Léa Resende Moura - evz - ppgca

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL
AÇÃO DO EXTRATO ETANÓLICO DA CASCA DO PEQUI NA
CARDIOTOXICIDADE POR DOXORRUBICINA EM RATOS
Léa Resende Moura
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Veridiana Maria Brianezi Dignani de Moura
GOIÂNIA
2015
ii
LÉA RESENDE MOURA
AÇÃO DO EXTRATO ETANÓLICO DA CASCA DO PEQUI NA
CARDIOTOXICIDADE POR DOXORRUBICINA EM RATOS
Tese apresentada para a obtenção do título de
Doutor em Ciência Animal junto ao Programa
de Pós-Graduação em Ciência Animal da
Escola
de
Veterinária
e
Zootecnia
da
Universidade Federal de Goiás
Área de concentração:
Patologia, Clínica e Cirurgia Animal
Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Veridiana Maria Brianezi Dignani
de Moura-EVZ/UFG
Comitê de orientação:
Prof. Dr. Eugênio Gonçalves de Araújo EVZ/UFG
Prof.ª Dr.ª Rosângela de Oliveira Alves
Carvalho - EVZ/UFG
GOIÂNIA
2015
iii
LÉA RESENDE MOURA
Tese defendida e aprovada em ___ / ___ / _____ pela Banca Examinadora constituída pelos
professores:
Prof.ª Dr.ª Veridiana Maria Brianezi Dignani de Moura
EVZ/UFG, Goiânia-GO
(Orientadora)
Prof.ª Dr.ª Moema Pacheco Chediak Matos
EVZ/UFG, Goiânia-GO
(Memória)
Prof. Dr. Humberto Eustáquio Coelho
UNIUBE, Uberaba-MG
Prof. Dr.Marcelo Emílio Beletti
UFU, Uberlândia-MG
Prof.ª Dr.ª Marina Pacheco Miguel
UFG, Goiânia-GO
iv
Dedico este trabalho aos meus pais, irmãos, filha e esposo.
v
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me impulsionado e guiado, fazendo chegar até aqui e ainda a
seguir em frente por qualquer que seja o caminho.
À minha filha, Maria Eduarda, que tanto amo, por ter me acompanhado em todo o
curso, desde a gestação até a defesa desta tese. Filha, peço desculpas pela minha ausência,
quase todos os finais de semana dos últimos três anos.
Ao meu companheiro, Stiwens Roberto Trevisan Orpinelli, que vem me
acompanhando nos últimos dezesseis anos, sendo fonte inesgotável e incessante de
compreensão, atenção, amor e carinho.
Em especial agradeço aos meus pais, Emilce Resende de Moura e Leonardo Sérgio
de Moura (in memorian), pelos esforços realizados durante a vida em prol da minha educação.
Esse título também é de vocês! Me desculpe paizinho, por eu não ter conseguido defender esta
tese em tempo que pudesse me assistir. Sei que esse título era muito importante para você e que
deve estar orgulhoso de mim aonde quer que esteja. Te amo muito!!
À minha sogra, Sônia Regina Trevisan, e a meu sogro, Narcizo Roberto Orpinelli,
que foram de fundamental importância durante a redação desta tese. Obrigada por terem
cuidado com tanto carinho e amor da minha pedra preciosa, Maria Eduarda.
Às médicas veterinárias Júlia Harger de Sousa e Géssica Pinheiro, que auxiliaram
nos experimentos como alunas dos programas PIBIC e PIVIC, respectivamente. Vocês foram
fundamentais na realização deste trabalho. Muito obrigada!!
Aos alunos Antônio Alanilson, Raquel Oliveira e Loanny Almeida, pelo auxílio
na realização dos testes imunoistoquímicos.
Aos meus irmãos, Luciana Resende de Moura e Leonardo Sérgio de Moura
Júnior, pela amizade e companheirismo.
Ao meu cunhado, Jamir Batista Soares, pelo apoio com a informática. Valeu
cunhado!
À minha família em Anápolis, Érik Roberto Trevisan Orpinelli, Leonice da Silva
Teixeira, Izabel Teixeira da Silva e João Pedro da Silva Trevisan Orpinelli.
Agradeço a minha orientadora, Veridiana Maria Brianezi Dignani de Moura, pelo
apoio, confiança, carinho, paciência e compreensão. Professora, te admiro muito e agradeço
pelo apoio ao meu crescimento pessoal e profissional.
vi
Aos professores Humberto Eustáquio Coelho, José Eugênio Diniz Bastos e André
Luiz Quagliatto Santos, que além de mestres, foram verdadeiros amigos e, nessa amizade, me
compreenderam e incentivaram a seguir o caminho.
Aos Professores Edemilson Cardoso da Conceição, Marcelo Emílio Beletti, Flávio
Marques e Marina Pacheco Miguel, pela ajuda e acolhida.
Aos técnicos de laboratório Antônio Souza Silva e Lorena Cintra Cardoso, pelo
auxílio na realização deste trabalho.
Ao comitê de orientação, composto pelos professores doutores Eugênio
Gonçalves de Araújo e Rosângela de Oliveira Alves Carvalho, pela co-orientação e auxílio na
formação profissional.
Aos professores do Setor de Patologia Animal da EVZ/UFG, Ana Paula Iglesias
Santin, Eugênio Gonçalves de Araújo, Luiz Augusto Batista Brito, Moema Pacheco Chediak
Matos e Regiani Nascimento Gagno Pôrto, pelo apoio, ensinamentos e amizade durante todo o
curso.
