Economia Criativa e métodos para dar uma mão

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ISSN 2179-1619
Economia Criativa e métodos para dar uma mão ao futuro
Creative Economy and methods to give a little hand to the future
Lala Deheinzelin
Assessora em economia criativa e sustentabilidade pela Enthusiasmo Cultural
Resumo
A Economia Criativa, como aqui proposta, pode ser uma das principais estratégias para o
desenvolvimento sustentável, desde que mudemos nosso modelo mental, adotando uma
perspectiva de futuro. Neste ensaio, compartilhamos alguns conceitos básicos e metodologias
desenvolvidas em nosso trabalho, que se diferencia primeiro por considerar economia criativa
como toda aquela que tem nos intangíveis sua matéria-prima e depois por fazer seu cruzamento
com sustentabilidade e visão de futuro. Os métodos originam-se de práticas realizadas pela autora
em âmbitos tão distintos quanto o desenvolvimento local e a cooperação internacional e o trabalho
com instituições de fomento ou governamentais como o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social, Federações das Indústrias ou a cooperação internacional. Uma vez que o tema
já é complexo, as metodologias são muito simples e apoiam-se em analogias. Neste sentido,
conhecer, gerir e medir o valor dos intangíveis são aspectos fundamentais não apenas para a
economia criativa como também para uma necessária mudança na própria economia. O documento
também fez emergir os principais desafios no presente para a compreensão total do tema. Por fim,
são apresentadas as premissas que norteiam escolhas no presente na construção de futuros
desejáveis.
Palavras- chave: Economia Criativa. Intangíveis. Sustentabilidade. Desenvolvimento. Futuro.
Novas Tecnologias.
Abstract
Creative Economy, as proposed here, can be one of the main strategies for sustainable
development provided that we change our mindsets, adopting a perspective of the future. In this
article, we share some basic concepts and methodologies developed in our work, which is singular
first because it views the creative economy as that whose “raw materials” are the intangibles
assets and second because of its link with sustainability and a vision for the future. The methods
stem from practices conducted by the author in areas as diverse as local development and
international cooperation, moreover working with governments In Brazil and abroad and
development institutions such as BNDES - (National Bank for Social and Economic Development),
federations of industries and international cooperation. Although the topic is quite complex, the
methods are very simple and rely on analogies. In this sense, it is crucial to understand, manage
and measure the value of intangibles, not only for creative economy but also for a necessary
change in the economy itself. The paper also stresses the main challenges for the better
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understanding of the subject. Finally, we present the assumptions that may guide the choices of
the present regarding the designing of desirable futures.
Keywords: Creative economy. Intangible assets. Sustainability. Development. Future. New
technologies.
1 Sobre definições ...Uma economia baseada em recursos intangíveis
Confessando a princípio que nunca chegaremos a uma definição fechada e estaremos
sempre numa “versão Beta”, em processo, gostaria inicialmente de compartilhar minhas
reflexões sobre o próprio conceito do que é Economia Criativa. Penso que ela inclui a
Economia da Cultura, com os setores predominantemente ligados às artes e à cultura
popular (artes cênicas, música, artes visuais, artesanato, etc). Inclui a Indústria Criativa,
com os setores ligados à indústria de conteúdo (TV, cinema, editorial, novas mídia etc) e
aos serviços criativos (design, moda, arquitetura etc). Mas a prática de trabalho com o
tema acaba levando à percepção de que estamos falando de algo maior que isso e hoje ,
quando discuto sobre Economia Criativa, acredito que estamos nos referindo ao conjunto
de atividades que tem como valor ou matéria-prima os recursos intangíveis que, além de
cultura, conhecimento e criatividade, englobam os ativos intangíveis, a experiência, a
diversidade cultural. Tudo aquilo que qualifica e diferencia pessoas, empreendimentos,
comunidades.
A progressiva centralidade do intangível é talvez o ponto central desta época que
estamos vivendo e um contraponto à economia tradicional baseada em recursos naturais,
tangíveis. Estes intangíveis podem ser a diversidade cultural de uma comunidade; o
design de uma indústria; os atributos de marca de uma empresa; as tecnologias
socioculturais de uma ONG. O que há de comum é que o valor é gerado a partir de
recursos intangíveis, razão pela qual a Economia Criativa é tão estratégica para o futuro.
Enquanto os recursos naturais, tangíveis, são escassos e consumidos com o uso, os
recursos intangíveis são abundantes, renovam-se, multiplicam-se com o uso, sendo,
portanto, uma chave importante para a sustentabilidade. Afinal, é bastante lógico que
aquilo que é abundante e não se consome, mas se multiplica com o uso, seja convertido
em prioridade estratégica para empresas e governos.
1.1 A farinha é o bolo? A pérola é o colar?
Que mais poderia explicar a Economia Criativa? Tenho usado metáforas por ser uma
maneira simples de falar deste tema que é muito novo, portanto desconhecido e
complexo. A primeira delas é gastronômica: os elementos que têm potencial para gerar
economia criativa - um design inovador, um produto cultural, uma comunidade com
potencial turístico ou um atributo de marca único - seriam a farinha, o ponto de partida.
Mas a farinha não é o bolo: necessitamos de outros ingredientes - como gestão e
financiamento; divulgação; capacitação etc. - razão pela qual a Economia Criativa é um
processo transdisciplinar e multissetorial, que não pode ser abarcado por uma única
área, ministério, instituição ou carreira universitária. E, mesmo quando temos todos os
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ingredientes, eles ainda não são o bolo: falta a receita e faltam as pessoas e
instrumentos para realizá-la. Isso parece tão óbvio, mas não é. Grande parte dos
processos é feita como se a farinha já fosse o bolo, ou, usando outra metáfora, como se
a pérola fosse o colar.
