de consolar
É só ter alma de ouvir
E coração de escutar
Eu nunca me canso do uníssono com a vida
Eu sou
Sou seu sabiá
Não importa onde for
Vou te catar
Te vou cantar
Te vou, te vou, te vou, te dar
Eu sou
Sou seu sabiá
O que eu tenho eu te dou
Que tenho a dar?
Só tenho a voz
Cantar, cantar, cantar, cantar
Essa canção é composta por vinte e três (23) versos e quatro (4) estrofes.
Nesse texto pode-se fazer uma interface com Gonçalves Dias, que imortalizou
o canto do sabiá, ave símbolo nacional desde outubro de 200218, no poema “Canção
do exílio”, usado inúmeras vezes em paráfrases, paródias e citações. Vejamos os
primeiros versos do poema:
18
DECRETO DE 3 DE OUTUBRO DE 2002. Publicado no D.O.U. de 4.10.2002.
49
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.” (Gonçalves Dias, 1843)
Dentro do texto ‘Sou seu sabiá”, o enunciador (eu lírico) aparece com um
diálogo mascarado e somente uma voz se faz ouvir, pois a do enunciatário (o
receptor) é abafada. “ A importância do organismo criador interno não é a mesma
em todos os gêneros poéticos, ela é máxima na poesia lírica” (BAKHTIN, 1988,p.67)
O enunciador, “organismo criador” nas palavras de Bakhtin, coloca-se diante
do enunciatário e busca sua adesão através da persuasão, construída na suposição
de problemas iminentes e soluções possíveis para esses problemas. O texto assume
uma nítida intensão argumentativa, já que o desejo do “eu lírico” é convencer a
mulher amada a aceitar seu amor.
Vejamos como exemplo a primeira estrofe do texto:
“Se o mundo for desabar
sobre a sua cama
e o medo se aconchegar
sob seu lençol
se você sem dormir
tremer ao nascer do sol
escute a voz de quem ama
ela chega aí.”
A suposição de algum problema iminente pode ser vista principalmente pela
hipérbole “se o mundo for desabar/ sobre sua cama”, que revela um amor carnal,
visto que, fala-se de elementos que pertencem ao universo desse tipo de amor (
cama, lençol). A solução para este problema é dada ao enunciatário somente se ele
escutar a voz de quem ama.
Tudo se concentra na expectativa da superação de um estado melancólico do
enunciatário (nos primeiros versos). Trata-se de um tempo parado que precisa se
50
distender e essa transição vem sintetizada no verso seguinte no qual o enunciador
expõe seus sentimentos e se coloca à disposição do enunciatário, para ajudá-lo a
solucionar o problema com a razão e com o coração.
Em Bakhtin, o sujeito tem um projeto de fala que não depende só de sua
intenção, mas que depende do “outro” (primeiro o “outro” com quem fala; depois o
“outro”, ideológico porque é tecido por outros discursos do contexto). O sujeito de
Bakhtin se constitui na e através da interação e se reproduz na sua fala e na sua
prática o seu conceito imediato e social.
A palavra não é monológica, mas plurivalente, e o dialogismo, uma condição
constitutiva do sentido. Portanto, não haveria sentido e não seria possível o texto
ser escrito pelo enunciador e dirigido a ele mesmo, pois, mesmo sendo monológico,
um texto sempre busca um interlocutor.
O dialogismo na canção é explicitado pelo verso em que o enunciador se
dirige diretamente ao interlocutor:
“Que tenho a dar ?”
O enunciador do texto analisado apresenta uma metáfora dizendo ser o sabiá
que possui um canto melodioso e nostálgico e que canta no tempo do amor: a
primavera19.
O texto é narrado em primeira pessoa num discurso direto e dirige-se a uma
segunda pessoa.
“Que eu sempre terei
meu jeito de consolar”
“Se o mundo for desabar
sobre a sua cama
e o medo se aconchegar
sob seu lençol”
19
Popular por seu canto nostálgico, triste e saudoso, a Majestade O Sabiá tem sido lembrado na
literatura brasileira pelos poetas José de Alencar, Gonçalves Dias, Chico Buarque de Holanda, entre
outros, como pássaro que canta no tempo do amor: a primavera.
http://www.cagedor.com.br/index.php?id=perfil
51
Os pontos de indeterminação (vazios) do texto aparecem já nos primeiros
versos com a utilização do pronome Se que indica uma situação condicional e cria
uma expectativa sobre o desfecho do texto, atiçando a curiosidade do leitor para
chegar ao final do texto,saber o final da “estória”.
O leitor participa na construção, preenchendo os pontos de indeterminação do
texto de acordo com seus conhecimentos prévios e sua imaginação, é o prazer da
”poiesis” de que nos fala Jauss:
A poiesis corresponde ao prazer estético decorrente da
participação do leitor na compreensão do texto, pois ajuda a construi-lo,
preenchendo seus vazios, completando e presentificando a significação
textual através de suas projeções pessoais. ( cap. 1)
O texto que estamos analisando traz, em todo seu conteúdo, como já foi dito,
situações hipotéticas que buscam a superação de um estado melancólico do
enunciatário causado supostamente por uma desilusão amorosa, para isso o
enunciatário cria a “história” do texto de acordo com sua bagagem cultural e busca
soluções para os problemas apresentados.
As hipóteses levantadas pelo enunciador chegam a dois problemas: medo e
tristeza.
A primeira hipótese, o medo, pode-se detectar nos versos:
“Se o mundo for desabar
sobre a sua cama
e o medo se aconchegar
sob seu lençol
se você sem dormir
tremer ao nascer do sol”
A segunda hipótese, a tristeza, é explicitada claramente pelo adjetivo
superlativo absoluto sintético tristíssimo.
“Você pode estar
tristíssimo no seu quarto”
52
As duas hipóteses conduzem o enunciatário, através do preenchimento de
pontos indeterminados (o não-dito) e o que está dito, a uma situação depressiva e
cria um clima melancólico. O enunciador apresenta soluções irrecusáveis que
envolvem sentimentos profundos, capazes de curar qualquer enfermidade da alma e
do coração.
“É só ter alma de ouvir
e coração de escutar”
Os verbos ouvir e escutar apresentam sentidos diferentes, o segundo tratase apenas do ato passivo de escutar uma mensagem sem decodificá-la, enquanto o
primeiro, além de decodificar a mensagem, apresenta uma interpretação do seu
sentido completo, o entendimento da mesma.
Lendo esses versos vemos a intertextualidade implícita com o texto de Olavo
Bilac:
Via Láctea
Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto,
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E ao vir do Sol, saudoso e em pranto
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado-amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Têm o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
53
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas."
Olavo Bilac20
Como pudemos ler e analisar, Bilac apresenta o verbo “ouvir” como condição
essencial para “entender” as estrelas no poema acima. Caetano na canção que
estamos analisando fala dessa mesma condição quando diz: “É só ter alma de ouvir/
e coração de escutar”. Suas condições são mostradas de maneira sutil, porém com
muita profundidade e, sem dúvida, extrema sensibilidade. Somente quem é sensível
é capaz de “ouvir” e “entender” estrelas, o mesmo acontece com quem é capaz de
“ouvir” e “entender” o canto do sabiá.
No verso seguinte:
“E nunca me farto
do uníssono com a vida”
Demonstra-se uma maneira plena de viver, em que a vida e o enunciador
caminham em um só ritmo (em um só som), sem deixar-se envolver pelo “coro de
contrários” que fazem com que pessoas desafinem muitas vezes.
Nas duas últimas estrofes, há a transição do estado de expectativa do leitor
para a superação dessa expectativa.
“Eu sou seu sabiá
não importa
onde for vou te catar
te vou cantar te vou
te vou te vou te vou
Eu sou, sou seu sabiá
20
http://www.mundocultural.com.br/index.asp?url=http://www.mundocultural.com.br/literatura1/parnasi
anismo/bilac.htm
54
O que eu tenho eu te dou
e tenho a dar
só tenho a voz
cantar, cantar, cantar.”
Através da disposição das palavras utilizadas pelo enunciatário afirmando que
independente do local que seu objeto de desejo estiver, ela também estará e o
buscará com seu canto. Percebe-se essa idéia pelo verbo catar21 que também tem
significado de ficar à espreita, estar atendo, nesse caso, de ficar à espera da
necessidade do interlocutor.
Ao ler o texto, percebe-se a onomatopéia do canto de um sabiá pelo uso de
verbos que fazem a melodia do texto: catar, cantar e dar e vou (repetidos). Essa
característica
de
musicalidade
é
comparada
às
cantigas
medievais
do
22
trovadorismo , mais especificamente às cantigas de amor que focalizam as idéias e
sentimentos dos cavaleiros a cerca da mulher amada.
Ao ouvir-se a declamação do poema musical, percebe-se a onomatopéia
somada à sinestesia que faz com que se tenha uma sensação sublime e bucólica, é
a katharsis que faz com que o leitor se identifique com as emoções vividas pelos
actantes ( personagens) do texto ficcional.
A katharsis é a possibilidade de identificação do leitor com as
personagens,conflitos e idéias transmitidas pelo texto. O leitor vê-se
retratado nos dramas vividos pelas personagens; sente-se liberto dos seus
problemas cotidianos e imerso na ficção, o que o faz voltar-se sobre si
mesmo e identificar-se com as emoções vividas pelos actantes da trama
ficcional. (Cap.1)
Percebe-se,
então,
a
grande
criatividade
e
sensibilidade
do
autor
e
principalmente sua memória discursiva, ele usa a intertextualidade imitando o canto
do pássaro com palavras e estabelece um conluio com o receptor que, num primeiro
momento sente-se inserido no próprio texto, um co-autor que preenche os vazios e
brancos da canção e, num segundo momento, experimenta uma relação catártica
21
catar, v.t. Buscar, procurar; pegar; recolher um por um, ficar à espreita.(Bueno,1996,p.198)
A poesia desta época compõe-se basicamente de cantigas, geralmente com acompanhamento de
instrumentos (alaúde, flauta, viola, gaita etc.). Quem escrevia e cantava essas poesias musicadas
eram os jograis e os trovadores. Estes últimos deram origem ao nome deste estilo de época
português. (http://www.graudez.com.br/literatura/trovadorismo.html)
22
55
uma vez que se vê como ele mesmo um sabiá que se doa à pessoa amada e só
assim pode escapar da opressão que o domina.
Caetano Veloso coloca sutilmente sua capacidade de usar a língua para mostrar
que tudo é possível, desde que haja sensibilidade do leitor, inclusive para conseguir
ler o canto do sabiá.
3.1.3 Texto 3 - “Os argonautas”
No próximo texto, “Os argonautas”, do disco Caetano Veloso de 1.969,
configura-se uma intertextualidade constante com a poesia “Navegar é preciso” de
Fernando Pessoa, frisando os percalços da vida, a importância da travessia do
nascimento à morte do ser humano, o fazer (nossas necessidades cotidianas) que
nos leva a cumprir nossa sina, mais importante que o próprio viver.
Os argonautas
O barco, meu coração não agüenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não
Navegar é preciso
Viver não é preciso
O barco, noite no céu tão bonito
Sorriso solto, perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada
56
Navegar é preciso
Viver não é preciso
O barco, o automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Nesse texto Caetano Veloso faz o resgate do poema “Navegar é preciso” de
Fernando Pessoa.
Navegar é preciso
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
57
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
(PESSOA, 1986,p.15)
Fernando Pessoa utiliza-se também da intertextualidade, quando coloca a
frase
que
Pompeu,
general
romano,
106-48
aC.,
dita
aos
marinheiros,
amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra (cf. Plutarco, in Vida de
Pompeu) “Navigare necesse; vivere non est necesse”23.
Fernando Pessoa utiliza o signo preciso como sinônimo de precisão, exatidão,
pontualidade.Usa somente o espírito da frase de Pompeu:“Quero para mim o espírito
dessa frase”, ou seja, utiliza apenas a idéia transmitida por Pompeu e dá seu
significado particular ao signo preciso.
No poema “Navegar é preciso” Fernando Pessoa diz que a vida, que não
passa de uma tênue teia, pode ser vivida com intensidade a cada momento, não lhe
importa viver muitos anos, o que realmente importa é o que pode fazer da vida para
torná-la “grande” e, conseqüentemente, imortal. Caetano trabalha com o texto de
Pessoa e mostra que a vida não é simples de ser vivida, mas os seres humanos, “os
navegadores”, devem conduzi-la da melhor maneira possível.
A canção de Veloso divide-se em seis (6) estrofes, sendo três delas o refrão:
“Navegar é preciso
Viver não é preciso”
A força da repetição instiga o interlocutor para as necessidades de batalhar,
perseguir ideais, atravessar a vida, cumprir seu caminho e, principalmente, ser parte
da humanidade, contribuir para torná-la grande.
Caetano compartilha dos sentimentos de Fernando Pessoa que coloca sua
vida e sua alma à disposição dos dissabores do mundo, sabendo que o tempo é
inexorável.
23
http://www.secrel.com.br/JPOESIA/fpesso05.html
58
Ao navegar, o marinheiro orienta-se pela bússula, enquanto a vida pode nos
surpreender a cada dia com problemas que podem mudar o “curso” da nossa
existência, é preciso enfrentar a travessia através de realizações, de feitos que nos
permitam permanecer para além da vida.
Pessoa fala sobre sua alegria de viver e tornar a vida uma “criação”,
colocando-se como peça fundamental nesse processo, nem que seja num tempo
diminuto.
“Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande;
ainda que para isso tenha que ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha
desse fogo.”
Veloso fala sobre algo que escapa à precisão científica e à certeza do
experimento. O barco não é o limite, mas uma precisão, e o coração transborda e se
inquieta. É a inquietação que faz com que o sujeito se depare com suas incertezas e
o seu vazio, próprio do ser humano; e é aí que aparecem as paixões e os amores, o
discurso do poeta fala sobre a falta de precisão da vida que o conduz por caminhos
tortuosos.
“O barco, meu coração não agüenta
tanta tormenta...”
3.1.4 Texto 4 “José”
Na canção que veremos a seguir, cujo nome é “José” do disco homônimo de
1987, pela gravadora Polygram, a intertextualidade explícita é feita com o texto
bíblico “José, vendido pelos irmãos” (Gn 37, 2 – 36), há também uma
intertextualidade implícita com o poema de Carlos Drummond de Andrade “José”,
cujo interlocutor passa por uma agonia semelhante à de seus homônimos da Bíblia e
de Caetano. Vejamos o poema de Drummond:
59
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
60
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?24
A parábola “José, vendido pelos irmãos” fala sobre José, filho de Jacó, o mais
jovem dos doze filhos que fora vítima de inveja dos irmãos por ser o mais amado
pelo pai e por saber interpretar sonhos.
Certa vez, quando foi apascentar o rebanho com seus irmãos, esses tiveram
idéia de matá-lo, mas foram dissuadidos por um deles chamado Rúben que sugeriu
que José fosse jogado em uma cisterna, para que houvesse tempo de buscar ajuda
e salvá-lo das mãos dos irmãos invejosos, porém, ao voltar com ajuda, José já havia
sido vendido para os egípcios como escravo.
