1 Desafios e tendências das Políticas para as Mulheres pelas ações da SPM ou o que se poderia chamar de ‘Feminismo de Estado’1 (Texto OPMs – Versão Preliminar) A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPMPR) tem como principal objetivo promover a igualdade entre homens e mulheres e combater todas as formas de preconceito e discriminação herdadas de uma sociedade patriarcal e excludente. Com a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, ocorrida no primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, o Brasil deu um grande passo para contrabalançar as desigualdades e lutar para a construção de um Brasil mais justo, igualitário e democrático, por meio da valorização da mulher e de sua inclusão no processo de desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País. Nessa direção a SPM estabeleceu como missão: "Reverter o padrão de desigualdade entre mulheres e homens, assegurar direitos e melhorar a qualidade de vida das mulheres brasileiras em toda sua diversidade, por meio da formulação, implantação, implementação, consolidação e ampliação das políticas públicas para as mulheres, de forma transversal com todos os ministérios, estados e municípios, para que incluam nas suas políticas a perspectiva de gênero; destacando-se a participação, o controle social e a igualdade racial." Ciente de que não há como se falar em direitos humanos sem contemplar os direitos das mulheres, a SPM convocou e realizou três Conferências Nacionais que resultaram no lançamento dos respectivos Plano Nacional de Políticas para Mulheres (PNPM). Atualmente o PNPM é composto por dez eixos que orientam a atuação e o estabelecimento de metas quantificáveis e é executado - em parceria com 32 órgãos do governo federal (27 ministérios e 5 demais órgãos: Funai, Ipea, IBGE, BB, CEF), reforçando, assim, o princípio da gestão transversal e interinstitucional. 1. Como a SPM tem desempenhado uma atuação de busca de igualdade para as mulheres (isto é, eliminação de todas as formas de desigualdades de gênero com a implementação de políticas públicas?) A partir de 2003, a SPM visou a efetividade de promoção políticas públicas de igualdade de gênero colocando-se como uma estratégia de mudança paradigmática de atuação do governo- produto da democratização do país. Em uma perspectiva diacrônica, isto é, já com uma década de existência, a SPM vem atuando duplamente: Por um lado, atua identificando as “novas” relações entre o Estado e os Movimentos Sociais, de mulheres/feminismo. Por outro, associa-se a episódios de mudança no interior do próprio Estado, isto é, estimula a metamorfose no contexto político institucional, assim como nas dinâmicas de interação entre os próprios atores institucionais no interior do Estado, a nível ministerial, mas também com os atores localizados nos estados e nos municípios. É nessa articulação e diálogo – de um “Feminismo de Estado” – que se expressam e se contemplam todos os desafios 1 Texto apresentado pela Secretaria Executiva da SPM - no Encontro Nacional dos OPMs, realizado pela SAIAT/SPM, em Brasília, nos dia 29,30 e 31 de outubro de 2013. 2 colocados não só para a SPM mas, sobretudo, para o conjunto de políticas de igualdade para as mulheres em geral, que envolvem a estratégia da transversalidade. Quando falo de “Feminismo de Estado” baseio-me no conceito proposto por algumas autoras2 que o definem “como sendo as ações (no caso, da SPM) para incluir as reivindicações [exigências], assim como os atores dos movimentos de mulheres no Estado, com vistas à produção de resultados feministas tanto em termos do processo político como de impacto societal” (p.537). Ou seja, os aspectos que fundamentam a perspectiva de um feminismo que se define como parte essencial de uma proposta de mudança radical que se constrói como luta, como disputa política. Um processo de luta e de disputa social que se expressa na prática cotidiana e que almeje um projeto de futuro; uma prática social e política fundada na perspectiva de construção da igualdade efetiva e global das relações sociais, tendo as relações entre mulheres e homens como o prisma que ilumina a análise da sociedade e sua perspectiva de transformação. É exigência do feminismo a construção de uma prática fundada em forte coerência entre o que é nossa atuação pública e nossa vida privada. Não apenas para as mulheres. Uma das contribuições mais importantes que o feminismo trouxe para a sociedade como um todo, como a reafirmação de que nossa proposta de transformação social, não pode se restringir a uma transformação do mundo público. Não se pode aceitar de forma acrítica a existência de contradições entre o que defendemos na esfera pública e o que é nossa vida pessoal, nosso cotidiano. Sem dúvida que a SPM abriu uma oportunidade política inovadora ao responder diretamente as demandas do movimento social [através das conferências], mas também ao propor novas estratégias de atuação institucional no interior do Estado. Hoje, o esforço é para que a perspectiva de gênero esteja incluída nas políticas públicas nos três níveis de Governo. Além disso, percebe-se uma crescente mobilização da sociedade civil na busca de igualdade entre homens e mulheres, em termos de direitos e obrigações. Essas mudanças têm sido possíveis a partir de um processo contínuo de cooperação transversal entre a SPM e os demais Ministérios, a sociedade civil e a comunidade internacional. 