Aos amigos Mariana Batista Rodrigues Faleiro, Adriana Marques Faria, Adriana
Silva Santos, Hugo Henrique Ferreira, Denise Caroline Toledo, Danilo Rezende e Silva, Paula
Lima Magalhães e Lucélia Gonçalves Vieira, pela amizade e auxílio durante o curso.
À Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG, que se tornou minha segunda casa
nesses últimos anos e me preparou profissionalmente, conferindo-me conhecimentos
necessários à tão sonhada pós-graduação.
Ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da EVZ/UFG e a todo seu
corpo docente.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e à
Coordenação de Aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo auxílio e bolsa
cedidos, permitindo que me dedicasse exclusivamente ao desenvolvimento deste trabalho.
Aos demais professores, funcionários e alunos da EVZ/UFG.
Aos professores e funcionários da Faculdade Metropolitana de Anápolis e da
UniEvangélica, pela amizade e apoio durante o curso.
Aos professores da disciplina Morfofuncional do Centro Universitário
UniEvangélica: Wesley Gomes, Claudinei Sousa Lima, Denis Sugita, Jivago Carneiro,
Ângela Alves Viegas, Geraldo Oliveira, Marcos Mota, Wesley Brito, Milena Lima, Luciana
Caetano Fernandes e Alisson Martins, pela amizade e companheirismo.
vii
Aos amigos Alysson Tronconi, Fernanda Tronconi, Arthur Francisco Júnior e
Liliana Francisco, pela verdadeira amizade demonstrada durante esses oito anos que moramos
em Anápolis.
Aos verdadeiros amigos de infância e toda a vida: Leandra Lemos Teixeira (in
memorian), Lissandra Lemos Teixeira, Ana Carolina Oliveira, Adelaide Maria Carvalho de
Oliveira, Flávia Orsi, Gerusa Alves Naves, Letícia Canut, Denise Oliveira Santos e Rodrigo
Cury.
A todos os meus alunos, pelo incentivo direto ou indireto à busca de novos
conhecimentos e pela compreensão nos momentos de ausência e substituições de aulas aos
sábados.
Meu especial agradecimento àqueles que tornaram tudo isso possível, os animais.
A todos aqueles que em algum momento fizeram parte da minha vida.
MEUS SINCEROS AGRADECIMENTOS.
viii
"A Verdadeira coragem é ir atrás de seus sonhos, mesmo
quando todos dizem que ele é impossível."
Cora Coralina
ix
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS..........................................................................................................
xi
LISTA DE TABELAS.........................................................................................................
xiv
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS.........................................................................
xvi
RESUMO............................................................................................................................. xvii
ABSTRACT......................................................................................................................... xviii
CAPÍTULO 1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................................
19
1. INTRODUÇÃO...............................................................................................................
19
2. REVISÃO DA LITERATURA.......................................................................................
22
2.1. Noções sobre histofisiologia cardíaca..........................................................................
22
2.2. Cardiotoxicidade induzida pela DOX...........................................................................
24
2.3. Metaloproteinases de matriz (MMP) e seus inibidores (TIMP)...................................
29
2.4. Antioxidantes................................................................................................................
31
2.5. Lesões miocárdicas induzidas pela DOX.....................................................................
36
REFERÊNCIAS..................................................................................................................
39
CAPÍTULO 2 - EFEITO DO EXTRATO ETANÓLICO DA CASCA DO PEQUI
(Caryocar brasiliense) NA CARDIOTOXICIDADE AGUDA INDUZIDA POR
DOXORRUBICINA EM RATOS.......................................................................................
47
RESUMO.............................................................................................................................
47
ABSTRACT.........................................................................................................................
48
INTRODUÇÃO...................................................................................................................
49
MATERIAL E MÉTODOS.................................................................................................
50
x
RESULTADOS....................................................................................................................
54
DISCUSSÃO........................................................................................................................
58
CONCLUSÕES....................................................................................................................
63
REFERÊNCIAS...................................................................................................................
63
CAPÍTULO 3 - AÇÃO DO EXTRATO ETANÓLICO DA CASCA DO PEQUI
(Caryocar brasiliense) NA CARDIOTOXICIDADE CRÔNICA INDUZIDA POR
DOXORRUBICINA EM RATOS.......................................................................................
67
RESUMO.............................................................................................................................
67
ABSTRACT.........................................................................................................................
68
INTRODUÇÃO....................................................................................................................
69
MATERIAL E MÉTODOS..................................................................................................
70
RESULTADOS....................................................................................................................
74
DISCUSSÃO........................................................................................................................
79
CONCLUSÕES....................................................................................................................
84
REFERÊNCIAS...................................................................................................................
84
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................
87
APÊNDICE A......................................................................................................................
89
APÊNDICE B.......................................................................................................................
91
ANEXO A............................................................................................................................