Vejamos agora, a canção de Caetano:
José
Estou no fundo do poço
Meu grito
Lixa o céu seco
O tempo espicha mas ouço
O eco
Qual será o Egito que responde
E se esconde no futuro?
O poço é escuro
Mas o Egito resplandece
No meu umbigo
E o sinal que vejo é esse
De um fado certo
Enquanto espero
Só comigo e mal comigo
No umbigo do deserto
24
http://www.culturabrasil.pro.br/cda.htm#jose
61
Essa canção é composta por quinze (15) versos em uma só estrofe.
Como se pode analisar, Caetano descreve a suposta agonia de José em uma
situação sem perspectiva de solução, comparando-a com a sua e do ser humano em
geral, enquanto estava no fundo de uma cisterna (poço), no meio do deserto, sem
suas roupas e imagina um sonho (eco) de José que diz que o Egito é seu futuro, o
que realmente acontece na história bíblica, quando ele é vendido aos egípcios pelos
irmãos e para lá é levado. O nome próprio José, e o que os versos vão colocando a
seu respeito, atribuem a este José de Caetano, aspectos que nos remetem ao José
Bíblico. No entanto, este é um José que se aproxima do outro mas que compartilha
das dores de qualquer “José” nas mesmas circunstâncias. Isto comprova-se por
exemplo no verso em que o Egito deixa de ser particular,específico, para se tornar
um lugar universal: o lugar da incerteza, da dúvida – “Qual será o Exito que
responde / E se esconde no futuro?”
“Estou no fundo do poço
Meu grito
Lixa o céu seco
O tempo espicha mais ouço
O eco”
Nos versos acima, o compositor utiliza a primeira pessoa do singular através
dos verbos “Estou/ Meu/ ouço”, em seguida os versos são dirigidos ao seu
interlocutor, então aparece o dialogismo:
“Qual será o Egito que responde
E se esconde no futuro?”
Outro fato que evidencia a intertextualidade com o texto bíblico é a citação de
um sinal dizendo que terá muita tristeza no Egito.
62
“E o sinal que vejo é esse
De um fado certo
Enquanto espero
Só comigo e mal comigo
No umbigo do deserto”
O “fado certo” refere-se à sua prisão na narrativa bíblica, por não querer
deitar-se com a mulher do Faraó que, ao ser rejeitada cria uma mentira, dizendo ao
Faraó que José havia tentado violentá-la.
A intertextualidade implícita com o poema de Drummond é vista justamente
na agonia de um José que pode ser qualquer ser humano que se vê em uma
situação sem saída. Drummond trabalha com dialogismo em todo seu poema
perguntando a seu interlocutor: “E agora José?”
Outra intertextualidade não pode deixar de ser feita, é com relação à obra de
José Saramago, mesmo sabendo que Caetano Veloso não pôde utilizar-se do livro
“Evangelho segundo Jesus Cristo” de José Saramago, que foi escrito em 1.991;
portanto, posterior à letra escrita por Caetano, essa leitura, que também merece ser
considerada, somente poderá ser feita pelo leitor que tem conhecimento dessa obra
de Saramago.
Trata-se da passagem em que José está no meio do deserto com Maria e
Jesus, dentro de uma caverna escura, e pode ouvir os gritos de horror diante de um
fato que já sabia que iria acontecer, a matança de meninos com menos de três anos,
autorizada por Herodes; José carrega essa culpa pelo resto de sua vida.
... alguém gritara na aldeia, um grito agudíssimo que nem parecera de uma
voz humana , e logo depois os ecos pareciam ressoar de colina a colina, um
clamor de novos gritos e prantos encheu a atmosfera, não eram os anjos
chorando sobre a desgraça dos homens, eram os homens enlouquecendo
debaixo de um céu vazio ... No interior da cova o negrume podia-se palpar.
3
Maria tinha medo da escuridão, habituara-se ...
3
Evangelho segundo Jesus Cristo. José Saramago, págs. 112 e 113.
63
Portanto a intertextualidade transcende o tempo e existe a partir do momento
em que o leitor tem maior ou menor memória discursiva. O tema central do
desespero é superado pela esperança, pelo “Egito” (futuro) que cada um de nós
poderá vir a ter.
3.1.5 Texto 5 “Outro retrato”
Agora veremos a intertextualidade na canção “Outro retrato” do disco
Estrangeiro de 1989, Poliygram.
Outro retrato
Minha música vem da
Música da poesia de um poeta João que
Não gosta de música
Minha poesia vem
Da poesia da música de um João músico que
Não gosta de poesia
O dado de Cabral
A descoberta de Donato
O fato, o sinal
O sal, o ato, o salto:
Meu outro retrato
O “Outro retrato”, sobre o qual fala Caetano, fundamenta-se em suas influências
poéticas e musicais. É o resgate de suas influências, de pessoas e idéias que
marcaram a sua vida e a sua música, sua música, sua voz, a expressão do seu ser,
o seu modo de comunicar-se com o outro.
“Minha música vem da
64
música da poesia...”
Caetano inicialmente faz intertextualidade com João Cabral de Melo Neto que
é um poeta que não gosta de música, isso pode ser comprovado através de trechos
de entrevistas com críticas negativas e positivas, com o próprio autor, contidos nos
anexos desta dissertação.
Quando Caetano fala sobre um João que não gosta de poesia, podemos
imaginar que seja João Gilberto, amado e odiado pelo público por seus hábitos
peculiares, pois em seguida fala de João Donato, compositor, poeta e arranjador,
admirado e considerado por Tom Jobim como gênio e o único que João Gilberto
convidaria para tocar com ele. Assim, Caetano se reconhece com um amálgama de
poetas e músicos que vieram antes dele e que fazem parte de sua construção como
ser humano e músico, encarregado como todos os artistas de serem “porta vozes”
da humanidade.
3.1.6 Texto 6- “Língua”
A intertextualidade na canção a seguir é extremamente clara, ela é composta
inteiramente com referências a outros textos. Falamos da canção “Língua” do disco
Velô,1984 - Polygram.
Língua
Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
65
"Minha pátria é minha língua"
Fala Mangueira! Fala!
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
66
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?)
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem
A riqueza plural da língua portuguesa falada em nosso país de extrema
importância no processo de comunicação é apresentada nessa canção de maneira
magistral. Ao ser declamada ou cantada a canção “Língua” deixa seu emissor e
conseqüentemente seu receptor que esteja atento, “sem fôlego” por sua beleza
estética e sua riqueza de informações que não podem ser assimiladas com uma
única leitura.
Caetano utiliza-se da intertextualidade nessa canção para falar da Língua
Portuguesa que recebeu influência da miscigenação de raças que deu origem ao
povo brasileiro e ocorre até hoje pelos estrangeirismos oriundos da aquisição de
novas tecnologias.
A identificação da intertextualidade fica clara nas citações de nomes
completos ou sobrenomes: Luís de Camões; Pessoa (Fernando Pessoa); Rosa
67
(Guimarães Rosa); Carmem Miranda; Chico Buarque de Holanda; Moon de
Chevalier; Glauco Mattoso; Arrigo Barnabé; Maria da Fé e Azevedo (Alinor
Azevedo).
Caetano reúne nessa canção nomes de artistas de diferentes áreas culturais,
nacionais e internacionais que requerem atenção do leitor para identificar cada um
deles e paciência para pesquisar, caso desconheça algum deles, e isso o torna um
excelente material para análise, pois o adolescente entra em contato com algo que
até então era desconhecido, aumentando assim, sua capacidade discursiva.
No primeiro verso da canção o enunciador faz uma alusão a Luís Vaz de
Camões considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa. Seu propósito é
mostrar a beleza da língua (há ‘gosto’) em falar nossa língua:
“Gosto de sentir minha língua roçar a língua de Luís de Camões”
Os três versos seguintes apresentam algumas possibilidades de se “brincar”
com a riqueza da língua portuguesa e isso pode ser comprovado pelas palavras:
confusão26e profusão27 que tem como um dos sinônimos a palavra exuberância.
“Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de paródias
E uma profusão de paródias”
As palavras têm poder tanto de consolar as pessoas como de arrasá-las, de
persuadi-las ou dissuadi-las, então, sobre isso, Caetano diz:
“Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões”
Ao dizer “furtem cores como camaleões” o enunciador apresenta a
versatilidade da nossa língua, que é diferente da língua falada em Portugal, na qual
o significante (palavra) pode adquirir vários significados, dependendo do contexto
em que é colocado e da intenção de quem escreve ou fala, para persuadir seu
receptor.
26
27
Confusão,s.f. Ato ou efeito de confundir, baralhada;perplexidade; equívoco.
Profusão, s.f. Abundânca;exuberância; exagero. (Aurélio,1987)
68
Nos versos seguintes Caetano faz referência a dois grandes escritores
Fernando Pessoa, que escrevia por meio de seus muitos heterônimos, dividindo-se
em diversas vozes poéticas e João Guimarães Rosa, que em “Grandes sertões
veredas” criou a personagem Diadorim, que a princípio assumia papel masculino
para poder lutar entre homens e no final do livro é descoberta como uma mulher.
“Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa”
A seguir temos versos que em 2004 Arnaldo Jabor inspirou-se para nomear
seu livro “Amor é prosa, Sexo é poesia”28 com a seleção de suas melhores crônicas
afetivas. Posteriormente, na composição musical “Amor e Sexo”29 com Rita Lee e
Roberto de Carvalho o escritor utilizou-se das mesmas palavras nos versos:
“Amor é prosa
Sexo é poesia”
No 12º verso Caetano afirma a superioridade da língua portuguesa falada no
Brasil apoiado no 8º , 9º e 10º versos da canção: “Da Rosa no Rosa/ E sei que a
poesia está pra prosa/ Assim como o amor está para a amizade”
Caetano faz uma provocação a seu receptor questionando:
“E quem há de negar que esta lhe é superior?”
Este questionamento se refere aos versos que apresentam a equação:
poesia/prosa, amor/ amizade.
Caetano se refere à poesia contida na prosa de Guimarães Rosa mostrando a
superioridade dessa, à língua nacional, confirmando tal efeito de sentido pelo 12º
verso: “E deixem os portugais morrerem à míngua”.
28
29
http://www.planetanews.com/produto/L/56289
http://www.ritalee.com.br/novo_cd_2004/musicas.asp
69
Caetano “dialoga” com seus receptores e sabe que a pergunta feita é
provocativa, pois nem todos compartilharão de suas idéias e conclusões.
No verso abaixo Caetano faz intertextualidade com o seguinte verso:”A
minha pátria é a língua portuguesa” do Livro do Desassossego
de Bernardo
Soares considerado um semi-heterônimo de Fernando Pessoa por ser muito
parecido com Álvaro de Campos, segundo carta de 1935 a Adolfo Casais Monteiro,
Pessoa justifica o porquê de não o considerar como os outros:
«O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se
parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou
sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as faculdades de
raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semiheterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente,
mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a
afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual
30
a esta, e o português perfeitamente igual [.....] »
O verso de Caetano diz:
“Minha pátria é minha língua”
Em seguida o emissor utiliza-se do dialogismo num discurso muito repetido
pelos puxadores de samba no nosso carnaval para incentivar os componentes da
escola de samba à animação,Caetano fala de uma das mais antigas escolas do Rio
de Janeiro, a “Mangueira”.
“Fala Mangueira!Fala!
Num dos versos mais intertextuais da canção:
“Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó”
Observaremos o verso em duas etapas:
30
http://www.navedapalavra.com.br/resenhas/livrododesassossego.htm
70
“Flor do Lácio31/ latim em pó”. A língua portuguesa é considerada a última “filha” do
latim e ao dizer “latim em pó” o emissor mostra a evolução e a fragmentação da
língua portuguesa em nosso país que originou “nossa língua portuguesa”.
Caetano utiliza-se do primeiro e do terceiro versos do poema de Olavo Bilac
“Língua Portuguesa” de 1964:
“Última flor do Lácio...,
Ouro nativo...”
A utilização da palavra Sambódromo é um neologismo remete-nos ao local
onde são realizadosos desfiles da festa mais popular do nosso país,o Carnaval.
Lusamérica remete-nos a mistura da nossa língua vinda de Portugal com o
estrangeirismo, principalmente da língua inglesa no Brasil.
Caetano utiliza-se de palavras em inglês colocando suas respectivas
traduções para o português no mesmo verso:
“ Blitz quer dizer corisco”
ou, como no exemplo seguinte, deixa que o leitor imagine que tipo de inglês é
falado pelos surfistas:
“...falso inglês relax dos surfistas”
ou ainda:
“Samba-rap, chic-left com banana”
31 O latim é um idioma original da região itálica do Lácio que ganhou grande importância por ser o idioma oficial do antigo Império
Romano. O latim deu origem a um grande número de línguas européias, denominadas românicas, ou neo-latinas, como o português,
espanhol, o francês, o italiano, o romeno, o galego, o occitano, o rético, o catalão e o dalmático - este, já extinto.
Durante séculos depois da queda do Império Romano, o latim continuou a ser utilizado em toda a Europa como língua culta.
Atualmente é idioma oficial na Cidade do Vaticano.
71
Faz uma brincadeira com as palavras misturando ritmos, relacionando samba
com o rap e fazendo um jogo de palavras que nos remetem ao grupo musical baiano
“Chiclete com Banana” ( chic-left com banana).
Cita Luanda, lembrando uma das origens do Carnaval do Brasil:
“E xeque-mate- explique-nos Luanda”
A rede de televisão mais importante do país, cuja influência é inevitável nos
hábitos da população do nosso país:
“Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo”
Nos versos:
“Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão”
Caetano, segundo Luís Carlos Carpein8, não só achincalha com a pretensão
germânica de Heidegger, o pensador que acreditava só ser possível filosofar em
alemão, quanto exige profunda reflexão sobre o “poder da língua portuguesa” em
transformar filosofia em canção.
Quase no final da canção, o poeta dialoga (dialogismo) com seus
interlocutores, possivelmente amigos do Rio de Janeiro.
“- Será que estão no Pão de Açúcar?”
O diálogo dispensa a utilização da norma culta ao empregar a gíria “mano”
palavra originária de brothers, que em português significa irmãos, expressão vinda
dos guetos americanos que são marginalizados (há citação do Gueto do Harlem),
32
Nascido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, é escritor, jornalista e professor. Já publicou ensaios e
reportagens em jornais e revistas, além de ter desenvolvido, como bolsista do CNPQ e da Funarte/MEC, estudos
sobre a crítica de arte nas revistas semanais de informação e sobre a ilustração na imprensa do Rio Grande do
Sul.
72
mais especificamente das igrejas evangélicas onde os fiéis utilizam essa expressão
para se cumprimentarem.
O último verso da canção remete-nos ao primeiro rap genuinamente brasileiro
“Deixa isso pra lá” composto e cantado por Jair Rodrigues no disco “Vou de samba
com você” de 1964:
“Deixa que digam, que pensem, que falem”
Essa frase resume o que pensam Jair Rodrigues e Caetano Veloso sobre
comentários a respeito de suas atitudes e suas letras de canções.
