UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM VANESSA FABÍOLA SILVA DE FARIA MINHA VOZ, TUA VOZ, NOSSAS VOZES: UMA ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA EM ARTIGOS ACADÊMICOS/ CIENTÍFICOS Natal/RN 2015 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM VANESSA FABÍOLA SILVA DE FARIA MINHA VOZ, TUA VOZ, NOSSAS VOZES: UMA ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA EM ARTIGOS ACADÊMICOS/ CIENTÍFICOS Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande Norte como requisito parcial para a obtenção do título de doutor. Linha de Pesquisa: Estudos Linguísticos do Texto Área: Linguística Orientadora: Profª Drª Maria das Graças S. Rodrigues Natal /RN 2015. VANESSA FABÍOLA SILVA DE FARIA MINHA VOZ, TUA VOZ, NOSSAS VOZES: UMA ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA EM ARTIGOS ACADÊMICOS/ CIENTÍFICOS FOLHA DE APROVAÇÃO Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande Norte como requisito parcial para a obtenção do título de doutor. Linha de Pesquisa: Estudos Linguísticos do Texto Data da sessão de defesa e arguição: 14 de dezembro de 2015. BANCA EXAMINADORA ____________________________________________ Profª Drª Maria das Graças Soares Rodrigues – UFRN Orientadora – Presidente ______________________________________________ Profª Drª Josilete Alves Moreira de Azevedo – UFRN Examinador Interno ______________________________________________ Profª Drª Sulemi Campos Fabiano – UFRN Examinador Interno ______________________________________________ Prof. Dr. Francisco Alves Filho - UFPI Examinador Externo ______________________________________________ Profª Drª Maria Eduarda Giering – UNISINOS Examinador Externo Seção de Informação e Referência Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede Faria, Vanessa Fabíola Silva de. Minha voz, tua voz, nossas vozes: uma análise da responsabilidade enunciativa em artigos acadêmicos / científicos / Vanessa Fabíola Silva de Faria. - Natal, 2015. 260 f. : il. Orientadora: Drª Maria das Graças Soares Rodrigues. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas Letras e Arte – Departamento de Letras. Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem. 1. Responsabilidade Enunciativa - Tese. 2. Ponto de Vista - Tese. 3. Posturas Enunciativas - Tese. 4. Gênero Discursivo/Textual Artigo Científico - Tese. I. Rodrigues, Maria das Graças S. II. Título. RN/UF/BCZM CDU 81’42 À minha mãe, que já não sabe mais quem ela ela é, mas me fazia lembrar de quem eu deveria ser, sempre. À melhor parte de mim, ontem, hoje e amanhã: à minha mãe e ao meu pai. Aos meus filhos. Às minhas irmãs e irmãos. Porque só vocês poderiam fazer de mim o que sou. Com vocês e por vocês a vida foi muito mais leve e fácil de ser vivida. Porque só vocês poderiam ver o que há de melhor em mim e me ajudaram, desde sempre, a trazê-lo à tona. AGRADECIMENTOS Agradeço, em primeiro lugar, e muito especialmente, a minha orientadora, profª Drª Graça Soares Rodrigues, que sem saber quem eu era, de onde vinha e quais frutos eu poderia ofertar, aceitou-me graciosamente, e tão pacientemente como graciosamente deu-me a liberdade necessária para eu descobrir meus caminhos, enfrentar meus embates, descobrir aonde os caminhos da pesquisa poderiam me levar. Comparo sua atuação à conduta da mãe amorosa, preocupada, mas não sufocante: o filho pode sair e voltar na hora em que quiser, ela dá este espaço, mas fica, de longe, vigiando, para ter certeza de que o filho não está tropeçando, e ao menor sinal de tropeço, o socorro estará ao alcance das mãos. Aos professores drs. Neide Luzia de Rezende e Valdir Heitor Barzotto, orientadora do mestrado e professor da licenciatura, por me ensinarem os primeiros caminhos das pedras, pela trajetória na atividade de pesquisa, meu muito obrigada. Aos professores drs. João Gomes da Silva Neto e Luiz Passeggi, por toda a contribuição, tanto nas disciplinas quanto nos encontros de comunicação de pesquisa: não tenho como lhes agradecer. Ao professor dr. Clemilton Pinheiro, porque sempre tinha um conselho e um ponto de vista crítico, às vezes ácido, mas necessário para que essa pesquisa tomasse o rumo que tomou, meu muito obrigada. À professora Sulemi Fabiano Campos, por toda a generosidade demonstrada nestes anos de amizade, pelos aconselhamentos, pelas contribuições inestimáveis na banca de qualificação: nenhum “muito obrigada” neste mundo poderá traduzir adequadamente minha gratidão. À Pró Reitoria de Pós Graduação e Pesquisas da UNEMAT, pelo afastamento remunerado que me permitiu o tempo necessário para “digerir” os elementos básicos desta pesquisa. Aos colegas professores do departamento de Letras da UNEMAT – campus de Pontes e Lacerda, pela amizade, companheirismo e apoio: meu muito obrigada. Aos colegas do grupo da ATD (Análise Textual do Discurso), foram tantos os risos, as angústias, as conquistas, ficaram todos gravados na memória, bem como a certeza de que eu não chegaria até aqui sem vocês. Pretendo nomeá-los, sei que corro o risco de a memória não me ajudar e, por isso, ser injusta, deixando escapar alguém. Se acaso acontecer, me perdoem, amigos, a tarefa, uma vez findada, esgotou-me as energias: Aloma Farias, que adotei como minha “afilhada”, amiga inseparável de apresentações em seminários e congressos, parceira de toda a produção deste período, muito obrigada, amiga. Lidemberg, André Felipe, Alyanne Chacon, Vitória Lourenço, Adriana Jales, Rosângela Bernardino, Emiliana, Angélica, Socorro e Fátima: amigas e amigos, o apoio de vocês em vários momentos foi de um valor inestimável, meu muito obrigada! E, não poderia deixar de mencionar, Silvestre Martins, o amigo que não relativizava (piada particular): amigo, sua contribuição vai muito além das páginas escritas nesta tese. Nossa amizade é para a vida toda. Aos meus familiares, que há anos não sabem o que é gozar de minha presença por inteiro. Estou pela metade com pessoas que sempre se doaram por inteiro para mim. Agora, amados, que eu cheguei até aqui, preciso reconhecer que muito desta trajetória só foi possível por todo amor, amparo e sustentação que vocês me ofertaram: aos meus pais, Erasto e Glória; aos meus filhos Victor, Fernando e Raphaela; às minhas irmãs, Fátima e Marta, aos irmãos, Fábio e Júnior; ao meu esposo, Yuri; ao meu sogro e pai de santo Haroldo Fraga, aos meus amigos todos (encarnados ou não): vocês podem ter certeza que também não existe no dicionário palavra alguma que possa contemplar a enormidade do sentimento de gratidão e amor que nutro por vocês. Aos meus alunos, fonte de inspiração e motivação para o aprimoramento da minha formação. Aprendo muito com vocês a cada semestre e por isso mesmo agradeço-lhes imensamente. À UFRN e ao PPGEL, instituição escolhida para coroar, com êxito, mais um nível na minha trajetória profissional, pelo acolhimento e formação proporcionada: muito obrigada. A todos que me apoiaram e a quem mais, por ventura, não foi nomeado neste longo texto de agradecimento, muito obrigada! Le rituel socio-langagier de la communication académique supposerait qu’on sache distinguer strictement un matériau d’analyse, l’infratexte et un jeu de références théoriques, l’intertexte, pour en dégager des égotextes (...) (JEANNERET, Y.,2004, p.6) RESUMO “Minha voz, tua voz, nossas vozes: a responsabilidade enunciativa em artigos acadêmicos/científicos” apresenta os resultados da pesquisa cujo objetivo é investigar como se materializa a Responsabilidade Enunciativa (RE) em textos do gênero discursivo/textual acadêmico artigo científico, compreendendo as etapas de descrição, análise e interpretação de um conjunto de sessenta textos de autores de variados níveis de experiência na esfera acadêmica para responder à seguinte pergunta de pesquisa: quais as características da RE que diferenciaria a escrita de autores variados níveis de experiência na escrita acadêmica? O estudo da RE, nesses textos, restringiu-se à seção normalmente designada como Referencial Teórico (ou suas variantes “Quadro Teórico” e “Marco Teórico”) por se considerar que é nesta seção em que mais facilmente se detecta o diálogo com outras vozes. A mobilização do discurso outro, evidenciada, sobretudo, na não assunção da RE, é uma das características do artigo científico e desperta interesse por causa de sua inserção num campo mais amplo, o da polifonia, levantando questões muito pertinentes tanto para a análise de textos acadêmicos quanto para a didática da escrita desses textos descrevendo, por exemplo, como a voz autoral se posiciona perante outras vozes mobilizadas em seus textos, ou ainda sobre como a RE pode evidenciar o posicionamento desses autores enquanto autores científicos. Trata-se de um estudo bibliográfico documental, de cunho interpretativista e qualitativo que elegeu três categorias de análise: as diferentes representações da fala, os indicadores de quadro mediador e as indicações de um suporte de percepção e pensamentos relatados. A perspectiva teórica deste trabalho se ancora, principalmente, nos postulados teóricos da ATD (Análise Textual dos Discursos), mas também mobiliza aportes teóricos de considerável importância advindos dos estudos dos gêneros discursivos/textuais bem como dos estudos enunciativo-discursivos, especialmente as considerações rabatelianas acerca das noções locutor/ enunciador, ponto de vista, PEC e imputação, apagamento enunciativo, posicionamentos e posturas enunciativas. Os resultados demonstram que a ocorrência de zonas textuais que podem ser atribuídas a um outro enunciador (e2) não é exclusiva em textos de autores iniciantes, ocorrendo tanto em textos de iniciantes quanto em textos de autores experientes, embora a distribuição das ocorrências seja desigual nos textos estudados. Neste aspecto, contribuiu, efetivamente, a noção rabateliana de sobrenunciação, subenunciação e co-enunciação como aspectos de diferenciação na escrita de autores de diferentes níveis de experiência: a construção do PDV baseada na sobrenunciação parece predominar na escrita dos autores de reconhecida expertise, em que a voz autoral se sobrepõe às demais e domina o jogo enunciativo, à despeito do recurso a outras vozes, inclusive por meio de indicadores de quadros mediadores. Tomando-se a responsabilidade enunciativa como decorrência de um fenômeno localizado num nível mais abrangente que o do enunciado, que engloba o texto como um todo e suas diversas operações enunciativas, admite-se, por conseguinte, a possibilidade de haver responsabilidade enunciativa mesmo diante de recursos às vozes alheias e o apoio em indicadores de quadro mediativo. A RE seria redimensionada para um comportamento discursivo ligado à ética e à moral que parece transcender a dimensão do enunciado e afeta o posicionamento do autor no nível discursivo, resultando, no todo, como um texto mais engajado do que outros pareceriam, por meio de mecanismos de construção do PDV. Palavras-chave: Responsabilidade Enunciativa, Ponto de Vista, Posturas Enunciativas, Gênero Discursivo/Textual Artigo Científico ABSTRACT “My voice, your voice, our voices: enunciative committment in academic/scientific articles” presents research results from a study that investigates how Enunciative Commitment (EC) in academic scientific articles functions, with regard to the stages of description, analysis and interpretation in a set of sixty texts by authors with varying levels of experience in academic fields. The study aims to answer the following research questions: which characteristics of EC differentiate the writing of authors with varying levels of experience in academic writing; if the study of EC restricted to the section normally designated as Theoretical References (or variants, Theoretical Framework and Theoretical Mark) since detecting dialogue with other voices is easily noted in this section. The mobilization of the other’s discourse, evidenced, moreover, in the non-assumption of EC, is one of the characteristics of scientific articles, piquing interest as it pertains to the broader field of polyphony. These characteristics raise pertinent questions in the analysis of academic texts and didactic writing of these texts describing, for example, how the authorial voice is positioned with regard to other voices mobilized in the texts, or even about how EC can evidence the positioning of these authors as ‘scientific’ authors. The study is characterized as bibliographic research, interpretavist and qualitative, which adopts three categories of analysis: different representations of speech, mediator profile indicators, and indicators of the basis of perception and related thought. The theoretical perspective of this work is based primarily on the theoretical precepts of Textual Discourse Analysis (TDA). It also relies on theoretical support from considerably important theories, developed in discursive/textual genre studies, as well as enunciative-discursive studies, especially the rabatelian notions of loucutor/enunciator (e2), which is not exclusive to texts written by novice authors, point of view (POV), PEC, and imputation, enunciative erasure, enunciative positioning and posturing. The results demonstrate that the occurrence of textual zones that can be attributed to another enunciator (e2) is not exclusive in texts by novice authors, occurring both in texts by beginning and experienced authors, although distribution of the instances are not the same in the texts studied. From this perspective, the rabatelian notion of overenunciation, sub-enunciation and co-enunciation, related to aspects of differentiation in the writing of authors who have different levels of experience, contributed significantly. The development of the POV based on over-enunciation seems to predominate in the writing of authors recognized for their expertise, in which the authorial voice overlays the others and dominates the enunciative play, to the exclusion of other voices, including through indicators of mediating frameworks. Assuming the EC as a consequence of the localized phenomenon on a level broader than the utterance, which considers the text in its entirety, and its various enunciative operations, admitting, subsequently, the possibility of having enunciative committment even when faced with the resources of arbitrary voices, and the support of mediating indicators. The EC, re-dimensioned for a discursive behavior linked to the ethics and morals that seem to transcend the dimension of the utterance and affects the positioning of the author on the level of discourse. The result, overall, is a text that is more engaged and affects the positiong of the author on the level of discourse, resulting in, how a text that is more engaged than the others, seems to achieve this through the mechanisms of developing POV. Keywords: Enunciative Committment, Point of View, Enunciative Posturing, Discursive /Textual Genre Scientifc Article. RESUMEN Mi voz, tu voz, nuestras voces: la responsabilidad enunciativa en artículos académicos/ científicos " presenta los resultados de la investigación dirigida a la questión de cómo se materializa la Responsabilidad Enunciativa (RE) en textos del género discursivo académico/ científico, que comprende las etapas de descripción, análisis e interpretación de un conjunto de sesenta textos de autores de diferentes niveles de experiencia en el ámbito académico para responder a la siguiente pregunta de investigación: ¿cuáles son las características que diferencian la RE em textos de autores de variados niveles de experiencia en la escritura académica? El estudio de la RE, en estos textos, se restringe a la sección usualmente conocida como Marco Teórico (o sus variantes "Marco teórico" y "Encuadre teórico") porque se considera que en esta sección el diálogo entre las vocês es detectado más fácilmente La movilización del discurso otro, se evidencia sobre todo en no tomar la RE, es una de las características del artículo científico y despierta interés debido a su inclusión en un campo más amplio, la polifonía, planteandose cuestiones muy relevantes tanto para el análisis de textos académicos cómo para la enseñanza de la escritura de estos textos que describen, por ejemplo, como la voz del autor se posiciona hacia otras voces movilizadas en sus textos, o acerca de cómo la RE puede mostrar la posición de estos autores como autores científicos. Se comprende un estudio bibliográfico documental de carácter interpretativo y cualitativo que eligió a tres categorías de análisis: las diferentes representaciones del discurso otro, indicaciones del cuadro mediador y las indicaciones de un percepcion y pensamentos reportados. La perspectiva teórica de este trabajo está anclado, principalmente, en los postulados teóricos de ATD (Análisis Textual de los Discursos), pero también moviliza contribuciones teóricas de importancia considerable que surgen de los estudios de los géneros discursivos / textual, así como los estudios de casos y enunciativas discursiva, especialmente rabatelianas consideraciones acerca de las nociones de locutor / enunciador, punto de vista, PEC y la imputación, el borrado enunciativo, posiciones y posturas enunciativas. Los resultados muestran que haber áreas del texto que se pueden asignar a otro enunciador (e2) no es exclusividad de los autores jovenes, pues son encontradas tanto en textos de principiantes como en textos de especialistas juniores y seniores, aunque la distribución de ocurrencias sea desigual en los textos estudiados. Ha contribuido la noción rabateliana de sobrenunciacion, subenunciacion y co-enunciación como forma de diferenciar los aspectos en los escritos de autores de diferentes niveles de experiencia: la construcción del punto de vista basado en sobrenunciacion parece predominar en la escritura de autores reconocidamente expertos, en que la voz del autor se superpone a la otra y domina el juego de la enunciación, a pesar del uso de otras voces, incluso a través de cuadros indicadores de mediadores. Tomando la responsabilidad enunciativa como resultado de un fenómeno situado a un nivel más amplio que la enunciacion, que incluye el texto en su conjunto y sus diversas operaciones enunciativas, se supone, por lo tanto la posibilidad haver la RE de nivel enunciación misco incluso recursos a otras voces y el apoyo en los marcadores de cuadro mediador. RE se cambia de tamaño para un comportamiento discursivo vinculado con la ética y la moral que parece trascender el nível de la enunciacion y afectaria a la posición del autor en el nivel discursivo, lo que resulta en su conjunto, como un texto más comprometido que otros parecerían, a través de mecanismos construcción del PDV. Palabras clave: Responsabilidad enunciativa, Punto de vista, posturas enunciativas, genéro discursivo/textual artículo científico. LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES PCC Práticas como Componente Curricular LOC Locutor ALOC alocutário L1/e1 Locutor/enunciador primeiro E2 Enunciador segundo ATD Análise Textual dos Discursos RE Responsabilidade Enunciativa DI Discurso indireto DIL Discurso Indireto Livre DD Discurso Direto DDL Discurso Direto Livre DN Discurso Narrativizado DR Discurso Relatado PEC Prise en Charge PDV Ponto de Vista LISTA DE QUADROS QUADRO 1- SÍNTESE DAS PROPOSTAS DE ABORDAGEM ENUNCIATIVA E POLIFÔNICA (ADAPTADO DE RINCK, 2006) ...................................................................................................................................................................... 87 QUADRO 2- CARACTERIZAÇÃO DAS SEÇÕES SELECIONADAS NOS TEXTOS DO GRUPO AI ..................................... 114 QUADRO 3 - CARACTERIZAÇÃO DAS SEÇÕES SELECIONADAS NOS TEXTOS DO GRUPO AE ................................... 116 QUADRO 4 - CARACTERIZAÇÃO DAS SEÇÕES SELECIONADAS NOS TEXTOS DO GRUPO AEE................................. 117 QUADRO 5 - CATEGORIAS DE ANÁLISE E SUAS CORRESPONDENTES MARCAS LINGUÍSTICAS (PASSEGGI ET AL., 2010, P.300-301) ................................................................................................................................................... 122 QUADRO 6 - DIFERENTES FORMAS DE REFERENCIAR VOZES EXTERNAS................................................................ 125 QUADRO 7- CONCEITOS CHAVE DA PESQUISA (RE E TERMOS AFINS) ................................................................... 129 QUADRO 8 - RE EM ARTIGOS DE AUTORES INICIANTES - ORDEM 5 ....................................................................... 132 QUADRO 9 - PERCENTUAL DAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO DO DISCURSO OUTRO / POR ARTIGO ....................... 134 QUADRO 10 - INDICATIVOS DE QUADROS MEDIADORES EM TEXTOS DE AUTORES INICIANTES .............................. 138 QUADRO 11 -ALGUNS EXEMPLOS DE MARCAS LINGUISTICAS EVIDENCIADORAS DE QUADRO MEDIADOR NOS TEXTOS PRODUZIDOS POR AUTORES INICIANTES .......................................................................................... 139 QUADRO 12 - LEVANTAMENTO DE OCORRÊNCIA DE VERBOS DE ATRIBUIÇÃO DE FALA CATEGORIZADOS COMO "NEUTROS" .................................................................................................................................................. 141 QUADRO 13 - OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO EM TEXTOS DE AUTORES INICIANTES ............................................ 145 QUADRO 14 - SINTESE DA CATEGORIA "OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO" - TEXTOS DE AUTORES INICIANTES...... 152 QUADRO 15 - INDICADORES DE UM SUPORTE DE PERCEPÇÃO E PENSAMENTOS RELATADOS – TEXTOS DE AUTORES INICIANTES .................................................................................................................................................. 154 QUADRO 16 - DIFERENTES TIPOS DE REPRESENTAÇÃO DA FALA EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS - ......... 156 QUADRO 17 - INDICAÇÕES DE QUADROS MEDIADORES EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS ........................ 163 QUADRO 18 - VERBOS DE ATRIBUIÇÃO DE FALA EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS ................................... 167 QUADRO 19 - OCORRÊNCIA DE OUTROS VERBOS DE ATRIBUIÇÃO DA FALA EM ARTIGOS PRODUZIDOS POR AUTORES EXPERIENTES ............................................................................................................................................... 170 QUADRO 20- CATEGORIZAÇÃO DOS OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS .... 178 QUADRO 21- INDICAÇÕES DE SUPORTE DE PERCEPÇÃO E PENSAMENTOS RELATADOS .......................................... 179 QUADRO 22- DIFERENTES TIPOS DE REPRESENTAÇÃO DA FALA EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS ................................................................................................................................................ 182 QUADRO 23 - INDICADORES DE QUADROS MEDIADORES EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS .. 185 QUADRO 24 - VERBOS DE ATRIBUIÇÃO DE FALA EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS .............. 188 QUADRO 25 - OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS ................. 191 QUADRO 26 - CATEGORIZAÇÃO DOS OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS ................................................................................................................................................ 199 QUADRO 27 - INDICATIVOS DE SUPORTE DE PERCEPÇÕES E PENSAMENTOS RELATADOS EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS........................................................................................................................ 200 QUADRO 28 - COMPARATIVO DAS OCORRÊNCIAS DE DIFERENTES MODOS DE REPRESENTAÇÃO DA FALA NOS TRÊS GRUPOS DE TEXTOS...................................................................................................................................... 203 QUADRO 29 - COMPARATIVO DAS OCORRÊNCIAS DE INDICADORES DE QUADROS MEDIADORES NOS TRÊS GRUPOS DE TEXTOS ................................................................................................................................................... 209 QUADRO 30 - COMPARATIVO DA OCORRÊNCIA DE VERBOS DE ATRIBUIÇÃO DE FALA NOS TRÊS GRUPOS DE TEXTOS .................................................................................................................................................................... 210 QUADRO 31 - COMPARATIVO DA OCORRÊNCIA DE OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO NOS TRÊS CONJUNTOS DE TEXTOS ........................................................................................................................................................ 211 QUADRO 32 - COMPARATIVO DOS OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO CATEGORIZADOS NOS TRÊS CONJUNTOS DE TEXTOS ........................................................................................................................................................ 218 QUADRO 33- COMPARATIVO DOS INDICADORES DE SUPORTE DE PERCEPÇÕES E PENSAMENTOS RELATADOS NOS TRÊS CONJUNTOS DE TEXTOS ....................................................................................................................... 219 LISTA DE ESQUEMAS ESQUEMA 1- MOVIMENTOS DE CONCORDÂNCIA E DISCORDÂNCIA E POSTURAS ENUNCIATIVAS - (RABATEL E LEPOIRE, 2006) ............................................................................................................................................. 80 ESQUEMA 2 - HIERARQUIZAÇÃO DAS POSTURAS ENUNCIATIVAS - (RABATEL E LEPOIRE, 2006) ........................... 82 ESQUEMA 3- MAPA SEMÂNTICO DAS OPERAÇÕES ENUNCIATIVAS DE PRISE EN CHARGE (DESCLÈS,J-P. 2009) ........ 96 ESQUEMA 4 - NÍVEIS DA ANÁLISE DO DISCURSO (ADAM, 2011, PG. 61)............................................................... 99 ESQUEMA 5 - AS DIMENSÕES DA PROPOSIÇÃO-ENUNCIADO (ADAM, 2011, PG. 111)........................................... 104 ESQUEMA 6 - DIFERENTES FORMAS DE REPRESENTAÇÃO DA FALA (BOCH E GROSSMAN, 2002, P.100).......... 124 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 - TOTAL DE OCORRÊNCIAS POR TIPO DE REPRESENTAÇÃO DA FALA.................................................... 204 GRÁFICO 2 – COMPARATIVO DAS OCORRÊNCIAS DE DIFERENTES FORMAS DE REPRESENTAÇÃO DA FALA NOS TRÊS GRUPOS DE TEXTO ....................................................................................................................................... 205 GRÁFICO 3- COMPARATIVO DA ORDEM 5 POR MODO DE REPRESENTAÇÃO DA FALA............................................. 223 GRÁFICO 4 - COMPARATIVO DA ORDEM 6 - POR CONJUNTO DE TEXTOS ................................................................ 228 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - EXEMPLO DE TELA DE LOCALIZAÇÃO NO WORD 2013 ........................................................................ 120 SUMÁRIO I INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 19 1.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO ............................................................................................................ 21 As questões da pesquisa ......................................................................................................................... 21 O objeto e objetivos da pesquisa ............................................................................................................ 21 CAPÍTULO II –GENEROS TEXTUAIS/ DISCURSIVOS ACADÊMICOS: ASPECTOS ENUNCIATIVOS E POLIFÔNICOS ......................................................................................................... 24 2.1 A NOÇÃO DE GÊNEROS DISCURSIVOS/ TEXTUAIS ................................................................................. 24 2.1.1 Gêneros secundários ..................................................................................................................... 29 2.1.1.1 O gênero discursivo/textual acadêmico artigo científico .................................................................... 30 2.2 QUESTÕES DE NATUREZA ENUNCIATIVA E POLIFÔNICA NA ANÁLISE DE ARTIGOS CIENTÍFICOS. ...... 37 2.2.1 Enunciado e enunciação .............................................................................................................. 38 2.2.2. Enunciação: a base do funcionamento da língua ...................................................................... 39 2.2.3 O objeto de estudo das abordagens enunciativas ......................................................................... 41 2.3 DA POLIFONIA ÀS INSTÂNCIAS ENUNCIATIVAS .................................................................................... 43 2.3.1 Polifonia ........................................................................................................................................ 44 2.3.2. A condução de uma abordagem polifônica e seus desafios ........................................................ 46 2.3.3 PDV – definição e seu estatuto nas análises de base polifônica ................................................. 48 2.4 A ANÁLISE DO PONTO DE VISTA E DOS ASPECTOS POLIFÔNICOS NA TEORIA ESCANDINAVA DA POLIFONIA LINGUISTICA (SCAPOLINE) ..................................................................................................... 49 2.4.1 Os pontos de vista e a questão de sua fonte na ScaPoLine .......................................................... 51 2.4.2 Os objetos discursivos e o preenchimento dos pontos de vista no texto na perspectiva da ScaPoLine .............................................................................................................................................. 55 2.5 A PROPOSTA RABATELIANA DE ANÁLISE DO PONTO DE VISTA E DAS POSTURAS ENUNCIATIVAS ....... 59 2.5.1 As relações entre pontos de vista e construção de L1/E1 no tópico enunciativo ........................ 65 2.5.2 Tipos de pontos de vista ................................................................................................................ 70 2.5.3 A representação de pontos de vista no enquadre rabateliano ..................................................... 72 2.5.3.1 A responsabilidade, prise en charge, imputação e outros dispositivos atuantes na construção do PDV..................................................................................................................................................................... 72 2.5.3.2 A hierarquização das posturas enunciativas ....................................................................................... 83 2.6 SÍNTESE DAS PROPOSTAS DE ABORDAGEM ENUNCIATIVA E POLIFÔNICA ........................................... 86 2.7 AS ARTICULAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE PDV, DISCURSO REPORTADO E MEDIATIVO. ............................ 88 2.7.1 As heterogeneidades enunciativas situada no quadro mais amplo do discurso reportado. ........ 90 2.7.2 Formas do mediativo e suas relações com o discurso reportado e pdv. ...................................... 92 2.8 O MODELO ANALÍTICO DA ATD (ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS) ............................................. 98 2.8.1 A RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NO QUADRO DE J-M. ADAM ............................................... 103 CAPÍTULO III - METODOLOGIA DA PESQUISA ............................................................................. 107 3.1. A ABORDAGEM E TIPO DA PESQUISA ................................................................................................. 107 3.2 A COLETA DE DADOS .......................................................................................................................... 109 3.2.1 Constituindo um corpus: histórico do processo ......................................................................... 111 3.3 DO MATERIAL TEXTUAL INVESTIGADO.............................................................................................. 113 3.4 O PROCESSO DE OBTENÇÃO DOS DADOS ............................................................................................ 118 3.5 DEFINIÇÃO DE TERMOS E CATEGORIAS DE ANÁLISE ........................................................................ 121 3.5.1 As categorias de análise .............................................................................................................. 121 3.5.2 Conceitos chave da pesquisa: definição dos termos .................................................................. 129 CAPÍTULO IV– ANÁLISE DOS DADOS: DAS OCORRÊNCIAS DE NÃO ASSUNÇÃO DA RE .. 132 4.1. MARCAS DA RE EM TEXTOS DE INICIANTES (ALUNOS DE GRADUAÇÃO) ......................................... 132 4.2.1 Das ocorrências na categoria de ordem 5 – Diferentes formas de representação da fala ........ 132 4.2.2 Das ocorrências na categoria de ordem 6 – Indicação de Quadros Mediadores ...................... 137 4.2.3 Das ocorrências na categoria de ordem 8 - Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados ......................................................................................................................... 153 4.3. MARCAS DA RE EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS .............................................................. 155 4.3.1 Das ocorrências na categoria de ordem 5 – Diferentes Representações da Fala ..................... 155 4.3.2 Das ocorrências na categoria de ordem 6 – Indicadores de Quadro Mediador........................ 161 4.3.3 Das ocorrências na categoria de ordem 8 - Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados ......................................................................................................................... 179 4.4 MARCAS DA RE EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS .......................................... 181 4.4.1 Das ocorrências na categoria de ordem 5 – Diferentes Representações da Fala ..................... 181 4.4.2 Das ocorrências na categoria de ordem 6 – Indicadores de Quadro Mediador........................ 184 4.4.3 Das ocorrências na categoria de ordem 8 - Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados ......................................................................................................................... 200 4.5 COMPARATIVO ENTRE OS TRÊS GRUPOS DE TEXTOS: AI, AE E AEE ............................................... 202 4.5.1 Das ocorrências na ordem 5 – Diferentes Representações da Fala .......................................... 202 4.5.2 Das ocorrências na ordem 6 – Indicadores de Quadros Mediadores ........................................ 208 4.5.3 Das ocorrências na ordem 8 - Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados ............................................................................................................................................... 219 CAPÍTULO V – DAS POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE RE E POSTURAS ENUNCIATIVAS ....... 221 5.1 CARACTERIZANDO A RE (SUA ASSUNÇÃO E NÃO ASSUNÇÃO) EM TEXTOS DE AUTORES INICIANTES, ESPECIALISTAS E ESPECIALISTAS RENOMADOS ....................................................................................... 221 5.2 DAS RELAÇÕES ENTRE A RE E AS POSTURAS ENUNCIATIVAS............................................................ 233 5.2.1 A proposta rabateliana de posturas enunciativas ...................................................................... 233 5.3 AS POSTURAS ENUNCIATIVAS NO CORPUS SELECIONADO .................................................................. 236 5.3.1 Exemplos de co-enunciação ....................................................................................................... 236 5.3.2 Exemplos de Subenunciação ...................................................................................................... 238 5.3.3 Exemplos de sobrenunciação ..................................................................................................... 240 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................................... 243 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................................... 248 18 I Introdução A presente pesquisa de doutorado resulta de investigação sobre como o aluno de Letras mobiliza diversos aportes teóricos nas análises de problemas/fatos gerados no âmbito das diversas disciplinas cursadas, em outras palavras, se ele se responsabiliza ou não pelo conteúdo veiculado em seus textos. Durante o período de formação universitária espera-se que os alunos, gradualmente, mobilizando o conhecimento teórico adquirido ao longo do curso, desenvolvam a competência para leitura e produção de textos acadêmico-científicos. Para isso, o aluno precisa aprender a fazer uso do discurso acadêmico e dos gêneros que mais comumente circulam na universidade, dentre os quais destacam-se principalmente o artigo e o relatório, além destes, as monografias, dissertações, teses, os handouts de seminários, os resumos e resenhas. A experiência ao longo do curso deve levar, paulatinamente, ao domínio dos mecanismos textuais/discursivos de construção de, ao menos, parte considerável destes gêneros, uma vez que o conhecimento produzido e acumulado ao longo da trajetória tem sua visibilidade assegurada por meio da circulação em textos divulgados e apreciados pelos pares da comunidade discursiva. Tal consideração define a linguagem científica como um código instrumental que deve ser dominado pelo aluno para que ele possa assegurar ao seu texto padrões mínimos de aceitabilidade pela comunidade acadêmica. A experiência de pesquisa dos alunos de cursos de graduação é identificada nos gêneros acadêmicos, em textos escritos, reconhecíveis principalmente pelo recurso a uma série de léxico específico, indicadores de uma “linguagem da ciência”, em modelos já legitimados e consagrados pela tradição. Mas, de um modo geral, o que se percebe é que muitos alunos apresentam dificuldade na produção escrita de seus trabalhos tanto no que diz respeito à estrutura do texto acadêmico quanto à elaboração de uma cadeia argumentativa eficiente que lhe permita uma exposição clara de teorias, resultados de dados analisados e, principalmente, um posicionamento pessoal. Vários autores, no panorama acadêmico nacional, têm se dedicado ao estudo da escrita no ensino superior, dentre eles Rodrigues (2002) Barzotto (2008), Fabiano (2004, 2007), Riolfi (2007), Ribeiro (2010), numa vertente que privilegia o agenciamento da singularidade da escritura acadêmica, e, em outras vertentes, focando mais a apropriação da especificidade dos mecanismos textuais dos gêneros acadêmicos, Motta-Roth (2010, 2011). Em todos esses autores observou-se uma preocupação com a qualidade da produção acadêmica, atribuída tanto a um modelo de formação que apenas favorece a adesão acrítica às formulações 19 teóricas diversas estudadas nos cursos de Letras, quanto à dificuldade dos alunos em apropriar-se da especificidade dos gêneros acadêmicos. Diante da considerável diversidade de gêneros acadêmico científicos, os estudos costumam se deter naqueles gêneros que mais circulam nas Academias, notadamente o artigo, os projetos de pesquisa, relatórios, monografias, dissertações e teses. Sendo grande a diversidade e necessitando delimitar este trabalho, optou-se por selecionar o gênero mais recorrente nos trabalhos produzido para fins de avaliação em disciplina ou para publicação em periódicos científicos, os artigos. Importante fonte de dados nesta pesquisa, o artigo é o gênero para comunicar resultados de pesquisa, por excelência: além de se prestar a uma avaliação, constitui-se ferramenta de divulgação. Considera-se que esses materiais textuais são marcados por especificidade relacionada às situações de produção, e, por essa razão, não se descarta a necessidade de analisar o contexto de produção desses textos, afinal, cf. Adam (2011, p.52) “de um ponto de vista linguístico, é preciso dizer que o contexto entra na construção do sentido dos enunciados”. Diante destas questões, entende-se a importância de compreender como as diferentes vozes se articulam nos trabalhos desenvolvidos no âmbito acadêmico, e de que modo o aluno de Letras mobiliza seu conhecimento teórico na análise das questões que lhe são postas. Por necessidade de delimitação do objeto preferiu-se o foco na assunção (ou não) da Responsabilidade Enunciativa (RE) em trabalhos produzidos por alunos de um curso de Letras, utilizando, como perspectivas iniciais de reflexão, uma breve discussão sobre a questão do gênero discursivo/textual artigo científico, mobilizando-se autores como Bakhtin (1997) e Swales (1990, 2001, 2004), bem como o aporte do quadro teórico da Análise Textual dos Discursos (ATD) de Adam (2011), destacando desse quadro a noção de responsabilidade enunciativa (RE) e ponto de vista (PdV), cf. Adam (2011), Rabatel (1998, 2003, 2004, 2006, 2013,), conceitos correlatos como o mediativo de Guentcheva (1994,1996), e, ainda, o conceito de heterogeneidade mostrada e constitutiva, cf. Authier Revuz (1984). Postulando-se que o recurso a vozes alheias (caracterizando a não assunção da RE) é um fenômeno recorrentemente encontrado tanto em textos de alunos de graduação quanto em textos de especialistas, autores experientes, questionou-se sobre qual seria o fator de diferenciação entre esses textos, fazendo-se necessário compor o corpus com textos de autores iniciantes, os graduandos, e textos de autores experientes, com graus variados de titulação, incluindo-se mestrado, doutorado e pós-doutorado. Foram selecionados 60 textos, 20 sendo 20 textos produzidos por alunos de graduação, 20 produzidos por mestrandos, mestres, doutorandos e doutores júniores, e outros 20 produzidos por doutores seniores. 1.1 Caracterização do estudo As questões da pesquisa - Pois é! - disse Pensador Profundo. - Assim, quando vocês souberem qual é exatamente a pergunta, vocês saberão o que significa a resposta. (O Guia do Mochileiro das Galáxias – Douglas Adams) No percurso da pesquisa, várias foram as questões que nortearam esse trabalho, das quais permaneceram as listadas abaixo: Quais marcas linguísticas depreendem-se num texto para evidenciar assunção ou não assunção da RE? De que forma essas marcas se vinculam ao nivel de expertise do autor acadêmico? Se tanto autores experientes como iniciantes se valem do recurso às vozes de outros autores, o que diferencia, então, a escrita de ambos? Como se imbricam, na escrita acadêmica, as relações que se poderiam estabelecer entre assunção ou não da RE e os mecanismos de construção do PDV (posturas enunciativas de co-, sub- e sobrenunciação?) O objeto e objetivos da pesquisa O objetivo geral desta pesquisa é o estudo da assunção (ou não) da responsabilidade enunciativa em textos de gênero discursivo/textual acadêmico (artigo científico) escritos por alunos de um curso de Licenciatura em Letras e outros autores experientes na prática da escrita acadêmica, com o objetivo principal de explicar o gerenciamento de vozes no interior de textos produzidos por autores de diferentes níveis de experiência em escrita acadêmica. Como objetivos específicos, e que foram depreendidos a partir do geral, estabelecemse os seguintes: Delinear as estratégias linguísticas de distanciamento e/ou engajamento na escrita acadêmica, e, mais, compreender o que essas estratégias dizem sobre o caráter polifônico da escrita acadêmica; 21 Compreender como o locutor/narrador/enunciador assume (ou não) a responsabilidade pelo conteúdo proposicional em seus enunciados; Determinar em que medida os mecanismos textuais/discursivos que caracterizam a escrita de cada grupo determina a assunção (ou não) da RE. Estabelecer a relação entre as posturas enunciativas e a ocorrência ou não de assunção da RE. Para encerrar esta introdução, esclarece-se a divisão proposta neste trabalho de pesquisa que se apresenta em cinco capítulos. No segundo capítulo, na esteira das considerações sobre os gêneros, encontra-se uma subseção que trata dos gêneros acadêmicos, dentre os autores nacionais retoma-se Motta-Roth (2001, 2010), Bonini (2001), Figueiredo e Bonini (2006) e mantendo-se a adesão aos postulados da ATD, adota-se a definição de gêneros e texto de Adam (2011) pois se entende que sua proposta responde mais prontamente aos questionamentos na base desta investigação, além de fornecerem a base das categorias de análise mobilizadas na pesquisa. Na sequência, no mesmo capítulo II, dedica-se às questões de ordem enunciativa envolvidas na análise de gêneros discursivos/textuais, dentre essas questões destacam-se a responsabilidade enunciativa e outros conceitos correlatos, tais como o PdV, a PEC, engajamento/desengajamento, o apagamento enunciativo, o mediativo, a imputação e etc., a fim de buscar, nas produções textuais de acadêmicos, as marcas que definem quais instâncias se caracterizam por uma maior ou menor tendência à ocorrência de assunção da RE e quais pela não assunção. No terceiro capítulo, apresentam-se os princípios metodológicos que nortearam esta pesquisa, de cunho qualitativo interpretativista, gerada pelo desejo de compreender a natureza das ocorrências de assunção e/ou não assunção da responsabilidade enunciativa. Na sequência, apresentam-se as etapas para a realização da pesquisa em quatro tópicos: a primeira trata da delimitação do universo de análise e das motivações para essa delimitação; a segunda trata da seleção do corpus e dos critérios adotados para essa seleção, cujo recorte temporal cobre os trabalhos produzidos entre 2008 e 2013; a terceira descreve os conceitos chave da pesquisa. Em seguida, apresenta-se o quarto capítulo, em que os principais resultados desta pesquisa são discutidos, com uma apresentação do levantamento das ocorrências de não assunção da responsabilidade enunciativa, bem como uma análise destes resultados. No quinto e último capítulo apresentam-se algumas análises feitas com amostras do corpus para enfim se demonstrar que a RE pode ser considerada de modo mais amplo do que o previsto 22 em Adam (2011), de forma que, nesta pesquisa, compreendeu-se a RE como um fenômeno mais abrangente, que engloba o texto como um todo, incluindo-se suas diversas operações enunciativas, diferenciando-se, da PEC (prise en charge) que incidiria sobre o enunciado de modo mais pontual. Ambos os fenômenos não devem ser tomados como equivalentes, embora intimamente relacionados e, por vezes, superpostos, o que se espera ter demonstrado suficientemente no segundo e quinto capítulos desta tese. Por fim, estabeleceu-se que o que de fato diferencia a escrita de autores de diferentes níveis de experiência vai além do recurso às vozes externas (com ou sem apoio de marcadores de quadros mediadores e outros indícios da introdução dessas vozes no texto): é um recurso de natureza textual-discursiva, que proporciona maior ou menor projeção da voz autoral em um texto, definido a partir da noção de posturas enunciativas (cf. RABATEL, 2003). Tais considerações levaram, forçosamente, à algumas reflexões sobre as implicações desta pesquisa no campo da didática dos gêneros acadêmicos e, por fim, apresentam-se as considerações finais. 23 Capítulo II –Generos textuais/ discursivos acadêmicos: aspectos enunciativos e polifônicos 2.1 A noção de gêneros discursivos/ textuais (...) gêneros são o que as pessoas reconhecem como gêneros a cada momento do tempo, seja pela denominação, institucionalização ou regularização. Os gêneros são rotinas sociais de nosso dia-a-dia.(MARCUSCHI, 2008, p.16) A discussão sobre os gêneros do discurso não é nova, pois as ideias de Bakhtin circulavam na Europa desde os anos de 1950, no entanto emergiu, no Brasil, como um campo privilegiado de pesquisas na década de 1980. Nestes últimos setenta anos, pesquisadores de várias nacionalidades e de diferentes áreas do conhecimento dedicaram-se ao estudo mais sistemático dos gêneros, como se pode ver pela diversidade de publicações tratando do tema. Neste trabalho, optou-se por fazer uma revisão, a partir do precursor dessas discussões, Bakhtin (1997): falar em gêneros acadêmicos, ou ainda, nas várias perspectivas de análise de gêneros, requer (não obrigatoriamente, mas desejavelmente) retomar a contribuição importante das ideias deste autor e seu círculo, especialmente as teses discutidas na “Estética da Criação Verbal”, obra em que se apresenta, dentre outras discussões, a questão dos gêneros do discurso calcada nos conceitos de dialogismo e interação verbal. Para Bakhtin os enunciados são o produto das atividades humanas, em outras palavras, as esferas 1 de atividade humana estão ligadas à utilização da língua e aos modos de utilização. Nos comunicamos por meio de enunciados, e não por palavras ou frases isoladas, e esses usos (oral ou escrito) da língua refletem as condições específicas e cada uma das esferas de ação humana, assim, cada uma dessas esferas elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, chamados por Bakhtin de “gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1997, p. 262). Como resultado da atividade humana não se poderia esperar um produto homogêneo, compreendendo que tão variadas são as ações humanas quanto são os gêneros, pois cada esfera de atividade produz um determinado repertório de gêneros que se diferem também em 1. A noção de “esferas” é, sob diferentes denominações, recorrente nos estudos linguísticos e sociológicos e tende a designar um espaço da experiência humana organizado, dentre outros fatores, em torno de relações sociais e de um conjunto de princípios e esquemas de produção e recepção de discursos mais ou menos estáveis. Considerando a população a ser avaliada, podem-se definir as seguintes esferas e gêneros de discurso a elas associados: esfera da vida doméstica (listas de compras, manuais de instrução de equipamentos diversos, rótulos e embalagens de produtos, bilhetes, cartas, convites, lista de telefones ou endereços, agenda, calendário, receitas culinárias, diário, regras de jogos); esfera do espaço urbano (placas, cartazes, sinalização, quadros de horário de ônibus, etc.); esferas da vida pública (documentos como carteira de identidade, certidões,contas, cheques, faturas, etc); esfera escolar (listas de materiais e de atividades, enunciados de atividades, definições, textos de diferentes áreas de conhecimento, manual didático, boletins e outros documentos - tais como ocorrências, bilhetes aos pais,etc - dicionário, enciclopédia.) esfera jurídica (contratos, petições judiciais, sentenças judiciais, etc.). Limito-me, nesta lista, a essas esferas - não considero-a completa, ao contrário - entendendo que estendê-la ainda mais seria exaustivo e desnecessário. 24 função da complexidade da esfera social. Ponderando sobre a estabilidade dos gêneros de determinadas esferas, Bakhtin (1997) ainda observa que a variedade de gêneros orais ou escritos pode ser um entrave na definição do caráter genérico do enunciado, mas não impossibilita seu estudo: Não se deve, de modo algum, minimizar a extrema heterogeneidade dos gêneros discursivos e a dificuldade daí advinda de definir a natureza gera do enunciado. Aqui é de especial importância atentar para a diferença essencial entre os gêneros discursivos primários (simples) e secundários (complexos) - não se trata de uma diferença funcional. Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc..) surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente escrito) artístico, científico, sociopolítico, etc. (BAKHTIN, 1997, p. 263) A discussão bakhtiniana sobre as relações entre os gêneros pode ser dividida em dois eixos: um horizontal e um vertical. No eixo das relações horizontais encontra-se uma descrição da relação dialógica dos gêneros e de como um gênero se configura como uma resposta a outro dentro de uma esfera de atividade humana (BAWARSHI e REIFF, 2010, p.25-28). As autoras mencionam, como exemplo, as chamadas para publicação, em que se pode considerar tanto as chamadas para publicação em periódicos científicos como em anais de eventos, tais chamadas geram propostas de artigos que tanto podem ser aceitos quanto refutados, dando origem a outro gênero, a carta de aceite. Da mesma maneira, há a tese, a dissertação e a monografia, as quais engendram outros gêneros como a sessão de defesa, bem com as atas dessa sessão. Isso, só para citar dois poucos exemplos do mundo acadêmico, há todo um universo de relações horizontais para exploração do analista. As relações verticais dizem respeito ao que Bakhtin denomina gêneros primários e secundários. Os gêneros primários, tidos como simples, são forjados nas circunstâncias mais comuns de comunicação verbal espontânea, no dia a dia das pessoas. Em outras palavras, para Bakhtin, os gêneros primários tomam forma numa atividade de comunicação não mediata, o que significa que eles mantêm uma relação imediata com a realidade e com as falas reais, tais gêneros são também considerados como base para a constituição dos gêneros secundários, estes considerados complexos e emergem em situações comunicativas mais complexas, como por exemplo, a escrita científica, literária, etc. Uma conversa telefônica, é, sem sombra de dúvida, um gênero primário, no entanto, essa mesma conversa, gravada e posteriormente usada num julgamento judicial pode ser considerada um gênero secundário, o gênero primário foi alterado e absorvido pelo secundário, e uma vez recontextualizado passa, a partir daí, a exibir outras características que o complexificam. As relações verticais 25 nas quais os gêneros secundários absorvem e alteram os primários são de grande valia na análise de como os gêneros secundários e os cotidianos interagem para formar e transformar as práticas sociais. O conceito bakhtiano de gênero ancora-se no tripé estilo (seleção lexical, arranjos e recursos fraseológicos e gramaticais), tema (o conteúdo) e construção composicional. Estes três elementos estão indissoluvelmente fundidos nos enunciados e são marcadas pelos tipos de ações mediadas pela língua nas esferas de atividades humanas. Discutir a questão dos gêneros leva à constatação de que as definições de gênero são relativamente diversas, e, invariavelmente, refletem a diversidade de abordagem que subjaz à cada noção, bem como a diversidade de fundamentos teóricos. Isso explica, de certo modo, a coexistência de termos como gêneros de discurso e gêneros de texto. Tal diversidade se verifica também entre outros autores estudados: enquanto Adam (2011) opõe gêneros a tipos de textos, Bronckart (1999) opõe gêneros de textos e tipos de discurso e Maingueneau (1998) conceitua tipos de texto e gêneros de discurso. Como se pode ver, não há consenso nesta questão e a terminologia é flutuante, mesmo na obra de Bakhtin e seu círculo depara-se com uma certa flutuação terminológica, o que não impediu, no entanto, o avanço nos estudos sobre gêneros desde há quatro décadas. Não se deterá, nesta pesquisa, no detalhamento dos posicionamentos teóricos de todos esses autores, adotando-se a terminologia empregada em Adam (2011) que distingue entre gêneros textuais e tipos de texto. Nesta perspectiva, os textos são estruturas de uma diversidade e complexidade tais que se torna quase imposível estabelecer uma tipologia, e todos os esforços neste sentido resultam apenas em “vantagens pedagógicas ilusórias” (ADAM, 2011). Por outro lado, pode-se identificar segmentos menores, geralmente compostos por várias frases, no entanto, não é a frase ou o parágrafo que definem esta dimensão, chamada de sequência pelo autor. Deste modo, as sequências prototípicas definidas pelo autor (descritiva, narrativa, argumenttiva, explicativa, dialógica e injuntiva), estão presentes regularmente nos textos como esquemas de reagrupamento semânticos, enunciados que produzem efeitos de leitura imediamente reconhecíveis, tais como, por exemplo um efeito de descrição. Longe de se tratar de uma questão específica dos gêneros, a utilização conjunta dos termos, gêneros do discurso e gêneros de texto, já não é mais aceita em Linguística, ainda assim, esta utilização obriga a incursões sobre a noção de texto e discurso a fim de justificar as escolhas terminológicas e conceituais no interior desta pesquisa. Buscando-se esclarecer questões subjcentes à distinção terminológica proposta, deve-se proceder, como vários 26 autores, de modo a renunciar à ambição de uma definição estável. Em Adam (1999) texto e discurso são definidos a partir de uma distinção fundamental, conceituando texto em oposição ao discurso, como um objeto formal abstraído das suas condições de interpretação e produção, para colocá-lo de outra forma: o discurso é concebido como a inclusão de um texto em seu contexto, isto é, considerando-se suas condições de produção, recepção e interpretação, o que segundo o autor (2011, p.73) se dá mediante o questionamento das fronteiras da textualidade bem como da ideia de um universo exterior, o contexto, que se opõe ao interno. Quanto ao interdiscurso o autor o concebe como uma dimensão que comporta regularidades, permitindo reconhecer traços das trocas entre vários discursos: Se Maingueneau e Foucault falam do interdiscurso como um espaço de regularidades, de um “espaço de trocas entre vários discursos”, eles negligenciam uma ferramenta linguística de distinção teórica para o discurso e o texto (...). Devemos ainda refletir sobre o que se coloca trivialmente como Discurso publicitário, político, jornalístico, literário, científico, religioso, etc, (ou seja, como objeto concreto). Além disso, proponho reconectar o Discurso aos gêneros do discurso. Assim o poema, o teatro, o romance são gêneros do discurso literário; o sermão, a parábola, a hagiografia, etc, são gêneros do discurso religioso; o editorial, a manchete, a reportagem, etc, são os gêneros do discurso jornalístico; poder-se-ia, igualmente, falar de gêneros do discurso político, etc. Os (tipos) de texto são, no entanto, os componentes do discurso e do gênero discursivo: a narrativa a descrição, explicação ou argumentação, por exemplo, ocorre tanto no romance, quanto na parábola, manchete ou discurso eleitoral;todos os discursos e gêneros do discurso.Tais distinções não parecem ser triviais a ponto de serem negligenciadas, elas deveriam ser teorizadas em um nível de pertinência específica.. (ADAM, 1987, p.54)2 No que diz respeito à noção de discurso, propõe-se resumir a questão, sem se deter nas inúmeras acepções de discurso, adotando-se, cf Rastier (2001), bem como Adam (2011), o conceito de que os discursos permitem relacionar as práticas sociais aos gêneros e que estes asseguram a relação entre texto e discurso. Esta concepção favorece o estudo linguístico dos 2 Si Maingueneau et Foucault parlent bien de l'inter- discours comme d'un espace de régularités, d'un « espace d'échange entre plusieurs discours », ils négligent une distinction théorique linguistiquement utile entre Discours et Texte (esquissée par D. Slakta et que le présent article précisera en partie). Il faut insister sur le fait que l' interdiscours prime le Texte et le Discours que je pose trivialement comme D publicitaire, D politique, D journalistique, D littéraire, D scientifique, D religieux, etc. (c'està-dire comme objet concret). De plus, je propose de relier D aux genres du discours. Ainsi le poème, le théâtre ou le roman sont-ils des genres du discours littéraire; le sermon, la parabole, l'hagiographie, etc. des genres du discours religieux; 1 'editorial, le fait divers, le reportage, etc. des genres du discours journalistique ; on pourrait également parler de genres du discours politique, etc. Les (types de) textes sont, en revanche, des composantes de D et de GD : le récit, par exemple, se rencontre aussi bien dans le roman, la parabole, le fait divers ou le discours électoral; la description ou l'explication traversent, comme l'argumentation, tous les discours et genres du discours. De telles distinctions triviales ne me paraissent pas pouvoir être négligées; elles doivent absolument être théorisées à un niveau de pertinence qui reste, lui, à préciser. (ADAM, 1987, p.54). 27 gêneros levando-se em conta suas determinações sociais, pois, em princípio, “todo texto se prende à língua por um discurso e a um discurso pela mediação de um gênero (...) o estudo dos gêneros deveria ser, portanto, uma tarefa prioritária na pesquisa linguística” (RASTIER, 2001, p. 230). Desta forma, entende-se que, de fato, os gêneros são os elementos de regulagem e coerção, espaços normativos que permitem, com os discursos e campos genéricos 3, aliar os estudos da linguística com os da língua em uso: Os níveis dos gêneros, campos genéricos e discursos são os níveis estratégicos que permitem passar da generalidade da língua às particularidades dos textos, pois as relações semânticas entre textos se estabelecem preferencialmente entre textos do mesmo campo genérico e do mesmo discurso (...). Assim a Linguítica pode tomar como objeto de descrição o espaço das normas. (RASTIER, 2002)4 Trata-se de uma tarefa relativamente complexa na medida em que o gênero representa uma paleta determinante para o texto, mas, ao mesmo tempo, é determinado por seu discurso e pelas práticas sociais às quais se associa. Por outro lado, faz-se necessário considerar que se trata de um objeto linguístico com características próprias e que se presta mais a determinados tipos de análise. Em outras palavras, alguns quadros teóricos (notadamente os que privilegiam a análise de certos gêneros) desenvolveram modelos de análise de gêneros particularmente eficazes, é o caso, por exemplo, do ISD ou ainda o modelo proposto em Adam (2011) que, sem privilegiar um gênero em específico, propõe modelos que abrangem, a rigor, qualquer tipo de gênero. Conclui-se observando que, em todas as discussões sobre descrições linguísticas, a noção de gênero ocupa um espaço central como um feixe de normas que articulam questões e reflexões fundamentais sobre a língua em uso e que devem ser descritas pela linguística. Propõe-se na continuidade deste tópico alguns itens para reflexão acerca do gênero discursivo/textual artigo científico como um gênero secundário. 3 Por campo genérico entende-se o que se postula em Rastier (2004): um grupo de gêneros que contrastam, ou se rivalizam num determinado campo prático da atividade humana. Por exemplo, pode-se citar, no âmbito do discurso científico, os gêneros que circulam em períódicos: o artigo de apresentação de um número do periódico, o ensaio, a resenha, o artigo, as réplicas, entrevistas e etc.) 4 Les niveaux des genres, champs génériques et discours sont bien les niveaux stratégiques qui permettent de passer de la généralité de la langue aux particularités des textes, car les relations sémantiques entre textes s’établissent préférentiellement entre textes du même genre, du même champ générique et du même discours.(…) Bref, la linguistique peut prend de droit pour objet de description l’espace des normes : au lieu de les édicter, comme elle le faisait naguère en frappant d’inacceptabilité des énoncés, alors même qu’ils sont attestés, elle doit les décrire etpour cela exploiter des corpus. (RASTIER, 2002) 28 2.1.1 Gêneros secundários Partindo-se de Bakhtin (1997), entende-se que o gênero estudado nesta pesquisa, o artigo científico, pertence ao discurso científico, fazendo parte do que o autor designa como gêneros secundários, ou complexos, distinguindo-se dos gêneros primários considerados mais simples. Os gêneros secundários (romance, teatro, discurso científico, religioso, político, etc) são engendrados nas circunstâncias de práticas linguageiras culturais (principalmente os escritos), artísticas, científicas, sóciopolíticas, e são mais comumente complexas e relativamente evoluídas (TODOROV, 1981, p.267). Os gêneros primários, por outro lado, resultam das práticas linguageiras do cotidiano. No entanto, ainda que a distinção bakhtiniana funcione como um princípio que permita ordenar os gêneros em meio à heterogeneidade, a questão não consiste apenas em decidir sobre uma possível fronteira entre gêneros primários e secundários, mas, sobretudo, seguindo a ótica bakhtiniana, em observar o continuum que existe entre os gêneros primários e secundários do ponto de vista de sua constituição. Desta forma, o que parece ser mais relevante nesta discussão não é a distinção em si, mas a própria ideia de secundariedade: os gêneros secundários recorrem às formas de discurso já estabelecidas para integrá-las numa nova instância discursiva com novas finalidades comunicativas. Nota-se iguamente que a relação entre os dois tipos de gêneros não é unívoca: o fato de dispor de gêneros secundários modifica muito as trocas mais cotidanas. Neste aspecto, os gêneros secundários evocam o que Benveniste (1976) trata em termos de enunciação histórica, para definir os enunciados recortados de sua situação de enunciação: em razão desta propriedade, estes enunciados são especialmente marcados por tenderem à ausência de referências dêiticas (ou referência relativa aos parâmetros físicos da situação de enunciação que são os atores, o tempo e o lugar). Os gêneros acadêmicos, e em especial os tratados nesta pesquisa, enquanto gêneros secundários, tem a peculiaridade de manter uma relação mediada pelo campo cultural e não uma relação direta com sua situação de produção ou com a experiência da vida cotidiana. Para discutir a distinção entre gêneros primários e secundários, e avançar na questão da secundariedade e seus possíveis desdobramentos na análise de um gênero em particular, Maingueneau (1995) propõe uma outra distinção, bastante próxima à aquela formulada por Bakhtin: o autor opõe os gêneros conversacionais aos gêneros denominados por ele como 29 rotinizados ou institucionalizados. Desta forma, o que se define como gêneros conversacionais integra o tipo de trocas que tem como objeto as análises pragmáticas conversacionais: esse tipo de análise se encarrega, sobretudo, das interações cotidianas face a face, que se encaixam perfeitamente na descrição bakhtiniana dos gêneros primários e secundários, ou seja, na relação entre texto e contexto de sua produção (MAINGUENEAU, 1995). No que concerne à distinção proposta por Maingueneau (1992) os gêneros acadêmicos correspondem a um gênero institucionalizado, em virtude de sua filiação ao campo científico, e, especialmente no caso de artigos que são publicados em periódicos, da disposição editorial envolvida na produção. Além disso, a noção de rotinas na abordagem proposta pelo autor, permite contemplar um outro aspecto importante no que diz respeito aos gêneros secundários: a rotinização permite privilegar os papéis discursivos, que nos gêneros institucionais são pré-estabelecidos, muito codificados, e, relativamente estáveis, diferentemente do que ocorre no quadro dos gêneros conversacionais. A estabilidade do gênero, questão discutida por Bakhtin (1997), relaciona-se ao seu caráter institucional, da mesma forma que se pode associar, ao gênero, um papel discursivo endossado por seu autor, o que leva a postular a ideia de que se trata de um papel discursivo muito convencional, equivalente, no caso do gênero acadêmico, ao de representante num campo científico. O tópico seguinte continua detendo-se sobre o mesmo objetivo, apresentando as várias abordagens existentes na busca de definições operacionalizáveis nesta pesquisa, assim, encaminha-se o próximo subitem visando uma caracterização dos gêneros, e dos gêneros acadêmicos em específico. 2.1.1.1 O gênero discursivo/textual acadêmico artigo científico De um modo geral, pode-se estabelecer três pontos de vista distintos na literatura disponível acerca deste gênero, dependendo da área de atuação dos autores. Assim, distingue-se um primeiro grupo de obras a respeito da produção científica acadêmica, produzido principalmente por autores de indiscutível experiência acadêmica, de produção escrita, mas que, não sendo linguistas, não têm a língua como objeto de pesquisa e trabalho. Estas obras são comumente adotadas nas disciplinas de Metodologia Científica (MC), Pesquisa em Letras, e outras variantes, assemelhando-se, em grande medida aos do segundo grupo, aos manuais produzidos por associações e comitês acadêmicos destinados à 30 comunidade acadêmica, os quais são tão comuns que praticamente quase todas as IES no Brasil disponibilizam um manual, impresso ou digital, desta natureza, para orientação de seus alunos na confecção de seus trabalhos acadêmicos. A natureza desses materiais é eminentemente prescritiva, tanto quanto nos manuais de Metodologia Científica adotados nas disciplinas. Não há nestes textos nenhuma discussão acerca dos artigos enquanto gêneros discursivos/textuais próprios da comunidade acadêmica, discussão que comumente fica restrita aos linguistas, (ARAGÃO, 2011). Uma das críticas que se faz ao modelo de apresentação de artigos escritos por autores especialistas em MC, mas não em Linguística, é o fato de que se apresentam pasteurizados, inflexíveis e não refletem a enorme diversidade de estruturas textuais de artigos recorrentemente publicados em periódicos diversos, bem como ignorando a especificidade das áreas disciplinares. É, talvez, essa a razão que tenha popularizado os estudos de Swales (1990, 1993, 2004), bem como os de Bhatia (1993) considerando-se suas propostas e ferramentas analíticas como um arsenal não só para a análise de gêneros, mas, sobretudo, para seu ensino. Neste sentido, as novas propostas didáticas (como as de MACHADO et al, 2004; 2005; MOTTA-ROTH e HENDGES, 2010) exploram as relações que os gêneros acadêmicos estabelecem entre si bem como questões relativas à sua produção e circulação. No que diz respeito a este quesito, alguns gêneros acadêmicos costumam ter circulação restrita, como por exemplo, os projetos e relatórios de pesquisa, atas de defesa de monografia, dissertação e tese, interessando, na maior parte das vezes, aos pesquisadores envolvidos e às agências de fomento ou às pró-reitorias de graduação e de pesquisa. Por essa razão, são menos visíveis e de acesso mais restrito. Outros, ao contrário, tem circulação mais abrangente, como por exemplo os artigos, as aulas, as conferências, os seminários, etc, estabelecendo uma relação dinâmica com esses outros gêneros. O artigo é um dos gêneros mais prestigiados no circuito acadêmico, em função de seu estatuto específico no campo – é o que mais respalda a carreira do cientista e o mais observado entre os pares – acabou se tornando medida de referência da produtividade acadêmica, por causa de fatores de ordem bibliométrica. Sua importância capital para a comunidade acadêmica também reside no fato de que veicula resultados de pesquisa, o saber especializado acadêmico, com grande velocidade e abrangência (MOTTA-ROTH, 2001, p.39), especialmente na era digital. Swales (1990) define o artigo acadêmico como um texto escrito, de curta extensão em que o relato (incluindo resultados) de uma pesquisa é apresentado em veículos apropriados, os periódicos especializados, por vezes, em coletâneas organizadas e publicadas em livros. O artigo, seja ele de qual natureza for, procura relacionar 31 resultados da pesquisa relatada com outros trabalhos já realizados no campo do conhecimento, bem como traz discussões de questões ligadas à teoria e metodologia. Convém apontar algumas observações acerca das características do gênero discursivo/textual artigo científico, que dizem respeito, principalmente, ao modo de produção e circulação. No que diz respeito às restrições editoriais, este é um quesito que atinge apenas os artigos, mas isso é apenas aparentemente, pois embora relatórios, projetos, monografias dissertações e teses não se destinem, originalmente, à publicação em periódicos, eles se assemelham ao artigo no que tange ao fato de serem burocrática e fortemente estruturados, submissos às coerções de forma e conteúdo. Esses gêneros obedecem a regras e códigos particulares, ditados ou pelas normas editoriais ou das agências de fomento à pesquisa, tanto no nível da forma quanto do conteúdo. No nível do conteúdo, espera-se uma robusta ancoragem teórica e metodológica, apresentação de resultados novos5 ou sínteses críticas sobre o estado de arte de uma determinada área do conhecimento. No que diz respeito à forma, destaca-se a importância do paratexto, as notas, referências bibliográficas, anexos, tabelas, esquemas, etc., o recurso ao estilo mais impessoal possível e utilização de terminologia específica. Por meio do seu discurso, um pesquisador experiente (ou mesmo um iniciante) demonstra em que medida foi capaz de integrar não apenas o conhecimento, mas, sobretudo os códigos, valores e know-how da atividade científica (POUDAT, 2006). Neste campo (para usar um termo bourdieusiano) o valor do pesquisador está atrelado ao número de publicações em periódicos de prestígio e renome6. No caso do gênero enfocado nesta pesquisa também ocorre uma validação externa: a conformidade científica e redacional dos textos é avaliada por um comitê científico externo, os pareceristas dos periódicos e/ou os professores das disciplinas para as quais os artigos de autores iniciantes foram escritos. As modalidades de seleção variam, no caso dos periódicos de acordo com as normas editoriais de cada periódico e de suas propostas temáticas, ou na 5 O quesito inovação/novidade deve ser entendido como relativo, na medida em que trabalhos que realmente invalidam conhecimentos existentes anteriormente são excepcionais, não são a regra: segundo Kuhn (2009) a novidade, na maioria das vezes, se resume a uma simples diferenciação no nível das hipóteses, da problemática, ou dos resultados, mas, sempre compatíveis como os paradigmas em curso, não resultando numa renovação paradigmática. 