93
xi
LISTA DE FIGURAS
CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
FIGURA 1
Fotomicrografias de coração de mamífero. A) Epicárdio (1), miocárdio
(2) e endocárdio (3). HE, 40X. B) Fibras musculares cardíacas em corte
predominantemente longitudinal. HE, 100X. C) Epicárdio. Mesotélio
(seta fina) e tecido conjuntivo fibroso (seta larga) HE, 100X. D)
Endocárdio. Endotélio (seta larga), camada subendotelial (estrela) e fibras
de Purkinje (seta fina). HE, 100X................................................................. 22
FIGURA 2
Diagrama ilustrando a posição dos filamentos finos e grossos do
sarcômero. A estrutura molecular desses elementos é mostrada à direita.... 23
FIGURA 3
Desenho esquemático mostrando a molécula da DOX. Pela própria
estrutura molecular, atua como agente doador e receptor de elétrons,
gerando RL.................................................................................................... 26
FIGURA 4
Fotomicrografias do miocárdio de ratos tratados com DOX. A) Fibras
colágenas coradas em azul (setas), substituindo fibras musculares, o que
indica fibrose. Tricômico de Masson, 100X. B) Corte longitudinal das
fibras musculares cardíacas, algumas apresentando vacuolização
citoplasmática (setas). HE, 200X. C) Necrose miocárdica (setas). HE,
200X. D) Variação no tamanho nuclear. HE, 200X..................................... 37
FIGURA 5
Eletromicrografia de cardiomiócito ventricular de rato três semanas após a
aplicação de 2,2mg/kg de DOX. Parte do núcleo com várias mitocôndrias
pequenas em seu interior (setas finas) e miofibrilas supercontraídas
adjacentes (setas grossas).............................................................................. 38
xii
CAPÍTULO 2 - EFEITO DO EXTRATO ETANÓLICO DA CASCA DO PEQUI
(CARYOCAR BRASILIENSE) NA CARDIOTOXICIDADE AGUDA
INDUZIDA POR DOXORRUBICINA EM RATOS
FIGURA 1
Fotomicrografias de escores de intensidade de marcação
imunoistoquímica com os anticorpos anti-MMP2, anti-MMP9, antiTIMP1 e anti-TIMP2 no miocárdio de ratos tratados com DOX, com e
sem EECP. A) controle negativo (0+); B) Intensidade discreta (1+)
(setas), anti-MMP9; C) Intensidade moderada (2+) (setas), anti-TIMP2;
D) Intensidade acentuada (3+) (setas), anti-MMP2. DAB contra corado
com Hematoxilina de Mayer......................................................................... 53
FIGURA 2
Perfis médios, com intervalo de confiança de 95% de confiança, do peso
dos ratos ao longo do tempo, por grupo........................................................ 54
FIGURA 3
Fotomicrografias do miocárdio de ratos tratados com DOX. A) G1,
infiltrado predominantemente mononuclear (seta), com células de
Anitschkow (setas vazadas); B) GC, necrose de coagulação. Aumento de
eosinofilia citoplasmática e picnose nuclear (seta); C) G1, degeneração
vacuolar miocítica (setas); D) GC, degeneração vacuolar miocítica; E)
G3, Edema e desorganização de cardiomiócitos (setas); F) G2,
vacuolização da túnica média arterial (setas) (HE)....................................... 55
xiii
CAPÍTULO 3 - AÇÃO DO EXTRATO DA CASCA DO PEQUI (CARYOCAR
BRASILIENSE) NA CARDIOTOXICIDADE CRÔNICA INDUZIDA
POR DOXORRUBICINA EM RATOS
FIGURA 1
Fotomicrografias de escores de intensidade de marcação
imunoistoquímica com os anticorpos anti-MMP2, anti-MMP9, antiTIMP1 e anti-TIMP2 no miocárdio de ratos tratados com DOX, com e
sem EECP. A) Controle negativo (0+); B) Intensidade discreta (1+), antiTIMP1; C) Intensidade moderada (2+), anti-TIMP2; D) Intensidade
acentuada (3+), anti-MMP2. DAB contra corado com Hematoxilina de
Mayer............................................................................................................ 73
FIGURA 2
Fotomicrografias do miocárdio de ratos submetidos à cardiotoxicidade
crônica pela DOX. A) GC: degeneração vacuolar (setas grossas) e
fragmentação de miofibrilas (setas finas); B) G3: necrose evidenciada por
aumento de eosinofilia citoplasmática e picnose nuclear (seta grossa) e
fragmentação de miofibrilas (setas finas); C) G1: Infiltrado inflamatório
predominantemente mononuclear (seta grossa) com células de
Anitschkow (setas finas); D) GC: desorganização de fibras (setas); E) G4:
vacuolização da túnica média de artérias; F) G1: fibrose (setas) (HE)......... 76
FIGURA 3
Ultramicrografias do miocárdio de rato. A) Grupo Sham: tecido cardíaco
normal, notar miofibrilas bem organizadas (seta branca), sem vacúolos,
mitocôndrias morfologicamente normais (seta grossa) e grânulos de
glicogênio (setas pretas finas); B) Grupo G3: edema, notar maior
espaçamento entre miofibrilas (setas); C) Grupo G3: vacúolos (setas); D)
Grupo G4: necrose, desorganização de miofibrilas (seta branca),
desestruturação das mitocôndrias (seta preta grossa) e debris de organelas
(setas pretas finas). Cortes contrastados com uranila e citrato de
chumbo.......................................................................................................... 79
xiv
LISTA DE TABELAS
CAPÍTULO 2 - EFEITO DO EXTRATO ETANÓLICO DA CASCA DO PEQUI
(CARYOCAR BRASILIENSE) NA CARDIOTOXICIDADE AGUDA
INDUZIDA POR DOXORRUBICINA EM RATOS
TABELA 1
