comportamento feminino em relação ao corpo

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ISSN: 2316-3992
COMPORTAMENTO FEMININO EM RELAÇÃO AO CORPO:
PERCEPÇÕES, COBRANÇAS E MÉTODOS DE
CONSTRUÇÃO DO CORPO PERFEITO
Camila de Souza Alves¹
Thelma Lucchese-Cheung²
Resumo
A percepção corporal que um indivíduo tem de seu próprio corpo e do corpo de outros indivíduos se relacionam com os padrões de beleza impostos pela sociedade e com a busca por métodos de cuidados com o corpo,
recaindo principalmente sobre o gênero feminino. Utilizar o método qualitativo com a realização de um grupo
focal com mestrandas de uma universidade pública e analisar seus discursos através de uma análise de conteúdo
pode contribuir para o entendimento do problema de pesquisa: qual a opinião de um grupo de mestrandas sobre
questões corporais? O trabalho tem como objetivo geral verificar a percepção que as mestrandas tem do corpo
na sociedade e como objetivos específicos: a) verificar se as participantes percebem cobranças sociais referentes
ao corpo; b) apresentar a opinião das mestrandas sobre métodos de cuidado com o corpo.
Palavras-chave: Percepção; Comportamento; Corpo.
Resumen:
La percepción del cuerpo que un individuo tiene de su propio cuerpo y del cuerpo de los otros se refieren a los
cánones de belleza impuestos por la sociedad y la búsqueda de métodos para el cuidado del cuerpo, más pesada
sobre las mujeres. Utilizando el método cualitativo con la realización de un grupo focal con mestrandas de una
universidad pública y las análisis de sus discursos con el uso de una análisis de contenido puede contribuir con
la comprensión del problema de investigación: cuál la opinión de un grupo de mestrandas acerca de cuestiones
del cuerpo? El estudio tiene como objetivo verificar la percepción que las mestrandas tienen del cuerpo en la
sociedad y como objetivos específicos: a) verificar si las participantes perciben cargos sociales relacionadas con
el cuerpo; b) presentar la opinión de las mestrandas acerca de los métodos de cuidado del cuerpo.
Palabras-Clave: Percepción; Comportamiento; Cuerpo.
¹ Mestra em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. [email protected]
² Professora do Programa de Pós Graduação em Administração da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. thelma.
[email protected]
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INTRODUÇÃO
A imagem corporal é uma construção sobre como o indivíduo percebe seu corpo ou o de outras pessoas,
uma mistura dos aspectos biológicos, físicos, sociais, antropológicos, históricos e de todos os aspectos que possam influenciar a forma como o corpo é percebido, individual ou socialmente. Assim como os padrões de beleza
que podem variar entre diferentes culturas e marcos temporais, o corpo pode ter diferentes significações e ser
observado de diferentes maneiras.
Como o corpo pode ser visto como uma identidade social as pessoas tendem a se submeter a transformações
para se adequar ao grupo ao que pertencem ou que no qual desejam ingressar, seja através de dietas alimentares, atividades físicas, cirurgias plásticas estéticas ou serviços em clínicas de estética. A representação social que
um individuo possui sobre um objeto ou uma situação está ligada a sua vida como um todo, é uma espécie de
mapa mental que o indivíduo forma. Teoricamente a representação social é um meio de compreender como os
indivíduos recebem estímulos do ambiente.
A percepção que um indivíduo tem de seu próprio corpo e dos corpos de outros indivíduos terá como base
a forma como ele representa a imagem corporal em sua própria mente. Ou seja, embora em um primeiro momento a visualização seja do corpo físico do indivíduo a percepção será relacionada a representação que se tem
do corpo enquanto identidade.
Determina-se como problema de pesquisa: qual a opinião de um grupo de mestrandas sobre questões corporais? O objetivo geral do trabalho é verificar a percepção que as mestrandas tem do corpo na sociedade.
Como objetivos específicos determinam-se: a) verificar se as participantes percebem cobranças sociais referentes
ao corpo; b) apresentar a opinião das mestrandas sobre métodos de cuidado com o corpo.