6 Já é sobejamente conhecido e discutido no campo acadêmico a questão da demanda constante de publicação, a pressão que os pesquisadores enfrentam por causa desta demanda, em Swales, a questão foi tematizada sob o lema: “publique ou pereça”, e em vários periódicos encontram-se críticas ao sistema que, forçando pesquisadores a um ritmo acelerado e constante de produções, acaba por favorecer o aligeiramento destas mesmas produções, por um lado, e o fortalecimento dos “artigos salame”, dos resultados falseados, das publicações repetidas com ligeiras alterações e/ou revezamento de co-autorias. A mesma constatação se observa nos seguintes artigos: http://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.0020124 e http://mbio.asm.org/content/5/2/e00064-14.full 32 demanda de aprendizagem específica no âmbito de uma disciplina curricular de um curso de graduação. Tais considerações devem ser levadas em conta nas análises, na medida em que influem sobre o estilo e o texto em geral. No que diz respeito aos aspectos linguísticos, o gênero estudado apresenta as seguintes características: o discurso acadêmico é caracterizado por conter mais inferências, inclusive as de natureza metalinguística (baseada no pressuposto de que os leitores são pares familiarizados com o paradigma linguístico do discurso científico), envolve conceitos altamente abstratos, incidência elevada de conteúdos inferíveis, combinados a outros conceitos inusitados e/ou apenas inferíveis, exigência de conhecimentos prévios no campo científico para inferir objetos de natureza altamente complexa e abstrata, cf. Poudat (2006, p.54). Concernente a estrutura do gênero, o artigo apresenta-se fortemente estruturado. A progressão das seções e de seu desenvolvimento é, ainda que de modos variados, submissa à estrutura IMRD7 (segundo sua cultura e domínio científico ao qual se filia): os gêneros estudados normalmente se dividem em vários elementos e seções facilmente identificáveis e padronizadamente codificados, como por exemplo: título na abertura do artigo, ao nome do autor se somam (indicados por asterisco) sua vinculação acadêmica, as vezes em nota de rodapé, ou após o nome. Apresenta um resumo, ou o abstract, com as palavras chave, não sendo regra nos textos que compõe o corpus, especialmente os artigos produzidos por alunos de graduação para avaliação em disciplinas. Considere-se ainda a variável área do conhecimento, pois segundo Poudat (2006, p.57) a prática de resumos é mais generalizada nas ciências da natureza do que em ciências humanas, sendo menos sistemática nestas são mais dependentes das normas editoriais do periódico. Outros elementos se apresentam: a bibliografia, geralmente colocada após a conclusão é facilmente identificada por sua estrutura, o corpo do texto, que no caso de relatórios, teses, dissertações e monografias é mais propensa a muitas subdvisões enumeradas, enquanto artigos e projetos são menos sensíveis a muitas subdivisões. Ainda assim, são previstas as seguintes divisões: Introdução: colocada na abertura do corpo do texto, podendo ser ou não marcada por um título; 7 Aragão (2011) observa uma flutuação na estrutura que tanto segue o padrão IMRD, como também o padrão IDC. No entanto, mesmo dentro do que tradicionalmente se padroniza como IMRD, há diversas publicações que se estruturam numa variação do IMRD, havendo fusões entre algumas seções. 33 O desenvolvimento (a análise propriamente dita ou discussão), dividida em diferentes níveis, normalmente enumeradas, organizados ou não em conformidade à estrutura IMRD; A conclusão, colocada ao final do corpo do texto, normalmente indicada por um título (variável: conclusão, perspectivas, e, muito comum no Brasil, considerações finais) sem subdivisões. Notas de rodapé ou de fim Elementos paratextuais: tabelas, fórmulas, quadros, figuras, gráficos, etc. Motta-Roth (2001), ao tratar da seção Resultados e Discussão, observa que alguns artigos fundem ambas numa mesma seção, em outros artigos ocorre a fusão das seções Discussão e Conclusão, outros, ainda, adicionam o item Implicações à Conclusão8. Em Swales (1981, 1990, 2004) e Motta-Roth (1991), encontram-se arrolados os objetivos de cada uma das unidades retóricas previstas no artigo científico: Introdução: espaço discursivo destinado ao estabelecimento do tema do artigo, revisão da literatura (situando o trabalho dentro da grande área de pesquisa do qual faz parte, cf. Motta-Roth, 2011) e a atrair a atenção do leitor apresentando também o objetivo, a metodologia, e proposições. O texto deve ser construído e apresentado de tal forma que ao final desta seção o leitor já consiga vislumbrar a ideia principal do artigo. Métodos: Seção em que se descrevem, detalhadamente, a metodologia, os materiais e procedimentos de pesquisa. Em um artigo, esta seção não deve ocupar muito espaço, restringindo-se a alguns parágrafos. Resultados: seção em que se descrevem e comentam os achados e o processo de manipulação dos dados obtidos na seção anterior, com apenas algumas limitadas declarações sobre os testes realizados. Discussão: seção em que, a partir de generalizações possíveis, se explicita o que foi aprendido com a pesquisa. Em obra de 2004, em uma proposta de reformulação de um modelo baseado nos movimentos, Swales cria um novo modelo chamado “Create a Research Space” em que pondera sobre a possibilidade de se apresentarem três formas para o que tradicionalmente se 8 Em Aragão (2011) também se observa a mesma flutuação: há artigos que seguem classicamente a organização canônica IMRD ou IDC, no entanto, muitos apresentam o tipo de variação mencionada, comprovando a instabilidade deste modelo canônico do gênero. 34 denomina Revisão de Literatura: i) configurando-se como uma seção independente 9 denominada “Revisão de Literatura”10; ii) incorporada ao texto que compõe o artigo sem que se constitua seção; iii) diluída ao longo do texto. Essas considerações do autor pareceram bastante relevantes para esta pesquisa na medida em que esta é justamente a seção do artigo a ser focada no recorte. Este modelo, em sua formulação inicial e reformulações posteriores, foi adotado por inúmeros pesquisadores não apenas para descrever e analisar a seção Introdução (para a qual foi concebido) como para várias outras seções dos artigos, como o abstract, discussão, conclusão, bem como para as várias seções que compõem outros gêneros acadêmicos como monografias, dissertações e teses. No que diz respeito à natureza do artigo científico encontra-se em Swales (2004) a seguinte classificação para os artigos científicos: Artigos experimentais: são os que se baseiam em estudos sobre dados coletados. Artigos teóricos: tratam de assuntos e/ou pesquisa que não envolvem a coleta de dados, como a pesquisa experimental, por exemplo. Artigos de revisão: são os que apresentam uma revisão de literatura normalmente finalizada por uma avaliação do autor, (SWALES, 2004). Macedo (2011) divide-os em quatro categorias: i) artigos que apresentam uma visão histórica de uma faceta de uma área de estudo; b) artigos que descrevem o estado de arte das pesquisas em uma área de estudo; iii) artigos que propõem uma teoria; iv) artigos que colocam em evidência alguma questão de uma área de estudo. São também chamados de “Artigo de Revisão”, normalmente escritos pelos membros mais experientes da comunidade acadêmica, requer reflexões teóricas robustas, gerando contribuições para a área de estudo. Costuma apresentar um grande número de referências, seções baseadas em conteúdo, com divisões e poucas figuras. Considerados esses aspectos ainda resta aquele que motiva esta pesquisa e fundamenta os estudos realizados no tópico seguinte: trata-se do diálogo entre aquele que escreve o texto científico e aqueles que o precederam na pesquisa acadêmica, pois parte-se da premissa de 9 Essa variação, admitida por Swales em 2004, parece ser a mais recorrente nos textos que compõe o corpus desta pesquisa. 10 No corpus estudado, confirmando a instabilidade, a seção é comumente encontrada em tópicos separados: a maioria delas tem como rótulo o campo teórico de discussão, outras “Fundamentação teórica” outras são diluídas ao longo do texto, sem rótulos, e outras rotuladas como “Referencial Teórico” 35 que na construção de um artigo o autor científico mobiliza outras vozes de diferentes autores com diversas finalidades, sendo neste diálogo entre as vozes que se fundamenta também o diálogo entre o autor científico e a comunidade discursiva, seus pares. Para finalizar, considera-se que a abordagem de práticas linguageiras sob o ângulo da problemática dos gêneros exige, cf. Rastier (1996), que se considere os textos como objetos empíricos suscetíveis de análise linguística. Se todos os níveis de textualidade variam de acordo com os gêneros e que todos são, a priori, pertinentes para caracterizar um gênero em específico, o estudo de um gênero não deveria, em princípio, se resumir ao nível lexical ou frástico, mas estas instâncias podem ser consideradas o ponto de partida para se estabelecer relações que podem ser depreendidas no texto em relação a outras dimensões, como o gênero e o discurso. É nesta perspectiva que se entende, no âmbito desta tese, o modelo de análise textual proposto em Adam (2011): parte-se de unidades mínimas, a proposição-enunciado, para se chegar às outras dimensões, ou níveis do texto, num percurso ascendente de análise. Defendendo a análise a partir das unidades mínimas, Poudat (2006) lembra que os termos empregados num texto literário ou científico não o são literários ou científicos por si só, mas, é, sobretudo, o uso que se faz destes termos nos textos que permite considerar tais termos desta maneira, e, por conseguinte, determinar a característica literária ou especializada do emprego de certos termos. Tome-se como um exemplo prático as rotinas citacionais: tais rotinas podem se constituir, por si só, um objeto de estudo (cf. FARIA e FARIAS, 2014), é também um elemento de descrição e traço distintivo dos gêneros acadêmicos, e ainda um “condutor” que direciona os estudantes iniciantes na prática da escrita acadêmica. Assim, o interesse pela citação se justifica por sua especificidade e sua funcionalidade nestes escritos. Uma outra perspectiva na análise de gêneros visa a diversidade das dimensões consideradas unidade de estudo. O objetivo de tal visada é caracterizar ainda mais finamente um discurso ou um gênero, de modo multicriterial. Trata-se de uma caracterização geralmente diferenciada: incumbe-se de ressaltar o que é peculiar a um gênero em comparação a outros e descrevê-los em termos de traços comuns em oposição aos singulares. A idéia que subjaz aqui é a de que os gêneros sejam descritos como Rastier (2001, p.253) recomenda: sob um feixe de critérios. Desta forma, a análise textual encontra na linguística de corpus e na análise estatística ferramentas particularmente adaptadas para a exploração dos textos e definição genérica. Contrastando com algumas propostas de definição do gênero em seu conjunto, esta pesquisa se restringe a determinado fenômeno linguístico, de ordem enunciativa, a 36 responsabilidade enunciativa materializada em determinadas escolhas lexicais e sintáticas. Ao fim e ao cabo, a idéia é demonstrar como se operacionaliza, na prática, a proposta de se considerar o texto como ponto de partida para o estudo dos gêneros, mobilizando, num enfoque enunciativo, o nível da RE na Análise Textual do Discurso, das discussões rabatelianas acerca do PDV e vários outros autores em suas considerações sobre conceitos correlatos. É o que se apresenta nos próximos tópicos dedicados às questões de ordem enunciativa e polifônica envolvidas na análise textual. 2.2 Questões de natureza enunciativa e polifônica na análise de artigos científicos. “[...] porque estamos todos sobre ombros de gigantes: Culioli sobre os ombros de Benveniste, e Benveniste sobre os ombros de Bally.” (DESCLÈS, J.P., em aula para o grupo da ATD, na UFRN em 07/2012) Seguindo a discussão anterior sobre gêneros e traços pertinentes para a análise genérica, este tópico se dedica a apresentar propostas de análise enunciativa e polifônica de textos. Considerando-se que não há uma única via de análise genérica – o que seria contrário à propria definição defendida neste trabalho de pesquisa – propõe-se, aqui, apresentar algumas abordagens consideradas adequadas, no âmbito desta pesquisa, à descrição e análise dos textos representativos do gênero propostos para análise, o artigo científico. Toma-se como ponto de partida a ideia de que a literatura existente sobre gêneros discursivos/textuais e sobre escrita acadêmica envolve conceitos recorrentes vinculados à dimensão enunciativa dos textos, desta forma discutem-se as abordagens enunciativas com o propósito de verificar em qual quadro se encontram as ferramentas teórico-metodológicas para a análise de gêneros acadêmicos considerando-se seus enunciados e marcas enunciativas. Primeiro, procurou-se delinear os principais conceitos da problemática enunciativa, tais como enunciado, enunciação e enunciação representada, detendo-se, ainda, sobre a questão da polifonia linguística. Este capítulo introduz, ainda, uma discussão sobre vários conceitos que, embora correlatos e por vezes admita-se a ocorrência de sobreposições, não se confundem, tais como: PDV, responsabilidade enunciativa, mediativo, prise en charge, subenunciação, sobrenunciação, co-enunciação. Considerou-se que tais conceitos, envolvidos na dimensão enunciativa do texto, permitem dissociar as várias vozes presentes num texto, bem como revelam os mecanismos de gerenciamento dessas vozes, sem perder de vista o objetivo desta pesquisa que é determinar em que medida se imbricam assunção (ou não) da RE, posicionamentos/posturas enunciativas, grau de expertise dos autores e 37 gêneros, oferecendo uma possibilidade de se vislumbrar o papel do autor/escritor de um texto acadêmico enquanto sujeito social e praxeológico envolvido na construção e circulação do conhecimento e discurso científico. 2.2.1 Enunciado e enunciação A definição dos conceitos anteriormente mencionados permite delinear, no texto, os princípios reguladores de uma instância que está na origem da enunciação, em outras palavras, a instância que se responsabiliza, enunciativamente, pelo texto e os conteúdos nele assertados. A apresentação de algumas linhas de abordagens enunciativas, aqui esboçadas, tem por objetivo uma melhor compreensão do objeto desta pesquisa e dos modos pelos quais as três noções – enunciado, enunciação e enunciação representada – se constituem, fornecendose, assim, um primeiro esboço do quadro a partir do qual serão analisados os gêneros escolhidos para essa pesquisa. A noção de enunciador, no escopo das abordagens enunciativas, é de fundamental importância, uma vez que é a instância que pode se responsabilizar pelo fato enunciado. Partindo de Bally (1965), Desclès e Guentcheva (1997, p.1) admitem que qualquer enunciado pode ser analisado em um “modus”, subjacente a um “dictum”. A distinção, embora antiga (remonta aos estóicos, com a noção de lexis) é retomada em Linguistica, a partir de Bally (1965). Em sua Teoria geral da Enunciação, este autor estabelece que todo enunciado combina a representação de um processo ou um estado, que é o dictum, mas este dictum é afetado por uma modalidade, correspondente à intervenção do sujeito falante, tal dimensão é o modus. A modalidade, se define, sob esta perspectiva, como uma atitude responsiva do sujeito falante frente a um conteúdo qualquer, é um posicionamento do locutor, assim, entende-se o que Bally declara: “toda enunciação do pensamento pela língua é condicionada lógica, psicológica e linguisticamente. Esses três aspectos somente se recobrem em parte; seu papel respectivo é muito variável e muito diversamente consciente nas realizações da fala” (BALLY, 1965, p.35). Um enunciado (ou frase, termo equivalente na obra), então, é constituído linguisticamente e tem em si um lado lógico e um psicológico. A enunciação é o ato que um sujeito realiza ao comunicar os seus pensamentos. Pensar é “reagir a uma representação constatando-a, apreciando-a ou desejando-a” (BALLY, 1965, p.35), e a representação consiste em uma noção da realidade que cada sujeito tem em si 38 mesmo. Bally adverte que “é preciso cuidar para não confundir pensamento pessoal e pensamento comunicado” (BALLY, 1965, p.37). Assim, um sujeito tem uma noção de realidade, criando uma representação do mundo, dos outros e de si mesmo. Para exprimir seus pensamentos pessoais, ele faz com que conceitos virtuais, do sistema linguístico (equivalentes aos signos saussurianos), sejam atualizados, tornando-se conceitos reais, isto é, ligados à sua representação da realidade. Ou seja, o sujeito toma os conceitos da língua – que são criados na mente de todos os sujeitos de uma comunidade linguística – e faz com que se identifiquem com a sua representação de mundo, pois “para se tornar um termo da frase, um conceito deve ser atualizado. Atualizar um conceito é identificá-lo a uma representação real do sujeito falante” (BALLY, 1965, p.77). Em outros termos, o sujeito, ao enunciar, faz um uso individual e único do sistema linguístico. O valor de uma frase está tão intrinsecamente relacionado à enunciação quanto à modalidade, de tal forma que não se pode avaliar um sem considerar o outro, embora Bally admita que seria didaticamente conveniente estudar separadamente as três partes da enunciação, mas admite também que os fatores psicológicos do pensamento são tão bem engrenados na estrutura lógica que não se pode abstraí-los e, por conseguinte, a forma linguística não se separa das outras duas para fins de análise. Assim, o autor considera que na análise lógica das formas de enunciação se encontram igualmente considerações sobre as outras duas ordens. Admite-se, assim, que toda frase contém, obrigatoriamente, uma modalidade que permite ao locutor julgar o que uma coisa é ou não é, avaliar o desejável e o indesejável, querer ou não querer. O modus e o dictum, são, aparentemente, duas noções que se imbricam e são necessárias à realização de um enunciado. Deve-se ainda acrescentar o fato de que o autor considera que a questão da reação do sujeito enunciador é subordinada à definição da representação. É também uma relação muito estreita que mantém os termos de uma frase, logicamente constituídos (o sujeito modal, o verbo modal e o dictum). Um enunciado como “Eu creio que este réu é inocente” apresenta um sujeito pensante (eu), operando um ato de julgamento (creio) sobre uma representação (a inocência do réu). Assim todo enunciado é constituído de um sujeito modal (x, o que reage), e de um dictum (a representação, ou objeto da reação), (cf.BALLY, 1965) 2.2.2. Enunciação: a base do funcionamento da língua 39 Pode-se dizer que a distinção entre enunciado e enunciação, nas abordagens enunciativas, repousa sobre o seguinte fundamento: seu objeto, a enunciação, é abordada sob a perspectiva de seu produto, o enunciado, ou ainda em termos das operações que a conduzem. Este fundamento, no entanto, não é mais importante do que o objetivo de se centrar sobre questões da língua em uso. Tal objetivo não é exclusivo das abordagens enunciativas, uma vez que também foi apropriado por outras visadas, especialmente as de concepção pragmática da linguagem, como, por exemplo, de uma forma muito específica, com a corrente anglo-saxônica iniciada com a teoria dos Atos de Fala, e, de forma mais abrangente, esta concepção pragmática parece ser parte do que Rastier (2001) designou como tradição retórico-hermenêutica em oposição à tradição lógico-gramatical, postulando que o sentido é definido pelos usos da língua. A despeito da diversidade de abordagens enunciativas, define-se um traço em comum entre elas: fundamentam-se sobre um posicionamento pragmático e postulam como objetivo o estudo da língua em uso em oposição a uma concepção estruturalista dominante em Linguística durante praticamente toda a primeira metade do século XX. No entanto, faz-se necessário observar que tal avanço foi possível também porque traços dessa orientação já se encontrava em estruturalistas como Bally e Jakobson, (cf. PAVEAU e SARFATI, 2006). Da mesma maneira, Benveniste (1976) alia uma perspectiva estrutural a uma perspectiva enunciativa afirmando que “além da enunciação, a língua nao é mais do que possibilidade da língua” (BENVENISTE, 1976, p.71). O autor, ainda, define enunciação como “a forma de funcionamento da língua por um ato individual de utilização”. Compreende-se também que a enunciação se opõe ao enunciado assim como o ato de produção se distingue de seu produto. Maingueneau (1992), contesta essa definição, ao menos em parte, uma vez que a enunciação não deve ser concebida como apropriação do sistema da língua pelo indivíduo, o sujeito não acessa a enunciação a não ser pelas múltiplas restrições dos gêneros do discurso. Além disso, a enunciação não está baseada apenas em seu enunciador, mas no espaço de interação, e nisto o autor concorda com Benveniste (1976, p.85) que diz que o monológo, a despeito de sua aparente solidão, deve ser compreendido como uma variedade de diálogo, estrutura fundamental sob cujas balizas se assenta a noção de língua como resultado da interação social, aspecto que décadas depois emerge como pedra basilar nos estudos sobre a língua. O estudo dos atos individuais de utilização da língua se traduz, à primeira vista, num problema: a enunciação não se reproduz jamais de forma idêntica (ANSCOMBRE e DUCROT, 1976), de forma que as abordagens enunciativas consideram seu objeto a partir 40 do postulado segundo o qual a enunciação não está de todo circunscrita ao individal e caótico, mas, sobretudo, preserva uma parte significativa passível de descrição em termos de sistema. (MAINGUENEAU, 1992). Na base da distinção entre o sistema da língua e seus usos individuais e únicos está o postulado de que, a despeito do caráter singular e pontual de cada ato de enunciação, há características comuns ou um esquema geral de enunciação, invariável em meio à singularidade e multiplicidade dos atos. 2.2.3 O objeto de estudo das abordagens enunciativas Historicamente os estudos em Linguística da enunciação encontraram seu ponto de partida na análise das unidades dêiticas. Seu estudo faz parecer que tais unidades não seriam compreendidas como categorias gramaticais, mas seriam consideradas, sobretudo, em operações que englobam questões de embreagem, mecanismo por meio da qual um enunciado se apresenta como sendo ancorado numa situação de enunciação ou autonomizado. Esta relação da enunciação à sua situação de enunciação é a base das tipologias enunciativas propostas por autores de filiação teórica bastante diversas, como, por exemplo, Benveniste (1966) e Bronckart (1985). Este adota a idéia de uma ancoragem ou autonomização manifestado pelo texto em relação à situação de enunciação, enquanto aquele postula uma oposição entre discurso (enunciado ancorado) e a narrativa (enunciado recortado da situação de enunciação). A questão dos dêiticos, inicialmente comentada, conduz as abordagens enunciativas ao sujeito e sua inscrição no enunciado, mas não são os únicos índices de uma instância locutora na origem do enunciado, pois há uma série de outras marcas que revelam sobre esta instância: são as marcas lexicais da subjetividade. Além disso, considere-se a idéia postulada por Bally (1965) de que todo enunciado comporta um dictum, o dito, e o modus, ou, a maneira de dizer, a atitude do locutor em relação ao que é dito. À dimensão referencial de todo enunciado se junta a dimensão modal, que muito pode revelar sobre seu responsável. A imagem do sujeito responsável pela enunciação é recuperada por meio do estudo sobre as modalizações e a subjetividade na língua. Observe-se que as abordagens enunciativas ainda se ocupam de outra questão: o fenômeno da polifonia, sendo este um dos objetos alvo de grande parte dos estudos empreendidos na perspectiva das abordagens enunciativas. A maioria dos estudos partem da teoria polifônica desenvolvida por Ducrot, lastreada das discussões bakhtinianas relativas a 41 literatura. Um exemplo desses estudos é a teoria escandinava da polifonia, a ScaPoline, propondo um quadro original a partir do confronto com a perspectiva adotada por Ducrot (1984). Antes ainda de avançar em detalhes sobre conceitos que são caros a esta pesquisa, importa descrever um pouco mais o ponto de partida: a multiplicidade de vozes ou as instâncias enunciativas na origem dos pontos de vista em um enunciado, que parece ser o principio basilar das abordagens enunciativas/polifônicas, como se pode atestar em Perrin (2004): A noção de polifonia concebida aqui equivale a uma metáfora musical. Ela evoca a imagem de um conjunto de vozes orquestradas na língua. As abordagens ditas polifônicas procuram mostrar que o sentido dos enunciados e dos discursos, não consistem apenas em expressar o pensamento de um sujeito falante empírico, mas consistem, sobretudo, em evidenciar uma pluralidade de vozes enunciativas abstratas. Assim, o significado se apresentaria em diferentes níveis, como um conjunto de falas e pontos de vistal, mais ou menos heterogêneos, do qual o intérprete se incumbiria de organizar para compreender o que é dito. (PERRIN, 2004, p. 266)11 Esta evidência de certa heterogeneidade enunciativa (AUTHIER-REVUZ, 1984) vai ao encontro de uma concepção interativa da produção verbal. O fenômeno é, evidentemente, descrito linguisticamente, mas poderia também ser considerado como o produto de duas dimensões da enunciação: a interlocução e o interdiscurso. Tal constatação parece ser condizente com a proposição da onipresença da subjetividade na linguagem (KERBRATORECHIONI, 1980) e, sobretudo, pelo que Bronckart (1985) caracteriza como uma capacidade de autonomização do enunciado em relação à situação de enunciação, ou ainda, pelo apagamento enunciativo (RABATEL, 2004): a subjetividade manifesta nos textos científicos tem como base o apagamento da subjetividade do autor empírico, que está na origem do texto. Para se determinar de que modo uma abordagem polifônica pode servir à análise a que se propõe, nesta pesquisa, a saber, das relações entre o nível de experiência do autor científico e assunção ou não da responsabilidade enunciativa e os gêneros, é necessário definir os fundamentos dessa abordagem. As principais questões envolvidas na elaboração La notion de polyphonie tient ici d’une métaphore musicale. Elle évoque l’image d’un ensemble de voix orchestrées dans le langage. Les approches dites polyphoniques cherchent à montrer que sens des énoncés et des discours, loin de consister simplement à exprimer la pensée d’un sujet parlant empirique, consiste avant tout à mettre en scène une pluralité de voix énonciatives abstraites. Le sens se présenterait ainsi, à différents niveaux, comme un assemblage de paroles et de points de vue, plus ou moins hétérogènes, que l’interprète serait chargé d’organiser pour comprendre ce qui est dit. (PERRIN, 2004, p. 266) 11 42 de um quadro em uma proposta de análise polifônica de textos acadêmicos passam, necessariamente, pela definição das instâncias enunciativas, tema que será abordado no tópico a seguir. 2.3 Da polifonia às instâncias enunciativas A teoria da polifonia linguística, desenvolvida por Ducrot (1984) se assenta na base da distinção entre enunciação e enunciado, a partir desta primeira distinção uma outra ainda se sobressai em seu quadro teórico: a distinção entre sujeito falante e locutor. Sujeito falante é definido como o sujeito empírico na origem de cada ato de enunciação e, como entidade psico-sociológica é, efetivamente, o produtor do enunciado. Por locutor entende-se a instância presente no próprio sentido do enunciado e que se responsabiliza pela enunciação. Tal distinção é necessária para que não se confunda enunciação e enunciado, e, portanto, a enunciação efetiva e a representada na enunciação. Se a maioria das abordagens enunciativas atuais buscam integrar, de uma maneira ou de outra, esta distinção, outros problemas ainda se colocam: problemas de ordem terminológica, explicáveis, ao menos em parte, pelos problemas ou de objeto ou de níveis de análise (frase/enunciado/texto x discurso) bem como o problema de delimitação das fronteiras das instâncias enunciativas e da questão de suas eventuais relações. A esses problemas soma-se ainda a questão da polifonia tratada também em termos de dialogismo, ou ainda a questão da heterogeneidade enunciativa, do discurso reportado, do discurso representado, da circulação dos discursos, que pode ou não situar esses objetos num quadro de análise polifônica ou dialógica. Como, no âmbito deste trabalho, não se poderia confrontar todos os termos reunidos no conjunto dessas abordagens, buscou-se definir os principais conceitos, tomados como conceitos-chave, e colocá-los em perspectiva num quadro unificador, com o objetivo de centrar-se sobre os fundamentos e os desafios de uma análise de base polifônica, a fim de se definir as diretrizes para essa análise, de modo que possa caracterizar as instâncias enunciativas e definir quais se responsabilizam pelo conteúdo proposicional de um enunciado e, possivelmente, em quais zonas textuais ocorre o evento. Para tanto, toma-se, aqui, como ponto de partida o princípio de base da polifonia, com os exemplos mais mobilizados na literatura disponível e, eventualmente, com exemplos retirados do corpus desta pesquisa, condizente com a proposta de produzir uma análise de 43 textos a partir de dois conceitos basilares: o ponto de vista e sua prise en charge12. Tendo em vista esses conceitos descreve-se neste capítulo, principalmente, a teoria escandinava de polifonia lingüística (ScaPoLine) e a teoria da polifonia de Ducrot (1984), desembocando, a partir daí, nas considerações rabatelianas acerca do ponto de vista, procurando observar como cada uma das abordagens considera os problemas do ponto de vista, sua gestão e apresenta as ferramentas para uma análise polifônica. Desta forma, apresenta-se nos próximos tópicos os fundamentos enunciativos e polifônicos das instâncias envolvidas no ato enunciativo. Tanto quanto no tópico inicial, os elementos de reflexão sobre algumas abordagens teóricas de um mesmo objeto ultrapassam o objetivo da análise deste trabalho, no entanto, demonstram o quão produtivo é o confronto dessas abordagens para melhor compreender os instrumentais teórico-metodológicos e sua relevância para a análise textual. 2.3.1 Polifonia Numa definição relativamente simplista, pode-se dizer que a polifonia corresponde às multiplas vozes e pontos de vista num enunciado. A designação decorre de um processo metafórico, cuja referência, no universo musical, equivale ao resultado de um diálogo entre sons de instrumentos diferentes que ora se repetem, ora retomam, ora continuam e ora se confrontam, (PERRIN, 2004). Um exemplo frequentemente mencionado, especialmente por Ducrot (1984) e na ScaPoLine (2001), é o da negação, como em: “Esta parede não é branca”. Um enunciado como esse é descrito sob a perspectiva do desdobramento de pontos de vista relacionado à negação: o enunciado compreende um ponto de vista, chamado de pdv1, cujo conteúdo semântico poderia ser explicado da seguinte maneira: esta parede é branca, e um ponto de vista segundo, de acordo com o qual pdv1 não é validado. A questão que ainda se coloca é a da prise en charge enunciativa dos pontos de vista. Os dois pontos de vista relacionados a uma negação se diferenciam a este ponto: o pdv 1 (esta parede é branca) não se associa à nenhuma instância de prise en charge enquanto o pdv2 (significa que pdv1 não é válido) se apresenta como passível de ser atribuído à instância que, no enunciado, se apresenta como aquele que realiza a prise en charge, o locutor no sentido ducrotiano, LOC. 12 Preferiu-se não traduzir o termo francês prise en charge sob risco de traduzir por um termo, em português, cujo conceito não seja exatamente o equivalente ao termo em francês. 44 As análises de base polifônica, tais como as empreendidas por Ducrot (1984), ou pela ScaPoLine (2001), a proposta por Rabatel (2003, 2004, 20060 ou ainda a proposta de Brès e Verine (2002) em termos de dialogismo, têm em comum a questão de se buscar determinar quais pontos de vista podem ser atribuídos ao locutor (LOC). A leitura proposta acima com o exemplo bem conhecido da negação é consensual: é o pdv2 que remete ao LOC, enquanto o pdv1 se caracteriza por uma ausência de marcação de qualquer instância enunciativa. Mas, se por um lado há abordagens que tomam como ponto de partida a questão do ponto de vista centrando-se sobre a questão das instâncias enunciativas, por outro lado há outras abordagens que se centram prioritariamente sobre essas instâncias tomando como ponto de partida o conceito de desdobramento enunciativo ou a heterogeneidade enunciativa. Para ilustrar essa discussão pode-se tomar, por exemplo, um fenômeno considerado como um caso típico de polifonia e dialogismo, o condicional. Encontram-se múltiplos exemplos em várias obras que tematizam questões enunciativas em análises muito semelhantes incluindo-se a do dialogismo desenvolvida por Brés (1999), como se vê nos exemplos abaixo: (1a) O professor faltará amanhã (1b) O professor faltaria amanhã13 Em (1a) um único ponto de vista ou uma única voz interveem, se se fala de ponto de vista é consensual aceitar que ele pode ser atribuído ao LOC, se se fala de voz, dir-se-á que ele é o enunciador de um enunciado, o que corresponde neste caso, ao LOC. Já o enunciado (1b) representa um caso de polifonia ou dialogismo. À primeira vista poder-se-ia dizer que o futuro do pretérito, o condicional, sugere um distanciamento enunciativo: o LOC não assume completamente a asserção, sendo tomado como um exemplo clássico de non prend en charge. Eis a razão pela qual se fala em condicional epistêmico14 ao se tratar das formas do condicional: tais formas se relacionam com a questão da gradação da asserção, e, indissociavelmente, da questão da gradação da prise en charge da asserção pelo locutor, bem como da gradação na certeza da asserção.15 13 As considerações de Brés (1999) dizem respeito ao uso do condicional (conditionnel présent) na língua francesa, correspondente ao futuro do pretérito simples na língua portuguesa. Frequentemente pode ser encontrado em textos jornalísticos, mas muito raramente se ouviria uma fórmula como a de 2b em língua portuguesa, sendo mais recorrente o verbo de opinião “acho” seguido pela locução verbal “vai faltar”, ou ainda o modalizador “parece que” também acompanhado da locução verbal vai faltar. 14 Também se convencionou denominar “condicional jornalístico” uma vez que é muito usado em textos jornalísticos. 15 Vem à tona, com esse exemplo, a relação existente entre as questões da modalizaçao e da polifonia, na medida em que a estrutura polifônica determina uma modalização específica dos pdv’s 1 e 2. 45 Considera-se, de todo modo, inadequado dizer que o LOC expressa dúvida ou reservas quanto ao conteúdo assertado, o que seria equivalente a ultrapassar os limites que se deve observar na análise linguística, uma vez que se conferiria à instância enunciativa – o LOC – atributos próprios ao locutor, não no sentido de representação do responsável pelo enunciado, mas no sentido de responsável pelo ato de enunciação. Em outras palavras, considerando-se o material linguístico em si, a descrição não se satisfaz com uma análise passível de dúvidas, e, se se pode falar em distanciamento, ainda resta caracterizar este fenômeno na perspectiva enunciativa. É nesta perspectiva que se introduz a noção de desdobramento enunciativo, para dar conta da tarefa de diferenciar entre (1a) e (1b). Enquanto o enunciado (1a) apresenta apenas um ponto de vista e apenas uma única instância enunciativa, o enunciado (1b) se caracteriza por um desdobramento, pelo qual o LOC se desencarrega da responsabilidade da asserção “O professor faltaria amanhã”: pelo condicional, tal asserção se apresenta como passível de imputação a uma outra instância enunciativa. Implicada pelo condicional, essa instância poderia ser também introduzida pelo marcador como “Segundo” ou pela indefinição da 3ª pessoa: (1c) Segundo o diretor, o professor faltaria amanhã. (1d) Me disseram que o professor faltaria amanhã. Considera-se, assim, que o desdobramento enunciativo observado em (1b) consiste em postular dois enunciadores, no sentido das instâncias de prise en charge enunciativa: o enunciador responsável pela asserção “O professor faltará amanhã” e o enunciador responsável pelo enunciado (1b), o LOC, que por meio do condicional se apresenta em posição de prend en charge da asserção imputada ao primeiro. O desdobramento enunciativo é concebido como sendo base para o fenômeno. 2.3.2. A condução de uma abordagem polifônica e seus desafios Os desafios da análise numa perspectiva polifônica têm seus fundamentos na questão da multiplicidade dos pontos de vista e das vozes observáveis na maioria dos enunciados. A questão da multiplicidade de vozes parece ser mais discutida do que a dos pontos de vista, sendo mais comumente tratada e variadamente designada por diferentes abordagens. Desta forma o termo "enunciador" não parece gozar de status idêntico em todas as abordagens, no entanto tal designação parece bastante usada geralmente para explicar o ponto de vista da fonte, seguindo-se o quadro analítico proposto por Ducrot (1984). Este é, 46 particularmente, o caso de duas abordagens que soam especialmente relevante para este estudo, a abordagem da multiplicidade e da hierarquia enunciativa desenvolvida pela análise de Rabatel (2003, 2004) e do dialogismo desenvolvida por Brès e Vérine (1999, 2002). Ressalta-se o fato de que a própria noção de enunciador padece de certa instabilidade, devido, principalmente, à diversidade de abordagens e à maneira específica com a qual algumas tratam (total ou parcialmente) a distinção entre sujeito falante na origem do ato de enunciação e a instância que, no enunciado, se apresenta como responsável pelo ato de enunciação, e, ainda, as instâncias na fonte dos pontos de vista envolvidos num enunciado. Assim, o termo enunciador pode, na literatura consultada nesta pesquisa, tanto se referir à instância responsável pelo ato de enunciação, o sujeito falante na perspectiva de Ducrot (1984) como também pode se referir ao locutor, no sentido ducrotiano mesmo (LOC). Tal polissemia é justificável em casos como do quadro da ScaPoLine: parece haver uma recusa a se recorrer à tal noção de enunciador sem que se renuncie ao trato da questão da fonte dos pontos de vista. A segunda dificuldade que o termo enunciador comporta não é muito diferente da questão da distinção das instâncias, de tal forma que as teorias enunciativas, de diversas orientações, tocam nesta dificuldade e a tematizam. Assim, Ducrot (2001) designa explicitamente os “equívocos da língua” que não deixam de cumprir seu papel no texto. Na teoria da ScaPoLine são as citações que singularizam o tipo de equívoco da língua quando aborda o fato de que os pontos de vista são associados aos sujeitos e aos pontos de vista. Assim, falar de ser discursivo ou de sujeito parece, de todo modo, inevitável. A própria noção de LOC se apresenta problemática, uma vez que as propriedades agentivas ou subjetivas que sugerem os termos de locutor ou enunciador fazem confundir a distinção anteriormente discutida entre sujeito falante, locutor e enunciador. Pode-se objetar que sua distinção é desnecessária. Mas, em alguns estudos (RINCK, 2011), considerar uma instância enunciativa como sujeito ou ser discursivo não é algo trivial, tampouco atribuir a essas instâncias às propriedades não textuais de sujeito, agente ou ser, pois se trata da representação de um sujeito posicionado no enunciado através dos pontos de vista que o enunciado carrega. Um dos atributos da análise polifônica é ser capaz de especificar em que estas instâncias podem ou não ter o estatuto de sujeito considerando-se o modo como elas se apresentam no enunciado. Sob esta perspectiva pode-se preferir a denominação instância ou fonte enunciativa à enunciador. No entanto, contra essa escolha poderia se objetar que a formulação não elimina a ambiguidade: o adjetivo “enunciativo” não permite diferenciar se se trata de uma questão 47 de enunciação ou de enunciado. Definitivamente, como se trata de uma instância linguística acaba sendo importante também definir linguisticamente esta instância. Pode-se ainda se referir ao quadro da análise linguística da polifonia conforme proposto por Ducrot (1984), em que se define os enunciadores como seres que deveriam se expressar através da enunciação, sem que para isso seja necessário atribuir quaisquer palavras, se eles “falam” é apenas neste sentido que a enunciação é vista: como uma expressão de seus pontos de vista, de suas posições, suas atitudes, mas não no sentido físico de suas palavras. Retém-se deste autor a ideia de que os enunciadores “falam” no sentido de que como instâncias na fonte do ponto de vista, seus pontos de vista são expressos no enunciado. Isto também remete à ideia anteriormente discutida a respeito das vozes envolvidas no enunciado, em particular no caso do condicional: não está claro que no caso de “O professor faltaria amanhã” o enunciador esteja falando como se fosse a fonte do pdv1 “O professor faltará amanhã”. Dizer que se subentende sua voz ou, melhor, que o enunciado faz entender sua voz é mais adequado. De todo modo, nesta pesquisa preferiu-se adotar o ponto de vista como ponto de partida, para então abordar secundariamente a questão de sua prise en charge enunciativa. 2.3.3 PDV – definição e seu estatuto nas análises de base polifônica É importante aprofundar-se na noção do ponto de vista se se quiser melhor definir esta instância enunciativa como sendo a base de uma análise polifônica. A noção de ponto de vista, cf. Rabatel (1997), tem suas origens na crítica literária. É neste quadro que Pouillon a introduziu em 1946, e é com Ducrot em 1984 que a noção se integra à análise da polifonia linguística, que, no entanto, não é exclusiva, uma vez que a noção aparece diversamente mobilizada em perspectivas literária, linguística, semiótica ou hermenêutica. Reconstituindo a trajetória da noção de ponto de vista, Rabatel (1997), sublinha a idéia de que a análise literária do ponto de vista tende a privilegiar a questão de sua fonte ou origem. No campo linguístico, é relativamente pouco teorizado em Ducrot (1984), que utiliza a noção em concorrência com a noção de enunciador, cf. Nølke e e Olsen (2000). A análise da polifonia, no nível textual, se inscreve na seguinte perspectiva: ela deve permitir definir como um ponto de vista, enquanto opinião assumida pelo autor, se constrói linguisticamente, na multiplicidade e a hierarquização dos pontos de vista que caracterizam a polifonia do texto. A ideia é que, ao menos em certos gêneros (e em particular os gêneros que concernem a esta pesquisa), o texto apresenta um ponto de vista coerente, que pode ser 48 creditado ao seu autor, ou seu produtor, na forma de opinião ou de tese por ele defendida. O ponto de vista do autor se constrói no texto e resulta da dimensão polifônica do texto: o jogo dos pontos de vista, no sentido linguístico, deve ser conduzido de tal forma que possibilite a construção de um ponto de vista coerente e atribuível ao autor do texto. Para se definir o ponto de vista, e, por conseguinte, a questão de sua fonte em termos linguísticos, pode-se referir à teoria escandinava da polifonia linguística (ScaPoLine) de um lado e aos trabalhos de Rabatel, por outro lado. Ambos atendem a este requisito num quadro de análise firmemente ancorado numa perspectiva de análise dos textos: embora a teoria escandinava se apresente como uma teoria fundada sobre a perspectiva enunciativa, seus mais recentes desenvolvimentos destacam a idéia de que a análise linguística realizada na enunciação e suas estruturas linguísticas subjacentes devem servir à análise de textos de qualquer gênero. Esclarece-se, por fim, que a análise de textos literários fundada sobre sua materialidade linguística é apenas mais um dos objetivos de uma análise linguística da noção de ponto de vista. Tal foco linguístico se vê mais amplamente utilizado na análise de uma numerosa quantidade de textos e práticas linguageiras, em virtude da relação entre polifonia e argumentação, analisados em princípio por Ducrot (1984) através da questão dos pressupostos. O interesse dessas abordagens no contexto deste estudo diz respeito à incumbência de definir os fundamentos de uma análise textual em suas dimensões enunciativa e polifônica enquanto características peculiares a um determinado gênero. Esta pesquisa apresenta, nesta etapa, um duplo objetivo: primeiro de buscar, dentre o quadro referencial pesquisado, uma base linguística para a noção de polifonia e, em segundo lugar, aplicar os pressupostos teórico-metodológicos dos quadros de análise da polifonia no nivel textual, que caracteriza a ScaPoline e os trabalhos de Rabatel, e por essa razão, dedicase, neste capítulo, dois tópicos para descrever os princípios dessas duas abordagens. Na perspectiva de um quadro conceitual e metodológico para a análise de textos sobre uma dimensão polifônica, três eixos guiaram a leitura que se fez, nesta pesquisa, das duas abordagens mencionadas: i) proporcionar uma melhor compreensão de como o ponto de vista é definido; ii) como é tratada a questão de sua prise en charge, e, por fim, iii) como os autores se propõem a realizar a análise da polifonia no nível global do texto. 2.4 A análise do ponto de vista e dos aspectos polifônicos na teoria escandinava da polifonia linguistica (ScaPoLine) 49 Como ponto de partida a ScaPoLine considera como seu objeto, a estrutura polifônica, enquanto fato de língua que transcende o nível frástico, além disso, outro objeto de igual interesse nesse quadro teórico é a configuração polifônica que se apresenta no nível do enunciado, (NØLKE et al, 2004). É o que se considera, em conformidade com os fundamentos das abordagens enunciativas antes descritas, como resultado da enunciação de uma frase, resultado que fornece uma imagem de sua enunciação. Os autores sinalizam que, a exemplo de Ducrot (1984), eles falam de enunciado enquanto segmento textual dotado de um sentido autônomo e de frase enquanto unidade da língua subjacente ao enunciado. A descrição semântica do enunciado e da frase é designada, respectivamente, sentido e significação. Esta última, objeto de estudo mais imediato da teoria escandinava da polifonia linguística, é compreendida como um conjunto de instruções para se construir o sentido do enunciado, e assume as interpretações efetivas do enunciado. Desta forma, a análise toma o enunciado e sua estrutura polifônica como ponto de partida, tanto para dar conta da configuração da estrutura polifônica como para definir os contornos da interpretação desta configuração. A estrutura polifônica é definida nos primeiros textos como pedra angular nos estudos da teoria escandinava objetivando melhor compreender a construção do sentido a partir das instruções, compreendidas como elementos marcados na significação. Na perspectiva enunciativa da ScaPoLine, tais marcas são consideradas como marcas dos elementos de configuração polifônica. Nas revisões subsequentes e desenvolvimentos mais recentes da teoria (NØLKE et al, 2004) a conexão entre forma e sentido é explicitamente alçada a status de objeto de análise, uma vez que se demanda definir as instruções que as formas linguísticas aportam para a interpretação do texto. A passagem entre a estrutura polifônica e a configuração polifônica torna-se a questão central e se funda sobre as noções de variáveis e de saturação, noções que serão mais detalhadas adiante. Enfim, o modelo geral da ScaPoLine é o seguinte: na medida do permitido pelas instruções estabelecidas pelo significado (linguagem), as estratégias interpretativas consistem em um preenchimento das variáveis e seus relacionamentos. As variáveis (isto é, o que anteriormente se denominou ‘enunciadores’) fazem parte das instruções, que também são indícios de preenchimento, isto é, sua atribuição aos seres discursivos, e é o co(n)texto que permite um preenchimento relevante para interpretação. Nota-se, igualmente, que as evoluções da ScaPoLine atestam um interesse mais firmemente ancorado numa perspectiva de análise textual. Inicialmente, a distinção língua/enunciação ou frase/enunciação foi central, bem como em demais abordagens 50 enunciativas, interessadas pela questão da atualização da língua nos enunciados. Tal distinção, posteriormente reformulada nos termos forma/sentido, se inscreve no que parece ser uma visada particularmente interessante, a de pesquisar, no texto, os elementos que determinam sua interpretação. O quadro de análise permanece, assim, em adequação àquele da polifonia linguística proposta por Ducrot: funda sua análise sobre o material linguístico. Na perspectiva desta pesquisa, o texto é considerado o material linguístico por excelência, tanto quanto o enunciado. Considera-se que a originalidade da ScaPoLine reside em tentar resolver o problema da passagem entre a análise de enunciados, muitas vezes restritos e descontextualizados, e a análise polifônica no nível textual. Esta é a renovação em relação à abordagem inicial, cf. Nølke (2001): A ScaPoLine é uma teoria discursiva. Ainda que seu domínio (imediato) seja o enunciado, não perde de vista a ideia de que a noção de enunciado não tem o menor sentido senão como parte do discurso. Este fato se reflete, dentre outros, nas ferramentas heuristicas das quais se serve. Assim, os testes de encadeamento diferentes servem como ferramentas heuristicas primordiais. Parece, então, natural que tentar elaborar a ScaPoLine de modo a fazê-la funcionar de au delà enunciado. Nós já haviamos feito algumas proposições concernente ao desenvolvimento de uma aplicação propriamente textual da ScaPoLine e este aspect vai ocupar um lugar central nas investigações seguintes. Esta elaboração é fundamental no quadro dos polifonistas escandinavos, pois não é senão no nível textual que linguistas e literatos podem seencontrar. (NØLKE, 2001, p.65)16 2.4.1 Os pontos de vista e a questão de sua fonte na ScaPoLine A questão que ainda se coloca é saber como abordar a relação entre os pontos de vista no nível do enunciado e no nível do texto. Observa-se, nesta etapa, que o encadeamento de enunciados, mencionados por Nølke 17 , não é uma ferramenta à serviço da análise da 16 La ScaPoLine est une théorie discursive. Si son domaine (immédiat) est l'énoncé, elle n'oublie jamais que l'énoncé ne trouve sa raison d'être que dans le fait qu'il fasse partie d'un discours. Ce fait se reflète entre autres dans les outils heuristiques dont elle se sert. C'est ainsi que les tests d'enchaînement différents servent comme son outil heuristique primordial. Il semble donc naturel d'essayer d'élaborer la ScaPoLine de manière à la faire fonctionner au delà de l'énoncé. Nous avons déjà fait quelques propositions concernant le développement d'une application proprement textuelle de la ScaPoLine et cet aspect va occuper une place centrale dans nos investigations à venir. Cette élaboration est en effet strictement nécessaire dans le cadre du projet des polyphonistes scandinaves, car ce n'est qu'au niveau textuel que peuvent se rencontrer linguistes et littéraires. (NØLKE, 2001, p.65) 17 Note-se, primeiramente, que o encadeamento de enunciados é considerado pela ScaPoLine como uma ferramenta para determinar se se está ou não lidando com um ponto de vista, conforme descrito em Coco Noren (2000) que, de todo modo, demonstrou os limites deste critério, como se vê: La présence des deux PDV, l 'un affirmatif et l 'autre négatif, est confirmée par le fait que l 'on peut enchaîner sur les deux. Les suites 1a. et 1b. enchaînent sur le PDV négatif, alors que 2a., 2b. et 2c. enchaînent sur le PDV positif. Deux remarques peuvent être faites à ce sujet. Premièrement, on devrait préciser ce qu'on entend par « enchaînement » . Pris dans un sens large, il n'est guère opératoire pour identifier les PDV, puisque la catégorie d'enchaînements potentiels est ouverte. Il faudrait alors préciser de quel type d'enchaînement il est question, pour ne pas 51 polifonia textual, na medida em que os pontos de vista não são a questão central: como sublinha Nølke (2004) todo o problema da análise polifônica no nível do texto remete à questão da instanciação das variáveis que são os enunciadores. Para explicar como as variáveis da estrutura polifônica, analisadas em um enunciado restrito à uma frase ou numa sequência de enunciados, poderiam ser preenchidas no nível de interpretação do texto, a ScaPoLine tenciona determinar as relações entre os pontos de vista e os seres discursivos (NØLKE et al., 2004). Os pontos de vista são o objeto de uma definição semântica na teoria escandinava: eles são compreendidos como uma unidade semântica decomponível em dois componentes: um conteúdo e um julgamento. Esta análise do ponto de vista faz eco à proposta de C. Bally (1965) para o enunciado (não para o ponto de vista), já mencionada em tópicos anteriores, em cujo princípio se postula que o enunciado compreende um dictum, o dito e um modus, que remete à atitude daquele que diz sobre o que é dito. Noren (2000) demonstra que a definição do ponto de vista em conformidade com o estabelecido por Nølke na ScaPoLine se aproxima claramente da concepção de Kronning (1996, p.44), cuja proposta encontra um modus e um dictum no ponto de vista. Os limites desta distinção são conhecidos no nível do enunciado: embora seja pertinente é pouco operatória, na medida em que se torna muito difícil distinguir os dois componentes na materialidade linguística, pois o modus nem sempre é marcado ou se confunde com o dictum. A unidade denominada ponto de vista ainda traz à tona o mesmo problema que se coloca em relação ao ‘ponto de vista simples’ da ScaPoLine, no caso de um enunciado monofônico ou em que apenas um ponto de vista intervem (como, por exemplo: “Está tudo bem”). Neste caso, dizer que o ponto de vista se compõe de um julgamento ou de uma atitude sobre o ponto de vista se torna uma tarefa de difícil descrição. A dificuldade pode ser visualizada já na distinção de Bally se se considerar que o modus remete a um LOC, como, por exemplo, a instância que no enunciado se apresenta à questão da prise en charge enunciativa. Neste caso, pode-se conceber que, mesmo não marcado num enunciado como “Está tudo bem”, o modus dá conta da presença de um enunciador (na ocorrência de um LOC, isto é, como a instância que se apresenta como o produtor do enunciado). accepter « le coq à l 'âne ». Dans l 'absolu, tout enchaînement peut recevoir un sens, à condition de trouver le contexte, peut être exceptionnel, dans lequel ceci serait possible. 52 Entretanto, no nível do enunciado, tal como é analisado na ScaPoLine, não parece se colocar a questão da prise en charge modal do conteúdo que é visado por outro componente, o julgamento: este problema é resolvido, definitivamente, de modo diferente, usando-se enunciadores e relações de variáveis (chamadas enunciadores), permite-se que o preenchimento discursivo seja esta variável, como se verá mais adiante. Ao tomar-se como exemplo o enunciado “Está tudo bem” se está lidando com um ponto de vista monofônico, em que a variável “enunciadores” é preenchida pelo ser discursivo que corresponde ao locutor (LOC), o que significa dizer que o locutor está ligado a este pdv “Está tudo bem” por uma relação enunciativa: ele é considerado como uma instrução correspondente a uma regra de acordo com a qual na ausênca de um comentário contrário, o valor padrão estabelece que o locutor (ou, mais precisamente na perspectiva da ScaPoLine, um locutor do enunciado) seja a fonte deste ponto de vista, o que quer dizer, na perspectiva da ScaPoLine, o responsável pelo ponto de vista. Aprofundando-se a questão do modus e enquadrando-o a partir do ponto de vista, em vez do enunciado, a ScaPoLine relaciona o modus a este tipo de enunciados monofônicos. Se o componente ‘modus’ do enunciado monofônico é regrado pela questão do preenchimento da variável ‘enunciador’, relacionada ao ponto de vista, resta ainda a questão de como interpretar a dupla conteúdo-julgamento que definem o ponto de vista – e assim o enunciado monofônico, em que um ponto de vista simples se manifesta. A tarefa é possibilitada trabalhando-se com a premissa de que, de alguma forma, o componente julgamento do ponto de vista possa ser considerado como o nó que torna possível a relação entre ponto de vista e prenchimento por seres discursivos na perspectiva escandinava, ou a ligação entre uma fonte ou de uma instância que se responsabiliza pelo ponto de vista. Ao seguir-se essa idea, num enunciado monofônico como “Está tudo bem” haverá que se considerar: -um ponto de vista ou a associação de um julgamento e de um conteúdo; -a variável enunciador, a relação que permite o preenchimento dessa variável por um ser discursivo (na ocorrência do locutor, instância que se apresenta como responsável pelo enunciado). Mais precisamente, dir-se-á que o locutor de um enunciado é o responsável pelo ponto de vista. Ainda, junta-se, no caso dos enunciados monofônicos, uma descrição simples do ponto de vista: “Está tudo bem” enuncia um ponto de vista que por sua vez tem um conteúdo (o que quer que tenha sido dito) e qualquer coisa que seja dita ou pensada. No entanto, soa um pouco redundante analisar a estrutura interna do ponto de vista em termos de conteúdo proposicional e julgamento sobre o conteúdo, ainda que a prise en 53 charge do ponto vista seja resolvida, também, em termos de relações enunciativas no início e na evolução da ScaPoLine , com a variável enunciador e seu preenchimento, pois as relações enunciativas caracterizam a dimensão “julgamento” atribuída a todo ponto de vista. A redundância justificaria, num primeiro momento, a recusa da ScaPoLine em aceitar a noção de enunciador tal como se encontra elaborada em Ducrot (1984) como bem observou Norén (2000, p.4), a noção é, de fato, considerada “ (...) supérflua, pois o PDV exige obrigatoriamente que qualquer um veja. Em Linguística, é suficiente que se identifiquem os diversos PDV num enunciado ou em um microtexto e que se o designe como o PDV assumido pelo locutor. ”18 Tratada em termos de relações enunciativas, a questão da prise en charge dos pontos de vista não abarca completamente o problema da redundância, sem contar que a variável “enunciadores” é finalmente reintroduzida a fim de melhor se compreender a proximidade e a compatibilidade do quadro de análise proposto pela ScaPoLine com aquele proposto por Ducrot (1984). Nølke (2001, p. 47) demonstrou que este objetivo reflete melhor a analogia entre a ScaPoLine e a abordagem de Ducrot, sublinhando, em nota de rodapé, que a reintrodução da noção de enunciadores é uma “complicação inútil na economia do sistema” Se se propõe ver na componente do pdv denominada “julgamento” um nó que torne possível a relação com aquele ponto de vista ligado a um ser discursivo e que pode preencher a variável “enunciador”, então, considerar-se-ia que o aparato conceitual assim constituído pareça um pouco redundante, mas, de todo modo, tem o mérito de insistir no fato de que o pdv comporta uma dimensão modal relacionada à sua dimensão referencial , como já evidenciado por Kronning (1996, p.44) ao contrário de Ducrot (1984) para quem a questão da referência é excluída de uma análise na língua. Observa-se, novamente, que a oposição língua e enunciado tende a opacificar as teorias polifônicas. Sua vantagem parece ser a de tomar o texto como objeto, em sua materialidade linguística, demonstrando as relações entre o que é observável no nível do enunciado restrito ao quadro frástico e o que é observável em sua sequência de texto. A ideia de que o pdv, enquanto unidade semântica, associa alguma coisa do dito (um conteúdo proposicional) e uma componente modal remete ainda a uma ideia largamente admitida em Linguística, ainda que em graus variados, de que a língua não poderia ser superflue puisque le PDV implique obligatoirement que quelqu’un voit. En Linguistique, il suffit donc que l’on identifi les divers PDV dans un enoncé ou un microtexte et que l’on designe le PDV pris en chare par le locuteur.” (NORÉN, 2000). 18 54 considerada apenas em termos de proposições sobre uma realidade empírica existente independentemente da língua. 2.4.2 Os objetos discursivos e o preenchimento dos pontos de vista no texto na perspectiva da ScaPoLine Os seres discursivos, conforme a proposta da teoria escandinava da polifonia linguística, são unidades semânticas cuja propriedade é prencher a variável “enunciador”, em outras palavras é a instância que se apresenta como a fonte de um ponto de vista. Um ser discusivo relacionado a um ponto de vista por uma relação de responsabilidade (ou relação enunciativa) é compreendido como a fonte do ponto de vista. Ser a fonte ou o responsável pelo ponto de vista significa, na ScaPoLine, ser responsável pelo componente “julgamento” do ponto de vista. Inicialmente definidos de maneira alternativa como as pessoas linguísticas presentes no texto ou como entidades do universo de discurso, os seres discursivos, tendem, nas evoluções da ScaPoLine, a designar as imagens de diferentes personagens presentes no discurso. Embora se possa questionar sobre a clareza de tal objeto de análise a ideia é que os seres discursivos, como relações enunciativas, possam ser marcados na significação, mas não forçosamente, de modo que as regras permitam que se construa o sentido apropriado. Os seres discursivos são considerados construções do locutor, cuja definição, na ScaPoLine é muito próxima daquela proposta por Ducrot: é um elemento que no enunciado se apresenta como responsável pela enunciação. O LOC é o construtor dos elementos que compõem a configuração polifônica, e, como construtor do sentido e da configuração, o LOC não é apenas um ser discursivo: ele dirige todos os seres discursivos, por um lado e, por outro lado, ele pode construir os seres discursivos como imagens dele mesmo. Do conjunto dos seres discursivos identificáveis, alguns são imagens de LOC, mas essas imagens de LOC não são os únicos personagens que se manifestam; em particular, na leitura da ScaPoLine III (NØLKE 2001), em que o LOC constrói também imagens de outras instâncias enunciativas, como o ALOC, por exemplo, (elemento do sentido que no enunciado se apresenta como aquele a quem se dirige a enunciação). De uma perspectiva ainda mais abrangente, poder-se-ia dizer que os seres discursivos são os objetos de uma distinção entre diversas categorias, em função dos seus atributos enunciativos. A ScaPoLine propõe então que os seres discursivos sejam encarados como locutores virtuais ou não-locutores: os locutores virtuais são os seres discursivos que se 55 apresentam como mera imagem de locutores, ou são os personagens passíveis de tomar a fala, enquanto os não-locutores são os seres discursivos mais abstratos, são apresentados sem a propriedade de poder produzir eles mesmos uma enunciação. Nesta perspectiva, as imagens de LOC e de ALOC correspondem à dos locutores virtuais, com os terceiros, definidos como locutores virtuas indicados sobre um modo delocutado, pelos pronomes de terceira pessoa ou sintagmas nominais. Os não-locutores se encontram privilegiadamente marcados nos índices de impessoalização, como o “on” do francês ou o “se”, em português, que, por vezes, remete para um enunciador dóxico. Levando-se em conta as diferentes formas sob as quais se apresenta um ponto de vista, os locutores virtuais são o objeto, na ScaPoLine, de uma nova distinção com os locutores ‘strictu sensu’: se o locutor virtual tem as propriedades de um locutor strictu sensu, mas não as usa, então este as atualiza virtualmente na fala. A distinção entre locutor strictu sensu e locutor virtual ´pode ser também entendida como uma distinção entre um locutor virtal, em que as propriedades de locutor são atualizadas no texto e um locutor virtual em que as propriedades de locutor não são atualizadas. Assim, o condicional, de acordo com a discussão que se fez no ínicio desta seção, é compreendido como um locutor virtual: o ponto de vista subjacente tem como fonte uma instância que se apresenta, virtualmente, como enunciador ou ter enunciado o ponto de vista. Nesta perspectiva é possível associar à “O professor faltaria amanhã” uma especificação do tipo “Segundo o sr. Diretor”, o locutor virtual implicado pelo condicional se encontra atualizado pela designação “Sr. Diretor”. Assim, observa-se dois seres discursivos ou duas imagens de locutores stricto sensu: o locutor do enunciado e o locutor “Sr. Diretor”. Mais uma vez se observa a proximidade da análise dos seres discursivos com a dos enunciadores do quadro de Ducrot (1984), bem como com outras análises ainda menos lembradas, como por exemplo, a de Brés e Verine (2002): distinguem as fontes de pontos de vista que se apresentam como reveladoras, ou pode-se dizer, se apresentam como uma fonte de ponto de vista sem poder ser assimilado às fontes locutórias capazes de produzir um enunciado. Esta distinção não é tematizada em Ducrot (1984), que, ainda, sugere que os enunciadores não se exprimem todos no mesmo título. Ao contrário, ele estabelece, bem como Brés e Verine (2002), um quadro de análise do dialogismo que integra formas explícitas do discurso relatado, onde um locutor é encenado no texto e os turnos onde o enunciador não se apresenta como locutor, como por exemplo na ausência de uma fonte do tipo “Segundo o Sr. Diretor” num enunciado como “O professor faltaria amanhã”. 56 Na ScaPoLine, de maneira similar, toma-se como marca, ou na ausêcia de marcas, as regras que se podem aplicar. A questão da instanciação da fonte dos pontos de vista se apresenta como sugerido anteriormente, ou seja, num foco em diferenciar os turnos polifônicos, de um lado, e, por outro, em analisar a maneira pela qual os pontos de vista se encontram ligados ao LOC no nível do texto através de diferentes imagens. Neste ponto, a ScaPoLine segue a análise ducrotiana em sua proposta de distinguir duas imagens de LOC, imagens que também são encontradas para ALLOC (cf. NOREN, 2000), e para terceiros: um locutor do enunciado e um locutor do texto. Esta divisão foi iniciada por Ducrot (1982) referindo-se apenas ao locutor e sua análise dos pressupostos é formulada pelo menos em duas categorias: a do locutor, ser do mundo, e a do locutor enquanto tal. A despeito da diferença terminológica, justificada na ScaPoLine pela ambiguidade que introduz o “ser do mundo” para designar um ser discursivo, em ambos os casos explica-se o fato de que, no enunciado, as imagens do LOC responsável pela enunciação podem ser diversas, Nølke (2001) cita o exemplo “eu me pergunto se..” em que “eu” não tem exatamente a mesma referência e propõe a seguinte analise: o “eu”, neste caso, remete a um ser definido unicamente pelo fato de ser responsável pela enunciação e o “me” remete a uma imagem do locutor que é independente do enunciado. Esta distinção parece interessante, na medida em que permite considerar certos fenômenos semânticos e pragmáticos (como por exemplo, a pressuposição). Ela sugere também as pistas de análise que podem revelar sobre a maneira com que se constrói a subjetividade nos textos: se se admite que dizer “eu” enquanto sujeito, demanda nos textos, a constituição da imagem de um sujeito permanente e, além da multiplicidade de enunciados que se produzem, tal instância pode ser considerada como sujeito não apenas pelo fato de se dizer “eu”, mas, sobretudo, pelo fato de ser apresentada de acordo com uma imagem geral de si próprio, independente deste ato particular de enunciação. Todavia, o fato de se distinguir entre um locutor num enunciado, como imagem do locutor no momento da fala, e um locutor textual, como imagem geral do locutor ou imagem de locutor num outro momento de sua história, traz algumas dificuldades constrangedoras. A primeira delas é de ordem terminológica: a distinção entre enunciado e texto diz respeito aos níveis de análise, como já se observou anteriormente. Mas, se por um lado, tal distinção é interessante para identificar o locutor de um enunciado, por outro lado, o fato de ver no locutor do texto “uma imagem do locutor num outro momento de sua história” parece indicar 57 que, no texto, se construiria a imagem de um sujeito exterior ao texto, sendo mais pertinente, a este respeito, a designação de locutor como ser do mundo cf. Ducrot (1984). Em última instância, é a questão da relação entre o LOC e o sujeito falante, ou, o produtor real de um enunciado que aflora nas teorias polifônicas, ainda que separado do objeto de tais teorias, em função de se ter que lidar com conceitos como enunciado, enunciação e enunciação representada. A segunda dificuldade em se lidar com as noções de locutor do enunciado e locutor do texto é determinar se esta bipartição é, de todo modo, possível, em outras palavras, se ela é textualmente marcada, ela poderia assim limitar a reflexão sobre a construção do sujeito no texto supondo-se duas categorias que poderiam ser consideradas, sobretudo, sob o ângulo de suas relações. Parece que estas duas categorias de problemas tendem a projetar, no nível do enunciado, as características que se supõe para o ato de enunciação. Este ato tem o efeito costumeiro de considerar, na situação, um hic e um nunc, descrito ao menos em três parâmetros sugeridos pelos dêiticos que são os atores, o tempo e local da situação, e concorda-se que este ato tenha lugar num contexto mais amplo (por exemplo, o histórico conversacional entre os atores e seus conhecimentos compartilhados). As duas facetas das imagens do LOC no texto corresponderiam, assim, às duas dimensões tidas como necessárias para se levar em consideração o problema da referência. De todo modo, continua-se a avaliar a forma como a distinção é de fato operatória para a análise dos textos, e em que pode ser útil a esta análise. No tocante ao LOC19, esta questão se integra mais amplamente àquela da prise en charge enunciativa embora se considere que a originalidade da ScaPoLine resida em tentar aplicá-la igualmente ao ALLOC e aos “terceiros” para observar em que, num enunciado como “Segundo o Sr. Diretor, o professor faltaria amanhã”, onde se pode distinguir em “Sr. Diretor” um locutor virtual delocutado que se apresentaria como um locutor aqui e agora do enunciado, ou como locutor “ser do mundo” como lhe designa Ducrot. Além disso, considera-se importante que se tenha em mente uma complexidade acerca das imagens do LOC no enunciado: o “eu” é passível de ser analisado em múltiplas facetas, que não se limitam aos dos tipos de locutores ducrotianos, como, por exemplo, em enunciados científicos em que pode ser encontrado um locutor do texto, um locutor que aborda, um locutor genérico, um linguista, um pedagogo e etc. Uma terceira questão diria respeito aos locutores virtuais ou “seres discursivos apresentados pelo locutor como sendo imagens de outros locutores” e que não são indexáveis ao LOC como “O Sr. Diretor” no exemplo mencionado. 