A metáfora do colar ressalta uma característica fundamental da Economia Criativa: por
ser um processo multissetorial (os parceiros são as outras gemas de nossa jóia...), são
necessários elos para encadeá-los e formar o colar. Estes elos são, primeiramente,
profissionais que possam atuar como conectores entre as várias partes envolvidas. Estes
profissionais, de perfil transdisciplinar, não existem ainda e deveriam ser formados:
agentes locais de nível técnico; intermediários que possam mediar negociações;
consultores capazes de lidar com as várias áreas ligadas à economia criativa (economia,
comércio, cultura, relações internacionais, novas tecnologias). Depois, necessitamos do
envolvimento de instituições que tenham perfil de conectores e atuem como ativadores
de seus entornos. A rede composta pelo Sistema S (SENAI, SESI, SESC, SEBRAE) tem
esse perfil, os organismos multilaterais também, pois conectam o setor público, o privado
e a sociedade civil. Finalmente, para que nossas pérolas e gemas se transformem em
colar, necessitamos instrumentos de trabalho ou instâncias de governança que possam
atuar como elos conectores, juntando tudo isso.
ferramentas
digitais,
onde
a
construção
Aqui entra a grande diversidade de
colaborativa
de
conhecimento
cria
a
convergência de informações - exemplos recentes são os muitos sites para financiamento
colaborativo (crowdsourcing). Além disso, a falta de instâncias de governança para a
economia criativa é um dos nossos maiores gargalos, e muito tempo, conhecimento e
recursos são perdidos pela falta de órgãos que integrem e criem interfaces entre as
várias áreas ligadas à economia criativa. O sucesso da atuação em economia criativa do
Reino Unido, China ou Barcelona está bastante vinculado ao fato de criarem as
instituições que vão atuar como gestores e ativadores do processo.
2. Alguns métodos e suas analogias
2. 1 Primeiro passo: um hardware funciona sem software?
Os temas a seguir fazem parte de alguns dos métodos que utilizamos para trabalhar a
identificação de oportunidades de futuro que a economia criativa oferece para diversos
setores. O primeiro serve como uma espécie de diagnóstico: entender qual é a parte
hardware e qual a parte software em cada instituição ou processo. Isso ajuda a
identificar
desequilíbrios
que
devem
ser
sanados,
potências
não
percebidas
e
oportunidades que delas podem surgir.
Algumas razões pelas quais isso é importante: consideramos como inovação as
tecnologias de fazer coisas, produtos (na China usam o termo hard technologies) mas
não as soft technologies, tecnologias de processos, aprendizado, gestão, criatividade; a
maioria das políticas de fomento é para fazer hardwares: fomentamos a produção de
audiovisuais e estes produtos (o hardware) não tem um processo (o software) que faça
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com que circulem (distribuição) e se saiba de sua existência (divulgação) para que
finalmente possam ser assistidos – o gargalo da circulação e visibilidade é uma questão
para todos os setores da economia criativa. Para os grandes eventos esportivos a ênfase
está em construir estádios, hotéis, estradas (hardware) mas onde estão os softwares
(gestão, educação, conteúdo) para que estes funcionem? Infelizmente há desequilíbrio
entre investir em muitas estruturas e não oferecer processo de gestão e autossuficiência,
o que é recorrente em nossas políticas.
2.2 Negócios software ou mesh
Pensar em termos de hardware e software já nos mostra algumas oportunidades que
surgem a partir da economia criativa, ou seja, do foco nos intangíveis. Cada vez mais os
produtos e serviços serão semelhantes, e aquilo que vai distingui-los é intangível.
Indústrias, por exemplo, terão valor, diferencial e longevidade a partir de seus softwares:
design, reputação, atributos da marca, relacionamento com clientes e comunidade e
outros ativos intangíveis. Isso significa, por exemplo, que poderão ser mais sustentáveis
e ter melhores resultados através do compartilhamento da parte hardware: espaço,
equipamentos, insumos. Esse mesmo raciocínio gera um novo tipo de negócios, que por
serem colaborativos também serão chave para futuros sustentáveis, os negócios “Mesh”
(GANSKY, 2010) - que significa “trama”. São negócios que criam “tramas” unindo
potenciais pré-existentes, ou, usando nossa metáfora acima, aproveitam os hardwares
existentes (como equipamentos, casas ou carros que podem ser compartilhados durante
períodos) e criam processos (os softwares) que permitem este compartilhamento ou
encontram uma nova função para os produtos pré-existentes. O interessante deste
conceito é a percepção de que na verdade necessitamos a função (transportar-se) e não
a forma (o carro), ou, dito de outra maneira, que podemos passar do “ter” ao “usar”.
Em suma, percebo (1) que trabalhar com Economia Criativa é o processo que vai fazer
com que potenciais (nossa farinha ou pérola, os patrimônios intangíveis) possam se
converter em algo (o bolo, ou colar) que possa ser distribuído, desfrutado e gerar renda
e qualidade de vida e (2) que a primeira premissa é a necessidade de profissionais,
instrumentos e instituições que vão atuar como conectores, criando a ação convergente e
integrada em nosso processo e (3) verificar se temos o hardware (a parte tangível,
estrutural, que dá suporte) e o software (a parte intangível, o processo que vai fazer com
que essa estrutura funcione) e quais as oportunidades que surgem a partir da
identificação dos hardwares disponíveis para os quais podemos criar negócios mesh,
outros softwares para otimizar seu uso, nesta lógica do “ ter” ao “usar”.
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2.3 Santo de Casa faz Milagres
Considerar os potenciais pré-existentes é outro dos caminhos importantes no trabalho
com Economia Criativa. Infelizmente fomos treinados a enxergar as carências, ver o que
falta, e não o que temos, quais as potências disponíveis. Em nosso trabalho muitas vezes
chegamos a uma comunidade ou instituição e perguntamos: “O que existe de especial
aqui?” e a resposta é: “nada...”. Aí começa o exercício de identificar potências, de ver
quais os ingredientes que poderão compor nosso colar ou a receita única que vai
distinguir e qualificar.
É por isso que estamos desenvolvendo um método, muito simples, que faz uma releitura
do trágico ditado brasileiro - “O santo de casa não faz milagres”, transformando-o em
“Santo de Casa faz Milagres”. Identificamos as potências (os Santos de Casa); as
alianças e parceiros (quem faz) e os futuros desejáveis compartilhados (os Milagres). A
partir daí podemos traçar caminhos de ação. Para os Santos de Casa (as potências, os
ingredientes do bolo e gemas do colar), trabalhamos com um conceito multidimensional
de riqueza: patrimônios nas quatro dimensões da sustentabilidade (econômico, social,
ambiental e cultural) como detalharemos mais adiante.