Utiliza-se uma metodologia qualitativa, com a realização de um grupo focal no mês de novembro de 2012,
do qual participaram 8 mulheres, entre 23 e 28 anos, matriculadas regularmente em cursos de mestrado da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – mestrado em Administração e mestrado em Eficiência Energética.
Após a realização do grupo focal as declarações são transcritas e se utiliza uma análise de conteúdo.
A escolha por um grupo de mulheres se justifica na maior vulnerabilidade feminina em questões referentes ao
corpo e a cobrança social para estar de acordo com um padrão de beleza pré-determinado como sendo o ideal,
com isso a tendência é que mulheres sejam maioria na busca por métodos de cuidados com o corpo.
REPRESENTAÇÃO SOCIAL
Como a representação social é um meio de obtenção de conhecimento a respeito do mundo, que consiste
em grupos criando e compartilhando seus conceitos sobre o que ocorre, pode ser considerada como um sistema
de auxílio para a compreensão da realidade e também na forma de organizar e orientar como as pessoas agem
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em sociedade. O senso comum pode então produzir conhecimento, uma vez que a sociedade pode produzir e
comunicar representações (MOSCOVICI, 1981; XAVIER, 2002).
Para Jodelet (2002) a definição de representação social aponta para o conhecimento através de elaboração
social que é compartilhada e que permite construir uma espécie de realidade adequada ao meio social. Observa-se então que a representação social está atrelada a condições sociais que podem diferir de acordo com
simbolismos e costumes, permitindo diferentes representações para mesmos objetos e/ou situações.
Moscovici e Nemeth (1974, p.48), alegam que “as representações sociais são conjuntos dinâmicos, seu status é o de uma produção de comportamentos e relações com o meio, o de uma ação que modifica uns e outros,
e não o de uma reprodução”. As representações sociais não são meras cópias da realidade, mas sim espécies
de adaptações que dependem do cenário em que ocorrem e de fatores intrínsecos aos indivíduos.
A criação das representações sociais não ocorrem isoladamente pelos indivíduos, de acordo com Jodelet
(p.78, 2009) essa construção envolve o “jogo das emoções, dos afetos, dos sentimentos, dos desejos, do imaginário, e dos fatores identitários”, e isso exige cuidado no estudo do consumidor, pois este pode estar sendo
influenciado pela sociedade que o cerca. Ou seja, a representação social é constituída coletivamente e sua subjetividade é compartilhada entre o grupo que possui certos pontos em comum que podem levar a uma mesma
representação.
PERCEPÇÃO CORPORAL
Para Schiffman e Kanuk (2000, p.103), “a percepção é definida como o processo pelo qual um indivíduo
seleciona, organiza e interpreta estímulos visando a um quadro significativo e coerente do mundo”. Quanto a
percepção corporal tem-se a definição de Slade (1988) de que a imagem corporal é a representação que o
individuo tem da imagem do próprio corpo, tanto da forma quanto do tamanho.
Além de se relacionar com aspectos perceptuais e com os sentimentos gerados pelo corpo e com o que sentimos por ele. A imagem que o indivíduo tem de seu corpo vem de sua mente, estando então ligada ao que este
constitui em seu pensamento (SCHILDER, 1999; DALGALARRONDO, 2000).
Para Brandini (2007), tanto em eras primitivas quanto nos períodos mais modernos, é comum que a sociedade coloque no corpo marcas do momento, sejam sociais, históricas, ou culturais. Com o desenvolvimento
tecnológico, métodos como lasers, plásticas, implantes, e diversos outros, são utilizados para que o corpo esteja
de acordo com o que for considerado belo pela cultura vigente.
As diferentes cobranças da sociedade em relação ao gênero podem estar associadas ao papel social que
recai sobre homens e mulheres, Carneiro (1994, p.187) apresenta a identidade como sendo uma espécie de “resultado de um processo histórico-cultural. Nascemos com uma definição biológica, ou seja, homens e mulheres.
(...) é também algo que se constrói em oposição a alguma coisa, pressupondo, portando, o outro”.