19 58 Além dessas considerações, o LOC, os seres discursivos e a prise en charge enunciativa em termos de fonte ou de responsabilidade dos pontos de vista colocam ainda uma outra questão: o postulado da ScaPoLine de que o LOC encena e constrói todas as imagens e todos os fatos textuais é insatisfatório, equivale a se conceber a designação da componente modal do ponto de vista em termos de julgamento20. Se se considera o jogo polifônico como um fenômeno linguisticamente inscrito, e ou inferível a partir de regras, não há razão para se dizer que um LOC constrói ou gera as diferentes instruções do jogo polifônico. Ao contrário, são as características do enunciado ou do texto que contribuem para conferir a imagem de uma instância LOC, e de uma instância LOC que conduz o jogo polifônico. Deve-se ter em mente que ainda que haja textualmente um “eu”, um texto não revela seu autor real, mas um suposto autor, nos termos bakhtinianos. Por fim, esclarece-se aqui que esses detalhes não inviabilizam tampouco tiram o mérito da abordagem da ScaPoLine: o escopo teórico dessa abordagem fornece as descrições detalhadas para se determinar em que medida os pontos de vista podem ser ligados aos seres discursivos por relações de responsabilidade 21 A ScaPoLine fornece uma tipologia de fenômenos polifônicos e oferece as entradas textuais para a análise da construção do jogo polifônico no texto. 2.5 A proposta rabateliana de análise do ponto de vista e das posturas enunciativas O projeto de Rabatel (1997, 1998, 2003, 2004, 2009) é, a priori, diferente daquele da ScaPoLine, mas se aproximam em alguns aspectos. Inscrevendo-se numa perspectiva narratológica, o autor tenciona conferir um caráter verdadeiramente linguístico à noção de ponto de vista. Iniciando-se este estudo por dois de seus trabalhos (1997 e 1998) observamse as abordagens históricas de que se investe a noção, a discussão do autor acerca dos trabalhos de Pouillon (1946) e Genette (1972, 1983), ambos totalmente estranhos à teoria polifônica desenvolvida por Ducrot. No mosaico que compõe o arcabouço da proposta rabateliana identifica-se, de imediato, seu principal objetivo: ultrapassar os limites das 20 Correspondendo ao que já se disse sobre a noção de enunciador, tendo-se em vista a questão da prise en charge enunciativa do ponto de vista de uma subjetividade cujos atributos são modelados sobre os dos sujeitos falantes. 21 Observe-se que as regras evidenciadas na ScaPoLine permitem também definir como funciona a nãoresponsabilidade. 59 abordagens de viés narratológico, propondo um conjunto de conceitos úteis na análise da construção textual do ponto de vista. No que diz respeito à análise proposta nesta pesquisa a abordagem polifônica possibilita a identificação da estrutura hierárquica das instâncias enunciativas e a assunção ou não da responsabilidade enunciativa nos gêneros acadêmicos propostos para estudo, e para isso se propõe uma discussão prévia acerca dos fundamentos da abordagem rabateliana. Esclareça-se, de início, que a preocupação desta pesquisa não se restringiu a uma compilação das diferenças entre o quadro proposto por Ducrot , pela ScaPoLine e por Rabatel, antes, buscou-se compreender a especifidade de sua abordagem a partir de seus trabalhos mais recentes, cujas reflexões demonstram que as discussões sobre o ponto de vista, inicialmente restritas a uma perspectiva narratológica pouco podem servir às análises de textos fora do campo literário. Na trajetória da pesquisa acabaram por se imbricar os elementos de reflexão sobre o ponto de vista e sua prise en charge enunciativa tematizadas em Ducrot e na ScaPoLine e que sugerem as vantagens em se trabalhar para desenvolver um quadro coerente para uma análise comum a despeito da diversidade de abordagens. A proposta rabateliana de centramento no ponto de vista parece mais adequada à abordagem polifônica: o autor insiste na distinção entre ponto de vista e discurso demonstrando a “irredutibilidade do ponto de vista, que é baseado, principalmente, no fato de que ele prescinde de falas das personagens para se expressar” (1998, p.14). Tem-se, assim, a ideia de que a polifonia não se reduz às marcas da presença de uma outra voz, pois essa voz pode não falar se houver retomada dos termos. Esta também parece ser a intenção da ScaPoline ao demonstrar como os seres discursivos parecem se apresentar, para alguns, ora como imagens de locutores virtuais (atualizados ou não), ora como imagens de nãolocutores. A definição da noção de ponto de vista, construída por Rabatel em sua obra de 1998, privilegia a noção de percepção e a constatação do caráter dual do fenômeno, uma vez que toda percepção associa alguma coisa vista e o ato mesmo de ver. Embora Rabatel (1998) procure ir além das metáforas que ilustram a definição de ponto de vista para dar-lhe uma base linguística, tal como ele problematiza, tende a reavivar a motivação metafórica do termo “ponto de vista”, excluída na abordagem de Ducrot22. 22 Contrariamente à abordagem de O. Ducrot (1984), parece que a abordagem rabateliana vislumbra a possibilidade de se considerar o que já fora anteriormente mencionado: a ligação entre o ponto de vista linguístico e do ponto de vista da opinião do senso comum ou opiniões. 60 Esses dois aspectos são para o autor como duas faces de um mesmo fênomeno, uma vez que a indicação de apreensão de objetos traz sempre consigo, necessariamente, uma percepção acerca do sujeito que os percebe, no nível da expressão linguística. Ainda assim, esses dois aspectos não parecem completamente diferentes da dupla composição do ponto de vista em termos de conteúdo e julgamento analisados na ScaPoLine, Todavia, Rabatel não menciona especificamente julgamento, mas a subjetividade do ponto de vista que consiste na expressão conjunta de percepção e pensamentos representados. Em outras palavras, o ponto de vista é considerado como uma apreensão perceptiva representada, co-referente a uma sujetividade determinada, (RABATEL, 1998). Mais especificamente, a definição do ponto de vista de Rabatel associa, basicamente, três critérios, pois o pdv supõe não apenas a existência de um sujeito que percebe, mas, também de um processo de percepção, e supõe, sobretudo, uma expressão particular dessa percepção. A análise do ponto de vista, com Rabatel, certamente, se baseia numa distinção entre a predicação de uma percepção e sua representação, ou seja, a expressão de uma percepção representada que só pode ser assimilada na expressão de um ponto de vista real, assim, conclui-se que a primeira etapa da análise consiste em demonstrar, linguisticamente, como uma percepção torna-se uma percepção representada e ligada aos mecanismos linguísticos de representação das percepções, indicando assim um PDV23, (RABATEL, 1998, p.55) As proposições de Rabatel quanto a esta primeira etapa da análise do ponto de vista remetem à questão de saber o delineamento dos contornos de um ponto de vista (marcas que indiquem com exatidão onde começa e onde termina um determinado ponto de vista), ou o que se pode ser considerado ponto de vista, em outras palavras, a delimitação da unidade mínima é uma incumbência da análise polifônica. O autor demonstra a dificuldade de distinguir a predicação de uma percepção e de uma percepção representada, e conclui apontando a dificuldade da definição de fronteiras do PDV, ou seja, de como determinar onde começa e termina um PDV. De todo modo, ainda que se concorde com esta observação de alcance limitado, não se pode negar a conveniência de seu uso, além do desenvolvimento da aspectualização do focalizado, combinando a percepção, pensamentos representados e assegurando-se as inferências cognitivas de percepção. 23 A. Rabatel abrevia PDV em maiúsculo para distinguir sua abordagem da de O. Ducrot (pdv). Outros autores tambem fazem a diferenciação, como J-M.Adam, que abrevia PdV. A solução para se evitar confusões com as abreviações, nesta pesquisa, foi a de usar as abreviações como os autores as usam em suas citações e termo “ponto de vista” fora das citações. 61 A análise da referenciação do focalizado, ou mais precisamente, da aspectualização do focalizado é a base da identificação do ponto de vista, como primeira etapa da análise. No entanto, a existência de percepções representadas não indica explicitamente que a focalização seja definida como a origem do ponto de vista ou mais exatamente do processo de percepção (RABATEL,1998). Em outros termos, a questão do sujeito que percebe ainda está em jogo: partindo-se da referenciação do focalizado, passa-se pela atribuição do ponto de vista, ou seja pela identificação da instância que o autor chama de enunciador, definido enquanto responsável pelas escolhas da referenciação. Para melhor compreensão desta segunda etapa de análise, faz-se necessário especificar a definição de ponto de vista conforme estabelecido pelo autor. Partindo de outros autores, Rabatel (1998) demonstra que a estrutura virtual do ponto de vista compõe-se a partir de três elementos: X (verbo de percepção e/ou processo mental) P, donde se admite que X remete ao termo identificado que coincide com a origem da percepção e P ao termo identificado correspondente ao contexto ou ao elemento percebido, e o verbo de percepção ou de processo mental serve de “relator que estabiliza uma localização entre dois termos, (RABATEL, 1998, p. 55). Em outras palavras, esta estrutura do ponto de vista diz respeito à predicação da percepção a uma fonte enunciativa explícita de um processo de percepção ou processo mental. (ibid.) Tal estrutura permite que se leve em conta realizações distintas, como se sugeriu, discutindo-se a partir da ScaPoLine, a necessidade de associar a questão da fonte ao ponto de vista. É assim que Rabatel (1998) justifica a tripla composição da estrutura do pdv: Esta estrutura virtual inicial se revela útil na medida em que permite interpretar que os três elementos da estrutura podem se realizar de formas muito diversas, no entanto, eles devem se referir a esta estrutura teórica, pois ela mesma, no nível da manifestação, não é completa. É a titulo heurístico que esta estrutura importa, pois e a partir dela que se pode postular as inferências suscetíveis de preencher as ausências (relativamente frequentes) de um dos dois primeiros elementos da estrutura (...) é, ainda, a partir dessa estrutura abstrata que se pode compreender as diversas modalidades de expressão do sujeito focalizador, ou do próprio processo de percepção. (RABATEL, 1998, p. 56) 24 cette structure virtuelle initiale s’avère utile dans la mesure où elle rappelle à l’interprétant que les trois éléments de la structure peuvent entrer dans des réalisations très diverses, qu’il faut pourtant rapporter à cette structure théorique, quand bien même, au niveau de la manifestation, elle n’est pas complète. C’est donc à titre heuristique que cette structure est importante, car c’est à partir d’elle qu’on peut imaginer des inférences susceptibles de combler les absences(relativement fréquentes) de l’un des deux premiers éléments de la structure […]. C’est encore à partir de cette structure abstraite que l’on peut rendrecompte des diverses modalités d’expression du sujet focalisateur, ou du procès de perception. (RABATEL, 1998, p. 56) 24 62 A análise das modalidades de expressão é crucial na perspectiva rabateliana. Marcadores e gradação são considerados essenciais para a atribuição de um ponto de vista a uma determinada fonte, o focalizador, e por essa razão, ele é incumbido de descrever “os principais marcadores linguísticos embreando um PDV do personagem ou do narrador (os dois únicos candidatos ao papel de focalizadores)” para melhor compreender como se constrói, textualmente, o universo do narrador e do personagem. Neste aspecto, Rabatel fornece uma pista interessante sobre a expressão de ponto de vista e de sua fonte: (...) considerar que a identificação se limita à identificação do sujeito (semântico) das percepções e pensamentos não deve mascarar a dificuldade, pois as estruturas sintáticas que expressam essa relação semântica são variadas. (RABATEL, A.1998, p.58)25. Convém, também, lembrar que o autor enfatiza a necessidade de se distinguir entre o sujeito semântico da percepção (o agente) e o sujeito sintático de tais percepções: (...) O sujeito semântico das percepções pode endossar as múltiplas realizações sintáticas e ter as notáveis diferenças entre um sujeito ativo que percebe (Pierre examinaria cuidadosamente a cena que se desenrolava a poucos passos de si) e um sujeito mais passivo que percebe em razão do semantismo do verbo. (RABATEL, A. 1998, p.57)26 Rabatel (1998, p.55-57) menciona, como exemplo, o enunciado “Pierre ouviu os tiros vagamente”, é propriamente o tema de sua percepção, ou ainda das estruturas sintáticas como a passiva “os tiros foram percebidos por Pierre”. Tal distinção entre o que se poderia chamar, mais esquematicamente, de prise en charge sintática e semântica da percepção representada é o que permite a Rabatel (1998) especificar sua definição linguística de ponto de vista: As bases linguísticas da expressão do ponto de vista repousam sobre a expressão das percepções e/ou dos pensamentos representados. As percepções estão sob a dependeência sintátiva de um sujeito e de um processo de percepção mencionados nos primeiros planos ou sob a dependência semântica de um agente ou um (...) considérer que le repérage du foyer se limite au repérage du ‘ sujet (sémantique) des perceptions et des pensées’ ne doit pas masquer la difficulté, tant les structures syntaxiques exprimant ce rapport sémantique sont variées. (RABATEL, A.1998, p.58) 26 (...) le sujet sémantique des perceptions peut endosser de multiples habits syntaxiques et il y a de notables différences entre un sujet percevant actif (Pierre scrutait attentivement la scène qui se déroulait à quelques pas de lui) et un sujet percevant plus passif en raison du sémantisme du verbe.(RABATEL, A. 1998, p.57) 25 63 processo que o texto não menciona explicitamente e que o leitor reconstruiria por inferência. (RABATEL, 1998, P.58)27 Uma vez estabelecido o objetivo de pesquisar os traços linguísticos de um ponto de vista no modo de apresentação do referente do objeto percebido, Rabatel (1998, p. 139) demonstra quão árdua pode ser a tarefa de diferenciar entre os pontos de vista do narrador e da personagem, pois sua descrição evidencia o fato de que os pontos de vista são mais homogêneos do que se possa crer, e se caracterizam, linguisticamente, pelo emaranhamento. Navegar nesse emaranhado pode ser dos desafios mais difíceis para o pesquisador. Incumbindo-se de analisar as regularidades nas relações entre os PDV da personagem e do narrador, Rabatel introduz, por um lado, as noções de quantidade de conhecimento e profundidade de perspectiva, e por outro lado, as noções de consonânca e dissonância entre os pontos de vista. Sem se levar em conta o conjunto da demonstração, dedicar-se-á, neste tópico, a sublinhar as principais conclusões às quais o autor chega. A propósito da quantidade do conhecimento narrativo e profundidade de perspectiva, Rabatel (1998, p.165) demonstra que o leque de possibilidades é um pouco mais aberto para o narrador do que para a personagem, embora a análise permita iguamente especificar que o ponto de vista da personagem é mais amplo do que o ponto de vista que tradicionalmente se lhe atribui. Já a respeito da consonância e dissonância entre os pontos de vista, a análise sugere que o sistema do PDV, a despeito de suas regularidades, é eminentemente flexível e que os traços polifônicos acabam por complicar a análise, sobretudo se se procura, minuciosamente, atribuir tal ou tal enunciado ao PDV de uma personagem ou à subjetividade do narrador, pois mesmo quando um PDV é claramente atribuível a uma personagem ainda assim a voz do narrador pode estar sempre presente e ser mais ou menos ressonante. Deste modo, pode-se perceber o quão dificil é (e quiçá arbitrário) de se atribuir, com absoluta certeza, a quaisquer porções textuais a expressão de um PDV em específico e “também porque é próprio das escrituras consonantes se enredar no que a análise tenta, em vão, separar” (RABATEL, 1998, p.183) 28 . Em vez disso, o objetivo é explicar a complexidade linguisticamente inscrita nas marcas polifônicas, pelas quais se engendram as les bases linguistiques de l’expression du point devue reposent dans l’expression des perceptions et/ou des pensées représentées. Ces perceptions et pensées représentées sont sous la dépendance syntaxique d’un sujet et d’un procès de perception mentionnés dans les premiers plans et/ou sous la dépendance sémantique d’un agent ou d’un procès que le texte ne mentionne pas explicitement et que le lecteur reconstruit par inférence. (RABATEL, 1998, P.58) 28 “et pour cause d’ailleurs puisque le propre des écritures consonantes est d’intriquer ce que l’analyse tente pataudement et comme vainement de séparer” (RABATEL, 1998, p.183) 27 64 relações entre pontos de vista e suas possíveis imbricações que caracterizam um texto, de acordo com uma polifonia irredutível. Encontra-se, aqui, um eco à discussão sobre os seres discursivos, que a ScaPoLine tenta distinguir, pois, embora tais distinções sejam úteis à análise, seu emaranhamento também aponta pistas que auxiliam na compreensão e análise do fenômeno. 2.5.1 As relações entre pontos de vista e construção de L1/E1 no tópico enunciativo A análise das relações entre pontos de vista parece ser o fio condutor no conjunto da obra rabateliana, e, por isso mesmo, é muito cara à abordagem desta pesquisa. A esta primeira característica soma-se uma segunda, contida nas duas primeiras obras rabatelianas acerca do ponto de vista: ainda que o interesse inicial do autor tenha se detido no texto literário, seu quadro de análise das relações entre os pontos de vista é igualmente aplicável a outros textos29. Estas ferramentas para análise das relações entre pontos de vista são descritas por um “tópico enunciativo” (RABATEL, 2004a). Tomando-se a disjunção entre locutor e enunciador como ponto de partida, a definição de enunciador é compatível com aquela proposta por O. Ducrot (1984). Todavia, sobre a proposta ducrotiana de definição conjunta de enunciador e ponto de vista, A. Rabatel observa que: Ducrot define conjuntamente o enunciador e o pdv. No entanto, por trás da implicação recíproca dos termos (nao há enunciador sem pdv e tampouco pdv sem enunciador) , os dois conceitos não funcionam no mesmo nível, a noção de pdv serve à definição de enunciador (disjunto do locutor) como a fonte de um conteúdo proposicional exprimindo um pdv – este útimo se manifesta não apenas no modus mas também no dictum [Ducrot, 1993:128] (RABATEL, 2004a, p.6) O autor justifica a disjunção com a instância locutor pelo fato de que se, por um lado, todo locutor é também enunciador (em virtude do princípio de sinceridade), por outro lado nem todo enunciador é necessariamente um locutor (cf. RABATEL, 2004a, p.5) usando exemplos semelhantes ao que se apresentou neste trabalho para se introduzir a questão da polifonia, bem como outros exemplos, tais como o discurso indireto livre, os enunciados irônicos, dóxicos ou ainda os pontos de vista narrativos. 29 Tal como realizado pelo próprio autor em vários outros trabalhos, como, por exemplo, um artigo de 2002 acerca da produção escrita de alunos e um de 2004 acerca das entradas do dicionário filosófico de ComteSponville 65 De modo geral, observa-se que, contrariamente a Ducrot e à ScaPoLine, a reflexão sobre a relação entre os pontos de vista assumidos num enunciado e sua prise en charge por um sujeito falante - produtor efetivo da enunciação – não é descartada nos trabalhos de Rabatel. Este é um ponto particularmente importante no quadro da abordagem proposta nesta pesquisa: desta relação chega-se à apreensão dos modos pelos quais autores de textos acadêmicos mobilizam textos teóricos de outrem em seus textos, estabelecendo-se relações de adesão ou contraposição, e mais ainda, quais pontos de vista dominam em determinados segmentos textuais. Voltando à abordagem rabateliana, o locutor é definido como uma instância que “profere um enunciado embreado ou desembreado, em suas dimensões fonéticas e fáticas ou escriturais”, enquanto enunciador designa a instância das atualizações operadas pelo sujeito modal, que “assume o enunciado em um sentido estritamente menos abstrato que a prise em charge decorrente da ancoragem dêitica” (RABATEL, 2004a, p.6). Se se compreende o locutor como uma dimensão textual, será conveniente a compatibilidade do quadro de análise proposto por Rabatel com o da ScaPoLine: o locutor é uma instância que se apresenta como responsável por um ato de enunciação, enquanto o enunciador traz à tona a questão da responsabilidade do ponto de vista. Assim como na ScaPoLine, objetivando analisar o jogo polifônico no nível do texto, Rabatel30 observa que (...) em vez de considerar que existam tantos enunciadores quanto conteúdos proposicionais, parece cognitivamente mais vantajoso agrupar os que tem conteúdos temáticos diversos, mas reunindo a mesma origem e a mesma visada enunciativa, sobretudo, se os enunciadores são encarnados. (RABATEL,2004b, apud 2004a, p.6)31. Tais considerações confrontam diretamente disposições ducrotianas, contrariando-as. Manifesta-se, ainda, a proximidade desta questão do reagrupamento com a abordagem da ScaPoLine: Rabatel observa que esta questão considera como a ScaPoLine leva em conta o preenchimento semântico dos enunciadores pelos seres discursivo, em função daquilo que ele chama de grau de encarnação. Isto reflete, provavelmente, o fato de que os seres Em nota de rodapé, o autor menciona, a respeito do termo “encarnado”, a questão do preenchimento da variável “enunciador” pelos seres discursivos na ScaPoLine. 31 (...) plutôt que de considérer qu’il y a autant d’énonciateurs que de contenus propositionnels, il paraît cognitivement moins coûteux de regrouper ceux qui peuvent avoir des contenus thématiques divers, mais que rassemblent la même origine et la même visée énonciative, surtout si les énonciateurs sont incarnés” (Rabatel,2004b, apud 2004a, p.6) 30 66 discursivos podem apresentar-se, na perspectiva escandinava, como não-locutores ou não atualizados, de acordo com o modo como se apresentam no texto. Além disso, lembre-se também o fato de que a questão do reagrupamento das instâncias enunciativas é abordada, por um lado, sob a perspectiva da hierarquização dos pontos de vista e dos enunciadores, e, por outro, das relações entre enunciadores e locutores. Atenta-se, prioritariamente, à instância L1/E1, ou mais especificamente, sobre o ponto de vista e seu enunciador como o ponto de partida para as análises, associando-se o enunciador com o locutor enquanto tal ou enquanto ser do mundo. Esta noção de sincretismo é um modo de se considerar a possibilidade de um ponto de vista ser atribuído como fonte ao locutor (LOC), pelo intermédio de seu enunciador. Isto vale para L1/E1 que se refere ao locutor primeiro, mas também para outros locutores que se manifestem no texto, no caso onde a fonte enunciativa de um ponto de vista é “encarnado”, ou seja, é um locutor, como no discurso reportado. Observa-se que este tipo de análise se aproxima bastante do projeto da ScaPoline, embora detenha-se preferencialmente sobre o locutor via diferentes enunciadores, incluindose as relações que permitem o preenchimento da instância “enunciador” pelos seres discursivos (significando, eles mesmos, não apenas as imagens do LOC como também a de alocutário ou, ainda, terceiros). O objeto difere um pouco, pois leva em conta a maneira pela qual se constroem L1/E1 a partir do jogo enunciativo. Na perspectiva rabateliana o objetivo tem duplo aspecto: por um lado, parece se propor a compreender melhor a noção de sincretismo, a fim de verificar em que medida um enunciador pode ser concebido amalgamado ao locutor, bem como em que medida os reagrupamentos são possíveis, ou não, em função das características textuais. Por outro lado, parece se deter na hierarquização das instâncias enunciativas analisadas, levando-se em conta a maneira pela qual, possivelmente, se constrói uma instância tal que possa ser nomeada L1/E1: a hierarquização dos pontos de vista e, assim, das instâncias à sua fonte está na base da possibilidade de se considerar, no nível do texto, uma instância do tipo “locutor” no sentido ducrotiano (LOC) que se apresenta como um responsável pelo enunciado, ou mais precisamente na perpectiva de Rabatel, que se apresenta como uma instância capaz de referenciar as operações dêiticas (e responsável pelo ato de enunciação no aqui e agora) e, às vezes, como referência das operações modais (responsável pelos pontos de vista circulando no enunciado por meio dos enunciadores). Esta hierarquização é analisada por Rabatel sob o ângulo de três possíveis relações entre pontos de vista e enunciadores: a co-enunciação, a sobrenunciação e subenunciação 67 (2003, 2004a, 2007). Nestes trabalhos o autor trata das interações e desigualdades dos pontos de vista em termos de posturas enunciativas. Apresenta-se, aqui, brevemente as definições de Rabatel para esses conceitos, de cuja descrição mais detalhada tratar-se-á nos subtópicos seguintes. A coenunciação, obviamente rara na medida em que o conjunto dos pontos de vista demonstram efeitos de desigualdade, corresponde ao caso em que duas vozes se sobrepõem, momentaneamente, ou seja, ocorre a co-construção, pelos enunciadores, de um ponto de vista que se configura como comum e partilhado. A sobrenunciação caracteriza um ponto de vista interacionalmente dominante de um enunciador sobre outro, enquanto a subenunciação caracteriza o caso em que um ponto de vista se apresenta, no texto, como interacionalmente dominado. A originalidade deste quadro de análise é de buscar perceber o jogo dos pontos de vista em textos extremamente diversos, incluindo-se os textos orais das conversações, por exemplo. É, sem dúvida, o que explica as ambiguidades que as noções podem levantar se se oculta a disjunção primeira entre enunciador (instância modal ligada ao ponto de vista) e locutor (responsável pela produção do enunciado). Desta forma, Rabatel se empenha em definir precisamente o que é o jogo interacional dos pontos de vista visado pela análise, e não o jogo interacional dos atores empíricos da atividade linguageira32. Mais uma vez, essas são as características textuais descritas, sob a perspectiva da interação dos pontos de vista, que tornam tangível todo texto, seja o fato de um único produtor efetivo (contexto monologal nos termos de Rabatel) ou de dois produtores, ou ainda mais interlocutores co-presentes (contexto dialogal) Outra questão que estas noções suscitam é a questão da marca das posturas de co-, sobre e subenunciação. Observa-se que tal problema não é específico para estes conceitos, mas se coloca a qualquer abordagem enunciativa em linguística. As posturas enunciativas, tais como propostas por Rabatel (2004a), são, de fato, marcacadas nos textos. Todavia, as marcas são inúmeras, abrangendo, inclusive, o caso da gestualidade na conversação oral, e podem ser polissêmicas, de modo que um “eu” não remeta apenas ao locutor, e que o locutor não se manifeste apenas por um “eu”: Mas esta resposta, malgrado sua precisão, somente faz ressaltar a imensidãode problemas relacionados que se sobressaem na problemática do PDV, como por exemplo, a relação entre percepção, discurso reportado e asserção. No nível didático as dificuldades não seria, menores, em primeiro lugar, por causa da multiplicidade de complexidade dos saberes relevantes, em seguida, por causa de 32 Ainda assim, não se pode afirmar, incautamente, que as relações entre ambos seja excluída por A. Rabatel, cf. 2004d. 68 representações equivocadas que perturbam a reflexão, especialmente a tentação de estabelecer uma equivalência entre a origem do PDV (uma subjetividade ou um sujeito) e sua expressão (subjetivante):ou um “eu” que não implica nem um PDV pessoal nem uma expressão subjetivante. - não mais que o PDV, que também não deveria ser nem objetivante nem dóxico. (RABATEL, 2005, P.58)33.: Além disso, a dificuldade aumenta no decorrer da análise do texto, pois as posturas podem se suceder uma à outra, assim, uma subenunciação, por exemplo, pode ser apenas provisória e estar a serviço, finalmente, da sobrenunciação. Estas noções introduzidas por Rabatel permitem abordar a polifonia não apenas em termos de multiplicidade de vozes, mas, sobretudo, em termos de hierarquização dos pontos de vista, ou em diferentes formas de dialogismo encontradas em Brés e Vérine (1999, 2002), lembrando-se o que já se disse anteriormente, que os autores preferem designar dialogismo em vez de polifonia ao focar sobre esta hierarquização enunciativa. Se os dados textuais, que dizem respeito ao tópico enunciativo na perspectiva rabateliana, se encontram já descritos nas abordagens do autor – e mesmo em outros autores – seu interesse parece ser, como na ScaPoLine, centrado em compreender a construção de uma postura de L1/E1 em certos gêneros, cuja construção de tal postura possa ser delineada, acrescentando-se o fato de que o objeto permitirá definir as dificuldades de sua construção em outros. Além disso, o tópico, assim descrito, fornece uma base linguística e das ferramentas de análise da construção da visada argumentativa de projetar e de modificar as representações de um leitor pressuposto, como bem observou Rabatel (2004a) sobre os efeitos argumentativos resultantes da argumentação na língua, no sentido ducrotiano, ou os efeitos argumentativos indiretos subjacentes às esquematizações, sob os topoi que orientam a interpretação independentemente da presença de formas argumentativas lógicas (cf. AMOSSY, 2011). O conjunto da obra rabateliana proporciona assim, uma melhor compreensão da relação entre enunciação e argumentação, fornecendo, assim, uma base enunciativa à construção do ponto de vista no texto e sua legitimidade, bem como permite considerar a visada argumentativa num texto. Mais cette réponse, malgré sa justesse, ne fait que souligner l’immensité des problèmes connexes qui relèvent de la problématique du PDV, par exemple le rapport entre perception, discours rapporté ou assertion. Sur un plan didactique, les difficultés ne sont pas moindres, d’abord en raison de la multiplicité et de la complexité des savoirs concernés, ensuite du fait des representations erronées qui perturbent la réflexion, notamment la tentation d’établir une équivalence entre l’origine du PDV (une subjectivité ou un sujet) et son expression (subjectivante) : or le je n’implique ni PDV personnel ni expression subjectivante – pas plus que les PDV en il ne devraient être objectivants ou doxiques.(RABATEL, 2005, P.58) 33 69 Segue-se no próximo subtópico, uma descrição um pouco mais detalhada dos tipos de pontos de vista para, em seguida, focar-se nas relações entre enunciador e locutor delineando-se alguns conceitos-chave da pesquisa. 2.5.2 Tipos de pontos de vista Ao criticar a proposta genettiana centrada na focalização narrativa, Rabatel demonstra como a questão do ponto de vista encontra-se intrinsecamente relacionada à percepção verbalizada nos enunciados. As formas de verbalizar a percepção podem ser agrupadas em um continuum, em função de um grau maior ou menor de visibilidade e maior ou menor tendência à expressão da interioridade, da subjtividade e da reflexividade dos enunciadores (RABATEL, 2007, p. 355). Assim, o processo perceptivo pode ser verbalizado de duas formas: afirmado pelo locutor, num dizer assumido, ou ainda representado pelo locutor e atribuído a um enunciador. Neste continuum identificam-se, então, as três possibilidades de perspectivação de si e do outro correspondendo às modalidades do ponto de vista: PDV narrado (embryonnaire/ raconté), o PDV representado (representé), quando o enunciador não fala, e o PDV afirmado (asserté). Baseando-se em Rabatel (2007 e 2008), expõe-se brevemente, a seguir, os tipos de PDV. O PDV narrado corresponde ao PDV perceptivo limitado aos traços do primeiro plano narrativo, como no exemplo: “O filisteu olhou e viu David, um menino magro, desprezível.” Trata-se de um fragmento de texto que “enfatiza o comportamento (forma de agir) ou ação verbal de um dos enunciadores, sendo os fatos narrados conforme tal perspectiva, que se pode distanciar da perspectiva do locutor. ” (CORTEZ, 2011, p. 55). Evidencia-se um processo cuja função é expor, do modo mais discreto e econômico possível, a subjetividade do enunciador, embora haja menor debreagem enunciativa do que no PDV representado. No PDV representado observa-se maior debreagem enunciativa do que no PDV narrado, trata-se de exemplos em que, o locutor/enunciador pode trazer para o seu discurso um PDV não necessariamente compartilhado, como a ironia, hipóteses, o discurso indireto livre, ou ainda os enunciados delocutados que exprimem um PDV nas narrativas heterodiegéticas no passado, como no fragmento bíblico citado pelo autor (RABATEL, 2007, p. 354): “O filisteu olhou e, quando viu a Davi, desprezou-o: era uma criança, pele clara e rosto bonito.”(grifos do autor). 70 Neste tipo de PDV a referência dêitica e espaço-temporal ganham status de testemunha de um enunciador não nomeado, sendo a única maneira de identificar sua presença. Em ambos os casos, do PDV narrado e do PDV representado, como não há asserções envolvidas, caracteriza-se um PDV imputado, já que os enunciadores não falam por si, trata-se de um monólogo interior embrionário, contrário ao PDV afirmado, caracterizado pela debreagem enunciativa máxima, constituindo, na maioria dos casos, discurso direto representado pelas aspas, dois pontos ou travessão, pois exprime diretamente as falas, opinião ou julgamento de um locutor. Este tipo de PDV é dominante nos textos argumentativos, e caracteriza-se pelo fato de coincidirem as instâncias enunciador e locutor, (RABATEL, 2007). Os fragmentos a seguir são exemplos de PDV representado, e afirmado, introduzido pelas aspas, em que locutor/enunciador expressa seu julgamento por meio de asserções explícitas em que assume o ponto de vista: (1) Art.AI01 (A) As entrevistadas sabem que através do aprendizado estão construindo a sua própria independência, (B) “antes eu não lia nada”. (C) Assim, nas falas de cada uma, ficou claro que nunca é tarde para recomeçar, principalmente para duas das três entrevistadas com mais de 70 anos. Entusiasmadas, em busca de novos saberes e satisfeitas com o aprendizado adquirido, são exemplos de vida para essa juventude. No primeiro segmento encontra-se um exemplo de um PDV representado de uma parte de amostra de informantes sobre um projeto de alfabetização de adultos, afirmado no segundo segmento apresentado entre aspas, e no terceiro segmento trata-se de um exemplo de PDV representado sobre como as informantes da pesquisa se sentem com a alfabetização, mesmo que tardia. Este PDV não se construiu isoladamente, apenas com a expressão das informantes, mas são, sobretudo, co-construídos, na medida em que revelam também um PDV narrado, correspondendo à atribuição de percepção aos enunciadores segundos. Desta forma, o trecho em itálico é um PDV afirmado das informantes, enquanto o trecho em negrito é um PDV narrado, uma percepção compartilhada por L1/E1. Não se deve esquecer, contudo, que há uma inegável liberdade nas formas de se expressar um PDV, e não havendo fixidez na representação das percepções as fronteiras entre uma modalidade e outra de PDV tornam-se extremamente fluídas e de difícil apreensão já que o PDV pode ser expresso por uma palavra, grupos de palavras, expressões predicativas ou falas representadas/afirmadas. No subtópico seguinte, em continuidade à questão do PDV, propõe-se alargar o horizonte da discussão até agora encaminhada para apresentar aspectos dialógicos do ponto 71 de vista através do exame das possíveis relações entre locutor e enunciador a fim de se problematizar e fechar a definição do ponto de vista. 2.5.3 A representação de pontos de vista no enquadre rabateliano O ponto de vista pode ser representado no texto de formas diversas, as quais estão ligadas às relações entre locutor e enunciador, ou às maneiras pelas quais o locutor, enquanto produtor efetivo do texto, se posiciona em relação ao ponto de vista de terceiros. Desta relação entre os enunciadores destacam-se duas noções: a prise en charge e a imputação. Associadas a estas noções encontram-se diversas outras que serão detalhadas neste subtópico, tais como prise en compte, prendre en compte, engajamento, desengajamento, apagamento enunciativo, commitment, responsabilidade enunciativa, e, talvez um pouco mais distante, a noção de mediativo. 2.5.3.1 A responsabilidade, prise en charge, imputação e outros dispositivos atuantes na construção do PDV A própria dificuldade em se traduzir o termo já oferece pistas quanto a sua complexidade34. A prise en charge e seu par, prend en charge, são usados frequentemente em linguística e mobilizados em quadros teóricos diversos, mas associados aos estudos enunciativos, tais como teorias vericondicionais, polifonia e dialogismo, teoria dos universos das crenças, teorias das operações enunciativas e dos blocos semânticos, (COLTIER et al, 2009, p.4). É por essa razão que várias outras noções como modalização, evidencialidade, polifonia, mediativo, pressuposição, discurso reportado, dentre várias outras, se associam ao termo prise en charge (cf. DENDALE et al, 2009, p.6), causando, muitas vezes, a impressão de que se tratam de conceitos sinônimos quando na verdade são apenas conceitos que se associam, uns muito proximamente, outros menos, mas que não se tratam, na verdade, de sinônimos. Rabatel e Chauvin-Vileno (2006) consideram que a relação com as noções afins complexifica o conceito de prise en charge, o que se agrava com o fato de que estudos sobre a questão são raros e não são consensuais, é o que se observa também na edição 162 da Revista Langue Française (2009). A dificuldade na definição do termo soma-se à difusão de termos que poderiam “traduzi-lo” para o português, decidiu-se, portanto, nesta pesquisa, manter os termos na língua francesa. 34 72 Diante deste cenário, optou-se, nesta pesquisa, por mobilizar as definições propostas em Rabatel e Chauvin-Vileno (2006), Rabatel e Grossman (2007), e Moirand (2006) que correlacionam o conceito de prise en charge ao de responsabilidade enunciativa e Rabatel (2009a), que reconfigura o conceito de prise en charge definindo-o em dissociação da imputação. Iniciando-se o exame desta questão por Moirand (2006), a autora observa que, embora muito frequentemente o termo responsabilidade seja associado à prise en charge, eles não devem ser confundidos, uma vez que ela toma a responsabilidade como um fenômeno de ordem filosófica, ética e moral, mais abrangente que a prise en charge. Enquanto noção filosófica está associada à ética das práticas linguageiras midiáticas, mas evidentemente, pode-se estender essa noção para além da linguagem jornalística. A autora entende que a responsabilidade se manifesta numa ética relacionada ao ato de nomear, às escolhas lexicais, bem como certas formulações ou construções sintáticas e na forma de representar o discurso de outros: Se pensarmos no fato de que a linguagem tem uma responsabilidade na construção da realidade social (Searle, 1998) esta ética se manifestaria no ato de designar e nomear ( designar, caracterizar) os fatos e eventos, atores, suas ações de atos de língua, e na tarefa de representar seus dizeres: uma ética da responsabilidade implica, na verdade, que não temos o direito de ignorar as consequências de nossos atos de língua, e que não se trata apenas de escolher, por exemplo, entre eu e um canalha, entre um estudante e um anarquista na designação dos atores de um determinado evento ou no relato sem se distanciar e/ou sem mencionar a origem dos enunciados que circulam a propósito de um fato ou evento (Moirand 2006c ). A escolha de certas designações como de certas formulações ou construções sintáticas constituem, frequentemente, a força pragmática na política (“velha Europa”, “cruzada”, “distúrbios”, “comportamento dos Guardas Vermelhos”, etc.). Um enunciador responsável, de verdade, não se contenta em repetir as formulações, mas em fornecer os meios de se recuperar o aspecto dialógico da palavra, da formulação ou do enunciado, pela pesquisa, hoje em dia facilitada, e pelo uso inteligente que se pode fazer das palavras nos mecanismos busca na internet. (MOIRAND, 2006, p. 13)35 35 Si on pense en effet que le langage a une responsabilité dans la construction de la réalité sociale (Searle 1998), cette éthique se manifesterait dans la façon de nommer (désigner , caractériser) les faits et les événements, les acteurs, leurs actions et leurs actes de langage, et dans la façon de représenter leurs dires: une éthique de la responsabilité implique en effet qu’on n’a pas le droit de se désintéresser des conséquences de ses actes de langage , et qu’il n’est pas sans conséquence de choisir , par exemple , entre je une et racaille , entre étudiant ou anarchiste pour désigner les acteurs d’un événement ou de rapporter sans distance et/ ou sans mention d’origine les énoncés qui circulent à propos d’un fait ou d’un événement (Moirand 2006c ). Le choix de certaines désignations comme de certaines formulations ou constructions syntaxiques constituent bien souvent des coups de force pragmatiques en politique (« vieille Europe », « croisade », « émeutes », « comportement de gardes rouges », etc. ). Un énonciateur responsable de vrait alors ne pas se contenter de répéter mais fournir également les moyens de retrouver « l’épasseur dialogique » du mot , de la formulation 73 Rabatel e Chauvin-Villeno (2006, p.2) aproximam o universo jornalístico do científico quando se questionam: “Pode-se se interrogar sobre a responsabilidade dos jornalistas sem se interrogar sobre a dos pesquisadores, especialmente dos linguistas e analistas de discurso?” A partir daí, se incumbem de delinear a noção de responsabilidade: frequentemente, tanto nos gêneros midiáticos quanto na escrita científica, o falante não interfere diretamente mas tem sua voz representada por um “porta-voz”, mediador das palavras e/ou ideias de outro, de forma que a responsabilidade estaria diretamente relacionada ao gerenciamento das fontes enunciativas num texto, e, de acordo com os autores, embora não haja marcas específicas dessa responsabilidade, pode-se dizer que ao menos as escolhas linguísticas são dependentes de um querer dizer, em outras palavras, a responsabilidade é co-construída na interação, em que as marcas linguísticas, discursivamente atualizadas e dependente de gêneros/ situações, refletem as escolhas de locutores/enunciadores. Seguindo a linha desses autores, poder-se-ia dizer que a prise en charge é um fenômeno que resulta das máximas conversacionais, sobretudo, do princípio de sinceridade, assim, aquele que asserta assume a asserção, enquanto locutor/enunciador primeiro. A prise en charge prescinde, assim, de marcas específicas, ao contrário da não prise en charge, caracterizada, por assim dizer, por diversas marcas, tais como o condicional, os modalisadores epistêmicos, dimensões lexicais axiológicas, discursos reportados, quadros mediadores, etc. (RABATEL & CHAUVIN-VILLENO, 2006, p. 9) Duas questões são extremamente relevantes para esta pesquisa: primeiro, a ideia de que a responsabilidade não é um fato exclusivo da relação entre sujeito e enunciado ou sujeito e objeto, mas, sobretudo, da relação que se pode estabelecer sobre o modo como sujeitos e discursos se posicionam acerca de um dado objeto (cf. CORTEZ, 2011, p.73-75). Desta forma ( e isso é precisamente um dos apontamentos mais importantes nesta reflexão), a estrutura do enunciado ou se os enunciadores se omitem ou se mostram não é o aspecto mais relevante da questão, e sim, das “relações interacionais entre os discursos que se enunciam e se reencontram e que enunciam a relação com os discursos outros” (CORTEZ, 2011, p.74). Assim, a responsabilidade se relaciona com o ponto de vista através da intervenção que se faz naquilo que se dá a ver nas interações, em outras palavras, de como ou de l’énoncé , recherche aujour d’hui facilité e par l’usage « intelligent » qu’on peut fair e des moteurs de recherche sur l’internet . (MOIRAND, 2006, p. 13) 74 L1/E1 se posiciona em relação ao discurso de outro. Esta reflexão mostra-se particularmente relevante na seção em que se discutirão os resultados desta pesquisa. Além disso, Rabatel e Chauvin Villeno, 2006, p. 10, postulam diferentes formas de encenação enunciativa, tais como: i) o locutor falando por si, ii) recorrer a um ou vários enunciadores abstratos, iii), colocar em cena diversos enunciadores, cujos pdv’s apenas um corresponde ao seu próprio, iv) recorrer a vários enunciadores não hierarquizados entre si, atrás dos quais se oculta, e, por fim, v) recorrer a vários enunciadores com os quais o locutor/enunciador está de acordo. Tais flutuações permitiriam ao sujeito “brincar de esconde-esconde” no cenário enunciativo: concordar ou contrapor-se às opiniões, para depois se reapropriar de um espaço enunciativo dominante. O segundo ponto é o fato de que há, sem dúvidas, uma fronteira muito tênue entre responsabilidade e prise en charge, chegando-se por vezes à confusão (ou sobreposições) entre os termos. No entanto, postula-se, nesta tese, que os dois fenômenos se diferenciam no nível enunciativo: enquanto a prise en charge é um fenômeno localizado em um nível local, no enunciado, a responsabilidade é mais abrangente, englobando não apenas a prise en charge mas também outras operaçõs enunciativas, tais como: engajamento, apagamento enunciativo, imputação e mediativo: (...) a prise en charge (PEC) pode ser situada como uma operação textualdiscursiva pontualizada, que obviamente tem suas consequências no âmbito mais amplo da responsabilidade enunciativa – esse comportamento discursivo ligado à ética e à moral. (CORTEZ, 2011, p. 75, grifo meu). É desta forma, então, que se propõe, nesta tese, a distinção entre responsabilidade e prise en charge: a responsabilidade é tomada como um comportamento discursivo e não apenas como fenômeno linguístico, enquanto a PEC se manifesta no nível do enunciado, num ponto focal. Ao contrário de Desclès (2009), Rabatel (2009) não concebe a PEC fundada exclusivamente em critérios de verdade, sujeitos à subjetividade ou à relatividade, sendo algo que tangencia a PEC, mas não pode ser tomada como uma característica exclusiva. Isto porque a realidade do locutor não corresponde necessariamente ao que é real no mundo, um objeto de existência concreta no mundo, antes, corresponde a aquilo que o locutor assume como verdadeiro, e, portanto, assevera. Partindo da concepção culioliana de prise en charge (toda asserção, afirmativa ou negativa é uma prise en charge efetuada pelo enunciador), Desclés (2009) propõe um 75 “esquema mínimo da enunciação simples” para contrapor ao esquema do discurso reportado. Em seu esquema mínimo, o autor descreve os esquemas que vão desde a manifestação da prise en charge num nível mais simples, o da crença, até o nível máximo da asserção, o engajamento. A prise en charge simples é expressa pelo “EU-DIGO”, e requer tomar o locutor como enunciador: “Numa enunciação simples, o locutor “é” o enunciador, donde o esquema mínimo de enunciação [EU – DIGO] e suas variações derivadas” (p.32). Já o engajamento é considerado, pelo autor, como o resultado de uma composição funcional com a prise en charge, sendo expressa por [EU DIGO (QUE É VERDADE)], de modo que a asserção “prend en charge”, em outras palavras, afirma a verdade de uma proposição por meio de operações realizadas sobre a relação predicativa. Mas, que não se confunda essa noção de verdade com uma correspondência entre o que é dito e o estado de coisas no mundo. A verdade afirmada, à qual o autor se refere, exprime um julgamento sobre um acontecimento, processo ou estado, referencialmente situado, e, principalmente, não significa, necessariamente engajamento: A prise em charge simples resulta na construção de um referencial enunciativo que se confunde, eventualmente, em certas análises, com a criação de um “universo de crenças”. Segundo A. Culioli, a « prise en charge » implicaria apenas uma crença que seja verdadeira, o que, observemos, não quer dizer que ele se compromete completamente, como o faria numa asserção: « No sentido técnico de prise en charge: dizer o que se crê (ser verdade). Toda asserção (afirmativa ou negativa) é uma prise en charge por seu enunciador. » (Culioli 1999 : 131). Crer na verdade de ‘P’ não é assertar ; assertar ‘P’, é necessariamente assumir ‘P’. Pode-se crer (o dizer assumindo sua crença: eu creio, eu penso) sem se comprometer com a verdade do que é dito. (exemplos : Eu creio que ele veio, mas não estou certo sobre isso/ Eu creio que a conjectura de Riemann é exata mas não posso lhe assegurar.) (DESCLÉS, J.J., 2009, p. 35, grifo meu) 36 Para Haillet (2004, p.10) “Um ponto de vista representado como emanando do locutor é necessariamente assumido por ele (...)”, assim, é representado de forma integrada à realidade do locutor. Já Laurendeau (2009), partindo de um conceito culioliano de prise en charge (toda asserção, afirmativa ou negativa, é uma prise en charge de seu enunciador) La prise en charge simple aboutit à la construction d’un référentiel énonciatif qui se confond éventuellement, chez certains analystes, avec la creation d’un « univers de croyance ». Selon A. Culioli, la « prise en charge » impliquerait seulement une croyance dans ce qui est vrai, ce qui ne veut pas dire, remarquons-le, que l’énonciateur s’engage alors complètement, comme il le ferait par une assertion : « Au sens technique de prise en charge : dire ce que l’on croit (être vrai). Toute assertion (affirmative ou négative) est une prise en charge par un énonciateur. » (Culioli 1999 : 131).. Croire à la vérité de ‘P’ n’est pas l’asserter ; asserter ‘P’, c’est nécessairement prendre en charge ‘P’. On peut croire (et le dire en prenant en charge sa croyance : je crois, je pense…) sans pour cela s’engager sur la vérité de ce qui est dit. (exemples : Je crois qu’il est venu mais je n’en suis pas vraiment sûr/Je crois que la conjecture de Riemann est exacte mais je ne peux pas vous l’assurer.) (DESCLÉS, J.J., 2009, p. 35, grifo meu) 36 76 atrela-a à noção de engajamento: “O sujeito enunciador se implica em sua tomada de posição e se compromete”. Depreende-se, das leituras realizadas para esta pesquisa, que, ainda que o enunciador assuma um conteúdo como emanando de si, isso ainda não significaria, necessariamente, engajamento, pois respaldando-se em Rabatel (2009), PEC e engajamento não se confundem se se toma o engajamento por um equivalente de força ilocutória, podendo haver PEC com ou sem engajamento, o que ocorre é que na presença de uma PEC explícita, maior é a força ilocutória, e um conteúdo de baixa força ilocutória não significa, necessariamente, ausência de PEC: “Quanto mais a força ilocucionária é marcada, mais o locutor se investe de seu dizer (cf. (4)), mas uma força ilocucionária frágil não leva à não-PEC da verdade de um enunciado pelo locutor/enunciador”. (RABATEL, 2009, p.7). Para aumentar um pouco mais a complexidade do problema, no enquadre rabateliano a distinção enunciador/ locutor é relevante, na medida em que põe em jogo nuances diversas da interação verbal, em que a questão da PEC se complexifica. Em Rabatel (2009) se encontra a proposta de estender-se a noção de PEC para além do locutor/enunciador primeiro. Sob esta perspectiva compreende-se que outros enunciadores (os segundos) podem ser considerados por uma outra forma de PEC Para melhor compreender como funciona essa quase PEC, aplicou-se num fragmento de um texto a classificação proposta em Rabatel (2009): (2) Rel.5 A escola recebe do FNDE livros para os alunos do 2º ao 9º ano. Livros das disciplinas: português, matemática, história, geografia e ciências. (A) De acordo com as coordenadoras entrevistadas os livros são muito bons, na maioria das vezes. Elas dizem ser ruins os livros que vem completados, que é o caso da maioria dos livros para a 1ª série, (B) segundo essas professoras, esses autores duvidam da capacidade do professor e lhes chama de “burro”. C) Mas, penosamente, dizem que a maioria dos professores dessas séries prefere esses livros respondidos. De acordo com a proposta rabateliana, no segmento (A) as coordenadoras entrevistadas pelo autor do texto são as enunciadoras segundas e validam o conteúdo proposto na subordinada, sem que se saiba exatamente o que pensa o L1/E1, ocorrendo praticamente o mesmo no segmento (B). Já no segmento C o distanciamento permanece assegurado pelo discurso indireto, mas observe-se que neste caso, há um diferencial: L1/E1 não é o enunciador do modalisador penosamente, pois este advérbio está considerando a preferência dos professores do ponto de vista das coordenadoras, que nada dizem 77 diretamente (em DD) a respeito da preferência dos professores por livros com respostas prontas, mas L1/E1 imputa-lhes um engajamento (ou uma PEC pressuposta) a respeito do conteúdo proposicional. Isto significa que L1/E1 considera que as coordenadoras condenam tal comportamento, por isso o advérbio penosamente. Não se pode dizer que haja uma PEC, pois o enunciado não é atualizado pela fórmula “EU DIGO QUE X”. Em todos os casos há uma fonte, uma origem externa ao dizer de L1/E1 que, supostamente, fez a prise en charge do PDV, em outro momento, outro lugar fora daqueles da enunciação. Por esta razão, Rabatel (2009) propõe a noção de uma PEC pressuposta, ou uma quase PEC: Não há PEC, pois aqui ela não é atualizada por um "eu digo X", pressupõe-se tenha ocorrido anteriormente. A imputação é, portanto, uma PEC com responsabilidade limitada, porque foi construída pelo enunciador, atribuído por ele a um locutor / enunciador segundo que sempre se pode argumentar que ele não é responsável pelo L1 / E1 tem indevidamente cobrada. (RABATEL, 2009, P.4) É esta quase PEC que possibilita ao L1/E1 se posicionar diante de um ponto de vista de e2. O autor constata que há uma diferença considerável entre a PEC de L1/E1 no e pelo discurso, o conteúdo que ele assume integralmente e o fato de ele atribuir, imputar um ponto de vista a uma outra instância (sobretudo quando esta nada diz), fazendo com que se pressuponha que tal conteúdo tenha sido anteriormente proferido. Por essa razão, Rabatel (2009) admite que a imputação é uma PEC indireta com “responsabilidade limitada”, já que L1/E1 atribui um pdv a e2, como acontece no trecho 2 do exemplo anterior em que um pdv é atribuído ao especialista. O e2 pode não assumir o PDV, pode alegar que não é responsável por um PDV que tenha lhe sido erroneamente atribuído. Ocorre, neste caso, “uma reacentuação do discurso outro, que passa a ser matizado com as entoações do outro”, (CORTEZ, 2011). Por fim, segundo Rabatel (2009), embora seja limitada, a quase PEC é essencial nos casos em que L1/E1 está de acordo com E2, mas também o é em casos de discordância, pois neste último não ocorre sobreposição a outro PDV. Desta forma, compreende-se que as noções de acordo, desacordo e neutralidade só fazem sentido face a noção de imputação. (3) Art. 4 (A) As ideias referentes à cultura indígena expressas nos primeiros trabalhos antropológicos têm reflexos ainda hoje, resultando no pensamento preconceituoso da sociedade brasileira, que preserva a ideia de que o índio não passa de um selvagem culturalmente atrasado (C) como descreve o próprio Freyre. O que mais intriga nessa situação é o fato de a cultura das tribos indígenas brasileiras terem absorvido características 78 dos costumes dos “brancos” e ainda assim a população relaciona a imagem do nativo à figura encontrada na época do Brasil colônia. O trecho acima combina dois pontos de vista: um afirmado, é o pdv de L1/E1 acerca de e2, e um pdv representado de e2, em que lhe é imputada a percepção de que o índio é um ser atrasado e primitivo, neste segmento L1/E1 afirma seu pdv a respeito do outro, descrevendo seu modo de agir. Essa percepção é deflagrada nas formas nominais “pensamento preconceituoso” e “ideia de que o índio não passa de um selvagem” e no enunciado “resultando no pensamento preconceituoso da sociedade brasileira”, que pressupõe, acerca de e2 um modo de pensar do qual L1/E1 não compartilha. É deste modo que Rabatel (2009) contrapõe PEC e imputação: enquanto a PEC define uma responsabilidade integral de L1/E1 na expressão de seu ponto de vista, ela é limitada ou pressuposta ao remeter-se a um ponto de vista alheio. Na verdade, L1/E1 até assume a imputação mas não o conteúdo imputado, sendo esse conteúdo atribuído a e2 (pertencente a outro enunciador). Desta relação decorre a disjunção entre locutor e enunciador. Nos segmentos destacados do excerto acima, L1/E1 assume a imputação, na medida em que é o responsável pela representação de um conteúdo perceptual atribuído a e2, nisto reside o distanciamento, pois L1/E1 não assume o conteúdo perceptual do pdv representado de e2. Neste excerto, observa-se ainda um outro enunciador, descrito por L1/E1 como a fonte donde emanariam os pensamentos que influenciam a sociedade (e2), esse terceiro enunciador é o antropólogo, contra cujas ideias L1/E1 se contrapõe. Em outras palavras, L1/E1 parte do pressuposto de que a “sociedade brasileira” tem uma certa ideia a respeito do índio, a de um “selvagem”, é esse posicionamento que L1/E1 critica, mas claro está que ele não é o responsável por essa percepção. Trata-se de um saber social em que está ancorada a memória discursiva a respeito da relação entre o homem branco e o índio e esse espaço interdiscursivo é que permite a representação do pdv imputado. Ao referir-se à sociedade (objeto de discurso) L1/E1 retoma e reapresenta uma percepção socialmente construída de uma sociedade brasileira arraigada aos modelos de pensamento etnocêntrico , o que lhe permite imputar um pdv e assinalar, implicitamente, a existência de uma perspectiva divergente do pdv principal. Há ainda um outro conceito associado ao pdv que atua na sua representação (tanto quanto a PEC e imputação), é a “prise en compte”. Rabatel (2009) contrapõe a PEC à prise en compte a partir da noção de imputação. A prise en compte difere da PEC na medida em que envolve uma tomada de posição ou assunção de um conteúdo, apenas uma forma de integrá-lo no discurso. Deste modo, entende-se que a prise en compte engloba pdv’s 79 imputados por L1/E1 aos outros enunciadores, o pdv de e2 (sociedade brasileira) no excerto anterior evidenciou que L1/E1 integrou as percepções de outro em seu discurso, mas não o assume como seu, é por isso que pode ser entendido como uma prise en compte, mas não como PEC, na medida em que L1/E1 não assume o pdv como seu, e, mais, trata-se de uma prise en compte no desacordo, na medida em que este enunciador não valoriza este pdv, ao contrário, desaprova-o, criticando tal modo de agir. Para Laurendeau (1989a; 2009) toda PEC é, necessariamente, uma prise en compte, mas o oposto não é verdadeiro, nem toda prise en compte é uma PEC, na medida em que não precisa ser assumida por L1/E1, donde se compreende que prise en compte é um fenômeno mais amplo do que a PEC. Partindo-se da perspectiva deste autor compreende-se que a imputação corresponde a uma não asserção ou desasserção por parte de L1/E1 que, não assumindo integralmente a responsabilidade pelo conteúdo proposicional, coloca-se à distância em relação a e2. Desta forma, essa não asserção se configura como uma objeção ao pdv de outro, como no pdv imputado à sociedade, no excerto (3). Mas, por outro lado, pode haver, como no excerto (2), um caso de prise en compte no acordo. Neste caso a imputação pode se tornar uma PEC, que, como forma de prise en compte, indica asserção no grau máximo em relação a um conteúdo, ou seja, a PEC integral corresponde a um caso de prise en compte em maior grau e a PEC com responsabilidade limitada (imputação) equivaleria a um grau mínimo, nesse sentido pode-se falar em gradação, não da PEC, mas da prise en compte. Rabatel e Lepoire (2006, p.65) estabelecem, num esquema, este continuum entre o acordo e o desacordo, tomando-o como base para definir as posturas enunciativas de coenunciação, subenunciação e sobrenunciação, neste mesmo esquema, que será retomado mais adiante: Concordância concordante concordância discordante Consenso Discordância concordante discordância discordante Dissenso E SQUEMA 1- M OVIMENTOS DE C ONCORDÂNCIA E DISCORDÂNCIA E P OSTURAS E NUNCIATIVAS (R ABATEL E LEPOIRE , 2006) Na PEC integral, a percepção é engendrada sob a perspectiva de um outro enunciador, de cuja posição (no acordo) L1/E1 se apropria, mas, pode ocorrer também que tal percepção se origine no âmbito do “eu”, que reformula ou atualiza sua própria posição num 80 desdobramento enunciativo denominado “autodialogismo” por Brés e Verine (2002, p.166). Para esses autores, o enunciador inserido correfere ao enunciador que insere, trata-se de um diálogo entre o eu e um enunciado anteriormente proferido por este “eu”. Embora o mais comum seja a disjunção entre enunciadores diferentes, o heterodialogismo, ocorre també o autodialogismo, caracterizado pelo já mencionado diálogo com o “eu”. Segundo Rabatel (2008) isto não significa, obrigatoriamente, uma autorreferência, nestes casos o objeto de discurso resulta da reformulação da posição do locutor/enunciador, sendo concebido, portanto, em seu domínio perceptual, de forma que a PEC é comum a ambas as dimensões, heterodialogismo e autodialogismo, enquanto a imputação caracteriza apenas o heterodialogismo. Em Rabatel (2013) postula-se que a noção de posicionamento enunciativo é o que sugere a diferenciação entre os fenômenos de PDVs por reduplicação autodialógica (um outro eu) e por desdobramento heterodialógico (um outro diferente do eu). Na repetição autodialógica, L1/E1 se volta para um de seus PDVs anteriores e o confirma (ou ainda se dissocia ou estabelece seu julgamento); o mesmo ocorre no caso do desdobramento, podendo conduzir à manifestação do acordo, desacordo ou mesmo marcar neutralidade em relação a l2/e2. De acordo com esses posicionamentos, as instâncias de prise en charge podem ou não se reunir. Em se tratando do desdobramento, L1/E1 constrói seu discurso baseado em outro e, na sequência, se posiciona seguindo os mesmos mecanismos de acordo, desacordo ou neutralidade. Rabatel (2013, p.169) ilustra essa discussão com os exemplos abaixo: (A) Certamente que, como você havia dito, esta sopa é boa. (B) Certamente que esta sopa é boa, como você o disse. (C) Você o disse, certamente que esta sopa é boa. Estes enunciados acima são interpretados pelo autor como sendo de natureza heterodialogica, com desdobramento de dois sujeitos modais diferentes. Veja-se, agora, outra série de exemplos trazidos pelo autor: (D) Certamente que, como eu lhe disse, essa sopa é boa (E) Certamente que, como eu lhe havia dito, essa sopa é boa. (F) Certamente que, como eu sempre lhe disse, essa sopa é boa. (G) Certamente que, como eu lhe disse e digo novamente, essa sopa é boa O autor admite que a interpretação desses enunciados como autodialógicos seria possível e natural, embora considere que (D) soe artificial, mas tal artificialidade se desfaz havendo uma reduplicação, com duas posições distintas do mesmo enunciador retomando 81 um dito anterior como em (E), ou sobre as formas habituais de dizer, num comentário metaenunciativo como em (F) e (G). Na tensão entre as relações entre os enunciadores demarcam-se os fenômenos de PEC diretamente relacionados à construção do PDV, possibilitando o gerenciamento de posições no discurso por L1/E1, que pode representar, da maneira que lhe convier, seu ponto de vista e de outros. Essa movimentação é representada no esquema proposto por Rabatel e Lepoire (2006, p.68), em que se demonstram as posturas enunciativas em simetria ou dissimetria em relação aos demais enunciadores, caracterizando a hierarquização dos enunciadores no discurso: E SQUEMA 2 - HIERARQUIZAÇÃO DAS P OSTURAS E NUNCIATIVAS - (R ABATEL E LEPOIRE , 2006) Desta forma compreende-se a concordância concordante como a única e verdadeira forma de coenunciação; a concordância discordante como sobreenunciação e a discordância concordante como subenunciação. Destas, apenas a coenunciação resulta de uma co-locução com a prise en charge de um PDV comum; a subenunciação, bem como a sobrenunciação, jazem numa co-construção de um único PDV num tópico da sequência, sem que haja um igual engajamento de ambos: enquanto o sobrenunciador impõe seu PDV a um outro, como se seu PDV fosse apenas uma paráfrase do PDV do interlocutor, o subenunciador retoma o PDV de outro, distanciando-se, sem, no entanto, substituí-lo por outro contrário. Enfim, ambos os posicionamentos evidenciam uma assimetria na co-construçao de um conteúdo propoposicional, assumida pelos dois locutores seja por meio de retomadas ou reformulações, enquanto a discordância discordante, o polo extremo do continuum representado no esquema, evidencia a expressão manifesta e explícita de dois PDVs antagônicos. Diante da importância das interações assimétricas, faz-se necessário um aparte para se esclarecer que as posturas enunciativas assumem, no conjunto das reflexões rabatelianas, um sentido muito específico e não se pode confundi-las com a posição ou pdv de L1/E1, de forma que se a PEC e a imputação envolvem diferentes enunciadores cuja relação nem sempre é simétrica conclui-se, forçosamente, que tais relações são 82 hierarquizadas no discurso, e é desse sistema de hierarquização que se trata nas posturas enunciativas: as noções de coenunciação, subenunciação e sobrenunciação. 2.5.3.2 A hierarquização das posturas enunciativas Em suas considerações Rabatel (2004, 2005, 2006, 2008, 2013) postula que dentre as posturas enunciativas sobressai uma voz principal, um ponto de ancoragem para a hierarquização dos enunciadores. Trata-se de uma espécie de simbiose entre locutor e enunciador, sendo em relação a esta voz principal que o locutor é definido e determina a postura de outros enunciadores. Na proposta de hierarquização subjaz a reinterpretação da noção de coenunciação que o autor faz: para Rabatel (2005) por coenunciação não se entende, necessariamente, uma enunciação conjunta. Não se trata de descartar esse tipo de co-construção, mas de se esclarecer que, na proposta rabateliana, o que se postula é uma relação dialógica e intratextual, característica essencial à natureza dinâmica dos pontos de vista. Neste aspecto a noção de coenunciação adquire um sentido muito específico: indica as relações de simetria de pontos de vista no discurso. O termo coenunciação é redefinido no quadro de Rabatel junto às noções de sobrenunciação e subenunciação, duas posturas dissimétricas que evidenciam desigualdade no enquadramento de posições e enunciadores. Desta forma, a coenunciação, no enquadre rabateliano, se distingue do termo proposto por Jeanneret (1999) que pressupõe um fenômeno de co-locução sem que haja uma partilha na co-construção do PDV entre dois enunciadores. Também se distingue da noção de coenunciação proposta por Morel e Danon-Boileau (1998, p. 94-96), cujo pressuposto reduz a coenunciação a um parâmetro de cálculos do locutor para produzir um enunciado que busque o consenso do alocutário antecipando suas reações. Além disso, segundo Rabatel (2007), sendo os fenômenos de acordo sobre um PDV limitados, a coenunciaçaõo é rapidamente seguida por uma sobre ou subenunciação, mais adequadas para expressão de desacordos ou desigualdades frequentes na dinâmica conversacional. Observa-se, assim, que há uma instabilidade no papel que as instâncias desempenham no cenário enunciativo: nem sempre estão em consonância, podendo não partilhar do mesmo ponto de vista, ou ainda, enunciando em lugares e/ou papéis diferentes. Desta forma, na coconstrução do pdv pode ocorrer ou não a equivalência ou simetria enunciativa, havendo, manifesta-se o enunciador em coenunciação, nao havendo simetria, manifestam-se dois tipos 83 distintos de enunciador: um que manifesta um ponto de vista dominado, o subenunciador, e outro que manifesta um ponto de vista dominante, o sobrenunciador. Retomando a questão discutida anteriormente, na definição rabateliana de posturas enunciativas imbricam-se, necessariamente, posicionamentos de acordo e desacordo entre PDV’s, resultantes do modo como L1/E1 se posiciona na interação na relação entre os interlocutores: Esta hierarquização dos enunciadores depende, em última instância, das relações que o locutor/enunciador primeiro mantem como os enunciadores dos PDV, sendo que ele pode assumir tal PDV ou simplesmente relatá-lo sem que assuma seu conteúdo, e, sobretudo, suas implicações. (RABATEL, A., 2005, p. 60)37 Partindo-se das considerações do autor, compreende-se que há, do ponto de vista cognitivo, uma multiplicação dos conteúdos proposicionais e dos enunciadores, o que complexifica a questão e demanda uma estratégia no modelo de análise rabateliano: a idéia do reagrupamento dos conteúdos proposicionais segundo três critérios, a saber, i) agrupamento de acordo com o conteúdo referencial, ou todos os conteúdos proposicionais tratando do mesmo referente; ii) de acordo com a fonte enunciativa, sendo todos os conteúdos proposicionais advindos da mesma origem enunciativa e iii) de acordo com a orientação argumentativa, em que todos os conteúdos proposicionais são co-orientados, aos quais, eventualmente, podem se juntar os conteúdos proposicionais anti-orientados integrados à orientação argumentativa do enunciador principal. Em Rabatel (2005, p.61) há referências acerca de um outro fenômeno: o empacotamento de pdv’s. Trata-se do “empacotamento” de um conteúdo proposicional (ainda que diferentes referentes) a um pdv principal, desde que ele tenha a mesma fonte enunciativa e mesma orientação argumentativa. O autor considera, também, que tanto o apagamento enunciativo quanto uma deficiência no gerenciamento das vozes, que dificulta a emergência do pdv do locutor) são fatores que tornam a hierarquização e o empacotamento ainda mais complexos. Outro aspecto muito importante na problemática do pdv e hierarquização das posturas enunciativas é o fato de que a coenunciação não se evidencia, necessariamente, pelo equilíbrio na distribuição das falas (cf. CORTEZ, 2011). Assim, mesmo que haja um locutor 37 Cette hiérarchisation des énonciateurs dépend en dernière instance des liens que le locuteur/énonciateur primaire noue avec les énonciateurs des PDV, suivant que ce dernier prenne en charge tel PDV, ou qu’il se contente de rapporter/asserter tel autre PDV sans en assumer le contenu ni, surtout, les implications. (RABATEL, A., 2005, p. 60) 84 dominante, que fala mais, isso não significa exatamente que haja dissimetria de posições enunciativas, e, portanto, pode haver, sim, coenunciação em tal arrranjo textual. Dessa observação decorre a constatação de que as posturas enunciativas não dependem da quantidade de falas proferidas por cada locutor/enunciador, mas das relações que eles mantem entre si e, sobretudo, da maneira como os pontos de vista são representados. Donde também se conclui que um locutor não pode ser considerado subenunciador apenas se falar menos ou sobrenunciador se falar mais, bem como a assunção de uma postura ou outra postura, sobrenunciação ou subenunciação, não significa necessariamente superioridade ou inferioridade enunciativa, logo não se pode avaliar como sendo melhor ou se sabe mais este ou aquele enunciador, mas, apenas que a postura de sobrenunciação implica apresentar o enunciador como avalista da verdade, apresentando seu ponto de vista como fidedigno. A afirmação desse enunciador é garantida ao se mantê-la no centro da interação de tal forma que seu ponto de vista pode chegar até a desempenhar função de tópico discursivo. Trata-se de um enunciador que intervém em interações dissonantes, aproveitando a posição e o conteúdo do dizer do subenunciador. Nesta relação entre enunciadores, tensionada e caracterizada pela instabilidade das posturas enunciativas, revela-se uma disputa de lugares, a partir dos quais o sobrenunciador se afirma, sugerindo que tal dissimetria evidencia a manifestação da subjetividade na representação dos pontos de vista (cf.CORTEZ, 2011, p.93). Não se trata, evidentemente, de uma subjetividade manifestada apenas por um “eu”, ou um ponto de vista expresso por “eu acho que..” ou outras fórmulas que evidenciem julgamento de valor dos enunciadores. Tal subjetividade, descolada do “eu” é, antes de mais nada, uma forma do sujeito colocar-se no lugar de outro e representar o pdv deste outro por meio de dispositivos como a PEC e a imputação. Hierarquizando os enunciadores, tais dispositivos acentuam o discurso do outro, demonstrando que, invariavelmente, expressa-se a partir dos pdvs de outros, posicionandose em relação a esses pdvs. Assim, pode-se considerar que a identificação das posturas enunciativas é uma tarefa importante no exercício de análise do pdv e sua constituição textual-discursiva, permitindo também ponderar sobre as relações de força entre os enunciadores e o pdv principal que funciona como o fio condutor da orientação argumentativa do texto. As posturas enunciativas, bem como os dispositivos da PEC e imputação, evidenciam, sobremaneira, a disjunção locutor/enunciador, desempenhando determinados papéis/funções na construção do PDV. Desta forma, considera-se que o dialogismo está na base da configuração textual-discursiva do pdv. É também pela via do dialogismo, pela 85 heterogeneidade do sujeito falante, que os estudos do pdv se imbricam com o campo do discurso reportado, tendo, ambos, como objeto comum os estudos sobre a heterogeneidade enunciativa, a representação do discurso outro e do discurso interior. Assim, a tarefa de definir e delinear os contornos que caracterizam o pdv requer também discutir sua relação com o discurso reportado e deste com o mediativo, e por esta razão, abriu-se um subtópico, na sequência, para apresentar essa discussão e tentar, minimamente, estabelecer as diferenças e semelhanças entre as perspectivas e de que maneiras podem ser articuladas no escopo desta pesquisa. 