Dois efeitos colaterais importantes dessa metodologia: (1) Se considerarmos que há
várias formas de capital (social, ambiental, cultural, financeiro), o capital social - a
capacidade de ação convergente e integrada - é o catalisador para os demais capitais.
Mas, para que alguém se disponha a agir de forma integrada com outro é necessário
confiar nesse outro. E isso não é possível quando não temos noção do próprio valor e
capacidades. Assim, ao identificar as potências, os Santos de Casa, evidenciamos o valor
daquilo que está em questão e criamos as bases para confiança e construção de capital
social. (2) A parte dos Milagres, da visão de futuro desejável compartilhada, traz outro
resultado muito interessante: na maioria das vezes percebemos que todas desejamos um
futuro semelhante e
isto cria um senso de pertencimento e um consenso que facilita
todos os processos que possam conduzir ao futuro desejável, por exemplo a elaboração
de critérios – já que todos estarão de acordo que o eixo que vai orientá-los é o fato de
atenderem ou não à visão de futuro criada coletivamente.
2.4 Sete fases da economia criativa.
Farinha, bolo, receita, software, santos de casa, milagres. O uso de metáforas propõe de
maneira simples como tratar estes temas complexos da economia criativa, para que
possam também ser adequados à aplicação para públicos, contextos e escalas muito
distintos, como é o caso de nosso trabalho. E outra metáfora que tem se revelado muito
prática é estruturar os processos ligados à economia criativa a partir de sete fases
ligadas ao cultivo. Esse paralelo se originou de anos tentando entender o que seria uma
“cadeia produtiva da economia criativa”. Acabei por concluir que a imagem linear da
cadeia produtiva se aplica bem ao que é tangível (o algodão que vira camiseta...), mas
não aos negócios baseados em intangíveis, porque estes são multidimensionais. Também
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ficava evidente que existem etapas antes e depois do momento em que o produto está
pronto, em que se colhem resultados, e que estas etapas muitas vezes não são
consideradas e fortalecidas. Já que aquilo que desejamos é que nossos empreendimentos
deem frutos, a maçã pode ser uma boa metáfora para nosso paralelo...
2.4.1 As sementes: o potencial que vai dar origem ao nosso empreendimento
O que são as sementes? A ideia ou o potencial pré-existente que vai frutificar ao longo
do nosso processo de Economia Criativa. Sementes podem ser a educação para o
empreendedorismo e a criatividade, algo que deveria estar presente tanto na educação
básica quanto na educação continuada, já que há necessidade contínua de reconhecer
talentos. Ou “sementários”: o tempo e o espaço adequados para que as ideias floresçam,
que podem ser estruturados, como incubadoras, ou casuais como o tempo de lazer e
contemplação, o ócio criativo. Sementes são a matriz a partir da qual algo será gerado,
como uma ideia inovadora, um plano diretor, um planejamento estratégico. Ou mesmo o
sonho, o futuro desejável que possa fertilizar o imaginário e alimentar o futuro.
Sementes são as potências, atributos e diferenciais (os tais santos de casa...) que
existem em cada pessoa, instituição, comunidade, país e necessitam contextos e
métodos para serem identificados e terem seu valor reconhecido. Um ponto importante:
muitas vezes pensamos que “penso, logo existo!”, que a boa ideia é tudo. Mas a semente
não é a torta de maçã, da mesma maneira que a criatividade não é inovação: inovação
existirá ao final do processo.
O pensamento prospectivo, pensar o futuro, é chave para alimentar a “inovação da
inovação” e pensando nisso criamos o movimento Crie Futuros que parte da percepção
de que a inovação de fato só é possível quando nos desligamos do campo do possível e
plausível e ousamos entrar no campo do desejável, da imaginação e do sonho. O
plausível está sempre baseado em projeções a partir do presente, e este é reflexo de
pensamentos do passado. Para criar futuros inovadores é preciso muitas vezes romper
com o presente. Exemplo: futuros plausíveis seriam carros elétricos ou menores –
mantém o modelo, não há ruptura. Mas o que queremos, a forma (carro) ou a função
(transporte)? Pensando assim podemos romper modelos e pensar que em vez de
construir calçadas + ruas + carros (ufa!) podemos simplesmente fazer calçadas que
andam, o que aliás já está numa imagem de futuro de 1929.
A visão de futuro é importante, pois a semente mais poderosa é o Propósito – a função, o
“porquê” e “para quê” daquilo que vamos desenvolver. O propósito é o elemento
agregador que vai imantar todas as outras ações. Propósito que faz sentido, que está no
imaginário do coletivo e que, preferentemente, colabora para o bem-estar da maioria é
garantia de maior engajamento de todos e, portanto, de maior êxito no processo.
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2.4.2 Preparar terreno: criando o ambiente favorável.
Esta é uma fase essencial e, muitas vezes, subestimada. Nesta fase se inclui toda a
advocacy, tornar pública e defender a ideia, alimentar a mudança de mentalidade em
relação ao tema. Podemos ter a semente mais fabulosa do mundo, mas se o terreno não
estiver preparado ela vai morrer, nossa macieira não brotará. A advocacy pode ser feita
para grupos estratégicos (como temos feito nos últimos anos em relação à importância
da economia criativa para o desenvolvimento sustentável) ou através de mídia e
instrumentos de comunicação. Essa é uma etapa fundamental e que pode ser feita
enquanto ainda não há estrutura operacional ou recursos para atuação direta com o
tema ou ideia que queremos trabalhar.
Aqui se incluem também os instrumentos legais que criam as condições para que nossa
ideia floresça: políticas de fomento e subsídio; políticas tributárias; arcabouço jurídico e
operacional adequados. Nos últimos anos temos verificado uma crescente necessidade de
revisão de normas e procedimentos: os eixos prioritários de trabalho mudaram, a
velocidade com que temos que realizar coisas aumentou e as normas e procedimentos de
empresas e instituições estão obsoletas. As normas de contratação e prestação de contas
merecem revisão, sobretudo em órgãos que operam com dinheiro público, por exemplo,
ao tratar de maneira similar a contratação de uma empreiteira ou de um consultor. O
resultado da extrema burocracia e dificuldade de processos é que muitos desses órgãos
(talvez a maioria) não conseguem gastar todo seu orçamento anual e vemos técnicos de
alto nível que gastam mais tempo tentando encontrar as maneiras de contratar o que
necessitam do que em seu trabalho técnico.
