INSTITUTO OSWALDO CRUZ Mestrado em Biologia Parasitária ESTUDO DA DIVERSIDADE GENÉTICA DO HIV-1 EM INDIVÍDUOS SOROPOSITIVOS DO RIO DE JANEIRO COM DIFERENTES PERFIS DE PROGRESSÃO PARA A AIDS THAYSSE CRISTINA NEIVA FERREIRA LEITE Rio de Janeiro 2012 ii INSTITUTO OSWALDO CRUZ Pós-Graduação em Biologia Parasitária Thaysse Cristina Neiva Ferreira Leite Estudo da diversidade genética do HIV-1 em indivíduos soropositivos do Rio de Janeiro com diferentes perfis de progressão para a Aids Dissertação apresentada ao Instituto Oswaldo Cruz como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Orientador: Drª. Monick Lindenmeyer Guimarães RIO DE JANEIRO 2012 ii Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca de Ciências Biomédicas/ ICICT / FIOCRUZ- RJ L533 Leite, Thaysse Cristina Neiva Ferreira Estudo da diversidade genética do HIV-1 em indivíduos soropositivos do Rio de Janeiro com diferentes perfis de progressão para a Aids / Thaysse Cristina Neiva Ferreira Leite. – Rio de Janeiro, 2012. xvi, 86 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Instituto Oswaldo Cruz, Pós-Graduação em Biologia Parasitária, 2012. Bibliografia: f. 55-70 1. HIV-1. 2. Subtipos. 3. Progressão. 4. Correcepto res. I. Título. CDD 616.9792 INSTITUTO OSWALDO CRUZ Pós-Graduação em Biologia Parasitária THAYSSE CRISTINA NEIVA FERREIRA LEITE ESTUDO DA DIVERSIDADE GENÉTICA DO HIV-1 EM INDIVÍDUOS SOROPOSITIVOS DO RIO DE JANEIRO COM DIFERENTES PERFIS DE PROGRESSÃO PARA A AIDS ORIENTADOR: Drª. Monick Lindenmeyer Guimarães Aprovada em: 28/09/2012 EXAMINADORES: Drª. Ana Carolina Paulo Vicente – Presidente Dr. Jorge Simão do Rosário Casseb Drª. Esmeralda Augusta Jardim Machado Soares Drª. Lívia Melo Villar Drª. Flávia Barreto dos Santos Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2012 iii Este trabalho foi realizado no Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz, FIOCRUZ, sob orientação da Drª Monick Lindenmeyer Guimarães. iv “Querem que vos ensine o modo de chegar à ciência verdadeira? Aquilo que se sabe, saber que se sabe; aquilo que não se sabe, saber que não se sabe. Na verdade é este o saber.” Kung-Fu-Tzu v Agradecimentos Aos meus pais e irmã, por todo amor, carinho, e dedicação ao longo da minha vida. Obrigada por estarem sempre ao meu lado me incentivando na busca dos meus objetivos. Ao Filipe, pelo amor, companheirismo, incentivo, carinho e torcida pelo meu sucesso. À Drª Monick Guimarães, minha orientadora querida, por todo ensinamento no meu início de carreira científica, toda atenção a mim dedicada, pela amizade, paciência e incentivo diário. Muito obrigada por sempre acreditar em mim e por me fazer crescer muito da iniciação científica até hoje. Não canso de repetir: tenho sorte e orgulho em ser sua aluna! À Drª Mariza Morgado, por ter me recebido no Laboratório de Aids & Imunologia Molecular depositando em mim sua confiança, além de ser colaboradora na concepção e desenho do presente estudo. À Drª Sylvia Teixeira, colaboradora do projeto, pelo carinho e prestatividade de sempre, e por ter contribuído bastante com o meu desenvolvimento ao longo desses quase quatro anos no laboratório, além, é claro, da excelente ajuda com as intermináveis tabelas! Muito obrigada Sylvinha, você é 10! À Dayse Campos e Alessandra Coelho, do setor de Estatística e Documentação do IPEC/FIOCRUZ, pela preciosa ajuda com o banco de dados e análises estatísticas. À Bianca, “minha irmã científica”, por ter estado sempre à disposição para me ajudar em qualquer coisa que eu precisasse (qualquer mesmo!), e por me fazer enxergar sempre o lado bom das coisas. Valeu, Bibi! Aos amigos do LabAids, pela parceria, pelos momentos divertidos, pelas trocas de informações e pelo apoio no desenvolvimento deste trabalho. Obrigada por tudo, galera! Às minhas companheiras do Mestrado que dividiram esta caminhada comigo, muito obrigada pela amizade que formamos e pelos vários momentos divertidíssimos! À todos os meus amigos, gostaria de agradecer pela presença na minha vida nesses últimos anos e por compreenderem meus momentos de “sumiço”! Aos membros da banca examinadora, por aceitarem o convite de avaliar este trabalho e assim contribuir com o mesmo. Aos órgãos que contribuíram com o financiamento deste estudo: CNPq e FAPERJ. vi INSTITUTO OSWALDO CRUZ ESTUDO DA DIVERSIDADE GENÉTICA DO HIV-1 EM INDIVÍDUOS SOROPOSITIVOS DO RIO DE JANEIRO COM DIFERENTES PERFIS DE PROGRESSÃO PARA A AIDS RESUMO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Thaysse Cristina Neiva Ferreira Leite A infecção pelo HIV-1 é caracterizada por um período assintomático extremamente variável entre os indivíduos, o que permitiu a descrição de diferentes perfis de progressão para aids, os quais tem sido associados a características específicas do hospedeiro e/ou do vírus, tal como o subtipo viral. Diante do exposto, como o Rio de Janeiro apresenta uma cocirculação dos subtipos B, F1, recombinantes BF1, além da variante B” do subtipo B, e há um suporte do governo quanto a realização dos exames de rotina, o que permite o monitoramento dos pacientes HIV-1 positivos, foi possível a caracterização desses quanto ao perfil de progressão para aids. Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo avaliar a associação dos subtipos de HIV-1 circulantes no Rio de Janeiro com os distintos perfis de progressão e analisar em um subconjunto de pacientes a mudança do uso do correceptor de entrada utilizado pelo vírus em dois momentos distintos da infecção, antes e após a progressão. A casuística deste estudo foi composta por pacientes HIV-1 positivos que de acordo com seu acompanhamento clínico foram classificados nos distintos perfis de progressão para aids: Progressores Rápidos (PR – progressão em até 3 anos), Progressores Intermediários (PI - progridem a partir de 4 anos de infecção) e Não progressores de longo termo (LTNP - mais de 10 anos de infecção sem progressão). A subtipagem das amostras foi realizada a partir da região C2-V3 da gp120 do envelope viral através da análise filogenética pelo método Neighbor-Joining com modelo de substituição de Tamura-Nei, utilizando-se o programa Mega e análise de recombinação pelo método de boostcan do programa Simplot. Das 486 amostras classificadas quanto ao seu perfil de progressão, 285 eram PI, 179 PR e 22 LTNP. Destas, 238 foram caracterizadas quanto ao subtipo, sendo 84,5% pertencentes ao subtipo B (destes 28,9% B”); 9,2% F1; 3,4% C; 1,3% D; 1,3% BF1 e 0,4% CRF01_AE, esta distribuição concorda com a descrita em estudos prévios com indivíduos do Rio de Janeiro. Dos 92 PR, 54,3% foram caracterizados como B, 22,8% B”, 12% F1, 4,3% C, 3,3%D, 1,1% AE e 2,2% BF1. Dos 131 PI, 64,1% pertenciam ao subtipo B, 24,4% B”, 7,6% F1, 3,1% C e 0,8% BF1. Dos 15 LTNP, 60% foram B, 33,3% B” e 6,7% F1. Nossos achados apontam para uma maior porcentagem do subtipo F1 em PR, porém sem significância estatística. Contrapondo-se a outros estudos prévios, não foi verificada associação entre progressão mais lenta e a variante B”. As análises de predição do uso do correceptor foram realizadas para 29 indivíduos. A maior parte dos indivíduos caracterizados como subtipos B, B” e F1 apresentou a forma viral R5 em ambos momentos estudados, no entanto uma alta proporção de vírus X4 (42,9%) foi detectada em indivíduos classificados como B”, fato que corrobora a ausência de associação da variante B” com a progressão mais lenta. No seu conjunto, os resultados deste trabalho reforçam a necessidade de melhor se compreender características virais que possam apontar marcadores de prognóstico para a aids. Palavras-chave: HIV-1, subtipos, progressão, correceptores vii INSTITUTO OSWALDO CRUZ GENETIC DIVERSITY OF HIV-1 SEROPOSITIVES INDIVIDUALS FROM RIO DE JANEIRO WITH DIFFERENT AIDS PROGRESSION PROFILES ABSTRACT DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Thaysse Cristina Neiva Ferreira Leite The HIV-1 infection is characterized by an asymptomatic period highly variable among the individuos leading to a description of different profiles to aids progression, which have been associated with specific characteristics of the host and/or virus, such as viral subtype. Given the above, as Rio de Janeiro city has a a co-circulation of subtypes B, F1, BF1 recombinants in addition to B” variant of subtype B, and there is a government support for routine exames allowing a good clinical follow up of the HIV-1 infected patients, it was possible to characterize them in the distinct aids progression profiles. Therefore, this study aimed to evaluate the association between HIV-1 subtypes circulating in Rio de Janeiro with distinct progression profiles and analyse the shift of the use of the correceptor used by virus in a subset of patients at two differents periods of infection, before and after progression. The subjects of this study consisted of HIV-1 seropositives which were classified according to their profile progression: rapid progressors (RP – less than to 3 years to aids progression), intermediate progressors (IP – progression after 4 years of infection), and long-term non-progressors (LTNP - more than 10 years of infection without progression). The samples subtyping was performed based on the C2-V3 region of gp120 of the envelope viral by using Neighbor-Joining phylogenetic inferences with Tamura-Nei substituition model, in Mega program and recombination analysis by bootscan method in Simplot. From 486 classified samples, 285 were as IP, 179 as RP and 22 as LTNP. From those, 238 were subtype characterized, being 84.5% B (28.9% B"); 9.2% F1, 3.4 % C, 1.3% A, 1.3% and 0.4% CRF01_AE BF1, this distribution goes in agreement with those reported in previous studies with individuals from Rio de Janeiro. From those 92 characterized as RP, 54.3% were classified as B, 22.8% B ", 12% F1, 4.3% C 3.3% D 1.1% and 2.2% AE BF1. From those 131 IP, 64.1% classified as B, 24.4% B”, 7.6% F1, 3.1% C and 0.8% BF1. From those 15 LTNP, 60% were B, 33.3% B” and 6.7% F1. Our findings depicted a higher percentage of sub-subtype F1 in RP, even thought no statistical significance was observed. Distinct to the previous studies, no association between slower progression and variant B" was verified. The coreceptor predition analisys were performed for 29 patients. Most individuals characterized as subtypes B, B” and F1 presented R5 viral form in both periods, however, a high proportion (42,9%) of X4 virus was detected in individuals classified as B”, fact consistent with no association among variant B” and slower progression. Taken together, our results shows the necessity of better understanding the viral characteristics that may reinforce prognostic markers for aids. Key words: HIV-1, subtypes, progression, correceptors viii Lista de Figuras Página Figura 1: Estimativa do número de adultos e crianças infectados pelo HIV no mundo, no período de 1990 a 2010. 2 Figura 2: Estimativa do número de novas infecções pelo HIV e óbitos relacionados à aids no mundo, no período de 1990 a 2010. 2 Figura 3: Distribuição percentual dos casos de aids acumulados por região do Brasil no período de 1980 a 2011. Fonte: MS/SVS/Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Boletim epidemiológico, 2011. 4 Figura 4: Representação esquemática da partícula madura do HIV-1. 5 Figura 5: Representação esquemática do genoma proviral do HIV-1. 6 Figura 6: Representação esquemática da gp120 do HIV-1, demonstrando as cinco regiões conservadas (C1-C5) e as cinco regiões variáveis (V1-V5). 8 Figura 7: Representação esquemática do ciclo replicativo do HIV-1. 11 Figura 8: Distribuição global dos subtipos de HIV-1 e das formas recombinantes circulantes de 2004 a 2007, com destaque para países da África Central. 14 Figura 9: Distribuição dos subtipos e CRFs predominantes do HIV-1 por região geográfica no Brasil. 16 Figura 10: Curso clínico, imunológico e virológico da infecção natural pelo HIV-1. 19 Figura 11: Padrão natural da infecção pelo HIV-1 nos três perfis de progressão para a aids: progressores rápidos, intermediários e não progressores de longo termo. Apresentando os níveis de RNA e contagem de células TCD4 em cada perfil ao longo da infecção. 21 Figura 12: Análise filogenética por “neighbor-joining”, modelo de substituição de Tamura-Nei, do fragmento de 456pb correspondente à região C2-V3 do envelope viral de 163 amostras de HIV-1. 34 Figura 13: Análise por bootscan das amostras PR21764, PI22953 e PR23149 na região C2-V3 do envelope viral. 35 Figura 14: Distribuição dos subtipos encontrados na população estudada (n=238). 36 ix Figura 15: Análise filogenética por “neighbor-joining”, modelo de substituição de Tamura-Nei, do fragmento de 456pb correspondente à região C2-V3 do envelope viral das amostras de HIV-1 subtipadas como B. 38 Figura 16: Análise filogenética por “neigbor-joining”, modelo de substituição de Tamura-Nei, do fragmento de 456pb correspondente à região C2-V3 do envelope viral das amostras de HIV-1 subtipadas como B, onde apenas amostras pertencentes à variante B” foram marcadas. 39 Figura 17: Análise filogenética por “neighbor-joining”, modelo de substituição de Tamura-Nei, do fragmento de 456pb correspondente à região C2-V3 do envelope viral das amostras de HIV-1subtipadas como F1. 40 Figura 18: Análise filogenética por “neighbor-joining”, modelo de substituição de Tamura-Nei, do fragmento correspondente à região C2-V3 do envelope viral das amostras dos indivíduos nos momentos antes (A) e após (P) a progressão. 42 x Lista de tabelas Página Tabela 1: Iniciadores utilizados para amplificação da região gp120 do envelope viral. 27 Tabela 2: Iniciadores utilizados na reação de sequenciamento da região da gp120 do envelope viral. 