2.6 Síntese das propostas de abordagem enunciativa e polifônica As abordagens de natureza polifônica desenvolvidas no quadro da proposta da ScaPoLine e no quadro rabateliano apresentam uma característica muito forte em comum: ambas buscam estabelecer dispositivos de análise da construção do ponto de vista no nível textual. Ainda que compartilhem, inclusive, um certo interesse pela análise de textos literários, ambos quadros oferecem ferramentas valiosas para a análise enunciativa de qualquer tipo de texto. O exame de ambas abordagens demonstrou também a dificulddade que existe em se considerar um quadro específico para tratar da analise de base polifônica, uma vez que vários conceitos se imbricam na questão da polifonia, mas, demonstrou, também a possibilidade de se depreender os principais fundamentos de ambos os quadros e a possibilidade de articulá-los numa análise. O quadro abaixo sintetiza os conceitos conforme estabelecido nos três enquadramentos teóricos discutidos: 86 Autor Sujeito falante Instância apresentada Fonte (quem assume a Ponto de vista como responsável responsabilidade pelo pelo ato de ponto de vista) (produtor enunciação de um enunciado) O. Ducrot Sujeito falante Locutor (LOC) Enunciador Ponto de vista ScaPoline Sujeito falante Locutor Seres discursivos: trata-se de uma variável, pois a função “enunciador” pode ser exercida por seres discursivos em função das relações enunciativas Ponto de vista: um componente referencial e um componente modal.(modus/dic tum) A. Rabatel Sujeito Locutor ou Enunciador Ponto de vista: falante (às enunciador primeiro (determinado por referência (origem vezes um (L1/E1) referenciação ou da percepção); locutor) relatores contidos no termo pdv) referenciado e relator (aquele que experiencia a percepção + verbos de percepção) QUADRO 1- SÍNTESE DAS PROPOSTAS DE ABORDAGEM ENUNCIATIVA E POLIFÔNICA ( ADAPTADO DE R INCK, 2006) Propõe-se, no quadro adaptado a partir de Rinck (2006), uma recapitulação esquemática dos princípios postulados por Ducrot (1984), tomando-o como fundador das análises de base polifônica, em comparação com os princípios basilares do quadro da ScaPoLine, propostos por Nølke et al (2001, 2004) e de Rabatel (1998, 2003, 2004a, 2004b, 2006), objetivando-se uma síntese das diferentes dimensões que compõe esses quadros a fim de se destacar divergências e convergências, esclarecendo-se que, nesta pesquisa, os pontos convergentes são incorporados às propostas rabatelianas. Ressalta-se neste quadro que tanto na abordagem proposta pela ScaPoLine quanto a de Rabatel destaca-se como princípio basilar, nestes modelos analíticos, a importância de se considerar o ponto de vista como o ponto de partida nas análises. De todo modo, considerar esses dois quadros de análise não consiste apenas em se constatar a multiplicidade de pontos de vista, mas sobretudo, de alargar as possibilidades da tarefa de interpretação da polifonia 87 no nível textual. Neste aspecto, a abordagem da questão da prise en charge de um ponto de vista aflora como fundamental. Há ainda outros conceitos que restam para serem discutidos no âmbito desta pesquisa, e, mais ainda, postula-se a possibilidade de articulá-los com os conceitos aqui já discutidos para mobilização nas análises que se fazem neste estudo, assim, apresenta-se na sequência os conceitos de discurso reportado, heterogeneidade enunciativa e mediativo. 2.7 As articulações possíveis entre pdv, discurso reportado e mediativo. Tema recorrente nas discussões contemporâneas sobre discurso, polifonia e dialogismo, o discurso reportado estabelece relações com uma série de outros conceitos que importam nesta pesquisa, a saber, responsabilidade enunciativa, prise en charge, ponto de vista, bem como uma série de questões ainda mais abrangentes como argumentação, identidade e autoria, superando a concepção das gramáticas escolares tradicionais (cf. ROSIER, 2008, p.6) Em diversas publicações do grupo Ci-Dit38, bem como o número 19 da Revista Faits de Langue e o 14 da Revista de Estudios de Lingua e Literatura Francesa, observa-se um grande numero de autores que assinam os artigos dessas obras, uma evidência da diversidade de temas que povoam os interesses do campo no contexto francófono. O campo do discurso reportado é de tal forma marcado pela diversidade de perspectivas e abordagens que isto se reflete numa oscilação da própria terminologia: para além das designações discurso reportado e representado, encontram-se ainda, na literatura disponível, os termos discurso outro, discurso citado, representação do discurso outro, discurso deportado, importado, e numa perspectiva mais abrangente, circulação dos discursos. Tal flutuação terminológica não é o aspecto mais relevante da questão já que o termo discurso reportado continua predominando (MUÑOZ et al, 2002). Para além da profusão de termos, inicia-se o exame desta questão com Authier-Revuz (2004) e sua percepção de que certas formas de representação do discurso outro não “cabem” nas gramáticas tradicionais: Na verdade, esta prática metadiscursiva de produção, no discurso, de uma imagem do discurso outro passa pela implementação de formas de operação que, em sua maioria, não pertencem ao campo, funcionando, alhures, em toda a problemática do discurso outro: não se pode pensar em escrever uma “gramática” no sentido forte do termo, mas no delineamento de uma estruturação em áreas,, operada sobre 38 Grupo de pesquisas internacional e interdisciplinar, reune pesquisadores de várias nacionalidades, com interesses relativamente heterogêneos, mas unificados, de certa forma, pelas abordagens do discurso reportado. 88 a base de qualisquer operações e formas elementares que não são propriamente suas. (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 40)39 Rosier (2008, p.7-8) explica que, de fato, algumas formas do discurso reportado não são reconhecidas como tal nas gramáticas tradicionais, mas não deixam de sê-lo, do ponto de vista do sentido, pois dão conta dos modos pelos quais se transmitem e circulam os enunciados, a autora lista algumas dessas formas: - Citação de excertos com atribuição nominal posterior simples: “a hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude” La Rochefoucault, e, dupla: “o estilo burguês” Gide citado por Brunot - referência ao discurso outro por um nome próprio: (Pompidou, 1969) - formas recursivas do DD e DI : “Ele disse que sua esposa lhe disse que você havia dito que não era necessário..” (Nicolas Gougenot, La comédie des comédiens, p.9) - modalizações diversas sobre o grau de verdade ou instância legitimadora do enunciado reportado: “Oficialmente, Castro vai bem” (L’Express en line, 02/08/2006); “Ele me deu um aviso oficial da venda da Techener, eis o procedmento de um verdadeiro sábio (Nerval, Les files defeu, Angelique, p.1) - diversidade de introdutores que mostram a enunciação como simples relato: “Tinham me dito que Jean-Pierre Dézéluz voltaria a trabalhar reabrindo a phpinfo. Deixemos, por agora, no condicional, e veremos. Eu poderia ter a informação da boca de J.P, quem sabe? (www.expreg.com, 15/05/06) (ROSIER, 2008, p.7-8) Os fragmentos abaixo sinalizam a representação do discurso outro, em que um outro enunciador, além de L1/E1, está em cena. Veja-se alguns exemplos pinçados da amostra do corpus: Art. AI04 4) Gilberto Freyre no livro Casa-grande e senzala retrata em um dos capítulos, denominado por o indígena na formação da família brasileira, questões referentes à cultura dos índios encontrados no país na época da chegada dos portugueses ao Brasil. O autor descreve a vida que os nativos costumavam levar, além de fazer uma analogia entre este tipo de cultura e a cultura lusitana, abordando por fim heranças culturais advindas de ambos os povos que constituem a diversidade cultural brasileira. Art. AI04 5) Freyre também defende o negro no que diz respeitos aos seus rituais religiosos. Ele coloca que a feitiçaria e magia sexual presente até então na cultura de algumas regiões brasileiras não trata uma herança apenas dos africanos, visto que “o primeiro volume de documentos relativos às atividades do Santo Ofício no Brasil registra vários casos de bruxas portuguesas.” (Freyre, 2001, p. 378-379). Além disso, o autor também aborda que a ideia vulgar de que o negro tende aos excessos sexuais está relacionado com um trabalho produzido por Ernest Crawley, mas discorre que “nada nos autoriza a concluir ter sido o negro quem trouxe para o Brasil a pegajenta luxúria” (Freyre, 2001, p.376). 6) Art.AI09 En effet, cette pratique metadiscursive de production dans le discours d’image d’un discours autre passe par la mise en œuvre de forms d’operation qui, majoiritairement, “n’appartiennent” pas a ce champ, fonctionnant, ailleurs, en dehors de toute problematique de discours autre: aussi, ne peut-on en écrire une “grammaire” au sens fort, mais en dessiner une structuration en zones, operée sur la base de quelques operations et formes élémentaires qui ne lui son pas propres. (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 40) 39 89 (...) os métodos ativos de educação das crianças exigem todos que se forneça às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil. (Piaget 1976, p.160). 7) Art. AI09 Wallon fez inúmeros comentários onde evidenciava o caráter emocional em que os jogos se desenvolvem, e seus aspectos relativos à socialização. Referindo-se a faixa etária dos sete anos, Wallon (1979) demonstra seu interesse pelas relações sociais infantis nos momentos de jogo. Os excertos acima sinalizam as diversas formas de representação do discurso outro, neste caso, o outro é, via de regra, autor de determinados quadros teórico com os quais L1/E1 tenta dialogar. Assim, embora em alguns excertos não haja verbo dicendi, ou dois pontos ou ainda a conjunção “que”, é possível marcar a presença de um outro enunciador além de L1/E1, seja por meio da preposição “para”, seja por meio de “segundo” ou “de acordo com”, ou simplesmente marcando a fonte do dizer, nomeando-a. Em alguns casos, como no excerto (5) a forma verbal “diz que” antecedida por um trecho entre aspas, representa, de modo clássico, formas convencionais do DR. De todo modo, no conjunto de excertos listados, dentre inúmeros outros presentes no corpus, encontram-se evidências de que o relato de um discurso não está a cargo apenas das formas convencionais de DR, e tal constatação amplia o leque das formas de reportar, na medida em que considera dois espaços enunciativos, cf. Rosier (2008, p.55). Na tensão entre esses espaços enunciativos, característico do DR, limitar o estudo do discurso citado à abordagem das formas de citação seria um reducionismo. 2.7.1 As heterogeneidades enunciativas situada no quadro mais amplo do discurso reportado. Authier-Revuz (1984, p. 105) discute essa tensão, anteriormente mencionada, a partir de uma concepção de referência ao outro (explicitamente especificado ou que se dá a especificar), que se opõe, pela diferença em relação ao restante da cadeia, à homogeneidade ou unicidade, de modo que um exterior se encontra claramente em oposição a um interior. Assim, a referência a este exterior explicitamente especificado é também um modo de se constituir a identidade do discurso, de forma que o que a autora chama de “zona de contato” entre exterior e interior revela muito sobre o discurso, tanto nas zonas de marcação explícita do discurso outro como pelo tipo de relação que se estabelece com o outro. Desta forma, entende-se como o discurso é orientado por e para um outro, mesmo que esse outro mantenha uma perspectiva oposta, da qual o enunciador queira distanciar-se. As formas de 90 distanciamento, mobilizadas pelo enunciador, são formas de se confirmar e assegurar sua identidade, corporificam o enunciador demonstrando sua posição e atividade metadiscusiva. É desta maneira que a autora (1982, 1982, 2004), partindo de Bakhtin e Lacan, elabora uma distinção do que antes já havia postulado como heterogeneidade enunciativa. Para a autora, a heterogeneidade enunciativa abrange dois planos interdependentemente articulados no que tange à constituição dos discursos: a heterogeneidade constitutiva e a mostrada. O primeiro plano diz respeito aos processos reais de constituição de um discurso e o segundo, à representação, em um discurso, de sua constituição (AUTHIER-REVUZ, 1990). A autora considera a heterogeneidade constitutiva da seguinte forma: todo discurso é constitutivamente atravessado pelos outros discursos e pelo discurso do outro”, de modo que os discursos são heterogêneos porque comportam, constitutivamente, dentro de si, outros discursos. O que equivale dizer que a heterogeneidade constitutiva se refere à alteridade como condição de existência do discurso de um sujeito que não é apresentada como a fonte de seu discurso, enquanto na heterogeneidade mostrada é possível apreender a representação que o locutor constrói acerca de sua enunciação. Assim, todo discurso é heterogêneo e as marcas identificáveis de outros discursos são, segundo a autora, heterogeneidades mostradas em negociação com a heterogeneidade constitutiva, sendo desta forma que o sujeito se vale para exercer uma atividade de controleregulagem do processo de comunicação (AUTHIER-REVUZ, 1982, p.14) visando controlar, por uma manobra de ilusão, os efeitos de sentido e a presença do outro em seu discurso. A autora ainda considera que as formas sintáticas são também responsáveis pela demarcação das fronteiras desse “outro” nos discursos, pois estabelece que No discurso indireto, o locutor se comporta como tradutor: fazendo uso de suas próprias palavras, ele remete a um outro como fonte do “sentido” dos propósitos que ele relata. No discurso direto, são as próprias palavras do outro que ocupam o tempo – ou o espaço – claramente recortado da citação na frase; o locutor se apresenta como simples “porta-voz”. Sob essas duas diferentes modalidades, o locutor dá lugar explicitamente ao discurso de um outro em seu próprio discurso. (AUTHIER-REVUZ, 1982, p. 12) Em outro de seus textos seminais, Authier-Revuz (1982), discute o discurso de divulgação centífica como um processo de transformação e apresentação do discurso científico ao público leigo, em que “discursos mostrados” postos em contato num só discurso, se configuram como um ponto de encontro entre os discursos e não somente como discurso de transmissão de algum conhecimento. Trata-se de um discurso em que um “eu” fala por outros numa espécie de mediação entre um lugar e outro, o do discurso científico e 91 o do leigo. A dupla orientação traz à cena o outro, na figura do público (leigo) e outros enunciadores, e essa inclusão, tanto quanto a necessidade de promover a interação entre os discursos, contribui para inserir o discurso reportado num quadro mais amplo da linguística da enunciação. Desta forma, pode-se dizer que a partir dos estudos de Authier-Revuz a dimensão interacional ganha um estatuto mais privilegiado dentre as abordagens enunciativas na medida em que integra a dimensão que interage com o sujeito (colocutor, coenunciador, interlocutor). É também o ponto de partida para várias outras discussões, que, no âmbito da dimensão interacional, aportam questões identitárias, como por exemplo, no estudo de Vincent (2004), que adota uma abordagem sociolinguística para demonstrar como o discurso relatado pode ser uma ferramenta para, direta ou indiretamente, mostrar uma tomada de posição, constituindo múltiplas estratégias com a finalidade de se situar em relação ao outro, ou seja, para a construção de representações identitárias. Da mesma forma, Doury (2004) faz algumas análises contextuais de sequências de discurso relatado em interações orais cotidianas, postulando, a função argumentativa do discurso reportado. A autora observa diferentes manifestações de heterogeneidade enunciativa do discurso argumentativo, particularmente o discurso reportado que, em sua proposição, desempenha um papel fundamental na construção do ethos dos locutores-relatores. A construção identitária pelo ângulo do discurso reportado, e mais precisamente pelo discurso direto, é um enfoque semelhante a esses e a diversos outros estudos presentes em todas as edições do colóquio organizado pelo Ci-dit e as publicações decorrentes. Por enfoque semelhante, essas pesquisas dedicam-se tanto ao estudo das formas, como dos procedimentos discursivos envolvidos no processamento do DR. 2.7.2 Formas do mediativo e suas relações com o discurso reportado e pdv. A formas do mediativo são apresentadas nesta pesquisa por meio dos estudos de Guentcheva (1994, 1996) bem como de outros autores que ou apresentam noções correlatas ou reafirmam o mediativo na perspectiva da autora. Recusando o termo evidentialité, Guentcheva (1996) retoma o termo mediatif, já introduzido nos estudos linguísticos franceses desde 1956, e explica sua preferência: O termo francês “evidentiel”, um falso cognato do inglês “evidential”, evoca a evidência, o que significa a constatação direta, e o ouvir dizer, o não visto, e o inferencial não podem sere considerados como evidências. É também significativo que o termo russo neocevidnost adotado nas transcrições das línguas 92 samoyedes, por exemplo, designe a não evidência. Outros termos, tal como datafonte – adotado por M.J. Hardman (1986) para as línguas jaqi, assumem um significado mais amplo e englobam o conhecimento pessoal que media os fatos da enunciados pelo enunciador. (GUENTCHEVA, 1996, p.13)40. J No âmbito desta pesquisa, compreende-se também que o termo mediativo responde melhor à questão do envolvimento/distanciamento do enunciador com seu enunciado, em vez de evidentialité, que seria um falso cognato, porque o termo mediativo, conforme adotado por Guentcheva (1996), designa uma categoria gramatical que permite ao enunciador referir-se a uma determinada situação enunciativa pela qual ele não assume a responsabilidade, por não ter testemunhado o fato enunciado e dele ter tomado conhecimento por vias indiretas, seja por ouvir dizer , seja por indícios que o levem a deduzir ou inferir. Tais mecanismos linguisticos permitiriam ainda vislumbrar graus de distanciamento em relação ao que é relatado: Por mediativo (ou o que se convencionou chamar de não-testemunhal em francês ou evidencial em inglês), eu designo a categoria gramatical que permite ao enunciador marcar formalmente os diversos graus de distanciamento a respeito dos fatos que ele enuncia e de significar, pelo conhecimento dos fatos, que ele é afetado por meio de uma percepção, de alguma forma, mediada. (GUENTCHÉVA, 1993, p.57)41 Conforme atestado por Desclès e Alrahabi (s/d), a teoria da enunciação pressupõe a constituição de um enunciado a partir de várias operações, das quais nos interessa o desengajamento enunciativo. A operação de desengajamento realizada por um enunciador consistiria em aplicar um operador complexo, designado como modus, sobre um operante, designado como dictum (ou relação predicativa) com a finalidade de se obter um determinado resultado. Tal distinção entre modus e dictum não se dá no nível concreto, mas num nível mais abstrato onde o modus e o dictum são representados por operações lógicogramaticais. Também Guentcheva e Desclès (1997) definem o meadiativo a partir das relações entre o modus e o dictum: Le terme “evidentiel”, um faux ami de l’anglais eviential, evoque l’evidence, c’est-à-dire la constatation directe. or ni l’oui-dire, ni le non-vu, ni l’inferentiel ne peuvent être consideres comme dês evidences. Il est d’ailleurs significant que le terme russe neocevidnost adopté dans la description dês langues samoyedes, par exemple, designe la non-evidence. D’autres termes tel data-source, adopté par M.J. Hardman (1986) pour lês langues jaqi, revêtent uns sens plus étendu et englobent la connaissance aussi bien personelle que médiate dês faits de lapart de l’enonciateur. (GUENTCHEVA, 1996, p.13) 41 Par médiatif (ou ce que l'on appelle le plus souvent non-testimonial em français ou evidential en anglais), je désigne la catégorie grammaticale qui permet à ľénonciateur de marquer formellement divers degrés de distanciation à l'égard des faits qu'il énonce lui-même et de signifier par là que la connaissance de ces faits lui est parvenue à travers une perception en quelque sorte médiate. (GUENTCHÉVA, 1993, p.57) 40 93 A exemplo de E. Benveniste, chamamos de “sujeito enunciador” o sujeito modal que é parte constitutiva do modus. O sujeito enunciativo assume o que é dito – o dictum – ou seja, aquilo que é expresso por uma relação predicativa. Cada enunciado que é a manifestação linguística de um ato de enunciação é o resultado de uma operação complexa de prise em charge, seja diretamente, seja mediadamente, por um enunciador de uma representação predicativa ou um dictum. A operação de prise em charge é decomponível em várias operações elementares. A prise em charge apela, necessariamente ao operador da enunciação, marcado por “EU... DIGO”, onde EU designa o sujeito enunciador e DIGO designa um operador verbal de enunciação. Este operador permanence, muitas vezes, não expresso nas enunciações propriamente ditas, mas está sempre subjacente às enunciações. O dictum recai sob o opereador da enunciação “EU…DIGO” ou, em outros termos, ele é o operando deste operador. (GUENTCHEVA e DESCLÉS, 1997, p.1) 42 O mediativo se constrói a partir de uma ruptura que se estabelece na relação predicativa. Partindo de Culioli, os autores estudados observam que numa enunciação qualquer, o enunciador valida (ou não) as relações predicativas, seja por meio de recursos sintáticos, seja por meio de marcadores não exclusivos deste valor. A categoria do mediativo é organizada em torno de três valores: fatos relatados (quando se trata de fatos dos quais se toma conhecimento a partir do discurso de outrem, incluindo-se aqui os rumores e o diz-que, e os conhecimento advindos da tradição: lendas, mitos, narrativas históricas, etc..), fatos inferidos (aqueles inferidos pelo sujeito enunciador) e fatos de surpresa (cuja constatação imprevista é motivo de surpresa para o sujeito enunciador), cf. Guentcheva (1994,p.9) Em Guentcheva (1994, p.11) se admite que: “A hipótese que postulamos é a seguinte: toda ocorrência de um enunciado mediativo introduz necessariamente uma situação de enunciação mediatizada SitM que está em ruptura em relação à situação de enunciação Sit0.”. Assim, compreende-se que o valor mediativo é uma operação sobre uma ruptura enunciativa e que SitM é referencialmente independente de Sit0. Essa ruptura pode ser total ou afetar apenas um dos parâmetros, os enunciadores ou os instantes. Importa-nos, então, compreender duas instâncias: uma SM, um enunciador mediatizado, fundamentalmente indeterminado, em ruptura com S0 e um TM, um instante mediatizado, fictício, em ruptura com T0. A la suite de E. Benveniste, nous appelons “sujet énonciateur” le sujet modal qui est partie constitutive du modus. Ce sujet énonciatif prend en charge ce qui est dit - le dictum -, c’est-à-dire ce qui est exprimé par une relation prédicative. Chaque énoncé qui est la manifestation linguistique d’un acte d’énonciation est donc le résultat d’une opération complexe de “prise en charge”, soit directement, soit médiatement, par un énonciateur d’une représentation prédicative ou d’un dictum. L’opération de prise en charge est décomposable en plusieurs opérations élémentaires. La prise en charge fait nécessairement appel à l’opérateur d’énonciation , noté par “JE...DIS”, où JE désigne le sujet énonciateur et DIS un opérateur verbal d’énonciation. Cet opérateur reste souvent non exprimé directement dans les énonciations directes mais il est toujours sous-jacent aux énonciations. Le dictum tombe alors sous l’opérateur d’énonciation “JE...DIS” ou en d’autres termes, il est opérande de cet opérateur. (GUENTCHEVA e DESCLÉS, 1997, P.1) 42 94 Alguns autores, dentre eles Neves e Oliveira (2003) e Neves (2006) postulam que o mediativo integra a modalidade epistêmica, ambas, partindo de Campos (2001) entendem o mediativo como uma subcategoria da modalidade, na medida em que contribui para o valor modal epistêmico que varia num continuum entre a asserção e os vários graus de probabilidade. No entanto, por ocasião do I Colóquio Interdisciplinar Comunicação e Discurso, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte entre os dias 04 a 06 de junho de 2012, Guetcheva contrariou, em sua fala, tal perspectiva. Questionada se também relacionava o mediativo à modalidade como uma subcategoria, a autora foi enfática em explicar que tal proposição não encontra respaldo em seu quadro teórico uma vez que a autora entende que o enunciador mediatizado não assume o conteúdo proposional de seu enunciado, tampouco se compromete com juízos de valor, questão que está na base da modalidade. Da mesma maneira, Desclès (2009) alerta para que não se confunda enunciação mediatizada com enunciação modal, pois esta implica uma prise en charge de um julgamento modal de incerteza. Atrelando a noção de mediativo à assunção da verdade sobre o conteúdo proposicional o autor diferencia ambas da seguinte forma: na enunciação modal o enunciador não se desengaja, ao contrário, este tipo de enunciação expressa uma prise en charge em que o enunciador aponta um julgamento de valor sobre a relação predicativa (como, por exemplo , a incerteza sobre o que é dito), enquanto a enunciação mediativa pode ser considerada como uma prise en charge do que é dito por um enunciador sem que isso signifique, necessariamente, um engajamento de sua parte em relação à verdade do conteúdo proposicional mas implica, segundo o autor, a enunciação de sua plausibilidade, apoiada em indícios aceitos como verdadeiros, apelando-se ao conhecimento compartilhado com um coenunciador. Neste tipo de enunciação, o enunciador diminui, explicitamente, seu engajamento pessoal ou se desengaja completamente do que poderia ser uma asserção. No Colóquio, já mencionado, o autor apresentou alguns esquemas que além de esclarecer suas proposições, reitera o que já estabelecera em Desclés (2009), tomando a prise en charge como um fenômeno de responsabilidade enunciativa: 95 E SQUEMA 3- M APA SEMÂNTICO DAS OPERAÇÕES ENUNCIATIVAS DE PRISE EN CHARGE (DESCLÈS ,J-P. 2009) 96 Considerando-se o que já se expôs, resta ainda esclarecer um pouco mais a importante distinção, marcada por Guentcheva e Desclès (1997, p.11), no que diz respeito à articulação entre mediativo e discurso reportado. Os autores contrapõem o que chamam de enunciação mediatizada à enunciação reportada da seguinte maneira: A prise em charge mediatizada por um enunciador terceiro deve ser diferenciada (expressões (a) ou (a’)) de enunciação reportada (expressões (b) ou (b’)) : (a) DIGO (DISSE (o que se disse) existe um enunciador indeterminado) EU <enunciador indeterminado ? EU> ou <enunciador indeterminado # EU> (a’) EU digo : ( o alguém disse) o que se disse (b) DIGO (DISSE (O que se disse) X) EU <X ? EU> ou <X# EU> (b’) Eu digo : X diz o que é dito Exemplo : (De acordo com a rádio), o presidente do conselho constitucional seria culpado (enunciação mediatizada). O comentarista político declarou que o presidente seria culpado. (enunciação reportada).(DESCLÈS e GUENTCHEVA, 1997, p.11)43 Ainda, Vion (2011) estabelece que o discurso relatado contribui para a criação de um “efeito de real” que demonstra o gerenciamento das vozes numa dimensão polifônica. Neste caso se possibilita tanto a identificação da fonte quanto uma possível delimitação da fonte enunciativa num universo de possibilidades, conforme se verifica no fragmento abaixo: O discurso reportado direto é um discurso mostrado com a vontade de criar um efeito de real provocado, especialmente, por um apagamento enunciativo. Este apagamento não é apenas uma estratégia de apresentação pois o enunciador, na verdade, não apaga sua enunciação, de modo que uma citação implica a presença enunciativa do locutor que lhe confere uma nova orientação permitindo, assim, que dois discursos coexistam. O discurso citado é, desta forma, um discurso a duas vozes que se relaciona diretamente com a dimensão polífonica. (VION, 2011, p.245) 44 La prise en charge médiatisée par un énonciateur tiers doit être différenciée (expressions (a) ou (a’)) de l’énonciation rapportée (expressions (b) ou (b’)) : (a) DIS (DIT (ce qui est dit) il existe un énonciateur indéterminé) JE <énonciateur indéterminé ? JE> ou <énonciateur indéterminé # JE> (a’) Je dis : ( il y a quelqu’un qui dit ) ce qui est dit (b) DIS (DIT (ce qui est dit) X) JE <X ? JE> ou <X# JE> (b’) Je dis : X dit ce qui est dit Exemple : (D’après la radio), le président du conseil constitutionnel serait coupable (énonciation médiatisée). Le commentateur politique a déclaré que le président du conseil constitutionnel était coupable (énonciation rapportée).(DESCLÈS e GUENTCHEVA, 1997, p.11) 44 Le discours rapporté direct est donc un discours montré avec volonté de créer un effet de réel provoqué notamment par un effacement énonciatif. Cet effacement n’est qu’une stratégie de présentation car l’énonciateur ne saurait réellement s’effacer de son énonciation, de sorte qu’une citation implique la présence énonciative de ce locuteur qui lui donne une nouvelle orientation permettant ainsi à deux discours de coexister. Le discours cité est donc un discours à deux voix qui relève directement de la dimension polyphonique. (VION, 2011, p.245) 43 97 Como se já observou anteriormente, a língua portuguesa, bem como a maioria das línguas românicas, não comporta a categoria do mediativo enquanto categoria gramatical. Desta forma, não havendo marcas morfológicas para exercer a função do mediativo, a função é exercida por diversos processos gramaticais, dentre eles, os elencados em Adam (2011): os dêiticos pessoais, temporais e espaciais, os modos verbais, os tempos verbais (no português, especialmente o futuro do pretérito) as formas verbais do condicional, as modalidades (deôntica, epistêmica e alética), o discurso reportado em suas várias formas (DD, DDL, DI, DIL), os indicadores de quadro mediadores (como Segundo X e suas variantes), verbos indicadores de percepção e cognição (ver, achar, pensar, entender, etc.), dentre os inúmeros recursos possíveis na língua. Assim, entendendo a proposta do modelo teórico-analítico deste autor como um ponto nodal nesta tese, o tópico seguinte se encarrega de apresentar o conceito oriundo deste quadro. 2.8 O modelo analítico da ATD (Análise Textual dos Discursos) Uma das principais contribuições de Adam (2011) é, sem sombra de dúvida, a proposta de articulação entre texto, discurso e gênero, base para a redefinição dos campos de domínio da Linguistica Textual e da Análise do Discurso. O autor concebe as três dimensões, a saber, texto, discurso e gênero, interrelacionados e imbricados em níveis, como se pode visualizar no esquema (ADAM, 2011, p.61) transcrito abaixo: 98 E SQUEMA 4 - N ÍVEIS DA ANÁLISE DO DISCURSO (ADAM, 2011, pg. 61) Nesta representação, o discurso é compreendido como uma instância mais ampla onde se encerram gêneros e textos. As dimensões representadas no esquema são compreendidas numa relação dinâmica e articulada. No nível do discurso compreendem-se a intencionalidade, objetivos de comunicação linguisticamente expressos pelos atos ilocucionários, que realiza numa determinada formação sociodiscursiva, cujo socioleto é partilhado pelos membros da mesma comunidade discursiva45, e mediada pelos gêneros, ou como sintetizado pelo autor: “Toda a ação de linguagem inscreve-se, como se vê, em um dado setor social, que deve ser pensado como uma formação sociodiscursiva, ou seja, como um lugar social associado a uma língua (socioleto) e aos gêneros de discurso.” (ADAM, 2011, p.63). Nesta perspectiva o texto se constrói a partir de um conjunto de unidades típicas básicas heterogeneamente agrupadas de modo a formar os gêneros, elemento articulador das 45 Considera-se bastante conveniente, aqui, o conceito de comunidade discursiva postulado por Swales (1990, p.9) para quem a noção de comunidade discursiva diz respeito aos usos da língua e dos gêneros em contexto profissional, de modo que os membros de uma dada comunidade compartilham um maior conhecimento de suas convenções: [comunidades discursivas são]redes sócio-retóricas que se formam de modo a trabalhar por um conjunto de objetivos comuns. Uma das características que os membros estabelecidos dessas comunidades discursivas possuem é a familiaridade com os gêneros específicos que são usados na busca comunicativa destes conjuntos de objetivos (Swales, 1990, p.9). 99 dimensões textuais e discursivas. A proposta da ATD concebe o texto formado por proposições (unidade mínima de análise, produto de um ato de enunciação, cf. ADAM, 2011, p.108), que, no conjunto, se organizam a partir de um processo sócio-histórico de fixação, e formadas por duas dimensões: i) uma dimensão diz respeito à configuração, e ii) outra dimensão se relaciona à noção de sequência. O aspecto configuracional envolve alguns pressupostos semântico-pragmáticos que funcionam no espaço de uma dada sequência textual, forçosamente configurando-a. Por outro lado, a dimensão sequencial diz respeito ao modo pelo qual o texto se organiza em sequências de proposições típicas. Na dimensão sequencial, a sequência textual se configura como um grupo de sequências textuais que assumem características típicas e de acordo com um esquema específico de uma dada sequência. Tal configuração permite o reconhecimento dessas sequências em vários gêneros de discurso. O autor toma essa configuração como ponto de partida para a orientação de seu quadro conceitual, classificando as sequências em cinco tipos: a narrativa, a descritiva, a argumentativa, a explicativa e a dialogal. O texto para construir o seu todo argumentativo e significativo precisa que seja encadeado em subconjuntos das partes que o formam. A sequenciação do plano do texto acontece em uma sucessão. Assim sendo, o texto é construído de partes, que por sua vez constroem uma unidade de sentido realizada em um contexto e designada por Adam (2011) como uma unidade semântica e pragmática denominada “configuracional”, porque nela estão inclusas as partes do enunciado que formam o todo do texto. Para que se entenda o conceito de enunciado, que tem origem no que foi dito anteriormente e se completa no que ainda será dito, desenhando uma cadeia de relações dialógicas, é preciso considerar não só os aspectos lingüísticos, mas também abranger o contexto situacional e as condições de produção desse enunciado. Para Adam (2011), o plano do texto determina a configuração macrotextual do sentido. Esse plano pode ser convencional (fixo), pela história do gênero e pode ser ocasional, deslocado em relação à história dos gêneros. O plano de texto é estudado em sua materialidade e está relacionado à tessitura, à segmentação de proposições, de enunciados e de períodos, a estrutura composicional, formada pelas sequências de base que encadeiam o sentido do texto, organizado-o argumentativamente. A materialidade do texto deve ser analisada no plano da análise discursiva, que envolve a ação de linguagem, a interação social e a formação discursiva, através da qual os gêneros são atualizados. 100 A estrutura sequencial de um texto é organizada por um plano de texto que leva em conta a sua sequência organizacional. Tal organização se configura a partir de uma sucessão de enunciados. Para Adam (2011, p. 280) “A operação configuracional pode ser definida como o fato de instituir na produção e de depreender, na interpretação, uma configuração a partir de uma sucessão”. O que o autor determina como sendo configuracional compreende as “proposições-enunciados, os períodos, as partes de um plano de texto e as seqüências que o constituem como os elementos de um complexo concreto de relações.”. Desta forma, atribuir sentido ao texto significa ser capaz de compreender o emaranhado dos encadeamentos de enunciados, uns com os outros, construir as representações semânticas do texto no seu todo. Isso porque quando se escolhem as proposições para a construção e organização do texto essa seleção não é feita aleatoriamente, ela é escolhida em função do todo significativo do enunciado acabado, que está representado na imaginação verbal e presentifica o ponto de vista, a opinião, (BAKHTIN,1997). Em Adam (2011) encontra-se uma descrição detalhada dos esquemas que tratam da regularidade sequencial prototípica dos textos de base narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal. Nesta perspectiva, a definição de texto como uma estrutura sequencial possibilita abordar a heterogeneidade composicional em estruturas hierarquicamente organizadas, desta forma, a sequência, unidade que constitui a arquitetura textual, é constituída por pacotes de proposições (as macro-proposições), e estas, por sua vez, constituídas por uma infinidade de proposições. Em toda essa rede hierárquica de constituintes textuais encontram-se os elementos linguísticos em comum capazes de caracterizar uma determinada sequência: Uma simples narrativa ou uma descrição diferem-se uma da outra e igualmente de outras narrativas e outras descrições. Todos os enunciados são, a sua maneira, originais, mas cada sequência reconhecida como descritiva, por exemplo, partilha com as outras um certo numero de características linguísticas que as reúnem, um ar familiar que incita o leitor intérprete a identificar-lhes como sequências descritivas mais ou menos típicas, mais ou menos canônicas. Acontece o mesmo com a sequência narrativa, explicativa ou argumentativa. (ADAM, 1993, p. 26) 46 46 Un récit singulier ou une description donnée diffèrent l'un de l'autre et également des autres récits et des autres descriptions. Tous les énoncés sont, à leur manière, « originaux », mais chaque séquence reconnue comme descriptive, par exemple, partage avec les autres un certain nombre de caractéristiques linguistiques d'ensemble, un air de famille qui incite le lecteur interprétant à les identifier comme des séquences descriptives plus ou moins typiques, plus ou moins canoniques. Il en va exactement de même pour une séquence narrative, explicative ou argumentative. (ADAM, 1993, p. 26) 101 Assim, um modo de composição aparece como dominante, havendo, então, textos predominantemente narrativos, ou predominantemente descritivos, predominantemente argumentativos, predominantemente explicativos, ou predominantemente dialogais. Para Adam (1993), os textos são concebidos como módulos, por isso, o modelo proposto em seu quadro teórico prevê a organização dos textos baseada na noção fundamental das sequências. Neste quadro, as sequências prototípicas são unidades que possuem certa autonomia sintática no nível da linearidade do texto, e este, concebido como o produto da combinação de diferentes tipos de sequências. O agenciamento das sequências pode resultar em dois tipos de construção textual, uma prevê a predominância de um determinado modo de composição, dominante, a outra resulta de combinações de sequências, idênticas ou diferentes, (ADAM, 2011). Tal proposição é esquematizada por Adam (2011, p. 272) da seguinte maneira: 1. Tipos de sequência na base dos agenciamentos a. Agenciamento unisequencial (mais simples e raro) b. Agenciamento plurissequencial i. Homogêneo (em um único tipo de sequências combinadas) ii. Heterogêneo (mistura de sequências diferentes) 2. Combinações de Sequências: a. Sequências coordenadas (sucessão) b. Sequências alternadas (montagem em paralelo) c. Sequências inseridas (encaixamento) 3. Efeito de tipo de texto: a. Pela sequência encaixante (a que abre e fecha o texto) b. Pelo maior número de sequência de um mesmo tipo (predomínio) c. Pela sequência por meio da qual o texto pode ser resumido. Resumindo, o modelo proposto por Adam (2011) encontra ressonâncias no contexto das abordagens cognitivas, estando restrito à teoria dos protótipos enquanto modelos abstratos. Tais protótipos são definidos como macroproposições formadas numa estrutura autônoma e concretizável de modos linguisticamente diferentes. Assim, o autor chega à proposta das cinco sequências estruturais, a narrativa, a dialogal, a descritiva, a argumentativa e a explicativa, que podem ser encontradas, muito raramente, em um tipo só, ou intercaladas em mais de um tipo por meio de mesclas e encaixamentos. Tais ocorrências são muito mais comuns e caracterizam a heterogeneidade composicional da maioria dos 102 textos, sendo muito raro encontrar textos homogêneos do ponto de vista da estrutura sequencial. Deste modo, um pequeno número de tipos de sequência de base coordena os empacotamentos de proposições prototípicas que formam as diversas macro-proposições. Sua vantagem está no fato de que as sequências são muito mais estáveis do que os gêneros, representando uma categoria de análise confiável, em contraposição às “seções” dos gêneros, num corpus como o que se coletou para essa pesquisa. Todavia, o foco neste estudo não se prende às sequências que predominam em determinadas seções dos gêneros em estudos, por esta razão, manteve-se a noção de “seção”. 2.8.1 A Responsabilidade Enunciativa no quadro de J-M. Adam Uma das principais categorias de análise da ATD, a Responsabilidade Enunciativa (RE) se apresenta como uma das dimensões da proposição-enunciado (junto com a representação discursiva e valor ilocucionário) que consiste em assumir e/ou atribuir uma porção de um texto a um ponto de vista (PdV)2. Pode-se, resumidamente, considerar a RE como uma dimensão constitutiva do texto que permite dar conta do desdobramento polifônico, como um posicionamento do locutor-narrador diante de uma proposição enunciada, e mecanismo que permite a atribuição de uma porção de um texto a um ponto de vista, desta forma, um enunciado pode ser assumido (ou não) pelo locutor-narrador. Adam (2011) considera os termos RE e PdV como equivalentes e reconhece-os como mecanismos de gerenciamento das vozes que circulam nos textos, situando, assim, tais mecanismos, no âmbito da polifonia: “A responsabilidade enunciativa ou ponto de vista (PdV) permite dar conta do desdobramento polifônico(...)” (ADAM, 2011, p.110). No esquema abaixo, Adam (2011, p. 111) demonstra como as diversas dimensões da proposição enunciado se articulam de modo não hierarquizado, embora intimamente relacionados e interdependentes: 103 E SQUEMA 5 - A S DIMENSÕES DA PROPOSIÇÃO-ENUNCIADO (ADAM, 2011, PG. 111)47 O autor admite também que o escopo que abrange a responsabilidade enunciativa pode ser configurado por uma grande infinidade de recursos linguísticos, dentre eles os dêiticos, os tempos verbais e pessoas do discurso, as modalidades, as diferentes formas de representação do discurso outro, os recursos de quadros mediadores, a modalização autonímica, bem como os diversos verbos capazes de expressar tanto a representação das percepções de um enunciador como seus pensamentos. Abaixo, encontram-se estes recursos linguísticos sistematizados no quadro idealizado por Passeggi et al. (2010): Ordem Categorias Marcas Linguísticas 1 Índices de pessoas Meu, teu/ vosso, seu 2 Dêiticos Espaciais e Advérbios (ontem, amanhã, aqui, hoje) Temporais Grupos nominais (esta manhã, esta porta) Grupos preposicionais (em dez minutos) Alguns determinantes (minha chegada 3 Tempos verbais Oposição presente x futuro do pretérito Oposição presente x pretérito imperfeito e perfeito 47 O número 5 corresponde à numeração do esquema, nesta tese, porém na fonte, trata-se do esquema 10 (vide ADAM, 2011, p. 111) 104 4 Modalidades 5 Diferentes tipos de representação da fala 6 Indicações de quadros mediadores 7 Fenômenos modalização autonímica 8 Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados de Modalidades sintático-semânticas maiores: Téticas (asserção e negação) Hipotéticas (real) Ficcional e Hipertéticas (exclamação) Modalidades objetivas (dever, ser preciso) Modalidades Subjetivas (querer, pensar, esperar) Modalidades Intersubjetivas (imperativo, pergunta, dever, [tu/vós] poder) Verbos e Adverbios de opinião (crer, saber, duvidar, ignorar, convir, declarar que, talvez, sem dúvida, certamente, provavelmente, ...) Lexemas afetivos, avaliativos e axiológicos Discurso direto Discurso direto livre Discurso indireto Discurso narrativizado Discurso indireto livre Marcadores como segundo, de acordo com, para Modalização por um tempo verbal como o futuro do pretérito Escolha de um verbo de atribuição de fala como afirmam, parece Reformulações do tipo é, de fato, na verdade, e mesmo em todo caso Oposição de tipo alguns pensam (ou dizem) X, nós pensamos (ou dizemos) que Y, etc. Não coincidência do discurso consigo mesmo (como se diz, para empregar um termo filosófico) Não coincidência entre as palavras e as coisas (por assim dizer, melhor dizendo, não encontro a palavra) Não coincidência das palavras com elas mesmas (no sentido etimológico, nos dois sentidos do termo) Não coincidência interlocutiva (como é a expressão? Como você costuma dizer) Focalização perceptiva (ver, ouvir, sentir, tocar, experimentar) Focalização cognitiva (saber ou pensamento representado). Esta apresentação acerca dos conceitos-chave desta pesquisa reflete o esforço de reunir o resultado da busca por proposições de diversas abordagens num quadro integrador que possibilite um programa de pesquisa vasto e demonstre parte considerável da complexidade da polifonia no nível textual. É por essa razão que se optou, no âmbito dessa pesquisa, por adotar o modelo analítico proposto em Adam (2011), na medida em que, ao tratar da Responsabilidade Enunciativa (RE), uma dimensão da proposição enunciado, o autor agrega 105 ao seu modelo diversas categorias de análise que dão conta das tarefas necessárias, do ponto de vista metodológico, para tratar o questionamento na base desta pesquisa, tais como, identificar as marcas línguisticas da RE para se definir em que medida elas são determinadas pela hierarquia entre enunciadores, pelo nível de experiência dos autores, ambos ou nenhum desses parâmetros. É o que se apresenta no capítulo três. 106 Capítulo III - Metodologia da Pesquisa “O que determina como trabalhar é o problema que se quer trabalhar: só se escolhe o caminho quando se sabe aonde se quer chegar”. (GOLDENBERG, 2004, P.14) Este capítulo pretende evidenciar os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa realizada, reconstruindo o percurso trilhado. Nos capítulos anteriores foram apresentados os fundamentos teóricos e empíricos que dão suporte a este estudo sobre a responsabilidade enunciativa em gêneros discursivos/textuais acadêmicos. Tomando esses fundamentos como base, este capítulo define o percurso metodológico utilizado tanto na coleta de dados como na interpretação e análise produzidas a partir desses dados. Desta forma, o presente capítulo se divide em alguns itens que tratam da caracterização do estudo, da natureza e abordagem da pesquisa, da coleta e tratamento dos dados, bem como da descrição de uma grade de categorias de análise eleitas para esta pesquisa. 3.1. A abordagem e tipo da pesquisa Não há “melhor tipo de pesquisa” – o que há são boas perguntas combinadas a bons procedimentos de investigação que podem conduzir a respostas confiáveis. (LOCKE, SILVERMAN SPIRDUSO, 2009, p. 131)48 A epígrafe acima ilustra bem a ideia de que qualquer pesquisa, por mais bem delineado que seja seu objeto, por melhor que sejam suas perguntas, depende de procedimentos adequados para ser levada a cabo. Compreende-se que a escolha metodológica é orientada pelo objeto de estudo, pela sua natureza e amplitude, e pelos objetivos da pesquisa, bem como pela hipótese de trabalho proposta. Gil (2008) descreve um arcabouço para a compreensão do que vem a ser o encaminhamento metodológico a ser cumprido nesta pesquisa. Primeiro, o autor define método como um “caminho para se chegar a um determinado fim.” Além dessa explicação mais genérica o autor adentra especificando o termo método científico como um “conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados para se atingir o conhecimento”. Assim, definido o termo método científico, o autor classifica-o em dois tipos, atendendo também a There is no “best type of research – there are only good questions matched with procedures for inquiry that can yield reliable answers. (LOCKE, SILVERMAN SPIRDUSO, 2009, p. 131) 48 107 dois critérios: um diz respeito à natureza, ou as bases lógicas da pesquisa, o outro diz respeito aos meios técnicos de investigação. Gil (2008) também define a natureza da pesquisa dividindo-a em níveis: o nível da pesquisa exploratória, da descritiva e da explicativa. Quanto aos fins o autor distingue entre as pesquisas puras e as aplicadas, sendo as puras motivadas pela curiosidade intelectual do pesquisador, buscam um avanço no conjunto do conhecimento já estabelecido no tema da pesquisa, sem que haja uma preocupação com uma aplicação imediata. Seu desenvolvimento é rigorosamente formal, tendendo à generalização, com vistas na formulação ou reformulação de teorias e leis. A pesquisa aplicada apresenta diversos pontos de contato com a pura, na medida em que se apropria de suas descobertas e se beneficia de seu desenvolvimento, no entanto, é na finalidade mesmo que haverá a diferença, pois, a pesquisa aplicada está menos voltada para a formulação de teorias de valor universal e mais direcionada para uma aplicação imediata de seus resultados numa realidade circunstancial, seus problemas são de ordem prática e urgem soluções. Outra proposta de classificação da abordagem é encontrada, principalmente, na tradição norte-americana de metodologia científica. Na verdade, pode-se dizer que se trata muito mais de um estilo de pesquisa do que propriamente uma classificação, trata-se do que comumente se convencionou denominar pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa, ou ainda a pesquisa quanti-qualitativa, denominada, por Creswell, (2008) como “Mixed Method Strategies”, tipos de abordagens que, segundo Creswell (2008, p.11), oferecem ao pesquisador direção específica para os procedimentos de pesquisa. O diferencial entre as abordagens qualitativa e quantitativa reside no fato de que a quantitativa envolve a transformação de opiniões em informação numérica, possibilitando classificação e análise de dados baseadas em técnicas estatísticas. O autor concebe essa abordagem pelo emprego da quantificação em todas as etapas, desde a coleta de dados até a análise final por meio de técnicas estatísticas e independentemente do grau de complexidade do objeto. Em relação à pesquisa qualitativa, considera-se que há uma relação intrínseca entre o objetivo e a subjetividade do sujeito, relação governada pela visão de mundo do sujeito e intraduzível em números. Neste tipo de pesquisa, os dados não passam por técnicas estatísticas em nenhuma das etapas, pois o foco não é o da mensuração. (RICHARDSON, 1999). Assim, pode-se concluir que o que define uma pesquisa como qualitativa ou quantitativa não é o método de coleta, mas sim a forma de tratamento dos dados. Esta pesquisa apresenta-se como quanti-qualitativa, na medida em que combina, em grande medida, ambas as técnicas. O tratamento dos dados é de natureza qualitativa, mas o aporte 108 estatístico tem importância capital nas análises e nos resultados discutidos, de modo que o aspecto numérico assumiu contornos decisivos. No que diz respeito aos modos de operacionalização da pesquisa, Gil (2008) define delineamento da pesquisa, distinguindo esse termo como o planejamento da pesquisa numa dimensão mais ampla, prevendo desde aspectos gráficos até a análise e interpretação dos dados. Além disso, considera-se também, neste aspecto, o ambiente de coleta de dados, formas de tratamento desses dados, previsão de variáveis envolvidas, bem como formas de controle dessas variáveis. As preocupações, no âmbito do delineamento, são essencialmente práticas e de verificação, ocupando-se do confronto entre a teoria e os dados. Este aspecto assumiu a forma de um plano geral de delineamento das operações necessárias para cumprir esta pesquisa. A primeira destas operações consistiu na definição da natureza do dado a ser utilizado, optando-se pelas fontes escritas documentais, quais sejam, artigos produzidos por autores de diversos níveis de experiência na escrita acadêmica. As demais operações consistiram na definição das categorias de análise a serem adotadas e os procedimentos de tratamento dos dados. Adotando-se, então, a proposta dos autores mencionados, esta pesquisa se caracteriza pelo método indutivo, uma vez que partiu-se do estudo das recorrências de um determinado fenômeno, a RE, para então se estabelecer a natureza desse fenômeno no corpus investigado, e sua relação com outros conceitos correlatos, como PDV, mediativo, engajamento e desengajamento enunciativo, sobreenunciação, subenunciação e coenunciação, bem como a proposta de Adam (2011) para a análise de textos, a fim de se esclarecer conceitos chave desta pesquisa e guiar, como fio condutor, a investigação necessária para tratar do questionamento na base deste estudo. 3.2 A coleta de dados Nas ciências humanas e sociais, algumas disciplinas privilegiam estudos de campo com procedimentos que seguem um método descritivo-empírico (sociologia, antropologia), outras privilegiam procedimentos experimentais (psicologia social), outras, análises a partir de arquivos ou a partir de corpora organizados com procedimentos mais ou menos sistemáticos de coleta e tratamento do material semiológico reunido (história, ciências da linguagem).(CHARAUDEAU, 2011, p.2) Este tópico tem por objetivo apresentar o tipo de dados coletados descrevendo critérios de seleção e procedimentos de coleta. 109 Antes de iniciar, considera-se, a partir da epígrafe acima, que as ciências da Linguagem são compreendidas como disciplinas de corpus, ou seja, a pesquisa, em qualquer campo das ciências da Linguagem, compreende várias etapas, dentre elas, a compilação de dados linguísticos que se constituirão dados de análise. Desta forma, resumidamente, mobilizou-se nesta pesquisa a noção de corpus como definida em Bauer e Aarts (2002, p.44): um conjunto de materiais finitos, selecionados previamente pelo pesquisador constituindo-se a base de seu trabalho. Levou-se em conta também a ideia de que a extensão do corpus é o aspecto menos relevante, enquanto representatividade parece ser um critério mais adequado. Charaudeau (2011) define a questão da extensão de maneira esclarecedora: toda linguística é de corpus, não importando o tamanho, o que não se confunde com a Linguística de Corpus, que trabalha com grandes corpora. Biber (1993, p.243) estabelece duas dimensões importantes ao discutir o critério da relevância: i) um corpus deveria incluir a variedade de distribuições linguísticas numa língua como, por exemplo, uma abrangente variedade de construções gramaticais, e ii) um corpus deveria abranger uma variedade suficiente de textos da população alvo, ou seja, uma coleção de materiais textuais produzidos em diferentes contextos. Bauer e Aarts (2002) consideram que os procedimentos adotados pelos linguistas de corpus, tomando-o como um sistema “que cresce”, constituem a primeira lição para uma seleção qualitativa, e descrevendo o passo-a-passo desses procedimentos: a) seleção preliminar; b) análise da variedade; e c) estender o corpus de dados até que não se detecte nenhuma outra variedade. Estes passos resultam na primeira lição assim descrita pelos autores: “Regra 1: selecionar, analisar, selecionar novamente” (BAUER e AARTS, 2002, p. 31), em outras palavras, uma boa análise permanece dentro do corpus e procura dar conta de toda a diferença que está contida nele” (BAUER e AARTS, 2002, p. 45). Charaudeau (2011), afeito às questões da Análise do Discurso, propõe uma reflexão, no mínimo, interessante para qualquer pesquisador em Linguística, seja no campo da AD ou não. No que diz respeito à constituição do corpus, quatro pontos devem ser observados muito atentamente: O problema concernente à coleta de dados: diz respeito à escolha da materialidade linguística (se produções orais ou escritas) e à escolha do suporte, pois ambas as questões afetam a maneira de se coletar os dados; 110 O problema da relevância e representatividade do material coletado: o corpus pode ser considerado exaustivo e fechado, ou parcial e aberto, assim, é considerado como um objeto em si, ou como uma ferramenta; O problema das categorias de análise no interior do material linguístico: gramaticais, lexicais ou sintáticas, e também variáveis externas: os tipos de locutores, dispositivos de comunicação e variáveis históricas e culturais. O problema do tratamento de dados: diz respeito a quais ferramentas mobilizam-se no tratamento dos dados, se a seleção é manual, se se mobiliza tratamento informatizado por meio de softwares, ou constituição de amostras a partir de base de dados. Adiante descrevem-se os procedimentos de seleção do material que compõe o corpus desta pesquisa, a coleta de dados, não sem antes proceder a um breve histórico do processo. 3.2.1 Constituindo um corpus: histórico do processo Inicialmente, desejava pesquisar apenas os trabalhos produzidos por alunos de um curso de Licenciatura em Letras no âmbito das Práticas como Componente Curricular inseridas em uma disciplina. No entanto, logo nos primeiros estágios da pesquisa, verificou-se quão difícil seria reunir este corpus, porque nem todos os professores que já ministraram disciplinas que comportam a PCC deixaram o material arquivado no departamento de Letras, isso nem é uma exigência. Assim, diante da dificuldade de reunir um conjunto significativo de textos, optou-se por selecionar, num período compreendido entre 2008 a 2012, todos os trabalhos, produzidos por alunos no âmbito da graduação, que se pudesse encontrar. Por essa razão há trabalhos da disciplina Produção de Textos I e II, Linguistica I e II, Fonética e Fonologia, Morfologia, Linguistica Aplicada ao ensino de Língua Materna, Semântica e Sociolinguística, bem como disciplinas da dimensão pedagógica, como Psicologia da Educação e Políticas Públicas. O corpus inclui também textos de autores com graus variados de experiência na pesquisa acadêmica e já habituados aos rituais canônicos dos gêneros acadêmicos. Desta forma, foram incluídos 20 artigos de pesquisadores mestrandos, mestres, doutorandos e doutores júniores, e outros 20 artigos de pesquisadores experientes e renomados, doutores seniores, a fim de se realizar a mesma comparação feita com os textos de graduandos. 111 A delimitação da pesquisa pode ser feita a partir de vários critérios: o geográfico/espacial, o temporal, temático, por uma certa tipologia documental ou ainda se escolhendo uma determinada base de dados. No caso desta pesquisa, vários critérios são combinados para se determinar a constituição do corpus: o critério temporal estabelece o período compreendido entre 2008 e 2012, para os artigos produzidos por graduandos, e um período entre 1990 e 2013 para os artigos de autores experientes, coletados em bases diversas. Quanto à delimitação temática não se pode dizer que haja um tema como fio condutor dos textos selecionados no corpus, mas, sobretudo, o critério estabelecido, posteriormente, foi o de reunir, quaisquer trabalhos, fossem de quaisquer gêneros ou tema (normalmente ligados à disciplina das quais são objetos de avaliação) desde que fossem trabalhos produzidos no âmbito das disciplinas e/ou publicados em anais de eventos nacionais e internacionais ou em periódicos equalizados, como no caso dos autores experientes. Quanto às formas de recuperação e coleta dos dados com vistas à constituição de um corpus de análise, compreendem-se a busca em uma ou mais base de dados ou por meio da seleção de um conjunto de documentos. Alguns dos textos que compõem o corpus desta pesquisa foram coletados diretamente no arquivo do departamento de Letras do campus de Pontes e Lacerda, pois por iniciativa de alguns professores, tais trabalhos ficam arquivados no departamento, outros foram solicitados diretamente aos alunos, outros foram ainda encontrados na revista Fronteira Digital, revista criada pelo departamento de Letras da UNEMAT – Pontes e Lacerda, com o intuito de criar e consolidar um espaço de incentivo e divulgação da pesquisa acadêmica em nível de graduação. Os artigos de autores experientes foram coletados em pedidos pessoais aos autores e em mecanismos de busca em anais de eventos e periódicos disponíveis na internet. Considerou-se a constituição de dados censitária, ou seja, trabalhou-se com o montante total (população) de documentos recuperados e selecionados, descartando-se o uso de amostragens. Apresenta-se aqui um montante estático, pré-definido, considerados como um conjunto de dados recuperados pelo pesquisador. Este método (coleta de dados em composição de corpus estático e censitário) oferece como vantagens a possibilidade de oferecer maior controle sobre os dados, cf. Gil (2008). O corpus deste trabalho foi inicialmente composto por 36 artigos, 17 projetos de pesquisa e 37 relatórios de alunos de graduação. Destes, poucos representam, em termos de estrutura formal, o cânone do gênero pesquisado, alguns variam entre a estrutura IDC 112 (Introdução, conclusão, discussão), IMRD (Introdução, Metodologia, Resultados, Discussão), até a completa desconsideração pelo gênero solicitado como avaliação de disciplina, como por exemplo, um texto, apresentado pelo próprio autor como um ensaio, fora apresentado para avaliação de PCC numa disciplina em que se requereu um artigo. As questões relativas a esses problemas serão objeto de discussão num tópico do capítulo posterior, em que se efetuam as análises. Além desses textos, escritos por iniciantes, o corpus contou também com 40 artigos de autores de variados níveis de experiência, desde mestrandos até doutores seniores. Tais textos foram coletados em anais publicados de eventos diversos ou periódicos acadêmicos publicados em meio digital. E, considerando-se a dificuldade em coletar textos de autores experientes nos gêneros relatório e projeto de pesquisa, abandonou-se parte do corpus inicial composto por esses gêneros, decidindo-se pela homogeneidade genérica: do corpus inicial mantiveram-se apenas os artigos de alunos de graduação. No total, o corpus para a pesquisa se realizou com 60 textos. Espera-se que o conjunto de textos reunidos neste estudo tenham sido amplos o suficiente para discussão das questões propostas para a pesquisa, considerando-os como indicadores fiéis no subsídio das análises. Na sequência, se esclarece como se chegou aos dados analisados nesta pesquisa. 3.3 Do material textual investigado O conjunto de 60 textos foi separado em três grupos que receberam os seguintes rótulos: Quantidade de textos Autores Rótulo 20 Alunos de graduação (textos produzidos AI por alunos de graduação ou recém graduados) 20 Mestrandos, mestres, doutores juniores 20 Doutores seniores (textos produzidos por AEE autores já renomados, dentre eles alguns são autores de quadros teóricos e/ ou reflexões téoricas robustas muito divulgados nos estudos linguísticos.) doutorandos e AE 113 A maior dificuldade, neste corpus, foi a de segmentar adequadamente o que seria a seção “Referencial Teórico”. Em Swales (1981, 1990, 2004) entende-se que é na unidade retórica denominada “Introdução” que se encontraria a revisão de literatura pressuposta em “Referencial Teórico”, cuja finalidade é situar a pesquisa relatada dentro da grande área de pesquisa da qual faz parte. No entanto, ao considerar-se as reflexões de Aragão (2011), entende-se a necessidade de flexibilizar a ocorrência desta seção. O corpus utilizado demonstrou grande fluidez e instabilidade da seção, uma vez que os referenciais teóricos ora estão fixados numa seção pertencente à unidade retórica “Introdução”, como é o esperado nos modelos canônicos, ora se apresentam em uma seção separada, intitulada “Referencial Teórico”, outros ainda, trazem como título da seção o nome dado ao quadro teórico, como por exemplo: “A Análise Textual dos Discursos”, ou ainda, “Prise en Charge: algumas observações críticas”. Tal constatação não se restringe aos textos produzidos pelo grupo AI, sendo recorrente nos três grupos, sem distinção. Pouquíssimos textos dentre o conjunto podem ser facilmente segmentáveis segundo o modelo IMRD ou IDC, alguns fogem tanto ao parâmetro que poderiam ser considerados ensaios, e não artigos. Tal ocorre especialmente nos textos dos grupos AI e, com menos frequência no subgrupo AE, sendo a maioria da área de Literatura, o que prova a ideia de que a variante disciplinar talvez devesse ser considerada. Outros ainda, em menor quantidade, são muito semelhantes ao que se poderia classificar como artigo de opinião, um texto dissertativo curto, com cerca de no máximo 5 laudas, expondo um ponto de vista acerca de um determinado tema, sem divisão de seções. Neste caso, dada a brevidade do texto, optou-se por selecionar o texto todo. A diluição da revisão de literatura ao longo dos textos, na maioria deles, obrigou a uma tomada de decisão a respeito do que considerar como segmento para análise e discussão. Desta forma, decidiu-se pela inclusão das seções que aparentemente se comportam como “Referencial Teórico” ou “Revisão de Literatura” a despeito de qual rótulo apresentem, bem como a seção Introdução (canônica). Nos quadros abaixo estão listados os artigos e as seções que compuseram o recorte para análise: Grupo AI QUADRO 2- CARACTERIZAÇÃO DAS SEÇÕES SELECIONADAS NOS TEXTOS DO GRUPO AI Rótulo Título do Artigo AI1 Seções considerada para análise Introdução 114 AI 2 AI3 AI4 AI5 AI6 AI7 AI8 AI9 AI10 Letração em foco: análise de uma 1. Analfabetismo em MT e suas proposta de letramento consequências 2. Alfabetização 3. Letramento Avaliação Docente na Instituição de Todo o texto Ensino Coesão Textual: uma análise do uso Todo o texto, excluindo-se os tópicos de referentes em um texto de Ensino 1.5 e 1.6 (análise e conclusão, Médio respectivamente Sem título Todo o texto Semântica e gramática no livro Introdução didático Metaplasmo por aumento ( epêntese, Introdução paragoge e prótese): caso mais recorrente em Pontes e Laceda Polêmica do Livro Didático: análise Introdução inicial Análise* Faces de um narrador: Os Cus de Todo o texto Judas, de Lobo Antunes A importancia da brincadeira e do Todo o texto aprendizado no desenvolvimento da criança De Nova York ao sertão mato- Todo o texto grossense: um grito à liberdade AI11 Análise da abordagem em relação à Introdução (incluindo seções 1.1, 1.2 ambiguidade no livro didático e 1.3) AI12 Das origens da Língua Portuguesa à Todo o texto sua evolução Um estudo léxico-semântico do Revisão bibliográfica Cântico I de Os Lusíadas AI13 AI14 AI15 AI16 AI17 AI18 AI19 AI20 O surgimento das idéias Saussurianas Sem título Casa da memória: invenção de sentidos para Pontes e Lacerda Todo o texto Introdução Introdução 1. Os sentidos no discurso Big brother Brasil: efeitos de 1. Espetáculos: o jogo de sentido na celebridade na espetacularização do mídia cotidiano O jornal da memória poética Introdução** Sentidos articulados em cogito, ergo 1. Conhecendo nossa materialidade sum discursiva Alternância entre a palavra mesmo e 1. Referencial teórico os pronomes pessoais ele/ela, o/a *O autor não apresentou o quadro teórico na introdução, apresentando-o junto às análises ** Porção textual de abertura, sem rótulo, pressupõe-se que seja a Introdução. 