Preparar terreno é também identificar os parceiros e alianças necessários para que as
outras fases do processo possam acontecer. Cada vez fica mais evidente que o modelo
de competição está sendo substituído por um modelo de cooperação, ou até desta nova
palavra híbrida: “coopetição”- ganhar competitividade através da cooperação. O único
recurso que de fato não é renovável é o tempo e a melhor maneira de ganhar tempo é
através da colaboração, da soma dos recursos e conhecimentos de cada um, do uso
compartilhado de equipamentos e espaços. Quando não há colaboração, tempo, energia
e recursos se escoam no constante “reinventar a roda”: muitas vezes estamos ao lado de
alguém que já tem a solução para nosso problema, mas – se estamos isolados - nunca
saberemos que a “roda” que necessitamos está logo ali...
2.4.3 Manejo: os cuidados até ter o produto
Na seção 2.3.2 identificamos os parceiros, as alianças cuja combinação de recursos,
estruturas e conhecimento (ou seja, de hardwares e softwares) vai alimentar nossa
macieira até que ela dê frutos. Mas para alcançar a sinergia e ação concertada entre os
parceiros são necessárias os “elos da cadeia” citados anteriormente, os profissionais,
instrumentos, instituições e instâncias de governança que serão os conectores e
ativadores de nosso processo para que ele de fato possa ser multissetorial.
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Instâncias de governança são fundamentais, sobretudo porque um dos maiores desafios
da etapa de manejo é a continuidade: soluções para o desenvolvimento sustentável são
sistêmicas e de médio/longo prazo. Nem mesmo uma macieira dá fruto em quatro
anos... Não é possível ter políticas – públicas ou privadas – que mudem quando muda a
gestão. Esse, aliás, é um dos maiores desperdícios do país e segundo Abrantes (2008),
desperdiçamos 150% do nosso PIB.
Outros elementos necessários aqui são novas formas de financiamento necessárias para
fomentar a economia criativa. Primeiro, que possam ter garantias diferentes das
tradicionais - algumas máquinas velhas podem ser garantia para uma editora, mas ter o
Paulo Coelho como autor, não... Depois, na necessidade de que em nossa receita ou
colar exista esta pedra mais do que preciosa que é o investidor, o profissional de
negócios ou empresa que tem capital, enfrenta riscos e conhece gestão (pois não cabe
aos criativos ter também as competências de negócios). Finalmente na capilarização do
acesso ao crédito: a economia criativa é uma economia de nicho, economia da
diversidade: de muitos e diversos empreendedores para muitos e diversos nichos de
consumidores. Essa, aliás, é uma das razões pelas quais é tão estratégica, já que as
pequenas e médias empresas são as maiores responsáveis por geração de emprego.
2.4.4 A colheita: os resultados
A fase anterior e esta são normalmente aquelas às quais estão dirigidas a maior parte
das políticas: são as fases de produção. Mas, como estamos percebendo, as etapas que
vêm antes e depois da produção - e a viabilizam e tornam rentáveis - seguem invisíveis
ou em segundo plano. Na colheita temos o resultado, as maçãs estão maduras.
Um elemento chave aqui é o timing: perdeu o momento, maçãs estragadas; demorou
para pegar a onda, ela passou
- daí a enorme importância de mecanismos ágeis,
especialmente no que se refere à inovação e ainda mais se estamos falando de
atividades ligadas às novas tecnologias, sempre em extraordinária velocidade de
mudança.
Como aproveitar a hora certa? Mais uma vez a questão da colaboração – ninguém
consegue colher um pomar de maçãs sozinho. Já existem muitas formas criativas de
empreender, de arranjos produtivos a coletivos informais e organizados em rede. Um dos
modelos mais fascinantes e completos que conheço é o Circuito Fora do Eixo1, formado
por centenas de jovens organizados em mais de setenta coletivos que inova na forma de
gestão, no uso de dupla moeda complementar (moeda social + moeda “tempo”), na
linguagem. Eles nos dão uma pista importante: para ter uma boa colheita é bom juntar
as diferenças: gerações diferentes, conhecimento formal e informal, presencial e virtual,
criatividade e participação cidadã.
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O que queremos colher, qual o tamanho e as consequências de nossos resultados são
também questões cruciais e que fazem mais uma ponte com o tema da sustentabilidade:
pois esta vai implicar uma revisão do conceito de “crescimento”, já que o planeta não
cresce e, portanto, tampouco nós e nosso consumo podemos crescer indefinidamente.
Como tampouco queremos a estagnação ou o retrocesso. A palavra de nosso
desenvolvimento sustentável talvez não seja “crescimento”, mas sim aprimoramento ou
evolução.
Colher nossas maçãs é uma solução e um problema: elas são iguais – da mesma maneira
que os produtos e serviços serão cada vez mais iguais, em tempos de globalização. Isso
leva para a fase seguinte: temos que usar a diversidade e os atributos intangíveis para
diferenciar nossas maçãs e otimizar seu uso.
2.4.5 Processamento – diferenciando, agregando valor
Essa fase é aquela em que os ativos intangíveis (FINGERL, 2004) têm ainda mais
importância, pois qualificam e diferenciam as maçãs : frutas selecionadas, geleia
orgânica e sem açúcar, torta da padaria, torta de luxo, etc. Marca, marketing, reputação,
design, relacionamento são alguns dos elementos que vão agregar valor à nossa ideia,
tema ou empreendimento.
Esse valor se constrói apoiado na diversidade cultural, que é uma espécie de galinha de
ovos de ouro, pois é dela que podem derivar a qualidade e multiplicidade de experiências
que podemos oferecer com nossas maçãs, ideias e projetos. E cada experiência diversa
conduz a uma possibilidade de nicho de negócios. O século XX foi o século da
homogeneização, da produção em escala, da uniformidade. O século XXI marca a
percepção da importância da diversidade, não apenas da biológica, mas da diversidade
cultural - esse tema ainda pouco compreendido. Valorizar a diversidade cultural é muito
mais do que um gesto simpático com culturas exóticas, é evitar fazer canja com preciosa
galinha de ovos de ouro...