Em entrevista à revista Cult, Caetano Veloso afirma que a canção
Língua nasceu da vontade de usar os procedimentos do rap como veículo para
“celebrar a língua portuguesa” falada no Brasil:
“Eu planejava então explorar um novo filão de textos declamados sobre
base rítmica (mas uma base inventada por mim e meus amigos músicos,
não uma reprodução do que faziam os americanos): seria um modo de ter
mais liberdade para a poesia na música. E o tema de gostar de falar
apareceu logo, o que me levou a celebrar a língua portuguesa, sugerindo
33
reflexões sobre ela .”(VELOSO, 2001: 56).
3.1.7 Texto 7- “Pra ninguém”
Sobre canção “Pra ninguém” do CD Livro de 1997, pela gravadora Polygran,
Caetano diz: “É uma lista do que eu gosto, uma lista quase acrítica. Só ao final é que
surge o João, acima de tudo, como a atitude crítica que rege tudo o mais, até o
gosto acrítico.”9
As palavras de Caetano são bem claras, fala de vários intérpretes e
compositores e classifica João Gilberto como o mais crítico de todos, faz
intetextualidade com os nomes das canções e seus respectivos interpretes, canções
que cantam, mas não compuseram.
Pra ninguém
33
33
http://www.inventario.ufba.br/02/d02/02eversilva.htm
Veloso, Caetano. Sobre as letras, pág.62
73
Nana cantando "Nesse mesmo lugar"
Tim Maia cantando "Arrastão"
Bethânia cantando "A primeira manhã"
Djavan cantando "Drão"
Chico cantando "Exaltação à Mangueira"
Paulinho, "Sonho de um carnaval"
Gal cantando "Candeias"
E Elis, "Como nossos pais"
Elba cantando "De volta pra o aconchego"
Sílvio cantando "Mulher"
E Elisete cantando "Chega de mágoa"
Carmen cantando "Adeus batucada"
Gilberto cantando "Sobre todas as coisas"
Cauby cantando "Camarim"
Orlando cantando "Faixa de cetim"
Milton, "O que será?"
Roberto, "A madrasta"
Bosco, "Rio de Janeiro"
E Dalva, "Poeira do chão":
Melhor do que isso só mesmo o silêncio
E melhor do que o silêncio só João
Nara cantando "Diz que fui por aí"
Marisa, "A menina dança"
Aracy cantando "A camisa amarela"
Amélia, "Boêmio"
Max, "Polícia"
Nora, "Menino grande"
Dolores, "Não se avexe não":
Melhor do que isso só mesmo o silêncio
Melhor do que o silêncio só João
74
Vamos à análise intertextual:
Nana Caymmi é filha de Dorival Caymmi Dori Caymmi, cantor e compositor
baiano.
A canção “Nesse mesmo lugar” sobre a qual se refere o texto é dos
compositores Klécius Caldas e Arnaldo Cavalcanti.
Sebastião Rodrigues Maia é compositor e violonista carioca. Em 1957 formou
o conjunto Os Sputniks, que tinha também entre seus integrantes Erasmo Carlos e
Roberto Carlos, tendo sido professor de violão de ambos.
A canção “Arrastão” foi composta por Edu Lobo e Vinícius de Morais.
Maria Bethânia é cantora e irmã do compositor e cantor Caetano Veloso.
”A primeira manhã”, na verdade, com título original “Na primeira manhã” é
composição de Alceu Valença.
Djavan, cantor e compositor Alagoano . Por sua originalidade e polinização de
suas canções, a única coisa que se pode prever a cada novo trabalho de Djavan é
sua versatilidade de tons.
Drão, canção composta por Gilberto Gil do disco “Um banda Um” de 1982.
Chico Buarque, além de cantor e compositor consagrado da MPB (Música
Popular Brasileira), trilhou com êxito o caminho da dramaturgia e incursionou pela
literatura ficcional. Uma das características marcantes de sua obra como letrista é a
verossimilhança com que retrata o imaginário feminino.
“Exaltação à Mangueira”, canção composta por Enéas Brittes e Silva e Aloísio
Augusto da Costa em 1955, foi lançada por Jamelão no carnaval de 1956.
Paulinho da Viola é um dos mais requintados compositores de samba em
atividade, letrista e instrumentista.
Sonho de um carnaval, canção composta por Chico Buarque de Holanda em
1965 e gravada no disco “Nervos de aço” de 1973 pela Odeon.
75
Gal Costa é uma das vozes mais afinadas da MPB (Música Popular Brasileira)
e considerada por Caetano Veloso a melhor cantora do Brasil.
A canção “Candeias” foi composta por Edu Lobo em 1967.
Elis Regina tornou-se conhecida nacionalmente em 1965, ao sagrar-se
vencedora do I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, defendendo a
música "Arrastão" de Edu Lobo e Vinicius de Moraes.
A canção “Como nossos pais” é composição de Belchior dos anos 70 que foi
gravada por Elis Regina em 1971 e foi a alavanca da carreira do compositor, pois
posteriormente, vários artistas famosos interpretaram suas canções também.
Elba, cantora nordestina, teve como cartilha os mais diversos ritmos dessa
ensolarada região: baião, maracatu, xote, frevo, pastoril, caboclinhos e forrós.
Gêneros musicais que preservam a pureza ao mesmo tempo que criaram novas
dinâmicas na cultura popular e influenciaram toda a música brasileira.
“De volta pro aconchego”, citada por Caetano, tem como nome original “De
volta pro meu aconchego”, composição de Dominguinhos e Nando Cordel de 1985.
O cantor Sílvio Caldas foi o maior responsável pela consolidação da seresta
na música popular brasileira, tendo contribuído para o gênero também como
compositor nos anos 30. Por isso ele se tornou identificado como "O Seresteiro do
Brasil", epíteto ao qual se manteve fiel durante toda a sua longa carreira.
A canção “Mulher” de 1940 é composição de Custódio Mesquita e Sadi
Cabral.
Elizeth Cardoso foi uma das maiores divas da canção brasileira. Faleceu em 7
de maio de 1990.
“Chega de mágoa” foi uma composição coletiva ( Milton Nascimento, Djavan,
Rita Lee, Caetano Vesoso, Elisete Cardoso e outros), gravada no compacto simples
“Nordeste já” no ano de 1985, ano da solidariedade.
Carmem Miranda, cantora e atriz brasileira de origem portuguesa, nasceu em
9 de fevereiro de 1909 e faleceu em 5 de agosto de 1955. A gravação de 1935,
citada por Caetano, é de composição de Sinval Silva.
Gilberto Gil e Caetano Veloso revolucionam, com o Tropicalismo, toda a
música popular brasileira, com composições mais engajadas e políticas, ao contrário
da ingenuidade que a jovem guarda passava para a juventude de então. Em 1969 foi
76
exilado, juntamente com Caetano, devido a convicções políticas discordantes dos
então ditadores de plantão.
A canção “Sobre todas as coisas” é composição de Chico Buarque e Edu
Lobo de 1982 e foi composta para o balé “O grande circo místico”.
Cauby Peixoto foi um dos grandes ídolos da era do rádio em 1.954
perseguido pelas fãs. Sua imagem foi forjada para agradar: vestindo-se de maneira
extravagante para a época, e colocando trinados e versos inexistentes em suas
canções, criou um tipo diferente, obtendo sucesso imediato.
A canção “Camarim” é uma composição com letra de Hermínio Bello de
Carvalho e música de Cartola.
Orlando Silva, cantor da era do rádio, recebeu o “slogan” de “O cantor das
multidões” do radialista Oduvaldo Cozzi, depois de cantar em 1.938 para um público
de dez mil pessoas em São Paulo.
A canção “Faixa de cetim” de 1962 é composição de Ary Barroso.
Milton Nascimento é considerado, tanto no Brasil quanto no exterior, um dos
maiores cantores da música brasileira, além de ser um compositor consagrado, que
influenciou toda uma geração de músicos. Em 1998 ganhou o Grammy na categoria
A canção “O que será?” ou “À Flor da pele” é composição de Chico Buarque
de Hollanda de 1976.
Roberto Carlos, considerado o “REI” Da MPB (Música Popular Brasileira) foi
um dos primeiros ídolos jovens da cultura brasileira. Além do programa e dos discos,
estrelou filmes, inspirados no modelo lançado pelos Beatles nos anos 60.
A canção “A madrasta” ou somente “Madrasta” é composição de Beto
Ruschel e Renato Teixeira de 1968, está no disco “O inimitável” pela gravadora
CBS.
João Bosco é violonista, cantor e compositor mineiro e foi parceiro de grandes
nomes da MPB.
A canção “Rio de Janeiro” ou “Samba do avião” é composição de Tom Jobim
de 1962.
Dalva de Oliveira também da era do rádio foi eleita a “Rainha do rádio” em
1.951.
77
A canção “Poeira do chão” é composição de Armando Cavalcanti e Klécius
Caldas de 1952.(Em anexo: vida e obra dos cantores e compositores acima citados).
Nas canções analisadas, observamos a intertextualidade (o diálogo entre
diversos tipos de textos) e o dialogismo (Mikail Bakhtin) que fazem que consigamos
interagir com as canções, como receptores da palavra poética e da música de
Caetano. Para Bakhtin a língua se harmoniza em conjuntos, pois não é um sistema
abstrato de normas, mas sim uma opinião plurilíngüe concreta sobre o mundo e
assim as ideologias do autor e receptores encontram-se em horizontes e
expectativas comuns.
Caetano faz paráfrases e paródias e, para tanto, utiliza-se de grande
variedade de textos de várias épocas históricas (desde o Gênesis da bíblia,
passando por artistas até citações como nossa maior festa popular, o Carnaval),
exprimindo o que pensa através de letras poéticas e utilizam-se de seu vasto
repertório,onde se fundem o erudito e o popular, o clássico e a massa, encontrando
eco, em diferentes níveis nos repertórios de seus mais variados receptores.
Ao analisarmos a intertextualidade nas canções de Caetano Veloso podemos
constatar sua memória discursiva ilimitada. O talento do compositor é indiscutível,
suas citações vão desde o Gênesis da Bíblia Sagrada às gírias populares.
É de extrema importância que os leitores dos textos de Caetano Veloso
tenham uma boa memória discursiva, mas, se isso não for possível, é necessário
que haja disposição em adquiri-la através de pesquisas, para que a leitura seja
efetiva e os leitores consigam entender e interagir (dialogar) com eles, através dos
vazios deixados pelo compositor.
No capítulo seguinte, enfocamos a prática em sala de aula, ou seja, como
fazer das canções de Caetano instrumentos de motivação e estímulo para que os
alunos escrevam textos diversos, de dissertações a poesias, tendo como tema e
inspiração, as idéias, os sentimentos e as visões de mundo, auridas da análise das
canções de Veloso.
78
4 A MÚSICA COMO ESTRATÉGIA NA SENSIBILIZAÇÃO PARA A PRODUÇÃO
DE TEXTOS
4.1 A Música
“A mais simples canção popular imbuída de humanidade é poesia”
35
Benedetto Croce
A música, como já dissemos em capítulo anterior, sempre esteve presente na
vida do ser humano é através dela que podemos contar a história da humanidade
resgatando costumes, crenças, medos e anseios de cada etapa vivida pelo receptor.
A música não tem fronteiras.
As canções de Caetano Veloso fazem parte da história política do nosso país,
representam toda uma geração incompreendida, no momento em que a ditadura
militar assolava nosso país. Essa geração consagrou o compositor como um de seus
líderes, aquele que dizia o que todos queriam dizer e não tinham coragem.
Em suas canções, Caetano era a voz de um povo oprimido.
Eu sou apenas um velho baiano
Um fulano, um caetano, um mano qualquer
Vou contra a via, canto contra a melodia
Nado contra a maré (VELOSO, 1989 )
Nesse
trecho
da
canção
“Branquinha”
podemos
dizer
que
existe
intertextualidade implícita com versos do poema “Morte e vida Severina” de João
Cabral de Melo Neto quando diz: “Eu sou apenas um velho baiano/ Um fulano, um
Caetano, um mano”. Observemos os versos de João Cabral de Melo Neto:
“O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR
QUEM É E A QUE VAI”
- O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
35
http://geocities.yahoo.com.br/buscagratis/frasepoesia.html
79
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria. ”36
Há intertextualidade também com uma tradução de Augusto de Campos de
um poema provençal de Arnaut Daniel que diz: “eu nado contra a maré”; com essas
palavras, Caetano expressa seu lugar de defensor da sociedade, diante de fatos
que vão contra a sua ideologia.
Na época da opressão do governo militar, Caetano escreveu várias canções,
um dos exemplos mais explícitos é a canção “Enquanto seu lobo não vem” do disco
“Tropicália” de 1968 que estabelece intertextos que propiciam o dialogismo entre o
autor e o receptor com o conto de fadas “Chapeuzinho vermelho”, no título e no
início do poema, remetendo à repressão militar, com a repetição do refrão “Os
clarins da banda militar”, numa canção política que incita aos protestos e à
revolução.
Vejamos a letra da canção na íntegra:
36
http://www.navedapalavra.com.br/resumos/morteevidaseverina.htm
80
Enquanto seu lobo não vem
Caetano Veloso
I
Vamos passear na floresta escondida, meu amor
Vamos passear na avenida
Vamos passear nas veredas, no alto meu amor
Há uma cordilheira sob o asfalto
II
(Os clarins da banda militar…)
A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas
(Os clarins da banda militar…)
Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar…)
Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar…)
III
Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil
Vamos passear escondidos
Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou
Vamos por debaixo das ruas
IV
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das bombas, das bandeiras
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das botas
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das rosas, dos jardins
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo da lama
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo da cama
Estruturalmente a canção é composta, basicamente, da seguinte forma:
81
- A primeira estrofe da canção apresenta a figura de estilo anáfora nos
primeiros versos e uma conclusão no último verso, que configura a busca de
interação com o outro, representados pela namorada e pelo receptor que estão
todos contidos no sintagma “Vamos”, repetido com grande força semântica no início
dos versos;
- A segunda estrofe quebra essa estrutura com versos que se intercalam com
o refrão que aparece entre parênteses, quatro vezes, instaurando a idéia que se
concretiza do decorrer da canção (poema), de repressão militar que se apresenta
em todas as situações vividas pelo autor e pelos receptores de sua mensagem;
- A terceira estrofe é composta somente com a anáfora, sem nenhuma
conclusão, mostrando o percurso que nós todos somos convidados a seguir
reiteradamente reforçado pelo sintagma “Vamos”;
- A última estrofe segue a mesma estrutura da segunda estrofe, aumentando
a intensidade da repressão e dos perigos que o autor ( personagem) e todos nós
compartilhamos ao enfrentar a ditadura e as perseguições políticas da época.
A canção sugere que os amantes andem pela cidade nos subterrâneos para
se livrarem da repressão militar, sempre lembrada pela frase “(Os clarins da banda
militar)”, como vemos, sempre entre parênteses como se estivessem falando sobre
esse som num sussurro para não serem descobertos.
Caetano Veloso faz um comentário sobre essa canção no livro “Sobre as Letras”14 :
Uma música muito política, do período tropicalista. É uma incitação às
passeatas de protesto... Presidente Vargas é invocado aos brados! Apesar
do forte conteúdo político, os censores deixaram-na passar, porque não
entenderam nada... Aliás, a esquerda também não entendeu direito,
ninguém entendeu muito bem, e quem entendeu fingiu que não.