115 QUADRO 3 - C ARACTERIZAÇÃO DAS SEÇÕES SELECIONADAS NOS TEXTOS DO GRUPO AE Rótulo AE1 AE2 AE3 AE4 AE5 AE6 Grupo AE AE7 AE8 AE9 AE10 AE11 AE12 AE13 AE14 AE15 Título do texto Seção selecionada para análise De raízes crianceiras: uma leitura Todo texto sobre o espaço e o ser em Manoel de Barros Tenho um ermo enorme dentro do Todo texto olho: memórias inventadas O ensino de Literatura: entre a Introdução inovação e a permanência A memória social na micro- Introdução toponímia de Pontes e Lacerda – MT 2. A Pesquisa toponímica Entre equívocos e ameaças: a Introdução designação e a noção na Escola 1. Fundamentação Teórica Ciclada Ensino de literatura e orientações Introdução oficiais: a prática entre a teoria e o A relação dos saberes docentes com a saber docente lógica de implementação das propostas curriculares oficiais Nomes de estados brasileiros em Introdução* ruas e avenidas de Pontes e Lacerda: sentidos de urbanização do/no extremo oeste brasileiro Atitudes linguisticas de migrantes Introdução sulistas em Mato Grosso: um estudo A constituição do corpus da pesquisa em Sinop e sua análise Verso e Reverso da Literatura Introdução Contemporânea: a questão de sua nomeação Entre memórias, ruinas e "dizeres": Introdução* algumas incursões em obras de Paulina Chiziane e Toni Morrison Maria, de José Craveirinha: a memória como patrimônio de sofrimento e de afirmação O ensino de literatura e a formação do leitor literário: entre saberes, trajetórias de uma disciplina e suas relações com os documentos oficiais Comportamento linguistico do falar cuiabano Introdução* 1. Uma introdução-um pouco de história Introdução 1. Alguns pressupostos teóricos Tramas e redes, fios que tecem a Introdução escravidão e a raça no romace O Escravo, de José Evaristo de Almeida Efeitos metafóricos no discurso de Introdução divulgação científica 116 AE16 AE17 AE18 AE19 AE20 Relações entre o verbal e o visual no infográfico O livro didático de língua portuguesa: a autoria e suas coerções Introdução Introdução 2. Alguns conceitos enunciativodiscursivos: enunciado concreto, dialogismo e relações dialógicas Os gêneros multimodais em livros Introdução didáticos: formação para o 1 O livro didático de Língua letramento visual? Portuguesa e os gêneros multimodais 2 A leitura na perspectiva dialógica Indícios de uma promoção do outro Introdução na escrita acadêmica A heterogeneidade enunciativa A construção do ponto de vista Introdução (PDV) em textos acadêmicos 1. Referencial Teórico QUADRO 4 - C ARACTERIZAÇÃO DAS SEÇÕES SELECIONADAS NOS TEXTOS DO GRUPO AEE Rótulo AEE1 AEE2 Grupo AEE AEE3 AEE4 AEE5 AEE6 AEE7 AEE8 AEE9 Título A Carta-Testamento de Getúlio Vargas (18821954): genericidade e organização textual no discurso político As relações oral/escrita nos gêneros orais e formais públicos: o caso da conferência acadêmica. Seção selecionada para análise Introdução 2. A dupla genericidade do gênero carta-testamento 1. Introdução 2. Relações entre a linguagem oral e escrita - um debate em aberto 3. Retextualização: um conceitochave A noção de hiperenunciador 1. O sistema de particitação Contribuições da Análise Textual dos 1 Introdução Discursos para o ensino em 1 Sequências textuais explicativas ambientes virtuais e descritivas: aspectos teóricos em discussão A ordem do expor em géneros 1. Introdução académicos do português europeu 2. Regularidades de gênero contemporâneo O diminutivo e suas demandas 1.Introdução 2. O diminutivo e sua interpretação através dos tempos Circulação, reacentuação e memória 1. Introdução no discurso da imprensa 2. Dialogismo, circulação e memória Uma reflexão crítica sobre a teoria 1. Introdução sociolinguistica 2. Ponto de vista e idealização A pessoa desdobrada 1. Os mecanismos de embreagem e debreagem 117 AEE10 AEE11 O eu no discurso do outro Gêneros primários e secundários no círculo de Bakhtin: implicações para a divulgação científica. AEE12 Gêneros do discurso: unidade e diversidade AEE13 Revisitando a noção de tópico discursivo AEE14 Dos gêneros de texto à gramática AEE15 Clíticos e negação em elementos para uma gramatical Representações das cognitivas e sua diacronia Construções relativas nas do português: AEE16 AEE17 AEE18 AEE19 AEE20 português: descrição Todo o texto 1. Introdução 2. A oposição aos formalistas 3. Esferas ideológicas e ideologia do cotidiano: o diálogo com o marxismo e a filosofia da vida 1. Introdução 2. As tipologias na linguistica 3. Discurso e texto 1. Introdução 2. A noção de tópico discursivo 1. Introdução 2. Percursos possíveis 1. Introdução 2. Os clíticos pronominais categorias 1. Apresentação variedades 1. Palavras Iniciais 2. Suporte teórico: a Gramática Discursivo-Funcional Quem disse o quê? Polifonia e 1. Considerações iniciais heterogeneidade em coro dialógico 2. Polifonia e heterogeneidade em coro dialógico: Bakhtin e Dostoievski Os personagens lobatianos em Macau 1. Uma introdução já conhecida O descritivo em diferentes gêneros 1. Introdução textuais: perspectivas para o ensino 2. Bases teóricas: o Descritivo em da leitura e da escrita. dois momentos da linguística textual 3.4 O processo de obtenção dos dados Ainda no que diz respeito ao processo de constituição do corpus da pesquisa esclarecese que os dados foram gerados e obtidos utilizando-se tanto mecanismos eletrônicos quanto uma seleção manualmente feita dos segmentos a serem analisados. Em meio eletrônico, no processador de textos Word 2013, foi feita, inicialmente, a leitura dos textos e separação dos segmentos a serem observados, conforme critério anteriormente estabelecido: destacou-se a seção Introdução ou Marco Teórico (e suas possíveis variantes) ou, no caso dos ensaios, o texto todo. Após essa triagem inicial, procedeu-se a seleção e agrupamento dos segmentos no programa Wordsmith 6.0. No entanto, o programa se revelou inadequado, por diversas razões, dentre elas a impossibilidade de o programa reconhecer e diferenciar, 118 automaticamente, entre os discursos direto, indireto, ilha textual, e etc, e desta impossibilidade decorre outro entrave: os verbos que introduzem os discursos outros não podem ser classificados a priori, é preciso analisar o contexto de uso e a partir daí busca-se a classificação proposta em Thompson e Yiyun (1991). Desta forma foram destacados, inicialmente, todos os segmentos em que se evidenciava, de alguma forma, o recurso às vozes alheias, nesta etapa aplicou-se a categoria de ordem cinco (diferentes formas de representação da fala de outro) segundo a proposta anteriormente descrita. Depois, buscouse, por meio da ferramenta localizar (ou o atalho ctrl + L), no processador de textos Word 2013, digitando-se a palavra de busca, conforme se vê num exemplo demonstrado na figura 1: 119 F IGURA 1 - EXEMPLO DE TELA DE LOCALIZAÇÃO NO WORD 2013 120 Desta maneira foram localizadas todas as ocorrências de indicadores de quadro mediador, como os clássicos “segundo X.....” e suas variantes. A localização dos verbos introdutores do discurso requereu mais manobras, sendo necessário, por exemplo, identificar quando e como o discurso outro era introduzido por um verbo dicendi (ou putandi ou sentiendi) e conforme se identificava tal verbo, isolava-se-o em outro arquivo separando tais ocorrências em seus co-textos imediatos (no máximo um parágrafo antes e um depois, procedimento idêntico ao do recurso Concordance do programa Wordsmith, neste programa o procedimento é totalmente automático). Com a ferramenta localizar, buscou-se igualmente outras ocorrências do mesmo verbo e se fez a comparação entre os usos a fim de se estabelecer uma classificação adequada, reiniciando-se os procedimentos de localização e busca para os outros verbos. Após todos esses procedimentos, os dados encontrados foram sistematizados e tabulados no programa Excel 2013, em função da facilidade dos cálculos de somatória, médias e percentuais. Com os dados já sistematizados foi possível a análise de cada uma das ocorrências de marcas linguísticas categorizadas em cada uma das três ordens selecionadas, quais sejam, as diferentes formas de representação da fala, os indicadores de quadro mediador e os indicadores de suportes de percepção e pensamento relatado. Entendendo a importância de se esclarecer também sobre os conceitos chave da pesquisa e das categorias de análise, tecem-se algumas considerações sobre esses itens nos próximos dois tópicos deste capítulo. 3.5 Definição de termos e categorias de análise No escopo desta pesquisa, compreendeu-se que a definição dos termos e, também, das categorias de análise seriam de fundamental importância para a compreensão do fenômeno pesquisado, assim, atribuir-lhes um significado mais preciso implicaria facilitar sua compreensão para utilização na pesquisa. 3.5.1 As categorias de análise Segundo Adam (2011) a RE de uma proposição pode ser marcada por um grande número de recursos linguísticos. No quadro abaixo, transcrito de Passeggi et al (2010, pg.300-301), encontra-se sistematizada a maioria desses recursos, destes escolhemos alguns para este trabalho, notadamente, os da ordem 5, 6 e 8. 121 Ordem Categorias Marcas Linguísticas 5 Diferentes tipos de Discurso direto representação da fala Discurso direto livre Discurso indireto Discurso narrativizado Discurso indireto livre 6 Indicações de quadros Marcadores como segundo, de acordo com, para mediadores Modalização por um tempo verbal como o futuro do pretérito Escolha de um verbo de atribuição de fala como afirmam, parece Reformulações do tipo é, de fato, na verdade, e mesmo em todo caso Oposição de tipo alguns pensam (ou dizem) X, nós pensamos (ou dizemos) que Y, etc. 8 Indicações de um Focalização perceptiva (ver, ouvir, sentir, tocar, suporte de percepções experimentar) e de pensamentos Focalização cognitiva (saber ou pensamento relatados representado). QUADRO 5 - C ATEGORIAS DE ANÁLISE E SUAS CORRESPONDENTES MARCAS LINGUÍSTICAS (PASSEGGI ET AL ., 2010, P.300-301) As categorias acima elencadas permitiram o estudo da RE materializada de formas diversas. Dentre essas possibilidades, Adam (2011) considera dois tipos de PdVs associados: o PdV anônimo da opinião comum (introduzido por verbos dicendi na terceira pessoa do singular ou plural) e o quadro mediador (mediação epistêmica e mediação perceptiva). O PdV anônimo da opinião comum associado ao distanciamento do locutor narrador, se materializa com as operações descritas nos itens 5 e 6 do quadro acima. Ainda tratando da RE, neste trabalho, procurou-se a compreensão de outros conceitos, considerados chave na pesquisa, a fim de conferir –lhe contornos mais precisos, desta forma, procurou-se definir também o conceito de mediativo, outro conceito igualmente importante já que Adam (2011) concebe as marcas de RE como formas do mediativo, termo que o autor traz dos trabalhos de Guentcheva (1994 e 1996) como categoria marcadora de uma zona textual sob dependência de mediação epistêmica ou perceptiva; o conceito de prise/prend en charge, prise en compte, engajamento e desengajamento, e apagamento enunciativo, tratados em diversos autores, tais como Coltier, Dendale e Brabanter (2009), Dendale e Coltier (2005), Rabatel (2003, 2004, 2005, 2008, 2009), Descles (2009), Muñoz (2004), Muñoz, Marnette e Rosier (2006), dentre vários outros discutidos no capítulo anterior. 122 Resumidamente, apresenta-se no próximo item uma definição, um pouco simplificada desses conceitos. A escolha por essas categorias obedeceu a dois critérios: i) representam as categorias mais recorrentes em textos acadêmicos e ii) possibilitam uma discussão acerca do que seria a responsabilização ou desresponsabilização de um autor acadêmico na perspectiva do posicionamento deste autor diante de um objeto do discurso, o que desembocará, posteriormente na discussão acerca dos diálogos que se mantém com outras vozes no texto acadêmico, notadamente, as teorias de quadros teóricos com os quais autores acadêmicos dialogam, oferecendo contrapontos ou não. Além destas categorias, optou-se, no âmbito desta pesquisa, pela mescla e adesão a duas propostas. A primeira faz parte da ordem 5, diferentes formas de representação da fala, que dizem respeito, principalmente, ao discurso reportado. Assim, às categorias iniciais elencadas em Adam (2011) e Passeggi et al.(2010), as ordens de número 5, 6 e 8 (cf. quadro 4) acresceram-se as contribuições de discussões contidas em Boch e Grossman (2002) que classificam os diferentes tipos de representação conforme apresentado no esquema 6 (ver. pág.124). A nomenclatura adotada pelos autores foi mobilizada e adaptada, mesclando-se à nomenclatura encontrada em Passegi et al (2010) e Adam (2011). Desta forma, o que Boch e Grossman (2002) denominam citação autônoma e reformulação , nos demais autores está classificado como discurso direto e discurso indireto. O termo ilhota citacional foi substituído, neste trabalho, por ilha textual, um equivalente encontrado em Maigueneau (2002), enquanto o termo evocação foi mantido tal como definido em Boch e Grossman (2002). A proposta tipológica aqui adotada, adaptada a partir das contribuições dos diversos autores mencionados, encontra-se sintetizada no esquema 6: 123 Modos de referência ao discurso do outro Discurso Relatado Evocação Reformulação Ilhota Citacional Citação autônoma E SQUEMA 6 - D IFERENTES FORMAS DE REPRESENTAÇÃO DA FALA (BOCH E GROSSMAN, 2002, P.100)49 49 O número 6 corresponde à numeração do esquema nesta tese, porém, na fonte trata-se do esquema 01 (vide BOCH e GROSSMANN, 2002, p.100) 124 Q UADRO 6 - DIFERENTES FORMAS DE REFERENCIAR VOZES EXTERNAS Evocação Discurso reportado Discurso Indireto Discurso Direto Caracaterizada pela ausência Pode haver apelo às marcas de Apresentam-se marcas de indicações de quadros quadros mediadores (segundo, escriturais como aspas, itálico, e mediadores (segundo, conforme, e equivalentes), mas mecanismos que permitem conforme X, e equivalentes), ausências de marcas escriturais identificação de fragmento de alusão ao texto de outrem como aspas ou verbais do tipo cito texto outro (bloco tipográfico); (nome e data) sem pretensão de X, retomando as palavras de X; autonomia enunciativa do resumí-lo. (BOCH E integração do discurso do outro no segmento citado (excetuando-se GROSSMANN, 2002) discurso de quem escreve, os casos de ilha textual); ausência de autonomia denominado citação autônoma enunciativa; denominado por Boch e Grossmann (2002) . Reformulação, em Boch e Grossman (2002) Ilha textual Permite integração do discurso de outro ou evidenciar o segmento citado por meio de marcas estruturais como aspas e itálico, ausência de autonomia enunciativa; discurso direto. (denominado ilhota citacional, cf. Boch e Grossmann, 2002) 125 A segunda mescla faz parte da ordem 6, os indicadores de quadro mediadores, à cujas marcas linguísticas acrescentaram-se a proposta das reflexões de Thompson e Yiyun (1991). Desta forma, um dos itens que compõem a ordem 6 – indicadores de quadros mediativos é “escolha dos verbos de atribuição de fala”, intimamente relacionados ao discurso relatado, tais verbos são notadamente os dicendi: afirmar, dizer, falar e parecer. Partiu-se do pressuposto de que, ao escrever, um autor não leva em consideração apenas suas ideias e valores, mas, sobretudo, os compartilhados por seus pares em sua comunidade discursiva, de modo a projetar uma imagem de si que o define perante a comunidade. A construção dessa imagem se relaciona muito intimamente com as escolhas linguísticas realizadas na escritura de um texto acadêmico, e, especialmente, na escolha dos verbos de elocução. Considera-se que tal escolha indique um posicionamento, ou, ao menos, a opinião do citante sobre o citado. Na observação destas opiniões é que autores como Thompson e Yiyun (1991) depreenderam padrões de avaliação presentes nos textos. Resumindo, postula-se que nos textos escritos, a avaliação cumpre algumas funções, quais sejam i) expressão da opinião de quem escreve o texto, ii) construção e manutenção das relações entre quem escreve e quem lê, e iii) organização do texto sinalizando ao leitor aspectos formais como o início e final do texto, bem como a organização argumentativa. As escolhas léxico-gramaticais seriam responsáveis, então, por demonstrar o comportamento do autor, sinalizando sua atitude (positiva ou negativa) em relação à obra citada. No âmbito lexical, observa-se como adjetivos, substantivos, verbos e advérbios são usados de maneira avaliativa, no aspecto gramatical, observam-se principalmente o papel que desempenham, num texto, os tempos e aspectos verbais. Em artigos acadêmicos, em que as teorizações e demais considerações acerca do conhecimento são priorizadas, o papel da avaliação é de demonstrar claramente o grau de certeza (ou incerteza) que cada proposição possui (cf. Oliveira, 2005). Por isso Thompson e Yiyun (1991) discutem sobre os verbos de elocução em centenas de artigos acadêmicos de diversas áreas do conhecimento. Em seu estudo, os autores compilaram cerca de 400 verbos delocutivos e os categorizaram de acordo com aspectos relacionados a um potencial avaliativo e denotativo.É importante ressaltar que, em seu trabalho, o status de um verbo de elocução não é algo inerente à identidade do verbo, mas proveniente de seu contexto de uso. Para entender sua classificação também importa saber que a etiqueta “Escritor” é conferida a aquele que escreve um texto, e “Autor” a aquele que é citado no texto do escritor. No que concerne ao potencial denotativo, os verbos são categorizados de acordo com três grupos: 126 i) Textual: diz respeito à expressão verbal (afirmar, etc.); ii) Mental: diz respeito aos processos mentais (considerar, etc.), e iii) Pesquisa: diz respeito aos processos mentais ou físicos estritamente relacionados à atividade de pesquisa (desenvolver, selecionar, categorizar, etc.). Tais verbos, em grande medida, revelam a presença do autor (aquele que é citado), sendo, por essa razão, denominados Ações do Autor (THOMPSON e YIYUN, 1991). Esses processos, descritos como “atos do Autor”, são um forte indicativo de que a responsabilidade pela informação citada é transferida, pelo escritor, ao autor citado. Além disso, os autores consideram que tais processos têm como principal característica admitir explicitamente a existência do texto do autor, imputando-lhe a responsabilidade pela informação apresentada. Convém esclarecer que essas instâncias foram renomeadas a fim de evitar confusão com as instancias enunciativas anteriormente apresentadas. Desta forma, a instância escritor foi renomeada como L1/e1 e a instância autor renomeada como e2. Por outro lado, outros verbos dão conta de revelar mais explicitamente a presença de L1/e1 (ou ainda o discurso citante). Tais verbos são denominados por Thompson e Yiyun (1991) como Ações do Escritor, e, nesta tese, ações de L1/e1 são categorizadas em dois grupos: i) Comparação: compara ou contrasta a obra citada com o que L1/e1 pretende defender (corresponder a, contrastar, comparar, etc.); ii) Teorização: revelam como o discurso citante mobiliza a obra citada de modo a construir sua própria linha de argumentação, descrevendo processos físicos ou mentais envolvidos no ato de pesquisar (ex.: explicar, explicitar, medir, calcular, obter, achar, verificar, quantificar, etc.). À essas categorias de Thompson e Yiyun (1991), somaram-se as criadas por Oliveira (2005): em sua proposta, a autora expande o contido em Thompson e Yiyun incluindo a etiqueta “Atos do escritor de atitude”, renomeada nesta tese como “atitude de L1/e1” indicando a atitude comportamental (criticar, contestar, revolucionar são exemplos) daquele que escreve diante do conteúdo citado. Tais verbos expressam uma atitude comportamental de tal forma que faz com que a responsabilidade pela representação do discurso citado recaia primariamente sobre aquele que cita e apenas secundariamente sobre o citado (Cf. Oliveira, 2005, p.185). Os modos pelos quais um determinado enunciador percebe e interpreta as várias vozes que mobiliza em seu texto dizem respeito ao potencial avaliativo. Oliveira (2005) lembra 127 que os mesmos verbos são passíveis de classificação segundo um potencial e outro, uma vez que praticamente todos os verbos apresentam um potencial denotativo e avaliativo. No que tange ao potencial avaliativo, é importante distinguir os dois modos de avaliação disponíveis na elaboração de um texto, a saber, o posicionamento e a interpretação. Os verbos indicadores de posicionamento refletem uma preocupação em relação à verdade ou acuidade do conteúdo proposicional apresentado, enquanto os verbos indicadores da interpretação do Escritor não colocam em xeque a veracidade da informação citada, antes, focam o modo como o discurso é lido e mobilizado pelo citante. Neste quesito, Thompson e Yiyun consideram a necessidade de se observar três fatores ao classificar um dado verbo de elocução: a instância do autor, a instância do escritor e a interpretação do escritor. A instância autor se ocupa da atitude deste de validação da informação reportada. Tal atitude se classifica nos seguintes posicionamentos: i) Positivo: e2 é apresentado como alguém que oferece uma informação verdadeira e/ou acurada (ex. postular, asseverar, enfatizar, discursar, salientar, sublinhar, sustentar, etc) ii) Negativo: e2 é apresentado como alguém cuja informação oferecida é tida como falsa e/ou incorreta. (ex. desconhecer, ignorar, repudiar) ii) Neutro: e2 é apresentado como alguém que não deixa clara qual é a sua atitude em relação à informação reportada (ex.: examinar, apontar, assinalar, ilustrar, sinalizar, refletir, lembrar, pensar, observar, perceber, ponderar, etc.). Na instância daquele que cita, há posicionamentos possíveis: i) Fatual: aquele que cita apresenta o citado como alguém cuja informação/opinião pode ser considerada como verdadeira e/ou acurada (ex.: focalizar, atestar, constatar, declarar, demonstrar, verificar, registrar, reiterar, etc); ii) Contra-fatual: o citante apresenta o citado como alguém que oferece uma informação ou opinião falsa e/ou incorreta (ex.: ignorar, exagerar, etc); iii) Não-fatual: o citante não deixa clara qual é a sua atitude em relação à informação/opinião do citado. Neste caso, ambas instâncias (L1/e1 ou e2) se relacionam à verdade e/ou acuidade do que é reportado. O outro modo de avaliação compreendido pelo potencial avaliativo diz respeito à interpretação L1/e1, relacionada a vários aspectos do status do conteúdo proposicional e divide-se nos seguintes tipos de interpretação: i) Desenvolvimento retórico do discurso de e2: L1/e1 apresenta uma interpretação de como a informação/opinião reportada se encaixa no texto do autor (ex.: mencionar, comentar, complementar, continuar, enunciar, relatar, resumir, etc); 128 ii) Comportamento de e2: L1/e1 apresenta uma interpretação da atitude ou propósito do autor ao dar a informação/opinião relatada (ex.: admitir, alegar, concordar, reagir, manifestar-se, etc); iii) Status funcional da informação: L1/e1 indica o status funcional que a informação/opinião reportada ocupa em seu texto (ex.: superar, anunciar, assentir, determinar, postular, preconizar, recomendar, etc); Os autores também estabelecem uma outra categoria que não foi incluída nesta pesquisa uma vez que tal classificação, ao menos aparentemente, já está contida no item categoria de ordem 6 – Indicador de Quadros Mediadores , “escolha do verbo de atribuição da fala”, elencada em Adam (2011) e reapresentada em Passegi et al. (2010): trata-se de uma categoria que abriga um leque de verbos que não realizam a interpretação de L1/e1 e representam objetivamente a informação citada, tal como os verbos dizer e afirmar. 3.5.2 Conceitos chave da pesquisa: definição dos termos Segue, abaixo, a definição dos conceitos considerados importantes nesta pesquisa. O quadro abaixo apresenta apenas uma ideia, ou uma simplificação dos conceitos que já foram detalhadamente discutidos no capítulo anterior. QUADRO 7- CONCEITOS CHAVE DA PESQUISA (RE E TERMOS AFINS ) Conceito Definição RE Uma das dimensões da proposição-enunciado, dimensão constitutiva do texto que permite dar conta do desdobramento polifônico, como um posicionamento do locutor-narrador diante de uma proposição enunciada, e mecanismo que permite a atribuição de uma porção de um texto a um ponto de vista, assumindo-o ou não. (ADAM, 2011) PDV Herdada da tradição dos estudos narratológicos, em que era também articulada à noção de focalização, é introduzida posteriormente na Linguística para definir uma dada representação sobre um objeto do discurso por parte de uma fonte enunciativa e de acordo com seus interesses pragmáticos, trata-se de uma dimensão a um só tempo cognitiva e pragmática. (RABATEL, 2003, 2004, 2005, 2009). Pode-se dizer que são mobilizadas várias das noções a ele articuladas (PEC, imputação, Prise en compte, apagamento enunciativo, etc) na produção da representação sobre o objeto do discurso Mediativo Uma categoria gramatical que permite ao enunciador referir-se a uma determinada situação enunciativa pela qual ele não assume a responsabilidade pela proposição enunciada, por não ter testemunhado o fato enunciado e dele ter tomado conhecimento por vias indiretas, seja 129 por ouvir dizer , seja por indícios que o levem a deduzir ou inferir (Guentchéva, 1994, 1996), trata-se de uma noção também articulada à noção de PEC, e, assume, em outros trabalhos. a noção de desengajement (Desclés, 2009) Prise em charge Noção de difícil definição, uma vez que há poucas definições teóricas (PEC) disponíveis, em Moirand (2006) o conceito se articula com a noção de Responsabilidade Enunciativa, em Rabatel (2009) se articula à noção de Imputação, mas não é a mesma coisa. Resumidamente, define-se como uma operação enunciativa em que o enunciador assume como verdadeira (independentemente da condição de verdade) a proposição de um enunciado ou qualquer informação sobre a qual se posiciona.(RABATEL, 2009) Engajamento/ desengajemento Noções intrinsecamente articuladas à noção de PEC, engajamento é uma operação enunciativa que corresponde a uma atitude do locutor que produz uma asserção, que assume ou se compromete com a verdade do conteúdo proposicional. Desengajement é a operação contrária, é o descompromisso com esse conteúdo. (Beyssaide e Marandin, 2009), trata-se, assim, de uma retirada de cena do enunciador, seja para indicar uma mudança de referência espaço-temporal, seja para se referir a uma verdade geral, universal, tal como nos provérbios, proposições dóxicas, do senso comum, etc) cf. Desclés (2009) Imputação A imputação é uma PEC de responsabilidade limitada, ou uma quasePEC (RABATEL, 2009), na representação e expressão de um PDV por seu L1/E1 s responsabilidade é limitada porque nesse caso sua representação foi construída pelo L1 e atribuído por ele a um locutor/enunciador segundo, podendo sempre se argumentar que ele não é o responsável por um PDV que L1/E1 lhe imputou indevidamente. Essa responsabilidade limitada é pressuposta quando remeter a um PDV alheio. Faz sentido em relação às noções de acordo, desacordo e neutralidade (RABATEL, .2009). Prise en compte Engloba os PDVs imputados por L1/E1 aos enunciadores segundos, não toma para si o conteúdo nem o assume como seu, fenômeno mais amplo que engloba a PEC e a imputação, mas é instável, uma vez que oscila entre um e outro. Apagamento enunciativo Rabatel (2004) discute essa noção a partir das considerações de Vion (2001) e Charaudeau (1999). Trata-se de uma estratégia discursiva que faz parecer que o locutor se retira do enunciado, seu discurso é objetivado não apenas mediante o recurso do apagamento dos sinais de sua presença (os embreadores), como também de qualquer expressão que favoreça a identificação. O autor evidencia essa estratégia nos planos de enunciação teórica e histórica, sugerindo que os eventos ou argumentos apresentados independem de qualquer intervenção do sujeito falante. Chega-se, assim, a uma ideia de simulacro enunciativo, 130 ou um jogo em que o locutor não tem um ponto de vista, desaparece do ato de fala e deixa que o discurso fale por si. Como se pode ver, pelo quadro acima, não se trata de confusão terminológica, mas de conceitos que, embora afins (considerando-se, inclusive, algumas possíveis sobreposições), distinguem-se entre si e, no mais das vezes, desempenham papel fundamental na construção do PDV. Por fim, esclarecida a questão da existência de múltiplos termos referentes ao objeto da pesquisa, no próximo capítulo apresentam-se os resultados e uma análise destes resultados encontrados. 131 Capítulo IV– Análise dos dados: das ocorrências de não assunção da RE Conforme já fora exposto na apresentação, este capítulo dedicar-se-á à descrição dos dados, sua análise e aos resultados das análises realizadas sobre o corpus, apresentando-se, um levantamento das ocorrências de assunção e não assunção da responsabilidade enunciativa levando-se em conta o gênero e o nível de experiência do autor, procurou-se definir se a ocorrência de assunção da RE se associa ao tipo de postura enunciativa encontrada. 4.1. Marcas da RE em textos de iniciantes (alunos de graduação) Do total de textos que compõem o corpus, vinte artigos são escritos por alunos de graduação, 20 escritos por mestrandos, doutorandos, mestres e doutores júniores, e outros 20 escritos por pesquisadores doutores seniores, com vários anos de trabalhos de pesquisa e publicações em diversos periódicos com alta qualificação. Após esse pequeno esclarecimento inicial, em que se estabelece a principal variável, nível de experiência do autor, descrevem-se, na sequência, os dados encontrados. 4.2.1 Das ocorrências na categoria de ordem 5 – Diferentes formas de representação da fala Os textos de autores iniciantes caracterizam-se por excessivas remissões ao discurso de outro, conforme se observará na apresentação dos dados encontrados nos vinte textos de autores iniciantes (alunos de graduação) que compõe o corpus. No que diz respeito ao discurso reportado, categoria de ordem 5 – Diferentes Representações da Fala (Passeggi et al., 2010), atendendo à proposta de adaptação da classificação anteriormente apresentada, observou-se que o discurso indireto aparece como a forma preferida dos autores iniciantes, contrariando os achados de Boch e Grossmann (2002), em cuja pesquisa autores iniciantes mobilizam, preferencialmente, a citação autônoma (discurso direto). A segunda forma preferida pelos iniciantes é o discurso direto, seguido pela ilha textual, conforme se vê no quadro abaixo: QUADRO 8 - RE EM ARTIGOS DE A UTORES INICIANTES - ORDEM 5 132 Art. Ilha Textual DD DI aspas sem Evocação mencionar autoria Total % por art. AI01 AI02 AI03 AI04 AI05 AI07 AI08 AI09 AI10 AI11 AI12 AI13 AI14 AI15 AI16 AI17 AI18 AI19 AI20 2 1 3 4 1 0 0 1 0 0 0 0 0 3 0 1 3 4 5 3 31 11,27% 3 2 3 3 1 2 4 1 3 3 3 0 3 3 3 8 11 3 22 21 102 37,09% 20 3 10 3 7 1 1 3 9 4 0 8 2 3 5 12 7 14 3 15 130 47,27% 0 0 0 4 0 0 2 0 0 2 0 0 0 0 0 0 3 0 0 0 11 4,00% 25 6 17 14 9 3 7 5 12 9 3 8 5 9 8 21 24 21 30 39 275 Tot. % 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,36% 9,09% 2,18% 6,18% 5,09% 3,27% 1,09% 2,55% 1,82% 4,36% 3,27% 1,09% 2,91% 1,82% 3,27% 2,91% 7,64% 8,73% 7,64% 10,91% 14,18% A visualização deste quadro dá a dimensão do comportamento citacional de autores iniciantes, e, neste aspecto, cumpre observar-se que, embora a prevalência da citação do tipo discurso indireto predomine, é possível observar que a segunda forma preferida, em discurso direto, apresenta índices muito próximos aos da primeira, de modo que se pode afirmar que haja um equilíbrio entre as duas formas. A terceira forma preferida, observável no ranking anterior, junto com as aspas sem menção de autoria (provavelmente atribuindo a RE um enunciador dóxico) representam um percentual muito menor se comparadas às duas primeiras formas mais predominantes. A evocação representa um índice ínfimo: é encontrada apenas uma ocorrência em apenas um artigo, o que não é exatamente surpreendente se se considera que esta forma de citação é comum entre especialistas muito experientes, mas não entre iniciantes, pois pressupõe que esta voz autoral se comunica com seus pares, pessoas em que estão no mesmo nível de conhecimento tornando dispensável a resenha ou citação de uma determinada questão teórica. Antes de se tecerem algumas considerações acerca dos dados reunidos no quadro anterior, cumpre lembrar que, no âmbito desta pesquisa, o posicionamento pode ser considerado sob dois aspectos distintos, mas complementares: i) um posicionamento de 133 ordem epistemológica, pelo qual o pesquisador situa seu trabalho num determinado campo científico, na maioria das vezes revelado pela remissão ao sistema autor-data, que por seu turno, remete à bibliografia; e ii) A definição de sua pesquisa em relação a outras implica, por parte do pesquisador, um posicionamento, compreendido aqui noutro sentido: ele precisa posicionar o interesse e objeto de sua pesquisa em relação a outros pontos de vista. Esta dimensão se inscreve textualmente por meio do jogo estabelecido nas relações entre os pontos de vista, e a consequente hierarquização destes, com as posturas de co-, sub- e sobrenunciação. A este aspecto se abrirá um tópico quando serão comparados os dados ora descritos em função da variável nível de experiência do pesquisador. Até aqui considerou-se que a comunidade discursiva é, em última instância, a responsável pela produção e legitimação dos gêneros do discurso utilizados para a comunicação entre os seus membros. Gêneros como o artigo acadêmico (seja o publicado pelos membros expertos em periódicos da área, seja os trabalhos de disciplina produzidos por alunos de graduação) são construídos a partir de certas normas que permitem à comunidade discursiva em questão – a acadêmica – reconhecer e utilizar esses gêneros de maneira a difundir o conhecimento nela produzido. Nesses gêneros, a citação, seja direta ou indireta, integrada ou não ao texto, tem a função de trazer a voz da autoridade e da tradição da comunidade para o texto de quem escreve. Os modos pelos quais essa voz é mobilizada, no interior dos textos, define não apenas a maneira como o conhecimento será construído nesses textos, como também a maneira como L1/E1 se posiciona a respeito da obra citada. Uma outra organização dos dados coletados encontra-se sistematizada no quadro abaixo: QUADRO 9 - PERCENTUAL DAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO DO DISCURSO OUTRO / POR ARTIGO Art.1 Art. 2 Art.3 Art.4 Art.5 Art.6 Art.7 Art.8 Art.9 Art.10 Art.11 % de Ilha textual em relação ao total de citações 8,00% 16,67% 17,65% 28,57% 11,11% 0,00% 0,00% 20,00% 0,00% 0,00% 0,00% % de DD em relação ao total de % de DI em relação ao citações total de citações 12,00% 80,00% 33,33% 50,00% 17,65% 58,82% 21,43% 21,43% 11,11% 77,78% 66,67% 33,33% 57,14% 14,29% 20,00% 60,00% 25,00% 75,00% 33,33% 44,44% 100,00% 0,00% 134 Art.12 Art.13 Art.14 Art.15 Art.16 Art.17 Art.18 Art.19 Art.20 0,00% 0,00% 33,33% 0,00% 4,76% 12,50% 19,05% 16,67% 7,69% 0,00% 60,00% 33,33% 37,50% 38,10% 45,83% 14,29% 73,33% 53,85% 100,00% 40,00% 33,33% 62,50% 57,14% 29,17% 66,67% 10,00% 38,46% Fora do conjunto, os dados encontrados apontam ainda para uma outra pista relevante: os artigos que, considerados individualmente, apresentam maior número de citações em ilha textual em relação às demais formas proporcionais tenderam, neste subgrupo, ao predomínio de ocorrência de zonas textuais de maior projeção autoral por meio dos mecanismos de construção do PDV evidenciado nas posturas enunciativas. É o caso, por exemplo, do artigo AI04. No trecho sublinhado encontra-se um exemplar de citação em ilha textual, seguida por uma porção realçada por negrito em que se encontra uma reformulação das proposições de e2. No trecho, observa-se a postura enunciativa de co-enunciação, etapa importante e necessária para L1/e1 marcar definitivamente seu posicionamento nas porções textuais seguintes: (8) Art.AI04 Contrária às ideias iluministas, a antropologia “tem tentado encontrar seu caminho para um conceito mais viável sobre o homem, no qual a cultura e a variabilidade cultural possam ser mais levadas em conta” (Geertz, 1989, p.27), porém, o autor também julga ser necessário ter cuidado ao direcionar os estudos referentes ao ser humano, visto que este possui uma complexidade imensa que ainda não se encontra ordenada, de forma que há o perigo de perder por completo a perspectiva de homem. Dessa forma, é possível perceber que para entender o conceito de homem é de fundamental importância um estudo aprofundado sobre a cultura, e é neste ponto que a antropologia se torna uma ciência complexa, visto que existem variedades inúmeras de manifestações culturais e costumes, inclusive tais variedades contribuem na existência do preconceito entre os homens. Os primeiros trabalhos antropológicos relativos à cultura dos povos indígenas e afrobrasileiros, publicados por pesquisadores no Brasil, apresentam em seu conteúdo um caráter um tanto preconceituoso no que diz respeito aos costumes desses povos, influenciando ainda hoje no pensamento que a sociedade brasileira tem de tais culturas. Além disso, há obras desta época nas quais é notável a presença de ideias importadas de outros países, ideias essas que não se encaixavam com a realidade do Brasil, abordando assim a cultura como algo passível de padronização. Da mesma forma, no artigo AI14, do mesmo autor de AI04, observa-se o recurso às mesmas formas citacionais a fim de marcar seu PDV, em posição de co-enunciação: 135 (9) Art. AI14 Para o linguista a língua é o resultado de “um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (Saussure 1989 p.17). Segundo ele o sistema linguístico se encontra depositado no cérebro humano e se materializa por meio das impressões acústicas. Por isso, independentemente da maneira que essas impressões são expressas o que realmente tem importância é que elas exerçam com eficiência a sua função de se remeter aos determinados signos do sistema linguístico, a fim de ocasionar o entendimento entre os interlocutores. Outro dado que chamou a atenção foi observado nos artigos AI11 e AI12, em que a preferência por uma determinada forma de citação foi tão polarizada que prevaleceu apenas uma dentre as várias possibilidades. Enquanto no artigo AI11, ocorre a prevalência absoluta de citações em discurso direto, no artigo AI12 ocorre a prevalência absoluta de citações em discurso indireto. É importante observar que a preferência por uma ou outra forma de mobilização do discurso outro não se traduz, necessariamente, num predomínio do discurso do citado sobre o citante e vice-versa, este aspecto se liga mais às posturas enunciativas (RABATEL, 2004, 2005, 2009, 2013) conforme se verá nas discussões do capítulo seguinte. Apenas para uma ilustração inicial desta proposição, veja-se alguns exemplos abaixo: (10) Art. AI11 De acordo com Romanatto, doutor em educação e professor do departamento de didática pela UNESP do campus de Araraquara, “com freqüência os livros didáticos diluem fontes de conhecimento, simplificam-nas para torná-las acessíveis à compreensão do aluno. E raros são aqueles que o fazem com competência.” (2004). O problema da ineficiência da maioria dos autores em sintetizar os conteúdos abordados no livro didático juntamente com a má formação de alguns professores que usarão o material como método pedagógico, são as principais causas que prejudicam uma boa formação dos alunos, visto que o professor não poderá suprir as necessidades ausentes no livro. Além da elaboração do conteúdo do livro, os pesquisadores e educadores questionam os exercícios propostos, sendo estes elaborados tendo em vista respostas prontas que impedem o estímulo ao raciocínio por parte do aluno. Segundo Romanatto as “propostas de exercícios que pedem respostas padronizadas, apresentam conceitos como verdades indiscutíveis e não permitem a alunos e professores, um debate crítico e criativo que é uma das finalidades do processo educacional.” (Romanatto, 2004). (11) AI12 A formação das línguas românicas, de fato tem como base o latim vulgar, linguagem popular, falado pelos povos romanos de classes mais baixa, ou seja, pelos indivíduos de poucas instruções menos favorecido pelo ensino escolar. Segundo Coutinho, as primeiras terras romanizadas receberam uma linguagem mais popular, baseada no latim vulgar, enquanto que as últimas conheceram um latim mais culto, e isto se deu pelo fato da língua literária ser mais recente, e também pelo surgimento da escrita. Para que 136 possamos entender as mudanças que ocorreram na língua latina, observamos três fatores: o histórico, o etnológico e o político. Segundo Teyssier, assim como o castelhano, o português também se originou de uma língua nascida no norte, o galego-português medieval que foi levado ao Sul pela reconquista. Quanto à norma, contudo, o português moderno diverge do castelhano, pois vai buscála não no Norte, mas sim na região centro-sul, onde esta localizada Lisboa. Segundo Coutinho, (1976, p. 56), a evolução da língua portuguesa pode ser explicada em três fases: pré-histórica, proto-histórica e histórica a que compreende o período do Português arcaico e moderno. No fragmento AI11, o PDV narrado de e2 está em evidência, marcado pelo discurso direto e aspeado, sendo seguido pelo PDV de L1/e1 em posição não dissonante, em coenunciação. L1/e1 ainda complementa trazendo para sua linha argumentativa outros PDV’s imputados a outros enunciadores (além de e/2), os “pesquisadores e educadores”, cujas proposições parecem coadunar com a de L1/e1 e de e/2. Por outro lado, observando o excerto do artigo AI12, valendo-se dos mesmos recursos (indicadores de quadro mediador, discurso indireto) L1/e1apresenta o PDV de e2, cuja voz se projeta, ainda que por meio do discurso indireto, dominando a cena enunciativa em detrimento do apagamento de L1/e1. 4.2.2 Das ocorrências na categoria de ordem 6 – Indicação de Quadros Mediadores Inicia-se a descrição destas remissões pela exposição dos resultados classificados na categoria de ordem 6 “Indicação de quadros mediadores” (Passeggi et al., 2010) e sistematizados nos quadros abaixo: 137 QUADRO 10 - I NDICATIVOS DE QUADROS MEDIADORES EM TEXTOS DE AUTORES INICIANTES Art.1 Art. 2 Art.3 Art.4 Art.5 Art.6 Art.7 Art.8 Art.9 Art.10 Art.11 Art.12 Art.13 Art.14 Art.15 Art.16 Art.17 Art.18 Art.19 Art.20 Total % Para X Segundo X Conforme/ De acordo Modal. como X com fut.pret. Modal. Deônt. e/ou epist, 9 1 1 1 1 0 1 0 1 0 0 0 0 1 1 5 7 1 3 4 37 18,88% 1 0 2 3 2 0 0 0 0 0 1 4 1 1 3 2 4 5 6 3 38 19,39% 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,00% 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 3 3 1 2 2 13 3,06% 3 0 3 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0 0 3 1 13 25 12,76% 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,00% Verbos de atribuição de fala: afirmam, parece, diz, fala 1 3 0 2 2 1 8 4 3 3 0 3 2 2 4 5 7 4 4 7 65 33,16% Reformulações : (é) de fato, na verdade, em todo caso 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 2 1,02% Oposições: Fulano diz X, nós pensamos (dizemos) Y 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,00% Total % 14 4 6 6 5 1 9 4 4 4 2 7 5 4 8 16 21 14 17 29 180 7,78% 2,22% 3,33% 3,33% 2,78% 0,56% 5,00% 2,22% 2,22% 2,22% 1,11% 3,89% 2,78% 2,22% 4,44% 8,89% 11,67% 7,78% 9,44% 16,11% 100,00% 138 O que se pode depreender desses números acima é o papel expressivo dos indicativos de quadros mediadores na escrita de alunos de graduação. Os verbos de atribuição de fala são os índices de maior frequência, por essa razão, dedica-se a eles um tópico específico mais adiante. A segunda marca linguística de maior ocorrência nos textos, o “para .... X” exerce duas funções distintas em todos os 20 artigos observados. A primeira, mais comum, é de introduzir o discurso outro, seja por meio do discurso direto ou indireto, a segunda função, bastante recorrente na amostra, se presta a um mecanismo de recuperação do que já fora dito, introduzindo, deste modo, uma paráfrase de e1 acerca do que já fora citado. Outras marcas de grande recorrência são o “segundo ... X” (que praticamente se iguala ao “para X....” em número de ocorrência) “de acordo com .... X” e “ Conforme .... X” cujas funções parecem-se, em grande medida, às funções desempenhadas pela fórmula “Para .... X”. É o que ocorre, por exemplo, nos excertos escolhidos transcritos no quadro abaixo: QUADRO 11 -ALGUNS EXEMPLOS DE MARCAS LINGUISTICAS EVIDENCIADORAS DE QUADRO MEDIADOR NOS TEXTOS PRODUZIDOS POR AUTORES INICIANTES Marca Excerto Linguística Para X .... 12) Art.AI1 Para Soares (2001, p, 18), as atuais necessidades do uso da leitura e da escrita caracterizam um novo fenômeno e precisou de um novo termo que designasse a nova realidade. (...). Para a autora, essa nova palavra surgiu como muitas já surgiram e muitas outras vêm surgindo, não propriamente para nomear um novo fenômeno, mas para designar uma nova percepção, ou seja, uma nova compreensão de um processo que em si não é novo, o processo de aprendizagem da leitura e da escrita. (...). Para essa nova dimensão da escrita letramento pode ser definido como o processo de inserção e participação na cultura escrita. 13) Art.AI16 O sociólogo Castells (1999), elabora uma análise (...). Para ele, a partir das relações afetadas pelo fenômeno da globalização, se instalou a sociedade em rede, na qual é constatada a existência de uma mesma matriz produtiva, que não se limita pelas fronteiras. (...) Criação de identidade para Castells é a reorganização de significados pela construção de conteúdo simbólico. Segundo X 14) Art.AI04 Ainda neste capítulo de Casa-grande e senzala, Freyre aborda questões ligadas à miscigenação ocasionada pelas relações sexuais que aconteciam entre os europeus e as índias. É notável no decorrer da leitura que o autor conduz esse tema de modo vulgar, privilegiando a figura do português e consequentemente, manchando a imagem da índia. Segundo o autor: “O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne. Muitos clérigos, dos outros, deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes 139 indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho.” (FREYRE, 2001, p.164) 15) Art.AI04 Segundo Schwarcz (1993), João Batista Lacerda, diretor do museu nacional do Rio de Janeiro, apresentou em 1911 no I Congresso Internacional das Raças a seguinte tese: “O Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e solução”. (p.11). É possível notar através da leitura desse texto como os estudiosos das ciências humanas encaravam a miscigenação como uma espécie de mancha de raças puras, chegando ao ponto de acreditar que a “SALVAÇÃO” do povo brasileiro poderia se dar por meio de um possível “BRANQUEAMENTO” das raças. 16) Art.AI03 1) Segundo Postal (apud Fávero, 2002, p.20) as pro – formas pronominais só podem fazer substituições por anáforas através da referência endofórica, a isso ele chama de “ilha anafórica”. Porém Fávero abre uma questão relacionada a esse pensamento de Postal: Parece-me que isso não é possível do ponto de vista sintático, mas cognitivamente sim, porque há uma estrutura inferencial processada que permite tal construção. É o que se denomina anáfora esquemática, que permite dizer: Minha filha vai casar-se. Ele é médico. (Fávero, 2002, p.20) De acordo 17) Art. AI07 com X .... Outro trecho que é composto de elementos que modificam ou põe em dúvida os objetivos dos autores, pode ser percebido no momento em que o jornalista afirma que o livro mostra ao aluno “que não há necessidade de se seguir a norma culta para a regra da concordância”. De acordo com Eemeren no texto Reconstrução Dialética, uma das operações usadas para ocorrer transformações em discursos originais se dá por meio da permutação, em que há “a ordenação ou rearranjo de elementos no discurso original de tal modo que o processo dialético da resolução da disputa seja realizado o mais claramente possível” (EEMEREN, 1993, p.2). Dessa forma, o redator da reportagem desloca o trecho “não há necessidade de seguir a norma culta” para a questão relacionada à concordância, porém no texto original os autores abordam as regras deste tema de acordo com a variante padrão e depois exemplificam a ocorrência do conteúdo na variante popular, afirmando que “é importante que o falante do português domine as duas variedades e escolha a que julgar adequada à situação de fala” (p.16). Conforme 18) Art. AI16 X ... O trabalho discursivo compreende sentidos historicamente constituídos pelo/no simbólico. Mas, esta constituição não é fixa, ou seja, os sentidos não são literais, embora a linguagem cause a ilusão da literalidade e da transparência. Conforme Orlandi (2003), esta ilusão é necessária para o funcionamento do discurso e para que os sujeitos produzam sentidos, pois, o sujeito nunca é a origem dos sentidos que produz. 19) Art. AI16 Ainda conforme NUNES (idem), os modos pelos quais são constituídas as identidades para uma brasilidade acabam por afirmar a noção de língua nacional. O trabalho sobre as diferenças lingüísticas instaurou a condição necessária para se afirmar a identidade do brasileiro em relação à sua língua 140 nacional. O que é apontado como diferente entre os dois manifestos é a forma de trabalho com a historicidade lingüística. Do que se pode observar nestes fragmentos depreendem-se as seguintes considerações: i) Os fragmentos 12 e 13 apresentam um índice de quadro mediador, o para X....., cuja finalidade é, em sua maioria, apenas retomar, recuperar o dito de e2 reformulando-o ou parafraseando-o, sendo apenas a primeira das ocorrências no excerto A (Para Soares (2001, p, 18) ...) utilizado para introduzir o enunciado de e2, também reformulado. Os demais seguem a lógica de introdução de um discurso outro, sendo discurso direto nos excertos 14 e 15, e nos demais, o discurso indireto. ii) A ocorrência de tais índices não deve ser considerada o único fator de projeção da voz autoral, uma vez que se percebe tal projeção nos excertos 16 e 18. No caso do excerto 16, L1/e1 projeta seu PDV em posição de coenunciação, sem que deixe de acrescentar um ponto de vista original à proposição. Esse ponto de vista, que emana de L1/e1 mas que não se encontra em desacordo com e2 a ponto de se configurar um PDV2 está representado nos trechos acima pelas porções sublinhadas. As marcas de menor ocorrência, quase insignificantes se se considerar as ocorrências de “Para ... X”, “Segundo ....X”, “De acordo com .... X” e “Conforme .... X”, são as reformulações e oposições, notadamente no caso das oposições a ausência de ocorrências se deve ao fato de requerer de L1/E1 um posicionamento que contrarie ou, minimamente, confronte e2. Tal posicionamento é de ocorrência rara nos textos de iniciantes. Um outro índice revelador da presença de outras vozes no texto é a presença de verbos introdutores do discurso outro, sendo que uma das marcas linguísticas de maior ocorrência detectada nos textos observados é, sem sombra de dúvida, os verbos de atribuição de fala, sendo as formas ditas neutras50 dizer e afirmar (cf. Charolles, 1976,) as mais recorrentes: o verbo afirmar corresponde a um 66,15% enquanto dizer e falar correspondem a 27,69% e 4,62% respectivamente: QUADRO 12 - LEVANTAMENTO DE OCORRÊNCIA DE VERBOS DE ATRIBUIÇÃO DE FALA CATEGORIZADOS COMO " NEUTROS " 50 Apesar de tal classificação proposta em Charolles (1976) como formas neutras para os verbos dicendi afirmar, dizer e falar, entende-se, no escopo desta pesquisa, que não se trata de uma avaliação neutra, ou de uma ausência de avaliação, antes, trata-se de uma avaliação não-manifesta, portanto, nem neutra, nem positiva, nem negativa. 141 Verbos de atribuição de fala afirmar Art1 1 Art2 1 Art3 0 Art4 2 Art5 1 Art6 1 Art7 6 Art8 4 Art9 2 Art10 1 Art11 0 Art12 2 Art13 1 Art14 2 Art15 3 Art16 2 Art17 0 Art18 3 Art19 4 Art20 7 Total 43 por verbos Perc. 67,19% Dizer 0 2 0 0 1 0 2 0 1 2 0 1 1 0 1 2 2 0 2 1 18 falar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 1 3 28,13% 4,69% Total 1 3 0 2 2 1 8 4 3 3 0 3 2 2 4 5 3 3 6 9 64 % 1,56% 4,69% 0,00% 3,13% 3,13% 1,56% 12,50% 6,25% 4,69% 4,69% 0,00% 4,69% 3,13% 3,13% 6,25% 7,81% 4,69% 4,69% 9,38% 14,06% 100,00% Apenas para fins de reflexão, transcrevem-se aqui alguns fragmentos dos dois artigos que apresentaram, no total, o maior número de ocorrências de verbos de atribuição de fala categorizados como neutros, ou melhor, de avaliação não manifesta: 20) Art.AI07 Na primeira reportagem é notável perceber equívocos usados propositalmente na construção do texto a fim de colocar como “verdade” o posicionamento expresso pelo jornalista por toda a manchete.Logo no título da matéria, é possível perceber uma elaboração que sugere interpretações errôneas quanto ao livro didático em questão, pois no momento em que o autor afirma que o livro usado pelo MEC ensina o aluno a falar errado, ele distorce o real objetivo dos autores do livro, que é explanar ao leitor sobre a existência de mais de uma variante da língua portuguesa, explicando a importância delas, além de esclarecer que ambas devem ser usadas em situações distintas, a depender da exigência ou não da norma padronizada. 21) Art. AI20 Até que ponto o ensino de língua padrão tem relação com a gramática? Possenti (1996, p. 63) define gramática como “conjunto de regras”. O autor afirma ainda que essa definição pode ser entendida de várias maneiras, pois existe mais de um tipo de gramática e assim, mais de um conjunto de regras. Ele enumera três tipos básicos de gramáticas: 1) Gramáticas Normativas – conjunto de regras que devem ser seguidas; 2) Gramáticas Descritivas – 142 Conjunto de regras que são seguidas; e 3) Gramáticas Internalizadas – conjunto de regras que o falante da língua domina. Embora haja ocorrência da forma verbal afirmar em ambos os fragmentos, parece relevante observar o co-texto: no primeiro, (20), L1/e1 questiona o posicionamento de um jornalista (e2) acerca do conteúdo proposicional. Tal questionamento se revela na forma verbal distorcer, relacionada a uma avaliação negativa de e2 por parte de L1/e1 evidenciando sua não adesão a tal conteúdo. Este comportamento é reforçado ainda pela presença da forma nominal equívoco e das aspas na forma nominal verdade. Como não há citação direta do discurso de e2, o PDV narrado é apresentado em discurso indireto configurando uma imputação, mas, neste caso, L1/e1 assume a imputação, e não o conteúdo proposicional imputado, de tal modo que seu PDV aparece em seguida em posição de sobrenunciação, o discurso de e2 é apagado em detrimento do domínio do discurso de L1/e1. Tal não ocorre com o fragmento seguinte, o (21), em que a voz autoral de L1/e1 fica obnubilada pela presença da voz de e2, o PDV de e2 é mobilizado por L1/e1 e permanece em posição de domínio, neste caso é a voz de e2 que se projeta neste fragmento, em detrimento do apagamento da voz de L1/e1, é como se este enunciador se ausentasse do cenário enunciativo. Tais considerações parecem apontar para a possibilidade de duas formas de representar o PDV: por um lado, uma forma em que a representação se configura na direção de um “eu” que se projeta no discurso a fim de evidenciar o seu PDV, por outro lado, uma forma em que a representação se configura na direção do “outro” ora com a função de reforçar a posição do “eu” (fundamentação teórica ou argumento de autoridade), ora para evidenciar um distanciamento humilde e/ou respeitoso. Nos dois fragmentos o efeito é o mesmo, qual seja, de distanciamento em relação à proposição de e2, no entanto o que diferem são as múltiplas razões, que ora podem ser motivadas por discordância, descomprometimento, humildade/submissão ou superioridade. Outros verbos de elocução, especialmente associados aos discursos direto e indireto, foram também considerados nesta pesquisa e sua categorização levou em conta as contribuições das reflexões contida em Charolles (1976), Maingueneau (1998), Marcuschi (1991), Garcia (1986) e Rabatel (2003), bem como de Thompson e Yiyun (apud Oliveira 2005) e Benites (2002). O detalhamento dessa divisão foi apresentado no tópico anterior e é mobilizado agora. Como já se observou anteriormente, o verbo afirmar corresponde a quase totalidade dentre os verbos considerados “neutros” por excelência, seguido por dizer e falar. Na 143 somatória entre esses verbos e os demais delocutivos, 164 ocorrências, observa-se que os neutros representam mais de cinquenta por cento das ocorrências, num forte indício de uma escrita que se ausenta da responsabilidade, associadas ao discurso relatado, encontradas uniformemente tanto no discurso direto quanto no indireto, e, mais raramente acompanhando a ilha textual. Apresenta-se, abaixo alguns exemplos do corpus: Introduzindo uma citação em discurso direto: (22) Art.AI06 Como afirma Bagno (2007 p.159) “Quem quiser continuar usando as formas tradicionais, prescritas pela norma-padrão, fique à vontade, faça bom uso delas e seja feliz! Tudo o que exigimos é que as outras formas também sejam consideradas boas, justas e corretas.” Introduzindo uma citação em ilha textual: (23) Art.AI07 Outro trecho que é composto de elementos que modificam ou põe em dúvida os objetivos dos autores, pode ser percebido no momento em que jornalista afirma que o livro mostra ao aluno “que não há necessidade de se seguir a norma culta para a regra da concordância”. Introduzindo uma citação em discurso indireto: (24) Art.AI20 Bagno (2007), sempre partindo dos estudos labovianos, classifica os tipos de variações e afirma que a variação ocorre em todos os níveis da língua: variação fonéticofonológica, variação morfológica, variação sintática, variação semântica, variação lexical e variação estilístico-pragmática Quanto aos outros verbos de elocução, são muito variados, e pareciam, à primeira vista, não ser representativos, mas o são, na medida em que revelam uma miríade de questões relacionadas aos dois aspectos, o potencial denotativo e o de avaliação. Assim, formas como considerar, definir e apontar são as mais recorrentes nos vinte textos analisados, com 16 e 10 ocorrências, respectivamente, seguidas por descrever, colocar, abordar e destacar com 8, 6 e 5 ocorrências, respectivamente, outras formas verbais, menos recorrentes encontramse igualmente listadas, como se vê no quadro seguinte: 144 QUADRO 13 - O UTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO EM TEXTOS DE AUTORES INICIANTES Outros Verbos de Elocução Verbo Art1 Art2 Art3 Art4 Art5 Art6 Art7 Art8 Art9 Art10 Art11 Art12 Art13 Art14 Art15 Art16 Art17 Art18 Art19 Art20 Total % abordar 0 0 0 2 0 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 5 4,81% analisar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 2 1,92% apontar 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 5 0 2 0 1 10 9,62% citar 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 4 3,85% colocar 0 0 1 4 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 6 5,77% conceber 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 2 0 0 4 3,85% considerar 1 0 0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 0 4 1 3 1 2 16 15,38% criticar 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 3 2,88% definir 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 2 3 1 10 9,62% descrever 0 0 0 3 0 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 8 7,69% desenvolver 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,96% destacar 0 0 0 0 0 0 1 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 5 4,81% diferenciar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0,96% discorrer 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,96% discutir 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 2 1,92% elaborar 0 0 0 0 0 0 2 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 5 4,81% enfatizar 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 3 2,88% evidenciar 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 1,92% explicar 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,96% expor 0 0 0 3 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 3,85% expressar 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,96% formular 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0,96% postular 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0,96% questionar 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 2 4 3,85% retratar 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 2,88% teorizar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0,96% Total 4 0 2 17 1 1 9 9 4 4 1 1 1 2 0 13 5 15 4 11 104 100,00% % 3,8% 0,0% 1,9% 16,3% 1,0% 1,0% 8,7% 8,7% 3,8% 3,8% 1,0% 1,0% 1,0% 1,9% 0,0% 12,5% 4,8% 14,4% 3,8% 10,6% 100% 145 No que diz respeito ao potencial denotativo, não foram encontradas ocorrências denotativas que dissessem respeito a L1/e1 em posição de de comparação e/ou atitude. Mas abundaram as de teorização: são 23 ocorrências distribuídas entre seis formas verbais, a saber: definir, destacar, enfatizar, explicar e teorizar. Vejam-se alguns exemplos: Art.AI01 25) Soares (2001, p. 38) define o letramento como o resultado da ação de “letrar-se”. 26) Barbosa (1990, P. 54) enfatiza que as cartilhas são exemplos explícitos dessas diretrizes, tendo em vista que elas direcionam um caminho pelo qual todos os alunos precisam passar sem nenhuma mudança, o que acaba gerando um número expressivo de alunos não leitores. Art.AI20 27) Outro teórico que critica a mesma questão é Bagno (2009, p. 150), que destaca como os “fósseis linguísticos ocupam um lugar de destaque no ensino de português.” 28) Almeida (1999, p. 186) também tenta explicar o porquê dessa substituição, ou alternância: “talvez o temor de, no emprego do pronome ela, formar palavras grotescas, como ‘boca dela’, ou para evitar a repetição desse pronome, costumam certos autores, infalivelmente, substituí-lo por a mesma [...]”. 29)Art.AI18 Em sua obra Palavras Incertas: As não-coincidências do dizer, a autora trabalha a noção de modalização autonímica, teorizando o conceito de não-coincidências no campo teórico da Enunciação recorrendo também a outras áreas do conhecimento, como a psicanálise lacaniana, o dialogismo bakhtiniano, além da noção de interdiscurso de Pêcheux. Esta categoria abriga verbos de elocução que indicam o uso feito por L1/e1, no desenvolvimento de seu próprio argumento, do discurso de e2. Além disso, como o próprio nome da categoria indica, tais verbos expressam uma certa atitude teórica, de reflexão. No entanto, o fato de não haver uma ocorrência sequer das categorias Comparação/contraste ou Atitude demonstra que não há a exposição da interpretação de L1/e1 a respeito do conteúdo citado ou do autor citado. Tal conteúdo é mobilizado de uma forma aparentemente neutra. Entende-se que ao utilizar os verbos classificados na categoria “atos de L1/e1 de atitude”, os enunciadores comprometem-se mais diretamente com a informação citada, representando, através do verbo de elocução selecionado, não apenas uma expressão verbal, mas uma atitude comportamental, associada a esta expressão. Nas categorias que dizem respeito aos atos de e2, abundam as ocorrências de verbos classificados como textuais, são inclusive as ocorrências predominantes em todo o corpus, sendo classificados, nesta categoria, verbos de elocução relativos a processos que envolvem necessariamente expressão verbal e sem que haja um comprometimento de L1/e1 com a informação citada, representando apenas o ato textual de expressão verbal independente de uma atitude comportamental. 146 Aos verbos listados na tabela “Verbos de atribuição de fala” (afirmar, falar e dizer) somam-se os demais encontrados, apontar, elaborar, citar e colocar. Eis alguns exemplos: (30) Art. AI01 (...)A autora expressa a sua rejeição ao uso do conceito de letramento para ela é um “retrocesso”, porque representa a volta tradicional da compreensão instrumental da escrita. Art AI04 (31) Em um determinado momento do texto o autor cita as pesquisas antropométricas do cérebro humano realizadas por Hunt e continuada por Bean e Pearson. (32) Quando o autor coloca a índia na posição da mulher que oferece seu corpo ao “homem branco” e que faz isso por meros objetos como um pente, ele desconsidera o choque entre as duas culturas. (33) Clifford Geertz no texto o impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem, expõe ideias iluministas sobre conceito do ser humano. Art AI16 (34) O sociólogo Castells (1999), elabora uma análise do quadro sociológico atual e aponta efeitos de sentidos marcados pela crescente globalização e tecnologia da informação. Art AI18 (35) Gadet & Pêcheux (2004) apontam para o fato de que a materialidade simbólica da língua se dá enquanto espaço discursivo diverso para formulações poéticas como em “[...] o poeta seria apenas aquele que consegue levar essa propriedade da linguagem a seus últimos limites” O primeiro fragmento transcrito, o item (30) , merece uma observação a seu respeito, na medida em que confirma o postulado de Thompson e Yiyun. Apesar da classificação como atos de e2 textual, e, portanto, sem expressão de atitudes comportamentais, o texto após a forma verbal expressar denota uma avaliação do autor a respeito do autor citado evidenciada nas formas nominais rejeição e retrocesso, mas ainda assim a forma verbal não pode ser classificada como um posicionamento negativo de e2, não apenas em função da ausência do advérbio de negação, mas principalmente porque o escritor não se contrapõe ao conteúdo proposicional citado, não o coloca em xeque, como se trata de um PDV representado, sem a citação integral do texto citado, importa perceber que se trata de uma imputação, ou quase PEC, em que o texto citante assume a responsabilidade pela imputação, no entanto, não assume a responsabilidade pelo teor do conteúdo proposicional do texto citado. Ainda no que concerne ao potencial denotativo, as categorias classificadas como atos de autor mental e de pesquisa são bem menos numerosas. Os atos de autor mental inclui verbos de elocução relacionados a processos psicológicos, da reflexão e da percepção e, portanto, abriga os processos tipicamente classificados como mentais, tais como crer, acreditar, lembrar, observar, pensar, ponderar, reconhecer, refletir, achar, atentar, decidir, etc. A perspectiva de classificação aqui adotada demandou a compreensão de que os verbos 147 classificados como atos de autor mental expressa processos mentais relativos à representação não só de fenômenos do mundo exterior (material), mas, principalmente, do mundo interior (mental), indicando assim processos de cognição, percepção e afeição. A maior parte deles também é classificada nos itens focalização cognitiva e perceptiva da ordem 8 – categoria “Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados”, elencada em Adam (2011) e Passeggi et al. (2010). A respeito desses verbos, Rabatel (2003) atribui-lhes um papel preponderante em contextos de apagamento enunciativo, questionando um aspecto relevante nesta pesquisa: o que está em jogo é o apagamento da enunciação de e2 ou o apagamento do relato de E1? Tal questão importa muito nesta pesquisa porque determina, em última instância, uma hierarquização entre os enunciadores, aspecto que se discutirá mais adiante ao se tratar as posturas enunciativas. Vejam-se alguns exemplos: Art AI16 (36) Embora sejam apontadas as três categorias de movimentos de identidades com características e efeitos diferentes, o sociólogo observa que existe uma dinâmica entre uma e outra forma posta no funcionamento social Art AI20 (37) O autor acredita que a perda fonológica dessa vogal acarreta um transtorno morfológico (aparece uma casa vazia no quadro dos pronomes) e sintático (não temos como representar o objeto direto pronominal). (38) Porém, como pondera Bechara (2001), nenhum deles apresenta as razões da crítica, ou seja, nenhum deles apresenta um motivo justo para que se evite o uso da palavra mesmo em lugar dos pronomes pessoais. Quanto à categoria atos de e2 de pesquisa, foram encontradas 10 ocorrências divididas entre os verbos analisar, descrever, evidenciar, descrever, elaborar e formular, vinculados ao campo da investigação e da pesquisa. Não parece exagerado lembrar que, via de regra, verbos categorizados como referência a e2, sejam textuais, mentais ou de pesquisa, tendencialmente transferem a responsabilização pelo conteúdo proposicional, primariamente, para esta instância enunciativa denominada e2, estratégia pela qual o L1/e1 se isenta desta responsabilidade. Estes verbos representam, neste corpus, a grande maioria dos verbos de elocução, levando, forçosamente, a concluir que grande parte dos mecanismos linguísticos mobilizados por alunos de graduação, quando citam, levam a uma postura de desresponsabilização. Abaixo, foram listadas algumas ocorrências. 