30 Tabela 3: Dados epidemiológicos dos pacientes classificados de acordo com o seu respectivo perfil de progressão para a aids. 32 Tabela 4: Distribuição dos subtipos de HIV-1 de acordo com os diferentes perfis de progressão para a aids. 37 Tabela 5: Análise estatística entre os principais subtipos e os três perfis de progressão. 37 Tabela 6: Análise da predição do uso do correceptor de entrada com base na região da alça V3 com a utilização dos programas Geno2pheno, webPSSM e Regra das posições 11/25 44 xi Lista de abreviaturas, siglas e símbolos A Arginina aids Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ARV Antirretroviral CA Capsídeo CCR5 Receptor de alfa-quimiocinas 5 CD4 Grupamento de diferenciação 4 cDNA Ácido desoxirribonucléico complementar CRF Forma Recombinante Circulante CV Carga Viral CXCR4 Receptor de beta-quimiocinas 4 DNA Ácido Desoxiribonucléico dNTP Deoxiribonucleotídeo trifostato env Gene que codifica as proteínas do envelope viral FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz G Glutamina gag Gene do grupo antígeno do HIV GALT Tecido Linfóide Associado ao Intestino gp120 Glicoproteína de 120 Kd gp41 Glicoproteína de 41 Kd HIV Vírus da Imunodeficiência Humana HLA Antígeno Leucocitário Humano HSH Homens que fazem sexo com homens HXB2 Isolado Viral do HIV-1 IPEC Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas Kb Kilobase xii LTNP Não progressores de longo termo LTR Terminações Longas Repetidas MA Matriz MgCl2 Cloreto de Magnésio NC Nucleocapsídeo nm Nanômetros P Prolina pb Pares de base PBMC Células Mononucleares do Sangue Periférico PCR Reação em Cadeia da Polimerase PI Progressores Intermediários PM Peso Molecular pol Gene da polimerase do HIV PR Progressores Rápidos R5 Isolado de HIV-1 que utiliza o receptor CCR5 R5X4 Isolado de HIV-1 capaz de utilizar os receptores CCR5 e CXCR4 RNA Ácido Ribonucléico rpm Rotações por minuto RT-PCR Transcrição Reversa seguida da Reação em Cadeia da Polimerase SIV Vírus da Imunodeficiência Símia TBE Tris-Ácido bórico- EDTA TCD4 Linfócitos TCD4 TCD8 Linfócitos TCD8 TR Transcriptase Reversa UDI Usuários de Drogas Injetáveis UNAIDS Programa das Nações Unidas no combate ao HIV/Aids URF Forma Recombinante Única xiii V3 Terceira região variável da gp120 do envelope do HIV-1 X4 Isolado de HIV-1 que utiliza o receptor CXCR4 xiv Índice Página I. Introdução 1.1. Dados epidemiológicos 1.2. O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) 1.2.1. O genoma do HIV 1.2.2. Ciclo de replicação do HIV 1.3. Origem e diversidade genética do HIV 1.3.1. Epidemiologia molecular do HIV-1 no mundo 1.3.2. Epidemiologia molecular do HIV-1 no Brasil 1.4. Caracterização biológica do HIV-1 1.5. Ainfecção pelo HIV-1 e a progressão para a aids 1 4 5 9 11 13 15 17 18 II. Justificativa 22 III. Objetivos 3.1. Objetivo geral 3.2. Objetivos específicos 24 24 IV. Material e Métodos 4.1. Casuística 4.2. Extração de DNA 4.3. Amplificação por “nested” PCR da região da gp120 do envelope viral 4.4. Extração de RNA 4.5. Reação de retrotranscrição e amplificação por “nested” PCR da região C2-V3 do envelope viral a partir do cDNA 4.6. Purificação e quantificação dos produtos de PCR para o sequenciamento 4.7. Reação de sequenciamento 4.8. Análise e edição das sequências 4.9. Determinação dos subtipos virais 4.10. Predição dos correceptores CCR5 e/ou CXCR4 4.11. Análises estatísticas V. Resultados 5.1. Identificação dos pacientes nos três perfis de progressão para aids e análise dos seus dados clínicos e epidemiológicos 5.2. Caracterização dos subtipos virais 5.3. Análise da distribuição dos subtipos nos distintos perfis de progressão 5.4. Análise temporal quanto ao uso do correceptor de entrada VI. Discussão 6.1. Identificação dos perfis de progressão para a aids 6.2. Caracterização molecular e distribuição dos subtipos no Rio de Janeiro 6.3. Análise da distribuição dos subtipos nos perfis de progressão xv 25 26 27 28 28 29 29 30 30 31 31 32 33 36 41 47 48 50 6.4. Análise temporal do uso do correceptor de entrada utilizado pelo vírus 51 VII. Conclusões 54 VIII. Referências Bibliográficas 55 xvi I. Introdução 1.1. Dados epidemiológicos O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) é o agente etiológico da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) (Coffin et al., 1986). A pandemia de aids é considerada uma das mais importantes das últimas décadas, sendo caracterizada como um grande problema de saúde mundial e socioeconômico, principalmente em países em desenvolvimento, pois acomete majoritariamente a população economicamente ativa (Aids Epidemic Update, UNAIDS, 2009). Dados da UNAIDS revelam que no ano de 2010 cerca de 34 milhões de pessoas estavam infectadas pelo HIV no mundo, sendo 17% mais do que em 2001 (Figura 1). Deste total, 2,7 milhões de novos casos foram identificados em 2010. O número de pessoas que foram a óbito por causas relacionadas à aids nesse mesmo ano foi de 1,8 milhões, o que demonstra um decréscimo em comparação aos dados de 2,2 milhões registrados na metade da década de 2000. A prevalência dos casos de HIV̸AIDS no mundo nos últimos anos tendeu a estabilização devido a significante expansão do acesso à terapia antirretroviral pela população. Entretanto, o número de novas infecções continua elevado, devido ao crescimento da população mundial e à redução da mortalidade ao longo dos últimos anos (Figura 2) (World Aids Day Report, UNAIDS, 2011). No início da epidemia, a maioria dos casos de aids estava relacionada a “grupos de risco” tais como homossexuais/bissexuais e usuários de drogas injetáveis. Porém, esse perfil de transmissão do HIV vem se modificando com expansão significativa entre indivíduos heterossexuais, logo, houve um aumento do número de casos de transmissão em mulheres e consequentemente, crianças. A África Subsaariana continua sendo a região mais afetada pela epidemia, onde concentra 2/3 dos casos de aids no mundo, cerca de 22,9 milhões de pessoas infectadas, sendo 1,9 milhões de novos casos em 2010. Cerca de 1,5 milhões de pessoas infectadas encontram-se na América Latina, dentre as quais, 100.000 foram infectadas em 2010. Nesse mesmo ano, aproximadamente 67.000 pessoas morreram por causas relacionadas à aids nessa região (World Aids Day Report, UNAIDS, 2011). 1 Figura 1: Estimativa do número de adultos e crianças infectados pelo HIV no mundo, no período de 1990 a 2010. Fonte: World Aids Day Report, 2011, UNAIDS Figura 2: Estimativa do número de novas infecções pelo HIV e óbitos relacionados à aids no mundo, no período de 1990 a 2010. Fonte: World Aids Day Report, 2011, UNAIDS 2 Dentre os países da América Latina, o Brasil concentra cerca de 1/3 dos portadores de HIV. Entre os anos de 1980 a 2011, foram notificados 608.230 casos de aids acumulados no país e cerca de 241.469 óbitos relacionados. Em 2010, 34.218 novos casos foram identificados, e observamos uma taxa de incidência nacional de 17,9 casos por 100.000 habitantes (Boletim Epidemiológico, 2011). Dados do Ministério da Saúde de 2011 indicam uma tendência à estabilização da taxa de incidência no Brasil ao longo dos últimos 12 anos. Porém, é importante frisar que o número de casos notificados no país não se distribui de forma homogênea entre as regiões. A região Sudeste é a mais acometida sendo responsável por mais da metade dos casos de aids notificados acumulados (56,4%), seguida pela região Sul (20,2%), Nordeste (12,9%), Centro-Oeste (5,8%), e por último a região Norte (4,7%) (Figura 3). De acordo com o perfil de cada região, observa-se um processo lento de estabilização da incidência nas regiões Sudeste e Sul, acompanhado mais recentemente pela região Centro Oeste, já as regiões Norte e Nordeste mantém uma tendência de crescimento da incidência de casos. Assim como descrito para epidemia mundial, no Brasil verifica-se um aumento na transmissão heterossexual; uma estabilização da transmissão homo/bissexual e uma importante redução na transmissão por uso de drogas injetáveis. De acordo com o boletim epidemiológico de 2011, a razão de sexo vem diminuindo ao longo dos anos, iniciando com 40 homens para cada mulher com aids no ano de 1983, e chegando a 1,7 homens para cada mulher no ano de 2010 (Boletim Epidemiológico, 2001). Vale ressaltar que o Brasil continua sendo uma referência entre países em desenvolvimento por oferecer acesso gratuito aos medicamentos antirretrovirais para os indivíduos infectados; e implementar um programa de redução de danos com medidas preventivas como a distribuição de preservativos e seringas; e campanhas de conscientização da população. Como resultado dessa política de prevenção da aids, as taxas de transmissão reduziram, assim como a mortalidade, o que contribui no controle da epidemia e em um aumento da expectativa de vida das pessoas com HIV/AIDS no país. 3 Figura 3: Distribuição percentual dos casos de aids acumulados por região do Brasil no período de 1980 a 2011. Fonte: MS/SVS/Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Boletim epidemiológico, 2011. 1.2. O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) O HIV é um retrovírus pertencente à família Retroviridae, a qual possui a enzima transcriptase reversa capaz de retrotranscrever seu genoma de RNA em DNA; e ao gênero Lentivirus (Coffin et al., 1986), que se caracteriza por produzir infecções crônicas no hospedeiro, além de danos em seu sistema imune (revisto por Roquebert et al., 2009). A partícula viral (Figura 4) madura apresenta simetria icosaédrica, com aproximadamente 110nm de diâmetro. O envelope corresponde à camada mais externa do vírus e se origina da bicamada lipídica da célula hospedeira durante o brotamento dos vírions e apresenta as glicoproteínas gp120 e gp41. Essas glicoproteínas codificadas pelo gene do envelope (env) desempenham um importante papel nas etapas de adsorção, fusão membranar e posterior entrada na célula hospedeira (Goto, Ashina, Nakai, 1994; revisto por Goto, Nakai, Ikuta, 1998). Internamente ao envelope viral, encontramos a matriz (MA) formada pela proteína p17 codificada pelo grupo antígeno específico, gene gag. Essa proteína é essencial para a integridade do vírion e participa na maturação da 4 partícula viral pela incorporação das glicoproteínas do envelope no vírion maduro (Rubbert et al., 2005). O capsídeo viral (CA) é constituído pela proteína p24 e apresenta forma cônica (Marx, Munn, Joy, 1988). Envoltos pelo capsídeo encontram-se o nucleocapsídeo (NC), as enzimas virais (protease, transcriptase reversa e integrase) e as proteínas acessórias, as quais estão intimamente ligadas às duas fitas de RNA. Capsídeo Nucleocapsídeo Matriz gp41 Envelope Integrase Figura 4: Representação esquemática da partícula madura do HIV-1 destacando as camadas estruturais, assim como as proteínas que as compõe e as enzimas (transcriptase reversa, protease e integrase). Fonte: http://celulando.blogspot.com 1.2.1. O genoma do HIV O HIV, como todo retrovírus, possui um genoma constituído de duas fitas de RNA similares de polaridade positiva, cada uma com aproximadamente 9,7kb de tamanho, contendo sequências de leitura abertas que codificam as diversas proteínas virais (revisto por Goto et al., 1998). O genoma do HIV apresenta nove genes: gag, env (codificam proteínas estruturais) e pol (codifica as enzimas virais que são comuns a todos os retrovírus); tat e rev (genes regulatórios) e vif, vpr, vpu e nef (genes acessórios, no caso do HIV-1) 5 (Figura 5). Na extremidade 3’ e 5’ do genoma proviral do HIV são encontradas repetições terminais longas denominadas de LTR (Long terminal repeats), onde estão localizadas as principais sequências promotoras para a transcrição dos genes virais. As regiões LTR não codificam proteína, mas exercem funções importantes como participação na retrotranscrição, promovendo a interação do RNA molde com o cDNA e participação na integração com o genoma hospedeiro (Cherrington, Ganem, 1992; revisto por Freed et al., 2001). Figura 5: Representação esquemática do genoma proviral do HIV-1. As proteínas codificadas pelos genes gag, pol e env também encontram-se representadas. Fonte: http://www.liquidarea.com. O gene gag (grupo antígeno específico) é o primeiro gene, localizado na terminação 5’ do genoma do HIV. As proteínas codificadas a partir desse gene são sintetizadas de uma poliproteína precursora de 55kD, denominada p55. Durante, ou logo após a liberação de novas partículas virais, a protease cliva essa poliproteína em quatro proteínas estruturais: p17 (matriz – MA), p24 (capsídeo – CA), p7 (nucleocapsídeo – NC) e p6 (revisto por Freed et al., 2001). As principais funções dessas proteínas são: formar a estrutura funcional do vírus, proteger o material genético viral e as enzimas necessárias à replicação, empacotamento do RNA viral, direcionar as partículas nascentes para a superfície da célula hospedeira, estimular a liberação de 6 novas partículas virais, entre outras (Gottlinger et al., 1989; Yu et al., 1992; Huang et al., 1995; revisto por Freed et al., 2001). O gene pol (polimerase) codifica uma poliproteína precursora p160 gag/pol a qual é clivada pela protease gerando as enzimas virais: protease (PR - p10), transcriptase reversa (RT - p66/p51) e integrase (IN - p31), que estão envolvidas nos processos de maturação, retrotranscrição e integração ao genoma viral, respectivamente. A sequência do gene pol não possui um códon de iniciação, assim, não pode ser traduzida independentemente. Ela é então traduzida fusionada a gag, formando um precursor gag-pol. A protease, oriunda do gene pol, cliva o polipeptídeo pol, separandoo de gag, sendo