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Bourdieu (2005) diz que as mulheres se tornam frágeis devido a dominação masculina e com isso passam
a ser inseguras e dependentes, visto que se preocupam com o que os outros irão pensar ao olhar para elas. As
mulheres passam então a ver as diferenças entre o ideal e o real e buscam se adequar aos modelos mais aceitos
socialmente.
PADRÕES DE BELEZA E COMPORTAMENTO DE CONSUMO
Para Brandini (2007) discutir se um padrão é correto não deve ser o foco da atenção da sociedade, pois historicamente a beleza estética sempre foi imposta as mulheres, muitas vezes lhes sacrificando, como por exemplo o
modelo de beleza que levava africanas a buscar o alongamento de seus pescoços, ou as índias brasileiras a furar
e alongar seus lábios. Observa-se então que a representação social do corpo e suas padronizações ocorrem em
diferentes tempos e sociedades.
Houve períodos históricos em que as pessoas eram levadas a acreditar que não tinham poder sobre os seus corpos. Mas de acordo com Baudrillard (1995) a era capitalista alterou essa situação, e fez com que as pessoas fossem
levadas a tomar posse de seus corpos. Malysse (2002) diz que com o tempo o corpo ganhou sentido comercial, e
as pessoas buscam um corpo social, de acordo com as imagens normatizadas como tendo um valor elevado.
Para Solomon (2011, p.33) o comportamento do consumidor “é o estudo de processos envolvidos quando
indivíduos ou grupos selecionam compram, usam ou descartam produtos, serviços, ideias ou experiências para
satisfazer necessidades e desejos”. Os comportamentos adotados por mulheres que buscam moldar seus corpos
através de regimes, cirurgias plásticas e outros tipos de métodos recebe por Lambert et al (2005) o nome de
preocupações diestéticas (preocupações estéticas e preocupação dietéticas).
Queiroz e Ota (2000) observam que um corpo sem transformações pode ser considerado como um simples
objeto. Os indivíduos se vêem então tentados a mudar sua aparência para estar de acordo com um grupo que
admiram, ao qual pertencem ou querem pertencer. Transformações corporais se tornam sinônimos de busca por
uma identificação com a sociedade.
METODOLOGIA
Para o enfoque que se deseja ter em relação ao tema pesquisado, determina-se o uso uma metodologia qualitativa. De acordo com Creswell (2007), este tipo de método se baseia na utilização de conhecimentos diversos,
técnicas para investigar o assunto, e coleta e análise de informações importantes para o desenvolvimento do
trabalho.
O trabalho tem como base para sua análise de dados um grupo focal, este é um método que necessita de
um líder para estimular os participantes, visto que seu uso ocorre quando existe a intenção de observar as ações
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e os pensamentos de pessoas ao serem solicitadas a opinar sobre algum tema estando em um grupo de pessoas
(GIOVINAZZO, 2001; COLLIS E HUSSEY, 2005).
O grupo focal foi realizado no mês de novembro de 2012 nas dependências da UFMS e contou com a participação de 8 mulheres, entre 23 e 28 anos, matriculadas regularmente em cursos de mestrado da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul – mestrado em Administração e mestrado em Eficiência Energética, o grupo focal
foi gravado e posteriormente transcrito e analisado.
Por se tratar de uma amostra escolhida por conveniência as participantes foram previamente convidadas para
fazer parte do grupo focal em local e hora definidos, entre as participantes uma é de nacionalidade americana e
veio para o Brasil estudar, como está adaptada ao país e ao idioma não foi registrado nenhum problema.
O tamanho e a homogeneidade do grupo se baseiam nas informações de Vergara (2006), que define que as
participantes devem ter características em comum e que o número de participantes deve ser entre 6 e 8. A autora
pontua ainda que após a realização do grupo e da transcrição das declarações devem-se registrar os dados em
categorias temáticas, por isso os resultados do trabalho são divididos em: corpo ideal, cobrança social e métodos de cuidado com o corpo.
Para analisar os dados transcritos após o grupo focal é utilizada uma análise de conteúdo, que de acordo
Bardin (2002, p.38) consiste em “(...) um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. Utilizar a análise dá acesso a informações que podem ou não estar claras e são extraídas após a coleta de dados.