148 (39) Art.AI03 Montessori elaborou os "jogos sensoriais" destinados a estimular cada um dos sentidos. Para atingir esse objetivo, ela necessitou pesquisar uma série de recursos e projetou diversos materiais didáticos para possibilitar a aplicação do método. (40) Art.AI04 As ideias referentes à cultura indígena expressas nos primeiros trabalhos antropológicos têm reflexos ainda hoje, resultando no pensamento preconceituoso da sociedade brasileira, que preserva a ideia de que o índio não passa de um selvagem culturalmente atrasado como descreve o próprio Freyre. (41) Art.AI09 Wallon fez inúmeros comentários onde evidenciava o caráter emocional em que os jogos se desenvolvem, e seus aspectos relativos à socialização. (42) Art. AI17 Ao analisar os efeitos do panóptico em “Vigiar e Punir” Foucault (2004) o descreve como uma “diabólica peça de maquinaria”. (43) Art.AI18 Os sentidos se produzem justamente desse modo, a partir da relação do intradiscurso com o interdiscurso e a exterioridade, ou seja, o modo como formulamos nosso discurso, fazendo com que ele passe a ter novos significados em função desse [...] “acontecimento a sua volta”, conforme formula o autor. No que diz respeito ao potencial avaliativo, encontram-se as subcategorias posicionamento e interpretação. Os verbos que expressam posicionamento indiciam uma preocupação quanto à verdade ou acuidade do conteúdo proposicional citado, enquanto os verbos que expressam interpretação de e2 (por parte de L1/e1) não colocam em xeque a veracidade deste conteúdo, mas, sobretudo, o modo como o discurso de e2 foi lido e mobilizado por L1/e1. Em suma, os verbos que expressam posicionamento, traduzem a avaliação realizada por L1/e1 a respeito do posicionamento de e2 sobre o conteúdo proposicional. Desta forma, este segundo enunciador por ser representado de forma positiva, demonstrando um alto nível de segurança sobre seu próprio discurso, pode ser neutro, não demonstrando claramente qual a posição, se apresenta um alto grau de segurança sobre o conteúdo proposicional ou se demonstra dúvida a respeito, ou, ainda, e2 pode ser representado de forma negativa, como um enunciador cuja informação foi posta em xeque, tendo apresentado informação ou falsa ou incorreta. No caso da avaliação positiva, os verbos mais comuns são asseverar, acentuar, argumentar, aduzir, assegurar, contra-argumentar, defender, destacar, discursar, enfatizar, frisar, garantir, insistir, ressaltar, salientar, sublinhar, e sustentar, dentre outros. No conjunto de 20 textos produzidos por autores iniciantes foram encontradas 8 ocorrências de verbos que indiciam um posicionamento positivo por parte de L1/e1, sendo 5 ocorrências do verbo destacar e 3 de enfatizar. Não se encontraram ocorrências de 149 avaliação negativa. A avaliação neutra é, normalmente, expressa pelos verbos apontar, aprender, apresentar, assinalar, assumir, atentar, analisar, avaliar, exemplificar, expor, ilustrar, interpretar, interrogar-se, lembrar, observar, pensar, perceber, ponderar, pontuar, propor, pronunciar, notar, recordar, refletir, relembrar e sinalizar, dentre outros. Nos textos de autores iniciantes foram encontradas 11 ocorrências, sendo que uma delas, expressa pelo verbo observar é analisada posteriormente ao se tratar das focalizações cognitivas e perceptivas. As demais ocorrências são expressas pelos verbos apontar, expor, propor e retratar, cujo uso equivale ao do verbo ilustrar. Abaixo, alguns excertos destas ocorrências: (44) Art.AI03 Gilberto Freyre no livro Casa-grande e senzala retrata em um dos capítulos, denominado por o indígena na formação da família brasileira, questões referentes à cultura dos índios encontrados no país na época da chegada dos portugueses ao Brasil. (45) Art.AI044 Clifford Geertz no texto o impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem, expõe ideias iluministas sobre conceito do ser humano. (46) Art.AI18 Gadet & Pêcheux (2004) apontam para o fato de que a materialidade simbólica da língua se dá enquanto espaço discursivo diverso para formulações poéticas como em “[...] o poeta seria apenas aquele que consegue levar essa propriedade da linguagem a seus últimos limites” (47) (...) A autora aponta que as produções de sentidos estão entrelaçadas a diferentes lugares ocupados pelo sujeito em dada formação social, assim, há a possibilidade de sujeitos, a partir de uma mesma língua, significarem-se de maneira diferente Outros verbos que expressam posicionamento relacionam-se com a avaliação de L1/e1 a respeito da veracidade de um conteúdo proposicional. Seu posicionamento pode ser fatual, contra-fatual ou, ainda, não-fatual. O posicionamento é fatual quando L1/e1 apresenta um determinado conteúdo proposicional como um fato, comprometendo-se com sua veracidade, classificando-se nesta categoria os seguintes verbos: atestar, calcular, classificar, conceituar, confirmar, constatar, declarar, definir, demonstrar, denominar, detalhar, diagnosticar, dispor, distinguir, elucidar, ensinar, enumerar, esclarecer, estabelecer, estipular, explicitar, identificar, indicar, informar, orientar, mostrar, planejar, precisar, reforçar, registrar, reiterar, ressalvar, revelar e verificar, dentre outros. Destes verbos, encontram-se 10 ocorrências no conjunto de 20 textos de autores iniciantes, apenas com o verbo definir. O posicionamento é contra-fatual quando a informação citada por L1/e1 é representada como incorreta e/ou imprecisa. Não foram encontradas ocorrências desta natureza. Por fim, o posicionamento pode ser também não-fatual quando L1/e1 não expressa seu posicionamento em relação ao discurso de l2/e2, sendo este representado como não 150 absolutamente seguro acerca de seu conteúdo proposicional, são verbos dessa categoria: aceitar, achar, acreditar, apostar, arriscar, considerar, discutir, entender, especular, filosofar, imaginar, opinar, sugerir e supor. Destes, foram encontrados, nos textos de autores iniciantes, os verbos considerar e discutir com um total de 16 e 2 ocorrências, respectivamente. Como a maior parte dos verbos classificados quanto ao potencial avaliativo também já o foram no que diz respeito ao potencial denotativo, considerou-se repetitivo colocar os excertos em que ocorrem, pois são os mesmos, e optou-se, apenas por listar as ocorrências. No que tange ao potencial avaliativo, além de posicionar-se em relação à atitude de e2, L1/e1 também pode optar pela seleção de verbos que indicam sua interpretação do discurso outro, em outras palavras, seleciona os verbos que expressam sua leitura do discurso outro, de modo que nesta categoria encontram-se dois subgrupos: o dos verbos que expressam a interpretação do desenvolvimento retórico do discurso do e2 e o daqueles que, em vez de focar o discurso de e2, focalizam seu comportamento. No primeiro subgrupo, destacam-se os verbos acrescentar, adiantar, arrematar, citar, comentar, comparar, complementar, completar, concluir, continuar, enunciar, finalizar, incluir, mencionar, prosseguir, relatar, repetir, resumir, sintetizar e traduzir, cf. Thompson e Yiyun (apud Oliveira, 2005), dos quais apresentam-se, nos textos de autores iniciantes, apenas 4 ocorrências do verbo citar. No segundo subgrupo, destacam-se os verbos acusar, admitir, alega, adere, adverte, alega, alerta, alegra-se, alfineta, ameaça, ameniza, aplaude, ataca, avisar, brincar, caçoar, castigar, clamar, comemorar, concordar, confabular, confessar, confidenciar, contestar, contra-atacar, criticar, decidir, denunciar, derreter-se, detonar, desabafar, desafiar, disparar, dissimular, elogiar, empolgar-se, espetar, exaltar, exasperar-se, exclamar, festejar, gabar-se, gritar, incitar, indagar, ironizar, lamentar, manifestar-se, martelar, oferecer, orgulhar-se, pedir, persistir, pregar, preocupar-se, queixar-se, propugnar, provocar, queixar, questionar, reagir, rebater, recitar, reclamar, reconhecer, redargüir, ressalvar, retorquir, retrucar, solicitar e sussurrar, cf. Thompson e Yiyun (apud Oliveira, 2005). Nos textos de autores iniciantes foram encontradas 7 ocorrências, sendo 3 do verbo criticar e 4 do verbo questionar. Somando-se aos dois subgrupos propostos por Thompson e Yiyun (1991), Oliveira propõe uma terceira categoria de verbos aos quais se atribue a expressão de uma interpretação que se volta para o status do conteúdo proposicional ou autor citado, considerando-se os seguintes verbos: aconselhar, anunciar, assentir, comandar, critica, decretar, determina, discorda, justificar, pedir, pontificar, postular, preceituar, preconizar, prever, prescrever, proclamar, prometer, 151 recomendar e sentenciar. No conjunto de vinte textos de autores iniciantes foram encontrados apenas dois verbos: 1 ocorrência do verbo postular e 3 de criticar. A classificação dos verbos que indiciam a presença de e2 também contempla mais uma última categoria denominada “não-interpretativa” Esta categoria abriga verbos que não realizam uma interpretação por parte L1/e1, sendo, antes, a representação objetivamente citada de um conteúdo proposicional, tais como os verbos dizer, afirmar, falar. No entanto, entende-se, no escopo deste trabalho e confrontando-se outras propostas de classificação (neutros, cf. Charolles, 1976), que tais verbos já são classificados no quadro “verbos de atribuição de fala”, e dispensam nova classificação, restando ainda anota, coloca, conta, descreve, escrever, expressar, imprimir, indagar, intitular-se, ler, perguntar, publicar, reafirmar, redigir, referir-se, replicar, responder e verbalizar. Acredita-se, nesta pesquisa, que tais verbos não seriam de fato “não-interpretativos”, mas, sobretudo, capazes de ocultar a interpretação do autor que não a manifesta. É o que propõe Oliveira (2005) quando, contrariando as classificações já discutidas, estabelece que a escolha de qualquer verbo de elocução carrega consigo uma avaliação, que ocorre sempre, podendo ser apenas atenuada ou ocultada, não se manifestando. Há uma distância considerável entre não interpretar e não manifestar uma determinada interpretação: “É importante salientar que a não expressão da interpretação do Escritor também é um dado importante para a representação discursiva e, principalmente, diferente da não interpretação.” Nesta categoria foram encontradas 3 ocorrências: 2 do verbo colocar e uma do verbo expressar. A classificação dos verbos aqui descrita encontra-se sistematizada no quadro abaixo: QUADRO 14 - S INTESE DA CATEGORIA "OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO " - TEXTOS DE AUTORES INICIANTES Categorização de Outros Verbos de Elocução cf. Thompson e Yuyin (1991) Categorias Nº de ocorrências Atos de L1/e1 Atos de e2 Potencial denotativo Comparação/ contraste 0 Teorização 25 Atitude 3 Textual 20 Mental 25 152 Posicionamento de e2 Posicionamento de L1/e1 Potencial avaliativo Pesquisa 10 Positivo 8 Negativo 0 Neutro 11 Fatual 10 Interpretação: Contrafatual 0 Não-fatual 18 Desenvolvimento retórico do discurso de e2 4 Comportamento atribuído a e2 7 Status da informação/autor citado 3 Não-manifesta 65 4.2.3 Das ocorrências na categoria de ordem 8 - Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados Outra categoria de análise elencada nesta pesquisa, diz respeito à ordem n.8 (PASSEGGI et al, 2010 e ADAM, 2011). Mesmo não representando a categoria mais produtiva no conjunto dos textos observados, esta categoria revela sua importância na medida em que permite vislumbrar os “efeitos de ponto de vista que repousam numa focalização perceptiva (ver, ouvir, sentir, tocara, experimentar) ou numa focalização cognitiva (saber ou pensamento representado” (ADAM, 2011, p. 120). Além disso, importa considerar as reflexões de Rabatel (2003) acerca do papel dos verbos de percepção em contextos de apagamento enunciativo. Segundo o autor, o PDV se relaciona muito intimamente com o discurso reportado, ampliando as discussões acerca das relações entre o PDV e as formas convencionais do discurso reportado, estabelecendo relações nos planos sintático (em que o PDV partilha os mecanismos de apagamento enunciativo com o DIL, com o DI, os mecanismos de subordinação da percepção e pensamentos representados e com o DD a “quase subordinação” funcionando como complemento essencial de um verbo sentiendi, como nos casos de parataxe), além disso o fato de que no plano semântico, o parentesco dos verbos sentiendi com os dicendi fazem do PDV um misto de pensamentos, 153 percepções e falas que o aproximam do DIL ou do DDL, desempenhando um papel decisivo na expressão das percepções representadas. Por essa razão o autor postula que, mais do apenas discurso reportado, trata-se de um discurso representado, e é aos modos de representação dos pensamentos e percepções que o autor se dedica ao discutir o papel dos verbos de percepção. Essa operação de representação se realiza por meio da dissociação entre enunciador e locutor. Tal dissociação é uma ferramenta sofisticada e útil na medida em que contempla os múltiplos casos em que o locutor se distancia de seu próprio dizer ou do dizer de outro. Essa distância é marcada com um segundo enunciador (e2), sem o qual seria difícil descrever os implícitos e os pontos de vista envolvidos nas frases sem fala bem como quaisquer situações em que há o relato de outro. Rabatel (2003), partindo de Werlich, ainda postula um certo parentesco entre os verbos dicendi, sentiendi e putandi, de forma que, se bem observadas, as ocorrências dos verbos observar, acreditar e julgar demonstram bem que em tais contextos poderiam também ocorrer outros verbos tradicionalmente atribuídos à introdução da proposição de um outro enunciador, tais como afirmar, dizer, falar, etc. O quadro abaixo demonstra as poucas ocorrências desses verbos: de um total de 10 ocorrências, apenas 1 denota focalização perceptiva, e outras denotam focalização cognitiva. QUADRO 15 - I NDICADORES DE UM SUPORTE DE PERCEPÇÃO E PENSAMENTOS RELATADOS – TEXTOS DE AUTORES INICIANTES Indicativo de focalização perceptiva ver Art9 1 Art1 1 Art9 Art.16 Art 20 saber 0 1 0 0 1 Indicativo de focalização cognitiva entender acreditar observar julgar 4 0 0 0 2 0 0 0 1 0 0 1 4 2 0 Total 1 0 0 0 1 5 3 0 0 8 Abaixo, encontram-se listadas as ocorrências dos verbos em excertos retirados do corpus: (48) Art.AI011 Magalhães (2001, p.217) entende que uma pessoa que não conhece a escrita também pode ser detentora de ricos sistemas de valores e crenças mediadas pela língua falada. (49) Art.AI04 Contrária às ideias iluministas, a antropologia “tem tentado encontrar seu caminho para um conceito mais viável sobre o homem, no qual a cultura e a variabilidade cultural possam ser mais levadas em conta” (Geertz, 1989, p.27), porém, o autor também julga ser 154 necessário ter cuidado ao direcionar os estudos referentes ao ser humano, visto que este possui uma complexidade imensa que ainda não se encontra ordenada, de forma que há o perigo de perder por completo a perspectiva de homem.Art6 (50) Art. AI09 No entanto, poucos pais sabem o quanto é importante o brincar para o desenvolvimento físico e psíquico dos seus filhos. (51) Art.AI20 Camacho (2001, p. 72) acredita que “uma consequência drástica desse conflito pode ser a rejeição tática da variedade padrão, em termos de ensino de língua e de outros valores da classe dominante. Na prática, tudo redunda em evasão e repetência escolar.T2) O autor observa que “além de ser anacrônica como teoria linguística, a Gramática Tradicional também se constitui com base em preconceitos sociais que revelam o tipo de sociedade em que ela surgiu [...]” (idem, p. 67). Em todos os casos fica evidente a ideia de que o relato de uma determinada atividade/ percepção é feito por meio de um verbo ligado à percepção, nos casos acima, em processos mentais. Apesar desta aparente uniformidade, aponta-se aqui uma diferença fundamental, ligada à rotina citacional: no caso dos itens (48), (49), e (50), os verbos “entende, julga e fala” introduz conteúdos proposicionais resultantes da inferência de L1/e1, uma vez que se apresentam em PDV narrado, sendo tal conteúdo imputado aos enunciadores segundos, diferenciando-se, dos verbos acreditar e observar (em 51) que introduzem diretamente a fala dos enunciadores segundos num PDV representado, em discurso direto. O desengajamento parece ser maior em (51) do que em (48), (49), e (50), de modo que se poderia postular um continuum entre o maior nível de engajamento até o maior nível de desengajamento. 4.3. Marcas da RE em textos de autores especialistas Os textos de autores especialistas parecem também caracterizar-se por remissões ao discurso de outro se não excessivas, ao menos abundantes, conforme se observará na apresentação dos dados encontrados nos vinte textos de autores especialistas (mestres, doutores, mestrandos e doutorandos) que compõe o corpus. Na sequência, apresentam-se os dados obtidos no conjunto de vinte textos. 4.3.1 Das ocorrências na categoria de ordem 5 – Diferentes Representações da Fala No que diz respeito ao discurso reportado, categoria de ordem 5 – Diferentes Representações da Fala (Passeggi et al., 2010), O discurso indireto aparece como a forma preferida dos autores especialistas, em conformidade aos achados de Boch e Grossmann (2002). Mas, ao mesmo tempo, abunda também o discurso direto, bem como as ilhas 155 textuais, e, uma categoria elencada em Boch e Grossmann (2002) aparece ainda que discretamente, trata-se da “evocação”. No quadro abaixo foram sistematizadas as ocorrências do discurso reportado em textos de especialistas: QUADRO 16 - D IFERENTES TIPOS DE REPRESENTAÇÃO DA FALA EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS - Diferentes tipos de representação da fala Ilha textual DI DD aspas sem Evocação autoria Total % Art.1 2 2 4 1 0 9 3,75% Art. 2 0 6 8 0 0 14 5,83% Art.3 0 1 1 0 1 3 1,25% Art.4 1 5 5 0 0 11 4,58% Art.5 0 1 3 0 1 5 2,08% Art.6 2 10 10 0 0 22 9,17% Art.7 3 4 3 0 0 10 4,17% Art.8 4 6 6 0 0 16 6,67% Art.9 6 1 4 0 0 11 4,58% Art.10 14 5 2 0 0 21 8,75% Art.11 9 3 3 1 1 17 7,08% Art.12 0 10 2 1 0 13 5,42% Art.13 2 0 6 0 1 9 3,75% Art.14 3 2 3 0 0 8 3,33% Art.15 5 3 4 0 0 12 5,00% Art.16 0 1 3 0 0 4 1,67% Art.17 1 5 8 0 0 14 5,83% Art.18 6 7 6 0 1 20 8,33% Art.19 2 3 2 0 0 7 2,92% Art.20 2 7 4 0 1 14 5,83% Total 62 82 87 3 6 240 100,00% % 25,83% 34,17% 36,25% 1,25% 2,50% 156 Como se pode ver no quadro acima, o discurso direto se equipara ao discurso indireto (ou reformulação no sistema autor-data) em preferência pelas formas citacionais, respondendo juntas por mais da metade das ocorrências das remissões ao discurso outro, com ligeira predominância do discurso direto contrariando os achados da pesquisa de Boch e Grossmann (2002) em que esta categoria se mostrou pouco representativa em textos de especialistas. As ilhas textuais são menos frequentes em textos de especialistas do que em textos de graduandos, uma possível explicação para isso é o fato de que a ilha representa um mecanismo seguro da difícil aprendizagem de expressar sua voz utilizando a de outro, seria, se se pudesse dizer assim, uma transição da citação em discurso direto para o discurso indireto em que o esforço de reformulação é bem menor, exercendo para os graduandos o mesmo papel que o discurso indireto e a reformulação tem para o especialista. As outras duas formas de representação do discurso outro são bem pouco representativas na amostra: nos vinte textos observados encontram-se 1,25% de citações aspeadas sem menção de autoria ou próxima às máximas e provérbios, enquanto 2,50% foram classificadas como “evocação”. As citações aspeadas sem menção de autoria se aproximam muito daquilo que Maingueneau (2005) chama de “particitação”: trata-se de um mecanismo de apresentação de um enunciado cuja fonte é indefinida, um sujeito universal, “um hiperenunciador”, ou ainda uma instância não nomeada, mas reconhecida pelos interlocutores por serem membros da mesma comunidade ou tradição. A evocação, a menos recorrente das formas de representação da fala, é definida, no escopo desta pesquisa, como um mecanismo textual-discursivo que permite deixar os conhecimentos compartilhados em segundo plano, inscrevendo a pesquisa num espaço epistêmico identificável. Marcada pela ausência de marcas introdutoras do discurso reportado, permite fazer apenas uma alusão a autores e/ou teorias, sem necessariamente reformular. Ao contrário do subgrupo anteriormente apresentado, o subgrupo AE parece apresentar mais equilíbrio nas preferências pelas formas citacionais. Estes dados foram sistematizados no quadro abaixo: Art Ilha textual % no total de citações DD % no total de citações DI % no total de citações AI01 22,22% 44,44% 22,22% AI 02 0,00% 57,14% 42,86% AI03 0,00% 33,33% 33,33% AI04 9,09% 45,45% 45,45% 157 AI05 0,00% 60,00% 20,00% AI06 9,09% 45,45% 45,45% AI07 30,00% 30,00% 40,00% AI08 25,00% 37,50% 37,50% AI09 54,55% 36,36% 9,09% AI10 66,67% 9,52% 23,81% AI11 52,94% 17,65% 17,65% AI12 0,00% 15,38% 76,92% AI13 22,22% 66,67% 0,00% AI14 37,50% 37,50% 25,00% AI15 41,67% 33,33% 25,00% AI16 0,00% 75,00% 25,00% AI17 7,14% 57,14% 35,71% AI18 30,00% 30,00% 35,00% AI19 28,57% 28,57% 42,86% AI20 14,29% 28,57% 50,00% No entanto, parece não haver uma correlação específica entre uma distribuição mais uniforme das formas citacionais e projeção da voz autoral, ou seja, pode haver maior ou menor projeção desta voz, independentemente de maior ou menor ocorrência de uma forma citacional específica ou mesmo de uma homogeneidade nas ocorrências. Abaixo apresentam-se alguns exemplos, mantendo-se a marcação adotada anteriormente, qual seja, a porção textual em discurso direto apresenta-se em itálico, em ilha textual apresenta-se sublinhada, e em discurso indireto apresenta-se em negrito: (52) Art.AE07 A este respeito Guimarães (2005) propõe pensar a semântica num campo epistemológico que permite ver que a linguagem fala de algo e o que se diz é construído na linguagem. Nessa perspectiva, fica configurado um novo modo de ver a relação entre sentido, sujeito e língua pela enunciação, e por seguinte, pela linguagem. Ao questionar a transparência da linguagem, o autor constitui um lugar que se possa considerar a história do sentido no tratamento da enunciação. Nesse gesto, o semanticista mantém diálogo com a Análise de Discurso e inclui a história nos estudos enunciativos. Desse modo, o linguista considera a “enunciação como um acontecimento no qual se dá a relação do sujeito com a língua” (2005, p. 8). Aqui o sujeito não é a pessoa empírica que se põe a falar, pois, para o autor, “enuncia-se enquanto ser afetado pelo simbólico e num mundo vivido através do simbólico” (idem, p.11). (53) Art.AE08 158 Bisinoto destacou que na manifestação concreta de diferentes falares, da variedade linguística, há fatores sociais que afetam tanto linguística como politicamente os comportamentos e as relações dos habitantes, interferindo muitas vezes na própria estrutura social. Sendo assim, a atitude linguística e a social fundemse nas ações e reações dos indivíduos. Segundo a autora, as avaliações (manifestas e encobertas; subjetivas e objetivas) mais ou menos conscientes “têm a propriedade de fundar e governar tanto as relações de poder quanto o prestígio e desprestígio das formas lingüísticas, estabelecendo seletividades, evidenciando preconceitos.” Por isso, adota o termo “atitudes sociolinguísticas” por entender que melhor se aplica ao objetivo de descrever a complexidade do procedimento dos falantes. E é com esse conceito que trabalhamos em nossa pesquisa por ser o que melhor se aplica aos nossos objetivos. (54) Art.AE14 A QUESTÃO DO POSICIONAMENTO DO SUJEITO NO DISCURSO ESTEREOTIPADO DO COLONIALISMO DENUNCIA A FIXAÇÃO (ENQUANTO RACISMO) DE UMA CONSCIÊNCIA DO CORPO QUE NEGA A SI MESMO: “[...] o Negro não deve mais encontrar-se colocado diante deste dilema: embranquecer ou desaparecer, mas deve poder tomar consciência de uma possibilidade de existir” (FANON, 2006, p. 131). O ESTEREÓTIPO DO NEGRO ELABORADO PELO BRANCO IMPEDE A CIRCULAÇÃO E ARTICULAÇÃO DO SIGNIFICANTE DA RAÇA, A NÃO SER EM SUA FIXAÇÃO ENQUANTO RACISMO. FANON DESCREVE O EFEITO DESSE PROCESSO SOBRE A CULTURA COLONIZADA. Para ele, o sujeito marginalizado pela sua condição de raça e escravidão deve tomar consciência de si, de sua história e mobilizar-se, ampliando, assim, o sistema de referências pelo qual conseguirá reverter a destruição dos seus valores culturais. (55) Art. AE15 TAMBÉM A LINGUAGEM QUE SE USA É A LINGUAGEM QUE O ESPETÁCULO AUTORIZA E DISSEMINA. Segundo Debord (2003), a pessoa que já está submetida às normas espetaculares “seguirá no essencial a linguagem do espetáculo, porque é a única que lhe é familiar: aquela em que lhe ensinaram a falar” (DEBORD, 2003:33). O autor argumenta, ainda, que existem os que desejam mostrarem-se inimigos da sua retórica, mas, inevitavelmente acabam empregando a sua (...) o sujeito, sem perceber, emprega sua sintaxe, quer dizer, ao mesmo tempo em que ele combate e diz ser necessário combater os excessos da mídia, não se dá conta de que já está impregnado pelo dizer dela. (56) Art. AE18 Para Bakhtin (2003a), quando falamos ou escrevemos, temos em vista um interlocutor, com um intuito (querer dizer) discursivo. Este, por sua vez, determina “a escolha do gênero do enunciado e a escolha dos procedimentos composicionais e, por último, dos meios linguísticos, isto é do estilo do enunciado”. A partir desse argumento, Bunzen & Rojo (2005, p.86) afirmam que, da mesma maneira, os autores de livros didáticos e os agentes envolvidos em sua produção (editores, autores, professores etc.) produzem enunciados num gênero discursivo, “que possui temas (objetos de ensino), uma expectativa interlocutiva específica (professores e alunos, editores, avaliadores) e um estilo didático próprio” (grifo dos autores). Desse modo, os autores (e editores) dos livros selecionam os objetos de ensino, orquestrando gêneros de outras esferas na elaboração do livro didático, cuja função social é “re(a)presentar, para cada geração de professores e estudantes, o que é oficialmente reconhecido ou autorizado como forma de conhecimento sobre a língua(gem) e sobre as formas de ensino-aprendizagem” (p.87). Para Bunzen & Rojo (2005), então, compreender o LDP como um gênero discursivo é considerar sua própria historicidade. Assim, não se trata de compreendê-lo como um agregado de propriedades sincrônicas fixas, mas sim de observar suas transformações, característica inerente ao dinamismo das atividades humanas. 159 Em todos os fragmentos selecionados acima os autores combinam duas ou mais formas de representar o discurso outro, são todos fragmentos de artigos que apresentaram relativo equilíbrio na ocorrência das três principais formas citacionais dentre as elencadas: o discurso direto, indireto e a ilha textual. Nos quatro fragmentos observa-se a projeção da voz de e2, ora com o apagamento de L1/e1, ora integrando o discurso de e2 ao de L1/e1. Mesmo quando a voz de L1/e1 se projeta, não chega a se configurar como subenunciação de e2 pois deixa traços de seu posicionamento em seu discurso que indiciam sua adesão ao discurso de e2. Todos os fragmentos contêm uma porção textual em negrito correspondendo à zona textual em que L1/e1 reconstrói, segundo seu posicionamento, o enunciado de e2 tendo em vista uma reposição deste enunciado em uma nova enunciação, a partir do que se construiu em outra circunstância discursiva. Os fragmentos selecionados são exemplares desta observação acima. No fragmento (A) o autor apesar de iniciar reformulando o enunciado de e2, este permanece presente ocupando posição central (pela remissão inicial ao sistema autor-data), e pelas remissões contínuas nos fragmentos seguintes em que aparentemente L1/e1 dominaria a posição enunciativa, o que não acontece de fato a partir de alguns indícios: a remissão a e2, e, sobretudo, sua adesão ao conteúdo do enunciado de e2, de tal forma que e2 tem sua voz reproduzida por meio do discurso direto e da ilha textual, bem como a marcação das aspas. Observa-se o mesmo procedimento nos fragmentos (54) e (55) com uma ligeira diferença: nestes dois fragmentos L1/e1 se apresenta, nas porções textuais, em sobrenunciação, apresentando seu PDV, ainda que ancorado nas considerações de e2, na verdade e2 é convocado a validar o PDV de e2, ao contrário do que ocorre em (56), cuja porção textual final foi realçada com sombras. Neste fragmento, L1/e1 apresenta seu PDV numa porção textual final, após a apresentação do PDV (representado e narrado) de e2, o que sugere que seu PDV decorre do anterior. O que estes segmentos apontam é, evidentemente, a existência de zonas textuais em que a projeção da voz de e2 prevalece, em detrimento do apagamento da voz de e1, seja por meio do discurso indireto, ilha textual ou discurso direto, decorrendo desta observação a ideia de que L1/e1 ora assume a imputação do conteúdo proposicional de um enunciado a e2, ora não assume nem imputa, apenas se ausenta da enunciação. Veja-se outro exemplo: (57) Art. AE05 160 Há uma insistência por grande parte dos teóricos de terminologia sobre a necessidade de um termo representar um único conceito. Isso significa que a ambigüidade deve ser evitada nas LSP (línguas para fins específicos), ao menos segundo a visão da TGT (Teoria Geral da Terminologia). Desse modo, o uso de palavras da língua geral deve ser evitado no âmbito profissional, pois estas, como têm caráter polissêmico, colocam em risco a eficiência da comunicação. Por isso, o terminólogo procura termos funcionais e organizados em um determinado domínio e, em caso de carência, cria termos novos com vistas a implantá-los em uso. Essa implantação pode acontecer com a elaboração de dicionários, vocabulários e glossários especializados, ou seja, o objeto aplicado da terminologia. Tal prática é rigorosa e sistemática, devendo, pois, respeitar vários princípios entre os quais podem ser citados: i) os termos têm duas vertentes indissociáveis: forma e conteúdo; ii) deve haver uma relação unívoca entre forma e conteúdo do termo; iii) o termo situa-se num campo conceptual determinado um conceito mantém relação com os demais que constituem um campo temático; as denominações pertencem a um conjunto de possibilidades estruturais (CABRÈ, 1993, p. 266). Como já fora afirmado anteriormente, a homogeneidade da distribuição de formas citacionais não parece estar relacionada à maior ou menor projeção da voz autoral de L1/e1, de modo que o fragmento (57) acima, retirado de um artigo cuja distribuição das formas citacionais foi comparativamente menos homogênea, com predominância de porções em discurso direto, apresentou várias outras zonas textuais em que a projeção da voz autoral de L1/e1 prevalece, é o caso do excerto acima, em que o enunciado de e2, reformulado, é apresentado de tal forma que, não fosse pela indicação da presença de e2 (revelada na remissão ao sistema autor-data, entre parênteses e ao final do texto), a recuperação do diálogo entre vozes só seria possível aos experts da área em estudo. Assim, no geral, observa-se neste subgrupo índices razoáveis de remissão ao discurso outro, cumprindo, no entanto, papéis diversos daquele observado no subgrupo anterior. 4.3.2 Das ocorrências na categoria de ordem 6 – Indicadores de Quadro Mediador Nesta categoria foi encontrada uma grande quantidade de ocorrências das marcas de não-assunção da RE, em quantidade muito superior ao esperado. A soma de todos os indicadores de quadros mediadores resultou ligeiramente superior ao encontrado no grupo anterior, dos textos de autores iniciantes. Essa soma, superior em números absolutos, deve ser relativizada pela quantidade superior de laudas dos textos de autores especialistas, o dobro de laudas médias encontradas em textos de iniciantes. Desta forma, proporcionalmente, a quantidade de ocorrências é aproximadamente 50% menor em textos de autores especialistas, embora em vários aspectos observa-se que a escrita deste grupo 161 difere apenas um pouco do grupo anterior, conforme evidenciado no quadro abaixo, sistematizando os dados encontrados: 162 QUADRO 17 - I NDICAÇÕES DE QUADROS M EDIADORES EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS Para Segundo Conforme De acordo Modalização Modalizações deônticas Verbos de atribuição de Art X X como X com com fut.pret. e/ou epistêmicas fala: Reformulações Oposições Total % AE01 1 5 0 1 2 1 0 0 0 10 5,71% AE02 1 5 0 2 3 0 1 0 0 12 6,86% AE03 0 0 1 2 0 1 0 0 0 4 2,29% AE04 0 2 2 0 3 2 1 0 0 10 5,71% AE05 1 2 0 1 0 2 0 2 0 8 4,57% AE06 1 9 4 3 3 1 0 2 1 24 13,71% AE07 0 0 1 0 1 0 1 3 0 6 3,43% AE08 0 2 1 5 1 0 4 0 0 13 7,43% AE09 0 0 1 0 0 0 1 0 0 2 1,14% AE10 0 6 0 2 0 0 5 0 0 13 7,43% AE11 0 5 0 1 1 0 1 0 0 8 4,57% AE12 2 4 1 3 0 1 2 0 0 13 7,43% AE13 0 2 6 1 0 0 0 0 0 9 5,14% AE14 2 0 0 0 0 0 0 0 0 2 1,14% AE15 0 5 0 3 5 0 3 0 0 16 9,14% AE16 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0,57% AE17 3 2 0 0 0 0 1 0 0 6 3,43% AE18 3 4 0 0 0 0 3 0 0 10 5,71% AE19 0 1 0 0 0 0 2 0 0 3 1,71% AE20 1 1 0 0 3 0 0 0 0 5 2,86% Total 15 55 17 25 22 8 25 7 1 175 100,00% % 8,57% 31,43% 9,71% 14,29% 12,57% 4,57% 14,29% 4,00% 0,57% 163 A marca evidenciadora de quadro mediador mais encontrada foi a fórmula segundo X... respondendo por quase um quarto das ocorrências listadas, seguida por suas variantes e, em quantidade igualmente expressiva, os verbos de atribuição de fala, corroborando os resultados da categoria de ordem 5, em que se encontram abundantes ocorrências de representação do discurso outro por meio do discurso indireto e direto com a presença dos verbos dicendi, bem como dos sentiendi e putandi. Observe-se no quadro abaixo alguns dos exemplos transcritos do corpus: Marca Excerto Linguística Para X .... 58) Art.AE05 Boulanger (1995) e Campos (1992) atribuem a termo o conceito de signo lingüístico definido por Saussure, ou seja, conceito ou noção corresponde ao significado e o termo ou denominação corresponde ao significante. Já para Cabré (op. cit) termo é um signo tridimensional constituído de forma, significado e referente, sendo que o conceito é anterior ao termo o que é afirmado também por Barbosa (op. cit), segundo a qual o conceito se situa num nível pré-lingüístico e pré-semiótico de designação e pode até existir sem esta última. 59) Art.AE12 Em princípio, não haveria problema quanto à literatura ou crítica canônica. O questionamento, na base de todas as críticas que se faz a esse sistema é a reprodução quase automática que se faz dos mesmos materiais e discursos. Para Kothe (1997, pp. 107-108), o problema reside numa prática que privilegia, mais do que a vigência do cânone, a vigência de uma interpretação cristalizada pelo cânone crítico, que reproduzida indefinidamente emperra o surgimento de novas críticas, podendo decorrer daí a noção de inércia que contamina a noção que temos do ensino de Literatura. Segundo X 60) Art.AE06 Num outro pólo, observa-se outra discussão, que contempla um forte questionamento dos saberes dominantes e valoriza os saberes populares. Tal perspectiva, segundo Monteiro (2001), liga-se às pedagogias libertadoras, as quais, muitas vezes, operaram um esvaziamento da dimensão cognitiva do ensino. Em outras palavras, uma supervalorização dos saberes populares teria produzido o efeito contrário ao desejado: ao invés de proporcionar a inclusão dos grupos excluídos, teria aprofundado ainda mais as distâncias entre os grupos. 61) Art.AE11 164 O livro Maria foi publicado em 1998, em uma segunda edição mais completa que da primeira de 1988. Um livro segundo explica modestamente o poeta José Craveirinha, no “Pórtico” dessa obra, é resultado “do que fui anotando ao longo do tempo, desde a lancinante “partida” da Maria, em Outubro de 1979, mais para tentar preencher as lacunas da saudade do que fazer obra literária” (p. 8). Trata-se de uma “longa e interminável elegia, réquiem musicado quotidianamente pela morte de sua mulher” Maria, segundo opinião de Ana Mafalda Leite (In: Via atlântica 5, 2002,p. 25). De acordo 62) Art. AE06 com X .... De acordo com Cabré (1993, p.83) “La Terminologia es una materia interdisciplinaria que tiene como objeto fundamental las palabras especializadas del lenguaje natural. Y junto a la lingüística, participa en ella otras disciplinas científicas.” A terminologia apresenta dimensão lingüística e comunicativa. Os especialistas de cada campo específico usam-na como instrumento de comunicação independentemente de sua adequação dentro do sistema lingüístico. Já os terminólogos, cuja atividade é condicionada pelo contexto, têm-na como objeto de trabalho e dedicamse à compilação, descrição, tratamento e criação de termos. Ao contrário da lingüística geral e, conseqüentemente, da lexicologia, contrárias à intervenção e à prescrição da linguagem, a terminologia exerce às vezes um papel prescritivo, ou seja, contribui para a fixação de formas normalizadas. Conforme X ... 63) Art. AE03 Examinamos as proposições inovadoras para o ensino de literatura em dois documentos curriculares: na Proposta Curricular de Língua Portuguesa – 2º grau e o guia Subsídios para Implementação da Proposta Curricular de Língua Portuguesa – 2º grau. Os textos curriculares analisados permitiramnos aventar uma hipótese que não fora considerada no início da pesquisa, mas surgira ao longo dos estudos: os documentos curriculares, apresentados como um discurso pedagógico, tendem às mesmas práticas, realizadas por docentes, de apropriação do resultado das discussões científicas, tomando aspectos dessas discussões em partes e deslocando-as do todo de que fazem parte, em práticas nas quais, conforme Chartier (2007), os pesquisadores não se reconhecem. 64) Art. AE04 Baseando-nos em estudos do cotidiano, conforme de Certeau (1994), é possível delinearmos uma historicidade das práticas, as quais quando simplesmente descritas parecem ocorrer deslocadas da vivência cotidiana e dessa maneira acabam artificializadas. . 165 Ainda que se relativize esse resultado, tomando-o como proporcionalmente menor, se comparado ao grupo anterior, ainda representa uma quantidade significativa de ocorrências de vozes externas introduzidas por meio de indicações de quadros mediadores, num cenário em que tal não é esperado, ou ao menos espera-se maior mestria no domínio do gerenciamento das vozes, isto porque excessivas remissões às vozes externas com o auxílio de mediativos conferem ao texto o aspecto de “mosaico”, com delimitações relativamente precisas dos limites dos enunciados pertencentes às diversas vozes sem que haja fusão entre elas. Apesar do aspecto de mosaico, em que se delineiam nitidamente os contornos dos enunciados pertencentes a e2 e a L1/e1, estes exemplos também apresentam itens com uma ligeira diferenciação: em (59), (60), (63), (64), o pdv de L1/e1(marcado pelo grifo) se constrói a partir de um determinado conteúdo proposicional pertencente a e2 ou, ainda, se constrói a priori e apenas introduz, em PDV’s narrados, o ponto de vista de e2 que corrobora o de L1/e1, ou seja, nestes casos tem-se os típicos usos de uma voz externa com a finalidade de reforçar seu próprio ponto de vista ou apresentar um argumento de autoridade que ampara seu ponto de vista. Tal não ocorre nos segmentos (58) e (61), em que o fragmento transcrito apresenta única e exclusivamente os PDV’s representados de e2. A ausência e total apagamento da voz autoral de L1/e1 nestes dois exemplos (58) e (61), poderiam corroborar a ideia de que, a despeito do recurso às vozes externas por meio dos indiciadores de quadros mediadores, o efeito final é de menos desengajamento/ distanciamento em (59), (60), (63), (64), e mais desengajamento/distanciamento em (58), sendo igualmente possível (tanto quanto já apresentado anteriormente, ver pág. 150) num continuum que se estabeleceria entre o mais engajado e o menos engajado. Essa perspectiva corrobora a ideia de que é no continuum que se estabelecem as posturas de sub-co e sobrenunciação, que serão discutidas adiante. Uma das marcas linguísticas de maior ocorrência detectada nos textos observados é, sem sombra de dúvida (embora significativamente menos recorrente se comparada com as ocorrências em textos de autores iniciantes) os verbos de atribuição de fala, sendo as formas ditas neutras (cf. Charolles, dizer e afirmar) as mais recorrentes: o verbo afirmar corresponde à metade das ocorrências, num volume de 61,29% enquanto dizer, falar e parecer correspondem a 19,35%, 3,23% e 12,90%, respectivamente. Como pode ser verificado no quadro abaixo, a ocorrência destes dois últimos verbos é bem pouco significativa, se comparados com os verbos afirmar e dizer: 166 QUADRO 18 - VERBOS DE ATRIBUIÇÃO DE FALA EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS Verbos de atribuição de fala Art. afirmar dizer falar parece Total AE01 1 0 0 0 1 AE02 1 0 0 0 1 AE03 2 0 0 0 2 AE04 1 0 0 0 1 AE05 0 0 0 0 0 AE06 0 0 0 0 0 AE07 0 1 0 0 1 AE08 0 0 0 2 2 AE09 1 0 0 0 1 AE10 5 0 0 0 5 AE11 0 0 0 0 0 AE12 2 0 0 0 2 AE13 0 3 0 0 3 AE14 0 0 0 0 0 AE15 2 1 0 0 3 AE16 0 0 1 0 1 AE17 1 0 0 0 1 AE18 2 0 0 0 2 AE19 2 1 0 0 3 AE20 0 0 0 2 2 Total 19 6 1 4 31 % 61,29% 19,35 3,23 12,90 Na somatória entre esses verbos e os demais delocutivos, 137 ocorrências, observa-se que os neutros representam quase um quarto das ocorrências (22,63%), indiciando uma escrita que se aproxima mais da responsabilização, uma vez que grande parte dos demais verbos delocutivos foram considerados não-neutros, ainda que associados ao discurso relatado, encontrados uniformemente tanto no discurso direto quanto no indireto, e, mais raramente, acompanhando a ilha textual. Apresenta-se, abaixo alguns exemplos dos verbos de atribuição de fala (marcados em negrito) retirados do corpus: Introduzindo discurso direto: 167 (65) Art.AE01 Bachelard em O ar e os sonhos (1990, p. 03) afirma que “é preciso recensear todos os desejos de abandonar o que se vê e o que se diz em favor do que se imagina”. Desta forma, o filósofo acredita que é preciso se deslocar do conhecido para o lugar do desconhecido. A ponte para este deslocamento é a imaginação, “imaginar é ausentar-se, é lançar-se a uma vida nova”. Através dela o sujeito se lança ao exterior em um movimento debreante para, em seguida, em situação oposta de embreagem, se constituir como sujeito poético, como ser que se torna palavra. Barros, ao propor uma autobiografia, mas composta de memórias inventadas, busca um ausentar-se de si, um lançar-se em outra vida que não aquela vivida anteriormente para, em seguida, se representar em simulacro na enunciação. Introduzindo o discurso indireto: (66) Art.AE04 No que tange ao signo toponímico, Dick afirma ser possível acatar, em princípio, a noção saussureana de arbitrariedade, contudo é necessário observar também que o mesmo signo toponímico é ao mesmo tempo marcado por uma motivação. Do ponto de vista funcional ele é duplamente marcado. (...) (67) Art. AE19 Assim, tomamos como ponto de partida as ideias de Authier-Revuz, que afirma que todo texto possui uma participação discursiva do “outro”, isto é, toda e qualquer construção discursiva possui constitutivamente um atravessamento do outro, sendo que este pode ser ou não marcado no texto original, isto é, pode ou não ser demonstrado a quem aquele que escreve recorre para dizer o que diz. Introduzindo um enunciado de e2 em ilha textual: (68) Art.AE09 É o que nos permite afirmar com Perry Anderson (1999) sobre o fato do Pósmodernismo ter surgido “da combinação de uma ordem dominante desclassificada, uma tecnologia mediatizada e uma política sem nuances” (p. 108). (69) Art. AE10 “RECORDAR É SOFRER DUAS VEZES”, nos afirma o ditado popular, mas apenas recordar sem registrar os eventos é também sofrer por não partilhar com outros tais eventos. Recordar “é sofrer quando aquele que registra a sua narrativa (o seu recordo) não opera a ruptura entre sujeito e objeto”, afirma João Alexandre Barbosa no prefácio de Memória e sociedade, de Ecléa Bosi (1994, p. 13) Identificado como um verbo neutro (cf. Charolles, 1976), afirmar tem um alto índice de ocorrência neste subgrupo, e em todos os segmentos listados acima introduz uma voz externa que domina a cena enunciativa, o PDV de e2. Em nenhum desses excertos L1/e1 gerencia o jogo de vozes de modo que a sua própria voz se projete em posição de domínio. 168 Apesar desta observação, alguns destes fragmentos percentem a textos que, no todo, apresentam com mais frequência outros fragmentos em que há maior projeção da voz autoral, conferindo, assim, uma distribuição mais uniforme da presença da voz de L1/e1 globalmente no texto. Além disto, alguns L1/e1 demonstram maior habilidade no manejo das vozes na cena enunciativa, é o caso, por exemplo dos fragmentos (65) e (68) que apresentam seus PDVs em posição de coenunciação com e2. Quanto aos outros verbos de elocução, são ainda mais variados do que nos textos de iniciantes, mas se mostraram, igualmente, capazes de revelar inúmeras questões relacionadas aos dois aspectos: o potencial denotativo e o de avaliação. O verbo apontar foi o de maior ocorrência, 13, enquanto outros verbos tiveram ocorrências que variavam entre 8 a 1, como se vê no quadro abaixo: 169 QUADRO 19 - O CORRÊNCIA DE OUTROS VERBOS DE ATRIBUIÇÃO DA FALA EM ARTIGOS PRODUZIDOS POR AUTORES EXPERIENTES Verbo alertar AE1 1 AE2 1 AE3 1 AE4 0 AE5 0 AE6 0 AE7 0 AE8 0 AE9 0 AE10 0 AE11 0 AE12 0 AE13 0 AE14 0 AE15 0 AE16 0 AE17 0 Art18 0 Art19 0 Art20 0 Total 3 % anunciar 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 1,89% apontar 0 0 0 0 0 4 0 1 0 0 0 3 0 0 3 0 0 0 0 1 12 11,32% apresentar 0 0 0 3 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 3,77% argumentar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 1 0 0 0 3 asseverar assumir 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 1 1 2,83% 0,94% atrelar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0,94% atribuir 0 0 0 0 1 2 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 5 4,72% citar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 chamar comentar 1 0 2 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 2 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 9 1 0,94% 8,49% comparar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,94% conceber 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0,94% confirmar 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 2 1,89% considerar 0 0 0 0 0 2 3 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 8 7,55% constatar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0,94% contar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,94% contrapor-se 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 2 1,89% corroborar 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,94% defender 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 1 0 0 3 2,83% definir 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,94% demonstrar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 1 3 2,83% denunciar 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,94% descrever 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 2 1,89% 2,83% 0,94% 0,94% 170 desenvolver 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0,94% destacar 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 2 0 0 4 3,77% discutir 0 0 0 1 0 1 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 3,77% distinguir 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0,94% enfatizar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0,94% ensinar 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,94% esclarecer 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 3 2,83% examinar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,94% explicar 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,94% ponderar 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 1,89% preferir 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,94% propor 2 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 6 5,66% questionar 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 3 2,83% reconhecer 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,94% referir-se 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,94% ressaltar 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 1,89% revolucionar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0,94% selecionar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0,94% sugerir 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 Total p/artigo 7 5 3 7 1 14 6 5 1 4 5 8 2 3 8 1 3 8 1 14 106 % 6,60 % 4,72 % 2,83 % 6,60 % 0,94 % 13,2 % 5,66 % 4,72 % 0,94 % 3,77% 4,72% 7,55% 1,89% 2,83% 7,55% 0,94% 2,83% 0,94% 7,55% 0,94% 13,21% 171 No que tange ao potencial denotativo, na categoria atos de L1/e1, cujos verbos expressam a transferência da responsabilidade de L1/e1 a e2, foram encontradas 48 ocorrências, sendo 1 classificada como de comparação e/ou contraste (posicionando e2 numa determinada perspectiva por meio da comparação), expressa pelo verbo comparar. A subcategoria de maior ocorrência é a de teorização, com 41 ocorrências, expressando uma certa atitude de reflexão teórica, representadas pelos verbos: defender, com 7 ocorrências; argumentar e ressaltar, com 3 ocorrências cada; definir, destacar e questionar com 5; propor, com 4; esclarecer e postular, 2; e asseverar, assumir, distinguir, enfatizar, ensinar, explicar e salientar com 1 ocorrência cada. No que diz respeito à subcategoria atos de e2 de atitude foram encontradas 6 ocorrências. Convém lembrar que pertencem a essa categoria verbos que expressam uma atitude comportamental, fazendo com que a responsabilidade pelo conteúdo proposicional incida primariamente sobre L1/e1 e, secundariamente, sobre e2, ou seja, trata-se da avaliação de L1/e1 acerca do conteúdo proposicional e/ou atitude de e2. No conjunto de vinte textos de autores especialistas, os verbos alertar e manifestar-se foram encontrados com duas 2 ocorrências, enquanto denunciar e reconhecer apresentaram uma ocorrência. A expressão de uma representação de atitude comportamental fica evidente especialmente neste segmento retirado deste artigo: (70) Art.AE06: Autores americanos vêm denunciando o que chamam de missing paradigm e no bojo dessas discussões questionam a ausência de pesquisas sobre as matérias dos conteúdos ensinados.” Considera-se, neste caso, que, apesar de se tratar de um verbo de elocução e que traz, portanto, uma outra voz para o discurso, L1/e1 se compromete com a proposição pelo fato de que, ao empregar o verbo denunciar, esse enunciador faz mais do que apenas representar a atividade linguística desempenhada por e2, ele, sobretudo, acaba por imprimir sobre esta representação sua própria interpretação acerca da atitude comportamental de e2. Este enunciador revela mais de si neste excerto do que se tivesse escolhido as formas verbais consideradas neutras como afirma, fala ou diz, por exemplo. Os demais exemplos desta subcategoria encontram-se listados no quadro abaixo: (71) Art.AE01 Bachelard, na Poética do espaço (2008), alerta que não se deve considerar este espaço apenas com o olhar da mensuração ou da reflexão sobre sua geometria. 172 (72) Art. AE13 Assim, muitos cuiabanos já se manifestam contrários ao seu modo de falar. Está ocorrendo um certa resistência por parte da maioria dos cuiabanos em não aceitar a forma africada. Conforme pesquisa realizada por PALMA (1984:59), uma grande maioria opinou no sentido de não aceitação das formas africadas, o que comprova serem elas estigmatizadas. A próxima categoria a ser listada, atos de e2, apresenta verbos que cumprem o papel de representar e2, dono da voz citada no texto, como a fonte de responsabilidade pelo conteúdo proposicional, e não L1/e1 que, neste caso, apenas textualiza o discurso de e2. Nesta categoria, subdivida em 3 subcategorias, foram encontradas, no total, 97 ocorrências, sendo, sem dúvida, a categoria de maior ocorrência. A subcategoria atos de e2 de natureza textual, responde pela maioria das ocorrências, com 54 ocorrências. No entanto, desses 53, considera-se que 31 já se encontravam classificados como verbos de atribuição de fala neutros, sendo 19 ocorrências do verbo afirmar, 6 do verbo dizer e 1 do verbo falar. Os demais verbos listados são: apontar, com 12 ocorrências; descrever, com 2 ocorrências; e anunciar, citar, confirmar, contar, expressar e referir-se com 1 ocorrência cada um. Tais verbos de elocução se referem a processos que envolvem necessariamente expressão verbal, e são, por natureza, mais neutros, de modo que neste caso, a responsabilidade pela representação do conteúdo proposicional citado incide sobre e2 e não sobre L1/e1. No quadro abaixo encontram-se listados alguns excertos retirados do corpus: (73) Art. AE01 Victor Hugo, ao falar sobre o poder da palavra, já anunciava que “a palavra é um ser vivente, mais poderosa que aquele que a usa, nascida da escuridão, cria o sentido que quer; ela própria é o que o pensamento, a visão, o tato externos esperam.” (HUGO, 1858 apud FRIEDRICH, 1991, p. 32). (74) Art. AE14 O estereótipo do negro elaborado pelo branco impede a circulação e articulação do significante da raça, a não ser em sua fixação enquanto racismo. Fanon descreve o efeito desse processo sobre a cultura colonizada. Para ele, o sujeito marginalizado pela sua condição de raça e escravidão deve tomar consciência de si, de sua história e mobilizar-se, ampliando, assim, o sistema de referências pelo qual conseguirá reverter a destruição dos seus valores culturais. (75) Art. AE12 Na constituição do currículo do curso de Letras, Souza (1999) comenta ainda que após 1962, a disciplina Teoria Literária entrou nos cursos de Letras como disciplina facultativa, mas seu caráter facultativo teria sido relativizado por sua presença 173 constante nos currículos. Porém, sua posição nos fluxogramas curriculares, sempre nos primeiros períodos do curso, outorga-lhe um caráter de disciplina preparatória para o estudo da Literatura. Nestes exemplos, observa-se a mesma lógica anteriormente apontada em outras categorias de análise: independentemente do recurso às vozes alheias, por meio de discurso indireto e/ou direto, pode ocorrer menor ou maior projeção da voz autoral que não parece ser aqui totalmente determinada por esta questão. O que se tem observado, nesta pesquisa, é que a menor ou maior projeção é muito mais determinada pela perícia de L1/e1 no gerenciamento das vozes de que a mera ocorrência do discurso outro. Desta forma, observese que no primeiro exemplo (73), a forma verbal anunciar, flexionada no pretérito imperfeito do indicativo, introduz o enunciado pertencente a e2 em um PDV representado, sem que L1/e1 expresse o seu próprio PDV, seja em posição de coenunciação, seja em sobrenunciação. Os excertos (74) e (75), em vez disso, priorizam a apresentação de um PDV próprio (de L1/e1) em posição de coenunciação, de forma que a voz do outro é convocada para corroborar e melhor delinear o ponto de vista do citante. Quanto à subcategoria ato mental, cujos verbos expressam, eminentemente, aspectos psicológicos e de atividade mental (de ordem cognitiva ou perceptiva), encontram-se 26 ocorrências, dentre essas, 8 do verbo considerar, 4 dos verbos acreditar, lembrar e observar, 3 do verbo pensar, 2 do verbo ponderar, 1 do verbo reconhecer. A maioria destes verbos, na classificação proposta por Adam (2011) e sistematizados por Passeggi et al. (2010), recebem a etiqueta “Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados”. Abaixo listam-se alguns excertos retirados do conjunto de 20 textos de autores especialistas: (76) Art.AE1 Desta forma, o filósofo acredita que é preciso se deslocar do conhecido para o lugar do desconhecido. A ponte para este deslocamento é a imaginação, “imaginar é ausentar-se, é lançar-se a uma vida nova”. (77)Art.AE3 Afinal, a produção do conhecimento científico requer do cientista determinadas escolhas, ou recortes para chegar a seu objeto. É justamente o próprio recorte e o que fica fora dele que parecem ser desconsiderados nos discursos acerca dos conteúdos de ensino de língua e literatura, o que, novamente lembrando Kothe (1997), faz parecer natural o que é estranho. (78) Art. AE11 (...) Esse autor pondera que a memória da pessoa está “amarrada” à memória do grupo e esta “à esfera maior da tradição, que é a memória coletiva de cada sociedade” (p.55). 174 Tais exemplos indiciam a codificação de uma inferência do sujeito enunciador, especialmente nos exemplos (76) e (78). O que equivale a dizer que não há uma asserção estrita, mas uma probabilidade baseada na leitura que L1/e1 faz do enunciado de e2. No caso do fragmento (77) a percepção de L1/e1 é a de que o PDV de e2 se coaduna com o seu, de modo que marca uma enunciação em postura de coenunciação, marcando, aparentemente, um distanciamento menor do que o encontrado em (76) e (78). Ainda no que concerne à categoria que diz respeito aos atos de e2, a última subcategoria a ser descrita é a de pesquisa. Nesta subcategoria encontram-se os verbos que denotam atividade vinculada ao campo da atividade de investigar/pesquisar. No conjunto de 20 textos escritos por autores especialistas, encontraram-se 18 ocorrências.: 4 do verbo discutir, 3 dos verbos descrever, demonstrar, e questionar, duas do verbo confirmar, e os verbos constatar, desenvolver, distinguir, examinar, referir, e selecionar com apenas uma ocorrência cada. O quadro abaixo demonstra o contexto de ocorrência de alguns destes verbos: (79) Art.AE06 (...) Autores americanos vêm denunciando o que chamam de missing paradigm e no bojo dessas discussões questionam a ausência de pesquisas sobre as matérias dos conteúdos ensinados; (...) Partindo destas observações iniciais, o autor prossegue examinando o papel do ensino da literatura em um projeto de formação de modelo humanista. (80) Art.AE18 Belmiro (2003), refletindo sobre a presença das imagens no livro didático, defende a educação visual (...) pode consagrar espaço para a visualidade circundante, mantendo a vivacidade criadora da imagem” (p.309). (81) Art.AE17 Em “O discurso no romance”, Bakhtin (2010) desenvolve sua concepção dialógica da linguagem, o que implica conceber o funcionamento do discurso sempre em suas relações dialógicas, em uma tensa relação entre as forças centrípetas e centrífugas. (...). O uso de verbos categorizados como indiciadores dos atos de e2, de natureza da pesquisa, proporciona o deslocamento da responsabilidade pela asserção do polo de L1/e1 para o polo e2, de modo que a instância L1/e1 pode manter uma distância segura a respeito do que é dito. No entanto, como os mesmos verbos podem ser considerados em termos de avaliação de atitude de e2, observa-se que as formas verbais questionam e defendem garantem, minimamente, traços da presença da voz autoral no excerto. No que diz respeito ao potencial avaliativo, inicia-se a descrição dos dados pela categoria posicionamento do enunciador segundo, e suas subcategorias: positivo, neutro, negativo, fatual, contra-fatual e não-fatual. Os verbos agrupados na categoria de posicionamento dizem respeito ao modo como o L1/e1 avalia o posicionamento de e2 em 175 relação ao conteúdo proposicional citado, desta forma, este posicionamento pode ser neutro, positivo ou negativo. Os verbos do primeiro grupo, de posicionamento positivo, indicam que L1/e1 representa e2 como um enunciador altamente seguro de suas proposições. No conjunto de vinte textos de autores especialistas foram encontradas 16 ocorrências, sendo 4 do verbo destacar, 3 dos verbos argumentar e defender, 2 do verbo ressaltar e apenas uma ocorrência dos verbos asseverar, assumir, corroborar e enfatizar. Não foram encontradas ocorrências da subcategoria de posicionamento negativo. Os verbos que expressam posicionamento neutro foram encontrados num total de 39 ocorrências, sendo 12 ocorrências do verbo apontar, 6 do verbo propor, 4 dos verbos apresentar, lembrar e observar, 3 dos verbos demonstrar e pensar, 2 de ponderar, e apenas 1 ocorrência do verbo atrelar. Alguns exemplos são examinados logo abaixo: (82) Art.AE06 Numa longa explanação, Ilari (1984) aponta o fato de que até mesmo professores muito bem formados em sua experiência inicial de formação acabam se voltando para as práticas arraigadas na tradição escolar a partir da socialização com os docentes experientes, e atribui esse fato a pouca atenção dada, durante o curso de formação, às questões relacionadas ao ensino de língua e literatura maternas, em detrimento de atividades tidas como mais nobres no ambiente acadêmico: (...) (83) Art.AE17 O autor destaca que o estudo dos aspectos formais da língua não dá conta do funcionamento real da linguagem. Sobre isso ainda adverte: “quando consideramos um enunciado com o intuito de análise linguística, abstraímos a sua natureza dialógica, consideramo-lo dentro do sistema da língua (a título de realização da língua) e não no grande diálogo da comunicação verbal” (BAKHTIN, 2003c, p. 346). Nesta categoria não se encontrou sequer uma única ocorrência de verbos que indiciassem um posicionamento de e2 negativo. Chama a atenção o fato de que nestes exemplos ambos apresentam uma avaliação de e2 como alguém com alto nível de segurança sobre seu próprio discurso, mas há uma ligeira diferenciação: em (82) isto fica mais evidente na medida em que o argumento é utilizado para corroborar o PDV anterior de L1/e1, qual seja, a precariedade da formação docente51 não seria o fator primordial para explicar o seu É o que se percebe no co-texto observado em período adjacente: “Uma vez convencidos de que a questão da precariedade da formação profissional não abarca adequadamente o problema posto, pensamos que seria produtivo para a compreensão desta questão verificarmos o interesse de pesquisadores preocupados com a especificidade da experiência educativa no âmbito escolar: seus estudos têm apontado para uma relação entre os saberes envolvidos nesse processo. (...) Ainda que consideremos a necessidade de relativizar a aplicação dos dados da pesquisa desses autores, afinal trata-se de um universo diverso do nosso, suas pesquisas se relacionam aos professores francófonos do Quebec, não se pode negar a possibilidade de relacionarmos tais dados ao 51 176 problema de pesquisa, ao passo em que em (83) o PDV de e2 é apresentado sem que seja apresentado o PDV de L1/e1, estando a voz autoral, neste segmento, em posição de maior desengajamento do que no fragmento (83). Outras subcategorias que compõem esse grupo são: posicionamento fatual, não-fatual e contra-fatual de L1/e1. Neste grupo se encontram verbos relacionados à avaliação realizada por L1/e1 acerca da acuidade e/ou veracidade da informação citada. Quando L1/e1 se posiciona de modo a representar a informação citada como um fato, ele se compromete com sua veracidade, trata-se da subcategoria fatual, em que se encontram 6 ocorrências, sendo 3 ocorrências do verbo demonstrar, e 1 dos verbos constatar, definir e distinguir. Não se encontraram resultados que pudessem ser categorizados como posicionamento de autor contra-fatual, ou seja, quando L1/e1 apresenta a informação citada como incorreta e/ou imprecisa. Na última subcategoria, a não-fatual, L1/e1 não deixa claro seu posicionamento a respeito da informação citada. Foram classificados, nesta categoria, um total de 21 ocorrências, sendo 8 do verbo considerar, 6 do verbo propor, 4 do verbo discutir, 2 do verbo entender e 1 do verbo sugerir. Alguns exemplos foram transcritos abaixo: (84) Art. AE03 (...) procuramos observar o ponto de vista definido por Geraldi (2003, p.74), que vê no trabalho pedagógico uma “fetichização do produto do trabalho científico”, ou seja, analisando a correlação entre o trabalho de ensino e o científico, o autor define uma noção que vai além da mera vulgarização dos conteúdos, para ele o trabalho pedagógico autonomiza as descrições e explicações lingüísticas desconsiderando o processo de produção do trabalho científico que produziu as descrições e explicações ensinadas (85) Art.AE07 A este respeito Guimarães (2005) propõe pensar a semântica num campo epistemológico que permite ver que a linguagem fala de algo e o que se diz é construído na linguagem. Nestes dois segmentos observa-se (em realce) a ocorrência de dois verbos de natureza distinta: a forma verbal definir foi classificada como fatual enquanto a forma propor foi classificada como não fatual. O que resulta disto é a constatação de que, embora em ambos universo por nós pesquisados se lembramos a introdução aos Subsídios para implementação da proposta curricular de língua portuguesa para o 2º grau, vol. I, Reflexões Preliminares. Numa longa explanação, Ilari (1984) aponta o fato de que até mesmo professores muito bem formados em sua experiência inicial de formação acabam se voltando para as práticas arraigadas na tradição escolar a partir da socialização com os docentes experientes, e atribui esse fato a pouca atenção dada, durante o curso de formação, às questões relacionadas ao ensino de língua e literatura maternas, em detrimento de atividades tidas como mais nobres no ambiente acadêmico: (...)” (Art.AE06) 177 os casos há uma voz externa trazida para o interior da enunciação, no primeiro caso, (84), L1/e1 se compromete mais com a asserção do que o L1/e1 do artigo (85). Ainda no que diz respeito ao potencial avaliativo, a última categoria a se apresentar é a de interpretação. Nesta categoria, encontram-se indicações da interpretação que L1/e1 faz do discurso de e2 expressas na seleção dos verbos, em outras palavras, verbos que remetem à leitura que o enunciador primeiro faz do conteúdo proposicional citado. Na primeira subcategoria, desenvolvimento retórico do discurso do autor, encontram-se 2 formas verbais comentar e comparar, com uma ocorrência de cada. A segunda subcategoria, interpretação do comportamento do autor, não foca o discurso de e2, mas seu comportamento. Neste segmento foram encontradas 7 ocorrências: 3 dos verbos alertar e questionar, e 1 dos verbos denunciar e reconhecer. Uma terceira categoria de verbos que expressam a interpretação de L1/e1 engloba verbos que expressam uma interpretação focada no status da informação citada, e, consequentemente, para o status do próprio autor citado. No conjunto de textos dos autores especialistas foram encontradas 4 ocorrências: 2 do verbo anunciar e 2 do verbo postular. Uma última categoria, criada por Oliveira (2005), conforme mencionado anteriormente, a de interpretação não manifesta apresenta 16 ocorrências, sendo 5 do verbo escrever, 4 do verbo descrever e do verbo colocar, 2 do verbo contar e uma do verbo expressar, descartando-se, as formas falar, afirmar, dizer, que já se encontravam classificadas em verbos de atribuição de fala, dispensando-se, assim, nova classificação. Estas considerações encontram-se sistematizadas no quadro abaixo: QUADRO 20- C ATEGORIZAÇÃO DOS OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS Categorização de Outros Verbos de Elocução cf. Thompson e Yuyin (1991) Categorias Nº de ocorrências Atos de L1/e1 Potencial denotativo Atos e2 Comparação/ contraste 1 Teorização 41 Atitude 11 Textual 20 Mental 20 178 Positivo 3 Negativo 0 Neutro 25 Posicioname nto de L1/e1 Fatual 13 Contrafatual 0 Não-fatual 13 Desenvolvimento retórico do discurso de e2 3 Comportamento atribuído a e2 9 Status da informação/ autor citado 3 Não manifesta 31 Interpretação: 14 Posicioname nto de e2 Potencial avaliativo Pesquisa 4.3.3 Das ocorrências na categoria de ordem 8 - Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados Comparando-se aos textos de alunos de gradução, esta categoria em textos de autores especialistas apresenta um pouco mais de produtividade. Demonstrando tal constatação, do montante de verbos categorizados nos 20 textos de autores especialistas, 106, o total dos verbos classificados como indicativos de suporte de percepções e pensamentos relatados, 22, representa 20,75%. Os dois quadros abaixo demonstram as ocorrências desses verbos: no primeiro, uma síntese das ocorrências; no segundo, alguns excertos em que o contexto das ocorrências pode permitir avaliar em que medida os efeitos de pontos de vista produzidos pela focalização perceptiva ou cognitiva contribuem para o estudo da (não) assunção da RE: QUADRO 21- I NDICAÇÕES DE SUPORTE DE PERCEPÇÃO E PENSAMENTOS RELATADOS Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados Focalização Perceptiva Focalização Cognitiva ver acreditar observar entender compreender perceber lembrar pensar Total Art2 1 ArtAE01 1 0 0 0 0 2 0 3 Art3 3 ArtAE02 1 0 0 0 0 2 0 3 179 Art7 Total 2 ArtAE03 6 ArtAE04 ArtAE06 ArtAE17 ArtAE18 ArtAE20 Total 0 0 1 1 0 0 4 0 1 0 0 0 3 4 0 0 0 0 0 2 2 0 0 0 1 0 3 4 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 4 0 0 0 1 2 0 3 1 1 1 3 2 8 22 Como se pode observar pelo quadro, acima a ocorrência de verbos indicando focalização perceptiva ocorrem em quantidades muito menores do que os de focalização cognitiva. Tal fato pode ser explicado pelas razões que se expõe na leitura dos fragmentos abaixo: (86) Art.AE01 Já Almeida (2008, p.191) vê o Pantanal como um “útero nos brejos” da poética barrosiana: (...) (87) Art.AE02 Como lembra Ecléa Bosi (1994), muitas lembranças ou ideias não são originalmente de quem as recorda, mas fazem parte de um círculo social do qual fazem parte. Art.AE03 (88) (...) procuramos observar o ponto de vista definido por Geraldi (2003, p.74), que vê no trabalho pedagógico uma “fetichização do produto do trabalho científico”, (...) (89) (...) A autora percebe um hiato entre o trabalho cientifico, caracterizado nas pesquisas acadêmicas e o que se realiza na prática. (90) Art.AE10 (...) Assim o olhar para o passado viria para “compensar a perda da estabilidade que o indivíduo tem com seu presente” (Idem), ou como pensa Michel Pollak (POLLAK, 1992, p. 210-211) para dar “palavra àqueles que jamais a tiveram”, (...) (91) Art.AE15 (...) Esta autora entende o conceito de divulgação científica em consonância com a relação entre DC e DJ, pois a utilização da palavra disseminação aponta para o significado de propagar, espalhar, difundir e explica que é em direção ao exterior. (...) Nos exemplos (86) e (88), encontra-se, codificada no verbo ver, a inferência que L1/e1 faz acerca das proposições de e2, citadas em seguida no texto do qual o fragmento faz parte. Mas a carga semântica deste verbo na oração não dá a entender que a percepção de e2 acerca do seu objeto tenha sido elaborada, literalmente, da visão, sendo, na verdade, um equivalente de “percebe”, “compreende” ou, ainda, “considera”. De todo modo, como em todos os exemplos os verbos listados estão na terceira pessoa, tanto a responsabilidade pelo processo perceptual como pelo conteúdo proposicional resultante é deslocada para a instância e2, de tal forma que não se possa categorizar tais eventos nem mesmo como uma imputação, em 180 que L1/e1 assume a imputação (atribuir a responsabilidade a outrem) mas não o conteúdo imputado. Isto porque ao lançar mão destas fórmulas de introdução do discurso outro, L1/e1 não demonstra segurança acerca da percepção de e2 e diante do risco de imputar (erroneamente) um determinado conteúdo a outrem, este enunciador, L1/e1, se esconde atrás de um verbo de percepção, e esta interpretação parece mais plausível ainda nos fragmentos com as formas verbais perceber, pensar, entender e lembrar, de focalização cognitiva, sendo menos plausível com o verbo ver, de focalização perceptiva. Tais considerações levam em conta as discussões de Rabatel (2003, p.63) ensaiando-se uma possível resposta ao questionamento sobre a natureza do apagamento enunciativo nestes casos: parece que muito mais do que apagar a enunciação de e2, o que está em jogo, aqui, é o apagamento do relato de L1/e1, que, apagando-se, não se compromete muito em relação à interpretação que faz do conteúdo proposicional de e2. 4.4 Marcas da RE em textos de autores especialistas renomados Os textos de autores especialistas renomados apresentam, como era de se esperar, resultados relativamente díspares em relação aos outros dois subgrupos, embora apresentem, naturalmente, marcas de remissões ao discurso de outro, conforme se observará na apresentação dos dados encontrados nos vinte textos de autores especialistas renomados que compõe o corpus. No geral, é o grupo que mais apresenta enunciadores com notável maestria no gerenciamento das vozes no texto. Na sequência, apresentam-se os dados obtidos no conjunto de vinte textos. 4.4.1 Das ocorrências na categoria de ordem 5 – Diferentes Representações da Fala Os textos de autores experientes caracterizam-se por uma quantidade relativamente menor de remissões ao discurso de outro, conforme se observará na apresentação dos dados encontrados nos vinte textos de autores especialistas renomados (doutores seniores) que compõem o corpus. O discurso indireto, com a reformulação, aparece como a forma preferida dos autores experientes, e nisto confirmam-se os achados de Boch e Grossmann (2002). A segunda forma preferida pelos experts é o discurso direto, seguido pela evocação e seguido pela ilha textual em quantidades próximas, conforme se vê no quadro abaixo: 181 QUADRO 22- DIFERENTES TIPOS DE REPRESENTAÇÃO DA FALA EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS Tabela ocorrência RE Artigos de Especialistas Renomados Ilha textual Art.1 Art. 2 Art.3 Art.4 Art.5 Art.6 Art.7 Art.8 Art.9 Art.10 Art.11 Art.12 Art.13 Art.14 Art.15 Art.16 Art.17 Art.18 Art.19 Art.20 Total % 0 1 0 1 3 0 4 0 7 2 4 0 2 0 0 1 0 1 1 2 29 13,30% Diferentes tipos de repres. da fala aspas sem mencionar autoria (ou DD DI provérbios) Evocação Total % 3 5 0 1 9 4,13% 3 2 0 1 7 3,21% 0 0 0 2 2 0,92% 0 7 0 2 10 4,59% 0 6 0 1 10 4,59% 2 10 0 1 13 5,96% 0 6 0 3 13 5,96% 2 9 0 0 11 5,05% 1 8 0 0 16 7,34% 0 5 0 4 11 5,05% 6 13 0 0 23 10,55% 3 3 0 1 7 3,21% 0 5 0 0 7 3,21% 1 2 0 1 4 1,83% 0 6 0 2 8 3,67% 1 8 0 3 13 5,96% 0 1 0 0 1 0,46% 5 18 0 2 26 11,93% 0 5 0 0 6 2,75% 2 15 0 2 21 9,63% 31 132 0 26 218 14,22% 60,55% 0,00% 11,93% A evocação aparece com muito maior peso na escrita destes autores de que nos grupos anteriores. Tal fato se justifica, muito possivelmente, em função de que seus artigos são direcionados e publicados em periódicos que, normalmente, se inscrevem sempre num horizonte conceitual pré-definido (as linhas temáticas do periódico), cada edição, costumeiramente, estabelece um tema pré-definido também, e, sobretudo, porque seus artigos se dirigem aos seus pares, razão pela qual se torna dispensável longas explanações a respeito de conceitos teóricos de determinados campos. A reformulação, que no escopo desta pesquisa foi incluída na etiqueta discurso indireto, é o modo de referência mais comum nos textos de especialistas renomados, apresenta o nome do autor fora do corpo de texto, entre parênteses, e acompanhado pela data de publicação do trabalho, sua prevalência é absoluta ultrapassando mais da metade do total de ocorrências na categoria Diferentes formas de representação do discurso outro. 182 A citação em discurso direto mostrou-se relativamente representativa neste grupo de textos, se comparada à reformulação, enquanto as citações aspeadas sem menção à autoria, como no caso de provérbios ou enunciados dóxicos, não tiveram ocorrência alguma, indicativo claro de que tal forma de citar é avaliada como não condizente com as rotinas citacionais do universo acadêmico. Observe-se abaixo, uma lista com alguns exemplos retirados do conjunto de 20 textos que compõem o subgrupo AEE: (92) Art.AEE01 NO QUE CONCERNE AO GÊNERO EPISTOLAR, OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS ASSINALAM A VARIEDADE DE SEUS PROPÓSITOS COMUNICATIVOS (SILVA, 1997; FONSECA, 2005) E DESCREVEM SUAS CARACTERÍSTICAS LINGUÍSTICAS (MARTINS, 2012; TAVARES, 2012). Considerando-se que nosso texto em análise foi identificado historicamente como cartatestamento, a hipótese cultural primeira é que, em seu aspecto epistolar, encontraremos a identificação do lugar, a data, o vocativo e a assinatura. São esses elementos que Marcuschi (1983) designa como “fatores de contextualização”, quando propõe um “esquema provisório de categorias textuais” que compreende, ainda, os fatores de conexão sequencial (coesão), os fatores de conexão conceptual-cognitiva (coerência) e os fatores de conexão de ações (pragmática). (93) Art. AEE02 Não existe ‘o oral’, mas ‘os orais’ sob múltiplas formas, que, por outro lado, entram em relação com os escritos, de maneiras muito diversas: podem se aproximar da escrita e mesmo dela depender – como é o caso da exposição oral ou, ainda mais, do teatro e da leitura para os outros –, como também podem estar mais distanciados – como nos debates ou, é claro, na conversação cotidiana. (...), e são essas práticas que podem se tornar objetos de um trabalho escolar. (SCHNEUWLY, 2004, p. 135) (94) AEE08 A posição de Chomsky, que, em vários aspectos, revolucionou na década de 60, a teoria da linguagem, pouco difere da concepção saussureana no que se refere exclusivamente à delimitação do objeto. A idealização operada por Saussure se completa com a noção de objeto de estudos desenvolvida por Chomsky, centrada na competência em oposição ao desempenho, perfeitamente observável na citação seguinte: (...) um falante-ouvinte ideal, situado numa comunidade completamente homogênea, que conhece perfeitamente a sua língua e que, ao aplicar o seu conhecimento no uso efetivo, não é afetado por condições gramaticalmente irrelevantes, tais como limitações de memória, distrações, desvios de atenção e de interesse, e erros (casuais e característicos) (CHOMSKY 1975: 83) Observa-se um modo de citação, no primeiro fragmento transcrito (92), raramente encontrado nos outros dois subgrupos, AI e AE. Trata-se de um modo de citar em que L1/e1 não reformula o enunciado de e2 nem reproduz este enunciado em outros modos de citação, como o discurso direto ou a ilha textual, por exemplo. Este mecanismo, de uso típico de autores muito experientes, indicia o fato de que este autor comunica a pesquisa aos seus pares, considerados prováveis conhecedores dos autores e assuntos que tematizam seu objeto de reflexão, sendo considerados dispensáveis os resumos, paráfrases ou reformulações 183 previstas em outras formas citacionais. Pode-se dizer que tal forma de citar seria a demonstração cabal da erudição e/ou expertise de um autor muito experiente. No mesmo fragmento, a porção realçada por negrito demonstra também outra fórmula citacional muito comum em textos de autores muito experientes, a reformulação. Sua vantagem reside no fato de permitir ao escritor mais agilidade e facilidade no gerenciamento das vozes que convoca ao seu texto sem perder o fio condutor de sua argumentação. Por outro lado, requer maior mestria do que a demonstrada por autores do subgrupo AI, e, em em alguns casos, do subgrupo AE. No fragmento (93) este mecanismo é levado ao extremo, com o deslocamento do autor citado para fora do período, sendo o nome do autor e a data da obra, o único mecanismo de que o leitor dispõe para identificar a fonte enunciativa. Este também é um indício bastante forte de que este autor, atendendo às demandas específicas de produção e circulação do conhecimento científico, escreve para um público muito específico: seus pares são membros experts da mesma comunidade discursiva e seriam capazes de reconhecer a porção textual atribuída a outrem, com ou sem a marcação no sistema autor-data. Em (94) L1/e1, apesar de trazer a voz de L1/e1, mantém a projeção de sua voz, dominando a cena ao deixar traços reveladores de sua presença, especialmente identificável nas formas verbais escolhidas. A questão do papel dos delocutivos na escrita deste grupo de autores será introduzida adiante. 