2. Como a SPM vêm se articulando com os organismos de mulheres – estaduais e municipais – na promoção/implementação de políticas públicas de igualdade como nova prática de gestão pública? Em 2004, pela primeira vez no Estado brasileiro, se efetivou uma Política Nacional para as Mulheres, como resultado da 1ª Conferência Nacional, ancorada no conjunto de conferências municipais e estaduais. Saindo da ditadura, precocemente, tivemos a presença do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (1985); assim como de outras ações isoladas, como a criação das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres – DEAMs (1985). A partir de 2003, a SPM se configurou como o órgão oficial de políticas públicas para a igualdade das mulheres. Naquele momento houve uma mudança de localização dos atores dos movimentos sociais: os que antes se localizavam externamente ao Estado passaram para uma posição em que, como atores dos movimentos sociais, são reconhecidos como parceiros. Muitos passaram a trabalhar nas políticas do Estado, o que ampliou a criação de Organismos de 2 Dorothy McBride Stetson & Amy Gale Mazur (2012); Rosa Filomena Brás Lopes Monteiro (2011). 3 Políticas para as Mulheres - OPMs, tanto estaduais quanto municipais, uma vez que ninguém ingressa nessa ceara se já não é portadora de alguma experiência. Foi a partir de então que a SPM provocou um conjunto de mudanças estruturais, uma vez que, ao adotar a perspectiva feminista, o potencial disruptivo do conceito de gênero se tornou evidente com a emergência e o impacto de um novo sujeito político coletivo: a mulher. Foi criado um novo campo de ação e atuação política, permeado por um corpo de reflexões questionadoras de práticas políticas fundadas em identidades essencializadas ou naturalizadas. Em outras palavras, houve deslocamento, da identidade de um sujeito político em nome de quem se fala para as próprias mulheres e suas questões como o novo sujeito político. Passou-se a valorizar a interação entre diferentes sujeitos, o que se configura na democratização das relações de gênero, com visibilidade para homens e para mulheres. Isso não ocorreu impunemente e se configura na presença dos OPMs nos diversos estados e municípios do Brasil. Para melhor coordenação, para melhores resultados, o fazer política pública para as mulheres deve estar baseado nos pressupostos do PNPM: 1. Autonomia das mulheres em todas as dimensões da vida; 2. Busca da igualdade efetiva entre mulheres e homens, em todos os âmbitos; 3. Respeito à diversidade e combate a todas as formas de discriminação; 4. Caráter laico do Estado; 5. Universalidade dos serviços e benefícios ofertados pelo Estado; 6. Participação ativa das mulheres em todas as fases das políticas públicas; e 7. Transversalidade como princípio orientador de todas as políticas públicas. A SPM desenha novos arranjos institucionais para, por exemplo, assegurar a igualdade de acesso e de oportunidades para mulheres e homens. A SPM também demanda enfaticamente a desagregação das informações por sexo/gênero; pois a adoção de uma linguagem de gênero implica mudanças significativas no universo vocabular dos/as agentes públicos, assim como nas formas as quais se classificam, se agrupam, se posicionam e de como passam a atuar. Classificar por sexo/gênero significa, tanto da perspectiva política como da sociológica, mais do que simplesmente dar nomes, pois a classificação não está inscrita nas coisas; e todo o ato classificatório supõe o poder social e político de instituir ou de excluir, demarcar fronteiras e hierarquias. A SPM também enfatiza que a perspectiva e a linguagem de gênero estejam presentes na implementação de todas as políticas públicas, que sejam incorporadas em todos os níveis e em todas as fases; e por todos os atores implicados nas decisões políticas (ministros, governadores, prefeitos, entre outros). A SPM deve assegurar novas formas de mobilização. Em outras palavras, a SPM, tem elaborado outras ferramentas para atuar e monitorar a realização de políticas. Ao mesmo tempo vem atuado no sentido de propor “novos arranjos institucionais”, como fazer o diagnóstico da efetivação do PNPM. Os PNPMs (2004-2007; 2008-2012; 2013-2015) têm sido o principal instrumento de desenvolvimento e de implementação da política de igualdade; seja através da simples demanda de desagregação de informações e de dados por sexo, seja pela necessidade que os diversos Ministérios têm de registrar/monitorar os recursos/orçamentos destinados nas políticas públicas às mulheres. 