então uma proteína indispensável na produção da partícula madura (revisto por Freed, 2001). O gene env (envelope) codifica uma poliproteína precursora, a gp160, que é traduzida no retículo endoplasmático da célula hospedeira e é encaminhada para o Complexo de Golgi, sendo glicosilada e clivada por proteases celulares em gp120 (superfície) e gp41 (transmembranar). Essas glicoproteínas desempenham um importante papel nas etapas de adsorção e fusão do vírus à célula hospedeira (Goto, Ashina, Nakai, 1994; revisto por Goto, Nakai e Ikuta, 1998). A gp120 contém determinantes que interagem com o receptor CD4 e correceptores, enquanto a gp41 ancora o complexo gp120/gp41 na membrana, além de conter domínios importantes para catalisar a reação de fusão entre a bicamada lipídica viral e do hospedeiro durante a entrada do vírus (Caffrey et al., 1998; Chan et al., 1997). A glicoproteína gp120 reconhece e interage com o receptor CD4, promovendo a adsorção do vírus à superfície da célula hospedeira. Além do CD4, essa glicoproteína reconhece e se associa a receptores de quimiocinas CCR5 e/ou CXCR4. Essas interações promovem mudanças conformacionais tanto na gp120 quanto na gp41, levando à exposição do peptídeo de fusão da gp41 e consequente fusão do envelope viral à membrana da célula hospedeira (Clapham, Weiss, 1997; Chan e Kim, 1998; revisto por Berger, Murphy e Farber, 1999; revisto por Freed et al., 2001). A gp120 é o principal contato entre o vírus e a célula hospedeira, sendo composta por cinco regiões constantes (C1 a C5), que geralmente são semelhantes entre os diferentes subtipos virais, e cinco regiões variáveis (V1 a V5) (Figura 6). Dentre as regiões variáveis, os domínios V1 e V2 são interligados através de pontes dissulfeto, formando a alça V1/V2. As demais regiões variáveis, V3, V4 e V5, formam alças independentes (Cicala, Arthos e Fauci, 2010). A região da terceira alça 7 hipervariável (V3) é constituída por 35 aminoácidos e é conhecida por codificar os principais determinantes de especificidade do uso do correceptor (De Jong et al., 1992; revisto por Chandramouli et al., 2012). Assim, variações genéticas nesta região podem estar relacionadas com o uso diferencial de correceptores pelos vírus, tal como a presença de aminoácidos básicos nas posições 11 e/ou 25 que tem sido associada com o uso do correceptor CXCR4 (Fouchier et al., 1992; De Jong et al., 1992). Estudos recentes têm mostrado que algumas características da região da gp120 do HIV-1 podem estar correlacionadas com a velocidade de progressão para a aids, tais como: o comprimento das regiões variáveis; diversidade total de aminoácidos e número de sítios de glicosilação (PNGs) (Derdeyn et al., 2004; Rong et al., 2007; Archary et al., 2010). Figura 6: Representação esquemática da gp120 do HIV-1, demonstrando as cinco regiões conservadas (C1-C5) e as cinco regiões variáveis (V1-V5). Em destaque, o topo da alça V3 onde se encontra a substituição da prolina pelo triptofano, que distingue a variante B” do subtipo B comum. Fonte: Adaptado a partir de Leonard et al., 1990. Os genes regulatórios e acessórios estão envolvidos em diversos fenômenos que têm como objetivo aumentar a capacidade replicativa viral. Os genes regulatórios tat e rev codificam proteínas reguladoras que se acumulam no núcleo e unem-se a regiões 8 específicas do RNA viral. A proteína Tat é um potente ativador da transcrição, pois tem como principal função promover a fosforilação da RNApol II do hospedeiro, aumentando os níveis de transcritos virais no interior da célula (revisto por Freed et al., 2001). O gene acessório rev produz um fator de exportação nuclear que facilita a exportação dos transcritos virais do núcleo para o citoplasma da célula, permitindo assim a tradução e expressão das proteínas estruturais (revisto por Delgado, 2011). Os genes acessórios codificam proteínas importantes para a replicação viral e infecção. A proteína Vif é uma proteína citoplasmática que apesar de não ser necessária para montagem e liberação dos vírions, parece ser importante para transmissão do vírus célula-célula e na geração de vírus plenamente infecciosos (Strebel et al., 1987). Vif interage com a proteína de defesa antiviral da célula humana, APOBEC3G, cancelando seu efeito (revisto por Delgado, 2011). As principais funções da proteína Vpr incluem a estimulação da expressão gênica (Cohen et al., 1990); e transporte do complexo viral pré-integração ao núcleo imediatamente depois da entrada do vírus na célula, o que diferencia o HIV-1 da maioria dos retrovírus (revisto por Delgado, 2011). Vpu é uma proteína de membrana que tem como principal função promover a liberação dos novos vírus (revisto por Strebel, 2003). Recentemente, foi descrita uma função de Vpu similar a de Vif, inibir a ação de um fator de restrição novo chamado “Tetherin”, este tem a função de impedir a liberação de partículas virais (revisto por Delgado, 2011). A proteína Nef tem sido alvo de diversos estudos já que participa de funções diversas, além de ser a maior proteína acessória. Nef induz a regulação negativa da expressão do receptor CD4 e de moléculas de HLA classe I na superfície das células infectadas (Collins et al., 1998), o que pode representar um mecanismo de escape importante ao evadir um ataque mediado por células TCD8+; promove aumento da infectividade viral, modulando vias intracelulares de ativação, e mantendo assim, altos níveis de replicação viral no hospedeiro (revisto por Geyer, Fackler, Peterlin, 2001). 1.2.2. Ciclo de replicação do HIV O ciclo de replicação do HIV é dividido em diversas etapas, e proteínas virais e celulares estão envolvidas nesse processo. As principais etapas desse complexo ciclo serão descritas a seguir. 9 A infecção pelo HIV-1 tem início com a entrada do vírus na célula hospedeira. Esse processo se dá pela adsorção das partículas virais na superfície de células do sistema imunológico que expressam o receptor CD4, através da interação da glicoproteína do envelope viral gp120 com este receptor. A molécula CD4 é o principal receptor para o HIV-1 e está presente em células como linfócitos T auxiliares, monócitos/macrófagos, células dendríticas, células da micróglia do sistema nervoso central (revisto por Gomez e Hope, 2005). Além do receptor CD4, a gp120 reconhece e se associa a receptores de quimiocinas, CCR5 (expresso em macrófagos e células dendríticas) e/ou CXCR4 (expresso em células T), que servem como correceptores para a entrada do vírus na célula (Clapham, Weiss, 1997). Após essas ligações, ocorrem mudanças conformacionais na gp120 e na gp41, levando a exposição dessa última, ocorrendo então à fusão entre o envelope viral e a bicamada lipídica da célula hospedeira. Como consequência, ocorre a entrada do vírus na célula (Sattentau et al., 1993). O conteúdo do capsídeo é, então, liberado no citoplasma (Leavitt et al. 2004) (Figura 7). Uma vez no citoplasma, o capsídeo sofre um processo de dissociação estrutural e o RNA genômico e as enzimas virais são liberadas na célula. Em seguida, a enzima transcriptase reversa promove a síntese de uma molécula de DNA a partir do RNA viral. Ao mesmo tempo, a enzima RNAseH é necessária para degradar o RNA do híbrido DNA-RNA. A síntese da fita de DNA complementar é realizada pela atividade DNApolimerase RNA dependente da transcriptase reversa. O DNA viral é transportado ao núcleo, e pela ação da enzima integrase ele é integrado ao genoma do hospedeiro. Após essa integração, o genoma passa a ser conhecido como provírus. Esse provírus tem uma tendência de manter-se no estado latente na célula infectada sem produzir vírus até ser ativado por um determinado evento mitogênico. Quando a célula é ativada, através do uso da maquinaria biossintetizadora da célula (Frankel, Young, 1998), ocorre a transcrição do RNA viral, a síntese de proteínas, a montagem e a liberação de novas partículas de HIV-1, que irão sofrer maturação pela enzima protease (Freed, 2001). 10 Figura 7: Representação esquemática do ciclo replicativo do HIV-1. Fonte: Adaptado de Peterlin e Trono, 2003. 1.3. Origem e classificação genética do HIV A hipótese mais aceita para a origem do HIV baseia-se na transmissão zoonótica a partir de lentivírus de primatas, ou seja, o SIV (Vírus da Imunodeficiência Símia) teria sido transmitido ao homem através do contato com fluidos de primatas não-humanos infectados com esse vírus. Tanto o HIV-1 quanto o HIV-2 são oriundos de eventos distintos de introdução na população humana. O HIV-1 apresenta relação filogenética com o SIVcpz (infecta chinpanzés Pan troglodytes troglodytes) e HIV-2 com o SIVsm (infecta macacos Sooty mangabey). Foi demonstrado que regiões africanas de ocupação natural dos chipanzés Pan troglodytes troglodytes coincidem com áreas onde os grupos de HIV-1 já foram encontrados; assim como regiões habitadas por macacos Sooty mangabey coincidem com regiões endêmicas para o HIV-2, corroborando evidências de transmissão zoonótica (Gao et al., 1999; revisto por Alaleus et al., 2000; revisto por Hahn et al., 2000). 11 O HIV-1 é responsável pela pandemia de aids e o HIV-2 é endêmico em alguns países da África e menos patogênico que o HIV-1 (Clavel et al., 1986; Alaeus et al., 2000). Uma das características mais marcantes do HIV é a alta variabilidade genética. Essa diversidade está relacionada a diversos fatores como: os mecanismos de replicação viral, a biologia do vírus e os mecanismos de defesa do hospedeiro (Wei et al., 1995adicionar). O HIV apresenta uma alta taxa de produção viral, com cerca de 109 novos vírus gerados por dia, o que potencializa os diversos mecanismos descritos a seguir. A prédisposição natural ao erro da enzima transcriptase reversa (TR) pela ausência de mecanismos de correção no momento da transcrição do RNA viral em DNA, leva a incorporação de substituições, deleções e inserções de nucleotídeos na ordem de 10-5 (Roberts et al., 1988; Zhang et al., 2010). A susceptibilidade aos eventos de recombinação também é um importante mecanismo que contribui para o aumento da variabilidade genética do HIV (Robertson et al., 1995). Este é um processo comum aos retrovírus, devido a existência de duas fitas de RNA em um mesmo compartimento e pela capacidade da TR em se transferir de uma fita de RNA para outra durante a retrotranscrição. No HIV-1, ocorre uma média de três saltos da TR entre as fitas de RNA durante esse processo (Yu et al., 1998). A recombinação pode ocorrer entre genomas do mesmo subtipo, entre dois ou mais subtipos e até entre grupos diferentes de HIV-1 (revisto por Steain et al., 2004). O HIV-1 é classificado, com base no genoma completo, em quatro grupos distintos geneticamente, com diferentes introduções de primatas não-humanos para humanos: M (Major, majoritário), O (Outlier), N (Novo, não-M e não-O) e P (Simon et al., 1998; Roques et al., 2004; Ayouba et al., 200; Plantier et al., 2009). O grupo M é o mais prevalente no mundo, e devido a sua variabilidade genética, é classificado filogeneticamente em nove subtipos: A-D, F-H, J e K (Robertson et al., 2000). Os subtipos A e F são ainda divididos em sub-subtipos: A1-A5 e F1-F2 (Gao et al., 2001; Meloni et al., 2004; Triques et al., 1999; Vidal et al., 2006). A variabilidade genética varia de acordo com a região genômica avaliada, podendo chegar a 35% entre os distintos subtipos na região do envelope viral (revisto por Korber et al., 2001). 12 Além dos vários subtipos virais, os eventos de recombinação entre os diferentes subtipos levam a geração de formas recombinantes circulantes (CRFs) e formas recombinantes únicas (URFs). Tanto para a descrição de um CRF como para um grupo ou subtipo, é necessário que sejam sequenciados pelo menos dois genomas completos e um parcial de vírus obtidos de indivíduos distintos e não relacionados epidemiologicamente. No caso de um novo CRF, essas três sequências devem apresentar o mesmo padrão de recombinação ao longo do genoma (Robertson et al., 2000). Os URFs também são formas recombinantes entre subtipos, porém, são encontrados em apenas um indivíduo infectado. Os genomas recombinantes são atualmente responsáveis por pelo menos 20% das infecções por HIV-1 no mundo (revisto por Hemelaar, 2011). Até o momento já foram descritas e depositadas no banco de Los Alamos 51 CRFs (Hemelaar, 2011; HIV Sequence Database, 2012). 1.3.1. Epidemiologia molecular do HIV-1 no mundo A distribuição global dos subtipos é altamente heterogênea (Figura 8). Um estudo recente analisou a distribuição dos subtipos em diferentes países no período de 2004 a 2007 e comparou com os dados do período de 2000 a 2003 (Hemelaar et al., 2006). Uma tendência à estabilização da distribuição dos subtipos foi observada, apesar de um aumento no número de CRFs (Hemelaar et al., 2011). O subtipo C é responsável por cerca de 50% das infecções pelo HIV-1 no mundo. A África Subsaariana é a região mas acometida pela epidemia e contém cerca de 65% dos casos, sendo o subtipo C responsável por mais da metade dessas infecções. Esse subtipo é o mais prevalente em países com altas taxas de infecção, que inclui os países da África Subsaariana, Índia e China (Sengupta et al., 2005; Hemelaar et al., 2006; revisto por Hemelaar et al., 2011). Os subtipos A, B, CRF02_AG, CRF01_AE, G e D são responsáveis por 12, 11, 8, 5, 5 e 2% das infecções, respectivamente. Já os subtipos F, H, J e K, representam uma menor prevalência, juntos, causam menos de 1% das infecções no mundo (Hemelaar et al., 2011). A África Central apresenta a maior diversidade de subtipos e recombinantes, e é considerada o epicentro da epidemia global. 