Para garantir a diversidade de experiências e de nichos necessitamos design, muito
design e num conceito mais amplo: design de produtos e processos e, principalmente,
design de ideias. Bruce Mau (2004) considera que designers são todos aqueles que estão
desenhando e planejando nossa relação com o entorno, e gosto particularmente de uma
frase sua que diz: “Não se trata do mundo do design, mas do design do mundo [...]”.
2.4.6 Distribuição e visibilidade: tornando acessível
Essa fase é o problema crônico de todos os setores da Economia Criativa. Isso fica claro
quando verificamos que detém o poder e o mercado quem detém a distribuição: os EUA
não são os maiores produtores de audiovisual do mundo, mas como dominam os
mecanismos de distribuição e visibilidade, seus filmes dominam o mercado. Produzir e
não ter como circular e tornar acessível é o caso clássico de hardware sem software (não
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funciona...) e infelizmente a maioria de nós - governo, empresas, empreendedores
criativos - ainda dedicamos a maior parte de nosso tempo, recursos e energia para
produzir e não para circular. E o curioso é que, se tivéssemos mecanismos de distribuição
e visibilidade, viabilizar a produção já seria quase uma consequência.
A falta de circulação e visibilidade cria uma falsa impressão de escassez e isso vale tanto
para questões básicas – há alimento, dinheiro, energia e água suficientes, o que não há é
uma distribuição – quanto para os vários produtos da economia criativa. A ideia da falta,
da escassez leva de novo a enfatizar a produção em detrimento da distribuição, e eis-nos
presos num círculo vicioso. Criar círculos virtuosos pode ser possível, se otimizarmos o
uso do que já existe, criando circuitos e unindo os pontos e nos dedicarmos mais a tornálos visíveis e acessíveis. Aqui, novamente, o exemplo dos negócios Mesh, citados na
Seção 2.2, traz uma chave.
Distribuição pressupõe capilaridade e para que essa capilaridade seja alcançada um bom
caminho é criar alianças. Exemplo: um grande banco como o BNDES não tem como
atender à diversidade de pequenos empreendedores locais que fazem a riqueza da
economia criativa. Mas podem se associar a instituições, como o SEBRAE ou bancos
comerciais, que tenham a capilaridade necessária.
Quanto a tornar visível, as ferramentas são muitas: os já conhecidos elementos da mídia
e as infinitas formas de comunicação, mais diretas e seletivas, que as novas tecnologias
permitem. Mas de toda maneira, aqui entra em cena aquilo que será talvez O atributo do
futuro, quem sabe até convertido em moeda: a Reputação. Dela depende a capacidade
de atrair; a afinidade com públicos; a confiança e credibilidade que garantem
longevidade. Reputação é a única coisa que não pode ser copiada e é o que pode garantir
que, num mar de opções similares, você ou seu negócio sejam visíveis, desejados e
escolhidos. Ainda mais em um momento em que o público sabe o que quer e o que não
quer, é cada vez menos consumidor, passivo, e mais prosumer (produtor + consumidor),
ativo.
2.4.7 Sistematização e indicadores: aprender com a experiência
Essa fase tanto marca o fim de um ciclo quanto o início de outro, pois dela dependem a
replicabilidade e o aprimoramento dos processos. Aqui nos ocupamos da gestão do
conhecimento produzido nas etapas anteriores, esse patrimônio importantíssimo e não
tão valorizado quanto deveria. Empresas começam a se dar conta que reduzir custos,
trocando seus colaboradores de muito tempo e experiência por aqueles mais jovens,
pode ser uma “des–economia” – o conhecimento e confiança perdidos custam mais que o
dinheiro “economizado”. Uma experiência não sistematizada é um grande desperdício e o
terceiro setor – com sua necessidade de fazer o máximo com o mínimo – tem nos
mostrado o quanto isso é importante.
Os indicadores, relatórios e quadros lógicos de resultados são importantes para avaliar,
monitorar e reorientar nossas atividades. Se nosso objetivo é a melhoria contínua, a
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evolução vai depender de constante adaptação em função do que mostram nossa
sistematização e indicadores.
Nesta fase estão também as novas métricas, os indicadores e formas de avaliar
resultado, que provavelmente vão mudar muito nos próximos anos, passando a incluir
outros tipos de capitais. Quanto mais volátil e inseguro o capital financeiro com suas
bolhas, tanto maior a ênfase nos capitais das outras dimensões: social, ambiental e
cultural, por sua solidez e lastro. Podemos mesmo acreditar que seguiremos tendo frutos
deixando de lado os indicadores que qualificam e seguir medindo intangíveis com a
métrica linear e unidimensional da quantidade?
3. Três infinitos: por que a Economia Criativa é solução para a
sustentabilidade
Uma das razões pelas quais a Economia Criativa é estratégica para o desenvolvimento
sustentável e pode representar uma Economia da Abundância (e não da Escassez como
aquela baseada principalmente em recursos naturais, finitos) é o fato de que ela talvez
envolva não apenas um infinito (os recursos intangíveis), mas três!
Um infinito potencializando o outro... O primeiro é esse dos recursos intangíveis, que
como dissemos não apenas não se esgotam como se renovam e multiplicam com o uso.
Só este fato já deveria fazer com que a economia criativa fosse prioridade estratégica num momento em que o grande impasse é como seguir com ampliação de qualidade de
vida e geração de renda se o planeta é um só. Mas, se os átomos da Terra são finitos, os
bits das novas tecnologias são nosso segundo infinito. Com eles podemos criar muitos
mundos virtuais e infinitas formas de potencializar, conectar, recriar e interagir. E isso
gera nosso terceiro infinito: as infinitas formas com as quais a sociedade em rede se
organiza, produz, reinventa e todas as possibilidade de novas maneiras de produzir e
fazer negócios que derivam destas associações.