Para preservar a identidade das participantes do grupo focal as declarações são apresentadas sendo relacionadas a uma letra e um número, no caso a letra P de participante e números de 1 a 8.
CORPO IDEAL
O padrão de beleza feminino passa por transformações, como dizem Malysse (2002) e Brandini (2007), ao
longo dos anos diferentes tamanhos, formas e transformações foram atribuídas a padronização de um corpo
ideal. Além disso, cada indivíduo interpreta as questões corporais de acordo com representações que forma ao
longo de sua vida e nem sempre essas estarão de acordo com padrões impostos socialmente.
Eu era muito magra até os 25 anos, pesava 46kg, 48kg, pra mim isso era
muito magra e eu me achava muito feia magra. Por isso, quando eu engordei
não liguei tanto porque tava mais gorda. Hoje, o meu padrão de beleza não é
uma mulher super magra, é uma mulher que tem perna grossa, que tem bunda
grande, e que tem pouca barriga (P5, 28 anos).
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A associação do corpo ideal com a questão da saúde fica evidente nas declarações das participantes do
grupo focal quando estas são questionadas sobre o que consideram como um corpo ideal, entretanto se para
algumas o ideal é um corpo saudável, para outras isso pode não ser o suficiente.
Para mim o corpo ideal é o saudável, magro. É não ter diabetes, colesterol
alto, hipertensão, essas coisas (P3, 23 anos).
Eu tenho uma vizinha que ela é muito gorda, e ela não tem absolutamente
nada que a maioria dos gordos tem, eu poderia dizer que ela é saudável, tranquila com ela mesma. Então por esse aspecto vendo que ela não tem nenhuma
doença que se desenvolva a partir da gordura ela é uma mulher saudável, mas
eu acho que só o fato de ser saudável pra mim é pouco, eu acho que se eu estivesse como a minha vizinha eu não estaria contente. O padrão de beleza que,
na minha concepção, a sociedade cobra é aquele padrão de manequim, de
modelo, mas pra mim não é! (P5, 28 anos).
As diferentes representações que podem ser criadas sobre o mesmo objeto ou situação pode ser observada
em questões como a forma de se vestir, Malysse (2002) realiza um paralelo na forma como francesas e brasileiras se vestem, as primeiras tem como principal preocupação obter uma aparência melhor na hora da escolha
da roupa, já as mulheres brasileiras não se importam em expor seus corpos, considerando a roupa como um
ornamento a sua beleza. Essa diferença que pode ocorrer na forma como lidar com o corpo em diferentes países
pode ser vista na declaração de uma das participantes.
Eu acho que as mulheres brasileiras são muito femininas, e usam bastante
roupas que mostram mais o corpo, mais apertadas, atraindo atenção. Por exemplo, se você usa esses tipos de roupa nos Estados Unidos, principalmente no trabalho ou na escola, fica bem estranho. Lá a roupa de academia não é apertada
ou bonitinha, pode ser uma camiseta frouxa, não é camiseta bonitinha apertada,
é frouxa, tipo estilo homem mesmo, com short, tênis... ninguém vai notar, vai ser
normal (P2, 26 anos).
Durante o grupo focal as participantes foram expostas a duas imagens, a primeira era de uma pessoa magra
e a segunda imagem de uma pessoa gorda, mostrar essas imagens teve como intenção levar as participantes a
declarar qual a sensação que tinham ao ver pessoas com corpos distintos. Novamente é possível observar nas
declarações das participantes a associação entre o corpo magro e aspectos com saúde e beleza.
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Quando eu vejo a primeira imagem eu vejo a primeira mulher mais magra,
eu vejo uma pessoa indo pra academia, uma pessoa preocupada. Você vê a
pessoal saudável, tem que ter saúde (P2, 26 anos).
Acho que é uma questão de se sentir bem, por exemplo, com a segunda
imagem (corpo gordo) é difícil você se sentir bonita, se você coloca uma blusa
apertada, tudo vai fica pulando pra fora. Se você coloca uma blusa grande que
tampa tudo, você parece maior do que você é. Então, acho que fica difícil você
se sentir bem com o que você veste e se você não se sente bem, você não se
sente aceita pelos demais, eu acho que é isso (P7, 25 anos).