13 Figura 8: Distribuição global dos subtipos de HIV-1 e das formas recombinantes circulantes de 2004 a 2007, com destaque para países da África Central. Os gráficos em formato de pizza representam a distribuição dos subtipos e formas recombinantes em cada região. A superfície relativa de cada gráfico corresponde ao número relativo de indivíduos infectados pelo HIV-1 em cada região. Fonte: adaptado de Hemelaar, 2012. O subtipo B apresenta uma ampla distribuição, sendo prevalente na Europa, nas Américas do Norte e Sul incluindo o Caribe, e na Austrália (Hemelaar et al., 2011). Esse subtipo é o mais estudado por ser o mais difundido, e por predominar nas epidemias de países desenvolvidos. A América Latina abrange cerca de 5% das infecções mundiais e os países com maiores prevalências são o Brasil e Argentina. Nessa região há uma intensa circulação dos subtipos B (principal), C, F1 e recombinantes BF1 (Hemelaar et al., 2006; revisto por Hemelaar et al., 2011). O sub-subtipo F1 está presente na maioria dos países da América Latina: Argentina (Aulicino et al., 2007), Bolívia (Velarde-Dunois et al., 2000), Uruguai (Hierholzer et al., 2002) e possui maior prevalência no Brasil (Morgado et al., 1994; Morgado, 1998). É importante ressaltar que a maioria dos casos F1 encontram-se na sua forma recombinante BF1 (Barreto et al., 2006, Guimarães et al., 2012; Delgado et al., 2010; Hierholzer at al., 2002; Aulicino et al., 2012), e destas, destacamos os CRF_12BF e CRF17_BF encontrados da Argentina, Paraguai e Uruguai 14 (Carr et al., 2001; Aguayo et al., 2008; Bello et al., 2010; Aulicino et al., 2011) e mais recentemente foi encontrado o CRF38_BF no Uruguai (Ruchansky et al., 2009). A alta variabilidade genética do HIV-1 pode ter grande impacto na progressão para a aids, transmissão, diagnóstico, resposta à terapia antirretroviral, resposta imune e portanto, no desenvolvimento de vacinas (Hemelaar, 2011). 1.3.2. Epidemiologia molecular do HIV-1 no Brasil A epidemia molecular de aids no Brasil é representada predominantemente pelo subtipo B, seguido pelos subtipos F1 e C, além dos recombinantes BF1 e BC (Potts et al., 1993; Morgado et al., 1994; Louwagie et al., 1994; Vicente et al., 2000; Guimarães et al., 2002; Morgado et al., 2002; Brindeiro et al., 2003; Couto-Fernandez et al., 2005; Brigido et al., 2011) (Figura 9). Também já foram descritos no país casos de infecções pelos subtipos D, A e CRF02_AG (Morgado et al., 1998; Couto-Fernandez et al., 2006; Caride et al., 2000; Pires et al. 2004, Machado et al., 2009; Cardoso et al., 2010). A região Sul apresenta um perfil de distribuição de subtipos diferente do restante do país, onde verifica-se uma alta proporção do subtipo C, principalmente nos estados de Santa Catarina (50-80%) e do Rio Grande do Sul (30-45%) apresentando-se como subtipo predominante (Brindeiro et al., 2003; Brigido et al., 2007; Locateli et al., 2007; Simon et al., 2010; Rodrigues et al., 2010; revisto por Bello et al., 2012), seguido do subtipo B e recombinantes BC (principalmente CRF31_BC) e baixa prevalência de F1 (Guimarães et al., 2002; Soares et al., 2005; Santos et al., 2006). O Paraná ainda apresenta uma proporção maior do subtipo B (50-70%), seguido pelo subtipo C (2030%) e recombinantes BC (~15%) (Ferreira et al., 2008; Silva et al., 2010; Toledo et al., 2010; Raboni et al., 2010). A região Sudeste apresenta a maior prevalência de casos de aids do país e segue o padrão molecular descrito para maior parte do território nacional, com subtipo B predominante (75-80%), seguido do sub-subtipo F1 (10-15%), recombinantes BF1 (4 a 10%), e em menor proporção pelo subtipo C (2-5%) (Tanuri et al., 1999; Cabral et al., 2006; Morgado et al. 1998, Pires et al., 2004; Sanabani et al., 2011; Sabino et al., 1994; Brindeiro et al., 2003; Sá Ferreira et al., 2007; Barreto et al., 2006). Já foram descritas no Brasil, cinco CRFs BF1, todos na região Sudeste: CRF28_BF, CRF29_BF, 15 CRF39_BF, CRF40_BF CRF46_BF (De Sa et al., 2006; Guimarães et al., 2008; Sanabani et al., 2010). Casos isolados do subtipo D, bem como recombinantes BD, CRF02_AG e A também já foram encontrados nessa região (Cabral et al., 2006; Caride et al., 2000; Eyer-Silva e Morgado 2007; Morgado et al., 1998; Pires et al., 2004; Tanuri et al., 1999; Varella et al., 2008; Delatorre et al., 2012). Figura 9: Distribuição dos subtipos e CRFs predominantes do HIV-1 por região geográfica no Brasil. Fonte: Atualizado a partir de Morgado et al., 2002 Através da caracterização do envelope viral de amostras do subtipo B no Brasil foi possível descrever a existência de uma variante desse subtipo tipicamente brasileira, denominada B”. Essa variante é caracterizada pela presença do aminoácido Triptofano (W) na posição 16 do topo da alça V3 da gp120 do envelope (Potts et al, 1993;Morgado et al., 1994; Covas et al., 1998), em substituiçãoao aminoácido Prolina (P) comum aos isolados de subtipo B predominante nas Américas, inclusive Brasil, e na Europa. Essa mudança de aminoácidos causa alterações na estrutura secundária da alça V3 nesses isolados (Morgado et al., 1996). A variante B” do subtipo B representa cerca de 40 a 60% das sequências B e já foi encontrada em todas as regiões do Brasil (Machado et al., 2009; Veras et al., 2007; Morgado et al., 1996); exceto o Sul, pois até o momento não existem estudos de caracterização da região do envelope viral nesta região geográfica. A 16 figura 4, que representa a estrutura da gp120, destaca na alça V3 a posição da troca de aminoácidos que caracteriza a variante B”. 1.4. Caracterização biológica do HIV-1 Características relacionadas com o perfil biológico do HIV-1 permitem classificar os isolados virais de acordo com o uso preferencial dos receptores de quimiocinas e tropismo celular. Os vírus com capacidade de utilização somente do correceptor CCR5 são denominados R5; os que utilizam o correceptor CXCR4 são chamados X4; e aqueles com capacidade de utilizar simultaneamente os correceptores CCR5 e CXCR4 são denominados vírus R5X4 (Berger et al., 1999; revisto por Thielen et al., 2010). Os vírus R5 são menos patogênicos e infectam predominantemente células TCD4+ ativadas e macrófagos; já os vírus X4 têm como alvo células TCD4 em repouso e apresentam alto poder replicativo e alta patogenicidade (Fouchier et al., 1992; Alkhatib et al., 1996; revisto por Franca et al., 2011). Estudos demonstram que, em geral, os vírus R5 predominam na infecção aguda, enquanto que os vírus X4 emergem, em cerca de 40-50% dos infectados, somente no estágio mais avançado da infecção, sendo correlacionados com a progressão acelerada para a doença (Berger et al. 1999; Brumme et al., 2005; revisto por Thielen et al., 2010). A dinâmica da transição que determina o surgimento dos vírus X4 a partir da infecção primária por vírus X5 tem sido amplamente estudada. Mutações na alça V3 da gp120 do envelope viral, tais como: a substituição de resíduos negativamente carregados por outros de carga positiva ao longo da alça; e variações em aminoácidos específicos das posições 11 e 25, parecem influenciar na mudança do uso do correceptor CCR5 para CXCR4 pelos vírus durante a infecção (Revisto por Coetzer et al., 2006). Além do V3, outras regiões como V1V2 e C4 também parecem ser importantes (Hartley et al., 2005; Pastore et al., 2006). A interação vírus-correceptor é atualmente um alvo importante de drogas antirretrovirais. Desta forma, a determinação do tipo de correceptor utilizado pelo vírus para penetrar na célula é de extrema importância para que a eficácia do tratamento seja monitorada. 17 1.5. A infecção pelo HIV-1 e a progressão para a aids A infecção pelo HIV-1 ocorre através do contato de um indivíduo não-infectado com o sangue, sêmen ou outros fluidos corporais de um indivíduo infectado. Aproximadamente de duas a quatro semanas após essa exposição, inicia-se a fase de infecção primária (fase aguda), que se caracteriza por altos índices de replicação viral (> de 107 cópias de RNA/mL de plasma) e consequente disseminação do vírus para os linfonodos e sangue periférico. Como consequência dessa alta replicação viral, ocorre uma dramática depleção do número de linfócitos TCD4+ (Pantaleo e Fauci, 1996; revisto por Moir, Chun e Fauci, 2011). Nos linfonodos, o vírus replica-se rapidamente e atinge outros tecidos linfoides, particularmente o tecido linfoide associado ao intestino (GALT), podendo atingir um pico de mais de 20 milhões de cópias por mililitro de plasma por volta do 14º-21º dia de infecção (Piatak et al., 1993). Estima-se que durante a fase primária, cerca de 50 a 90% dos indivíduos infectados apresentem sintomas que geralmente incluem febre, fadiga, faringite, dor de cabeça entre outros que se assemelham a uma gripe e tem duração de uma semana ou mais (Cohen, Kinter, Fauci, 1997; Walensky et al., 2001). Em resposta à infecção ocorre um aumento significativo de células TCD8+ no sangue periférico, apontando assim para um papel importante dessas células na tentativa de controle inicial da replicação viral (Barouch et al., 2000; Borrow et al., 1994; Koup et al., 1994). Após esta fase inicial, a viremia plasmática começa a declinar até atingir o chamado “set point” viral, marcando o início da fase crônica (assintomática) da infecção. Consequentemente, há a recuperação do número de linfócitos TCD4+ que se mantém estável ou sofre um declínio gradual (Cohen et al., 1997). Nesta fase, a maioria dos indivíduos se mantém assintomática (longo período de latência clínica), porém, os níveis de viremia embora baixos, não são totalmente controlados (Pantaleo e Fauci, 1996) (Figura 10). Os mecanismos responsáveis pela habilidade do vírus em escapar da resposta imune ainda não são bem entendidos. Um dos fatores que parecem contribuir na elucidação dessa questão, é a propensão do HIV em gerar populações variantes virais dentro de um mesmo indivíduo que podem não ser reconhecidas pelo sistema imune (Brander, Frahm, Walker, 2006; Walker et al., 2008; revisto por Archary et al., 2010). Após um período de geralmente três a dez anos, como consequência do efeito citopático do vírus sobre as células infectadas e de mecanismos imunológicos que 18 causam a destruição destas células, como a apoptose e citotoxidade, ocorre uma perda considerável de células TCD4+ (atingindo níveis inferiores a 200 células/mm³). A resposta de linfócitos HIV-específicos é geralmente perdida e anticorpos neutralizantes são raramente detectados. Concomitantemente, ocorre um novo aumento da replicação viral culminando com os sintomas da chamada fase de aids. Portanto, esta síndrome se caracteriza por uma imunossupressão acentuada, tornando o indivíduo infectado susceptível às infecções oportunistas, neoplasias secundárias e manifestações neurológicas (Cohen, Weissman, Fauci,1999; Kahn et al., 1998; revisto por Alcamí e Coiras, 2011). Apesar de a terapia antirretroviral promover um aumento da sobrevida dos portadores de HIV/Aids no mundo, é importante destacar que os indíviduos infectados evoluem para o óbito. Figura 10: Curso clínico, imunológico e virológico da infecção natural pelo HIV-1. Fonte: Adaptado de Poignard, Klasse e Sattentau, 1996. A duração do período de latência clínica, entre a fase aguda e a fase de aids, é bastante variável e diferentes perfis de progressão para a doença foram descritos (Pantaleo e Fauci, 1996; revisto por Casado et al., 2010). Esses perfis tem sido associados a fatores relacionados ao perfil genético e imunológico do hospedeiro e à características inerentes ao vírus. A grande maioria dos indivíduos infectados (70-80%) apresenta um perfil típico de progressão para a aids, levando de quatro a dez anos para atingí-la, sendo 19 denominados progressores intermediários (Pantaleo e Fauci, 1996; revisto por Langford et al., 2007; Casado et al., 2010). Nesses indivíduos, após a infecção primária, ocorre um longo período de latência clínica e, apesar da falta de sintomas, há uma replicação persistente do vírus e uma perda progressiva de células TCD4+. Uma porcentagem significativa dos indivíduos infectados (10-15%) evolui para a aids em até três anos após a infecção aguda, sendo denominados progressores rápidos. Nesses indivíduos, o período de latência clínica pode estar ausente ou ser muito breve. Mesmo após a queda inicial, os níveis de viremia podem aumentar rapidamente, e isso se deve ao ineficiente controle imune no início da infecção (Pantaleo e Fauci 1996; revisto por Langford et al., 2007;Casado et al., 2010). Por outro lado, uma pequena fração dos indivíduos infectados (até 5%), denominados não-progressores de longo termo (LTNP, “long term non progressors”), permanece, mesmo na ausência de tratamento, clinicamente assintomática e com altos valores de células TCD4+ (>500 células∕ mm³) por mais de dez anos de infecção. A contagem de células TCD4+ nesses indivíduos permanece estável por vários anos, apresentam baixos níveis virológicos, há também uma preservação do tecido linfóide e da função imune (Easterbrook, 1994; Pantaleo e Fauci, 1996; revisto por Langford et al., 2007) (Figura 11). Existe também uma sub-população de indivíduos pertencentes ao grupo dos LTNPs que são capazes de manter a carga viral abaixo do limite de detecção (<50 cópias de RNA/mL no plasma). Esses indivíduos são denominados controladores de elite (EC, “elite controllers”). 20 Figura 11: Padrão natural da infecção pelo HIV-1 nos três perfis de progressão para a aids: progressores rápidos, intermediários e não progressores de longo termo. Apresentando os níveis de RNA e contagem de células TCD4 em cada perfil ao longo da infecção. Fonte: Adaptado de Langford, 2007. 