Mediana dos valores obtidos na graduação das alterações histopatológicas
para cada grupo, analisados por intensidade (I) e por distribuição (D)......... 56
TABELA 2
Médias de postos (ranks) entre TIMP1, TIMP2, MMP2 e MMP9 para os
grupos analisados quanto a intensidade de marcação e percentual de
imunomarcação.............................................................................................. 57
TABELA 3
Correlação de Spearman entre as variáveis avaliadas, por percentual de
área tecidual imunomarcada e por intensidade de imunomarcação, para
cada grupo..................................................................................................... 57
xv
CAPÍTULO 3 - AÇÃO DO EXTRATO DA CASCA DO PEQUI (CARYOCAR
BRASILIENSE) NA CARDIOTOXICIDADE CRÔNICA INDUZIDA
POR DOXORRUBICINA EM RATOS
TABELA 1
Teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, para comparação de grupos
independentes, das variáveis peso final do rato, peso do coração e
proporção do peso do coração em relação ao peso final dos ratos (peso do
coração /peso final do rato), medidas do coração eixo longitudinal e
medidas do coração eixo transversal, por grupo........................................... 75
TABELA 2
Mediana dos valores obtidos na graduação das alterações histopatológicas
para cada grupo, analisados por intensidade (I) e por distribuição (D)........ 77
TABELA 3
Médias dos postos (ranks) entre TIMP1, TIMP2, MMP2 e MMP9 para os
grupos analisados por intensidade e por porcentagem de células marcadas...... 77
TABELA 4
Correlação de Spearman entre as variáveis avaliadas, por porcentagem de
células marcadas e por intensidade, para cada grupo.................................... 78
xvi
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ALT
ANT
AST
CAT
CMD
DAU
DOX
EECP
ERRO
Fe
LPB
GPx
HK
IAP
IC
LDH
MB
MEC
MLCK
MMP
MT-MMP
NADPH
RL
RLO
S-MMP
TBARS
TIMP
TRZ
UPS
VE
- alanina aminotransferase
- antraciclinas
- aspartato aminotransferase
- catalase
- cardiomiopatia dilatada
- daunorrubicina
- doxorrubicina
- extrato etanólico da casca do pequi
- espécies reativas de oxigênio
- ferro
- polissacarídeo de Lycium barbarum
- glutationa peroxidase
- hexoquinase
- inibidor de proteínas da apoptose
- insuficiência cardíaca
- lactato desidrogenase
- membrana basal
- matriz extracelular
- miosina de cadeia leve quinase
- metaloproteinases de matriz
- metaloproteinases de matriz ligadas à membrana
- nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato
- radicais livres
- radicais livres de oxigênio
- metaloproteinases de matriz secretadas
- substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico
- inibidores de metaloproteinases
- trastuzumab
- complexo ubiquitina-proteassoma
- ventrículo esquerdo
xvii
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo avaliar a ação do extrato etanólico da casca do pequi
(EECP) (Caryocar brasiliense), por meio de avaliação morfológica e expressão das proteínas
MMP2, MMP9, TIMP1 e TIMP2, no miocárdio de ratos submetidos à cardiotoxicidade
experimental aguda e crônica pela doxorrubicina (DOX), visando melhor entendimento dos
mecanismos envolvidos nesse processo patológico. Para isso, foram realizados dois
experimentos. Nos grupos do experimento de fase aguda, foram utilizados 30 ratos da raça
Wistar, distribuídos em seis grupos de cinco animais cada, sendo grupo Sham (GS) água e
solução salina; (G1) 16 mg/kg de DOX e tratamento com 300 mg/kg de EECP durante 17 dias;
(G2) 16 mg/kg de DOX e 600 mg/kg de EECP durante 17 dias; (G3) 16 mg/kg de DOX e 300
mg/kg de EECP durante 10 dias; (G4) 16 mg/kg de DOX e 600 mg/kg de EECP durante 10
dias; e grupo controle (GC) 16 mg/kg de DOX. O tratamento de G1 e G2 teve início no dia um
e estendeu-se até o término do experimento, no dia 17. Os animais de G3 e G4 foram
submetidos a tratamento com EECP durante 10 dias, a partir do dia sete, e a DOX foi aplicada
no 14° dia após o início do experimento. Três dias após a aplicação da DOX, no dia 17, os
animais foram submetidos à eutanásia, avaliação macroscópica e colheita de amostras para
análises histopatológica e imunoistoquímica. Nos grupos do experimento de fase crônica,
foram utilizados 30 ratos da raça Wistar, distribuídos em seis grupos de cinco animais. G1 e
G2 receberam como pré-tratamento com 300 mg/kg e 600 mg/kg de EECP, respectivamente,
por gavagem, durante sete dias e mantiveram o tratamento durante os 21 dias de aplicação da
DOX. Em G1, G2, G3, G4 e GC a cardiotoxicidade foi induzida com aplicações semanais de
2 mg/kg de DOX, via intraperitoneal, totalizando quatro aplicações (8 mg/kg) e, no GS foi
aplicado 1 ml de solução fisiológica. Os animais de G3 receberam diariamente 300 mg/kg e
os de G4 600 mg/kg de EECP, por gavagem, durante os 21 dias de aplicação da DOX. Os de
GS e GC receberam 1 ml de água, diariamente, também por gavagem. Após o término das
aplicações, os animais foram mantidos por dois meses em observação, totalizando três meses
de experimento. A avaliação macroscópica foi realizada aos 90 dias, momento em que foram
colhidas amostras para análise em microscopia eletrônica, histopatologia e imunoistoquímica.