(VELOSO, 2003: 38)
Caetano queria mais. Queria inovar, chocar. De tão autêntico, chegou a ser
vaiado ao levar para o palco “É proibido proibir” na eliminatória paulista do 3º
Festival Internacional da Canção, no Teatro da Universidade Católica de São Paulo,
em 1968. No entanto, nada o derrubaria. Em 1969, depois de ser delatado, foi
14
Livros, canção do disco “Livro” de 1997.
82
mandado para o exílio em Londres, onde continuou compondo e participando da
vida de sua Terra, agora tão distante.
Portanto, são letras que por sua força histórica muito contribuem para a
educação
do
nosso
país
e
quando
usadas
como
estímulo
à
escrita,
automaticamente ajudam na formação de um cidadão mais crítico e principalmente
consciente.
4.2 Descrição das Estratégias Metodológicas da aplicação de canções como
tema de produção de textos
As canções que serão apresentadas como objeto de estudo neste capítulo
foram selecionadas de acordo com o interesse, o conhecimento prévio e a visão de
mundo de alunos de Escolas Públicas Estaduais do último ano do Ensino
Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio, trata-se de um público
heterogêneo, com postura e interesses de adolescentes, massificados pelo
consumismo desenfreado de início do Século XXI, que visa sobretudo o “objeto” e
não a sua análise crítica, dentro desse contexto, as canções: “Livros”, “Sou seu
sabiá” e “Os argonautas”, foram as que mais se enquadraram na realidade sóciocultural desses alunos, conforme suas análises e comentários realizados em sala de
aula.
Tudo se reduz ao diálogo, a contraposição dialógica enquanto centro. Tudo
é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas
vozes são o mínimo de vida.
Mikail Bakhtin
37
O dialogismo é um diálogo entre textos com diversas formas de expressão
(oral, escrito, visual, etc.) e de todos os textos envolvidos nesse diálogo sairá um
novo texto.
Conforme citação de Bakhtin não há diálogo sem pelo menos duas vozes
(enunciador e enunciatário) e essas vozes imprimem no texto sua memória
37
http://www.cefetsp.br/edu/sinergia/claudia2.html
83
discursiva, que depende de seu conhecimento de mundo e da ideologia dos
envolvidos no discurso.
As palavras do enunciador estão sempre e, inevitavelmente, atravessadas
pelas palavras do outro: o discurso elaborado pelo enunciatário se constitui também
no discurso do outro que o atravessa, condicionando o discurso do eu de Bakhtin
que diz que o discurso nunca é individual, mas social.
Bakhtin aborda o processo de formação do discurso em três etapas: o eu –
para - mim; o eu – para –os -outros e o outro – para - mim. Essa tríade mostra sua
visão em relação ao eu relacionando-se com o mundo.“Para ele não há mundo dado
ao qual o sujeito possa se opor. É o próprio mundo externo que se torna
determinado e concreto para o sujeito que com ele se relaciona.”(FREITAS, 1995: p.
126-6)
Os sujeitos do discurso vivem em constante diálogo e o emissor pode
oferecer obstáculos à sua realização ou manutenção provocando rupturas que vão
infiltrando sensíveis mudanças no contexto. É neste momento que ocorre a
interferência do professor no processo de recepção dos textos pelos alunos.
O ensino da Língua Portuguesa deve ser voltado para o desenvolvimento
crítico do cidadão, em relação aos aspectos políticos, culturais, profissionais e
participativos da sociedade.
Os educandos deverão conscientizar-se de seu papel dentro da sociedade e
caberá ao educador ter competência para organizar os conhecimentos que deverão
ser adquiridos por eles, levando em consideração a realidade e a sociedade em que
eles estão inseridos e contribuindo para sua transformação através do conhecimento
que construirão através de pesquisas, aulas expositivas e muita leitura,
decodificação, interpretação e escrita de textos.
A competência lingüística do educando deve ser construída com bases
sólidas, portanto a escolha das canções de Caetano Veloso fazem parte dessa base
em nossa pesquisa, visto que aguçará a capacidade do aluno em ler, interpretar e
escrever textos.
Cabe ao professor colocar à disposição dos alunos instrumentos que os
façam compreender melhor os textos preenchendo os vazios neles contidos.
Os textos que serão analisados e posteriormente utilizados como tema de
redações são fontes inesgotáveis de vazios, conforme palavras de Eucanaã Ferraz:
84
Penso inicialmente nas várias e longas entrevistas com Caetano
Veloso. Apesar da condução incisiva das questões que abraça, assistimos
mais que a exteriorização do que está pronto: acompanhamos o alçar de um
pensamento e uma fala ela mesma, pontuada por vazios, reminiscências,
desvios.( FERRAZ, 2000,11)
Cabe ao leitor preencher os vazios dos textos com sua memória discursiva
que é adquirida, conforme já dito, com tudo que o leitor aprende durante sua vida.
Foram aplicados vários textos de Caetano Veloso, cuja análise intertextual
consta no segundo capítulo, e feitas propostas de redação com os diferentes tipos
de composição: Dissertação, Narração e Paródia.
Dissertação: “nesse tipo de texto predomina a defesa de uma idéia, de um
ponto de vista. Portanto, tem objetivos bem distintos, se comparado a outros tipos de
composição.A dissertação é o fruto da razão, da capacidade de argumentação, do
raciocínio lógico. O autor do texto desenvolve argumentos que sedimentam,
solidificam sua posição final.” (NICOLA: 1986, 52)
É muito importante que os educandos
reconheçam os vários formatos
textuais na manifestação cultural, para que haja a perpetuação cultural, propagação
de ideologias, convenções, valores e , principalmente, a formação de um sujeito
crítico.Para isso e por isso o processo da comunicação e tão importante para o
homem.
Inicialmente trabalharemos com o texto “Livros”.15
Vejamos a letra da canção na a seguir:
Livros
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
15
Livros, canção do disco “Livro” de 1997.
85
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.
Caetano Veloso
A metodologia utilizada para a produção de textos dissertativos com base na
canção aqui apresentada foi:
1- Entrega de uma cópia do texto para cada aluno;
2- Leitura silenciosa do texto pelos alunos;
3- Leitura em voz alta do texto pelo professor pausadamente e com
expressividade;
4- Interpretação oral do texto pelos alunos após breve explanação dos
elementos do texto pelo o professor (Ver análise da canção no Capítulo III, item 1.0);
5- Primeira audição da canção na sala de aula através de um aparelho de
rádio que reproduz a mídia sonora CD Player;
6- Análise de elementos intertextuais do texto em um seminário com interação
entre professor e alunos;
7- Aulas interdisciplinares com utilização de palavras da canção:
-
História – Santa inquisição (índex e queima de livros);
86
-
Física- Radiação, Corpo Negro, Expansão do Universo.
8- Pesquisa na sala de informática;
9- Segunda audição da canção na sala de aula, com a música tocada no
violão por um convidado ou por um dos alunos da sala;
10- Novo diálogo sobre a canção entre professor e alunos com maior
interação pelo maior entendimento da mensagem transmitida pela canção;
11- Proposta de redação pelo professor: “Com base no poema Livros de
Caetano Veloso redija um texto dissertativo / argumentativo sobre o seguinte tema:
Qual a importância dos livros em nossas vidas”;
12- Produção de textos dissertativos pelos alunos.
O público alvo desta atividade foram 40 alunos da terceira série do Ensino
Médio da Escola Estadual “Victor Maida” de Ibitinga, SP.
A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min).
Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de
uma canção com conteúdo que causasse interesse nos jovens e da sensibilização
conseguida através da reprodução da canção, principalmente, ao vivo, podemos
comprovar essa afirmação nos textos dos alunos em anexo.
Ainda com esse mesmo texto a proposta de redação foi uma composição
narrativa.
As estratégias metodológicas foram as mesmas utilizadas no texto
dissertativo, apenas foi mudado o foco do tipo de texto a ser escrito que passou da
dissertação para a narração.
Narração: o texto centra-se em um fato ou acontecimento; há personagens
que atuam e um narrador que relata a ação. Percebe-se o predomínio de frases
verbais, indicando um processo ou ação. (NICOLA: 1986, pág.52)
O público alvo desta atividade foram 40 alunos da primeira série do Ensino
Médio da Escola Estadual “Victor Maida” de Ibitinga, SP. (Em anexo exemplo de
narrações)
As outras etapas da produção do texto repetiram-se conforme as utilizadas na
produção do texto dissertativo.
A próxima atividade de produção textual utilizou-se da paródia.
Paródia: é recurso encontrado com freqüência na literatura. Reside na
retomada de um texto, trabalhado com novas e diferentes intenções daquelas com
que foi criado por seu autor. Encontramos paródias humorísticas, críticas, poéticas.
87
Detendo-se na etimologia da palavra, Genette (1982) nos faz lembrar que ode
é canto, canção e para de paródia, aquilo que se desenvolve ao longo de, ao lado
de. Logo, a paródia seria um contracanto, uma canção transposta com interação
irônica ou humorística.
Genette destaca três possibilidades de paródias representadas na tradição
literária:
1.
a aplicação de um texto nobre, modificado ou não, a um diferente assunto,
geralmente vulgar; 2. a transposição de um texto nobre para um estilo vulgar;
3.
o emprego de um estilo nobre (epopéia) de uma obra singular a um assunto
vulgar ou não-heróico.
“A forma mais rigorosa de paródia consiste na retomada de um texto
conhecido para lhe dar um novo sentido ou mesmo desligá-lo de seu
contexto e de seu nível de dignidade. Ela se faz, nesse caso, paródia de
umas poucas frases, textos curtos, provérbios, ditos históricos tomados em
outro sentido que não o original. Com essas características, funciona como
destaque dentro do texto que a abriga, levando o receptor a estabelecer
relações entre o texto de origem e a paródia inserida em novo contexto.
Encontram-se paródias que consistem em mudar uma letra em uma
palavra; outras trocam uma palavra de um verso; outras ainda, sem
qualquer alteração textual, suprimem o sentido de uma citação, ao dar-lhes
um novo contexto. Existem aquelas que compõem toda uma obra nos
moldes de outra, modificando-lhe o assunto ou o sentido mediante alteração
de certas expressões.
Uma outra forma de paródia, que se caracteriza por desenvolver textos
de acordo com o gosto e o estilo de autores pouco aceitos, é vista por
Genette como ‘imitação estilística com função crítica ou ridicularizante.’
Essa paródia de aspecto caricatural recebe a denominação específica de
pastiche.” (GENETTE, 2005,p. 35)
Após estudar as relações intertextuais, os alunos da primeira série do Ensino
Médio fizeram uma paródia da canção “Sou seu sabiá” 16que veremos a seguir:
Sou Seu Sabiá
Se o mundo for desabar
sobre a sua cama
16
“Sou seu sabiá” do disco Noites do Norte de 2000.
88
E o medo se aconchegar
sob o seu lençol
E se você sem dormir
tremer ao nascer do sol
Escute a voz de quem ama
ela chega aí
Você pode estar
tristíssimo no seu quarto
Que eu sempre terei
meu jeito de consolar
É só ter alma de ouvir,
e coração de escutar
E nunca me farto
do uníssono com a vida
Eu sou, sou seu sabiá
Não importa
onde for vou te catar
Te vou cantar te vou
te vou te vou te vou
Eu sou, sou seu sabiá
O que eu tenho eu te dou
E tenho a dar
Só tenho a voz cantar,
cantar, cantar, cantar
Caetano Veloso
A metodologia utilizada para a sensibilização para a escrita de textos foi a
seguinte:
1-Todos os alunos receberam a cópia da canção;
2-Leitura silenciosa da letra pelos alunos;
3-Levantamento de idéias sobre o significado do nome da canção pelos alunos;
89
4-Leitura oral por um aluno do poema “Canção do exílio” de Gonçalves Dias por
um dos alunos;
5- Pesquisa sobre o sabiá com livros da biblioteca e na sala de informática da
escola com utilização da internet;
6- Posicionamento das cadeiras dos alunos em círculo;
7- Leitura oral do texto “Sou seu sabiá” feita por um aluno com entonação e
expressividade;
8- Leitura do poema “Via Láctea” por um aluno;
9- Compreensão e interpretação oral com interação entre professor e alunos,
descobrindo as intenções e as sugestões levantadas pelo eu-lírico ( Ver análise da
canção no Capítulo 2, item 2.1.2);
- Esgotadas as dúvidas quanto ao vocabulário, à compreensão e à
intencionalidade da canção houve a audição da canção em um aparelho de CD
Player;
- A sala foi dividida em duplas para que os alunos escrevessem uma paródia ou
um poema sobre a canção.
O público alvo dessa atividade foram 40 alunos da primeira série do Ensino
Médio da Escola Estadual “Ângelo Martino” de Ibitinga, SP.(Nos anexos alguns
trabalhos dos alunos).
A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min).
Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de uma
canção com conteúdo que causasse interesse nos jovens, afinal, estão na época
das “paixões adolescentes”, e da sensibilização conseguida através da reprodução
da canção.
A última estratégia de sensibilização teve como tema a canção “Os argonautas”
,o poema de Fernando Pessoa “Navegar é preciso” 17e a utilização do Tangram18:
17
18
“Os argonautas” do disco Caetano Veloso de 1.969
Tangram: s.m. LUD espécie de quebra-cabeça de origem chinesa composto por um quadrado dividido em sete
peças (cinco triângulos, um quadrado, um robóide) remontáveis em figuras diversas. ETIM ing. Tangram (de
1864) ‘ id, prov.chn. tang + suf. Ing – gram – grama. Dicionário HOUAISS, p. 2.668.
90
Vejamos com dobraduras e detalhes a “historinha” do Tangram que foi retirada
de um Caderno Pedagógico Fome e solidariedade do Concurso viagem Nestlé pela
literatura de 2003.
91
92
93
41
41
Caderno Pedagógico “Fome de solidariedade”, Concurso viagem Nestlé pela Literatura, 2003, Ano 5,págs
27,28,29 e 30.
94
Lenda do Tangram
O Tangram surgiu na China e seu nome significa Tábua das Sete
Sabedorias.
Conta-se que, no século XII, um monge taoísta deu ao seu discípulo um
quadrado de porcelana, um rolo de papel de arroz, pincel e tintas, e disse:
- Vai e viaja pelo mundo. Anota tudo que vires de belo e depois volta.
A emoção da tarefa fez com que o discípulo deixasse cair o quadrado de
porcelana que se partiu em sete pedaços. O discípulo, tentando reproduzir o
quadrado, viu formar uma imensidão de figuras belas e conhecidas a partir
das sete peças.
De repente percebeu que não precisaria mais correr o mundo. Tudo de belo
19
que existia poderia ser formado pelo Tangram.
O Tangram é um jogo educativo construído com um quadrado de papel
chacrim (no caso de nosso trabalho) ou de outros materiais que é dividido através de
dobraduras em: dois triângulos grandes; dois triângulos pequenos; um triângulo
médio; um trapézio e um quadrado pequeno, essas formas geométricas permitem a
criação de várias outras formas, como, por exemplo, animais, pessoas, etc.