21 II. Justificativa A infecção pelo HIV se caracteriza pela existência de um período de latência clínica (período assintomático) entre a infecção aguda e a fase de aids, sendo este altamente variável. Diversos estudos buscam uma possível influência de fatores virais, genéticos e imunológicos do hospedeiro na taxa de progressão para a aids. A genética do hospedeiro tem sido reconhecida como um determinante que afeta a susceptibilidade à infecção pelo vírus e a progressão para a doença. Por exemplo, indivíduos que são homozigotos para o alelo CCR5-Δ32 (gene com deleção de 32 pares de base) são protegidos contra a infecção pelo HIV-1 (Liu et al., 1996), enquanto que indivíduos em heterozigose apresentam uma progressão mais lenta para a doença (Michael et al., 1997; Ioannidis et al., 2001; Pantaleo et al., 1997). Outro marcador importante são os alelos HLA classe I, importantes na apresentação de antígenos. Os alelos HLA-B*27 e HLAB*57 são associados a uma progressão lenta para a aids (Kaslow et al., 1996; Hendel et al., 1999; Altfeld et al., 2003). Uma progressão mais rápida é conferida pelo HLA-B*35 (Gao et al., 2001). Entretanto, a influência de características virais na progressão para a aids ainda é controversa. Alguns estudos conduzidos com indivíduos apresentando o mesmo background genético já relataram possíveis diferenças de progressão entre indivíduos infectados por diferentes subtipos de HIV-1. Estudos realizados em países da África demonstraram uma possível relação entre o subtipo D e a progressão mais acelerada para a aids em relação ao subtipo A (Kaleebu et al., 2001 e 2002; Baeten et al., 2007; Kiwanuka et al., 2008; Easterbrook et al., 2010). Fato corroborado em um estudo realizado em 2007 em Uganda, na África, onde foi observado uma maior número de aminoácidos carregados positivamente na alça V3 da região env acarretando numa alta proporção de vírus X4 em indivíduos infectados pelo subtipo D em relação aos infectados pelo subtipo A (Korber et al., 1994; Kaleebu et al., 2007). Essa emergência precoce de vírus que utilizam o correceptor CXCR4 pode estar relacionada com o rápido declínio de células TCD4+ e rápida evolução para a aids em infectados pelo subtipo D. Estudos demonstraram que indivíduos infectados pelo subtipo C utilizam majoritamente o correceptor CCR5 e que possuem uma menor eficiência de replicação em macrófagos e linfócitos TCD4+ em relação aos outros subtipos, fatores estes que têm sido relacionados a uma progressão mais lenta para a aids (Ping et al., 1999; Casper et al., 2002; Cilliers et al., 2003). Coetzer e colaboradores sugeriram que para a troca do uso 22 do correceptor na infecção pelo subtipo C, mais mutações seriam necessárias na região do envelope em comparação a outros subtipos (Coetzer et al., 2011). Em um estudo de metanálise realizado em 2012, foi relatado que dentre os principais subtipos circulantes no mundo, os subtipos B, D e C são mais patogênicos do que os subtipos G, AE e AG, e o subtipo A foi considerado o menos agressivo de todos (Pant Pai et al., 2012). Estudos conduzidos no Brasil demonstraram uma progressão mais lenta nos indivíduos infectados pela variante B” em relação ao subtipo B (Santoro-Lopes et al., 2000; Casseb et al., 2002; De Brito et al., 2006; Araujo et al., 2010) e ainda o uso exclusivo do correceptor CCR5 por essa variante (Leal et al., 2008). Apesar destes estudos terem nos fornecido conhecimento a respeito desta temática, alguns destes utilizaram ensaios sorológicos com peptídeos sintéticos para subtipagem, que são menos sensíveis do que os ensaios moleculares podendo resultar em falso-positivos. Estes ainda possuem tempo de acompanhamento reduzido e ausência de dados importantes para categorização quanto aos perfis de progressão. Além disso nenhum dos estudos realizados até o momento incluíram amostras do sub-subtipo F1. Diante deste panorama, é possível concluir que os subtipos de HIV-1 apresentam características genéticas específicas que podem refletir na patogênese da infecção. Como o Rio de Janeiro apresenta uma cocirculação dos subtipos B, F1, recombinantes BF1, além da variante B” do subtipo B, e há um suporte do governo quanto a realização dos exames de rotina, o que permite o monitoramento dos pacientes HIV-1 positivos, nos possibilitou a caracterização desses quanto ao perfil de progressão para aids. Neste sentido, o presente estudo pretende contribuir para a compreensão de características virais que posam influenciar na progressão para a aids. 23 III. Objetivos 3.1. Objetivo geral Avaliar a associação entre os subtipos do HIV-1 circulantes no Rio de Janeiro com os distintos perfis de progressão para a aids e com o uso do correceptor de entrada na célula. 3.2. Objetivos específicos ü Classificar os indivíduos HIV-1 positivos nos distintos perfis de progressão para a aids; ü Subtipar as amostras dos indivíduos HIV-1 positivos pertencentes aos três grupos estudados; ü Correlacionar o subtipo viral com os diferentes perfis de progressão para a aids; ü Analisar a mudança do uso do correceptor de entrada utilizado pelo subtipos virais circulantes no Rio de Janeiro em dois momentos da infecção, antes e após a progressão. 24 IV. Material e métodos 4.1. Casuística Este é um estudo retrospectivo onde os 3840 indivíduos HIV-1 positivos acompanhados pelo Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas/IPEC-FIOCRUZ, no período de 1988 a 2011, tiveram seus dados clínicos e epidemiológicos avaliados visando a classificação dos mesmos nos distintos perfis de progressão para aids. Estes dados foram disponibilizados em um banco de dados fornecido pelo Setor de Estatística e Documentação do IPEC e analisados de forma conjunta com membros deste setor e do Laboratório de AIDS Imunologia Molecular/IOC. A classificação dos pacientes nos distintos perfis de progressão para a aids (Rápidos, Intermediários e Não progressores de longo termo) foi baseada nos seguintes eventos definidores de aids: contagem de linfócitos TCD4+ <350 células/mm³; presença de doença definidora de aids segundo o ministério da saúde brasileiro; início ao tratamento antirretroviral (ARV) ou óbito relacionado à aids. Também foi indispensável a data da primeira sorologia positiva para todos os pacientes, e a data da sorologia negativa no caso do Progressores Rápidos. De acordo com esses critérios, os pacientes foram classificados como: Progressores Rápidos: indivíduos HIV-1 positivos que progrediram para a aids em até 3 anos após a infecção. Neste caso era indispensável que este possuísse a data da última sorologia negativa e o intervalo entre a mesma e a sorologia positiva fosse de no máximo três anos. O ponto médio entre essas datas foi adotado com a data da provável infecção. Progressores Intermediários: indivíduos HIV-1 positivos que progrediram para a aids a partir de 4 anos de infecção. Para este caso não foi indispensável que o indivíduo apresentasse data de sorologia negativa, quando tínhamos este dado, o mesmo critério de ponto médio foi adotado para a provável data de infecção. Na ausência de sorologia negativa, foi adotada a data de seis meses antes da sorologia positiva como data da provável infecção. Não progressores de longo termo (LTNPs): indivíduos HIV-1 positivos com todas as contagens de linfócitos TCD4+ >500 células/ mm³, sem uso ARV e sem doença definidora de aids por mais de 10 anos de infecção. Os critérios para a provável infecção foram os mesmo adotados para os Progressores intermediários. 25 Dos 3840 pacientes, 3243 não puderam ser classificados, desses, 282 apresentavam menos de 10 anos de acompanhamento e sem evolução para a aids até 2010, data de corte de análise do banco. Os demais (2961) não foram classificados pelos seguintes fatores: - menos de dois ou nenhum exame de contagem de linfócitos TCD4+ antes do evento definidor de aids; - data da provável infecção até a data aids condizente com perfil de progressão rápida, porém sem data da sorologia negativa; - tempo entre a sorologia positiva e negativa maior que três anos; - evento definidor de aids entre três e quatro anos – visto que foi aceita a inclusão de pacientes que possuíssem até três anos entre a sorologia negativa e a positiva, e que a data de provável infecção era o ponto médio entre estas datas. Achamos mais prudente excluir estes indivíduos da classificação por estarem no tempo limite entre os perfis de progressores rápidos e intermediários. Esse projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas/FIOCRUZ sob o parecer número 16/2008. As amostras biológicas utilizadas neste estudo foram coletadas no âmbito da rotina de contagem de células TCD4+ e Carga Viral do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular - IOC/FIOCRUZ, nos meses de outubro e novembro de 2008, setembro de 2009 e março de 2011. 4.2. Extração de DNA O DNA proviral foi extraído a partir do sangue total, por método cromatográfico (colunas de sílica), utilizando-se o kit de extração QIAamp DNA Blood Mini Kit (Qiagen, Alemanha) conforme instruções do fabricante. O DNA extraído foi identificado e estocado a -20ºC. 26 Amplificação por “nested” PCR da região da gp120 do envelope 4.3. viral Com a finalidade de caracterizar o subtipo viral dos indivíduos, o DNA extraído foi submetido à técnica de “nested” PCR para a amplificação da região gênica C2-V3 da gp120 do envelope viral. Essa técnica consiste na utilização de dois pares de iniciadores utilizados em duas reações subsequentes. Para a amplificação da região escolhida foram utilizados os iniciadores externos ED5/ED12 e os internos ED31/ED33 (Tabela 1). Os reagentes utilizados na primeira reação de PCR para cada amostra foram: 10µl do Tampão 5X da Enzima; 5µl de MgCl2 25mM; 0,6µl de dNTP 25mM; 0,5µl de cada iniciador na concentração de 25pmol/µl e 33,4µl de água DEPC. A essa solução adicionamos 5µl de DNA de cada amostra e 0,25µl da enzima GoTaq DNA Polymerase a 5U/µl (Promega, EUA). Para a segunda reação foram transferidos 5µl do produto da primeira sob um volume de 50µl de reação. A concentração dos reagentes foi a mesma da primeira reação. As reações foram realizadas no termociclador Gene AMP PCR System 9700 (Applied Biosystems, EUA) com a seguinte ciclagem de PCR: 3 ciclos de 97°C por 1 min, 55°C por 1min, 72°C por 2 min seguindo-se de 32 ciclos de 95°C por 45 seg, 55°C por 1 min, 72° por 2 min e uma extensão final de 72°C por 10 min. Para verificar se ocorreu amplificação do fragmento alvo, foram aplicados 5µl do produto da segunda reação de PCR com 1µl do corante Azul de Bromofenol em gel de agarose a 1%, este foi corado com brometo de etídeo e foi submetido à eletroforese por uma hora e meia a 80V, utilizando o TBE 1X como tampão de corrida. O fago ΦX174 digerido com a enzima Hae III foi utilizado como padrão de peso molecular, deste aplicamos1,5µl no gel. Tabela 1: Iniciadores utilizados para amplificação da região da gp120 do envelope viral primers ED5 - ED12 ED31 - ED33 Sequência nucleotídica ATGGGATCAAAGCCTAAARCCATGTG AGTGCTTCCTGCTGCTCCCAAG CCTCARYCATWACACARGCYTGTCCAAAG TTRCARTAGAAAAATTCYCCTC 27 Tamanho Posição genômica do relativa ao HXB2 fragmento 6557 - 7543 986pb 6817 - 7381 564pb 4.4. Extração de RNA Um subconjunto de amostras foram avaliadas quanto a predição do uso do correceptor, para esta análise dois momentos, antes e após a progressão para aids foram obtidos. As amostras de plasma do momento antes da progressão,foram submetidas à centrifugação em microcentrífuga (Eppendorf) a 14000 rpm por 1 hora à temperatura de 4ºC para que houvesse concetração do RNA, aumentando a eficiência da retrotranscrição subsequente. A extração do RNA plasmático foi realizada através do kit QIAamp Viral RNA Mini Kit (Qiagen, Alemanha) conforme instruções do fabricante. O material extraído foi identificado e estocado a -70ºC até sua utilização. 4.5. Reação de retrotranscrição e amplificação por “nested” PCR da região C2-V3 do envelope viral a partir do cDNA A reação de retrotranscrição foi realizada utilizando-se o protocolo da enzima M-MLV. Para esta reação utilizamos um iniciador específico (ENV04AS) para região envelope viral ao invés de um random primer. Para que houvesse a desnaturação do RNA, uma solução foi preparada contendo 1µl do iniciador ENV04AS a 4pmol/µl; 1μl de dNTPs 10mM e 10µl do RNA extraído a partir do plasma, aquecida a 65ºC por 5 minutos e colocada imediatamente no gelo para evitar formação de estruturas secundárias nesta molécula. Em sequência, foram adicionados a essa solução 4µl do tampão da enzima M-MLV; 2μl de DTT 0,1M, 1μl do inibidor de RNAase 40U/μl e 1µl da enzima M-MLV a 200U/μl. As reações de retrotranscrição ocorreram em termociclador nas seguintes condições: 25ºC por 5 minutos, 37ºC por 90 minutos e 70ºC por 15 minutos para a reação de acorrer. Após a retrotranscrição, 5 µl do cDNA foram submetidos ao mesmo protocolo de “nested” PCR descrito anteriormente, onde um fragmento de 564pb foi amplificado para a região C2-V3 do envelope viral. 28 4.6. Purificação e quantificação dos produtos de PCR para o sequenciamento Os produtos de PCR amplificados foram purificados utilizando-se o kit IllustraTM GFXTM PCR DNA and Gel Band Purification com colunas de purificação (GE Healthcare), seguindo as instruções do fabricante. Para a quantificação do produto purificado, aplicamos no gel de agarose (2%, corado com brometo de etídeo) 2µl do produto purificado juntamente com 1µl do corante Azul de Bromofenol. Submetemos essas amostras à eletroforese a 80V por duas horas utilizando o tampão de corrida TBE1X. Utilizamos 2µl do Low DNA Mass Ladder como padrão de peso molecular (PM). Este padrão apresenta bandas de 100, 200, 400, 800, 1200 e 2000 pb que correspondem a 5, 10, 20, 40, 60 e 100 ng de DNA, respectivamente. Após a corrida, a intensidade das bandas das amostras foram comparadas com as bandas do padrão, assim, estimamos a concentração em nanogramas/µl, do produto purificado para posterior utilização na reação de sequenciamento. 