Ao observar as questões referentes ao corpo ideal é possível detectar uma espécie de cobrança social, se
considerarmos que o corpo ideal, no caso um corpo mais magro, é associado a saúde e beleza, enquanto um
corpo mais gordo gera nas pessoas sensação de exclusão por nem sempre conseguirem se sentir aceitas.
COBRANÇA SOCIAL
Le Breton (2006) observa que a preocupação com o própria corpo está associada a opinião de outras pessoas, por isso existe uma busca por juventude e boa aparência. Teixeira et al (2007) diz que existe uma tendência
entre as mulheres de buscarem estar mais jovens. E nas declarações das participantes do grupo focal pode-se
encontrar uma concordância sobre essa cobrança que recai sobre as mulheres.
Eu acho que a mulher é muito cobrada em vários sentidos, não só na questão
estética, a mulher tem que ser boa mãe, boa esposa, bonita, tem que ser jovem,
tem que dar conta de casa, tem que ser magra, tem que ser inteligente, tem que
ser qualificada! Hoje existe uma cobrança excessiva, e é cultural isso, obrigam
a gente a ser magra e a entrar nos padrões. Ou a pessoa segue um padrão ou
ela é um bicho esquisito, é criticada, é afastada! Eu tenho essa sensação (P1,
28 anos).
Para Lipovetsky (2000) a partir dos anos 60 a mídia passou a utilizar modelos jovens e esportes e atividades
relacionados a praia passaram a apresentar roupas mais justas e curtas, determinando assim um padrão de
corpo magro.
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Somos cobradas até pelas revistas quando aparecem aquelas mulheres maravilhosas na capa e a gente tentando chegar lá... (P8, 24 anos).
A cobrança imposta as mulheres, ainda que de forma indireta, acentua a vulnerabilidade feminina. As mulheres se vêem em situações nas quais se não estão de acordo com o padrão de beleza determinado e induzido
pela sociedade, experimentam sensações como frustração e discriminação.
A mulher se preocupa muito com a questão da estética, a mulher quer estar
bonita sempre! (P3, 23 anos).
E quer estar bonita para as outras mulheres! (P8, 24 anos).
Para Etcoff (1999) pode-se fazer uma associação entre beleza e bondade, por outro lado o que não for considerado como belo estará relacionado ao que é ruim. Uma opinião criada com base na aparência física de um
indivíduo pode gerar olhares que causem em pessoas que estão fora do padrão social de beleza um sentimento
de exclusão social.
Se você esta andando na rua e passa uma gordinha e corta a frente do seu
carro, você diz ou pensa: tinha que ser essa gorda! Mas nunca você vai dizer: tinha que ser essa magra! E é verdade isso, estou sendo sincera! Quando a gente
quer ofender a pessoa a gente vai naquilo que está fora dos padrões, que chama
a atenção porque é diferente (P1, 28 anos).
Tem a questão da roupa para a pessoa que é um pouco mais gorda também,
por exemplo, nada fica bom, tem que ser aquela roupa que não chama muita
atenção, que esconde tudo, que não seja muito apertada (P8, 24 anos).
Eu acho que isso é materializado no mercado, por exemplo, as portas de
banheiro de shopping são extremamente pequenas, então se você é um pouco
mais cheinha você não entra, é assim no avião, no cinema... Então está materializado em tudo, em tudo, se você não for pequena você não cabe nem na
cadeira! (P7, 25 anos).
Como definiu Jodelet (2002), a representação social mostra o conhecimento elaborado e compartilhado so-
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cialmente, construindo uma realidade que se enquadra com o meio social. No caso da participante P2 podemos
ver a posição de uma pessoa de outra nacionalidade, que sabe como são as coisas no seu país de origem, mas
já enxerga isso com os olhos da cultura brasileira.