Vejamos, agora a canção de Caetano:
Os argonautas
O barco, meu coração não agüenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não
Navegar é preciso
Viver não é preciso
19
http://www.chinaonline.com.br/artes_gerais/tangram/default.asp
95
O barco, noite no céu tão bonito
Sorriso solto, perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada
Navegar é preciso
Viver não é preciso
O barco, o automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Caetano Veloso
A metodologia utilizada para a produção de textos foi:
1- Cada aluno recebeu uma folha de papel de dobradura;
2- A professora contou aos alunos a origem do Tangram;
3- Seguindo a “historinha” do Tangram foram feitas as dobraduras para sua
construção;
4- Debate entre professor e alunos com manifestações espontâneas dos alunos
sobre atitudes de inconformismo das pessoas com a realidade e transformação que
o ser humano pode construir;
96
5- Os alunos construíram personagens com as peças do Tangram;
6- Audição da a canção “Os argonautas” reproduzida por um aparelho de CD
Player;
7- Entrega do texto da canção para os alunos;
8- Estudo do texto com leitura compartilhada entre alunos e professor em voz alta
com expressividade de ambas as partes;
9- Leitura e exploração compartilhadas do texto “Navegar é preciso” de Fernando
Pessoa;
10- Estabelecimento das marcas de intertextualidade entre a canção, o poema e
a historinha do auto-conhecimento;
11- Produção de um texto em prosa ou em verso com o tema “Navegar é preciso”
com a seguinte proposta: “ Produzir um texto escrito em prosa ou verso a partir da
canção ‘Os argonautas’ de Caetano Veloso, do poema ‘Navegar é preciso’ de
Fernando Pessoa e da história do Tangram”.
O público alvo dessa atividade foram 41 alunos da oitava série do Ensino
Fundamental da Escola Estadual “Profª Iracema de Oliveira Carlos” de Ibitinga, SP.
(Em anexo, trabalho dos alunos.)
A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min).
Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de
uma canção, com conteúdo que conduzisse os alunos à reflexão sobre
transformações pessoais e o crescimento interior do ser humano. Esse
entendimento foi auxiliado pelo poema e pela atividade lúdica do Tangram, que
auxiliaram na interpretação da canção, através da intertextualidade feita entre os
textos.
4.3 Avaliação da recepção das canções
As atividades despertaram interesse nos alunos, especialmente a atividade
lúdica do Tangram os deixou mais “soltos” e predispostos para as atividades de
97
análise e produção textual. A audição das canções, desconhecidas pelos alunos, foi
de extrema importância na sensibilização dos alunos para a escrita de textos, fez do
ato de redigir uma atividade lúdica e prazerosa.
As canções selecionadas para estudos em salas de aulas de acordo com os
interesses dos alunos foram: “Livros”, “Sou seu sabiá” e “Os argonautas” , cada uma
delas refere-se respectivamente aos temas: 1- a importância dos livros-2, o amor e o
livre arbítrio do ser humano para conduzir sua vida e propiciam material para a
escrita ( sobre o que escrever) suprindo uma necessidade sempre apontada pelos
alunos que afirmam “não saber o que escrever”, “não ter assunto”.
Os alunos participaram de maneira efetiva na interpretação dos textos e,
quando não conseguiam preencher os vazios deixados pelo compositor, faziam
questionamentos ao professor ou pesquisavam em livros, nas Bibliotecas das
escolas e nas Salas de Informática utilizando a Internet.
As produções textuais foram consideradas satisfatórias, embora possam
melhorar ainda mais com a aplicação dessas atividades com maior freqüência.
98
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossa pesquisa é fundamentada na Estética da Recepção, no dialogismo
bakhtiniano e na Semiótica. A Estética da Recepção e o dialogismo têm teorias que
se complementam, portanto nossos estudos concentraram-se nesse aspecto.
Na Estética da Recepção o texto é o objeto das investigações do receptor que
o analisará e o interpretará de acordo com seu conhecimento de mundo, o momento
histórico em que vive e conhecimentos adquiridos através de informações obtidas
por meio de descobertas (pesquisas).
O leitor “desconstrói” o texto através de sua análise para posteriormente
“reconstruí-lo” preenchendo os “vazios” deixados pelo emissor que quando escreveu
imaginou um leitor implícito ( Wolfgang Iser).
... do ponto de vista da Estética da Recepção, o texto apenas se
“concretiza” através da atuação do leitor e que, devido a isso, não pode
simplesmente ser compreendido como uma partitura de instruções que por
si própria já assegurassem sua transformação em forma significativa. Isto
quer dizer, contudo, que aquela base de comparação, que deveria
possibilitar “a discutibilidade intersubjetiva, das interpretações individuais,
feita durante a leitura”, não pode mais ser obtida como um conceito de texto
separado do leitor - seja ele modificado como for - e sim apenas como
resultado da co-atuação entre texto e leitor. (COSTA LIMA, 2002,p. 991, v.2)
O dialogismo também trata da relação do texto com seu receptor, porém,
concentra-se nas diversas estratégias utilizadas pelo emissor no momento em que
escreve seu texto (momento da criação) afim de persuadir seu leitor, é como se
imaginasse um diálogo entre texto (objeto) e leitor (receptor).
O falante tende a orientar o seu discurso, com o seu círculo determinante,
para o círculo alheio de quem compreende, entrando em relação dialógica
com os aspectos deste âmbito. O locutor penetra no horizonte alheio de seu
ouvinte, constrói a sua enunciação no território de outrem, sobre o fundo
aperceptivo do seu ouvinte. ( BAKHTIN, 1998,p.91)
Esta pesquisa foi desenvolvida em salas de aula e as metodologias utilizadas
propiciaram aos receptores, alunos do ensino Fundamental e Médio, o encontro com
textos de Caetano Veloso os quais, inicialmente, causaram estranhamento, mas
propiciaram um estudo significativo que ampliou seus conhecimentos, visto que são
99
canções com grande conteúdo histórico e cultural e levou-os a redigir com maior
segurança e espírito crítico decorrentes de debates e seminários.
A análise da intertextualidade nas canções de Caetano foi a estratégia de
maior significação para nosso estudo, visto que é um material de pesquisa
inestimável e conduz o receptor, auxiliado pelo educador, para a pesquisa e
compreensão efetiva dos temas, envolvendo aspectos sociais e pessoais, desde o
período de repressão da ditadura militar até a dedicação e envolvimento amorosos.
Caetano Veloso é um dos artistas considerado campeão de aparições na
mídia. Muitas vezes suas declarações são polêmicas, sempre fala o que pensa e
não tem medo de voltar atrás quando percebe que errou em alguma declaração
feita. Os jornalistas ou apresentadores de programas televisivos sempre procuram
saber sua opinião sobre tudo. Caetano tem sua vida filtrada pela mídia, é um dos
ícones da arte musical brasileira e suas composições são poemas musicais, como
foi exposto no Capítulo II.
Os receptores das canções de Caetano Veloso em nossa pesquisa
(adolescentes entre quinze e dezessete anos), não possuíam conhecimentos
prévios sobre as canções analisadas. Conheciam, somente, algumas músicas que
tiveram grande veiculação na mídia. Muitas delas eram somente interpretadas por
ele e não composições próprias, como, por exemplo, a canção de Peninha “Sozinho”
que fez parte da trilha sonora de uma novela da Rede Globo e “Você não me
ensinou a te esquecer” de Fernando Mendes, que faz parte da trilha sonora do filme
Lisbela e o Prisioneiro.
As músicas, que inicialmente causaram estranhamento nos receptores,
depois de analisadas, provocaram admiração e certamente enriqueceram o
vocabulário, além de transmitirem conhecimentos históricos e culturais do nosso
país, através de vivências pessoais do autor, bem como outras informações
importantes.
Toda essa metodologia aplicada resultou em produções escritas
satisfatórias de diversos tipos de textos (narrativos, dissertativos e poéticos) pelos
receptores, os quais foram estimulados principalmente por não serem somente
textos estáticos os que analisaram, mas pela sedução da sonoridade, que nos leva a
interagir com as canções musicais muito mais do que com poemas estáticos, o que
se compreende, pois os jovens têm em seu repertório maior contato com textos
musicais.
100
Pode-se concluir, portanto,que a metodologia utilizada produz bons
resultados, desde que aplicada por educadores que desejem inovar e interagir com
os alunos,revelando-lhes as belezas e as inúmeras possibilidades de leituras e
interpretações resultantes da análise poética. No caso deste estudo, tendo como
“corpus básico” as canções de Caetano Veloso, procurou-se enriquecer o repertório
dos
alunos
com
análises,
audições
e
interação
emissor
e
receptor
(professor/canções de Veloso e alunos), levando-os a uma maior compreensão da
realidade histórico-social e humana que os cerca, conseguindo concretizar a
produção de textos verbais com conteúdo, coesão e coerência, advindos de um
trabalho conjunto marcado pela seriedade e dedicação.
101
6 REFERÊNCIAS
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6.3 Discografia
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sonoro.Lado A, faixa 6.
VELOSO, Caetano.Caetano. Rio de janeiro: Polygram, p. 1987, VELOSO, 1 disco
sonoro.Lado A, faixa 1.
VELOSO, Caetano.Estrangeiro. Rio de janeiro: Polygram, p. 1989, VELOSO, 1 disco
sonoro.Lado A, faixa 7.
VELOSO,Caetano.Noites do Norte. São Paulo: , p. 2001, 1 CD, faixas 11 e 25.
VELOSO,Caetano.Livro. Rio de janeiro: Polygram, p. 2004, 1 CD, faixas 2 e 14.
VELOSO, Caetano. Caetano Veloso. Rio de Janeiro: Philips, p.1969. 1 disco
sonoro.Lado A, faixa 6.
ANEXO 1
UMA ENTREVISTA “COM”OU “SEM” PRETENÇÕES- CAPÍTULO 3, ÍTEM 3.2ENTREVISTA DO JORNALISTA LUÍS ANTONIO GIRON
Luís Antônio Giron
"Um mico planetário", copyright Época, 24/05/04
"Aos 61 anos, Caetano Veloso diz não sentir necessidade de se impor ao
mercado nem de atuar na política. De ótimo humor, recebeu ÉPOCA em sua
gravadora, Natasha Records, no bairro da Gávea, Rio de Janeiro. Em duas horas
de conversa, Caetano falou de tudo. Criticou o governo Lula, analisou o mercado
de entretenimento e questionou a noção de identidade brasileira que seu amigo
Gilberto Gil tem estimulado à frente do Ministério da Cultura. E, claro, abordou seu
tema favorito: a música e a nova turnê que faz pelo Brasil a partir da quinta-feira
27, em São Paulo. Revelou que acha a canção americana melhor que a brasileira
e confessou limitações musicais. A nova excursão tem uma peculiaridade na
carreira de 38 anos do compositor: quase todo o repertório é de músicas em
inglês, incluídas no recém-lançado CD A Foreign Sound. A pré-estréia do show,
em 16 de abril, no Carnegie Hall de Nova York, foi um triunfo. Resta saber a
reação da platéia brasileira. O compositor e seis músicos vão percorrer nove
capitais. Em cada cidade, juntam-se ao grupo orquestras de cordas locais.
Caetano e banda ensaiaram na semana passada no estúdio de Gil, no sopé da
Favela da Rocinha. Introduziram no espetáculo títulos como os sambas ‘Não Tem
Tradução’ (Noel Rosa) e ‘Manhã de Carnaval’ (Luís Bonfá), mais a inédita
‘Diferentemente’. Em outubro, a turnê corre México, Estados Unidos e Europa.
ÉPOCA - Pelos ataques à crítica durante sua carreira, parece que você não é um
crítico frustrado.
Caetano Veloso - Não sou, porque dialogo e entro em competição com a crítica.
Sempre atuei criticamente, desde os tempos da revista que o Glauber Rocha
editava. Isso não é desprezo pelos jornalistas, como alguns pensam. Ao contrário,
respeito a boa crítica. Gosto de propor discussão de idéias, cada vez mais difícil
nos jornais. O problema é que, para vocês, jornalistas, o pior é sempre o melhor.
Trabalho com atitude explícita. Nada fica sem resposta.
ÉPOCA - Você adora dizer frases bombásticas para horrorizar os jornalistas e
criar polêmica...
Caetano - Diga aí alguma para eu me defender.
ÉPOCA - Em 1998, por exemplo, você ganhou o título de doutor honoris causa
pela Universidade da Bahia, fez questão de receber a honraria no Carnaval, em
cima de um trio elétrico. E declarou: ‘A partir de agora, quando eu rebolar, é um
doutor que estará rebolando!’. Não é uma provocação à universidade?
Caetano - Essa frase não passou de uma auto-ironia porque achei engraçado virar
doutor. Dizem que faço tudo para aparecer. Não é isso. Gosto de contrariar ondas
de opinião que ocorrem vez ou outra. Lembro de jornalistas de São Paulo
mancomunados com intelectuais da USP querendo impor opinião. Aí respondo
com agressividade, mas não é nada ofensivo. É picada de quem está de bom
humor. Vejo os jornalistas no Brasil defendendo o rock contra a axé music, e aí
vou contra. No cinema também: os velhos críticos atuam como porta-vozes de
filmes tipo Cronicamente Inviável, do Sérgio Bianchi, que achei muito ruim. Tudo
isso é provinciano. É coisa de um Brasil subordinado culturalmente.
ÉPOCA - Desde a tropicália, você distribui opiniões. Você se considera
intelectual?
Caetano - Concordo com o que dizia o José Guilherme Merquior, que sou um
subintelectual de miolo mole. Atuo e adoro expor meu pensamento, mas talvez
seja um vício geracional. Pertenço a uma geração que fazia isso, se manifestando
no teatro, na música, na TV. Era uma obrigação e um direito ter postura sobre a
realidade política. Agora, as mesmas pessoas que inventaram esse hábito o
ridicularizam. Nos anos de censura os artistas e os jornalistas agiram em bloco em
nome da luta política. Era às vezes ridículo, porque todo o mundo tinha de ‘se
posicionar’. Até mesmo aquelas atrizes iniciantes, que não sabiam nada,
precisavam falar alguma coisa. Aí começou-se a ficar cético a respeito disso. Sou
uma pessoa da área de entretenimento que dá suas opiniões.
ÉPOCA - Você é um animal político?
Caetano - Não gosto de política, ela não me atrai. Não sei por que, mas gosto de
arte, música, poesia, cinema. Adoro frescura e vivo no mundo das idéias. Política
é um negócio chato, de uma gente que não tem a ver com meu temperamento.
Não sou preparado, acho difícil entender de política. Leio dedicadamente artigos
de jornal, exceto os do José Sarney.
ÉPOCA - Como você viu a crise provocada pelo artigo de Larry Rohter, do New
York Times - jornal que você já atacou?