4.4.2 Das ocorrências na categoria de ordem 6 – Indicadores de Quadro Mediador No que diz respeito à categoria 06 os resultados se mostram condizentes com os da ordem 05, especialmente no que diz respeito à reformulação com remissão ao autor no sistema autor/data fora do corpo de texto, diminuindo assim formas linguísticas tradicionalmente indicadoras de quadros mediadores. As ocorrências encontram-se sintetizadas no quadro abaixo: QUADRO 25-I NDICADORES DE QUADROS MEDIADORES EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS Segundo Para X X Art.1 0 0 Art. 2 1 0 Art.3 0 0 Indicativo de Qd. Mediadores Modal. De Modal. deônticas verbos de Conforme/ acordo com e/ou atribuição como X com fut.pret. epistêmicas de fala Reformulações Oposições Total 2 0 0 0 2 2 0 6 1 0 0 9 1 2 1 15 4 0 1 0 1 0 0 6 184 3,26% 8,15% 3,26% Art.4 Art.5 Art.6 Art.7 Art.8 Art.9 Art.10 Art.11 Art.12 Art.13 Art.14 Art.15 Art.16 Art.17 Art.18 Art.19 Art.20 Total % 0 0 0 0 2 1 2 2 1 0 0 0 0 0 0 2 2 13 7,07% 4 1 0 0 2 0 3 3 0 0 0 1 0 5 0 1 4 24 13,04% 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 1 2 2 9 4,89% 1 0 2 0 0 0 0 0 0 2 1 8 0 0 0 0 0 3 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 8 22 4,35% 11,96% 1 3 2 1 2 3 7 2 0 1 0 1 3 1 6 2 2 44 23,91% 0 2 7 4 0 6 13 0 1 0 1 2 3 0 3 1 2 49 26,63% 0 0 2 0 0 1 0 0 0 0 0 2 0 1 0 0 2 12 6,52% 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 1,63% 6 3,26% 10 5,43% 11 5,98% 5 2,72% 8 4,35% 20 10,87% 27 14,67% 7 3,80% 5 2,72% 1 0,54% 1 0,54% 8 4,35% 7 3,80% 8 4,35% 10 5,43% 9 4,89% 14 7,61% 184 A ocorrência de indicadores de quadros mediadores é, evidentemente, menor nos textos de especialistas renomados se comparada com os textos de especialistas e iniciantes. A maioria das ocorrências concentram-se em dois grupos: verbos de atribuição de fala (26,63%) e os introdutores do discurso outro (bem como suas variações): “Como, conforme X....”, “segundo X....”, etc, os quais, somados, apresentam um percentual de 29,35%, enquanto reformulações e oposições apresentam índices irrelevantes. As modalizações com verbo flexionado no futuro do pretérito do indicativo apresentaram percentuais de 11,96%, enquanto as modalizações deônticas e epistêmicas tiveram percentuais de 23,91. Os resultados demonstraram que algumas fórmulas de introdução do discurso outro são muito pouco mobilizadas. Abaixo, encontram-se transcritos alguns fragmentos exemplares: QUADRO 23 - I NDICADORES DE QUADROS MEDIADORES EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS Marca Linguística Excerto Para X .... (95) Art.AEE12 Assim, para Bakhtin, os discursos são produzidos de acordo com as diferentes esferas de atividade do homem. Por ex, a escola é um lugar em que atuamos em diferentes esferas de atividades. Cada esfera de atividade nos exige uma forma específica de atuar com a linguagem. Segundo X (96) Art.AEE11 185 Embora Volochinov omita o terceiro nível de Plekhânov – o regime sociopolítico – os outros quatro estão claramente transpostos para a descrição das diferentes modalidades de comunicação social: parte-se da esfera da produção, passando pela ideologia do cotidiano e, finalmente, chega-se às ideologias. Essas formas de comunicação irão, segundo Volochinov, influenciar a organização do enunciado e de seus gêneros, os quais são constituídos de um parte verbal e de outra não-verbal (as diferentes esferas de comunicação).. De acordo (97) Art. AE05 com X .... De acordo com a perspectiva do interaccionismo socio-discursivo, assumimos que qualquer texto empírico1participa de um género, seleccionado de entre o conjunto, mais ou menos (im)preciso, de géneros disponíveis no arquitexto, em função de condicionantes da actividade (actividade geral e actividade de linguagem) e das representações do agente de produção, relativamente à acção concreta a realizar e aos géneros disponíveis (Bronckart, 1999; 2004). Conforme X (98) Art. AE19 ... Essas informações, legítimas na época, encontram-se hoje desatualizadas, inclusive graças a mudanças geopolíticas (como a dissolução, por exemplo, da União Soviética ou a obra identificada em uma categoria, ora em outra, como por exemplos, Reinações de Narizinho (Monteiro Lobato) ou Saudades (Tales de Andrade) no Relatório do “ Inquérito Leituras Infantis”, realizado por Cecília Meireles, na década de 30, conforme Sena (2010). Modalizações (99) Art.AEE10 É conhecida a afirmação de Barthes (1978, p.14), segundo a qual a língua é fascista, porque obriga a dizer, bem como é conhecida (embora menos, talvez porque não se pode expressá-la num slogan) sua tese segundo a qual para os que "não somos ... super-homens só resta, por assim dizer, trapacear com a língua" (p.16). A literatura seria o domínio que melhor permitiria esta trapaça, que resultaria em ouvir a língua fora do poder. O que ele entende por literatura é "a prática de escrever", o que faz privilegiar o "tecido dos significantes que constitui a obra, porque o texto é o próprio aflorar da língua, e porque é no interior da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não pela mensagem de que ela é instrumento, mas pelo jogo de palavras de que ela é teatro" (p.17) Estes exemplos demonstram os usos dos indicadores de quadros mediadores mesmo em escrita de autores muito experientes. Um indicativo de que tal recurso parece ser constitutivo da escrita acadêmica e não deve, apenas por si, ser tomado como um índice de maior ou menor autonomia do escritor acadêmico. Outras questões parecem concorrer para a explicação deste fenômeno e serão retomados no capítulo seguinte, quando serão discutidas as posturas enunciativas e seu papel na hierarquização dos enunciadores no texto. 186 De fato, cada um desses exemplos apresentam ao menos uma marca indiciadora de quadro mediador, observada no uso dos marcadores que classicamente introduzem o discurso outro, como “Segundo X......” e suas variantes “Para X.....’, “Conforme X....”, e ainda Como/ De acordo com X......”. O aspecto mais importante no uso desses marcadores na escrita de autores muito experientes é o fato de que em todos os casos observados no corpus se apresentam da forma delineada nos exemplares selecionados: ainda que introduza uma voz externa, esta aparece reformulada no texto de L1/e1, que deixa marcas de sua presença, bem como evidencia o fato de que nesta escrita, a voz externa é convocada para fins muito específicos em variadas situações, extrapolando a simples utilização observada em textos dos outros subgrupos (especialmente o AI) em que a convocação obedece à lógica de mobilizar o discurso de L1/e1 como um aval, um argumento de autoridade. Os exemplos (95) e (97) são os que trazem um dos usos mais comuns e partilhados por praticamente todos os subgrupos: apresenta um conceito pertencente à voz externa, e o enunciado que realmente pertence a L1/e1 é uma exemplificação do que seria o conceito contido no enunciado reformulado de e2. No fragmento (96) anteposto à reformulação do enunciado de e2, L1/e1 apresenta um ponto de vista original, que mesmo não se contrapondo completamente a esse enunciado, contribui com uma ressalva ao disposto no enunciado original, mantendo, desta forma traços da presença e projeção da voz de L1/e1. Em (97), L1/e1 reformula o conceito bakhtiniano clássico de relativa estabilidade do gênero, também discutida pela voz de e2 mobilizada no fragmento, com uma fórmula original. No fragmento marcado pelo grifo, identifica-se este traço da voz autoral de L1/e1 que permite a este enunciador marcar sua presença no texto. No fragmento (99), L1/e1 radicaliza a questão do domínio das vozes no enunciado e projeta sua própria voz em posição de sobrenunciação, se contrapondo a e2, este fragmento apresenta a voz de e2 em posição de subenunciação, neste mecanismo de gerenciamento das vozes encontra-se uma hierarquização das posturas enunciativas com a finalidade primeira de construção da argumentação de L1/e1 que, comprovadamente no co-texto, contrapõe-se, ao menos em partes, aos postulados de e2. No que diz respeito ao item Verbos de atribuição de fala, contido e ampliado na categoria 6 – Indicadores de quadro mediador - foram encontradas 49 ocorrências, com relativo desequilíbrio entre as várias formas verbais: 14 ocorrências do verbo afirmar, 6 do verbo dizer, 2 do verbo falar e 27 do verbo parecer. Estes números parecem afinados com os resultados da categoria de ordem 5 - diferentes tipos de representação da fala - uma vez que a grande maioria das remissões ao discurso outro foi classificada como discurso indireto, 187 mas trata-se, na verdade, de reformulações com nome de autor/data fora do corpo do texto, justificando-se, assim, a baixa incidência de verbos de atribuição da fala. As ocorrências desses verbos encontram-se sintetizadas no quadro abaixo: QUADRO 24 - VERBOS DE ATRIBUIÇÃO DE FALA EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS Art AEE01 AEE02 AEE03 AEE04 AEE05 AEE06 AEE07 AEE08 AEE09 AEE10 AEE11 AEE12 AEE13 AEE14 AEE15 AEE16 AEE17 AEE18 AEE19 AEE20 % Verbos de atribuição de fala afirmar dizer falar parecer Total % 2 0 0 0 2 4,08% 0 1 0 0 1 2,04% 0 0 0 1 1 2,04% 0 0 0 0 0 0,00% 1 0 0 1 2 4,08% 4 1 0 2 7 14,29% 1 0 0 3 4 8,16% 0 0 0 0 0 0,00% 0 4 1 1 6 12,24% 0 0 0 13 13 26,53% 0 0 0 0 0 0,00% 1 0 0 0 1 2,04% 0 0 0 0 0 0,00% 0 0 0 1 1 2,04% 0 0 0 2 2 4,08% 2 0 0 1 3 6,12% 0 0 0 0 0 0,00% 2 0 0 1 3 6,12% 0 0 0 1 1 2,04% 1 0 1 0 2 4,08% 14 6 2 27 49 100,00% 28,57% 12,24% 4,08% 55,10% Abaixo, encontram-se reproduzidos alguns exemplos: (100) Art. AEE06 Menuzzi (1993), por sua vez, apresenta -inho e zinho como dois alomorfes em distribuição complementar. Afirma que, embora -zinho preserve a estrutura morfológica da base e -inho ocorra na mesma posição derivacional dos demais sufixos, ambos são prosodicamente sufixos. (101) Art. AEE11 Contrariamente a esses pressupostos, o círculo rejeitava dois isolamentos que a abordagem formalista provocava na poética: a sua separação de questionamentos estéticos 188 sobre o sentido geral da arte e o seu distanciamento do conjunto das produções culturais. Bakhtin (1993[1924]), p.15) afirma que é impossível compreender a singularidade da literatura “sem uma concepção sistemática do campo estético, tanto no que o diferencia do campo do cognoscível e do ético, como no que o liga a eles na unidade da cultura”. Segundo Bakhtin, a estética geral é necessária para evitar uma abordagem simplificada e superficial da arte literária e a redução das considerações estéticas à abordagem exclusivamente lingüística. (102) Art. AEE05 Sem pôr em causa a oposição que acaba de ser enunciada, pode, no entanto, perguntarse se os tipos de discurso constituem efectivamente o único caso de regularidade, no conjunto da organização textual – como parece sugerir Bronckart, ao afirmar: “qualquer que seja o género a que pertençam, os textos, de fato são constituídos, segundo modalidades muito variáveis, por segmentos de estatutos diferentes (segmentos de exposição teórica, de relato, de diálogo, etc.). E é unicamente no nível desses segmentos que podem ser identificadas regularidades de organização e de marcação lingüísticas” (Bronckart, 1999, p. 138, grifo meu). (103) Art. AEE10 Parece que se pode dizer que tais análises mostram claramente, em relação ao sujeito do discurso, que, de duas uma: ou ele não está sozinho, ou não executa seu papel uniformemente. Em qualquer dos casos, definitivamente, ele não é uno. Ou seja, o discurso que produz não é um produto exclusivo de um pretenso sujeito uno e não submetido a condições exteriores. Em suma: dados empíricos mostram que, pelo menos nos domínios da linguagem, uma análise do papel e da natureza do sujeito derivada da concepção cartesiana é uma idéia superada, tanto pela postulação da unidade do sujeito quanto pelo pretenso domínio, nele, da consciência. O SUJEITO SERIA MAIS UMA FUNÇÃO DO QUE UM LUGAR DE ORIGEM (VER FOUCAULT, 1986, PARA A IDÉIA DO SUJEITO COMO FUNÇÃO), PELO MENOS, REPITO, NO QUE SE REFERE A SUA ATIVIDADE DISCURSIVA. Novamente, o que se observa nestes fragmentos são determinados usos dos verbos de atribuição de fala com funções específicas: no caso do fragmento (100) a asserção de e2 tem a função de avalizar o julgamento de L1/e1 acerca de um fato de língua, neste excerto sua voz de fato é abafada pela voz de e2, mas o co-texto demonstra claramente a função deste segmento no texto, hipótese confirmada por terem sido encontradas apenas duas ocorrências deste mecanismo de introdução do discurso outro em toda a seção selecionada para análise. No fragmento (101) encontra-se o mesmo mecanismo de construção da argumentação de L1/e1, ele apresenta seu PDV, contrário aos postulados dos formalistas, e para respaldar este PDV contrário, L1/e1 convoca uma outra voz, a de Bakhtin, em relação a esta voz L1/e1 constrói seu enunciado em posição de co-enunciação, estabelecendo em relação ao PDV anterior uma oposição que faz, do todo, uma enunciação em sobrenunciação, dominando, assim, o cenário enunciativo. Nos fragmentos (102) e (103), o foco desta leitura recai sobre os usos da forma verbal parecer. Em (102), L1/e1 está questionando um pressuposto em diversos postulados acerca do fato de que as regularidades linguísticas fariam dos tipos de 189 discurso um mecanismo mais estável para análise de texto de que a própria noção de gênero, mais fluida e sujeita à instabilidade. A voz de e2, neste segmento, representa um defensor do postulado que L1/e1 questiona e/ou não concorda, sendo esta, pois, a função do verbo parecer, qual seja, indicar que este enunciador obteve a informação por meio de uma inferência. Se o emprego deste verbo diminui a confiabilidade do enunciado, em contrapartida minimiza também o papel da fonte quando ao comprometimento sobre verdade/falsidade da informação. O uso do verbo parecer no fragmento (103) segue a mesma lógica do uso em (102) e a ideia de inferência é ainda mais reforçada pelo modalizador que o segue (pode) e a flexão do verbo ser no futuro do pretérito do indicativo. Estes foram os principais usos dos verbos de atribuição de fala, considerados “neutros”, no subconjunto de 20 textos estudados no grupo AEE. Quanto aos demais verbos de elocução, classificados segundo proposta de Thompson e Yiyun (1991), o quadro abaixo sistematiza suas distribuições no conjunto de 20 textos dos autores especialistas renomados. 190 QUADRO 25 - OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS Verbos Art1 Art2 Art3 Art4 Art5 Art6 Art7 Art8 Art9 Art10 Art11 Art12 Art13 Art14 Art15 Art16 Art17 Art18 Art19 Art20 Total % abordar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0 1 3 1,37% admitir 0 0 0 0 1 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 4 1,83% alegar 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,46% alertar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0,46% alimentar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,46% analisar 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 2 0,91% anotar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0,46% anunciar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0,46% apontar 0 2 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 1 1 8 3,65% apresentar 0 2 0 1 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 6 2,74% argumenta 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0,91% articular 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 1 0 0 3 1,37% assinalar 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0 0 4 1,83% buscar 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 2 0 0 1 0 0 5 2,28% caracterizar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,46% citar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0,91% colocar 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 3 1,37% comentar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0,46% compartilhar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 2 0,91% conceber 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 1 3 1,37% conceder 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0,46% concluir 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 2 0,91% concordar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0,46% considerar 0 0 0 0 0 5 1 0 1 0 0 2 0 0 0 0 0 4 0 4 17 7,76% constatar 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,46% criar 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 4 1,83% debitar 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,46% declarar 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0,91% defender 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1 0 1 5 2,28% 191 definir denominar descrever designar destacar detalhar diferir distinguir elaborar enfatizar enfocar escolher escrever examinar exemplificar explicitar 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 2 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 2 0 1 0 0 0 0 0 0 0 2 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 3 5 4 3 2 1 2 4 4 4 1 1 3 4 1 2 explorar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 2 0,91% expor 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 2 0,91% extrapolar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0,46% focalizar 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 1 0 0 4 1,83% formular 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 1 0 1 0 0 1 0 0 0 0 5 2,28% idealizar 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,46% insistir 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 2 0 0 5 2,28% integrar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0,46% justificar 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,46% mostrar 0 0 0 0 1 0 3 0 5 7 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 18 8,22% omitir 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,46% orientar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,46% propor 1 0 0 1 0 0 2 1 1 0 3 1 0 0 0 2 0 0 0 0 12 5,48% 192 1,37% 2,28% 1,83% 1,37% 0,91% 0,46% 0,91% 1,83% 1,83% 1,83% 0,46% 0,46% 1,37% 1,83% 0,46% 0,91% reconhecer 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 1 0 1 0 0 5 2,28% recorrer 0 2 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 1,37% recuperar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 2 0,91% referir 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 2 0,91% reformular 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0,46% relacionar 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0,91% remeter 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 revolucionar 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 salientar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 separar 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 sugerir 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 sustentar 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 tematizar 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 tender 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 trabalhar 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 tratar 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 utilizar 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Total p/artigo 5 10 1 7 9 16 14 16 9 13 21 8 9 2 6 12 2 37 8 12 % 2,28% 4,57% 0,46% 3,20% 4,11% 7,31% 6,39% 7,31% 4,11% 5,94% 9,59% 3,65% 4,11% 0,91% 2,74% 5,48% 0,91% 16,89% 3,65% 5,48% 1 1 1 2 3 2 1 2 2 1 2 219 193 0,46% 0,46% 0,46% 0,91% 1,37% 0,91% 0,46% 0,91% 0,91% 0,46% 0,91% No que diz respeito ao potencial avaliativo, nas categorias atos de L1/e1 (em que este transfere através do verbo de elocução selecionado a responsabilidade pela informação citada para e2), foram encontradas 48 ocorrências, sendo 1 de comparação, 70 de teorização e 23 de atitude. A indicação de ações de L1/e1 no que diz respeito à comparação foi feita com o uso do verbo concordar, em uma única ocorrência, enquanto a indicação de atos de de teorização foi detectada com 18 ocorrências do verbo propor, 5 dos verbos defender e formular, 4 dos verbos criar, elaborar e enfatizar, 3 dos verbos articular, conceber, definir e sugerir, 2 dos verbos argumentar, destacar, explicitar, expor e sustentar; e uma única ocorrência dos verbos anunciar, detalhar, exemplificar, idealizar, orientar, reformular, salientar e tematizar. A ação que indica atitude foi identificada da seguinte forma: 5 ocorrências dos verbos insistir e reconhecer, 4 do verbo admitir, e uma única ocorrência dos verbos alegar, alertar, alimentar, debitar, explorar, extrapolar, omitir, revolucionar e tender. Alguns exemplos encontram-se transcritos abaixo: (104) Art.AEE20 Concordando com Koch (2004), em relação à escrita de um texto, pode-se dar destaque a duas considerações muito importantes: os processos de referenciação são escolhas do sujeito em função de um querer-dizer; os objetos-de-discurso não se confundem com a realidade extralinguística, mas (re)constroem-na no próprio processo de interação, ou seja, a realidade é construída, mantida e alterada não somente pela forma como sociocognitivamente se interage com ele: interpretam-se e constroem-se mundos por meio da interação com o entorno físico, social e cultural. (105) Art. AEE08 É suficientemente reconhecido que a dificuldade no enfrentamento dessa questão já era francamente admitida pelo próprio fundador da linguística, Ferdinand de Saussure, ao alegar que “outras ciências trabalham com objetos dados previamente e que se podem considerar, em seguida, de vários pontos de vista; em nosso campo nada de semelhante ocorre (...) Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista... é o ponto de vista que cria o objeto” (Saussure 1977 15) (106) Art.AEE11 Bakhtin defende que a obra de arte só podia ser comparada com outros produtos da criação ideológica (ciência, ética etc.) e que a literatura se encontrava em interação ativa com outras esferas ideológicas, não havendo justificativa para a sua comparação exclusiva com a linguagem prática. A opção teórico metodológica do círculo tende na direção do quadro conceitual do que Rastier (2001) chama uma poética generalizada, ao adotar um ponto de vista unificado sobre os gêneros literários e não-literários para descrever “a diversidade dos discursos (literário, jurídico, religioso, científico etc.) e sua articulação com os gêneros”. (107) Art.AEE18 Alimentando essas e outras discussões, nossa homenageada, professora Charlotte Marie Chambelland Galves, orientou duas teses que tinham como objeto de investigação a negação, ou, centralmente, para entender o estatuto desse operador na sintaxe do Português Brasileiro (Mioto, 1992), ou, perifericamente, para buscar compreender a sintaxe dos clíticos 194 e a mudança gramatical, vista através do fenômeno da interpolação de constituintes entre ‘clítico’ e ‘verbo’, na diacronia do português (Namiuti, 2008) No exemplo (104), L1/e1 coloca seu enunciado em posição de coenunciação, mas seu comprometimento não vai muito longe: primeiro porque escolheu um verbo que transfere a responsabilidade do enunciado para e2, depois, porque ao modalizar a ação que está em concordância com o enunciado de e2 (pode-se dar destaque a duas considerações muito importantes) marca sua incerteza a respeito. Situando-o no continuum entre o total engajamento e o total desengajamento, esse enunciador bem poderia situar-se mais recuado no polo do desengajamento, mas não no extremo do desengajamento. No fragmento (106) observa-se a ocorrência de dois verbos que indiciam traços da presença de L1/e1, sua voz se projeta na medida em que tais verbos traduzem a avaliação feita por esta instância acerca da atitude de e2, portanto, apesar de introduzir uma voz alheia (a de e2) a instância L1/e1 gerencia o jogo de vozes de tal forma que sua presença não se apaga. Da mesma forma, em (107), um verbo indicativo da ação de teorização e um verbo indicativo da atitude da instância e2, coaduna-se, evidentemente, com a intenção de L1/e1 de homenagear e2, tratase de um artigo publicado numa edição em que vários autores publicaram pesquisas tributárias dos esforços de pesquisa empreendidos pelo autor empírico representado no enunciado por e2. Ainda no que diz respeito ao aspecto denotativo proposto na categorização de Thompson e Yiyun (1991), apresenta-se a categoria atos de autor, aqui nomeadas como ações de e2, cujas ocorrências foram relativamente homogêneas, especialmente as subcategorias atos textual e de pesquisa, com 71 e 64 ocorrências, respectivamente, e ações de natureza mental com 38 ocorrências. Os verbos classificados como atos textual são: afirmar, com 14 ocorrências; apontar, com 8 ocorrências; apresentar, dizer e falar com 6 ocorrências; assinalar e descrever, com 4 ocorrências de cada; abordar, colocar e escrever com 3 ocorrências; citar, concluir, declarar, expor e referir com 2 ocorrências; anotar, anunciar, comentar e remeter com apenas uma ocorrência de cada um. Os verbos classificados como atos de autor mental são: considerar, com 17 ocorrências; entender, com 8 ocorrências; reconhecer, com 5 ocorrências; focalizar, com 4 ocorrências; lembrar com duas ocorrências, e os verbos enfocar e pensar com apenas uma ocorrência cada. Por fim, os verbos classificados como atos de pesquisa são: mostrar, com 18 ocorrências; denominar e buscar, com 5 ocorrências; distinguir e examinar, com 4 ocorrências; designar, com três ocorrências; analisar, compartilhar, concluir, diferir, explorar, separar e trabalhar, com 195 duas ocorrências; caracterizar, conceder, constatar, debitar, escolher, integrar, justificar, recuperar, relacionar, remeter, tratar e utilizar com apenas uma ocorrência para cada. No quadro abaixo encontram-se alguns exemplos destes verbos listados acima em seus contextos de ocorrência: (108) Art. AEE16 O momento decisivo da mudança linguística está, portanto, localizado no uso individual. Paul (1880/1920/1970) afirma que tal mudança se dá por meio de “passos infinitesimais”, um dos quais é o princípio do “maior conforto [articulatório]”, expressão que se tornou conhecida entre nós como “lei do mínimo esforço”, acaso uma versão infeliz da denominação original. (109) Art. AEE16 Sapir (1921/1954) afirmava que o fenômeno da variação linguística acarreta o da mudança: se há duas ou mais formas em competição, uma delas acabará por vencer a outra. Essa ideia foi elaborada por William Labov, que a denominou Teoria da variação e mudança. Seu objetivo maior é apanhar a mudança “em seu pleno voo”, por assim dizer (110) Art. AEE06 Lee (1995), na linha da Fonologia Lexical, ao considerar dois níveis lexicais na formação de palavras, alfa e beta, os quais corresponderiam à raiz e palavra respectivamente, considera que ambas as formas, -inho e -zinho, entram no nível alfa onde recebem acento, mas o processo de formação do diminutivo, seja com uma seja com outra forma, ocorre no nível beta, do que se infere que ambos são sufixos do nível da palavra. (111) Art. AEE05 Deste ponto de vista, a noção de plano de texto constituirá provavelmente uma peça decisiva, a exigir ainda aprofundamento teórico – como, de resto, faz crer Bronckart, ao constatar que a noção é “geralmente utilizada em um sentido fraco ou não técnico”, como a “forma de um resumo do conteúdo temático” a que ele próprio recorre (Bronckart, 1999, p. 248). Estes fragmentos foram escolhidos para se demonstrar, exemplarmente, a diferença de efeitos de sentido ao se escolher um verbo de ação textual, de atividade mental ou de pesquisa. Os três, aparentemente, neutros, ou com baixa carga de avaliatividade, apresentam um diferencial: enquanto os verbos de ação textual e de pesquisa – afirmar e constatar, nos exemplos acima – tendem a representar conteúdos proposicionais mais factíveis, os representativos de atividade mental – considerar – tendem à menor factividade, diminuindo, assim, sua confiabilidade. No continuum entre engajamento e desengajamento significa localizar-se em algum ponto mais próximo do desengajamento que do engajamento. No que diz respeito ao potencial avaliativo, apresentam-se os dados das categorias Posicionamento e Interpretação de e2. Trata-se de categorias em que L1/e1 expressa uma avaliação acerca ou do posicionamento de e2 sobre o conteúdo proposicional de seu enunciado. Na primeira categoria, encontram-se as subcategorias posicionamento de L1/e1 196 positivo, neutro, negativo, e de e2 fatual, contra-fatual e não fatual. Na subcategoria posicionamento positivo foram encontradas 41 ocorrências: 5 ocorrências dos verbos buscar e defender;4 dos verbos admitir e enfatizar; 3 dos verbos articular e recorrer; 2 dos verbos argumentar, destacar, recuperar e sustentar e apenas uma ocorrência dos verbos anunciar, detalhar, salientar e tematizar. Na subcategoria posicionamento negativo não se encontrou nenhuma ocorrência. Na subcategoria posicionamento neutro foram identificados 30 ocorrências: 18 ocorrências dos verbos mostrar e propor; 17 do verbo considerar; 8 do verbo apontar, 6 do verbo apresentar; 5 do verbo denominar; 4 dos verbos assinalar, descrever, examinar e focalizar; 3 dos verbos abordar, designar e escrever; 2 dos verbos analisar, citar, declarar, e expor; e apenas 1 dos verbos constatar,enfocar, exemplificar, lembrar e pensar . (112) Art.AEE20 O autor também defende a tese de que não existem categorias naturais, uma vez que não existe um mundo naturalmente categorizado. A realidade, segundo o estudioso, não está segmentada da forma como é concebida, e as coisas não estão no mundo da maneira como são ditas, mas as coisas ditas são coisas discursivamente construídas, e a maioria dos referentes são objetos de discurso. (113) Art. AEE18 Plekhânov (1978[1908]), ao criticar a leitura “unilateral” da ação histórica da economia, argumenta que “numa sociedade primitiva a atividade produtiva exerce uma ação direta sobre a concepção do mundo e sobre o gosto estético”, porém “numa sociedade dividida em classes a influência direta da atividade produtiva sobre a ideologia se torna bem menos aparente. Neste caso, o fator econômico cede lugar ao fator psicológico” (114) Art. AEE02 Já Signorini (2001b, p. 99-101) aponta para os “hibridismos da escrita”, que se verificam “no/pelo imbricamento, conjunção, ou ‘mixagem’ – para usar um termo de Street (1984) –, não só de formas percebidas como próprias das modalidades oral e escrita, como também de códigos gráfico-visuais, gêneros discursivos e modelos textuais”. (115) Art. AEE04 Assim, a construção de uma estrutura de explicação deve, como nos propõe Adam (2011, p. 241), terminar com “um consenso sobre os fatos observados e sobre a causalidade que os relaciona”. Enquanto em (112) e (113) encontram-se enunciadores segundos representados como uma instância absolutamente segura do que diz, (114) e (115) apresentam enunciadores que são representados como uma instância que não sinaliza nem sobre a segurança, nem sobre a insegurança acerca de seu próprio conteúdo proposicional. Outra observação que se pode fazer acerca do exemplo (113): a avaliação positiva com que L1/e1 representa e2 por meio do delocutivo argumenta, na introdução do enunciado de e2, é reforçada com a reduzida 197 infinitiva anterior utilizando o verbo criticar, que traduz uma avaliação acerca da atitude de e2, transferindo para esta atitude traços de positividade, ao mesmo tempo em que revela os traços da presença da voz autoral de L1/e1 no segmento selecionado. Na subcategoria posicionamento fatual (em que L1/e1 avalia a acuidade do conteúdo proposicional no enunciado de e2) foram encontradas 51 ocorrências, são elas: 18 ocorrências do verbo mostrar; 5 do verbo denominar; 4 do verbo distinguir, 3 do verbo definir e designar, 2 dos verbos explicitar, expor, relacionar, trabalhar e utilizar, enquanto os verbos constatar, detalhar, escolher, exemplificar, integrar, justificar, orientar e tratar contam com apenas 1 única ocorrência. Não se encontrou ocorrência alguma na subcategoria posicionamento de autor contra-fatual. Na subcategoria posicionamento de autor não-fatual foram identificadas 43 ocorrências, sendo 17 ocorrências do verbo considerar; 8 dos verbos apontar e entender; 4 do verbo descrever e 3 dos verbos escrever e sugerir. Abaixo, alguns exemplos encontram-se transcritos: (116) Art. AEE09 Na medida em que, como mostra Benveniste, a constituição da categoria de pessoa é essencial para a constituição do discurso e o eu está inserido num tempo e num espaço, a debreagem é um elemento fundamental do ato constitutivo do enunciado e, uma vez que a enunciação é uma instância lingüística pressuposta pelo enunciado, contribui também para articular a própria instância da enunciação. (117) Art. AEE08 Ao distinguir a língua da fala, Saussure separa o que é geral e social do que é particular e exclusivamente individual. Esse gesto nítido de idealização, que se completa na noção de sistema de relações, cria um objeto científico apartado da rede de relações sociais que constitui o discurso. (118) Art. AEE08 Entende Chambers (1995: 209) que essa face obscura explica em grande parte por que, nas culturas ocidentais, ou pelo menos, judaico-cristãs, numerosas instituições têm como uma de suas funções primárias ou secundárias a redução da diversidade linguística em favor do dialeto padrão. (119) Art.AEE18 O acompanhamento dessa reflexão permitirá ao leitor conceber um importante ângulo da polifonia bakhtiniana. Ao observar o texto literário, Bakhtin sugere determinados aspectos que podem ser estendidos à linguagem comum. Nestes exemplos, a factividade das proposições de e2 fica demonstrada no uso dos verbos mostrar e distinguir, nos exemplos (116) e (117), ou seja, trata-se de fragmentos em que L1/e1 apresenta uma voz externa, mas ao avaliá-la como factível, compromete-se com sua veracidade, enuncia em posição de coenunciador ou sobrenunciador, conseguindo projetar sua voz autoral no cenário enunciativo, ao contrário do que ocorre com os 198 fragmentos (118) e (119) cujas vozes são sobrepujadas pela voz de e2, na medida em que escolhem verbos (entender e sugerir) que não expressam seu posicionamento em relação ao conteúdo proposicional relatado, representando e2 como uma instância pouco ou não absolutamente segura acerca da informação contida em seu enunciado. Esta constatação pode levar às seguintes deduções: i) o comprometimento de L1/e1 com o que ele relata é reduzido ou ausente, e ii) não se comprometendo, se afasta da cena enunciativa, apaga sua presença, em detrimento do aumento da presença do outro. Dois fragmentos exemplares para que se contrastem os posicionamentos factuais e não factuais estão representados em (117) e (119): em (117) a factividade do verbo distinguir, na reduzida infinitiva, é reforçada pelo emprego do verbo separar, classificado como ação de e2 cuja natureza evidencia a atividade de pesquisa, enquanto no fragmento (119) a não factividade do verbo sugerir é reforçada pelo verbo que denota focalização perceptiva, neste caso o distanciamento ou o não comprometimento de L1/e1 é maior na medida em que ele expressa sua avaliação em torno de e2 e seu enunciado por meio de recursos que reduzem a confiabilidade. Ainda no que diz respeito ao potencial avaliativo, a última categoria a se apresentar é a de Interpretação com suas três subcategorias: interpretação do desenvolvimento retórico do discurso e2, do comportamento de e2 e do status da informação/ autor citados, que juntas totalizam 5 ocorrências. Na primeira subcategoria, identificou-se apenas uma ocorrência do verbo resumir. Na subcategoria interpretação do comportamento do autor, encontraram-se 4 ocorrências: 2 ocorrências de cada um dos verbos admitir e reconhecer. Na última subcategoria, interpretação do status da informação/autor citados, não foi identificada nenhuma ocorrência de outros verbos de elocução. No quadro abaixo sistematizam-se a distribuição das ocorrências de outros verbos de elocução por categorias: QUADRO 26 - C ATEGORIZAÇÃO DOS OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS Categorização de Outros Verbos de Elocução cf. Thompson e Yuyin (1991) Nº de Categorias ocorrências Atos de L1/e1 Potencial denotativo Comparação/ contraste Teorização Atitude 1 70 23 199 41 0 110 Fatual Contrafatual Não-fatual 51 1 43 Desenvolvimento retórico do discurso de e2 Comportamento atribuído a e2 Status da informação/ autor citado 12 23 13 Não manifesta 59 Interpretação: Potencial avaliativo Positivo Negativo Neutro Posiciona mento de L1/e1 71 38 72 Posiciona mento de e2 Atos e2 Textual Mental Pesquisa 4.4.3 Das ocorrências na categoria de ordem 8 - Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados Tal como o encontrado nos textos de alunos de gradução e textos produzidos por especialistas, esta categoria em textos de autores especialistas renomados também não resultou muita produtividade. Demonstrando tal constatação, do montante de verbos categorizados nos 20 textos de autores especialistas renomados, 218, o total dos verbos classificados como indicativos de suporte de percepções e pensamentos relatados, 11, representa apenas 5,02%. Os dois quadros abaixo demonstram as ocorrências desses verbos, no primeiro, uma síntese das ocorrências, no segundo, alguns excertos em que o contexto das ocorrências pode permitir avaliar em que medida os efeitos de pontos de vista produzidos pela focalização perceptiva ou cognitiva contribuem para o estudo da (não) assunção da RE: QUADRO 27 - I NDICATIVOS DE SUPORTE DE PERCEPÇÕES E PENSAMENTOS RELATADOS EM TEXTOS DE AUTORES ESPECIALISTAS RENOMADOS Art Indicativo de focalização cognitiva pensar lembrar entender Total 200 AEE01 AEE06 AEE08 AEE09 AEE10 AEE15 Total 0 0 1 1 0 0 2 0 0 1 0 0 0 1 2 1 2 1 1 1 8 2 1 4 2 1 1 11 Destas ocorrências o verbo entender, como representação de atividade cognitiva de um enunciador segundo foi o verbo preferido. Outro dado relevante foi a ausência absoluta de verbos que indiquem focalização perceptiva, uma indicação de que a cognição, embora pouco recorrente, até pode ser aceita como atividade científica, mas a percepção é, aparentemente, descartada. Vejam-se abaixo alguns exemplos: (120) Art. AEE01 Por sua vez, seguindo a concepção contemporânea de gênero, Belloto (2002) entende o testamento como um documento diplomático testemunhal de assentamento, horizontal, notarial. Disposição ou declaração solene da vontade do testador sobre aquilo que deseja que se faça, depois da sua morte, com seus bens e fortuna. (Belloto, 2002: 47). (121) Art. AEE10 É conhecida a afirmação de Barthes (1978, p.14), segundo a qual a língua é fascista, porque obriga a dizer, bem como é conhecida (embora menos, talvez porque não se pode expressá-la num slogan) sua tese segundo a qual para os que "não somos ... super-homens só resta, por assim dizer, trapacear com a língua" (p.16). A literatura seria o domínio que melhor permitiria esta trapaça, que resultaria em ouvir a língua fora do poder. O que ele entende por literatura é "a prática de escrever", o que faz privilegiar o "tecido dos significantes que constitui a obra, porque o texto é o próprio aflorar da língua, e porque é no interior da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não pela mensagem de que ela é instrumento, mas pelo jogo de palavras de que ela é teatro" (p.17). Trata-se, como se pode deduzir dos fragmentos acima, de uma imputação feita por meio do verbo entender, que denota focalização cognitiva. Claro está que L1/e1 atribui o conteúdo proposicional de e2 a uma compreensão deste a respeito a respeito de algo que ambos tematizam, mas em (120) o PDV narrado e imputado de e2 é introduzido pelo verbo de focalização cognitiva em uma inferência de L1/e1 acerca do entendimento de e2, em (121) o PDV representado de e2 é fonte de certeza para L1/e1 questionar uma determinada orientação a partir das afirmações de e252. Aparentemente, parece haver maior engajamento 52 É o que se pode observar na porção textual que segue o fragmento (B): Sem discutir aqui a hipótese de partida do autor, segundo a qual a língua é fascista porque obriga a dizer, porque não permite escolha (p. 1213), que é decorrência de uma das mais claras hipóteses do estruturalismo - a língua é sistema e o sujeito a 201 na fórmula adotada em (121) do que em (120). A maior parte das ocorrências apresenta um comportamento semelhante ao fragmento (120), sendo (121) a única forma encontrada de construção do PDV de L1/e1, e feita em coenunciação com e2 mesmo diante do recurso aos verbos que denotam atividade cognitiva. 4.5 Comparativo entre os três grupos de textos: AI, AE e AEE Neste tópico, encerrando o capítulo, apresenta-se uma compilação e comparação dos resultados, traçando-se um paralelo entre os três subconjuntos a fim de se determinar traços de similaridade e peculiaridade. Inicia-se a exposição pela categoria de ordem 5 e posteriormente se apresentam as comparações nas demais ordens. 4.5.1 Das ocorrências na ordem 5 – Diferentes Representações da Fala O discurso reportado é um precioso indicador de como um autor mobiliza o discurso outro: ele pode resumir, reformular ou citar, integralmente ou em partes, o discurso de um outro. Deste modo, nesta pesquisa distinguiu-se cinco modos diferentes de representação da fala: às categorias tradicionalmente conhecidas como discurso direto e indireto somaram-se a ilha textual, a evocação e o uso de aspas sem menção de autoria. O discurso direto apresenta como principal característica a criação de um espaço autônomo no plano enunciativo, blocado ou não. O discurso indireto, especialmente quando há a reformulação do conteúdo proposicional de e2, com menção a autoria em parênteses e fora do corpo do texto, permite a integração da fala do outro em seu dizer. A ilha textual é um recurso que tanto permite a integração quanto a atribuição de um segmento do texto a outro enunciador, na medida em que, mesmo integrado ao corpo do texto as marcas escriturais como itálico e aspas garantem evidenciar o segmento citado. Distinguiu-se ainda a evocação (cf. BOCH E GROSSMANN, 2002), recurso que permite deixar os conhecimentos compartilhados em segundo plano e, ainda assim, inscrever a pesquisa num determinado campo do conhecimento. Cada uma destas formas de remissão às vozes alheias traduz, a seu modo, uma maneira específica de mobilização do discurso outro. A comparação dos resultados nesta ordem está sistematizada no quadro abaixo: recebe pronta -, propriedade que a teoria do discurso, nos termos de Pêcheux (1969), caracterizou como funcionamento, e supondo que esta mesma propriedade, o funcionamento, que é no fim das contas a ausência de um sujeito em sua origem, esteja presente também nos discursos, mesmo nos conteúdos dos discursos, talvez se pudesse imaginar que a única saída para fugir ao poder dos discursos fosse fazer com eles o mesmo que Barthes sugere que se faça com a língua na literatura: jogar. (Art. AEE10) 202 QUADRO 28 - COMPARATIVO DAS OCORRÊNCIAS DE DIFERENTES MODOS DE REPRESENTAÇÃO DA FALA NOS TRÊS GRUPOS DE TEXTOS Diferentes Modos de Representação da Fala AI AE AEE Total % Ilha Textual 31 82 29 142 14,55% DD 102 211 31 344 35,25% DI 130 172 132 434 44,47% aspas sem mencionar autoria (ou provérbios) 11 10 0 21 2,15% Evocação 1 8 26 35 3,59% Total 275 483 218 976 28,17% 49,48% 22,33% No que diz respeito aos diferentes modos de representação da fala, confirma-se a ideia inicial de que, de fato, autores iniciantes apoiam-se com muito mais frequência (e por razões muito diversas, conforme se discutirá no capítulo seguinte) no discurso outro. Do total de 976 ocorrências de remissões ao discurso outro, 275 foram encontradas em textos de autores iniciantes. No entanto, contrariando-se a expectativa, em textos de autores especialistas júniores também se detectou um índice relativamente alto: os textos desses autores somam 483 remissões ao discurso outro, correspondendo a 49,48% do total das remissões. Os textos de autores especialistas renomados fica pouco aquém do total alcançado pelos textos dos dois outros grupos, mas, ainda assim apresenta uma quantidade razoável de remissões ao discurso outro com 218 ocorrências de discurso reportado. No gráfico 1 encontram-se organizados os resultados da categoria 5 – Diferentes tipos de representação da fala – considerando-se o percentual de ocorrências em cada subcategoria: 203 GRÁFICO 1 - T OTAL DE OCORRÊNCIAS POR TIPO DE REPRESENTAÇÃO DA FALA 204 Em alguns aspectos pode-se dizer que, em se tratando de remissões ao discurso outro, a escrita dos especialistas e dos autores iniciantes se assemelham, na medida em que em ambos subgrupos se encontram números semelhantes: tanto especialistas quanto iniciantes apresentam quantidades altas de remissão ao discurso outro por meio do discurso direto ou indireto. No entanto, há que se ressalvar que os textos de especialistas são mais longos, apresentam, em média, 15 laudas, enquanto os textos de iniciantes apresentam, em média, 7 laudas. O gráfico 2 sistematiza a comparação entre os três grupos de textos. GRÁFICO 2 – COMPARATIVO DAS OCORRÊNCIAS DE DIFERENTES FORMAS DE REPRESENTAÇÃO DA FALA NOS TRÊS GRUPOS DE TEXTO Comparativo - Ordem 5 Diferentes Tipos de Representação da Fala Por Subgrupo 22% 28% AI AE AEE 50% Esperava-se um número muito maior de evocações nos textos de especialistas renomados, no corpus selecionado esta categoria representa cerca de 25% do total de remissões ao discurso outro. Evidentemente que, se comparado com o montante utilizado por iniciantes (0,20%) e especialistas júniores (1,66%), ainda representa um índice de razoável robustez. 205 A forma de representação da fala de maior recorrência, nos três grupos é o discurso indireto, havendo, no entanto, diferenças marcadas pela reformulação sem introdução de verbos de elocução e com remissão ao sistema autor/data fora do corpo de texto e o discurso indireto clássico, com uma reformulação do dizer do outro, verbos de elocução e/ou de outras fórmulas de introdução do discurso outro, como no exemplo abaixo: (122) Art. AE05 Essa implantação pode acontecer com a elaboração de dicionários, vocabulários e glossários especializados, ou seja, o objeto aplicado da terminologia. Tal prática é rigorosa e sistemática, devendo, pois, respeitar vários princípios entre os quais podem ser citados: • os termos têm duas vertentes indissociáveis: forma e conteúdo; • deve haver uma relação unívoca entre forma e conteúdo do termo; • o termo situa-se num campo conceptual determinado; • um conceito mantém relação com os demais que constituem um campo temático; • as denominações pertencem a um conjunto de possibilidades estruturais (CABRÈ, 1993, p. 266) (123) Art.AI10 Conforme Magalhães (2001), a obra da mato-grossense mais engajada esteticamente é O berro do cordeiro em Nova York (1995). É bom lembrar que a reformulação do tipo contida no excerto E do ArtAE05 ocorre nos três subconjuntos de textos, no entanto sua prevalência no subgrupo AI é mínima, enquanto um pouco mais abundante no subgrupo AE e absolutamente dominante no grupo AEE. Isso se deve ao fato de que os especialistas tendem a preferir a reformulação por duas razões: primeiro, é mais econômica e garante a manutenção de um fio condutor da análise e, segundo, porque possibilita melhor manejo do gerenciamento enunciativo, uma vez que o discurso direto introduz obrigatoriamente a heterogeneidade neste plano. Poder-se-ia ficar tentado a atribuir a desigualdade de projeção da voz autoral, nestes dois exemplares às porções textuais, comparando-se a extensão de texto, mas, como se verá adiante, a questão da projeção autoral, do domínio de um ponto de vista sobre outro, ou da concordância entre eles não está exatamente ligada à extensão de texto, ou a quem tem por mais tempo o turno de fala. O problema está ligado muito mais ao mecanismo de construção do PDV em que se evidenciaria os limites mais claros da voz de L1/e1 e de e2, por um,lado, e outro mecanismo em que não se divisaria claramente os contornos e limites entre as duas vozes, havendo maior fusão. Veja-se abaixo, o teste feito com outro fragmento do mesmo artigo AI10: (124)Art. AE05 206 Essa implantação pode acontecer com a elaboração de dicionários, vocabulários e glossários especializados, ou seja, o objeto aplicado da terminologia. Tal prática é rigorosa e sistemática, devendo, pois, respeitar vários princípios entre os quais podem ser citados: • os termos têm duas vertentes indissociáveis: forma e conteúdo; • deve haver uma relação unívoca entre forma e conteúdo do termo; • o termo situa-se num campo conceptual determinado; • um conceito mantém relação com os demais que constituem um campo temático; • as denominações pertencem a um conjunto de possibilidades estruturais (CABRÈ, 1993, p. 266) (125) Art.AI10 Entendemos esta noção de estilo individual, dada por Bakhtin (2003), como aspecto subjetivo de cada sujeito, que no ato de enunciar faz vir à tona marcas de sua subjetividade por meio da linguagem. Segundo ele, a consciência individual é reflexo de uma consciência social, assim, a subjetividade se dá por meio de um processo dialógico do sujeito com o meio em que está inserido. Desse modo, podemos observar a configuração da subjetividade da personagem/narradora problematizada na narrativa, pois somos encaminhados para uma percepção aguçada dos sentimentos e das ideias da protagonista em torno do mundo que a cerca. Em (124) é impossível para o leitor que não conhecer os postulados de e2 reconhecer no texto a presença da voz de e2, determinar exatamente onde começa e onde termina a presença de e2 e de L1/e1, tamanha a fusão entre as duas vozes, de tal forma que L1/e1 domina completamente o cenário enunciativo. Contrariamente, em (125) é facilmente marcável os contornos e delimitações da voz de cada uma das instâncias, L1/e1 (em negrito) e a de e2 (sublinhada), aparentemente o único momento em que as duas vozes se fundem é na apresentação do PDV de e2 compartilhada por L1/e1. Este autor não apresenta a mesma perícia no manejo das vozes no texto de modo que sua voz fica diminuída diante da voz de e2, que domina o cenário enunciativo. O discurso direto tem grande apelo no grupo de iniciantes e especialistas júniores, embora não seja a forma com o maior índice de recorrências. Ressalta-se, ainda, que a citação em discurso direto cumpre funções muito diversas em textos de iniciantes, de especialistas júniores e seniores: nestes o discurso direto aparece especialmente quando se há necessidade de exibir, literalmente, a fala do outro, como no caso das definições, enquanto nos textos de iniciantes, o discurso direto cumpre funções variadas: desde permitir o acúmulo de fragmentos de diversos discursos teóricos (que podem, ou não, ser adequadamente mobilizados ao longo do texto), até à sensível minimização dos riscos de uma reformulação impertinente, fornecer modelos de escrita científica, proporcionando aculturação à escrita acadêmica, bem como dar a conhecer, aos seus pares, que cita porque aprendeu algo com a obra citada e, por essa razão, informa a autoria da referida obra (cf. BOCH E GROSSMANN, 2002). 207 Um dado relevante, neste conjunto, é a importância da ilha textual em textos de iniciantes, contrariando outras pesquisas, como a de Boch e Grossmann (2002) em cujo corpus a prevalência do discurso direto é maior do que as demais formas de representação da fala. A ilha textual parece ter para os autores iniciantes o mesmo estatuto que tem a reformulação para os especialistas, juniores e seniores, representa um apoio valioso na busca dos mecanismos de apropriação do discurso outro na medida em que permite integrar as palavras deste outro e ao mesmo tempo mantê-las em seu discurso original, produzindo um mínimo de reformulação necessária para a integração enunciativa. 4.5.2 Das ocorrências na ordem 6 – Indicadores de Quadros Mediadores No que diz respeito aos achados da ordem 6 – indicadores de quadros mediadores, confirmam-se mais similitudes de que diferenças na escrita de iniciantes e de especialistas juniores. Novamente o salto se configura na escrita dos especialistas seniores. Esta constatação pode ser confirmada pelos números no quadro abaixo: 208 QUADRO 29 - COMPARATIVO DAS OCORRÊNCIAS DE INDICADORES DE QUADROS MEDIADORES NOS TRÊS GRUPOS DE TEXTOS Comparativo da ordem 6 Indicativo de Quadros Mediadores Por tipo de marca linguística 65 55 AI AE AEE 38 37 24 15 13 49 44 25 17 6 9 25 25 22 8 0 22 0 8 2 7 12 0 1 3 209 Aparentemente, parece que especialistas júniores se valem mais de marcas indiciadoras do quadro mediador de que os iniciantes, o que seria uma surpreendente constatação. No entanto, é necessário relativizar esse dado em função da quantidade de laudas. Basta lembrar que o conjunto de textos do subgrupo AI apresenta uma média de 5 laudas para a seção Introdução (incluindo Quadro teórico), o que contabilizaria, também, uma média de 55 ocorrências por lauda, enquanto os textos do subgrupo AE (especialistas juniores), embora ultrapasse, em números absolutos, o total de indícios de quadros mediadores na escrita de iniciantes, apresentam em média 9 laudas, contabilizando, assim, uma média de 53 ocorrências por lauda. Ainda assim, considera-se uma média muito alta para uma escrita de cujo padrão ideal se espera que seja mais de engajamento e responsabilização. No que tange aos verbos de atribuição da fala, os dados coincidem com os encontrados na categoria de ordem 5. O quadro abaixo demonstra o total de ocorrência dos verbos de atribuição de fala, tradicionalmente mobilizados no discurso reportado, e que são considerados como neutros (cf. CHAROLLES, 1976; MAINGUENEAU, 1997): QUADRO 30 - COMPARATIVO DA OCORRÊNCIA DE VERBOS DE ATRIBUIÇÃO DE FALA NOS TRÊS GRUPOS DE TEXTOS Verbos de atribuiçao de fala AI AE AEE Total % AFIRMAR 45 26 14 85 58,62% FALAR 2 10 2 14 9,66% DIZER 10 1 6 17 11,72% PARECER 0 2 27 29 20,00% Total 57 39 49 145 % 50,00% 34,21% 42,98% Na classificação de Thompson e Yiyun (1991), nenhum deles é absolutamente neutro, podendo, por exemplo, ser avaliado quanto ao potencial denotativo ou avaliativo. Seguindo essa classificação, estes verbos, no que concerne ao potencial denotativo, se enquadram na categoria atos de autor textual, ou seja, verbos de elocução relativos aos processos que envolvem necessariamente expressão verbal, o que não significa, necessariamente, que L1/e1 não realiza uma interpretação acerca de e2 ou seu conteúdo proposicional e apenas o representa do modo mais objetivo possível, usando, para isso, os verbos afirma, diz, fala. Pode-se também postular que uma avaliação pode não ser expressa, mas isso não significa 210 que não tenha ocorrido (OLIVEIRA, 2005). Deste modo, entende-se que a não expressão da interpretação tanto é importante na análise quanto também o é diferente de não interpretação: (...) Com isto, deseja-se salientar que entre a não interpretação e sua mitigação existe uma diferença considerável. Entende-se que a escolha de qualquer verbo de elocução implica uma avaliação, seja do status do Autor, de sua atitude ou de seu discurso: a avaliação ocorre sempre, mas pode, por vezes, ser atenuada, mitigada e, assim, não manifesta. (OLIVEIRA, 2005, p. 194) Ainda no que diz respeito aos verbos de elocução, seguindo a mesma lógica de classificação, foram encontradas 104 ocorrências de outros verbos nos textos do subgrupo AI, 106 ocorrências no subgrupo AE e 49 ocorrências no subgrupo AEE. O quadro 32 indica o percentual de ocorrências de cada um dos verbos identificados nos três subgrupos de textos, bem como o percentual de cada subgrupo na somatória dos verbos identificados nesses textos. Assim, o subgrupo AI participa do total com 24,24%; o subgrupo AE com 24,71% e o último subgrupo, AEE, com 51,05%. Novamente é necessário relativizar os dados com algumas observações. Primeiro o fato de que há uma considerável disparidade no número de laudas, em média, apresentadas nos três subgrupos: O subgrupo AI, cujos textos tem, em média 7 laudas, apresentam menor ocorrência de verbos de elocução enquanto nos outros dois outros subgrupos o número de laudas é cerca de 100% a 150% maior e apresentam, também por isso, maior número de verbos de elocução. Assim, proporcionalmente, se se considerar o volume textual no subgrupo AE e AEE se observará uma média maior por laudas no subgrupo AI. QUADRO 31 - COMPARATIVO DA OCORRÊNCIA DE OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO NOS TRÊS CONJUNTOS DE TEXTOS Verbo Abordar Admitir Alegar Alertar Alimentar Analisar Anotar Anunciar Apontar Apresentar AI AE 5 0 0 0 0 2 0 0 10 0 AEE 0 0 0 3 0 0 0 2 12 4 Total 3 4 1 1 1 2 1 1 8 6 % 8 4 1 4 1 4 1 3 30 10 1,86% 0,93% 0,23% 0,93% 0,23% 0,93% 0,23% 0,70% 6,99% 2,33% 211 Argumentar Articular Asseverar Assinalar Assumir Atrelar Atribuir Buscar Caracterizar Chamar Citar Colocar Comentar Comparar Compartilhar Conceber Conceder Concluir Concordar Confirmar Considerar Contar Constatar contrapor-se Corroborar Criar Criticar Debitar Declarar Defender Definir Demonstrar Denominar Denunciar Descrever Desenvolver Designar Destacar Detalhar Diferenciar Diferir discorrer Discutir 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 6 0 0 0 4 0 0 0 0 16 0 0 0 0 0 3 0 0 0 10 0 0 0 8 1 0 5 0 1 0 1 2 3 0 1 0 1 1 5 0 0 9 1 0 1 1 1 0 0 0 2 8 1 1 2 1 0 0 0 0 3 1 3 0 1 2 1 0 4 0 0 0 0 4 2 3 0 4 0 0 0 5 1 0 2 3 1 0 2 3 1 2 1 17 0 1 0 0 4 0 1 2 5 3 0 5 0 4 0 3 2 1 0 2 0 0 5 3 1 4 1 1 5 5 1 9 7 9 2 1 2 8 1 2 1 2 41 1 2 2 1 4 3 1 2 8 14 3 5 1 14 2 3 11 1 1 2 1 6 1,17% 0,70% 0,23% 0,93% 0,23% 0,23% 1,17% 1,17% 0,23% 2,10% 1,63% 2,10% 0,47% 0,23% 0,47% 1,86% 0,23% 0,47% 0,23% 0,47% 9,56% 0,23% 0,47% 0,47% 0,23% 0,93% 0,70% 0,23% 0,47% 1,86% 3,26% 0,70% 1,17% 0,23% 3,26% 0,47% 0,70% 2,56% 0,23% 0,23% 0,47% 0,23% 1,40% 212 Discutir Distinguir Elaborar Enfatizar Enfocar Ensinar Esclarecer Escolher Escrever Evidenciar Examinar Exemplificar Explicar Explicitar Explorar Expor Expressar Extrapolar Focalizar Formular Idealizar Insistir Integrar Justificar Mostrar Omitir Orientar Ponderar Postular Preferir Propor Questionar Reconhecer Recorrer Recuperar Referir Reformular Relacionar Remeter Ressaltar Retratar Revolucionar Salientar 0 0 5 3 0 0 0 0 0 2 0 0 1 0 0 4 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 4 0 0 0 0 0 0 0 0 3 0 0 0 1 0 1 0 1 3 0 0 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 1 6 3 1 0 0 1 0 0 0 2 0 1 1 0 4 4 4 1 0 0 1 3 0 4 1 0 2 2 2 0 1 4 5 1 5 1 1 18 1 1 0 0 0 12 0 5 3 2 2 1 2 1 0 0 1 1 0 5 9 8 1 1 3 1 3 2 5 1 2 2 2 6 1 1 4 6 1 5 1 1 18 1 1 2 1 1 18 7 6 3 2 3 1 2 1 2 3 2 2 0,00% 1,17% 2,10% 1,86% 0,23% 0,23% 0,70% 0,23% 0,70% 0,47% 1,17% 0,23% 0,47% 0,47% 0,47% 1,40% 0,23% 0,23% 0,93% 1,40% 0,23% 1,17% 0,23% 0,23% 4,20% 0,23% 0,23% 0,47% 0,23% 0,23% 4,20% 1,63% 1,40% 0,70% 0,47% 0,70% 0,23% 0,47% 0,23% 0,47% 0,70% 0,47% 0,47% 213 Selecionar Separar Sugerir Sustentar Tematizar Tender Teorizar Trabalhar Tratar Utilizar Total % 0 0 0 0 0 2 0 1 3 0 0 2 0 0 1 0 0 2 1 0 0 0 0 2 0 0 1 0 0 2 104 106 219 24,24% 24,71% 51,05% 0 2 4 2 1 2 1 2 1 2 429 0,00% 0,47% 0,93% 0,47% 0,23% 0,47% 0,23% 0,47% 0,23% 0,47% Além disso, outro fator se destaca e está relacionado à classificação dos verbos: abundam, em todos os subgrupos, os verbos classificados, segundo o potencial denotativo, como atos de e2 de natureza textual, ou seja, aqueles que expressam uma transferência da responsabilidade pelo conteúdo proposicional para e2. Apesar da farta ocorrência nos três grupos, ela é mais prevalente no subrupo AI, enquanto nos outros subgrupos esta ocorrência concorre com os outros verbos em que se denotam algum posicionamento de L1/e1. Veja-se abaixo uma comparação que ilustra melhor essa idéia: Art.AI4 (126) Clifford Geertz no texto o impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem, expõe ideias iluministas sobre conceito do ser humano. (...) (127) (...) Nessa perspectiva, Guimarães (2005, p. 50) observa que “um aspecto interessante do funcionamento semântico-enunciativo é que na cena enunciativa da nomeação das ruas um locutor-oficial está tomado por um memorável (enunciação de nomes de pessoas, datas, etc.).” (128) Art.AE4 (...) Autores americanos vêm denunciando o que chamam de missing paradigm e no bojo dessas discussões questionam a ausência de pesquisas sobre as matérias dos conteúdos ensinados; (...) (129) Art.AEE4 (...) o próprio Bronckart reconhece afinal outras regularidades, ao relacionar tipos de discurso e formas de planificação: no que diz respeito à ordem do EXPOR, assume-se que as esquematizações são o modo de planificação dominante no discurso teórico (eventualmente acompanhadas de sequências descritivas), enquanto as sequências argumentativa, explicativa e injuntiva ocorrem sobretudo nos discursos interactivos e nos discursos mistos (Bronckart, 1999, p. 242-243). 214 No que diz respeito ao potencial denotativo, o verbo de elocução sublinhado no excerto A do Art.AI1, expor, foi classificado como um ato textual de e2 e o verbo sublinhado no excerto I do Art.AE7, observar, foi classificado como um ato mental de e2. Em outras palavras, neste tipo de representação L1/e1 identifica e2 como a instância responsável pelo conteúdo proposicional citado, representando atividade realizada por e2 como sendo de natureza verbal no primeiro exemplo e mental no segundo. Ressalta-se aqui o caráter de complementaridade deste modelo de classificação: a maioria dos verbos são passíveis de classificação tanto no que concerne ao potencial denotativo quanto ao avaliativo. Assim, no que diz respeito ao potencial avaliativo, L1/e1, ao mobilizar tais verbos, posiciona-se sobre o nível de segurança demonstrado por e2, sendo este representado de forma neutra, uma instância que não demonstra insegurança, mas tampouco demonstra segurança absoluta sobre a veracidade do conteúdo proposicional citado. Por outro lado, os verbos de elocução sublinhados nos excertos do Art.AE4 e do ArtAEE4 foram classificados, no que tange ao potencial denotativo, como atos de L1/e1 de atitude, o que significa uma diferenciação em relação aos verbos de atos de e2 textual e mental. Os verbos classificados como atos de L1/e1 de atitude (como nos excertos acima) sinalizam que não se atribui a responsabilidade sobre o conteúdo proposicional a e2, traduzindo uma atitude comportamental que faz com que essa responsabilidade se desloque e recaia primariamente sobre L1/e1 e secundariamente sobre e2, representado como uma instância que desempenha uma atitude comportamental. Se L1/e1 selecionasse verbos como afirmar, dizer, falar, representando atividade verbal, ou explicar, denotando atividade de teorização, por exemplo, haveria a já mencionada transferência da responsabilidade de L1/e1 para e2 e não haveria a exposição de sua interpretação acerca do comportamento de e2. No que diz respeito ao plano avaliativo, a seleção destes verbos determina uma interpretação que L1/e1 possa realizar a respeito do discurso de e2. Ou seja, no que diz respeito à avaliação, L1/e1, neste caso, poderia ter selecionado outros verbos, como comentar, mencionar, optando por interpretar o discurso ou status da informação/autor citados. Em vez disso selecionou os verbos denunciar e reconhecer, realizando uma avaliação do comportamento de e2. Entende-se que ao selecionar os verbos classificados como “atos de atitude”, L1/e1 se compromete mais diretamente com a informação citada, representando, através do verbo de elocução selecionado, não apenas uma expressão verbal, mas, sobretudo, uma atitude comportamental. Esta proposta de classificação (bem como a questão da quantidade de laudas) esclarece o resultado, inicialmente surpreendente, de maiores índices de ocorrências de indicadores 215 de quadro mediador em textos do subgrupo AE, pois como se pode observar no quadro 33, textos do subgrupo AE e AEE apresentaram maior ocorrência de verbos classificados como atos de atitude, com 11 ocorrências no subgrupo AE e 23 ocorrências no subgrupo AEE, enquanto no subgrupo AI foram encontrados apenas 3 verbos. Nos demais atos de L1/e1 os textos do subgrupo AI apresentam menos ocorrências de que nos outros subgrupos: 25 ocorrências de verbos classificados como atos de teorização e nenhum de comparação, enquanto o subgrupo AE apresenta 41 de teorização e 1 de comparação/ contraste, números muito próximos aos encontrados no subgrupo AEE com 70 verbos classificados como atos de teorização e 21 de comparação/contraste. Tais números corroboram também os resultados encontrados na ordem 5 – diferentes formas de representação da fala – uma vez que, por exemplo, na subcategoria atos de teorização, L1/e1 identifica-se a si próprio como principal fonte de responsabilidade pela informação citada, expressando, através dos verbos de elocução, a função que o discurso representado desempenha em seu texto. Ainda no que diz respeito ao potencial denotativo, a abundância de ocorrências na subcategoria atos de e2 de natureza textual encontrada nos subgrupos AE e AI contrariam os resultados da ordem 5, com um grande número de citações em discurso direto e indireto nos subgrupos AI e AE e muito menor no subgrupo AEE. Foram encontradas 20 ocorrências dos verbos que denotam atividade textual nos subgrupos AI, 53 no subgrupo AE e 71 no subgrupo AEE. Na subcategoria atos de autor mental ocorre maior equilíbrio: maior ocorrência no subgrupo AEE, com 38 verbos identificados, enquanto no subgrupo AE ocorreram 26 e 25 no subgrupo AI. Provavelmente a inversão ocorre porque verbos classificados como atos de autor mental representam atividade cognitiva e/ou perceptiva mais difíceis de serem identificadas e traduzidas, no entanto os números indicam não haver grande disparidade entre os grupos. No que diz respeito ao potencial avaliativo, as diferenças continuam poucas: dos 627 verbos de elocução, identificados no conjunto de 60 textos, 23,12% são considerados neutros (considerou-se esta classificação um consenso, já que em vários autores não se questiona a neutralidade desses verbos), tais como afirmar, dizer, falar. Do total de 145 ocorrências desses verbos, o grupo AI contribuiu com 39,31%, o subgrupo AE com 26,90% e o subgrupo AEE com 33,79%, novamente, contrariando os resultados na ordem 5, em que grande parte do volume de citações em discurso direto e indireto com verbos de elocução estão nos textos dos subgrupos AI e AE. Estes verbos têm como principal característica mascarar o posicionamento, em outras palavras, se se admite que todo verbo vincula alguma avaliação, e no caso destes verbos não se pode identificar um 216 posicionamento avaliativo, então é forçoso admitir que alguma avaliação deve haver, mas por meio do recurso a esses verbos L1/e1 mascara ou atenua sua avaliação e não deixa que se entreveja seu posicionamento. Na subcategoria posicionamento de autor positivo é que novamente parece ocorrer o salto que diferencia os subgrupos: enquanto o subgrupo AE apresenta 16 ocorrências (24,62%) e o AEE 41 ocorrências, representando 63,08% em relação ao total dos verbos identificados no conjunto de 60 textos, o subgrupo AI apresentou apenas 8 ocorrências (12,31%). Na subcategoria posicionamento de autor negativo não foi encontrada nenhuma ocorrência em nenhum texto dos três subgrupos. A subcategoria posicionamento de autor neutro apresenta elevados índices de ocorrência com 160 verbos identificados e assim distribuídos: 11 no subgrupo AI, 39 no subgrupo AE e 110 no subgrupo AEE. Nesta subcategoria os verbos selecionados não permitem reconhecer se L1/e1 representa e2 de modo positivo ou negativo, sendo representado como uma instância que nem apresenta um alto nível de segurança acerca do conteúdo proposicional, nem apresenta insegurança. O segundo grupo de verbos que expressam o posicionamento dizem respeito a como L1/e1 se posiciona a respeito da veracidade do conteúdo proposicional citado. Assim, no conjunto de 60 textos analisados, nenhum se posiciona de forma não-fatual, ou seja, L1/e1 não identifica o conteúdo proposicional citado como incorreto, falso ou impreciso, provavelmente porque na atividade da escrita científica é muito raro que haja uma contraposição tão forte a ponto de negar completamente ou em parte o que está posto por um outro enunciador. Foram encontradas ainda 67 ocorrências, representando 10,68% do total de verbos de elocução, na subcategoria posicionamento fatual, sendo 10 ocorrências no subgrupo AI, 6 em AE e 51 em AEE; e 36 ocorrências, cerca de 13,07% do total de verbos de elocução, foram identificadas como contra-fatual, ou seja, L1/e1 não expressa seu posicionamento em relação à informação relatada, representando e2 como não absolutamente seguro da informação citada. Nesta subcategoria, as ocorrências foram encontradas distribuídas nos três subgrupos da seguinte forma: 18 ocorrências no subgrupo AI, 21 em AE e 43 em AEE. Em outras palavras parece haver um equilíbrio entre as duas subcategorias: a fatual e a contra-fatual. Na primeira, L1/e1 posiciona-se sobre a informação citada, representando-a como verdadeira. Existe, nesta categoria avaliativa, um forte comprometimento desta instância enunciativa com o discurso que representa, enquanto na segunda subcategoria L1/e1 não se compromete tanto com a veracidade da informação que cita, de modo que não chega a formar uma aliança, um acordo com os autores citados. 