Eu sempre sofri muito com isso, eu sempre fui a criança que era a gordinha,
a que era humilhada na sala, meu trauma com a minha escola foi isso, eu era
inteligente, eu tirava boas notas, mas eu era gorda. Então, olhar a imagem da
mulher gorda começa a passar toda a minha vida na minha cabeça, tudo o que
eu sentia (...) para mim, ver essa imagem é, na verdade motivador, é do tipo:
guarda essa bala, esse chocolate, porque você vai voltar a isso aí e você vai viver
tudo aquilo de novo, exatamente assim. A gente tenta mudar o que a gente viveu
(P4, 23 anos).
Mas eu acho uma coisa interessante, por exemplo, lá nos Estados Unidos,
as pessoas tem ficado mais gordas nos últimos anos e eu vejo que lá a cultura
meio mudou, e começou a aceitar tudo isso. As pessoas são gordas e não tem
preconceito, colocaram manequins maiores nas lojas, com roupas um pouquinho
maiores. Só que eu acho que talvez tenha sido ir de um extremo ao outro, aceitando demais, falando que está tudo bem. Não é todo mundo que tem problema
de ser gordo, mas chega um ponto que você tem que se preocupar em ter uma
vida saudável, de alimentação e de esporte (P2, 26 anos).
A busca pelo corpo ideal, a cobrança social em relação a estar de acordo com um padrão de beleza prédefinido ou a simples vontade de estar bem podem levar indivíduos a buscar métodos de cuidado com o corpo,
seja uma atividade física ou a busca por serviços mais invasivos que prometem transformações corporais.
MÉTODOS DE CUIDADO COM O CORPO
Durante o grupo focal as participantes foram indagadas sobre métodos de cuidado com o corpo, mais especificamente sobre clínicas de estética devido ao crescente número de clínicas de estética na cidade de Campo
Grande. É possível observar nas declarações das participantes um desejo de conhecer os serviços destas clínicas,
bem como o conhecimento de pessoas que já utilizaram o serviço e aprovaram.
Eu prefiro fazer atividade física, mas ultimamente eu parei e estou sedentária
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mesmo, talvez eu iria a uma clínica para ver como é (P6, 23 anos).
Uma amiga minha fez e ela disse: como eu sobrevivi tanto tempo sem isso?
Ela falou que ela saia de lá relaxada, renovada se sentindo melhor (P5, 28 anos).
As menos invasivas, como drenagem, ultrassom, acho que nenhuma delas
traz nenhum problema, então eu faria (P4, 23 anos).
De modo geral as propagandas dessas clínicas de estética apresentam corpos magros e modelados para
atrair a atenção para as possibilidades de modelamento corporal oferecidas, bem como apresentam suas formas
de pagamento que costumam apresentar facilidades (como parcelamento do serviço), tendo como finalidade
levar o consumidor ao uso desse tipo de serviço. Entretanto mesmo com as propagandas apresentando diversas
vantagens associadas aos serviços algumas declarações mostram receio relação ao uso desse tipo de serviço
para cuidar do corpo ou a opinião de que este método precisa ser associado a outras formas de cuidado.
É um tanto quanto perigoso essa questão de lipos, toda semana praticamente
eu vejo uma mulher que morreu porque fez em um lugar que talvez não fosse o
mais recomendado, de repente por causa da questão do preço, da facilidade de
pagamento. Tem lugar que faz em 10x sem juros, hoje em dia se parcela muito
e isso facilita. A pessoa vai fazer justamente porque cabe no bolso dela e, por
isso, ela acaba não verificando as questões de segurança que são necessárias
(P3, 23 anos).
Eu acho que esse tipo de tratamento estético pode ser conciliado com outra
atividade, como atividades físicas. Pode ser uma alternativa, mas não a única,
porque eu acho que isso não traz saúde... mas, só com a atividade física, você
pode correr o risco de não atingir aquela meta de corpo que você tem na cabeça, então esses procedimentos podem ajudar (P6, 23 anos).
Nas declarações é possível observar que em alguns casos o que define a opinião sobre as clínicas de estética
é a que o indivíduo vivência no momento, ou seja, as participantes dizem que não recorriam a esses serviços,
mas admitem que isso pode ser por acreditarem que não precisam e declaram que se um dia sentirem vontade
podem vir a buscar os serviços oferecidos por clínicas de estética.