No experimento de fase aguda concluiu-se que o EECP minimiza os efeitos deletérios da DOX
no miocárdio de ratos submetidos à cardiotoxicidade aguda induzida pelo fármaco. Quando
utilizado nas doses de 300 e 600 mg/kg durante 17 dias o EECP atenua a degeneração vacuolar
miocítica. Quando utilizado na dose de 600 mg/kg durante 10 dias o EECP reduz a
desorganização das fibras. O EECP na dose de 300 mg/kg durante 17 dias aumenta a expressão
de TIMP1 no miocárdio de ratos tratados com DOX. No experimento de fase crônica concluiuse que o EECP é eficiente em minimizar os efeitos da cardiotoxicidade crônica induzida pela
DOX no miocárdio de ratos, considerando que nas doses de 300 e 600 mg/kg, o EECP atenua a
degeneração vacuolar miocítica e na dose de 600 mg/kg o EECP reduz a quantidade de células
de Anitschkow e a fragmentação das miofibrilas.
Palavras-chave: Antraciclina, estresse oxidativo, histopatologia, microscopia eletrônica,
metaloproteinases, TIMP.
xviii
ABSTRACT
This study aimed to evaluate the effects of pequi shell etanolic extract (PSEE) (Caryocar
brasiliense), through morphological evaluation and expression of MMP2, MMP9, TIMP1 and
TIMP2 proteins in the myocardium of rats with experimental acute and chronic doxorubicin
(DOX) cardiotoxicity, to better understand the mechanisms involved in this disease process.
Thus, two experiments were carried out. In experiment groups of acute phase, 30 Wistar rats
were divided in six groups of five animals each, being Sham group (SG) water and saline; (G1)
16 mg/kg DOX and treatment with 300 mg/kg of PSEE for 17 days; (G2) 16 mg/kg of DOX
and 600 mg/kg of PSEE for 17 days; (G3) 16 mg/kg of DOX and 300 mg/kg of PSEE for 10
days; (G4) 16 mg/kg of DOX and 600 mg/kg of PSEE for 10 days; and (GC) 16 mg/kg DOX.
Treatment of G1 and G2 began on day one and continued until the end of the experiment, on the
17th. G3 and G4 animals were treated with PSEE for ten days, from the day seven, and DOX
was applied on the 14th day after the experiment beginning. Three days after the application of
DOX, on the 17th, the animals were euthanized and macroscopic evaluation and collection of
samples for enzymatic analysis, histopathology and immunohistochemistry were performed. In
groups of the chronic phase experiment, 30 Wistar rats were divided in six groups of five
animals. G1 and G2 received 300 mg/kg and 600 mg/kg of PSEE, respectively, as pretreatment,
by gavage for seven days. In G1, G2, G3, G4 and control group (CG), cardiotoxicity was
induced with weekly applications of 2 mg/kg DOX, intraperitoneally, totaling four applications
(8 mg/kg), and Sham group (SG) received 1 ml saline solution. G3 animals received daily 300
mg/kg of PSEE and G4, 600 mg/kg, by gavage, for 21 days of application of DOX. The CG and
SG received 1 ml of water daily by gavage also. After completion of the application animals
were kept for two months, totaling three months of treatment. Macroscopic evaluation was
performed by the 90 days and samples were taken for analysis in electron microscopy,
histopathology and immunohistochemistry. In acute experiment was concluded that PSEE
attenuates the the deleterious effects of the DOX on cardiac muscle undergoing acute druginduced cardiotoxicity. When used at doses of 300 and 600 mg/kg for 17 days PSEE attenuates
vacuolar degeneration in myocytes. When used at a dose of 600 mg/kg for 10 days PSEE
reduces the fibers disruption. PSEE at a dose of 300 mg/kg for 17 days increases TIMP1
expression in the myocardium of rats treated with DOX. In chronic experiment was concluded
that PSEE is effective in minimizing effects of chronic cardiotoxicity induced by DOX in the
myocardium of rats, whereas at doses of 300 and 600 mg/kg, PSEE attenuates vacuolar
degeneration in myocytes and at the dose of 600 mg/kg the PSEE reduces the amount of
Anitschkow cells and myofibrils fragmentation.
Keywords: Anthracycline, electron microscopy, histopathology, metalloproteinases, oxidative
stress, TIMP.
CAPÍTULO 1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1. INTRODUÇÃO
A cardiomiopatia dilatada (CMD) representa o estágio final de diversas afecções
do miocárdio e caracteriza-se por dilatação cardíaca, uni ou bilateral, associada à disfunção
contrátil geralmente progressiva1. Pode ter origem idiopática ou conhecida2, incluindo-se
nesta última categoria as causas hereditárias, nutricionais, tóxicas, endócrinas, infecciosas
(virais, bacterianas e parasitárias) e neoplásicas3.
A doxorrubicina (DOX) é um antibiótico da família das antraciclinas (ANT),
sendo um dos mais importantes antitumorais utilizados na medicina veterinária. Possui valor
clínico limitado pela ocorrência de cardiomiopatia frequentemente irreversível4,5. A
cardiotoxicidade do fármaco associa-se a sua concentração sérica e, quando a dose excede
250 mg/m2, ocorre degeneração miocárdica progressiva6.