Caetano - Sou colega do Lula nesse assunto. Com o NYT, aconteceu comigo
anos atrás uma coisa parecida com o que fizeram com o presidente. O
correspondente agiu de forma irresponsável, pensando que podia falar qualquer
coisa porque o Brasil é um país do Terceiro Mundo. Sou contra os
correspondentes do NYT no Brasil que faltem com o respeito. Um deles escreveu
que eu e o Gil íamos a festas vestidos de mulher porque queríamos alardear
nossa bissexualidade. Mandei uma carta ao jornal, que não foi publicada. Aí fui
danado da vida ao programa do Jô para chiar. Aquilo foi uma leviandade. Nunca
fui presidente da República. O Lula nunca apareceu bêbado em público e o álcool
jamais prejudicou sua atuação. Mas acho inadmissível o que o Lula e o núcleo
duro do governo tentaram fazer com Rohter. Lula criou com o episódio um mico
planetário para o Brasil. Ainda bem que Márcio Thomaz Bastos achou uma saída
para a situação. O pessoal do Lula tem de pensar melhor. Desta vez o Brasil foi
salvo pelo gongo. Tem coisa que não se faz. Já mandei embora jornalista da
minha sala. Mas querer expulsar o sujeito do país pega mal!
ÉPOCA - Como você analisa o governo Lula?
Caetano - Vi muita gente se decepcionar, mas não é o meu caso. Eu não tinha
esperanças de que o governo do PT viesse a ser firme. Quase não votei no Lula.
Meu candidato era o Ciro Gomes. Mas aí o Ciro se retirou e fiquei sem candidato,
e resolvi votar no Lula porque pensei assim: Lula tem de chegar à Presidência, a
gente tem de conhecer essa experiência, ele merece por tudo o que fez. Espero
que ele consiga passar os quatro anos à frente do governo e passe a faixa de
presidente ao sucessor no melhor rito democrático.
ÉPOCA - Você teme que ele não consiga passar a faixa?
Caetano - O PT não é a salvação. Há uma esquizofrenia neste governo: o Delfim
apóia os economistas do PT e criticava os inventores do Plano Real. O Palocci
vem com uma conversa que não tem nada a ver com as promessas de campanha
do PT. Quando assumiu o governo, o partido quis se apossar de todas as áreas
da máquina estatal. O PT não é republicano nem democrático e confunde Estado
com partido. A esquizofrenia do governo se expressa em certas atitudes. O
Ministério da Economia compõe com o mercado, enquanto o da Reforma Agrária
se alinha com o MST. Tudo para que o PT não saia nunca mais do poder.
ÉPOCA - Como você viu o expurgo dos membros rebeldes do PT?
Caetano - Um exagero. É outra prova da esquizofrenia do governo. Essa atitude
dura não é sintoma de capacidade política. É preciso desconfiar de um partido que
praticamente expulsa o Fernando Gabeira poucos meses depois de subir ao
poder.
ÉPOCA - Você disse que falta experimentalismo no Executivo. Existe algum
pensamento politicamente arrojado para o país?
Caetano - Mangabeira Unger apresenta uma alternativa crítica, uma sugestão
concreta do caminho a trilhar. Diz que o Brasil tem todos os recursos materiais e
espirituais para ser mais inventivo. Ensina que existe um caminho alternativo para
inserir o Brasil na economia mundial sem a política petista de se curvar às
exigências do FMI. O pensamento do Mangabeira faz eco àquilo que penso sobre
como resolver os problemas sociais internos, como o salário mínimo e o abismo
social, e a política externa. Mangabeira é um dos raros pensadores do Brasil.
ÉPOCA - Como você vê a política educacional de Lula?
Caetano - Sou a favor da compensação dos negros. É preciso confrontar a
questão de raça com a social, porque a gente observa que a maioria dos negros
pertence às classes mais baixas. É positivo dar acesso a eles à educação, e agora
aos alunos da rede pública ao terceiro grau. Tenho lido só críticas tecnicistas
sobre o assunto. É preciso criar um sistema de acompanhamento para verificar se
as medidas compensatórias serão implementadas corretamente.
ÉPOCA - Monitorar não é difícil?
Caetano - Graças a Deus, no Brasil todo o mundo tem sangue negro ou, pelo
menos, aprendeu a valorizar isso. Esse é um tesouro do Brasil.
ÉPOCA - Você tem gostado de Gilberto Gil no Ministério da Cultura?
Caetano - Gil trouxe visibilidade a um ministério que nunca teve importância.
Quando ele ia assumir, eu lhe disse: você corre o risco de ser o Lula do Lula. Gil
tem um imenso valor simbólico no mundo.
ÉPOCA - O Ministério da Cultura criou uma secretaria para promoção da
identidade nacional. Não é curioso isso acontecer sob a gestão de um antigo
tropicalista?
Caetano - Pois é, a tropicália enfrentou a questão da identidade e tratou de
superá-la. Desde então, mudaram os pontos de referência. Parece difícil um
ministério que tem Gil no comando sair por aí em busca de identidade. Hoje esse
tipo de idéia só tem dois defensores de plantão: o José Ramos Tinhorão e o
Ariano Suassuna. O Tinhorão criou argumentos sofisticados sobre o tema, mas é
medíocre em suas sugestões artísticas. O Suassuna é o gênio que escreveu O
Auto da Compadecida e A Pedra do Reino, mas assume o papel de um palhaço
pela obrigação de manter uma posição que acha sagrada. Ele promove a
xenofobia fazendo a gente rir. O MinC não deveria defender essas posições próxenófobas.
ÉPOCA - Seu novo CD é um dos campeões mundiais de download ilegal. Como
você encara o problema?
Caetano - Claro que isso é lesivo aos direitos autorais do artista. O fato é que
perdemos o controle sobre a veiculação de música. Não sou empresário, não sou
nem mesmo capitalista. Mas não posso cuspir no prato em que comi. Existe uma
crise na indústria da música, mas eu não estou nem aí. Houve uma hipertrofia do
mercado musical desde a explosão do sucesso dos Beatles nos anos 60. Desde
então, a indústria musical moveu fábulas de dinheiro, produziu muita música ruim
e muito crítico de música escrevendo nos jornais. Talvez haja razão para haver a
retração no mercado. Só não posso deixar de reparar que coisas boas surgiram
do comercialismo, como o rock e a axé music. O rock mudou o mundo. A axé
music nasceu da ambição descarada, e hoje virou força popular. Não tenho por
que chorar.
ÉPOCA - A música popular ainda é uma missão ou virou business?
Caetano - Quando entrei nesse negócio, pensava em ser 100% puro e que sairia
dele com as mãos limpas. Minha turma - Dori Caymmi, Edu Lobo, Chico Buarque
e Paulinho da Viola - foi abençoada por pertencer à segunda geração da bossa
nova. João Gilberto, o fundador da BN, nos legou a dignidade, colocando a música
num patamar artístico muito alto. A gente nunca pensou nessa história de jabá.
Quando ele apareceu, a gente se sentiu regredir aos anos 50. Não posso mudar
na minha idade. Continuo vendo a música do ponto de vista artístico. A música do
Brasil é forte. E continua sendo importante para mim e para o mundo, não
importando a reprodutibilidade técnica.
ÉPOCA - Por que você cultua João Gilberto, sem cantar e tocar como ele?
Caetano - João é o maior artista da música popular, caso extremo de
comprometimento com a perfeição. Ele é mais e menos que uma influência. Ele
me influenciou de uma forma definitiva e seria assim se eu tivesse virado
professor de Filosofia. Desde que ouvi suas gravações lá em Santo Amaro, João
me deu um norte estético. Depois me levou a escutar Chet Baker. Tentei imitá-lo
na formulação de acordes e no canto. Mas parou aí. Eu dizer que João é uma
influência musical minha seria como um escritor que lança um romance e declara
que suas influências são Kafka, Proust e Dostoiévski. Não tenho competência
para ser influenciado por João Gilberto.
ÉPOCA - Você diferencia sua música da dos ‘bregas’ que você grava. Não é
excesso de modéstia?
Caetano - Minha competência musical é limitada. Não posso ser comparado com
a musicalidade de Djavan, Edu, Paulinho da Viola e até de Chico. Sou um
compositor que canta às vezes. Meu violão não tem nível profissional. Isso não
impediu que eu compusesse algumas canções relevantes que viraram standards.
Algumas saíram boas, melhores do que eu imaginava. No início da carreira, as
gravadoras não aceitavam gravar o meu violão, considerado amador. Aí fui para
Londres, lá eles gostaram do meu jeito, e quando voltei ao Brasil os produtores já
aceitavam que eu gravasse. Quando comecei, eu atuava na periferia da música e
contribuía com idéias sonoras. Eu queria ser pintor. Depois, fazer cinema. Não é
preciso ter talento para ser cineasta, apenas vocação.
ÉPOCA - Você se sentiu feliz ao dirigir Cinema Falado?
Caetano - Adorei me envolver com as filmagens e com a equipe. Mas me apavorei
com os problemas extrafílmicos, como distribuição e contratos. O filme foi bem
recebido pela crítica em 1986, ao contrário do que escrevem hoje. Falaram mal só
três diretoras mulheres, o Arthur Omar - gostei do livro de fotografias dele - e o
Caio Túlio Costa, que escreveu algo terrível no caderno de variedades da Folha
de S.Paulo, num tempo em que o jornal ainda agitava a cultura. Os críticos
adoraram o filme porque ele traz cenas de pura crítica. Tem uma seqüência
amorosa em que o rapaz fala uma crítica completa para a parceira.
ÉPOCA - E projetos de longas-metragens?
Caetano - Quero voltar a filmar quando for possível. Queria fazer um filme que se
passasse em Salvador e mostrasse a vida lá.
ÉPOCA - Não está na hora de voltar a fazer música?
Caetano - Estou compondo. Na temporada no Baretto em São Paulo fiz uma
música - ‘Diferentemente’. Pensei nela correndo, minutos antes do show. Os
músicos aprovaram a estrutura. Vou cantá-la na turnê.
ÉPOCA - Você foi bem recebido pelo público americano na estréia do show. Mas,
para o público brasileiro, não é estranho um ídolo nacional apresentar repertório
americano?
Caetano - No Brasil é mais fácil. Vendi aqui 1,2 milhão de discos com Prenda
Minha - porque tinha a música do Peninha e canções conhecidas. Não tenho feito
esse sucesso todo cantando em outras línguas. Fina Estampa foi recebido sem
entusiasmo pelo público mais caloroso do mundo - o portenho. Não parei o
trânsito no México nem em Miami. A Foreign Sound não vai fazer sucesso nos
países de língua inglesa, nem tenho intenção de impor meu nome nos Estados
Unidos.
ÉPOCA - Como você define o CD e o show A Foreign Sound?
Caetano - Eu sei que estou arriscando minha respeitabilidade com ele. De certa
maneira, o disco depõe contra mim. Eu o chamo de a difficult easy listening
(música comercial difícil). É um trabalho esquisito e apareceu com atraso. Eu
deveria tê-lo gravado dez anos atrás, ou, pelo menos, antes dos dois CDs do Rod
Stewart com standards. Mas, enfim, decidi lançá-lo porque era uma coisa que eu
queria fazer.
ÉPOCA - Você acha que a música americana é melhor que a brasileira?
Caetano - É, sim. Com o jazz, Cole Porter, Irving Berlinn e Gershwin; com a soul
music e o rock; a música americana tem enorme riqueza, apesar de Caymmi, Tom
Jobim, Chico e Gil. E os americanos têm James Brown. A influência dele é
tamanha que hoje todo o mundo no Brasil se chama Brown: Mano Brown, Charlie
Brown Jr., Carlinhos Brown!"
ANEXO 2
A FOLIA SOTEROPOLITANA DE CAETANO VELOSO, CAPÍTULO 2, ÍTEM 2.3ENTREVISTA DO JORNALISTA J. D. BORGES
A inteligência puramente musical de Caetano Veloso
O perigo da opinião.
Muitos os que se abstêm de opinar, de se mostrar, de aparecer — a fim de poupar
sua obra e seu público de falsas interpretações, de mal-entendidos e de
julgamentos macarrônicos em torno de sua produção intelectual e artística. Não
admitem uma pseudo-analogia, entre o que falam e o que realizam. Não suportam
pré-concepções do que virão a fazer — a partir de declarações pretéritas ou
futuras. Não têm, em suma, paciência para vir a público e explicar suas obras
(evitando, de quebra, emitir palpites infelizes sobre os últimos acontecimentos).
Há também, como não poderia deixar de ser, um outro time. Time daqueles que
entram em cena, a toda e qualquer hora, sendo ou não requisitados. Como
representantes auto-proclamados de seu auditório, ávidos por publicidade,
sentem-se no direito — e no dever — de posicionar-se frente a todo e qualquer
abalo sísmico.
Num tempo de notícia pré-fabricada, como o nosso, muitas são as mudanças de
maré — algo que garante, ao oportunista falastrão, muito assunto. Prefere, em
geral, política (em que cabem arroubos de populismo, temperados com bravatas
de grande efeito). Política seguida de questões sociais, morais, pessoais,
religiosas, econômicas, ou o que vier. E como não consegue ser oráculo e nem
pessoa humana (ou realizador) ao mesmo tempo, acaba tropeçando na própria
língua, disparando inconsistências e revelando, aos mais experimentados, todos
os seus truques e todas as suas falhas de argumentação. Inevitavelmente.
Caetano Veloso é mestre nisso. Outro dia, quebrou, na Folha de S. Paulo, um
recorde seu — numa modalidade em que já é invicto: a entrevista. Dentre uma
série de temas, tratou, claro, do recorrente Tropicalismo.
O Tropicalismo foi um movimento cheio de definições vagas, cuja tônica
(preservada a duras penas) prega a reciclagem do mau gosto através da
sofisticação e do estilo de quem se considera acima do popularesco típico. Como
do auge do Tropicalismo só restou um álbum — que prima mais pelo elenco que
reúne do que pela música "engajada" propriamente dita —, Caetano Veloso, na
falta de seguidores ou discípulos, costuma rotular toda e qualquer manifestação
mais tendente ao piegas, ao popular, ao hit parade como tropicalista. Assim,
credita a si próprio, e à Bahia (lógico), iniciativas bem sucedidas na área —
enquanto que reserva aos seus desafetos, e aos outros estados "não-baianos" da
Federação, a responsabilidade pelos dejetos e pelas merdices musicais que
temos visto.
Assim, segundo o moço, o Samba nasceu lá na Bahia, a Bossa-Nova foi inventada
por João Gilberto (notadamente um baiano), e a Axé Music (resultado da linha
evolutiva da folia soteropolitana) não tem o que invejar dos clássicos do carnaval
carioca (citadamente "Alá-lá-ô" e as marchinhas de Emilinha Borba) — ao passo
que a degradante TV de massas veio de São Paulo, o "apartheid social e cultural"
veio do Rio, e os sertanejos, imagina-se, de Minas Gerais. Do mesmo modo, foi
Antônio Carlos Magalhães (o imperador da Bahia e, às vezes, também do Brasil)
quem "animalescamente" pôs um ponto final na ditadura militar; o mesmo que,
ultimamente, em nome da sociedade civil, vai redistribuir a renda do país.
Enquanto isso, Fernando Henrique Cardoso (uma alma paulista; às vezes,
presidente do Brasil) só fez desqualificar Gilberto Freyre, junto com a USP — que
tem a ingênua ambição de querer interpretar a Terra Brasilis. Como se não
bastasse, Caetano Veloso completa: — "Parece até que eu estou posando de
bacana diante de vocês. Mas acho que muita gente que não é de São Paulo teve
mais facilidade de sentir isso do que as pessoas daqui."