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Essas coisas invasivas eu não faria hoje, talvez porque eu não preciso, mas
se fizer futuramente eu vou pesquisar muito se já houve no passado algum problema, alguma complicação ou alguma coisa assim na clínica. Eu vou fazer ou
eu faria no melhor lugar. E tem mais, eu acho que não adianta nada as mulheres
só pensarem “eu vou fazer lipo” e a pessoa come o ano inteiro, não lê o rótulo
das coisas, come desesperadamente e depois, para ir pra praia vai lá e faz uma
lipo. Tem gente que é assim, tem gente que não pensa nas ações! (P8, 24 anos).
Eu sou uma pessoa que levanta a bandeira contra esse tipo de procedimento, porque eu acho que as pessoas tem que ser saudáveis. Eu sou contra essa
ditadura da magreza, da beleza, acho importante ser magra, ser saudável, mas
para mim o corpo é a morada da alma, não deve ser um objeto de obsessão
das pessoas, tem coisas mais importantes na vida pra gente se preocupar. Não
é nem por ser perigoso, eu acho que o envelhecimento é um processo natural e
que todos nós vamos passar por ele, isso é uma consequência natural da vida e
quem quer chegar a idade de pessoa idosa tem que passar por isso, é normal,
é natura. A gente tem que procurar passar da forma mais saudável, estando
melhor consigo mesmo, não sendo escravo desses procedimentos, eu sou bem
contra isso, mas é uma opinião, digamos assim, bem isolada. Eu brigo até com
a minha mãe por causa disso, porque ela procura essas clínicas. Mas vai saber,
quem sabe com a idade dela eu passe a me preocupar e vá a esses lugares
também (P1, 28 anos).
As declarações sobre os métodos de cuidado com o corpo oferecido por clínicas de estética mostram que as
participantes tem diversas opiniões que podem ser guiadas por conhecerem a opinião de outras pessoas que já
utilizaram os serviços dessas clínicas, por acompanhar notícias relacionadas a isso na mídia ou por uma questão
pessoal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As questões corporais estão presentes no dia-a-dia da sociedade, em forma de cobranças, sejam elas abertas
ou veladas, na exclusão de pessoas que não podem escolher qualquer roupa para usar porque correm o risco
de ser julgadas pelo seu aspecto físico, no aumento do oferecimento de serviços que prometem moldar o corpo
para que ele fique mais próximo do padrão de beleza, entre outras situações corriqueiras que vem à tona durante
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a realização de trabalhos relacionados ao corpo.
As declarações apontam para uma maior vulnerabilidade feminina, para as participantes do grupo focal a
mulher é mais cobrada para estar dentro do padrão estabelecido para a sociedade e também é mais criticada
quando não está dentro deste padrão. Além disso, as mestrandas consideraram que a mulher se preocupa mais
em estar bonita e com questões de estética.
A estigmatização negativa de pessoas que estão fora dos padrões definidos como ideais e belos é vista em
declarações nas quais as mestrandas apresentam situações em que pessoas que estão fora do padrão social
passam por momentos desconfortáveis, sendo observadas com outros olhos e não tendo tantas possibilidades de
escolha quanto as pessoas que estão de acordo com o que é cobrado pela sociedade.
Em relação ao uso de clínicas de estética como método de cuidar o corpo, as declarações apresentaram
algumas condições que as mestrandas tem sobre o uso desse tipo de serviço, seja por medo ou por não acreditar que sozinhos eles possam alcançar o resultado desejado, mostraram que mesmo com diversas propagandas
mostrando vantagens associadas a esses serviços podem existir opiniões contra o seu uso, mas também permitiram observar que existe curiosidade de utilizar esse tipo de serviço desde que sejam métodos menos invasivos e
que se tenha conhecimento da qualidade do estabelecimento escolhido.
Como sugestão para trabalhos futuros apresenta-se a possibilidade de realizar mais grupos focais para comparar as declarações de mestrandas e também a realização de grupos focais com outros grupos de mulheres, e
até mesmo de homens, para analisar essas questões com outros grupos amostrais.
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