Como resultado de sua ação, as ANT intercalam-se com o DNA, causando ruptura
de filamentos único e duplos, e troca de cromátides irmãs. Portanto, são mutagênicas e
carcinogênicas. Em função do grupo quinona, também geram radicais livres (RL) em tecidos
normais e malignos7. As ANT reagem com a citocromo P450 redutase na presença de fosfato
de nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzido (NADPH), para formar intermediários de
radicais semiquinonas, que reagem com o oxigênio para produzir radicais de ânion
superóxido, e estes geram peróxido de hidrogênio e radicais hidroxila6.
A cardiotoxicidade induzida pela DOX é classificada cronologicamente em aguda,
crônica e tardia, sendo que a forma aguda ocorre na primeira semana após a administração do
fármaco, a crônica até um ano após o término do tratamento e a tardia tem início anos após a
conclusão da terapia anineoplásica8. A forma crônica é a mais estudada em função das
manifestações clínicas decorrentes da insuficiência cardíaca (IC), que se manifesta semanas a
meses após o término do tratamento. Contudo, há relatos de redução da cardiotoxicidade da
DOX com o uso de antioxidantes9-13.
Radicais livres (RL) são átomos ou moléculas que apresentam um elétron
desemparelhado no orbital externo, o que os tornam reativos a outras moléculas (lipídeos,
proteínas e ácidos nucleicos). O equilíbrio entre a produção de RL e sua neutralização é
necessário, e, para isso, existem sistemas antioxidantes (superóxido dismutase, catalase e
glutationa peroxidase), que catalisam as reações de oxirredução, impedindo a formação de
radicais intermediários14. Além disso, estudos comprovam que dietas ricas em antioxidantes
20
naturais presentes em frutas, cereais e vegetais contribuem para a redução significativa de
doenças crônicas e degenerativas que envolvem esses produtos do metabolimo celular15-17.
Os fenois, flavonoides, tocoferois, fosfolipídios, aminoácidos, ácido fítico, ácido
ascórbico, pigmentos e esterois são substâncias químicas que possuem atividade antioxidante.
O pequi (Caryocar brasiliense) é um fruto rico em fenois, bastante difundido na culinária da
região centro-oeste, encontrado no cerrado, cerradão e mata calcária, e que também apresenta
uso medicinal. O óleo da polpa é utilizado no tratamento de bronquites, gripes, resfriados e
até mesmo no controle de tumores. Ainda, a polpa é rica em vitamina A e proteínas,
constituindo-se como importante complemento alimentar16.
Pesquisas mostram que o C. brasiliense contém no fruto e na casca alta
concentração de fenois, incluindo flavonoide, quercetina e quercetina 3-O-arabinose, bem
como componentes ácidos, como ácido gálico e ácido quínico, os quais em maior
concentração quando a elaboração do extrato é por extração etanólica16,18. Esses compostos
são antioxidantes naturais capazes de neutralizar RL, reduzindo o estresse oxidativo em
doenças crônicas, cardiovasculares, neurodegenerativas e até mesmo na carcinogênese19,20.
As metaloproteinases de matriz (MMP) são enzimas responsáveis pela degradação
de componentes da matriz extracelular (MEC) e atuam no desenvolvimento e remodelamento
normais da MEC ou em processos patológicos21. As MMP são secretadas como pró-enzimas
inativas e requerem clivagem proteolítica para sua ativação. De acordo com Potáčová et al.22, o
estresse oxidativo pode ativá-las. Os inibidores de metaloproteinases (TIMP) são proteínas
específicas que regulam as atividades dessas enzimas, auxiliando na manutenção da integridade
da MEC23-26. São descritos quatro tipos de TIMP (1, 2, 3 e 4), que diferem em estrutura,
propriedades bioquímicas, expressão e funções biológicas23,27. O equilíbrio entre a síntese e a
ação das MMP e seus inibidores é fundamental para a manutenção da homeostase das proteínas
da MEC28. Quando esse equilíbrio é rompido, sua integridade é comprometida.
No coração, o colágeno é a principal proteína de sustentação dos cardiomiócitos.
Quando a síntese dessa proteína predomina sob a degradação o resultado é a fibrose. Ao
contrário, quando a degradação predomina o que se estabelece é a disfunção contrátil29. A
MMP2 e a MMP9 desempenham importante função no desenvolvimento de diversas doenças
cardiovasculares30. Alterações na expressão dessas enzimas no miocárdio foram observadas
na CMD em humanos31,32, em doenças hipertensivas utilizando ratos como modelo
experimental33, no infarto do miocárdio34, bem como após tratamento agudo30 e crônico35 com
DOX em camundongos e coelhos, respectivamente. Ainda, de acordo com Adamcová et al.35,
21
o remodelamento induzido pela DOX pode ser prevenido terapeuticamente com dexrazoxane,
um quelante do ferro neutralizador de RL.