Animado, aproveitou a ocasião para criticar e rebaixar o mesmíssimo caderno
cultural que lhe concedia aquele tempo e aquele espaço para falar: "Esse estilo
que a Ilustrada comprou e que se disseminou pela imprensa brasileira é uma
vergonha. Como é que isso é mantido pela grande imprensa brasileira?"
Que sujeitinho mais inconseqüente, mais inoportuno, mais cara-de-pau! Quando é
que o paulista vai deixar de ser paspalhão, e cortar as assas de ingratos e malagradecidos como Caetano Veloso? Certo (mais uma vez) estava Paulo Francis
(um carioca) ao inesquecivelmente afirmar: "Os baianos invadiram o Rio para
cantar ‘Ó, que saudade eu tenho da Bahia...’. Bem, se é por falta de adeus, PT
saudações."
Inexplicável que se permita um aviltamento de tal porte. Caetano Veloso deveria
se restringir ao seu ofício, hoje alquebrado, de cantor e compositor — poupandonos de seus embustes literários e de seus raciocínios desrespeitosos e bairristas.
Afinal, já vão três décadas de requentada MPB e de repetitiva e ultrapassada
ideologia dos tempos de 1968.
Vai, então, o presente conselho: Caetano Veloso, feche o bico — se não quiser
acabar como tema de novela. Sozinho.
J. D. Borges
ANEXO 3
VIDA E OBRA DE ESCRITORES CANTORES E COMPOSITORES,CITADOS NO
CAPÍTULO 3- ITEM 3.1.7- TEXTO 7- “PRA NINGUÉM”
Luís Vaz de Camões 1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de
Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa. – 1528: Desterro no Ribatejo; alista-se no
Ultramar. - 1549: Embarca para Ceuta; perde o olho direito numa escaramuça
contra os Mouros. – 1551:Regressa a Lisboa. – 1552: Numa briga fere um
funcionário da Cavalariça Real e é preso. – 1553: É libertado; embarca para o
Oriente.- 1554: Parte de Goa em perseguição a navios mercantes mouros, sob o
comando de Fernando de Menezes. – 1556: É nomeado provedor-mor em Macau;
Naufraga nas Costas do Camboja. – 1562: É preso por dívidas não pagas;
é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido. – 1567:
Segue para Moçambique. – 1570: Regressa a Lisboa na Nau Santa Clara. –
1572:Sai a primeira edição de “Os Lusíadas”. – 1579 ou 1580: Morre de peste, em
Lisboa. É considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa.
Fernando Pessoa, poeta português (1888-1935) é visto por muitos
estudiosos como poeta de língua portuguesa mais importante do século XX.
Estudou na África do Sul e no Curso Superior de Letras, em Lisboa. Deixou os
estudos e trabalhou como tradutor e correspondente estrangeiro em casas
comerciais. Em 1915, participou da revista Orfeu, que lançou o futurismo em
Portugal. Criou várias teorias estéticas e usou diferentes heterônimos para assinar
a sua obra . Os mais conhecidos são Alberto Caeiro , Álvaro de Campos e Ricardo
Reis , cada um com estilos e visões de mundo diferentes. Caeiro é considerado
naturalista e cético, Reis, um clássico, cuja poesia é influenciada por Horácio (neopaganismo português); enquanto o estilo de Álvaro de Campos é associado ao do
poeta
norte-americano Walt Whitman.
Entre
seus
poemas
destacam-se
“Tabacaria” e “Autopsicografia”. É considerado anti-romântico por opor-se à
tradição lírica e sentimental da poesia portuguesa. Publica um único livro em vida,
Mensagem (1934), ganhador do segundo prêmio do concurso do Secretariado de
Propaganda Nacional. Entre seus principais textos em prosa estão A Nova Poesia
Portuguesa, Páginas de Doutrina Estética e Textos Filosóficos, todos publicados
postumamente.
João Guimarães Rosa nasceu em Codisburgo (MG) em 1908 e morreu no
Rio de Janeiro em 1967. Filho de um comerciante do centro-norte de Minas, fez os
primeiros estudos na cidade natal, vindo a cursar Medicina em Belo Horizonte.
Formado Médico, trabalhou em várias cidades do interior de Minas Gerais, onde
tomou contato com o povo e o cenário da região, tão presentes em suas obras.
Autodidata, aprendeu alemão e russo, e tornou-se diplomata, trabalhando em
vários países. Veio a ser Ministro no Brasil no ano de 1958, e chefe do Serviço de
Demarcação de Fronteiras, tratando de dois casos muito críticos de nosso
território: o do Pico da Neblina e o das Sete Quedas. Seu reconhecimento literário
veio mesmo na década de 50, quando da publicação de Grande Sertão: Veredas e
Corpo de Baile, ambos de 1956. Eleito para ocupar cadeira na Academia
Brasileira de Letras no ano de 1963, adiou sua posse por longos anos. Tomando
posse no ano de 1967, morreu três dias depois, vítima de um enfarte.
Carmen Miranda,cantora e atriz brasileira de origem portuguesa1, nasceu
em 9 de fevereiro de 1909 e faleceu em 5 de agosto de 1955. Por 15 anos fez
sucesso nos Estados Unidos (EUA), especialmente em Hollywood. Seu nome
verdadeiro é Maria do Carmo Miranda da Cunha Nascida em Marco de
Canaveses, Portugal, veio para o Brasil com 2 anos. Seu primeiro disco saiu em
1930, marcado pelo êxito de “Taí”, de Joubert de Carvalho. Na década de 30, suas
gravações fazem sucesso nos carnavais (Alô... Alô..., Adeus Batucada, No
Tabuleiro da Baiana) e ela realizou turnês pela Argentina e pelo Uruguai. Atuou no
cinema brasileiro estrelando cinco filmes. No último deles, Banana da Terra
(1938), apareceu pela primeira vez vestida de baiana para cantar “O Que É Que a
Baiana Tem?”, de Dorival Caymmi. O traje estilizado de baiana com balangandãs
e turbante tornou-se sua marca. Em 1939 foi para os EUA. Estreiou em um
musical da Broadway e, em 1940, apresentou-se na Casa Branca para o
presidente Franklin Roosevelt. No ano seguinte assinou contrato para atuar em
Hollywood. Trabalhou em “Uma Noite no Rio” (1941) e em mais 12 filmes.
Consagrada internacionalmente, viajou ao Brasil em 1954 para rever a família.
Meses depois, já de volta a Hollywood, morreu de um ataque do coração.
1
Por causa do sotaque de Carmem Miranda, Caetano Veloso utiliza-se da onomatopéia “choo-choo” quando
refere-se a cantora.
Chico Buarque,conhecido principalmente como compositor e cantor de
música popular, trilhou com êxito o caminho da dramaturgia e incursionou pela
literatura ficcional. Uma das características marcantes de sua obra como letrista é
a verossimilhança com que retrata o imaginário feminino. Francisco Buarque de
Holanda, filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, nasceu no Rio de
Janeiro em 19 de junho de 1944. Chegou à vida universitária no início da década
de 1960, auge do movimento popular e estudantil que precedeu o golpe militar de
1964. Suas primeiras canções, como “Pedro Pedreiro”, impregnadas de
preocupações sociais, foram seguidas de composições líricas como “Olê, olá”,
“Carolina” e “A banda”, esta uma das vencedoras do II Festival de Música Popular
Brasileira (São Paulo, 1966). Ao decretar-se o ato institucional nº 5, em dezembro
de 1968, a música popular brasileira polarizava-se em torno de dois nomes e
estilos: Caetano Veloso, vanguardista e líder do tropicalismo, e Chico Buarque,
que freqüentemente apelava para a música da década de 1930, especialmente a
de Noel Rosa. Ambos foram vítimas da censura do regime, que lhes vetava
grande parte das composições, e se exilaram na Europa. Com Vinícius de Morais
e Toquinho, Chico compôs o Samba de Orly, sua canção do exílio. Para o teatro,
Chico Buarque compôs a música da peça Morte e vida Severina, de João Cabral
de Melo Neto, e do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Escreveu,
com parceiros, textos e música de Roda viva (1967), Calabar (1973), Gota d'água
(1975) e Ópera do malandro (1979). Publicou e encenou textos infantis e escreveu
a novela Fazenda modelo (1974) e o romance Estorvo (1991).
Scarlet Moon de Chevalier é carioca, atriz e jornalista. Nasceu no dia 12
de setembro de 1950, no Rio de Janeiro. Desde 1996 assina a coluna "Abalo", às
quintas-feiras, no caderno Zona Sul do jornal O Globo.
Pedro Silva, ou Glauco Mattoso nasceu na cidade de São Paulo em 1951.
Foi o criador do fanzine poético-satírico chamado JORNAL DO BRABIL entre 1977
e 1981 (possivelmente um dos primeiros fanzines do mundo) colaborou em
diversas publicações alternativas, como LAMPIÃO (um tablóide gay o Pasquim,
Chiclete com Banana e outros. Seu pseudônimo, Glauco Mattoso é na verdade um
trocadilho com "glaucomatoso", uma vez que é portador de glaucoma congênito.
Com a perda da visão, foi abandonando a criação de cunho visual (concretismo,
quadrinhos) para dedicar-se às letras de música e à produção de discos.
Arrigo Barnabé nasceu em Londrina, PR, em 14 de Setembro de 1951. Em
São Paulo, cursou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (1971 a 1973) e a
Escola de Comunicações e Artes (1974 a 1979), onde fez o curso de composição,
no Departamento de Musica. Ainda na década de 1970, participou do Festival
Universitário da TV Cultura, com a musica Diversões eletrônicas. Lançou seu
primeiro LP, Clara Crocodilo, em 1980. Excursionou pelo Brasil em 1983, ano em
que compôs a Saga de Clara Crocodilo para a Orquestra Sinfônica Juvenil do
Estado de São Paulo e grupo de rock.
Com trabalho singular na musica brasileira, tem composições de
características que vão do dodecafonismo a atonalidade. Sempre na fronteira
entre o erudito contemporâneo e o popular, na década de 1990 escreveu
quartetos de cordas e peças para a Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo. Em
1997, depois de quatro anos sem gravar, lançou o CD Ed Mort, do selo Rob
Digital, trilha sonora do filme de mesmo nome, dirigido por Alain Fresnot.
Maria da Fé, nasceu no Porto a 25 de Maio, da década de 40. Aos 9 anos
começou a cantar em festas particulares, notando-se desde logo o seu talento
para o fado então ganhou todos os concursos que participou.
Maria da Fé é sem sombra de dúvida uma das melhores intérpretes do fado de
sempre, resistente da sua autenticidade e divulgação, mas sem nunca se opor à
modernidade e à sua natural evolução.
Abilio Pereira de Almeida (1906-1977), nascido em 26 de Fevereiro de
1906, em São Paulo, foi dramaturgo, ator, cineasta e produtor. Fundador da Vera
Cruz, faleceu em São Paulo, em 17 de Maio de 1977. Escreveu entre outros: O
Gato de Madame (1957); Candinho (1954); e Nadando em Dinheiro (1952).
Nana Caymmi ou Dinair Tostes Caymmi , nascida a 29 de abril de 1941,
no Rio de Janeiro, filha de Dorival Caymmi e Stella Maris, irmã de Danilo e Dori
Caymmi, cresceu numa das famílias mais musicais do Brasil. Começou a cantar
ainda muito jovem, adotando desde cedo uma técnica particular para valorizar seu
timbre grave.
A canção “Nesse mesmo lugar” sobre a qual se refere o texto é dos
compositores Klécius Caldas e Arnaldo Cavalcanti.
Sebastião Rodrigues Maia nasceu no Rio de Janeiro RJ em 28 de
Setembro de 1942. Penúltimo de 19 irmãos, aos oito anos já compunha suas
primeiras musicas. Aos 14 anos, formou seu primeiro conjunto musical, Os
Tijucanos do Ritmo, no qual tocava bateria, e que durou apenas um ano.
Começou a estudar violão num curso particular e formou em 1957 o conjunto Os
Sputniks, que tinha também entre seus integrantes Erasmo Carlos e Roberto
Carlos, tendo sido professor de violão de ambos. Em 1959, antes de completar 17
anos, com a morte do pai, foi para os EUA, onde fez cursos de inglês e iniciou
carreira como vocalista, participando de um conjunto chamado The Ideals.
A canção “Arrastão” foi composta por Edu Lobo e Vinícius de
Morais.
Maria Bethânia Vianna Telles Veloso, irmã do compositor e cantor
Caetano Veloso, nasceu no dia 18 de Junho de 1946 em Santo Amaro da
Purificação, na Bahia. Pensava em ser atriz. Em 1960 foi para Salvador terminar
os estudos, e passou a freqüentar o meio artístico, ao lado do irmão Caetano
Veloso. Três anos depois estreou na peça "Boca de Ouro", de Nelson Rodrigues,
como cantora. Por essa época, Bethânia e Caetano conheceram outros músicos
iniciantes: Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Alcivando Luz e outros. No ano de
1965 gravou seus primeiros discos.
A primeira manhã, na verdade, com título original “Na primeira manhã” é
composição de Alceu Valença.
Nascido em família pobre, a 27 de janeiro de 1949, em Maceió (AL), Djavan
poderia ter virado raiz, mas a música mudou seu destino e de uma flor-de-lis
brotou uma carreira cuja floração já perdura por mais de 25 primaveras. Por sua
originalidade e polinização de suas canções, a única coisa que se pode prever a
cada novo trabalho de Djavan é sua versatilidade de tons.
Drão, canção composta por Gilberto Gil do disco “Um banda Um” de 1982.
Exaltação à Mangueira, canção composta por Enéas Brittes e Silva e
Aloísio Augusto da Costa em 1955 foi lançada por Jamelão no carnaval de 1956.
Paulinho da Viola, nascido aos 12 dias do mês de novembro de 1942 no
Rio de Janeiro,um dos mais requintados compositores de samba em atividade,
letrista e instrumentista aclamado, é filho do violonista e chorão César Faria, do
conjunto Época de Ouro. Cresceu no Rio de Janeiro ouvindo em casa canjas de
músicos como Pixinguinha e Jacob do Bandolim, e logo aprendeu a tocar violão e
cavaquinho.
Sonho de um carnaval, canção composta por Chico Buarque de Holanda
em 1965 e gravada no disco “Nervos de aço” de 1973 pela Odeon.
Maria da Graça Costa Pena Burgos, Gal Costa,nasceu no dia 26
de setembro de 1945 em Salvador, Bahia. Gracinha, Gau, Maria da Graça, 15
anos. Nas festinhas, a adolescente retraída empunhava o violão e cantava as
canções da época. Evidenciava-se, lentamente, a sua vocação de cantora. A
cidade de Salvador fervilhava de idéias vanguardistas. Brasília era inaugurada, as
rádios tocavam João Gilberto em Chega de Saudade, Martim Gonçalves dirigia a
Escola de Teatro, os soviéticos lançavam ao espaço o Sputinik 4: o futuro parecia
próximo e moderno. John Kennedy vencia as eleições nos Estados Unidos,
Gláuber Rocha estreava como diretor em Barravento, Roberto Pires acabara de
filmar A Grande Feira e Elvis Presley avisava: It´s Now or Never. O mundo perdia
a inocência da década anterior.
A canção “Candeias” foi composta por Edu Lobo em 1967.