217 Outra categoria abarcada pelo potencial denotativo, a categoria de interpretação, se apresenta como a menos produtiva nos textos analisados, embora ainda relativamente recorrente. Suas três subcategorias somam 104 ocorrências, representando, juntas, cerca de 16,5% do total de verbos de elocução identificados nos 60 textos analisados. A primeira subcategoria, a de interpretação do desenvolvimento do discurso do autor, apresenta 4 ocorrências no subgrupo AI, 4 em AE e 12 em AEE. A segunda subcategoria, interpretação do comportamento do autor, que, ao contrário da subcategoria anterior, focaliza o comportamento de e2 e não seu discurso, apresenta 7 ocorrências no subgrupo AI, 7 em AE e 23 em AEE. A última subcategoria é a que expressa a interpretação de L1/e1 acerca do status da informação/autor citados, totalizando o razoável montante de 49 ocorrências: 3 no subgrupo AI, 33 no subgrupo AE e 13 no subgrupo AEE. Percebe-se, desta forma, que esta categoria também se mostrou produtiva para diferenciar os grupos, e neste sentido, novamente o grande salto se observa no grupo AEE. O quadro abaixo sistematiza a classificação comentada anteriormente: QUADRO 32 - COMPARATIVO DOS OUTROS VERBOS DE ELOCUÇÃO CATEGORIZADOS NOS TRÊS CONJUNTOS DE TEXTOS Atos L1/e1 Categorização de Outros Verbos de Elocução cf. Thompson e Yuyin (1991) Categorias Nº de ocorrências AI AE AEE Comparação/ contraste 0 1 1 Teorização 25 41 70 Atitude 3 11 23 Total 28 53 94 Textual 20 53 71 Mental 25 26 38 Pesquisa 10 18 72 Total 55 97 181 Positivo 8 16 41 Negativo 0 0 0 Neutro 11 39 110 Total 19 55 151 Fatual 10 6 51 Contrafatual 0 0 1 Não-fatual 18 21 43 Total 28 27 95 Desenvolvimento retórico do discurso de e2 4 2 12 Comportamento atribuído a e2 7 7 23 de Atos de e2 Potencial denotativo Posiciona mento de e2 Posiciona mento de L1/e1 Potencial avaliativo Interpr etação : 218 Status da informação/ autor citado 3 33 13 Total 14 42 48 Não manifesta 65 30 59 4.5.3 Das ocorrências na ordem 8 - Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados A categoria de ordem 8 abrange os processos mentais (cognitivos ou perceptivos) envolvidos no discurso reportado. O quadro abaixo demonstra que há pouca diferença entre os subgrupos AE e AEE, com 42,52% e 38,89% das ocorrências, respectivamente. QUADRO 33- COMPARATIVO DOS INDICADORES DE SUPORTE DE PERCEPÇÕES E PENSAMENTOS RELATADOS NOS TRÊS CONJUNTOS DE TEXTOS Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados AI AE AEE Total % Focalização Perceptiva 1 6 4 11 20,37% Focalização Cognitiva 8 17 17 42 77,78% Total 9 23 21 53 % 16,67% 42,59% 38,89% Os verbos identificados nesta categoria foram também classificados segundo a proposta de Thompson e Yuyin (1991), pois tal classificação, além de considerar os aspectos mentais, inclusos na categoria atos de autor mental, também entende que no aspecto avaliativo tais verbos também são passíveis de análise. Esta ordem foi escolhida, apesar das classificações anteriores, por se considerar a importância dos verbos de percepção representada como uma das características fundamentais do apagamento enunciativo (RABATEL, 2003). Abaixo, foram transcritos cinco excertos para comentá-los à luz das reflexões rabatelianas. (130) Art.AEE02 Por sua vez, seguindo a concepção contemporânea de gênero, Belloto (2002) entende o testamento como um documento diplomático testemunhal de assentamento, horizontal, notarial. Disposição ou declaração solene da vontade do testador sobre aquilo que deseja que se faça, depois da sua morte, com seus bens e fortuna. (Belloto, 2002: 47). (131) Art.AE20 Moirand (2006) observa que, embora muito frequentemente o termo responsabilidade seja associado à prise en charge, eles não devem ser confundidos, C1) uma vez que ela toma 219 a responsabilidade como um fenômeno de ordem filosófica, ética e moral, mais abrangente que a prise en charge. (132) Art AE10 (...), ou como pensa Michel Pollak (POLLAK, 1992, p. 210-211) para dar “palavra àqueles que jamais a tiveram”, uma vez que “é a palavra que ajudará na reconstrução do corpo fraturado da nação”, segundo Inocência Mata (MATA, 2006, p.138) (133) ArtAE12 (...). Geraldi (2003, p. 16) também observa a mudança do perfil do profissional das letras: os professores eram da elite cultural e os alunos da elite social. Os primeiros excertos, dos artigos AEE2 e AE20 representam a forma canônica do discurso indireto. A leitura que se pode fazer do excerto, seguindo a proposta rabateliana (2007) compreende um pdv narrado correspondendo ao pdv perceptivo (limitado ao primeiro plano narrativo) enfatizando o processo mental de um dos enunciadores em que nem sempre a perspectiva do fato narrado coincide com a do outro enunciador. Difere-se, nestes exemplos, o excerto do artigo AE10, marcado pela debreagem enunciativa máxima, exprimindo diretamente as falas de um locutor, constituindo (como costumeiramente) um discurso direto, representado pelas aspas e caracterizado como um tipo de PDV dominante nas sequências argumentativas, havendo coincidência das instâncias enunciador e locutor (RABATEL, 2007). Os processos mentais (observar) também são expressos no excerto do artigo AE12, no entanto, parece situar-se naquilo que Rabatel (2007) descreve como PDV representado: enunciados mais debreados de que o PDV narrado, em que L1/e1 pode trazer para seu discurso um PDV, compartilhado ou não, e a referência deitico-espacial ou temporal ganham status de testemunha de um enunciador nomeado ou não. No capítulo seguinte, a comparação entre os três subgrupos é retomada, sobretudo, para se demonstrar que, embora seja uma categoria bastante produtiva, a RE (cf. ADAM, 2011), parece insuficiente para responder, por si só, as perguntas desta pesquisa. 220 Capítulo V – Das possíveis relações entre RE e posturas enunciativas O inconveniente da pesquisa é que por causa dela se encontra.... o que não se pesquisava. (GENNETE, G., 1982, p.8)53 Este capítulo propõe-se a traçar uma reflexão sobre os dados expostos no capítulo anterior, considerando que conhecer os mecanismos que possibilitam a transferência da responsabilidade de um polo a outro, num continuum que vai desde a concordância absoluta até a discordância absoluta implicou a detecção dos elementos linguísticos e textuais definidos nas categorias de análise das ordens 5, 6 e 8: a frequência de ocorrência de verbos de elocução em discurso direto, das categorias dos verbos de elocução, o papel dos verbos de percepção na construção do PDV, bem como as diversas formas de representação da fala e o papel de outros indicadores de quadro mediador. Neste sentido, retoma-se as questões de pesquisas elencadas no capítulo Metodologia: Quais marcas linguísticas depreendem-se num texto para evidenciar assunção ou não assunção da RE? Essas marcas estão, de alguma forma, vinculadas ao nivel de expertise do autor acadêmico? Se tanto autores experientes como iniciantes se valem do recurso às vozes de outros autores, o que diferencia então a escrita de ambos? Há alguma relação entre a assunção ou não da RE e os mecanismos de construção do PDV evidenciados nas posturas enunciativas de co-, sub- e sobrenunciação? Os próximos tópicos dedicam-se à discussão dessas questões à luz dos resultados descritos no capítulo anterior. 5.1 Caracterizando a RE (sua assunção e não assunção) em textos de autores iniciantes, especialistas e especialistas renomados Nos artigos analisados, as categorias eleitas demonstram que, de maneira geral, praticamente todas oportunizam a opacificação da avaliação e/ou posicionamento de L1/e1 em relação ao discurso de outro. No que tange à sinalização de uma hierarquia na relação L’iconvenient de la recherche c’est que à force de chercher, il arrive qu’on trouve...ce qu’on ne cherchait pas. 53 221 entre L1/e1 e e/2 (normalmente um outro autor do campo científico), os indicadores clássicos de quadros mediadores (segundo X..., de acordo com X....., para X.....) bem como a seleção de verbos de introdução do discurso outro apontam para uma relação discursiva assimétrica de poder e autoridade. Os resultados desta pesquisa demonstram que, na categoria de ordem 5, por exemplo, a predominância de discurso direto com um verbo de elocução é aproximadamente três vezes maior no subgrupo AI e mais de cinco vezes maior no subgrupo AE em comparação com o subrupo AEE. O discurso indireto (na maioria das vezes, também acompanhado de um verbo de elocução) é quase duas vezes maior nos dois subgrupos AI e AE em relação ao subgrupo AEE. Por outro lado, uma forma citacional de grande relevância no subgrupo AEE, a evocação, é insignificantemente presente no subgrupo AE e inexistente no subgrupo AEE, como o demonstra o gráfico 3: 222 GRÁFICO 3- COMPARATIVO DA ORDEM 5 POR MODO DE REPRESENTAÇÃO DA FALA 223 Além disso, nos subgrupos AI e AE grande parte das orações projetantes estabelecem uma relação de interdependência sintática com a oração do discurso reportado, sendo em sua maioria, subordinadas. Esses dados são relevantes na medida em que traduzem as diferenças no contexto situacional, relacionadas à tessitura discursiva de textos científicos produzidos por autores com diferentes níveis de experiência. Tome-se como exemplo os seguintes excertos que caracterizam, tipicamente, os modos de mobilização do discurso outro nos três subgrupos: (134) Art.AI01 Segundo Kleiman (2001, p.20), as instituições escolares mais importantes das “agências de letramento” têm se preocupado basicamente com a alfabetização, ou seja, com a aquisição de código, alfabético e numérico, contudo, existem outras agências de letramento como a família, a igreja, a rua, o local de trabalho, que trazem concepções de letramento diversificados. (135) Art.AI03 De acordo com Koch (2002, p.7), “um texto não é simplesmente uma sequência de frases isoladas, mas uma unidade linguística com propriedades estruturais específicas”, essas propriedades estruturais estão relacionadas a dois dos critérios de textualidade, a coesão e a coerência, pois essas contribuem diretamente com a formação do texto. A primeira se trata da manifestação materializada da segunda, visto que “a coerência diz respeito ao nexo entre os conceitos e a coesão, a expressão desse nexo no plano linguístico” (Costa Val, 1994, p.7). A relação existente entre coesão e coerência é, porém, bastante discutida pelos pesquisadores da área e ainda não há um consenso formado sobre a ligação que envolve esses mecanismos de textualidade e até que ponto elas são ou não interdependentes. Isso ocorre porque, em alguns casos, é possível produzir textos coerentes sem o uso de elementos coesivos (os pronomes anafóricos, os artigos, a elipse, a concordância, a correlação entre os tempos verbais e as conjunções), assim como também pode suceder a ligação entre frases coesas que não formam um nexo. (136) Art.AE04 Considerando-se estas discussões, lembramos também de como a noção bourdieusiana de auctor e lector contribui para a compreensão do problema proposto para estudo; utilizamos aqui os termos no mesmo sentido sugerido por Bourdieu (1990) no texto intitulado “Leitura, leitores, letrados, literatura”. Nesse texto, o autor diferencia o auctor, responsável pela criação de uma obra original, do lector, aquele que segundo a tradição medieval lê e interpreta o discurso de outro. Assim, na leitura da PCLP e do guia Subsídios, podemos opor o trabalho de um e de outro. Ou seja, na medida que os textos publicados no guia Subsídios resultam de um trabalho de pesquisa científica (e não apenas porque se trata de professores universitários) caracterizamos seus autores como auctor, enquanto os textos da PCLP parecem-se, em muitos aspectos, com o trabalho do lector aquele que reelaborando um discurso original, produz uma leitura desse discurso, podendo, em certa medida, conformar (ou deformar) o conteúdo da obra originalmente elaborada. Nesse aspecto, considerando-se o processo de constituição da PCLP, tomamos emprestado o termo que Silva (2001) utiliza para nomear os manuais pedagógicos: “leituras de leituras”. (137) Art.AE05 Barbosa (1990, p.153) retomando Saussure afirma que o ponto de vista determina o objeto. Logo, “este constitui tantos objetos formais distintos quantos forem os pontos de 224 vista e os recortes epistemológicos”. Nesta perspectiva, se o objeto é o léxico, tem-se a lexicologia e a lexicografia, a terminologia e a terminografia, que se preocupam em analisálo e descrevê-lo. (138) Art. AE05 A transferência da informação constitui a dimensão comunicativa da linguagem especializada. Nesse sentido, a terminologia é a base da comunicação entre profissionais (Cf cabré, 1993). Nessa ótica, poder-se-ia pensar em uma terminologia da avaliação, visto que os professores têm os mesmos objetivos, escrevem com os mesmos fins e exprimem saberes temáticos. (139) Art.AEE02 Assim, todo enunciado, de qualquer texto, remete, simultaneamente, a um gênero discursivo, a um ponto de vista enunciativo, a uma posição sequencial-composicional e contribui para construir uma determinada representação discursiva (ADAM, 2011a: 211). (140) Art.AEE02 Por sua vez, seguindo a concepção contemporânea de gênero, Belloto (2002) entende o testamento como um documento diplomático testemunhal de assentamento, horizontal, notarial. Disposição ou declaração solene da vontade do testador sobre aquilo que deseja que se faça, depois da sua morte, com seus bens e fortuna. (Belloto, 2002: 47) Estes excertos demonstram uma ligeira variação nos modos de se apoiar no discurso outro. No conjunto dos textos analisados, dois tipos de citação foram identificados: num primeiro tipo, a mais predominante, em que o autor citado é um elemento da oração, ocupando a posição de tema, e sinalizando, com isso, uma ênfase no autor, primariamente, em vez de enfatizar o conteúdo proposicional citado, caso das citações de segundo tipo, em que se usa sistema autor/data entre parênteses e fora do período. Considera-se que a tendência predominante também contribua para engendrar o efeito de “promoção do discurso do outro” somados aos outros fatores apontados por Grigoletto (2001), na medida em que contribui, para o apagamento de L1/e1 resultando na interpretação de que o autor citado, mais do que seu discurso, aparece como elemento predominante, é como se ele, e não a sua obra, fosse percebido como a autoridade da área de conhecimento. Este é o padrão mais prevalente em textos de autores iniciantes, também muito recorrente em textos de especialistas, embora em menor quantidade, pois neste subgrupo aumenta razoavelmente a quantidade de citações do segundo tipo, valorizando mais o conteúdo proposicional de que o autor citado, no terceiro subgrupo a predominância dos dois tipos se invertem: citações do segundo tipo são prevalentes, em detrimento das citações do primeiro tipo. O que há de comum entre os três subgrupos é o fato de que a esmagadora maioria das citações são mobilizadas para legitimar o discurso citante (bem como confirmar o citado) uma vez que são tomadas como discurso de autoridade. Em raros excertos encontrase uma citação em que se coloca em xeque o conteúdo citado, e quando isso é feito o é por meio de outro enunciador. Veja-se alguns exemplos distintos que ilustram a questão: 225 Art.AI03 (141) Para Koch (2002) existem dois tipos de coesão, a referencial e a sequencial. (142) Fávero (2002) traz uma nova proposta de classificação dos tipos de coesão com estudos iniciados a partir das seguintes indagações em relação ao modelo classificatório colocados por Halliday e Hasan (...) (143) Em seguida a autora questiona um dos quatro grupos de fatores de “conexão sequencial” organizados por Marcuschi e constituídos com base na proposta de Beaugrande e Dressler (144) O questionamento de Fávero em relação a isso é o seguinte: Por que a definitivização é um caso de repetição e não de substituição se, como dizem Brown e Yule (1983, p. 169), “a informação nova é caracteristicamente introduzida por expressões indefinidas e subsequentemente referida por expressões definidas? (Fávero, 2002 p.16) Art.AI18 (145) De acordo com Orlandi, para Authier-Revuz a noção de heterogeneidade aparece como sendo uma mistura de (a+b), sendo estes (a+b), recuperáveis e distintos. Desta forma, a ilusão do sujeito de estar na origem permite a recuperação da homogeneidade, convivendo assim, ao mesmo tempo, com o visível e a unidade. Já para a Análise de Discurso é possível somente a combinação ab, onde não há possibilidade de recuperação da origem, visto que só são efeitos que estão lá. (146) AE20 Muitos autores, partindo de Adam (2011), entendem a mobilização a um discurso outro como um indício de desresponsabilização, o que o exame das posturas demonstrou ser um equívoco, uma vez que a responsabilização, sendo um fenômeno muito mais relacionado ao texto como todo (ao contrário da PEC que incide sobre o enunciado) estaria mais relacionada à configuração textual que resulta da questão das posturas enunciativas do que à menção de um discurso reportado. (147) AEE7 Por outro lado, ainda, tais textos mostrariam que se trata de um equívoco postular um papel para a intenção - porque esta abonaria, mesmo que remotamente, a eventualidade de imaginar possível o controle individual sobre uma instância de discurso que de fato lhe escapa, porque é social e histórica, por um lado, e porque tem ingredientes de inconsciência, por outro. Além do mais, segundo a mesma visão, só há "social" se definido em termos de ideologia, e "cultural" se definido em termos de imaginário. O que implica reduções. Neste sentido, por exemplo, Grice é reduzido ao filósofo da intenção, esquecendo-se do pragmaticista que propôs leis (gerais ou não, corretas ou não) de compreensão indireta ou não literal de enunciados - leis que são pensadas como "sociais" e conhecidas pelos interlocutores, de alguma forma; Ducrot é considerado ingênuo (um interlocutor simpático, mas ingênuo), por sua adesão à idéia de uma espécie de grande contrato, e Benveniste é considerado um idealista, porque acreditaria que é o sujeito a fonte do sentido (desconhecendo-se - reprimindo? - outras passagens de seus textos, além daquelas em que aparecem expressões como "ato individual", "conversão individual" etc).. Na sequência de fragmentos transcritos do artigo AI03 observa-se um contraponto (142) à exposição anterior (141), ou seja, L1/e1 se opõe ao que havia exposto a partir da citação de uma outra voz, que não é nem a dele, nem a que ele havia inicialmente mobilizado. 226 O mesmo fenômeno ocorre no excerto do artigo AI18. Diferentemente do que ocorreu nestes exemplos, os fragmentos (146) e (147) dos artigos AE20 e AEE07 apresentam, de fato, um contraponto ao que se expunha em outras vozes a partir da voz de L1/e1. Neste aspecto faz sentido a desresponsabilização, afinal, trata-se de uma voz com a qual L1/e1 está em desacordo e assim o manifesta, construindo seu PDV. Ressalta-se que essas foram as raras ocorrências deste tipo de citação, as demais cumprem o papel anteriormente mencionado, qual seja, de ratificar o posicionamento de L1/e1 por meio da autoridade de e2. Ao tratar dos modos de representar a fala entende-se que a voz incorporada ao discurso de L1/e1 tem a mesma importância que a função desempenhada. No estudo das vozes identificaram-se dois efeitos distintos: um é o da adição de vozes, que não se misturam e mantem demarcadas suas fronteiras, outro caso é o da fusão das vozes, mecanismo que possibilita um acordo ou a encenação de uma aliança entre as vozes de L1/e1 e e2 e, em alguns casos, o apagamento de e2. Os resultados demonstraram que, em sua maioria, o efeito produzido no conjunto de textos que compõe o corpus é o da adição de vozes. Nisto, evidentemente, os subgrupos se diferenciam em função da quantidade de ocorrências deste tipo de fenômeno: mais prevalente nos subgrupos AI e AE e menos prevalente no subgrupo AEE, ainda assim ocorrendo em todos os subgrupos. Associados aos modos de representação da fala (ordem 5), encontram-se, entre os resultados, os indicadores de quadros mediadores, cuja distribuição de ocorrência entre os três subgrupos corroboram dados encontrados na ordem 5, sendo os clássicos “segundo X ...” (bem como suas variantes) e os verbos de introdução do discurso outro as formas mais recorrentes encontradas dentre os índices de quadro mediador. A distribuição, no geral, entre os três subgrupos demonstra o que já se havia percebido na categoria de ordem 5: a grande maioria das ocorrências estão no subgrupo AI e AE, de todo modo também estão presentes, ainda que em menor quantidade no subgrupo AEE, o gráfico, a seguir, demonstra esta constatação: 227 GRÁFICO 4 - COMPARATIVO DA ORDEM 6 - POR CONJUNTO DE TEXTOS Comparativo da ordem 6 Indicativo de Quadros Mediadores Por tipo de marca linguística AI AE AEE 65 55 38 37 25 25 24 15 13 49 44 17 6 9 25 22 22 8 0 0 8 2 7 12 0 1 3 228 Nos excertos anteriormente transcritos, observam-se, sublinhados, alguns verbos de elocução, que indicam ao leitor a presença de outras vozes/ fontes do dizer no texto. Tais verbos, bem como a remissão ao sistema autor/data, além de impedir a fusão das vozes também cumprem a função de demarcar as porções textuais de responsabilidade de L1/e1 e as porções pelas quais ele não se responsabiliza, transferindo essa responsabilidade para e2. Ou seja, quando L1/e1 seleciona um determinado verbo de elocução, ele sinaliza para o leitor que há uma distância discursiva entre sua voz e as demais vozes presentes em seu texo e que tal distância pode variar num continuum, desde uma distância mínima, caracterizada pelo amálgama entre as vozes, até a distância máxima, cuja separação é evidenciada por: i) presença do verbo de elocução associado ou não às fórmulas “segundo X...” e suas variantes, ii) pelo tipo de relação estabelecida entre a oração que introduz o discurso citado e este (se subordinada ou coordenada), e iii) pelo fato de em algumas citações o nome do autor ocupar posição privilegiada na organização sintática: dentro do bloco de texto, e, na maioria das vezes, sujeito da oração principal. O verbo de elocução, analisado sob a perspectiva de seu potencial denotativo, permite L1/e1 expressar o conteúdo proposicional citado como uma atividade de e2 no mundo real, e sob o viés avaliativo, pode tanto expressar uma apreciação da atitude de e2 quanto abster-se de expressá-la. O potencial ilocucionário de um verbo de elocução é definido em função do contexto de ocorrência. Para ilustrar essa idéia, tome-se como exemplo um excerto retirado do corpus: Art.AI20 (148) Camacho (2001, p. 72) acredita que “uma consequência drástica desse conflito pode ser a rejeição tática da variedade padrão, em termos de ensino de língua e de outros valores da classe dominante. Na prática, tudo redunda em evasão e repetência escolar.” (149) Art.AE15 (...) Orlandi (2001: 44) retomando Lacan (1966) define a metáfora “como a tomada de uma palavra por outra. Na análise de discurso, ela significa basicamente ‘transferência’, o modo como as palavras significam”. (...) A citação entre aspas apresenta um ato ilocucionário e um verbo de elocução em uma oração principal que, ao mesmo tempo, denota atividade realizada e indica o posicionamento (ou não posicionamento) de L1/e1 acerca deste ato ilocucionário. Postula-se que o conteúdo proposicional entre aspas poderia expressar qualquer conteúdo, não importa, pois é o verbo de elocução selecionado por L1/e1 que indica como o conteúdo será interpretado, tanto que não é difícil manipular esses dois excertos de modo a se obter o seguinte: 229 (149a) * (...) Orlandi (2001: 44) retomando Lacan (1966) acredita que a metáfora seja “como a tomada de uma palavra por outra. Na análise de discurso, ela significa basicamente ‘transferência’, o modo como as palavras significam”. (...) O que a manipulação acima demonstra é a relevância da escolha do verbo de elocução, na medida em que ele orienta a interpretação que L1/e1 deseja dar às vozes que ele incorpora em seu discurso e evidencia como pertencente a uma outra fonte, por exemplo, Orlandi, a voz de e2, no excerto (149) do artigo AE15, poderia ter sido representada como uma crença ou especulação (como o demonstra a manipulação produzida), no entanto, foi apresentada como uma definição, sendo, portanto, primeiramente relacionada à função desempenhada no discurso citante (teorização), e, secundariamente, se relaciona ao que a voz tem a dizer. A partir destas considerações reitera-se o valor dos verbos de atribuição de fala dentre os recursos indicadores de quadro mediador, na medida em que orientam a interpretação que L1/e1 faz e leva o leitor a fazer acerca do conteúdo proposicional citado. A presença destes verbos sinaliza uma distância discursiva, identificam a voz citada como uma alheia àquela que a incorpora em seu texto, e, sobretudo, indicam uma relação hierárquica assimétrica entre essas vozes, pois é apresentada como autoridade, cumprindo assim um papel discursivo e estratégico chave na identificação da presença de outras vozes e autoridades num texto. Entende-se que a alta frequência desses verbos de elocução em discurso direto nos artigos do subgrupo AI e AE bem como uma presença discreta nos artigos do subgrupo AEE podem ser interpretadas como um sinal de assimetria cujo princípio repousa sobre as diferentes distâncias discursivas, de modo que tanto maior a distância discursiva entre L1/e1 e e/2 maior é a frequência do discurso direto. Esta proporção se relaciona com a necessidade de L1/e1 explicitar, de forma inequívoca, a incorporação de vozes alheias ao seu discurso. Da mesma forma, a baixa frequência do discurso direto, sobretudo em textos do subgrupo AEE, sinalizam que L1/e1 relaciona-se menos assimetricamente com as outras vozes e revela seu domínio no gerenciamento e fusão das vozes, diminuindo a distância discursiva entre as vozes em vez de ressaltá-la. Em outras palavras, além da função de legitimação do discurso de L1/e1, os resultados expostos no capítulo anterior sugerem que tanto nos textos do subgrupo AI quanto no do subgrupo AE o discurso direto com um verbo de elocução deve ser interpretado considerandose dois aspectos: um em que se evidencia a necessidade de L1/e1 identificar a voz alheia incorporada ao seu texto, revelando assim relações assimétricas de autoridade, evidenciadas na dificuldade e/ou falta de domínio no gerenciamento e fusão destas vozes; e outro aspecto em 230 que o discurso direto, por meio do verbo que o introduz, orienta L1/e1 e seus leitores na interpretação e avaliação do que a voz citada tem a dizer. No entanto, observa-se que, ainda que um verbo de elocução dê margem à interpretação, isso não significa que L1/e1 o faça de forma explícita. De um modo geral, o que ocorre com a maioria das citações sugere que este enunciador se posiciona numa escala hierárquica de inferioridade em relação às vozes citadas, sendo notável a necessidade de transferir a responsabilidade pelo conteúdo proposicional citado para e2, por meio da expressiva ocorrência de verbos que expressam atos textuais de autor e da baixa frequência de avaliação, ou nula no caso do subgrupo AI, por meio dos verbos categorizados como atos de escritor de atitude. É o que ficou demonstrado nas categorias denotativas e avaliativas. Esses aspectos, associados à alta frequência da não-manifestação da avaliação com as 65 ocorrências no subgrupo AI e 30 no AE, e 59 no AEE, indicam igualmente um papel hierárquico inferior de L1/e1 em relação a e2. Por último, entende-se que a relação da interdependência oracional estabelecida entre a oração citante e a citada modaliza e atenua o acima exposto: grande parte das citações, inclusive as de discurso direto, cumprem a tarefa de minimizar a distância discursiva, estando organizadas em períodos compostos por subordinação. Ou seja, a despeito do fato de que nos subgrupos AI e AE L1/e1 seja mais tendente ao posicionamento hierárquico inferior em relação a e2 enquanto AEE é menos tendente, a distância hierárquica entre as vozes em todos é minimizada pela organização sintática. O contexto de produção também pode revelar dados importantes na leitura dos dados. A maioria dos textos do subgrupo AI são trabalhos de final de disciplina, ou seja, artigos feitos para atender a demanda de um professor e uma disciplina, cuja finalidade é, sobretudo, a avaliação na disciplina. Alguns desses artigos foram publicados na revista de graduação do curso de licenciatura em Letras ao qual os autores estavam vinculados. A maioria dos textos produzidos por autores do subgrupo AE são artigos publicados em anais de eventos, apenas uma minoria foi objeto de publicação em periódicos da área científica. Os textos produzidos por autores do subgrupo AEE foram publicados em periódicos científicos internacionais e nacionais e equalizados. Neste aspecto é esperado que no subgrupo AI haja maior remissão ao discurso outro como forma de demonstrar ao avaliador que conhece a obra/autores citados, normalmente autores estudados no âmbito da disciplina cursada. Seu único leitor, na maioria das vezes, é o professor da disciplina. Pode-se dizer, ressalvadas as devidas proporções, que o contexto de produção dos textos agrupados sob o rótulo AE e AEE são, não apenas do ponto de vista da estrutura do texto, mas principalmente do ponto de vista da função social, autênticos 231 exemplares do gênero artigo científico, enquanto os textos produzidos nas disciplinas, se assemelham, em grande medida, ao menos do ponto de vista da função social, aos gêneros textuais diversos reproduzidos na escola básica. Um aspecto estrutural que confirma essa hipótese é a de que diversos textos produzidos sob o rótulo AI apresentam capa e, em alguns, folha de rosto, com a função única de identificar o produtor do texto, bem como professor e disciplina para cuja avaliação o texto fora escrito. Esses aspectos, associados à falta de domínio dos mecanismos de gerenciamento das vozes alheias, podem, ao menos em parte, justificar a tendência de representar as vozes alheias com um status e poder mais elevados de que a voz de L1/e1, posição diametralmente oposta quanto mais se avança no nível de experiência, chegando-se ao máximo de atenuação da distância discursiva entre L1/e1 e e2 em textos do subgrupo AEE. Compreende-se, igualmente, que como a distância discursiva entre os enunciadores nos textos do subgrupo AE e AEE é, em graus variados, menor do que a presente nos textos do subgrupo AI, espera-se que, em tais textos, o enunciador primeiro se apresente como uma instância mais autoral e/ou com mais liberdade para o gerenciamento das vozes incorporadas ao texto. Esta maior liberdade na textualização de diferentes vozes pode estar relacionada ao fato de que, como observado anteriormente, esses autores normalmente escrevem para seus pares, membros expertos da comunidade acadêmica. Nesta mesma linha argumentativa, interpreta-se a maciça presença de verbos de elocução introduzindo discurso direto nos textos do subgrupo AI e, pouco menos, no subgrupo AE como sinalizadora da tensão entre os diversos níveis de expertise que caracterizam os membros da comunidade acadêmica, caracterizada por três aspectos distintos mas complementares: i) a superioridade discursiva de e2 em relação a L1/e1, considerando-se e2 como a voz daqueles que produzem o conhecimento, normalmente são autores de grande prestígio no meio acadêmico e/ou idealizadores de quadros teóricos ou com discussões teóricas robustas e vigorosas, de modo que e2 se situa num polo, o do produtor, e L1/e1 se situa no outro polo, o de reformulador, divulgador ou consumidor; ii) Essa polaridade observada produz um efeito de restrição ou constrangimentos na apropriação ou adaptação do discurso de e2 por L1/e1; e, por fim, iii) acaba por cristalizar diferenças discursivamente construídas tolhendo a ocupação do espaço avaliativo em função do distanciamento entre a voz citante e a voz citada. Para encerrar estas considerações, é interessante observar que, de fato, a diferença hierárquica entre os enunciadores funciona como uma barreira impedindo ou restringindo o posicionamento avaliativo de L1/e1 nos textos do subgrupo AI, mas, também é verdadeiro que a autoridade socialmente atribuída ao contexto acadêmico constrange esse enunciador a buscar, 232 cada vez mais, o padrão de escrita mais aproximado possível daquele utilizado no contexto de produção do conhecimento, é por essa razão que se vislumbra em textos do subgrupo AE uma aproximação rumo a este padrão, embora ainda mantenha muitas características do subgrupo AI. 5.2 Das relações entre a RE e as posturas enunciativas As considerações expostas no tópico anterior respondem as duas primeiras perguntas desta pesquisa, transcritas no início deste capítulo. Neste tópico que se inicia, pretende-se ensaiar uma resposta adequada às duas últimas questões, para tanto, são retomadas: Se tanto autores experientes como iniciantes se valem do recurso às vozes de outros autores, o que diferencia então a escrita de ambos? Há alguma relação entre a assunção ou não da RE e os mecanismos de construção do PDV evidenciados nas posturas enunciativas de co-, sub- e sobrenunciação? Partindo-se da premissa bakhtiniana de que não há o discurso adâmico, que qualquer discurso retoma um outro, entende-se que a remissão ao discurso outro é natural, até mesmo, e, principalmente, no texto acadêmico, uma vez que mesmo ao se construir uma trajetória de pesquisa que se contrapõe às anteriores, é necessário considerar, ao menos em parte, um discurso outro. O exame dos resultados expostos no capítulo anterior aponta para a confirmação de que, a despeito das diferenças discutidas nos tópicos anteriores, os três subgrupos apresentam textos com remissões ao discurso outro, o que, forçosamente, leva a se perguntar, o que, então, para além das categorias elencadas para o estudo da RE, diferencia essas escritas? Considerase, desta forma, que é no exame das posturas enunciativas que se encontraria uma explicação plausível para estes questionamentos. 5.2.1 A proposta rabateliana de posturas enunciativas Ao longo de vários artigos, Rabatel (2003, 2004, 2005, 2013) discute a noção de posturas enunciativas. Tais posturas e sua hierarquização cumprem um papel relevante na arquitetura textual: nos textos orais, este regime determina, dentre outros fatores, o gerenciamento dos turnos de fala, a ratificação e/ou invalidação da fala de outro, e a reformulação. Na escrita, a noção diz respeito mais pertinentemente à questão da pluralidade das vozes no discurso. 233 A discussão de tais posturas requer a revisão de alguns postulados, dentre os quais, o apagamento enunciativo (effacement enonciative), que por sua vez requer a retomada da noção de disjunção enunciador-locutor, conforme apresentada pelo autor a partir de Ducrot (1984). Na perspectiva rabateliana a distinção entre locutor e enunciador, bem como entre enunciadores primeiros (E1) e segundos (e2) é fundamental não apenas para contemplar a referenciação de um dictum (e por conseguinte de suas modalidades), como também para adequadamente se refletir sobre os fenômenos de modalização a partir de posicionamentos auto e heterodialógicos. A distinção entre locutor (a instância que pronuncia um enunciado, embreado ou desembreado) e enunciador (o que atualiza a operação realizada pelo sujeito modal) que assume o enunciado num sentido um pouco mais abstrato que o da prise en charge, se ampara na ancoragem dêitica (RABATEL, 2004). Tal distinção, que inclusive abrange possíveis sincretismos entre o locutor e enunciador, ou entre locutores, enquanto seres no mundo, permite uma reflexão mais abrangente acerca dos desequilíbrios interacionais, especialmente os decorrentes das disputas de poder acordadas entre os enunciadores. Convém também lembrar que a abordagem dialógica do discurso reportado abrange uma variedade de formas: o discurso direto, o indireto, direto livre, narrativizado, as ilhas textuais em discurso direto, o discurso direto introduzido por indicações de quadros mediadores (como o clássico “Segundo X...” e suas variantes) e o condicional , expressão típica da alteridade enunciativa encontrada comumente nas hipóteses, ou mais amplamente também no discurso jornalístico. Tais formas podem ser consideradas dialógicas na medida em que o discurso de L1/e1 se revela permeado por traços do PDV de outros por meio de mecanismos diversos, conferindo à presença autoral uma gradação que se poderia estabelecer entre a concordância absoluta (a concordância concordante) e a discordância absoluta (a discordância discordante). Também se observa em Rabatel (2004) que tal gradação não está, absolutamente, limitada aos marcadores pessoais e espaço-temporais, abrangendo, assim, toda forma de referência em que a interpretação não é apenas operada em função de domínios situacionais, mas, sobretudo, pelo fato de poder afetar uma ou mais instâncias: Locutor citado: instância afetada, na medida em que a origem enunciativa é opacificada, por vezes até omitida pelo locutor citante que representa o discurso outro, e não apenas o relata. Esta representação pode ser feita de forma que apaga uma parte do contexto original, seja por meio da ilha textual, do 234 discurso indireto ou narrativizado, apagando também do dizer original e o conjunto de informações atrelados à origem da fonte enunciativa. Locutor citante: instância que tanto pode apagar, como também mover e modificar as marcas do discurso citado, suprimindo as marcas de atribuição da fala, as de abertura e fechamento do discurso citado, ou ainda modificar a orientação argumentativa original bem como representar enunciados embreados como se fossem desembreados. Tais modificações, no plano linguistico, envolvem repercurssões de natureza pragmática uma vez que modificam, superficial ou profundamente, o pdv do discurso citado, opacificando, assim o pdv do discurso citante. Importa ainda considerar que tais marcas não são da mesma natureza, pois, o locutor citado é uma instância afetada pela desinscrição enunciativa do locutor citante, resultado de suas escolhas, não implicando, necessariamente, prejuízo de sua pertinência. (RABATEL, 2003) Há que se considerar, também, que o apagamento enunciativo dos discursos citantes e/ou citados acarretam efeitos pragmáticos para os quais Rabatel (2003) propõe uma reflexão acerca dos elementos de um tópico enunciativo baseada em três posturas que desempenham determinados papéis na construção interacional dos pontos de vista: Co-enunciação: corresponde a uma co-produção de um ponto de vista comum e compartilhado. Não se trata exatamente do proposto em Jeanneret (1999), uma vez que Rabatel não descreve essa postura como uma co-produção de um enunciado comum formulado pelos dois enunciadores simultaneamente, resultado de uma projeção das reações do interlocutor e realizada por um locutor com vistas à obtenção de um consenso, mas, sobretudo, como um fenômeno de co-locução que não pressupõe obrigatoriamente a partilha de um ponto de vista comum pelos dois locutores. O fenômeno de acordo sobre um pdv é quase sempre frágil, revelando que a coenunciação é apenas uma forma ideal de cooperação, fugaz e instável cede logo espaço à subenunciação ou sobrenunciação. (RABATEL, 2003) Subenunciação: caracterizada pela expressão de um ponto de vista interacionalmente dominado, em proveito do sobrenunciador. O PDV subenunciado é tributário de um quadro de predicações apresentado como pertencente a um locutor/enunciador anterior enquanto esta predicação, 235 emanada pelo locutor subenunciador, é apresentada como decorrente daquela que a precede, de modo que o locutor não poderia ser considerado plenamente como o enunciador do PDV, sendo um mero apresentador de um ponto de vista pertencente a uma outra instância (e2) Sobrenunciação: definida como a expressão interacional de um ponto de vista dominante, em que tal dominância é reconhecida pelos outros enunciadores e chega, por vezes, a desempenhar o papel de tópico discursivo. Nos tópicos seguintes, propõe-se uma discussão a respeito dessa classificação em segmentos selecionados do corpus. 5.3 As posturas enunciativas no corpus selecionado Alguns exemplos identificados nos textos do corpus serão aqui listados e classificados enquanto posturas enunciativas, a relação entre essas posturas e possíveis relações com a construção do PDV são discutidas concomitante à classificação dos segmentos de texto selecionados. Optou-se, aqui, por marcar em negrito as marcas indiciadoras de simetria enunciativa (em que ocorre co-enunciação), em itálico as de dissimetria (casos de subenunciação ou sobrenunciação) e sublinhar as mudanças de orientação argumentativa resultantes seja da sobrenunciação, seja de co-enunciação. 5.3.1 Exemplos de co-enunciação (150) Art.AI03: Neste trecho é possível perceber o uso do pronome possessivo “seu” de maneira correta, visto que este se trata de um caso de referência anafórica usada para que o leitor compreenda que a palavra “pai” está relacionada com o sujeito “Cândida”. De acordo com as propostas de Fávero, este pronome se comporta como uma pro – forma pronominal e desempenha função de pro – sintagma para que não fosse necessário repetir a palavra “Cândida”. Porém o pronome “dele” causa uma ambiguidade no sentido, pois não foi especificado a quem este faz referência, podendo o leitor interpretar que “Patrício” é o nome do pai de “Cândida”, ou se trata do homem por quem a personagem está apaixonada. (151) Art. AE03: Procuramos observar as relações entre a pesquisa acadêmica e as orientações oficiais elaboradas nos dispositivos, com o objetivo de compreender de que modo as pesquisas acadêmicas podem ter ou não proporcionado uma reorientação no ensino de Literatura, incluindo-se aí o exame das diferentes tensões que são produzidas nas relações entre as concepções teóricas de literatura e de ensino que fundamentam a proposta curricular, ou seja, procuramos observar o ponto de vista definido por Geraldi (2003, p.74), que vê no trabalho pedagógico uma “fetichização do produto do trabalho científico”, ou seja, analisando a correlação entre o trabalho de ensino e o científico, o autor define uma noção que 236 vai além da mera vulgarização dos conteúdos, para ele o trabalho pedagógico autonomiza as descrições e explicações lingüísticas desconsiderando o processo de produção do trabalho científico que produziu as descrições e explicações ensinadas. (152) Art. AE03: Considerando-se estas discussões, lembramos também de como a noção bourdieusiana de auctor e lector contribui para a compreensão do problema proposto para estudo; utilizamos aqui os termos no mesmo sentido sugerido por Bourdieu (1990) no texto intitulado “Leitura, leitores, letrados, literatura”. Nesse texto, o autor diferencia o auctor, responsável pela criação de uma obra original, do lector, aquele que segundo a tradição medieval lê e interpreta o discurso de outro. 1) Assim, na leitura da PCLP e do guia Subsídios, podemos opor o trabalho de um e de outro. Ou seja, na medida que os textos publicados no guia Subsídios resultam de um trabalho de pesquisa científica (e não apenas porque se trata de professores universitários) caracterizamos seus autores como auctor, enquanto os textos da PCLP parecem-se, em muitos aspectos, com o trabalho do lector aquele que reelaborando um discurso original, produz uma leitura desse discurso, podendo, em certa medida, conformar (ou deformar) o conteúdo da obra originalmente elaborada. Nesse aspecto, considerando-se o processo de constituição da PCLP, tomamos emprestado o termo que Silva (2001) utiliza para nomear os manuais pedagógicos: “leituras de leituras”. (153) Art. AEE3: No plano modal, sua característica mais interessante é, evidentemente, o deslocamento entre aquele que profere o provérbio e aquele que garante sua veracidade. Berrendonner (1982: 207-11) fala de uma “citação-eco”, em que a mesma proposição seria sucessivamente assumida por duas instâncias de fala: SUJEITO UNIVERSAL, depois EU. (154) Art. AEE 4: Sem pôr em causa a oposição que acaba de ser enunciada, pode, no entanto, perguntarse se os tipos de discurso constituem efectivamente o único caso de regularidade, no conjunto da organização textual – como parece sugerir Bronckart, ao afirmar: “qualquer que seja o género a que pertençam, os textos, de fato são constituídos, segundo modalidades muito variáveis, por segmentos de estatutos diferentes (segmentos de exposição teórica, de relato, de diálogo, etc.). E é unicamente no nível desses segmentos que podem ser identificadas regularidades de organização e de marcação lingüísticas” (Bronckart, 1999, p. 138, grifo meu). (154a) o próprio Bronckart reconhece afinal outras regularidades, ao relacionar tipos de discurso e formas de planificação: no que diz respeito à ordem do EXPOR, assume-se que as esquematizações são o modo de planificação dominante no discurso teórico (eventualmente acompanhadas de sequências descritivas), enquanto as sequências argumentativa, explicativa e injuntiva ocorrem sobretudo nos discursos interactivos e nos discursos mistos (Bronckart, 1999, p. 242-243). Nos excertos acima, observa-se que o PDV é construído conjuntamente, no excerto (150) L1/E1 busca o apoio de um enunciador especialista para compor seu PDV, que é, a partir deste apoio, uma co-construção com a voz do especialista atuando como co-enunciador. No trecho negritado, neste fragmento, uma fala do co-enunciador, que assinala seu PDV afirmado, “este pronome” retoma imediatamente o que fora dito por L1/E1 acerca das marcas pronominais num texto que estava analisando. No entanto, L1/E1 ultrapassa a mera noção de concordância quando complementa com sua observação de que naquele caso o pronome fora mal utilizado: “Porém o pronome ‘dele’ causa uma ambiguidade no sentido, pois não foi especificado a quem 237 este faz referência”. Neste caso o conectivo, “porém” apresenta um argumento para o que defende no texto, o fato de que não basta usar conectores se não se faz a referência adequada. Tal recurso constitui evidência de que os enunciadores em questão se encontram em posição de concordância. Trata-se de uma prise em compte no grau máximo estabelecida no acordo ente L1/E1 e e2, não se constitui numa imputação, uma vez que a fala do outro enunciador (Fávero) é integralmente reportada pelo uso das aspas. Da mesma forma o excerto em 154, artigo AEE4, também se realiza na concordância, em que o pdv da autora se constrói a partir do questionamento a uma proposição do autor citado. O seu questionamento pode até ser considerado original, mas a discussão proposta para ele não o é, pois, o segmento seguinte (154a) confirma a idéia de que a discussão na base do questionamento do pdv de L1/e1 é, na verdade, uma retomada de questionamentos já presentes nos fragmentos negritados pertencentes a e2. Tais fragmentos são exemplares de uma prise en compte que se configura como um caso de PEC, indicando um grau máximo de asserção, em que o conteúdo é assumido e tomado como “verdadeiro” por e2. Nesses trechos, a PEC desempenha um papel específico, contribuindo para reforçar a orientação argumentativa do texto, na medida em que, para fazer valer a posição defendida, L1/E1 ancora seu PDV no PDV do enunciador especialista e ainda acrescenta um argumento original não contido em e2. Pode-se também afirmar que o PDV de e2 tem um papel fundamental na construção do PDV de L1/E1, ou seja, o PDV principal que guia a orientação argumentativa do texto. Os excertos (151) e (152) igualmente são considerados como co-construção de um PDV em que L1/E1 busca o apoio de um enunciador especialista para compor seu PDV, que é, a partir deste apoio, uma co-construção com a voz do especialista atuando como coenunciador, havendo, no entanto uma diferença: em ambos os casos, a fala de e2 não sendo transcrita se realiza numa imputação de L1/E1 a e2, num PDV representado, de todo modo, a simetria enunciativa, evidenciada em ambos os casos evidenciam que L1/E1 dá credibilidade ao que é dito e interpretado pelos e2, mas, isso, de forma alguma, o impede de manifestar seu próprio PDV, como evidenciado acima em que ambos (excertos 151 e 152) trazem seus próprios PDV’s em adição ao PDV de e2, que nem sempre é a representação de que se alinham ao PDV de e2, sendo interpretado, no caso do excerto 152, como uma inferência de L1/E1 a partir de algo que é dito por e2 como algo que este defenda ou tenha dito. 5.3.2 Exemplos de Subenunciação 238 (155) Art. AI04: Contrária às ideias iluministas, a antropologia “tem tentado encontrar seu caminho para um conceito mais viável sobre o homem, no qual a cultura e a variabilidade cultural possam ser mais levadas em conta” (Geertz, 1989, p.27), porém, o autor também julga ser necessário ter cuidado ao direcionar os estudos referentes ao ser humano, visto que este possui uma complexidade imensa que ainda não se encontra ordenada, de forma que há o perigo de perder por completo a perspectiva de homem. (156) Artigo AE12: Bem diverso da tendência tecnicista que predominou nos anos 70, Mello (1982), com um trabalho que se tornaria então referência nos anos 80, em Educação, defendia a competência técnica do professor como a instância que, envolvendo o domínio dos conteúdos de ensino e a compreensão do docente a respeito das várias relações que permeiam o universo escolar, seria capaz de promover o sentido político da educação. Nesse trabalho, ao procurar compreender as causas da precariedade na formação e práticas docentes, Mello aponta que o professor tem dificuldade em se perceber como parte do problema no que tange à precariedade de sua formação. Trata-se de um momento em que a recepção de suas idéias representou uma guinada de um pólo a outro da discussão: se antes havia um discurso de culpabilização do aluno, nesse momento passou a predominar um discurso de culpabilização do docente. A questão é que nesse movimento ignora-se que a discussão parte de uma suposta concepção universal sobre competência, acima dos interesses de classe, conforme escreve Lelis (2001, p. 45). (157) Artigo AEE06: Para Bovet (1999, p. 70), “o público desempenha um papel importante na organização discursiva da exposição. Exemplos de formulação recipient designed lembram a dimensão interativa da exposição, a despeito de seu caráter monológico”. Isto é, por exemplo, o que acontece neste trecho, quando, face a uma audiência de lingüistas que supõe conhecer e operar com o conceito de gênero discursivo, o orador opta por justificar por que tratará esse item (gênero discursivo) e tão rapidamente (“falar-lhes muito brevemente – pois isso vocês conhecem – fazer um pequeno apanhado da noção de gênero, pois é ‘os gêneros escritos e orais’ e… evidentemente, não posso não falar dos gêneros, mas muito brevemente”). Nestes excertos observam-se alguns recortes de subenunciação, em que um ponto de vista é apresentado como pertencente a outra fonte externa a L1/E1, não há em nenhum trecho dos excertos qualquer apresentação de algum argumento ou proposição original de L1/E1 tendo como ancoragem o PDV expresso por e2. Tal modelo de enunciação caracteriza a subenunciação descrita por Rabatel (2007,p.): segundo o autor a subenunciação consiste numa construção desigual do PDV (em dissimetria) em que a proposição do PDV de L1/E1 (resultante de uma dada predicação) é apresentada como decorrente de um PDV externo, nesse jogo a proposição do PDV externo se avoluma em detrimento do apagamento da proposição do PDV de L1/E1, como se ele não fosse de fato o enunciador do PDV. No excerto (155), pode-se ficar tentado a classificá-lo como uma co-enunciação, por causa do conectivo “porém” em que se esperaria uma reorientação argumentativa, que de fato ocorre, mas a atribuição desta porção de 239 texto a e2 evidencia que tal reorientação não é de autoria de L1/E1, sendo antes, uma imputação a e2. Os trechos negritados em (155) e (157) representam o ponto de vista dominado, uma conclusão a que L1/E1 retorna para definir um conceito ou raciocinar a partir de uma perspectiva que não é dele, e traz em seu texto os sinais de distanciamento em relação ao que ele reporta, o aspeamento e/ou a menção a autor/data. 5.3.3 Exemplos de sobrenunciação (158) Art. AI04: As ideias referentes à cultura indígena expressas nos primeiros trabalhos antropológicos têm reflexos ainda hoje, resultando no pensamento preconceituoso da sociedade brasileira, que preserva a ideia de que o índio não passa de um selvagem culturalmente atrasado, como descreve o próprio Freyre. O que mais intriga nessa situação é o fato de a cultura das tribos indígenas brasileiras terem absorvido características dos costumes dos “brancos” e ainda assim a população relaciona a imagem do nativo à figura encontrada na época do Brasil colônia. (159) Artigo AE04: Dick(1990) ainda ressalta que “a exeqüibilidade de uma terminologia básica só pode ser acolhida, integralmente, a partir de sua comprovação na nomenclatura regional”. A autora também esclarece que seu esforço de elaboração de categorias de análise a partir de uma taxionomia deveu-se à preocupação sempre presente de se evitar uma volta ao passado para se descobrir o significado dos topônimos. Consideramos, no entanto, que o estudo dos topônimos vai além da mera pesquisa etimológica, além de se procurar descobrir o significado dos topônimos. Considerando-os signos motivados (ao menos no ato da nomeação), faz-se necessária a perspectiva histórica a fim de recuperar os padrões motivadores da nomeação. (160) Artigo AE05: Notamos, com isso, a dificuldade de compilação para um trabalho terminológico, pois para Desmet (apud Barbosa, 1990, p.157) “a questão da terminologia não é tanto saber o que significa uma forma lingüística, mas antes de saber qual a forma lingüística que representa uma dada noção”. Entretanto, nos relatórios, uma noção é designada de diferentes formas e, por outro lado, uma única forma corresponde a várias noções. Talvez fosse possível uma abordagem pelo recorte epistemológico da socioterminologia, quando poderiam ser observados o tipo de atividade, as características do pessoal, a formação profissional e a qualificação, além de levar em conta o contexto social e situacional em que os termos circulam. (161) Artigo AEE03: Se retomarmos as categorias de Rabatel (2003), podemos dizer que a particitação é fundamentalmente uma forma particular de coenunciação, pois existe acordo em torno do Ponto de Vista - PDV. Trata-se, contudo, de uma forma particular de co-enunciação, já que esse acordo, em conseqüência da particitação, é tal que torna inútil outras marcas de acordo explícitas em torno do PDV. (161a) Podemos avaliar a especificidade desse sistema de citação colocando-o frente ao discurso direto livre (Rosier, 1999: 278-98). (162) Artigo AEE02: No entanto, a análise foi suficiente para podermos verificar que, paradoxalmente, a própria noção de “retextualização” (MARCUSCHI, 2001a) é um argumento a favor – e uma ferramenta de análise – dos processos de mútua constitutividade escrita/oral no gênero e não do continuum de gêneros. A proposta de “continuum fala/escrita” (MARCUSCHI, 2001a) exige 240 uma certa fixação do gênero num ponto do gradiente, mais próximo da escrita ou da oralidade, que leva a ignorar o processo pelo qual escritos e fala se tornam elos de uma cadeia de enunciados, de maneira dinâmica. Um enfoque promissor e dinâmico dessas relações complexas entre escritas e textos orais em gêneros orais formais públicos talvez possa tomar como base as noções de “sistema de gêneros” como parte de um “sistema de atividades” propostas por Bazerman (2005a, p. 32-33). O excerto (158), acima, combina dois PDV’s: um afirmado, é o PDV de L1/E1 acerca de e2, e um PDV representado de e2, em que lhe é imputada a percepção de que o índio é um ser atrasado e primitivo, neste segmento L1/E1 afirma seu pdv a respeito do outro, descrevendo seu modo de agir. Essa percepção é deflagrada nas formas nominais “pensamento preconceituoso” e “ideia de que o índio não passa de um selvagem” e no enunciado “resultando no pensamento preconceituoso da sociedade brasileira”, que pressupõe, acerca de e2 um modo de pensar do qual L1/E1 não compartilha. Trata-se de uma porção textual em que se evidencia que L1/e1 assume a imputação, mas não o conteúdo imputado (o conteúdo é atribuído a e2), ilustrando exemplarmente a proposição de Rabatel (2009) que contrapõe PEC e imputação: enquanto a PEC define uma responsabilidade integral de L1/E1 na expressão de seu pdv, ela é limitada ou pressuposta ao remeter-se a um pdv de outro. Desta relação decorre a disjunção entre locutor e enunciador. Nos segmentos destacados do excerto (158), L1/E1 assume a imputação, na medida em que é o responsável pela representação de um conteúdo perceptual atribuído a e2, nisto reside o distanciamento, pois L1/E1 não assume o conteúdo perceptual do pdv representado de e2. Neste excerto, observa-se ainda um outro enunciador, descrito por L1/E1 como a fonte donde emanariam os pensamentos que influenciam a sociedade (e2), esse outro enunciador é o antropólogo, a cujas ideias L1/E1 se contrapõe. Em outras palavras, L1/E1 parte do pressuposto de que a “sociedade brasileira” tem uma certa ideia a respeito do índio, a de um “selvagem”, é esse posicionamento que L1/E1 critica, mas claro está que ele não é o responsável por essa percepção. Partindo-se da perspectiva de Laurendeau (1989a; 2009) compreende-se que a imputação corresponde a uma não asserção ou desasserção por parte de L1/E1 que, não assumindo integralmente a responsabilidade pelo conteúdo proposicional, coloca-se à distância em relação a e2. Desta forma, essa não asserção se configura como uma objeção ao pdv de outro, como no pdv imputado à sociedade, no excerto (158). Mas, por outro lado, pode haver, como em (160,), um caso de prise en compte no acordo. Neste caso a imputação pode se tornar uma PEC, que, como forma de prise en compte, indica asserção no grau máximo em relação a um conteúdo, ou seja, a PEC integral corresponde a um caso de prise en compte em maior grau 241 e a PEC com responsabilidade limitada (imputação) equivaleria a um grau mínimo, nesse sentido pode-se falar em gradação, não da PEC, mas da prise en compte. Nos fragmentos sublinhados dos excertos 159, 161 e 162, encontram-se, pospostos ou antepostos a remissão à voz do especialista (e2) em quem L1/E1 ancora sua argumentação, seus argumentos representando uma reorientação argumentativa em relação à proposição inicial, como a voz do especialista é usada para confirmar seu PDV configura-se uma simetria enunciativa, uma prise em compte no grau máximo. No caso do segmento (162), há inicialmente uma remissão à voz de especialistas e2 representados pelo discurso citado (na evocação aos autores). No entanto, como a fala dos especialistas não é diretamente reportada, mas apresentada num PDV representado, a posição dos especialistas lhes é imputada nos excertos pelas formas nominais “argumento a favor” e “ferramenta de análise” como critérios de definição de gênero. Ao que L1/E1 parece se opor no fragmento, sublinhado, por meio da forma verbal “leva a ignorar”, justificando assim seu ponto de vista, estabelecido na sequência seguinte: “Um enfoque promissor e dinâmico dessas relações complexas entre escritas e textos orais em gêneros orais formais públicos talvez possa tomar como base as noções de ‘sistema de gêneros’ como parte de um ‘sistema de atividades’ propostas por Bazerman”, em que L1/E1, parece, de certa forma, se alinhar com a proposição supostamente proposta por e2. Tal alinhamento não parece se configurar como coenunciação porque não há uma concordância no acordo, parecendo, antes situar-se num ponto entre o consenso e o dissenso: a concordância discordante, configurando, assim, a sobrenunciação. É exatamente este tipo de construção do PDV que parece predominar na escrita dos autores de reconhecida expertise, em que a voz autoral se sobrepõe às demais e domina o jogo enunciativo, a despeito do recurso a outras vozes, inclusive por meio de indicadores de quadros mediadores, como ocorre especialmente nos excertos (158) e (160). Tal constatação levou ao postulado de que se se compreende a responsabilidade enunciativa como decorrência de um fenômeno localizado num nível mais abrangente que o do enunciado, englobando o texto como um todo e diversas operações enunciativas, admite-se, por conseguinte, que é possível haver responsabilidade enunciativa mesmo diante de recursos às vozes alheias e o apoio em indicadores de quadro mediativo. Um “comportamente discursivo ligado à ética e à moral” (CORTEZ, 2011, p.75) que parece transceder a dimensão do enunciado afetaria o discurso no nível da responsabilidade, resultando, no todo, como um texto mais engajado do que outros pareceriam, por meio de mecanismos de construção do PDV, conforme observado anteriormente com o exame dos posicionamentos e posturas enunciativas e sua hierarquização. 242 Considerações Finais (...) o conhecimento da realidade não é apenas a simples transposição dessa realidade para o pensamento, pelo contrário, consiste na reflexão crítica que se dá a partir de um conhecimento acumulado e que irá gerar uma síntese, o concreto pensado. (LIMA, T.C.S e MIOTO, R.C.T, 2007) Ao longo da primeira parte desta tese foram apresentadas algumas questões e motivações muito pessoais para a pesquisa, especialmente no que diz respeito à constituição do corpus e às perguntas norteadoras da pesquisa realizada no Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem da UFRN. Na última seção pareceu coerente a retomada dessas questões não apenas para confirmar respostas já ensaiadas ao longo dos últimos capítulos, mas, sobretudo, para apresentar uma reflexão acerca do aprendizado na trajetória desta pesquisa. No que diz respeito aos movimentos da pesquisa e da escrita, este trabalho representou um desafio ímpar: requereu do pesquisador o abandono de suas certezas iniciais, o ajuste de percursos, das questões iniciais poucas permaneceram, o confronto dos dados levava a hipóteses não levantadas inicialmente, em suma, foi uma jornada em que os caminhos se construíam conforme a caminhada. O único aspecto que permaneceu ao longo da trajetória foi o objeto: a delimitação da RE em textos acadêmicos. Entendida como uma zona textual em que se pode atribuir a autoria a uma outra voz (ADAM, 2011), a RE pode ser marcada por uma infinidade de formas linguísticas, tais como as sistematizadas no quadro 4 idealizado por Passeggi et al. (2010). Dentre as oito ordens categoriais elencadas pelos autores, foram escolhidas três ordens mais significativas no corpus selecionado, quais sejam: as ordens de número 5, 6, e 8. Elas correspondem, respectivamente, aos rótulos “diferentes tipos de representação da fala”, cujas marcas linguísticas são as formas do discurso reportado (DD, DI, ilha textual e evocação); “indicações de quadros mediadores”, cujas marcas linguisticas se evidenciam nas formas tradicionais de introdução do discurso outro, as formulas Segundo X….e suas variantes, os condicionais e os verbos de introdução do discurso outro, desdobrando-se numa miríade de considerações acerca do posicionamento de L1/e1 acerca do discurso citado. A última das categorias eleitas, “indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados”, apresenta marcas linguisticas que podem ser observadas na escolha de alguns verbos de opinião, bem como verbos que denotam atividade perceptiva ou cognitiva. Os resultados demonstraram que tais marcas ocorrem, em maior ou menor recorrência, em todos os textos do corpus coletado, sem distinção. Esta constatação levou à segunda 243 pergunta de pesquisa, que implicou em observar se a ocorrência de não assunção da RE estaria, de alguma forma, vinculada ao nível de experiência do autor acadêmico. Os dados apontam que há alguma relação entre a quantidade de ocorrências das marcas de não assunção da RE e o nível de experiência de um autor. Estes resultados indicam que a ocorrência destas marcas é diametralmente oposta ao nível de experiência do autor, em outras palavras, quanto maior a expertise, menor é o recurso aos indicadores de quadro mediador. Isto não significa, evidentemente, que não haja diálogo, acordo, confronto e oposição às vozes externas. A proposta de classificação de uma infinidade de verbos introdutores do discurso outro esclareceu o resultado surpreendente, à primeira vista, da similitude entre textos do grupo AI e AE, em que se esperava, pelo nível de especialização dos autores do segundo grupo, um menor índice de ocorrências de não assunção da RE: apesar da alta frequência de verbos introduzindo uma voz alheia, a natureza desses verbos indicia um posicionamento dos autores do segundo grupo, o que não ocorre nos textos do primeiro grupo. Ou seja, um refinamento na categorização desses verbos permitiu um outro olhar que não seria possível apenas classificando os verbos dicendi mais comuns, listados em Charolles (1976), Maingueneau (1997), Adam (2011). Destas constatações derivam ainda outras, por exemplo, a de que tanto autores iniciantes quanto experientes, a despeito do nível de experiência, em maior ou menor frequência, recorrem às vozes alheias (ainda que com objetivos diferentes) apoiando-se em indicadores de quadros mediadores ou de um suporte de percepção/ pensamentos relatados. Desta forma, se se considerar a RE exatamente como Adam (2011) postula, é forçoso admitir que em todos os níveis de expertise se encontrará zonas textuais em que se pode atribuir a autoria a um outro enunciador e esta categoria não poderia ser definida como um ponto que distingue textos de autores de diferentes níveis de experiência. Esta constatação levou, por conseguinte às ultimas questões: saber o quê exatamente, diferenciaria a escrita dos autores agrupados em três conjuntos distintos nesta pesquisa e se os mecanismos de construção do PDV observados em Rabatel (2003, 2004) contribuem para a criação de um efeito global de maior engajamento. Ainda que não se tenha realizado um exame exaustivo das posturas enunciativas de subenunciação, sobrenunciação e coenunciação no conjunto de textos que compõem o corpus, observou-se a predominância das posturas de coenunciação e, sobretudo, de sobrenunciação em textos de autores mais experientes confirmando o postulado de Rinck e Grossman (2006) de que a sobrenunciação seria uma norma do gênero acadêmico. Relativizando este postulado, poder-se-ia dizer que a sobrenunciação seria, antes, o ideal da escrita acadêmica, em que um 244 enunciador, dialogando com outras vozes, utiliza-as para construir seu PDV, concordando ou confrontando-as, e projeta a sua própria voz em posição de domínio no cenário enunciativo. Estas considerações levam a ponderar sobre o papel das posturas enunciativas na construção dos PDV’s. Primeiramente, é forçoso lembrar que tais posturas determinam aspectos importantes na problemática do PDV e da hierarquização das posturas enunciativas: a coenunciação não se evidencia, necessariamente, pela igualdade na distribuição das falas. Assim, mesmo que haja um locutor dominante, que fala mais, isso não significa exatamente que haja dissimetria de posições enunciativas, e, portanto, pode haver, sim, coenunciação em tal arranjo textual. Essa observação permite concluir que as posturas enunciativas não dependem da quantidade de falas proferidas por cada locutor/enunciador, mas das relações que eles mantêm entre si e, sobretudo, da maneira como os PDV’s são representados. Donde também se conclui que um locutor não pode ser considerado subenunciador apenas se falar menos ou sobrenunciador se falar mais, bem como a assunção de uma postura ou outra postura, sobrenunciação ou subenunciação, não quer dizer, necessariamente, superioridade ou inferioridade enunciativa, logo não se pode avaliar como sendo melhor ou se sabe mais este ou aquele enunciador, mas, apenas que a postura de sobrenunciação implica apresentar o enunciador como avalista da verdade, apresentando seu pdv como fidedigno. Esse tipo de enunciador mantém sua posição colocando-se no centro da interação, de tal forma que seu pdv se configura como tópico discursivo. Nesta relação entre enunciadores, tensionada e caracterizada pela instabilidade das posturas enunciativas, revela-se uma disputa de lugares, a partir dos quais o sobrenunciador se afirma, alçando seu pdv a uma posição dominante no texto, ao contrário da posição de subenunciação em que seu pdv é colocado em uma posição dominada. Além disso, observouse a oscilação na ocorrência dos três tipos de postura, o que leva a considerar que no estudo das posturas enunciativas é relevante verificar a disposição das posturas: ainda que ocorra, predominantemente, um tipo de postura, atravessando o texto de ponta a ponta, isso não significa que não possa ocorrer outras posturas que se manifestam localmente. Tal oscilação resulta da instabilidade dos lugares enunciativos ou ocorre em função dos gêneros, (RABATEL, 2006), de maneira que a opção por uma das posturas pode ser determinada por gêneros em que vários locutores interagem ou pode ocorrer alternância das posturas em função da orientação argumentativa. Desta forma, considera-se vantajosa uma leitura mais fina das questões de posicionamento enunciativo em textos acadêmicos, levando, por fim, à uma última observação: a noção de que um enunciador mobilize o discurso outro por quadros mediadores, identificados 245 por fórmulas como “de acordo com X ....” ou “segundo X .....” e suas variantes, ou ainda a simples menção ao discurso outro por meio de uma evocação ou reformulação, não indica, necessariamente, uma desresponsabilização por parte de L1/E1 como se tem visto em alguns trabalhos. De modo que tomar a mobilização a um discurso outro como um indício de desresponsabilização pode ser um equívoco, como bem demostrou o exame das posturas enunciativas, uma vez que a responsabilização, sendo um fenômeno muito mais relacionado ao texto como um todo (ao contrário da PEC que incide sobre o enunciado) estaria mais relacionada à configuração textual que resulta da questão das posturas enunciativas do que à menção de um discurso reportado. Aparentemente não desnecessárias, mas talvez, secundárias, duas implicações desta pesquisa se apresentaram ao final, justificada, principalmente pelo conceito de ciência e pesquisa postulado pelo pesquisador: “... a única finalidade da ciência está em aliviar a canseira da existência humana. E se os cientistas, intimidados pela prepotência dos poderosos, acham que basta amontoar saber, por amor do saber, a ciência pode ser transformada em aleijão, e suas novas máquinas serão novas aflições, nada mais” (BRECHT, B. A vida de Galileu Galilei) Considerando-se esses aspectos do fazer científico, os resultados desta pesquisa levaram a algumas reflexões das quais se deduziram duas implicações, uma de ordem didático pedagógica e outra pensada para futuras pesquisas. No que diz respeito às possíveis aplicações didáticas, é importante salientar, como já se fez alhures, que esta pesquisa não tem, em si, um viés de aplicação prática ou didáticopedagógica, sendo antes, uma busca da compreensão de como se organizam as vozes em textos acadêmicos mapeando a responsabilidade enunciativa nestes textos. No entanto, observa-se que o estudo das possíveis aplicações didáticas das pesquisas na área é, de modo geral, menos favorecido. Assim, ao final da pesquisa propriamente dita, procurou-se formalizar uma proposta de sequência didática, formulada levando-se em consideração o papel das marcas linguísticas das categorias de ordem 5, 6 e 8, bem como das posturas enunciativas na construção do PDV. Uma atividade desenvolvida a partir das linhas de concordância obtida pelo uso da ferramenta Concord do programa WordSmith Tools 6.0 foi apresentada como exemplo, destacando-se os usos de alguns verbos introdutores do discurso outro, tais como afirmar, apontar, referir, definir, atribuir e ressaltar. Esta proposta visa possibilitar aos alunos a investigação acerca da dialogicidade que marcam os textos acadêmicos e de como a escolha lexical permite L1/e1 responsabilizar-se (ou não) pelas proposições presentes no texto. Oferecer 246 aos graduandos, autores iniciantes, uma atividade elaborada por meio dos recursos disponíveis em ferramentas como o Wordsmith Tools poderia permitir ao aluno observar a linguagem em uso, proporcionando o refinamento da percepção acerca dos possíveis posicionamentos na escrita acadêmica. Além disso, desperta a atenção para um nicho de pesquisa sempre fértil: a produção de materiais didáticos para o ensino da escrita acadêmica. Não é pouco o impacto se se considerar que grande parte das pesquisas em gênero e seu ensino, nas três grandes tradições, avançaram enormemente em função desta demanda.54 No que diz respeito a possíveis implicações para futuras pesquisas importa salientar que no decorrer desta pesquisa, especialmente nos tópicos dedicados à classificação e análise do fenômeno observado – a RE em textos acadêmicos – foram mobilizados alguns conceitos teóricos e categorias de análise advindos do quadro da ATD (ADAM, 2011) combinados a conceitos e categorizações presentes em outros autores, como Rabatel (2003, 2004, 2006), bem como outras categorizações ainda mais finas, como no caso dos verbos de elocução, encontradas em Charolles (1976), Maingueneau (1997), Marcuschi (1981), Thompson e Yiyun (1991). Considera-se que tal combinação proporcionaria uma visão mais abrangente acerca do fenômeno, avançando, no caso de pesquisas futuras, para o refinamento do conceito definido como RE no quadro da ATD. Seria o caso, talvez, de se ponderar a possibilidade de adoção da proposta de Moirand (2006): tomando-se a responsabilidade enunciativa como decorrência de um fenômeno localizado num nível mais abrangente que o do enunciado, que engloba o texto como um todo e suas diversas operações enunciativas, admite-se, por conseguinte, a possibilidade de haver responsabilidade enunciativa mesmo diante de recursos às vozes alheias e o apoio em indicadores de quadro mediativo. A RE seria redimensionada para um comportamento discursivo ligado à ética e à moral que parece transceder a dimensão do enunciado e afeta o posicionamento do autor no nível discursivo, resultando, no todo, como um texto mais engajado do que outros pareceriam, por meio de mecanismos de construção do PDV. A RE não seria concebida como um fenômeno pontual, estabelecido no nível do enunciado, mas, sobretudo, como um efeito discursivo produzido por mecanismos de construção do PDV e determinado, em alguma medida pelas próprias constrições do gênero, aspecto que também resta por ser examinado em futuras pesquisas. Esta proposta didática foi apresentada nas oficinas ministradas no XI EELL (UNEMAT – Pontes e Lacerda) e no XI SILLMAT- XVI EMEL (UNEMAT – Tangará da Serra). 247 54 Referências Bibliográficas ADAM, J-M.La cohésion des séquences de propositions dans la macro-structure narrative. In: Langue française. N°38, 1978. pp. 101-117. Disponível para leitura e download em: http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/lfr_00238368_1978_num_38_1_6122 ____________. Textualité et séquentialité. L'exemple de la description. In: Langue française. N°74, 1987. pp. 51-72. 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