Apesar da frequente cardiotoxicidade da DOX em pacientes humanos e animais,
do incentivo à pesquisa de produtos naturais com fins terapêuticos e da abundância de fenois
contidos no pequi, a literatura não contempla estudos com o uso desse fruto do cerrado como
antioxidante nessa afecção, o que impulsiona o alvo desta pesquisa, que teve por objetivo
avaliar o efeito antioxidante do EECP (Caryocar brasiliense) no miocárdio de ratos
submetidos à cardiotoxicidade experimental aguda e crônica pela DOX, para melhor
entendimento dos mecanismos envolvidos nesse processo patológico.
22
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. Noções sobre histofisiologia cardíaca
O coração funciona como uma bomba propulsora e é o principal elemento do
sistema cardiovascular a determinar a pressão sanguínea sistêmica. É formado por sincícios de
fibras musculares, que formam átrios e ventrículos, separados por tecido conjuntivo fibroso36.
As camadas do coração são denominadas epicárdio, miocárdio e endocárdio. O
epicárdio é a membrana serosa que reveste externamente o coração. É constituído por epitélio
simples pavimentoso, denominado mesotélio e por uma camada subepicárdica de tecido
conjuntivo fibroso. O miocárdio, a porção mais volumosa do coração, constitui-se por tecido
muscular cardíaco, composto por fibras musculares especializadas, que formam uma rede
interconectada e sustentada por tecido fibrocolagenoso frouxo. O endocárdio, a porção mais
interna, é constituído por três camadas, uma de epitélio simples pavimentoso (endotélio), uma
de tecido conjuntivo (subendotelial) e uma subendocárdica, que liga o subendotélio ao
miocárdio. Nesse local há frequentemente aglomerados de fibras de Purkinje37 (Figura 1).
FIGURA 1 - Fotomicrografias de coração de mamífero. A) Epicárdio (1), miocárdio
(2) e endocárdio (3). HE, objetiva de 40X. B) Fibras musculares
cardíacas em corte predominantemente longitudinal. HE, objetiva de
100X. C) Epicárdio. Mesotélio (seta fina) e tecido conjuntivo fibroso
(seta larga) HE, objetiva de 100X. D) Endocárdio. Endotélio (seta
larga), camada subendotelial (estrela) e fibras de Purkinje (seta fina).
HE, objetiva de 100X.
Fonte: Adaptado de Monteiro e Faísca39.
23
Os cardiomiócitos possuem um ou dois núcleos, estes localizados centralmente.
No ventrículo esquerdo (VE) são mais espessos e possuem núcleo maior38,39. As fibras
cardíacas são cadeias ramificadas de células musculares estriadas, unidas em suas
extremidades pelos discos intercalares, que são junções de membrana com função de adesão e
comunicação. As estriações das miofibrilas se devem à repetição de unidades contráteis
denominadas sarcômeros. Cada sarcômero é formado pela parte da miofibrila localizada entre
duas linhas Z sucessivas e que contém uma banda A separando duas semibandas I.
As miofibrilas do músculo estriado contêm quatro proteínas principais assim
denominadas: miosina, actina, tropomiosina e troponina. Os filamentos grossos são formados
por miosina e os finos pelas outras três proteínas, actina, troponina e tropomiosina37 (Figura
2).
FIGURA 2 - Diagrama ilustrando a posição dos filamentos finos e grossos do sarcômero.
A estrutura molecular desses elementos é mostrada à direita.
Fonte: Junqueira e Carneiro37.
O músculo cardíaco é um tecido contrátil, de ação involuntária, realizada pelo
deslizamento dos filamentos de actina sobre os de miosina37-41. Com relação à formação e
condução do impulso há três subtipos celulares responsáveis, as células nodais, de Purkinje e
de transição. As nodais encontram-se nos nodos sinoatriais (NSA) e atrioventriculares (NAV).
As células do NSA respondem pela atividade de marcapasso e as do NAV pelo retardo da
condução atrioventricular. As de Purkinje são especializadas na condução rápida do impulso e
não em contração, e estão no feixe de His, em seus ramos, na rede de Purkinje e nas paredes
ventriculares. As células de transição são o elo entre as células contráteis e de condução42.
24
Os batimentos cardíacos consistem em contração (sístole) e relaxamento (diástole)
do tecido muscular total. A contração muscular está associada a um potencial de ação (PA). A
atividade elétrica tem início no NSA, passa pelo NAV, feixe de His e propaga-se pelo
coração, passando de uma célula a outra através das junções de membrana. O intervalo entre o
PA determina a frequência cardíaca43,44.
No coração podem ser encontradas as células de Anitschkow. Essas células foram
descritas em uma tese defendida no ano de 1912 pelo patologista Russo Nikolai
Nikolajewitsch Anitschkow. Estão associadas à cardiopatia reumática, uma doença
inflamatória, multissistêmica, imunomediada, secundária à faringite estreptocócica. Também
são encontradas na miocardite causada por ANT, sendo um dos achados microscópicos
descritos45. Essas células são macrófagos com citoplasma abundante e núcleo central, de
formato arredondado a ovoide, com cromatina em disposição tridimensional disposta de
forma ondulada, delgada e central, que se assemelha a uma lagarta se visto lateralmente. O
aspecto em olho de coruja aparece quando o núcleo é visto de frente46.