4.7. Reação de Sequenciamento Após a purificação e quantificação, esses produtos foram submetidos à reação de sequenciamento utilizando-se o kit BigDye Terminator v3.1. Utilizamos 1µl do BigDye, 1,5µl do tampão de diluição 5X, 1µl do iniciador a 5pmol/µl e a essa solução adicionamos de 60 a 100ng da amostra purificada. Para completar a reação para um volume final de 10µl, foi adicionada água Mili-Q. Os iniciadores utilizados no sequenciamento da região env (gp120) foram: ED31/ED33/ES7/ENV04AS (Tabela 2). A termociclagem consistiu em 25 ciclos de 96°C por 10 seg, 50°C por 5 seg e 60°C por 4 min. Os produtos sequenciados foram precipitados com Isopropanol 75% (80µl por amostra). A placa foi incubada protegida da luz por 15min e então centrifugada a 4000rpm por 45min. Após a centrifugação, a placa foi vertida para que o Isopropanol fosse removido e o excesso retirado através da centrifugação da placa invertida a 900rpm por 1 min. A placa então foi completamente seca a 75°C por 5 min e mantida protegida daluz, até o dia em que foram submetidas ao sequenciamento. Previamente a submissão ao sequenciador, as amostras foram resssuspensas em 10µl de formamida Hi-Di (Applied Biosystems, EUA), aquecidas em 29 termociclador por 5 min a 95ºC, e então colocadas imediatamente no gelo. As amostras foram sequenciadas no sequenciador automático ABI Prism 3100. Tabela 2: Iniciadores utilizados na reação de sequenciamento da região da gp120 do envelope viral primers Sequência nucleotídica Sentido CCTCARYCATWACACARGCYTGTCCAAAG ED31 SENSO ES7 SENSO CTGCTGTTAAATGGCAGTCTAG ED33 ANTI-SENSO TTRCARTAGAAAAATTCYCCTC 4.8. Análise e edição das sequências Após o sequenciamento automático de cada amostra, os cromatogramas gerados foram visualizados e editados utilizando-se o pacote de programas DNASTAR 4.00 (DNASTAR Inc., EUA). Através do uso do software SeqMan 4.00, as sequências geradas foram alinhadas e editadas manualmente gerando uma sequência consenso correspondente à região amplificada. O alinhamento das sequências de nucleotídeos foi realizado através do programa ClustalX do programa MEGA 5.0 - Molecular Evolutionary Genetic Analysis (Kumar, Tamura, Nei, 2011). As sequências editadas foram alinhadas juntamente com sequências de referência correspondentes aos diferentes subtipos de HIV-1 obtidas do banco de dados de Los Alamos (http://hiv-web.lanl.gov) para posterior análise filogenética para a determinação do subtipo viral e análise de predição do uso dos correceptores. 4.9. Determinação dos subtipos virais A análise filogenética para a determinação do subtipo de HIV-1 foi realizada utilizando o programa MEGA 5.0 (Kumar, Tamura, Nei, 2011) utilizando os arquivos correspondentes aos alinhamentos. O método de análise utilizado foi o método de distância de agrupamento de vizinhos (Neighbor-Joining), com método de correção da 30 substituição de nucleotídeos foi Tamura Nei. Para a detecção de possíveis recombinações, utilizamos o programa Simplot 3.5.1 (Lole et al., 1999). 4.10. Predição dos correceptores CCR5 e/ou CXCR4 A análise temporal do uso do correceptor utilizado pelo vírus para entrada na célula hospedeira foi realizada em dois momentos da infecção, sendo um antes e outro após a progressão dos indivíduos para a aids. A predição do uso do correceptor foi realizada com base na sequência de aminoácidos da região V3 da gp120 do envelope viral para todas as amostras que possuíamos as duas visitas. Para tal, utilizamos os programas webPSSM (http://indra.mullins.microbiol.washington.edu/webpssm/) para as amostras de subtipos B, B” e C; Geno2pheno (http://coreceptor.bioinf.mpi-inf.mpg.de) com três taxas conservativas de predição de CXCR4 ( 5%, 10% e 20%); além da regra das posições 11 e 25 do topo da alça V3 para todos os subtipos, que baseia-se no princípio da presença dos aminoácios K (Lisina) ou R (Arginina) nas posições 11 e/ou 25 predizerem o uso do correceptor CXCR4. O resultado final considerado foi o detectado pela maioria das metodologias utilizadas. 4.11. Análises Estatísticas As análises estatísticas foram realizadas através do teste de Qui Quadrado e do teste exato de Fisher utilizando-se o programa EpiInfo 3.5.4. 31 V. Resultados 5.1. Classificação dos pacientes nos três perfis de progresssão para aids e análise dos seus dados clínicos e epidemiológicos A primeira etapa deste estudo consistiu na classificação dos pacientes de acordo com o seu perfil de progressão para a aids. De acordo com os critérios descritos na casuística, de 3840 pacientes inclusos no banco, 486 indivíduos foram intermediários (PI), classificados, sendo 285 (58,6%) progressores 179 (36,8%) progressores rápidos (PR) e 22 (4,5%) não progressores de longo termo (LTNP). As informações epidemiológicas de todos os indivíduos classificados neste estudo estão sumarizadas na tabela 3. Destes, 323 (65,5%) são homens e 163 (33,5%) são mulheres (razão homem/mulher igual a 1,98:1). Com relação as diferentes categorias de exposição ao risco, 204 (42%) informaram ser heterossexuais, 144 (29,6%) homens que fazem sexo com homens (HSH), 70 (14,4%) bissexuais, 68 (14%) pertencem a outras categorias. Os valores correspondentes a cada perfil de progressão estão indicados na tabela 1. Uma associação estatisticamente significativa entre homens e progressores rápidos foi verificada (p=0,0051). Não houve significância estatística para os outros parâmetros descritos na tabela (p>0,05). Tabela 3: Dados epidemiológicos dos pacientes classificados de acordo com o seu respectivo perfil de progressão para a aids. Total (n=486) Sexo Homens Mulheres Categoria de exposição Heterossexuais HSH¹ Bissexuais Outros² Progressores Progressores Não progressores Intermediários Rápidos de longo termo (n=285) (n=179) (n=22) 323 (66,5%) 163 (33,5%) 179 (62,8%) 106 (37,2%) 133 (74,3%) 46 (25,7%) 11 (50,0%) 11 (50,0%) 204 (42,0%) 144 (29,6%) 70 (14,4%) 68 (14,0%) 128 (44,9%) 66 (23,2%) 38 (13,3%) 53 (18,6%) 64 (35,7%) 73 (40,8%) 30 (16,8%) 12 (6,7 %) 12 (54,4%) 5 (22,7%) 2 (9,1%) 3 (13,6%) ¹ Homens que fazem sexo com homens ² Usuários de drogas injetáveis, Transfusão, Transmissão vertical, Acidente de trabalho, Não-informado 32 5.2. Caracterização dos subtipos virais Com o intuito de identificar os subtipos de HIV-1 das amostras de DNA obtidas dos indivíduos classificados nos diferentes perfis de progressão para a aids, foi utilizada a região C2-V3 da gp120 do envelope viral. De um total de 486 pacientes classificados quanto ao perfil de progressão e selecionados para este estudo, foi possível obter amostra e caracterizar quanto ao subtipo 238, destas, 92 eram PI; 131 PR e 15 LTNP. As amostras dos 248 pacientes restantes não estavam estocadas e/ou viáveis em nosso laboratório (95,2%) ou não amplificaram para a região alvo (4,8%). Esses pacientes foram excluídos dos próximos passos do estudo. Dos 238 pacientes caracterizados quanto ao subtipo, 75 já apresentavam amostras previamente subtipadas na região do envelope viral através da técnica de HMA (“Heteroduplex mobility assay”) devido ao uso em projetos anteriores em nosso laboratório. Neste contexto, realizamos a análise filogenética da região C2-V3 da gp120 de 163 amostras (Figura 12). Pudemos observar que as amostras se agruparam de forma consistente com as respectivas sequências de referência dos diferentes subtipos do grupo M obtidas do Banco de Los Alamos. Algumas amostras agruparam-se entre si e apresentaram agrupamento filogenético em ramo adjacente ao grupo B na análise, sugerindo possíveis genomas recombinantes. As três referidas amostras foram então submetidas à análise de recombinação através do método de bootscan presente no programa Simplot (Figura 13). Com base nestas análises, foi possível caracterizar as amostras PR21764, PR23159 e PI22953 como recombinantes BF1. Assim, a caracterização molecular obtida através da filogenia e bootscaan evidenciou 133 como subtipo B (81,6%); 19 como sendo F1 (11,7%); 6 como C (3,7%); 1 como CRF01_AE (0,6%); 1 como D (0,6%) e 3 caracterizadas como recombinantes BF1 (1,8%). 33 99 99 99 99 99 B.BR B.FR .83.H XB 2 LA I IIIB BRU .K03 7269 455 88 88 .02. AY03 008. RMS .00.A B.AR 05 3588 2.DQ 00 02BR 70 99 83 84 98 93 92 94 90 99 90 K .C M .9 6 .9 H. BE 6C .9 J. M 3. VI SE MP 99 .9 7. 3. 53 AF SE J2 G .C 92 01 80 78 28 M G 87 .A .0 .B F0 1 .0 E. 82 1C 96 39 .D M 40 RC 4 49 BL H 9 .B 93 .A HA F0 N .A 84 Y3 93 6 71 12 1 .V I9 91 .A F1 12 7 .06 9 23 .A O J2 4 90 1.A .A O B1 F1 QT 86 06 5 3 .D 69 93 02 RE 90 2 .A .FJ R .0 25 .A G1 006 F1 AN 771 .FJ 082 2BR 2.0 R.0 RE E. 7Z F1.B 7.9 23 D.9 49 K.C 5.A 19 Q1 89 08 8 0.02 Figura 12: Análise filogenética por “neighbor-joining”, modelo de substituição de Tamura-Nei, do fragmento de 456pb correspondente à região C2-V3 do envelope viral de 163 amostras de HIV-1. Os círculos em preto representam as amostras obtidas neste estudo. Os ramos em azul são referentes as amostras do subtipo B, em vermelho amostras referentes ao sub-subtipo F1 e em verde aos subtipo C, D e CRF01_AE. A seta indica as amostras recombinantes BF1. As sequências foram alinhadas com sequências de refência dos diferentes subtipos obtidas do banco de Los Alamos. Valores de bootstrap acima de 70 estão representados na figura. A barra de escala indica 2% de divergência nas sequências de nucleotídeos. 34 Figura 13: Análise por bootscan das amostras PR21764 , PI22953 e PR23149 na região C2-V3 do envelope viral. Os parâmetros utilizados foram janela de 200pb e passos de 20pb. As sequências de referência utlizadas encontram-se representadas na legenda. Assim, juntando-se as 163 amostras subtipadas no presente estudo com as 75 previamente caracterizadas tivemos, 201 (84,5%) foram classificados como pertencentes ao subtipo B; 22 (9,2%) ao sub-subtipo F1; 8 (3,4%) pertencentes ao subtipo C; 3 (1,3%) ao D, 3 (1,3%) caracterizadas como BF1 e 1 (0,4%) CRF01_AE. Através da tradução das sequências de nucleotídeos, identificamos a presença do Triptofano (W) no lugar da Prolina (P) na posição 16 do topo da alça V3 da gp120 em 58 (28,9%) sequências B, sendo essas então classificadas como variante B” do subtipo B (Figura 14). 35 O gráfico abaixo representa a distribuição dos subtipos de HIV-1 na população geral estudada (n=238): 28,9 % B” Figura 14: Distribuição dos subtipos encontrados na população estudada (n=238). 5.3. Análise da distribuição dos subtipos nos distintos perfis de progressão Uma vez subtipadas todas as amostras, partimos para avaliação da possível correlação entre os subtipos detectados com os três perfis de progressão para a aids. A tabela 4 sumariza a distribuição dos subtipos nos diferentes perfis (131PI; 92 PR e 15 LTNP), onde pudemos observar que os subtipos tiveram uma distribuição equivalente entre os três perfis, dessa forma, nenhuma correlação estatisticamente significativa foi observada (p>0,05) (tabela 5). Contudo, foi possível observar uma maior representatividade do sub-subtipo F1 no grupo dos progressores rápidos. Destacamos que os três indivíduos caracterizados como subtipo D apresentaram progressão rápida. 36 Tabela 4: Distribuição dos subtipos de HIV-1 de acordo com os diferentes perfis de progressão para a aids. B B" F1 Outros* Total (100%) Progressores Rápidos 50 (54,3%) 21 (22,8%) 11 (12,0%) 10 (10,9%) 92 Progressores Intermediários 84 (64,1%) 32 (24,4%) 10 (7,6%) 5 (3,8%) 131 Não progressores de longo termo 9 (60,0%) 5 (33,3%) 1 (6,7%) 0 15 Total 143 58 22 15 238 * PR: 4C, 3D, 1CRF01_AE, 2BF1; PI: 4C, 1BF1 Tabela 5: Análise estatística entre os principais subtipos e os três perfis de progressão. Subtipo B B" F1 Valor de p* Perfil de progressão PR x PI 0,454 PR x LTNP 0,888 PI x LTNP 0,591 PR x PI 0,974 PR x LTNP 0,531 PI x LTNP 0,537 PR x PI 0,2 PR x LTNP 0,684 PI x LTNP 1 * valor de p não significativo no T este do Qui quadrado e T este exato de Fisher (p>0,05) PR - Progressores rápidos; PI - Progressores intermediários; LT NP - Não progressores de longo termo A fim de avaliarmos se alguma linhagem de vírus subtipo-específica poderia estar circulando em algum dos três perfis de progressão, destacamos nas figuras a seguir a análise filogenética das amostras por subtipo de acordo com o perfil de progressão, figura 15 (subtipo B), figura 16 (variante B”) e figura 17 (sub-subtipo F1). De acordo com essas análises, nenhum agrupamento subtipo-específico pode ser detectado de acordo com o perfil de progressão. 37 B 99 88 99 99 99 B.BR .02.0 2BR 0 B .F 99 B.A 02.D Q35 8805 R .0 0.A RM S0 08.A R. Y0 83 3 72 69 .H XB 2L I I IB 92 AI BR U. K0 34 55 86 99 99 90 006 F1.BR.02.02BR082.FJ771 F1.AR.02.ARE933.DQ189088 F1.AO.06.AO 06 ANG125.FJ900269 C.BR.04.04BR013.AY727522 C.AR.0 1.A RG 400 6.AY563170 C.BR.04.04 BR021.A Y727523 A.CD.02 .02 CD A.CD.9 KT B035.AM 7.97C A.CD.9 000055 D KCC 7.97CD 2.AM00 KTB13. AM0000 0053 54 0.02 Figura 15: Análise filogenética por “neighbor-joining”, modelo de substituição de Tamura-Nei, do fragmento de 456pb correspondente à região C2-V3 do envelope viral das amostras de HIV-1subtipadas como B. Os círculos em azul representam as amostras de Progressores intermediários; e os círculos em vermelho as amostras de Progressores rápidos e em verde as amostras de Não progressores de longo termo. As sequências foram alinhadas com sequências de refência dos diferentes subtipos obtidas do banco de Los Alamos. Valores de bootstrap acima de 70 estão representados na figura. A barra de escala indica 2% de divergência nas sequências de nucleotídeos. 