4 A estratégia incorporada pela SPM, da transversalidade (mainstreaming), tem por princípio que todas as estruturas do governo e todos os atores sociais do sistema político (partidos, parlamento, OPMs, setores da administração pública etc) adotem a perspectiva de gênero. Isso não significa que as barreiras burocrático-administrativas na indiferenciação política não sejam muitas e fortes. No geral, as políticas públicas vêm mencionando o “enfoque de gênero” como tema transversal, deixando de ser um marcador exclusivo da ação política de grupos feministas, mas envolvendo a presença das mulheres nas políticas públicas. 3. Quais têm sido os principais desafios com os quais se confronta a SPM, designadamente em relação a: transversalidade de gênero, politização da área de gênero, adoção da linguagem de gênero e intensificação nas relações com os OPMs. São vários os desafios para uma política integrada/articulada a nível nacional e também na articulação e coordenação com os OPMS. A incorporação da perspectiva de gênero pelos OPMs ganha características próprias atuando em um campo político-institucional ao apropriarem-se do conceito e traduzi-lo em ações. No geral, as políticas públicas vêm mencionando o “enfoque de gênero” como tema transversal, envolvendo a presença das mulheres nas políticas públicas. Daí a necessidade de compreender um conjunto de significados e concepções refletidas nas relações sociais concretas, que explicam as mudanças e permanências nas relações entre homens e mulheres; que por sua vez permitem compreender os significados sociais das diferenças sexuais em demandas políticas específicas. Outro desafio aos OPMs é de assumir a transversalidade pela perspectiva de gênero na implementação das ações do Plano. Adotar a noção de gênero significa repensar as dicotomias masculino/homem e feminino/mulher; dando atenção à necessidade de discutir as diferenças sexuais com significados sociais diferenciados; de identidade social. Há muitos marcadores sociais significativos: raça, condição sócioeconômica, etnicidade, região, comunidade, geração, religião etc. Todos implicam agrupamentos e interações em políticas mais localizadas. Por exemplo: para definir e implementar políticas e ações, faz-se necessário se apropriar da dinâmica cultural das assimetrias ‘naturais’, seja nas relações de trabalho (divisão sexual do trabalho), seja nas dimensões da vida privada (sexualidades, etc). Diferentes matizes conceituais interpretativos vão marcando a noção de gênero como sendo uma construção que se dá no interior de contextos e situações específicas, em função das experiências e dos conflitos existentes em cada grupo social. Por exemplo: questionar a dimensão universal de pessoa, ou seja, de um sujeito unitário. O peso das estruturas sociais e as normas que organizam tais estruturas que refletem na organização das instituições com suas respectivas políticas (nos contextos das políticas públicas a noção de gênero) ganha usos e itinerários diversos (como por exemplo na saúde, trabalho, desenvolvimento etc). A incorporação da categoria dependerá também da força política (posição de poder) e dos recursos materiais (simbólicos) que os gestores/as têm no sentido de se mobilizarem para incorporação desta perspectiva de gênero. A “adoção” de uma perspectiva de gênero contempla a leitura, o olhar, sobre como o direito trata as relações entre os homens e as mulheres e quais são as repercussões que isto acarreta. 5 A desigualdade de gênero refere-se a inúmeras diferenças, tais como: acesso aos bens sociais, entre homens e mulheres; programas de geração de renda, programas de inserção no mercado de trabalho para jovens etc...(cidadania). No interior mesmo das políticas públicas, as concepções de gênero e de mulher (também de homem) podem operar com sentidos próprios, não sendo contraditórios ou paradoxais, mas basicamente portadoras de especificidades. Este apanhado sobre a categoria de gênero pode indicar as diversas trajetórias e posições institucionais no campo das políticas públicas, não apenas pela inclusão de uma nova linguagem, mas sobretudo pelas diferenças nos usos e nos sentidos dados ao conceito de gênero. A argamassa que aglutina e costura esses diferentes usos e significados é a condição de desenvolvimento, justiça social e de cidadania para as mulheres. Sem dúvida que a incorporação da categoria de gênero, no âmbito das políticas públicas garante, com mais equidade e eficácia, a democratização entre homens e mulheres; para o pleno/amplo exercício da cidadania. Só no exercício da cidadania é certamente possível atingir um desenvolvimento que não seja meramente econômico. Esse alargamento conceitual tem possibilitado maior ampliação da inclusão de populações diversas, uma vez que o termo relações de gênero diz muito mais do que simplesmente a nominação de mulher ou homem; uma vez que a noção de gênero, por si mesma, engendra novas formas de sociabilidade. Por fim, o uso da categoria cria novos espaços de integração e de identidade institucionais, cujos impactos podem ser mensurados sobre a realidade, apesar dos diferentes níveis de elaboração conceitual e mesmo das finalidades diversas de seu uso/emprego, uma vez que a realidade existe não para ser desconstruída, mas para ser transformada.