Elis Regina Carvalho Costa, nasceu em Porto Alegre 17 de março de
1945 , e desde os 11 anos se apresentava na Rádio Farroupilha, cantando. Fez
parte do elenco fixo da emissora, onde trabalhou por algum tempo. Em 1959
assinou o primeiro contrato profissional, na Rádio Gaúcha, e no ano seguinte foi
para o Rio de Janeiro, onde gravou o primeiro compacto, pela Continental. A
mesma gravadora em 1961 lançou seu primeiro LP, "Viva a Brotolândia", com
calipsos e rocks. Em seguida voltou para Porto Alegre, onde ficou até 1964,
quando regressou definitivamente para o Rio. Cantou no Beco das Garrafas,
reduto da bossa nova, onde teria aprendido com o bailarino americano Lennie
Dale a célebre coreografia que lhe valeu o apelido de "Hélice Regina". Contratada
pela TV Rio, passa a trabalhar ao lado de Jorge Ben, Wilson Simonal e outros.
Tornou-se conhecida nacionalmente em 1965, ao sagrar-se vencedora do I
Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, defendendo a música
"Arrastão", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes.
A canção “Como nossos pais” é composição de Belchior dos anos 70 que
foi gravada por Elis Regina em 1971 e foi a alavanca da carreira do compositor,
pois posteriormente, vários artistas famosos interpretaram suas canções também.
Elba Ramalho, a filha do nordeste brasileiro, nascida no dia 17 de agosto
de 1951, no alto sertão da Paraíba sob o signo de Leão, teve a sorte de ter um pai
músico, que a despertou cedo para a música. Criando-se no Nordeste, Elba teve
como cartilha os mais diversos ritmos dessa ensolarada região: baião, maracatu,
xote, frevo, pastoril, caboclinhos e forrós. Gêneros musicais que preservam a
pureza ao mesmo tempo que criaram novas dinâmicas na cultura popular e
influenciaram toda a música brasileira.
“De volta pro aconchego” citada por Caetano tem como nome original “De
volta pro meu aconchego” composição de Dominguinhos e Nando Cordel de
1985.
Sílvio Antônio Narciso de Figueiredo Caldas nasceu em 1908, no bairro
de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, numa família grande e musical.
O pai, Antônio Narciso Caldas, possuía uma pequena loja de instrumentos,
consertava e afinava pianos e era compositor (Orlando Silva chegou a gravar uma
valsa sua, "Neusa", em 1938). A mãe, a avó e as tias cantavam no coro da igreja,
nas festas e quermesses. Sílvio Caldas cresceu ouvindo música e cantando em
festas familiares e escolares. Sua primeira apresentação ocorreu aos seis anos de
idade, numa conferência no Teatro Fênix. À época, ele já integrava um bloco
carnavalesco chama do “Família Ideal” .
Em São Paulo, para onde foi tentar a sorte aos dezesseis anos, foi lavador de
automóveis e mecânico em diversas oficinas. Chegou a trabalhar até na rodovia
Rio-São Paulo, como motorista e cozinheiro. E a ser leiteiro, depois, no estado do
Rio. Entre um serviço e outro, cantava e fazia boemia.
O cantor Sílvio Caldas foi o maior responsável pela consolidação da seresta
na música popular brasileira, tendo contribuído para o gênero também como
compositor, nos anos 30. Por isso, ele se tornou identificado como "O Seresteiro
do Brasil", epíteto ao qual se manteve fiel durante toda a sua longa carreira.
A canção “Mulher” de 1940 é composição de Custódio Mesquita e Sadi
Cabral.
Elisete Moreira Cardoso nasceu no dia 16 de julho de 1920 no
subúrbio do Rio de Janeiro, cantava desde pequena, no subúrbio do Rio,
cobrando ingresso das outras crianças para ouvi-la cantar. Foi descoberta aos 16
anos por Jacob do Bandolim, que a levou para cantar no Programa Suburbano, da
Rádio Guanabara. Nos anos 30 e 40 trabalhou em várias rádios, boates, casas
noturnas, foi crooner de orquestra e emplacou seu primeiro sucesso, "Canção de
Amor" (Chocolate/ Elano de Paula). Em 1958 gravou o antológico disco "Canção
do Amor Demais", com músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, considerado
marco inaugural da bossa nova. No ano seguinte continuou atuando ao lado dos
compositores da bossa nova, e gravou músicas para o filme "Orfeu do Carnaval".
Na década de 60 chegou a ter seu próprio programa na TV Rio, Nossa Elizeth.
Sua ligação com o samba fez-se mais forte depois da participação no show "Rosa
de Ouro", que originou o LP "Elizeth Sobe o Morro", um de seus discos mais
importantes, ao lado de "A Enluarada Elizeth", que contou com a participação de
Pixinguinha, Cartola, Clementina de Jesus. Em 1968 realizou o show que alguns
consideram o ápice de sua carreira, com Jacob do Bandolim, Época de Ouro e
Zimbo Trio, no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. O espetáculo, produzido
por Hermínio Bello de Carvalho para o Museu da Imagem e do Som, virou um LP
duplo. Nos anos 70 fez shows no Japão, onde hoje em dia são editado CDs com
suas músicas que não existem no Brasil. Elizeth foi uma das maiores divas da
canção brasileira. Faleceu em 7 de maio de 1990.
“Chega de mágoa” foi uma composição coletiva ( Milton Nascimento,
Djavan, Rita Lee, Caetano Vesoso, Elisete Cardoso e outros), gravada no
compacto simples “Nordeste já” no ano de 1985, ano da solidariedade.
Gilberto Passos Gil Moreira nasceu em Salvador, no dia 26 de junho de
1942. Passou sua infância na pequena cidade de Ituaçu e sua vocação musical
despertou cedo, aos três anos de idade já manifestava o desejo de ser músico,
fascinado pelos grandes sucessos das rádios do Rio de Janeiro e as tantas
matizes da música local. Em 1952 Gil vai estudar em Salvador no Colégio dos
Irmãos Maristas e aproveita para matricular-se em uma escola de acordeom.Em
1962 ele tem, pela primeira vez, uma música gravada: “Bem devagar”, com o
conjunto vocal As Três Baianas. Na televisão, no início de 1966, passa a se
destacar em “O Fino da Bossa”, programa da TV Record apresentado pela cantora
Elis Regina, que consagra a sua composição “Louvação”. Nascia um novo e
grande compositor popular brasileiro, que consolidou parcerias com os maiores
nomes da Música Popular Brasileira.
Gil e Caetano revolucionam, com o Tropicalismo, toda a música popular
brasileira, com composições mais engajadas e políticas, ao contrário da
ingenuidade que a jovem guarda passava para a juventude de então. Em 1969 foi
exilado, juntamente com Caetano, devido a convicções políticas discordantes dos
então ditadores de plantão.
A canção “Sobre todas as coisas” é composição de Chico Buarque e Edu
Lobo de 1982 e foi composta para o balé “O grande circo místico”.
Cauby Peixoto Barros nasceu em Niterói RJ em 10 de Fevereiro de 1934.
De família de artistas populares. Estudou num colégio de padres salesianos no
Rio de Janeiro RJ, e já no tempo de estudante cantava no coral da igreja. Mais
tarde, quando trabalhava no comércio, apresentou-se no programa de calouros da
Rádio Tupi, Hora dos Comerciários, patrocinado pelo SESC e dirigido pela pianista
Babi de Oliveira, conseguindo então chamar a atenção da Revista do Rádio, em
1949. Sua imagem foi forjada para agradar: vestindo-se de maneira extravagante
para a época, e colocando trinados e versos inexistentes em suas canções, criou
um tipo diferente, obtendo sucesso imediato. Em 1993 foi o grande homenageado,
ao lado de Ângela Maria, no Prêmio Sharp de Música. Em 1996, foi lançada pela
Columbia caixa com 2 CDs abrangendo suas gravações de 1953 a 1959, com
sucessos como Conceição.
A canção “Camarim” é uma composição com letra de Hermínio Bello de
Carvalho e música de Cartola.
Orlando Garcia da Silva, cantor. Y 3/10/1915, Rio de Janeiro, RJ ~ V
7/8/1978, Rio de Janeiro, RJ, por isquemia (derrame) cerebral.Filho de José
Celestino da Silva, exímio violonista mas que Orlando não chegou a ver tocar pois
morreu em 1918 (Gripe Espanhola) e de Balbina Garcia Silva. Apesar de nunca ter
estudado música e ser extremamente tímido, desde pequeno era atraído pelo
canto. Chegou a cantar em circos, clubes, restaurantes e cinemas. Em 1934,
apresentado pelo compositor Bororó, estreou na Rádio Cajuti (Tijuca ao contrário)
no programa de Francisco Alves, o qual ajudou-o muito em sua carreira. Gravou
seu primeiro disco na Colúmbia com o samba Olha a baiana (Kid Pepe e
Germano Augusto Coelho) e a marcha Ondas curtas (Kid Pepe e Zeca Ivo),
ambas para o carnaval de 1935. Seu segundo disco foi feito neste mesmo ano na
RCA Victor, onde permaneceu até 1942. Este foi o período de ouro em sua
carreira.Quando esteve em São Paulo em 1938 e cantou para um público de 10
mil pessoas, o radialista Oduvaldo Cozzi lhe atribuiu o "slogan" de "O Cantor das
Multidões".
Em 7 de agosto 1978 faleceu no Hospital Gaffrée Guinle e foi
sepultado no Cemitério São João Batista. O público participou do cortejo entoando
a valsa Carinhoso.
A canção “Faixa de cetim” de 1962 é composição de Ary Barroso.
Milton Nascimento nascido no Rio no dia 26 de outubro de 1942, foi para
Três Pontas (MG) com menos de dois anos de idade, na companhia dos pais
adotivos. Portanto, mesmo sendo carioca, tornou-se conhecido como o principal
responsável pela projeção da moderna música de Minas Gerais. Desde cedo tinha
consciência de sua voz extraordinária e começou aos 13 anos como crooner,
profissão que buscou resgatar recentemente com o CD "Crooner", de 1999. Em
1998 ganhou o Grammy na categoria World Music com seu disco "Nascimento".
A canção “O que será?” ou “À Flor da pele” é composição de Chico
Buarque de Hollanda de 1976.
Roberto Carlos Braga é capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, nascido no
dia 19 de abril de 1941. Aos 9 anos já chamava a atenção na rádio local imitando
o cantor Bob Nelson. Aos 12 mudou-se para Niterói com a família, e começou a
fazer amizades com outros rapazes que gostavam de música, especialmente o
rock'n'roll que vinha dos Estados Unidos. Em 1957 formou com alguns amigos,
inclusive Tim Maia, o conjunto "Os Sputniks". No ano seguinte já era integrante do
"The Snakes", junto com Erasmo Carlos. Com esse grupo chegou a participar do
programa Clube do Rock, de Carlos Imperial, na TV Continental. Gravou alguns
compactos no final da década de 50 e em 1961 lançou o primeiro LP, "Louco por
Você". A partir daí passou a investir, com apoio da gravadora CBS, no incipiente
mercado de música jovem. Para isso juntou-se ao amigo Erasmo e passou a fazer
versões e compor músicas como "Splish Splash", "O Calhambeque", "É Proibido
Fumar" e outras que visavam ao filão juventude transviada, criando o primeiro
movimento de rock feito no Brasil. Em 1965 estreou, ao lado de Erasmo e
Wanderléa, o programa Jovem Guarda, na TV Record, que daria nome ao
movimento. Desde 1961 conseguiu a incrível façanha de lançar um disco inédito
por ano, interrompida apenas em 1999 por causa da doença de sua então esposa,
Maria Rita, que viria a falecer. Nos últimos anos esse lançamento acontece
invariavelmente no Natal. Seus discos já venderam milhões de cópias e bateram
recordes de vendagem (em 1994 bateu a marca de 70 milhões de discos
vendidos). Fez milhares de shows em centenas de cidades, no Brasil e no exterior.
Seu fã-clube é um dos maiores de todo o mundo.
A canção “A madrasta” ou somente “Madrasta” é composição de Beto
Ruschel e Renato Teixeira de 1968, está no disco “O inimitável” pela gravadora
CBS.
João Bosco nasceu no dia 13 de julho de 1946 em Minas Gerais.
Começou a tocar violão aos 12 anos, incentivado pela família cheia de
músicos.Anos mais tarde vai para a faculdade de engenharia Metalúrgica em Ouro
Preto, e, sem abandonar os estudos, dedica-se à música, atraído principalmente
pelo jazz, bossa nova e tropicalismo. Um de seus primeiros parceiros foi Vinicius
de Moraes, que o encorajou a ir para o Rio de Janeiro. Algumas músicas da dupla
são "Rosa dos Ventos", "Samba do Pouso" e "O Mergulhador". Em 1971 conhece
o letrista Aldir Blanc, com quem faria uma série de geniais parcerias ("Bala com
Bala", "De Frente pro Crime", "Kid Cavaquinho", "Caça à Raposa", "Falso
Brilhante", "O Rancho da Goiabada"). No ano seguinte termina a faculdade e se
radica no Rio de Janeiro, onde grava sua primeira música, "Agnus Sei" (parceria
com Aldir) no lado B do Disco de Bolso lançado por "O Pasquim" que lançava
"Águas de Março", de Tom Jobim. No Rio compõe muito com Aldir Blanc, e várias
dessas parcerias se tornam clássicos atemporais na voz de Elis Regina, como
"Mestre-sala dos Mares", "Dois pra Lá, Dois pra Cá" e "O Bêbado e a Equilibrista",
que se torna um hino informal da anistia política. Na década de 70 lança discos
solos que o destacam como violonista virtuose, elogiado por ases como o inglês
John McLaughin, e compositor. Nos anos 80 e 90, depois de encerrar sua parceria
com Aldir Blanc, passa a atuar mais freqüentemente como cantor, e encontra
outros parceiros como Capinam ("Papel Machê", outro grande sucesso), Waly
Salomão e Antônio Cícero ("Holofotes"), além do filho poeta, Francisco Bosco,
com quem compôs as faixas do disco "As Mil e Uma Aldeias". Em 1998 compôs a
trilha para o balé "Benguelê", do Grupo Corpo, apresentado no Rio, São Paulo,
Belo Horizonte e em festivais internacionais.
A canção “Rio de Janeiro” ou “Samba do avião” é composição de Tom
Jobim de 1962.
Dalva de Oliveira nasceu no dia 05 de maio de 1917 em Rio Claro (SP),
seu pai era saxofonista amador e clarinetista e a menina acompanhava o conjunto
do pai em serenatas e bailes. Na década de 30 formou o Trio de Ouro com Nilo
Chagas e Herivelto Martins, com quem acabou casando. O grupo emplacou
clássicos como "Praça Onze" (Herivelto/ Grande Otelo) e "Ave Maria no Morro"
(Herivelto). Trabalhou nas principais rádios da então capital do país, cantou no
famoso Cassino da Urca. Em 1951 foi eleita Rainha do Rádio e excursionou pela
Argentina e Europa. Em 1997, a EMI lançou uma caixa com suas principais
gravações, intitulada "A Rainha da Voz".
A canção “Poeira do chão” é composição de Armando Cavalcanti e Klécius
Caldas de 1952.
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