38 99 B” 99 99 99 B.BR .02 008.A RMS .00.A B.AR Q358805 02.D 0 R .02B Y 03 7269 84 99 95 .8 3 .H XB 2L AI II IB BR U. K0 34 55 97 93 FR 92 73 88 B. 85 99 99 99 91 3 2732 DK.M .83.N 4 D.CD .K0345 .83.ELI D.CD 0054 .AM00 TB13 CD K .97.97 A.CD 53 55 .AM0000 AM0000 KTB035 KCC2. 2.02CD A.CD.0 NIH047 .95T H.1995 01 AE.T D 7.97C 082.FJ771006 F1.AR.02.ARE933.DQ189088 1 93.93JP NH A.CD.9 01 AE.JP.19 249235 F1.AO.06.AO 06 ANG125.FJ900269 BR F1.BR.02.02 K.CD.97.97ZR EQTB 11.AJ K.CM.96.96CM MP535.AJ249239 G.CM.01.01CM 4049HAN.AY37112 1 G.BE.96.D RCBL.AF084 J.SE.93.S 936 E9280 78 87.AF082 H.BE.9 394 3.VI997. AF19 01 28 C.BR C.BR.0 .04.0 4.04B H.BE.9 4B R R021. 013.A 3.VI991 AY72 C 75 .AF190 .A 23 R.01 Y727522 127 .AR G40 06.A Y 56 317 0 0.02 Figura 16: Análise filogenética por “neighbor-joining”, modelo de substituição de Tamura-Nei, do fragmento de 456pb correspondente à região C2-V3 do envelope viral das amostras de HIV-1subtipadas como B, onde apenas amostras pertencentes à variante B” foram marcadas. Os círculos em azul representam as amostras de Progressores intermediários; e os círculos em vermelho as amostras de Progressores rápidos e em verde as amostras de Não progressores de longo termo. As sequências foram alinhadas com sequências de refência dos diferentes subtipos obtidas do banco de Los Alamos. Valores de bootstrap acima de 70 estão representados na figura. A barra de escala indica 2% de divergência nas sequências de nucleotídeos. 39 F1.BR.02.02BR082.FJ771006 F1 83 93 .A 02 R. .A 88 F1 99 99 B .0 2. 0 B .F R .B R .8 3 2B R .H D I II I B 05 345 3 DK.M2732 5 D.CD.83.N .K 0 D.CD.8 3.ELI.K 03454 BR U .00.A R M S 008.A Y037 269 LA 88 B.AR 2. XB 2 00 Q3 5 0.02 23 75 72 AY 9 1. 26 02 00 J9 BR .F 04 25 4. .0 G1 BR AN 522 C. 06 727 O AY .A 13. 06 R0 O. 4B .A 4 .0 R. 0 F1 C .B 3170 06.AY56 .ARG40 C.AR.01 RE 93 3. 99 DQ 18 90 88 74 77 Figura 17: Análise filogenética por “neighbor-joining”, modelo de substituição de Tamura-Nei, do fragmento de 456pb correspondente à região C2-V3 do envelope viral das amostras de HIV-1subtipadas como F1. Os círculos em azul representam as amostras de Progressores intermediários e os círculos em vermelho as amostras de Progressores rápidos. As sequências foram alinhadas com sequências de refência dos diferentes subtipos obtidas do banco de Los Alamos. Valores de bootstrap acima de 70 estão representados na figura. A barra de escala indica 2% de divergência nas sequências de nucleotídeos. 5.4. Análise temporal quanto ao uso do correceptor de entrada Com a finalidade de analisar a troca do uso do correceptor de entrada utilizado pelo vírus nos três principais subtipos/variantes (B, B” e F1) em dois momentos da progressão (antes e após), foi necessário observar a data de progressão de cada indivíduo analisado e verificar se o mesmo apresentava pelo menos uma amostra biológica com carga viral maior que 1000 cópias/ml em um momento antes e outro após 40 a progressão para a aids. Do total de indivíduos subtipados, apenas 29 apresentaram amostras estocadas em nosso laboratório nos dois períodos avaliados. Desses, 14 pertenciam ao subtipo B; 7 a variante B”; 6 F1 e 2 pertenciam ao subtipo C. Uma análise filogenética das sequências obtidas antes e após a progressão dos indivíduos avaliados foi realizada e encontra-se apresentada na figura 18. Conforme o esperado, para cada indivíduo, as amostras pertencentes aos dois períodos se agruparam, além disso, foi possível observar que para alguns indivíduos a distância entre suas duas amostras foi curta, demonstrando que as mesmas quase não evoluíram ao longo do tempo. 41 13229A 99 13229P 13707A 99 13707P 18947A 99 18947P 22091A 99 22091P 21125A 99 21125P 15963A 99 15963P 16290A 99 16290P 12857A 99 12857P 16712A 99 16712P 18653A 99 18653P 19534A 99 19534P B 19054A 99 19054P B.FR.83.HXB2 LAI IIIB BRU.K03455 20042A 99 20042P B.BR.02.02BR002.DQ358805 17396A 99 17396P 20168A 99 20168P 19268A 99 19268P B.AR.00.ARMS008.AY037269 13971A 99 83 13971P 24503A 99 24503P 21068A 99 21068P 18875A 99 18875P 20791A 99 20791P A.CD.02.02CD KTB035.AM000055 91 A.CD.97.97CD KTB13.AM000054 A.CD.97.97CD KCC2.AM000053 19552A 96 19552P 86 20396A 98 78 C 20396P C.BR.04.04BR021.AY727523 C.AR.01.ARG4006.AY563170 C.BR.04.04BR013.AY727522 H.BE.93.VI991.AF190127 86 H.BE.93.VI997.AF190128 K.CD.97.97ZR EQTB11.AJ249235 96 K.CM.96.96CM MP535.AJ249239 F1.AO.06.AO 06 ANG125.FJ900269 17862A 83 17862P 80 20393A 99 20393P 14811A 99 14811P F1 F1.BR.02.02BR082.FJ771006 21555A 88 21555P 19378A 99 19378P F1.AR.02.ARE933.DQ189088 13399A 99 13399P 0.02 0.02 Figura 18: Análise filogenética por “neighbor-joining”, modelo de substituição de Tamura-Nei, do fragmento correspondente à região C2-V3 do envelope viral das amostras dos indivíduos nos momentos antes (A) e após (P) a progressão. Os círculos em preto representam as amostras obtidas no presente estudo. Os ramos em azul, amostras referentes ao subtipo B, em vermelho amostras referentes ao sub-subtipo F1 e em verde aos subtipo C, D e CRF01_AE. As sequências foram alinhadas com sequências de refência dos diferentes subtipos obtidas do banco de Los Alamos. Valores de bootstrap acima de 70 estão representados na figura. A barra de escala indica 2% de divergência nas sequências de nucleotídeos. 42 As análises de predição do uso do correceptor realizadas para essas amostras, nos dois momentos, estão sumarizadas na tabela 6. De maneira geral, das 29 sequências de antes da progressão analisadas, 23 (79,3%) foram caracterizadas como vírus R5; 5 (17,2%) foram caracterizadas como vírus X4 e 1 (3,4%) não pode ser classificada devido ao resultado discordante nos distintos métodos de análise. Já em relação às sequências obtidas após a progressão, 20 (69%) foram caracterizadas como vírus R5; 8 (27,6%) como vírus X4 e 1 (3,4%) não classificada pelo mesmo motivo detectado anteriormente. Da análise do uso do correceptor de acordo com o subtipo, dos 14 indivíduos classificados como subtipo B, 10 (71,4%) apresentaram a forma viral R5 antes e após a progressão; 2 (14,3%) apresentaram vírus R5 antes da progressão e X4 após; 1 (7,1%) apresentou perfil X4 antes e após a progressão e, curiosamente, 1 (7,1%) indivíduo apresentou vírus X4 antes e R5 depois da progressão. Dentre os 7 caracterizados como B”, 4 (57,1%) apresentaram vírus R5 antes e após a progressão e 3 (42,9%) apresentaram vírus X4 nos dois momentos. Com relação ao sub-subtipo F1, em 3 (50%) indivíduos foram encontrados vírus R5 antes e após a progressão; 2 (33,3%) apresentaram vírus R5 antes e X4 após a progressão e 1 (16,7%) não pode ser classificado. Quanto aos dois indivíduos subtipados como C, ambos tiveram vírus R5 em nos momentos analisados. 43 Tabela 6: Análise da predição do uso do correceptor de entrada com base na região da alça V3 com a utilização dos programas Geno2pheno, webPSSM e Regra das posições 11/25. Amostra Subtipo Alça V3 (11) P12857 A P P13971 A P P16712 A P P17396 A P P18653 A P P18875 A P P19054 A P PR19268 A P PR20042 A P P20168 A P PR20791 A P P21068 A P (25) CTRPSNNTRKGIHFGPGRALYTT-KIIGDIREAHC CTRPSNNTRKGIYFGPGRALYTT-KIIGDIREAHC CTRPNNNTRRGIHIGPGSAFYTT-NIVGDIRKAYC CTRPNNNTRRGIGIGPGRRAFVTTKIVGDIRKAYC CTRPNNNTRKSISFGPGSAFYTTGDIIGDIRQAHC CTRPNNNTRKSISFGPGSAFYTTGDIIGDIRQAHC CTRPGNNTRRSIHIGPGSAWYTTGDIIGDIRQAHC CTRPGNNTRRSIHIGPGSAWYTTGDIIGDIRQAHC CTRPNNNTRKSITIGPGAAFF-TGEIIGNIRKAYC CTRPNNNTRKSITIGPGAAFF-TGEIIGDIRRAYC CTRPNNNTRKSIHMGPGRVFFAT-DIIGNIRRAHC CIRPNNNTRKSIPMGPGKVFFAT-DIIGDIRRAHC CTRPNNNTRKSIPIGPGRAFFTTGQIIGDIRQAHC CTRPNNNTRKRISIGPGRAFFTTGQIIGDIRQAHC CTRPNNNTRRSITIGPGRAFYAT-NIIGNIRDAHC CTRPNNNTRRSITIGPGRAFYTT-NIIGNIRDAHC CTRPNNNTRKGIHIGPGRAFYATGQIIGDIRQAHC CTRPNNNTRKGIHIGPGRAFYATGQIIGDIRQAHC CTRPNNNTRKSIHFAPGSALYTT-EIIGDIRQAHC CARPNNNTRKSIHFAPGSAWYTT-EIIGDIRQAHC CTRPNNNTRKSIRIGPGSAFYATGDIIGDIRQAHC CSRPNNNTRKSIRIGPGRAFYATGDIIGDIRQAHC CTRPNNNTRKSIHMGPGKAFFATGQIIGDIRKAYC CTRPNNNTRKSIHMGPGRAFFATGDIIGDIREAHC B B B B B B B B B B B B Geno2pheno 5% 10% 20% R5 X4 X4 X4 X4 X4 R5 R5 X4 X4 X4 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 R5 R5 X4 R5 R5 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 44 Regra das posições 11/25 do V3 webPSSM Classificação final X4 X4 R5 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 R5 R5 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 R5 R5 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 P21125 A P P24503 A P P13229 A P P13707 A P P15963 A P P16290 A P P18947 A P P19534 A P P22091 A P PR13399 A P P14811 A P P17862 A P P19378 A P CTRPNNNTRKGIHTAFGRTLYATGAIIGDIRKAYC CTRPNNNTRKGIHTAFGRTLYATGAIIGDIRKAYC CTRPNNNTRRSIPMGPGKAFFATGDIIGDIRKAHC CTRPNNNTRRSIPMGPGKAFFATGDIIGDIRKAHC CTRPNNNTRKSIHIGWGRSLYTVGEIIGNIRQAHC CTRPHNNTRKSIHIGWGRSLYTVGEIIGDIRQAHC CTRPNNNTSKGIHLGWGRAFYATERITGDIRKAYC CTRPNNNTSKGIHLGWRRSFFVTEKITGDTRKAFC CTRPNNNTRKSIHMGWGRAFYATGEIIGDIRQAHC CTRPNNNTRKSIHMGWGRAFYATGEIIGDIRQAHC CTRPNNNTRKSIHMGWGRAFYATGEIIGDIRKAYC CTRPNNNTRKSIHMGWGRAFYATGEIIGDIRKAYC CTRPNNNTAKSIHMGWGRVFHATGRIIGDIRQAHC CTRPNNNTAKSIHMGWGRVFHATGRIIGDIRQAHC CTRPGNYTRKSIYLGWGRALYATGDIIGDKRKAHC CTRPGNYTRKSIYLGWGRAVYATGDIIGDKRKAHC CTRPNNNTRKSIHIGWGRALFTTGEIIGEIRKAYC CTRPNNNTRKSIHIGWGRALFTTGEIIGEIRKAHC CTRPNNNTRKSIHIGPGQAFYATGDIIGDIRKAHC CTRPNNNTRKSIHIGPGQAFYATGDIIGDIRKAHC CTRPNNNTRKSIHLGPGQAFYATGDIIGDIRKAHC CTRPNNNTRKSIHFGPGHAFHATGNIIGDIRKAHC CTRPNNNTRKSIRIGPGSAFYATGEIIGDIRKAHC CTRPNNNTRKSIRIGPGSAFYATGDIIGNIRKAHC CTRPNNNTRKSIRIGPGQAFYTTGDIIGDIRKAHC CTRPNNNIRKSIRIGPGQAFYTTGDIIGDIRKAHC B B B" B" B" B" B" B" B" F1 F1 F1 F1 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 R5 R5 R5 X4 X4 X4 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 45 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 R5 R5 R5 X4 R5 X4 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 R5 X4 X4 X4 X4 X4 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 X4 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 X4 R5 R5 Nr Nr Nr Nr Nr Nr Nr Nr R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 X4 R5 R5 R5 R5 X4 X4 X4 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 NÃO CLASSIFICADO NÃO CLASSIFICADO R5 X4 P20393 A CTRPNNNTRKSIPIGPGRAFYATGDIIGDIRRAHC F1 R5 R5 R5 P CTRPYKNTRKSIPIGPGRAFYTTGEIIGDIRKAHC X4 X4 X4 P21555 A CTRPNNNTRKSIRIGPGQAFYATGGIIGDIRKAHC F1 R5 R5 X4 P CTRPNNNTRKSIHIGPGQAFYATGDIIGDIRKAHC R5 R5 R5 PR19552 A CTRPNNNTRKSMRIGPGQTFYATGDIIGDIRQAHC C R5 R5 R5 P CTRPNNNTRKSMRIGPGQTFYATGDIIGDIRQAHC R5 R5 R5 PR20396 A CVRPNNNTRKSMRIGPGQTFYATGDIIGDIRQAHC C R5 R5 R5 P CIRPNNNTRKSLRIGPGQTFYATGDIIGDIRQAHC R5 R5 X4 nr = não realizado A = sequência antes da progressão; P = sequência após a progressão As posições 11 e 25 estão destacadas em verde, assim como o topo da alça v3 está em amarelo. 46 Nr Nr Nr Nr R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 R5 X4 R5 R5 R5 R5 R5 R5 VI. Discussão 6.1. Identificação dos perfis de progressão para a aids O presente estudo é parte de um projeto maior em desenvolvimento em nosso laboratório, o qual tem como finalidade a avaliação da influência da diversidade viral e dos marcadores genéticos do hospedeiro em indivíduos infectados pelo HIV-1 com diferentes perfis de progressão para a aids. Diversos fatores relativos tanto ao perfil genético quanto ao perfil imunológico do hospedeiro, bem como características inerentes ao vírus têm sido associados à progressão, no entanto, a influência viral, ainda é um assunto controverso e poucos estudos abordam essa temática apesar de sua importância. Esse tipo de estudo é de difícil condução, pois em países onde se verifica uma co-circulação bem representativa de subtipos de HIV, não se dispõem de um fluxo regular de exames de contagem de células TCD4+ e carga viral para o acompanhamento dos pacientes HIV positivos e de um banco de dados dos pacientes em acompanhamento pelo longo período de infecção, e em países onde há uma boa estrutura para acompanhamento de pacientes, geralmente é observada a prevalência de um subtipo viral, geralmente o subtipo B. No Rio de Janeiro existe uma co-circulação dos subtipos B, F1, recombinantes BF1, além da variante B” do subtipo B, e há um suporte do governo quanto aos exames de rotina acima citados, os quais são em parte realizados pelo Laboratório de AIDS e Imunologia Molecular/IOC. Além disso, temos uma parceria de longa data com o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC), o que nos possibilitou a obtenção de dados clínicos e epidemiológicos para classificação dos pacientes quanto aos distintos perfis de progressão. Neste sentido, o presente estudo nos permite avaliar a associação entre características virais, como o subtipo viral e o uso do correceptor de entrada na célula utilizado pelo vírus, com o curso da infecção. O primeiro objetivo deste trabalho foi classificar os pacientes HIV positivos em acompanhamento no IPEC, de acordo com os dados clínicos, segundo os perfis de progressão já descritos na literatura: progressores intermediários (PI), progressores rápidos (PR) e não progressores de longo termo (LTNP). Do total de indivíduos analisados, classificamos 486 pacientes. Desses, 58,6% foram classificados como PI; 36,8% como PR e 4,5% como LTNP. De fato, a literatura prevê cerca de 80% de PI, 15% de PR e 5% de LTNP (Pantaleo e Fauci, 1996; revisto por Langford et al., 2007; 47 Casado et al., 2010), ou seja, a nossa casuística ficou bastante acrescida de PR. Entretanto, é importante destacar que este é um estudo retrospectivo, e que o banco de dados contendo as informações clínicas e epidemiológicas dos pacientes não foi desenhado exclusivamente para esse estudo, desta forma, muito pacientes tiveram seu acompanhamento comprometido por não retornarem ao hospital para a realização dos exames de rotina. Outros fatores que acarretaram a não classificação foram: ausência de informações importantes para classificação em muitos dos casos, como datas de sorologia negativa e positiva e exames de contagem de células TCD4+; o diagnóstico tardio em muitos casos e uma porcentagem considerável de pacientes que ainda não haviam evoluído para aids até a data de corte de análise do banco, dezembro de 2010. Os estudos prévios que buscaram uma associação entre os subtipos virais e a progressão para aids foram em grande parte baseados em coortes com pouco tempo de acompanhamento (Amornkul et al., 1999; Kaleebu et al., 2002; Laurent et al., 2002; Kaleebu et al., 2007; Easterbrook et al., 2010); alguns não apresentavam a data da sorologia positiva dos pacientes (Kaleebu et al., 2002; Kaleebu et al., 2007; Vasan et al., 2006); e ainda, alguns utilizaram a sorologia por peptídeos sintéticos como metodologia para subtipagem (Santoro-Lopes et al., 2000; Casseb et al., 2002; De Brito et al., 2006), sendo essa menos fidedigna que os métodos moleculares, com a possibilidade de reatividade cruzada. Diante deste panorama, esta etapa do presente trabalho foi realizada de forma criteriosa tendo em vista a importância de uma classificação bem consistente dos diferentes perfis de progressão para estudos da possível associação desses perfis com características virais, tais como: subtipo e correceptor utilizado para entrada na célula hospedeira. 