O fascinante desta época é que cada um destes “infinitos” ativa o outro, permite que ele
se potencialize, deixe de ser potencial e converta-se em realidade. O infinito 1, dos
recursos intangíveis (cultura, conhecimento, criatividade, experiências) sempre existiu,
claro. Mas as novas tecnologias do infinito 2 criaram as associações com outras áreas e
parceiros que permitem que o potencial se concretize e fizeram com que se tornassem
mais visíveis e acessíveis, “tangibilizando os intangíveis”. A combinação dos dois infinitos
gera o terceiro, aquele das novas formas de organizar pessoas, relações, negócios, enfim
a tal “sociedade em rede”. Mas, para que estes infinitos se combinem, necessitamos
daqueles elos do colar, os “ativadores” que vão atuar como “modems” ou catalisadores,
integrando setores e linguagens, gerando a convergência necessária para uma ação
sistêmica. Se tivermos a coragem de deixar para trás muitos dos modelos (conhecidos e
confortáveis, apesar de equivocados) do século XX, e fizermos as escolhas certas, esse
“trio de infinitos” pode trazer a possibilidade de criar o outro mundo sustentável e justo
que desejamos (e é possível...).
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4. Uma mão para o futuro
Para que isso acontecesse, quais seriam algumas premissas, pontos de partida na
elaboração de políticas, processos e produtos? A seguir, aprofundaremos alguns dos
tópicos descritos anteriormente e, como o logotipo do nosso movimento Crie Futuros é
uma mão, listaremos cinco premissas, ou “dedos” de uma mão que empurra o futuro...
4.1 Um ecossistema socioambiental
É
importante
perceber
que
vivemos
em
um
ecossistema
composto
de
partes
interdependentes. Esta interdependência se dá entre o ambiente, o hardware, que
depende da biodiversidade, e a sociedade, o software que depende da diversidade
cultural. Inclusive, é provável que neste século vejamos surgir uma nova disciplina
(ecologia sociocultural?) que irá trabalhar de forma integrada e sistêmica todas as
demais que se relacionem com o humano - assim como no século XX a ecologia
ambiental avançou como uma maneira de integrar as disciplinas que lidavam com a
natureza.
As duas diversidades – Biológica e Cultural – são patrimônios igualmente importantes e
delas dependem as duas formas de lidar com a economia cuja importância já
enfatizamos - a Economia da Experiência e a Economia de Nicho. Sobre Economia da
Experiência: nossa história teve fases em que o motor da economia estava em matériasprimas, depois produtos, serviços e hoje setores que crescem seis vezes mais que
outros, como turismo ou entretenimento, e têm a experiência como eixo de negócio –
não há consumo ou posse de algo, mas sim o uso, o desfrute. Isso muda tudo e traz
inúmeras oportunidades de sustentabilidade, lembrando que o que diferencia são os
elementos intangíveis: o tipo de experiência que oferece e seus atributos e valores .
Se até o século XX o modelo desejado foi o da Economia de Escala com sua centralização
e homogeneização (poucos, produzindo muito, para muitos) agora vemos que a solução
sustentável está mais no modelo descentralizado, diversificado, a economia de nicho
(muitos, produzindo um pouco, para muitos). Não mais a fábrica fazendo mil bolos iguais
e concentrando poder a quem distribui, mas a padaria da comunidade assando cem, a
confeitaria de luxo produzindo cem, minha tia fazendo mais cem e distribuindo de
bicicleta, os meninos da confeitaria vegan fornecendo mais cem, e por aí adiante. Nesta
passagem da “massa” para o “diverso”, a sociedade em rede traz mudanças estruturais
tão grandes que ainda nem podemos imaginar o alcance... Em vez de ter “O setor” que
traz desenvolvimento, teremos o território com seu mix peculiar e próprio. Em vez de ter
“O resort” teremos multiplicidade de formas de hospedagem, até solidária. Até em
relação a moedas, no futuro é provável que tenhamos várias moedas e não apenas uma
por nação. Todas as novas “economias” – verde, criativa, de nicho, da experiência, da
informação etc – têm na diversidade o seu eixo central , e já nos dão uma pista de que a
economia vai passar por um profundo processo de transformação.
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4.2 Duas coordenadas para se localizar, duas pernas para avançar
Para atuar neste ecossistema socioambiental, produtos e processos deveriam sempre
considerar o tangível e o intangível; o hardware (o que dá suporte) e o software (o que
faz com que o suporte funcione). Exemplo: Olimpíadas e Copa do Mundo. Quase tudo o
que está sendo feito é hardware, estrutura – como os estádios ou estradas. Pouco está
sendo feito de software: gestão, empreendedorismo. Aliás, fazendo o exercício de
classificar as coisas como hardware/estrutura ou software/processo, podemos identificar
desperdício e oportunidades.
Uma das razões do avanço da China é o fato de que
consideram as Soft Technologies (processo, gestão, aprendizado) tanto quanto as Hard
Technologies (a tecnologia para fazer coisas). O Brasil tem muitas Soft Technologies
ainda pouco reconhecidas como inovação e patrimônios; exemplos são nossa capacidade
de adaptação e as tecnologias socioculturais desenvolvidas pelo terceiro setor.
Considerando que há sempre uma interdependência entre as coordenadas tangível e
intangível, podemos buscar sempre o equivalente, a “tradução” de uma mesma ideia na
outra coordenada. Exemplos: sustentável seria fazer uma gestão limpa e renovável tanto
do patrimônio tangível (biodiversidade, recursos naturais) quanto do patrimônio
intangível (diversidade cultural, recursos humanos e sociais). Quem emite muito carbono
pode pagar um crédito para compensar a emissão. Será que não é o caso, quando se
tem, por exemplo, um filme que está passando em 75% das salas de cinema da cidade,
que seja pago um crédito à Diversidade Cultural? Damos muita atenção a não
desperdiçar energia tangível, mas não consideramos o intangível: o “custo desconfiança”
é altíssimo, e ambiente e processos sem confiança resultam em enorme desperdício de
tempo, dinheiro, conhecimento.
Quando caminhamos, uma perna nos apoia e a outra avança. Ao pensar produtos e
processos sustentáveis a perna de apoio está no presente (os modelos e jeitos de fazer
atuais, que já conhecemos e dominamos bem) e outra perna no futuro (ousar,
experimentar, desenvolver novos modelos e maneiras de atuar). Basear-se apenas no
presente como referência é andar para trás, já que o presente é a materialização das
ideias e conceitos do passado - os prédios “futuristas” de hoje são a concretização dos
sonhos de futuro dos anos 20 a 70. A perna que avança para o futuro considera como
modelo a cooperação e não a competição; sabe que no futuro os limites entre linguagens
e setores serão cada vez mais fluídos e, portanto, não podemos atuar e pensar políticas e
projetos só a partir de setores, como acontece nos modelos tradicionais de Indústria
Criativa.
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4.3 Três fases do tempo: passado, presente e futuro
Algo que a economia tradicional tem deixado de considerar, como aponta Veiga (2010), é
que qualquer produto ou processo sempre existe a partir de um legado recebido do
passado - e isso vale tanto para patrimônios e recursos naturais (como petróleo ou água)
quanto para os intangíveis (como os saberes e fazeres). Assim como todo processo ou
produto deixa um legado para o futuro, seja ele positivo ou negativo, tangível (como
resíduos sólidos) ou intangível (como conhecimento a ser sistematizado). Que escolha
faremos no presente para equilibrar o uso do legado recebido do passado e o legado
deixado para o futuro? O que tem acontecido é que nossa visão tem sido imediatista, de
curto prazo, com foco apenas no presente.
Pensar nas três fases do tempo não apenas é parte intrínseca da sustentabilidade como
conduz a modelos de atuação em economia criativa. Nossa metodologia “Santo de Casa
faz Milagres” considera (1) o legado do passado (os patrimônios ou Santos de Casa) (2)
os Milagres – o legado que queremos deixar para o futuro e (3) quem FAZ: os parceiros e
alianças que fazem as escolhas do presente. Vale esclarecer que considerar o passado é
não apenas pensar em inovação mas pensar também em “envelhação”: porque existem
produtos
e
processos
que
devem
ser
mantidos
simplesmente
por
já
serem
suficientemente bons.
4. 4 Quatro dimensões da sustentabilidade
Este é um tema que merece aprofundamento, pois, considerando as quatro dimensões
da sustentabilidade, podemos desenvolver produtos e processos sistêmicos, mais
eficientes e sustentáveis, na sua estruturação, resultados, forma de avaliar. Na
coordenada do tangível, temos as dimensões econômica e ambiental e na coordenada do
intangível temos as dimensões cultural/simbólica e a social. Normalmente achamos que
patrimônio
se
refere
apenas
ao
econômico,
como
investimento,
financiamento,
mercados, permutas, banco de horas, moedas complementares. Mas, também existe
patrimônio na dimensão social: o tecido social, as redes, a representação política,
articulação,
lideranças,
ação
coordenada.
Patrimônios
na
dimensão
cultural:
conhecimento, saberes, reputação, marca, história, linguagens artísticas. E patrimônios
ambientais: não apenas o ambiente natural (biodiversidade, as matérias-primas, nosso
corpo e saúde), mas também o ambiente tecnológico (os espaços, estruturas e
equipamento).
Ao atuar nas quatro dimensões da sustentabilidade e seus patrimônios é interessante
também notar que estamos falando de várias formas de capital: capital humano, capital
intelectual, capital social, capital cultural, capital ambiental. Usamos todo o tempo estas
expressões, mas ainda não reconhecemos que “valor” é mais do que o econômico.
Reputação por exemplo, é um valor que tende a ser dos mais importantes... A crescente
centralidade do intangível provavelmente trará a necessidade de desenvolver indicadores
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multidimensionais de riqueza e resultados, que considerem estes múltiplos capitais, nas
quatro dimensões da sustentabilidade.
4.5 Cinco elementos da (provável) re-invenção da economia
Nestes sete anos trabalhando no desenvolvimento de um modelo de atuação em
economia criativa + sustentabilidade + futuro e observando como os três infinitos citados
na Seção 3 podem de fato ser ativados e cumprir seu potencial de transformação, concluí
que só poderemos de fato avançar quando houver uma espécie de reinvenção da
economia. Como os intangíveis e a sociedade em rede poderão assumir sua centralidade
como catalisadores de um mundo sustentável, se nossas métricas são exclusivamente
quantitativas e econômicas?
Adotar como parâmetros exclusivamente o econômico e
quantitativo é como tentar medir litros com régua. Impossível. Não se pode medir de
forma linear o que é multidimensional, sistêmico. Um tema central para que não
fiquemos presos a modelos do passado é a necessidade de mudar os indicadores de
riqueza e as formas de mensuração e avaliação.
(a) Novas formas de medir riqueza
Da mesma forma que ao nível micro do desenvolvimento local, produtos e processos (e
suas formas de avaliação e mensuração) deveriam ser multidimensionais e ter “capitais”
e “moedas” que correspondam a estas dimensões, o mesmo acontece no nível macro dos
indicadores de riqueza e desenvolvimento que avaliam estados e nações. Já está
bastante claro que o PIB é uma maneira ineficiente de medir riqueza, por exemplo,
porque grandes desastres ecológicos ou guerras contribuem para seu crescimento.
Indicadores que de fato mereçam este nome devem incluir os patrimônios da diversidade
natural e cultural e aqueles ligados ao capital social, como ética, solidariedade e
confiança. Existem muitas propostas, e um exemplo é o já tão conhecido FIB - Felicidade
Interna Bruta, a alternativa do Butão ao PIB.
(b) Valores além da dimensão econômica
Mensurar o intangível é também passar de uma visão exclusivamente quantitativa para
uma visão que inclui o qualitativo. O foco em resultados deve ser ampliado para incluir
avaliação de impactos: verificar o que mudou, que benefícios foram gerados nas outras
dimensões além da econômica. Avaliar resultados de programas de música em
comunidades, como os do Afroreggae, pelo número de músicos que se profissionalizou é
como medir litros com régua. Quanto vale a autoestima de uma comunidade? Quanto
valem as vidas poupadas? Quanto vale acreditar que há futuro? Num Seminário De Crie
Futuros, com tema Novos Bancos e Moedas, a economista e futurista Hazel Henderson
(2009) trouxe dados que ajudam a visualizar melhor o que significam “recursos” nas
quatro dimensões da sustentabilidade. Na dimensão social, ela fez um estudo para
mensurar a Economia da Solidariedade (quanto “valem” os mutirões ou as vizinhas que
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cuidam de nossos filhos enquanto trabalhamos?) e chegou a Us$ 17 trilhões/ano, no
mundo. Na dimensão ambiental, no Green Economy Report, estudo feito para a ONU
(quanto valem os “serviços” prestados pela Terra?) o valor chega a Us$ 34 trilhões/ ano
no mundo. Estes valores somados já ultrapassam a dimensão econômica: são maiores
que o PIB mundial. E isso porque ainda não temos mecanismos para mensurar o “valor”
da dimensão simbólico/cultural com seus enormes patrimônios intangíveis...