6.2. Caracterização molecular e distribuição dos subtipos no Rio de Janeiro Após a classificação dos indivíduos HIV-1 positivos nos diferentes perfis de progressão para a aids, nosso próximo objetivo consistiu na caracterização molecular das amostras classificadas. Para este fim, utilizamos a região C2-V3 da gp120 do envelope viral, que é uma região bastante polimórfica e, rica em informações 48 filogenéticas. Além disso, esta é uma região determinante no tropismo de células T e macrófagos (Shioda et al., 1991; Hwang et al., 1991), onde com base nas posições 11 e 25 da alça V3 da gp120 podemos predizer o correceptor utilizado pelo vírus para entrada na célula (Fouchier et al., 1992; De Jong et al., 1992); contém o epítopo reconhecido pelos anticorpos que neutralizam a infecção pelo HIV in vitro (Palker et al., 1988; Larosa et al., 1990) e estimula uma potente resposta imunológica citotóxica e auxiliar por linfócitos T (Takahashi et al., 1992; Palker et al., 1989). Logo, a região env fornece subsídios importantes para o entendimento de forças seletivas que podem influenciar na taxa de progressão da doença, além de ser importante nos estudos de subtipagem do HIV-1. De acordo com a caracterização molecular das amostras com relação ao subtipo viral, constatamos uma alta prevalência do subtipo B (84,5%), seguido em menor frequência do sub-subtipo F1 (9,2%); e pela detecção de alguns casos dos subtipos C; D; e recombinantes BF1 e CRF01_AE. Estes achados concordam com os previamente descritos em estudos iniciais no Rio de Janeiro com base na região do envelope, os quais demonstram uma prevalência de 75-80% do subtipo B, enquanto que em torno de 10-15% são caracterizados como sub-subtipo F1 (Morgado et al., 1994; Morgado et al., 1998; Tanuri et al., 1999; Guimarães et al., 2002). É importante ressaltar que atualmente a maioria dos estudos baseia-se na região da polimerase viral e ainda sim um alto percentual de B é descrito, porém, um acréscimo de recombinantes BF1 e diminuição do sub-subtipo F1 é observado (Guimarães et al., 2010). Casos isolados de subtipos C ,D (Morgado et al., 1998; Couto- Fernandez et al., 2006) já haviam sido descritos no Rio de Janeiro, no entanto esta é a primeira descrição do CRF01_AE. É importante ressaltar a recente disseminação do subtipo C para outras regiões além do Sul (Cardoso et al., 2010; Ferreira et al., 2011; Brígido et al., 2011). Destacamos ainda uma manutenção da frequência de amostras da variante B” dentro do grupos de amostras caracterizadas como subtipo B, que foi de 28,9% neste estudo e 30 a 40% em estudos prévios (Potts et al., 1993; Morgado et al., 1994; Morgado et al., 1998). Alguns estudos realizados na região Sudeste demonstram correlação entre o subsubtipo F1 e a categoria dos usuários de drogas injetáveis (UDIs), apontando uma alta proporção de F1 (19-23%) nesses indivíduos, o que indica que a frequência deste pode 49 diferir de acordo com a categoria de exposição (Rossini et al., 2001; Guimarães et al., 2001; Teixeira et al., 2004; Maia Teixeira et al., 2006). Entretanto, essa associação não foi observada no presente estudo. Frente a essa cocirculação dos subtipos B e F1 do HIV-1 no Rio de Janeiro, os eventos de recombinação se mostram frequentes, e bastante documentados em estudos baseados na região da polimerase viral, ou envolvendo mais de uma região genômica. Nesse estudo encontramos 1,3% de recombinantes BF1, uma taxa bem menor se comparada a detectada (4 a 7,6%) em estudos realizados no Rio de Janeiro com base na região polimerase (Ramos et al., 1999; Eyer-Silva e Morgado, 2007; Sa Ferreira et al., 2007; Guimarães et al., 2010). Essa baixa representatividade de recombinantes já era esperada, visto que a região do envelope viral possui um alto polimorfismo e consequentemente uma baixa frequência de recombinações (Magiorkinis et al., 2003). Através de uma análise preliminar de Neighbor-Joining não foi possível verificar indícios de circulação de linhagens de vírus subtipo-específicas entre os diferentes perfis de progressão, no entanto temos como perspectiva a realização de uma análise de máxima verossimilhança ou bayesiana, as quais são mais robustas para esta análise. Estudos prévios realizados com base na região do envelope descreveram um agrupamento entre as amostras da variante B” demonstrando relação filogenética entre essas, assim como foi verificado no presente estudo. 6.3. Análise da distribuição dos subtipos nos perfis de progressão Apesar de alguns estudos terem sugerido a associação da variante B” com um perfil mais lento de progressão (Santoro-Lopes et al., 2000; Casseb et al., 2002; De Brito et al., 2006; Araujo et al, 2010), no presente estudo não verificamos esta associação. Nossos resultados estão de acordo com os achados de um estudo recentemente publicado (Sucupira et al., 2012) que também não encontra associação entre a variante B” e a progressão mais lenta. Vale ressaltar, que diferentemente do nosso estudo, a maioria desses trabalhos utilizaram técnicas de subtipagem das amostras baseadas em ensaios sorológicos com peptídeos sintéticos, que são técnicas menos sensíveis podendo resultar em falso-positivos, o que não ocorre em ensaios moleculares. No trabalho de Santoro-Lopes (2000), dos 331 indivíduos pertencentes ao subtipo B, 50 mais de 60% foram caracterizados como B”, porcentagem muito acima do esperado para essa variante. Uma frequência aumentada do sub-subtipo F1 nos grupos dos progressores rápidos foi observada, porém, esta não reflete em significância estatística. Entretanto, até o presente momento não temos relato de nenhum estudo sobre progressão e subtipo F. Observamos ainda, que as três amostras de subtipo D detectadas nesse estudo apresentaram um perfil rápido de progressão, concordando com estudos que descrevem uma progressão mais acelerada em infectados por esse subtipo (Kaleebu et al., 2001 e 2002; Baeten et al., 2007; Kiwanuka et al., 2008; Easterbrook et al., 2010). 6.4. Análise temporal do uso do correceptor de entrada utilizado pelo vírus Diversos estudos tem sugerido que a troca do uso do correceptor CCR5 para CXCR4 está relacionada com a progressão para aids (Berger et al., 1999; Brumme et al., 2005; Kaleebu et al., 2007; Coetzer et al., 2006; Thielen et al., 2010 ), sendo assim, com o objetivo de avaliar essa dinâmica, um subconjunto de amostras foi avaliado em dois momentos da infecção. Na análise temporal quanto ao uso do correceptor de entrada verificamos que a maior parte dos indivíduos infectados pelo subtipo B manteve o perfil de vírus R5 ao longo da infecção e que 14,3% fizeram a troca de R5 para X4. Este resultado difere do observado em estudos prévios nos quais mais de 50% dos infectados pelo subtipo B apresentam uma emergência de vírus X4 (Connor et al., 1997; Berger et al., 1999; revisto por Araújo et al., 2010). Os demais 7,1% apresentaram vírus X4 em ambos os momentos avaliados concordando com relatos de artigos que detectaram a presença destes em 4 a 15,9% dos casos (De Mendonza et al., 2008; Huang et al., 2009; Frange et al., 2009). Estes dados demonstram que a progressão para aids não está relacionada somente ao perfil biológico do vírus. Com relação às amostras analisadas do subsubtipo F1, três (50%) apresentaram vírus R5 em ambos os momentos analisados e duas (33,3%) fizeram a troca do correceptor de CCR5 para CXCR4. Dentre aqueles infectados pela variante B”, uma porcentagem considerável (42,9%) apresentou vírus 51 X4 já no início da infecção. Essa porcentagem encontrada é superior ao esperado para o início da infecção, e não concorda com os estudos que descreveram que vírus B” utilizam exclusivamente o correceptor CCR5, apontando para uma progressão mais lenta para a aids nesses indivíduos (Leal et al., 2008). Ainda com relação a variante B”, em um trabalho recente, Sucupira e colaboradores (2012) sugeriram que o Triptofano pode ser substituído por outro aminoácido ao longo do tempo, visto que este é codificado pelo códon TGG e o HIV-1 apresenta um processo de hipermutação do nucleotídeo G para A, comum aos retrovírus. E atribuíram a este fato, a ausência de correlação entre a variante B” e a progressão lenta para a aids em seu estudo. No entanto, na análise temporal das amostras avaliadas de indivíduos infectados pela variante B”, não verificamos mudando do Triptofano por outro aminoácido. As duas amostras de subtipo C analisadas apresentaram vírus R5 tanto antes quanto após a progressão, concordando com estudos prévios que relatam o uso preferencial deste correceptor para este subtipo (Ping et al., 1999; Cecilia et al., 2000; Coetzer et al., 2011). A reduzida incidência de vírus X4 nesses indivíduos pode ser atribuída ao fato deste requerer mais mutações no V3 do que outros subtipos. Desta forma, os subtipos podem desenvolver estratégias distintas para a mudança da utilização do correceptor (Coetzer et al., 2011). Com relação às análises de predição do uso dos correceptores, esperávamos ter um número de amostras mais representativo de amostras por subtipo avaliado, entretanto, encontramos alguns problemas na inclusão dessas amostras, tais como: condições de armazenamento; carga viral abaixo de 1000 cópias/ml, não disponibilidade de amostras para utilização. Tínhamos como objetivo inicial selecionar amostras com tempo equivalente entre elas nos dois momentos estudados a fim de viabilizar uma comparação mais acurada da troca do correceptor utilizado pelo vírus ao longo da infecção. Diante do exposto, ficamos limitados a incluir todas as amostras que apresentassem qualquer visita antes e após a progressão, sem nos preocuparmos que todas tivessem o mesmo intervalo de tempo. Como perspectiva, pretendemos aumentar o número de amostras analisadas através da inclusão de indivíduos não classificados por ainda não terem evoluído para aids. 52 As análises a partir de assinaturas específicas do topo da alça V3 (posições 11 e 25) da gp120 são bastante comuns para inferir a predição do uso dos correceptores utilizados pelo vírus para entrada na célula. Apesar da técnica padrão-ouro ser o ensaio fenotípico, alguns programas facilitam a predição e são amplamente utilizados, como o webPSSM e Geno2pheno. Entretanto, esses programas não discriminam os vírus R5X4. Além da região V3, já foi descrito que outras regiões da gp120 também podem influenciar nesse sentido. Vale ressaltar que estudos de predição dos correceptores utilizados pelos vírus são de extrema importância para estudos terapêuticos. O presente estudo nos permitiu melhor entendimento sobre a variante B” do subtipo B tipicamente brasileira, onde observamos a manutenção desta na população de indivíduos infectados no Rio de Janeiro e uma não-associação desta com a progressão para aids. Enfatizamos ainda a importância de novos estudos com maior amostragem para verificar a possível influência do sub-subtipo F1 com a progressão mais acelerada para a aids. Além disso, reforçamos a possível associação entre o uso do correceptor de entrada pelo vírus ao longo da infecção e o subtipo viral. No seu conjunto, os resultados deste trabalho reforçam a necessidade de melhor se compreender características virais que possa apontar marcadores de prognóstico para a aids. 53 VII. Conclusões ü A prevalência dos subtipos verificados nesse estudo concorda com os previamente descritos no Rio de Janeiro; ü Não foi verificada a circulação de linhagens de vírus subtipo-específicas nos diferentes grupos de progressores; ü Detectamos uma maior frequência do sub-subtipo F1 no grupos dos progressores rápidos, embora sem significância estatística; ü Não observamos associação da variante B” e a progressão mais lenta para a aids; ü Uma porcentagem considerável de vírus X4 no início da infecção em indivíduos infectados pela variante B” foi observada. Fato que corrobora a ausência de associação dessa variante com a progressão mais lenta para a aids. 54 VIII. Referências Bibliográficas Aguayo N, Laguna-Torres VA, Villafane M, Barboza A, Sosa L, Kochel T et al. 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