(c) Ciclo da água, semelhante ao ciclo do valor?
Seria possível compreender o ciclo da água observando apenas a água liquida? Pois de
forma análoga a prática mostra que talvez exista um ciclo de geração de valor, e a
equação do desenvolvimento sustentável não é apenas econômica. Se cada dimensão
tem seus próprios capitais: capital humano, capital cultural, capital social, capital
ambiental, isso leva a um intercâmbio de moedas ainda pouco reconhecido e estudado. O
investimento feito em capital financeiro (uma bolsa de pesquisa) pode gerar capital
humano (especialização), que por sua vez gera capital tecnológico (uma inovação), que
gera capital ambiental (melhor aproveitamento de recursos) que finalmente se converte
em capital financeiro, fechando um ciclo onde diversas formas de riqueza foram criadas.
Exemplos como os da música no Pará ou audiovisual na Nigéria mostram essa conversão
de “moedas”: a chave do sucesso destes modelos está na distribuição, pois quem vende
os produtos são os camelôs. Neste processo, deixa-se de receber a moeda/dinheiro dos
direitos autorais, mas recebe-se em moeda/reputação, que torna os autores conhecidos
e desejados, ampliando o mercado, que por sua vez gera moeda - inovação constante e
tudo isso cria um processo amplo e dinâmico que ao final gera moeda-dinheiro.
(d)Novas formas de medir e avaliar
Avaliar e medir atividades criativas e culturais requer parâmetros que ainda não foram
desenvolvidos. Por exemplo: a economia da dança é pequena, talvez pela parca soma de
bailarinos, coreógrafos e espetáculos. Mas a economia do “dançar” é muito grande, pois
inclui as
festas
populares
(como o
carnaval);
as
celebrações
(como
festas
e
casamentos); a vida noturna e toda a fitness e seus respectivos equipamentos, espaços,
conteúdos, adereços e etc. Além disso, mapear e mensurar o intangível usando
instrumentos e métodos de medir “coisas” é pouco eficiente. Criando uma analogia, não
mapeamos nuvens da mesma forma que mapeamos montanhas, mas sim estudando seu
comportamento. Para medir o intangível, talvez devêssemos adotar formas mais
semelhantes ao cálculo e estudo do clima – onde se estudam interações e dinâmicas.
(e) O tempo e a produção colaborativa
É interessante perceber que muito do que fizemos como humanidade, até agora, esteve
focado na conquista do Espaço. E, de fato, nós ganhamos o Espaço - mas perdemos o
Tempo. E isso é insustentável. E se o Tempo é o único recurso de fato não renovável,
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como fazer para não perdê-lo ou até ganhar? A produção colaborativa, o criar e trabalhar
a partir daquilo que já existe (potências), os novos modelos que a sociedade em rede
permite são as chaves para multiplicação de tempo, conhecimentos, recursos, qualidade
de vida. O conceito de “excedente cognitivo” de Clay Shirky (2010) mostra o gigantesco
recurso representado pela combinação de horas dedicadas à colaboração. Se a Wikipédia
foi criada com aproximadamente cem milhões de horas de colaboração na Web e temos
um excedente cognitivo de um trilhão de horas/ ano (!!) gastos pelo mundo
passivamente vendo TV, isso representaria
a possibilidade de criar 1.000.000 de
wikipedias por ano !!! Imagine quantas coisas poderemos resolver ”pensando” juntos?
5 Conclusão
Concluindo, a decisão de construir um futuro sustentável a partir da Economia Criativa
implica mudar de modelo mental. Temos operado com visão de curto prazo, resultados
imediatos, e aí de fato os resultados vêm principalmente dos números, da quantidade, do
tangível. Mas em médio e longo prazo, os frutos são garantidos pelo intangível,
qualitativo, justamente por sua capacidade de atrair, consolidar reputação, gerar
inovação, engajar, fidelizar, oferecer estratégias sustentáveis. Esperemos que a
combinação de Economia Criativa e Sustentabilidade possa orientar escolhas do presente
que nos conduzam a futuros desejáveis já que,
pela primeira vez na história da
humanidade, temos conhecimento, recursos e pessoas para torná-los possíveis.
Referências
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Nacional dos Engenheiros, Brasília, DF, ed. 70, mar. 2008. Disponível em:
<http://www.fne.org.br/fne/index.php/fne/jornal/edicao_70_mar_08/brasil_o_pais_dos_desperdici
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FINGERL, Eduardo Rath. Considerando os intangíveis: Brasil e BNDES. 2004. Dissertação
(Mestrado em Engenharia de Produção). - COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, 2004.
GANSKY, Liza. Mesh: network of sharing, 2010. Disponível em: <http://meshing.it>. Acesso em:
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HENDERSON, Hazel. CF Novos Bancos e Moedas, 2009. Disponível em:
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SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. São
Paulo: ZAHAR, 2010
VEIGA, José Eli da. Mundo em transe: do aquecimento global ao ecodesenvolvimento. São Paulo:
Autores Associados, 2009
Currículo Resumido da autora
Lala Deheizelin
Assessora e palestrante internacional, especialista em Economia Criativa e
Desenvolvimento Sustentável, com foco em futuro. Atende instituições e
empresas que liderem processos de desenvolvimento como o BNDES, as
Federações
das
Indústrias,
o
SEBRAE
e
o
CENPEC;
organismos
multilaterais como UNCTAD, PNUD, UNESCO e AECID; governos nacionais
e locais no Brasil e exterior. Proprietária da Enthusiasmo Cultural; criadora
do movimento Crie Futuros; Senior Advisor da Special Unit on SouthSouth Cooperation /UNDP; Membro Executivo do Conselho do Instituto
Nacional de Moda e Design; Fundadora do Núcleo de Estudos do Futuro da
PUC.
Email: [email protected]
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