A toxicidade da DOX nas mitocôndrias tem sido observada principalmente nos
cardiomiócitos em função de sua abundância nessas células. Entretanto, já foi descrita em
órgãos como o cérebro, pulmões e fígado47. As mitocôndrias são árbitros no frágil equilíbrio
entre a vida e a morte celular. Apresentam um intrincado sistema de membrana, com uma
composição de lipídeos particular. Alguns desses são sintetizados dentro das mitocôndrias,
enquanto outros são importados ou adquiridos sob a forma de precursores. Uma série de
eventos biológicos como a apoptose, doenças e o próprio envelhecimento podem resultar de
alterações no teor de lipídeos das membranas mitocondriais. A cardiolipina, um fosfolipídeo
amplamente descrito na mitocôndria, tem sido associada a processos importantes, incluindo a
fosforilação oxidativa, apoptose e função de proteínas de membrana mitocondrial. A
composição de fosfolípidos das membranas mitocondriais é determinada geneticamente e
varia marcadamente entre diferentes tecidos e órgãos de um animal. Há intervenções que
utilizam a modulação da composição lipídica da membrana mitocondrial, por exemplo através
da dieta, como estratégia para o tratamento de algumas enfermidades48.
2.2. Cardiotoxicidade induzida pela DOX
As ANT são antibióticos citostáticos descobertos há mais de meio século e que
exercem sua ação através da inibição da topoisomerase II49. Os fármacos mais representativos
desse grupo são a DOX, ativa contra alguns cânceres hematológicos e tumores sólidos50, a
daunorrubicina, epirrubicina, idarrubicina e mitoxantrona51.
25
A DOX foi isolada de culturas de Streptomyces peucetius, variante caesius52 e tem
sido utilizada na prática oncológica desde a década de 1960. A identificação do seu alvo e das
demais ANT foi um marco importante na farmacologia anticâncer53. A regressão tumoral é
expressiva no uso isolado da DOX e significativamente maior quando combinada a outros
agentes antitumorais54. Apesar disso, sua utilidade clínica é limitada devido ao potencial
desenvolvimento de resistência ao fármaco e a cardiotoxicidade55.
Atualmente, mesmo com o uso de protocolos com baixas doses cumulativas e
regimes cardioprotetores disponíveis, a cardiotoxicidade pela DOX ainda ocorre, e sua
prevenção e manejo continuam a ser preocupantes para cardiologistas e oncologistas. A
cardiotoxicidade das ANT se torna progressivamente frequente com doses acima de 500
mg/m2 e é atribuída principalmente à lipoperoxidação das membranas dos cardiomiócitos46.
Em humanos, a incidência de IC é de aproximadamente 2% com a dose cumulativa de 300
mg/m2, mas aumenta rapidamente para 20% em doses cumulativas de 550 mg/m2. A
prevalência da disfunção contrátil ventricular esquerda está entre 50-60% com dose
cumulativa de 430-600 mg/m2, com incidência considerável de doenças cardíacas56.
Por outro lado, a dose cumulativa é significativamente menor em animais
domésticos. Em cães, a DOX é utilizada com finalidade terapêutica na dose de 30 mg/m2,
aplicada lentamente por via intravenosa, a cada três ou nove semanas, sendo recomendado
não exceder os 240 mg/m2. Nos protocolos quimioterápicos em gatos, a DOX é utilizada na
dose de 20 a 25 mg/m2 a cada três semanas, recomendando-se não ultrapassar os 90 mg/m2 5759
. Em ratos, a dose não é calculada com base na área corporal e diversas doses foram
descritas, como 5 mg/kg60, 10 mg/kg12 e 16 mg/kg9.
De acordo com Raj et al.8, a cardiotoxicidade induzida pela DOX é classificada
cronologicamente em aguda, crônica e tardia. A forma aguda é observada na primeira semana
após a administração do fármaco enquanto a crônica se desenvolve até um ano após o término
do tratamento. Já a tardia se manifesta anos após a conclusão da terapia anticâncer.
Entretanto, grande parte do conhecimento atual acerca da cardiotoxicidade por ANT decorre
de pesquisas retrospectivas de pacientes com câncer que desenvolveram IC sintomática
durante ou logo após a quimioterapia. Isso resultou em grandes variações na estimativa de
incidência e prognóstico da cardiotoxicidade da DOX e tem contribuído para a falta de
diretrizes reconhecidas para a vigilância e gestão dessa importante complicação da terapia do
câncer. Em estudo prospectivo com 2.625 pacientes humanos, constatou-se que as
manifestações de alterações cardíacas ocorrem até um ano após a aplicação do fármaco em
98% dos indivíduos, sendo apenas 2% dos casos de manifestação tardia61.
26
A CMD decorrente da cardiotoxicidade crônica pela DOX geralmente tem início a
partir do primeiro mês do encerramento da quimioterapia62. A cardiotoxicidade pela DOX é
tão bem estabelecida que o fármaco vem sendo utilizado em modelos experimentais para fins
de pesquisa sobre a CMD em humanos e animais60,63. Na cardiomiopatia induzida pela DOX
ocorrem danos funcionais e disfunção contrátil do músculo cardíaco, gerando incapacidade do
coração em bombear sangue e, consequentemente, oxigênio na quantidade ideal para atender
as necessidades do metabolismo celular54.
Há várias hipóteses para explicar a cardiotoxicidade pelas ANT, sendo a formação
de RL a mais aceita. O composto cardiolipina, presente nas mitocôndrias, exerce poder
atrativo às ANT, incluindo a DOX (Figura 3). Assim, no interior das células, as moléculas do
fármaco ligam-se ao ferro, formando complexos ferro-ANT que, por mecanismo oxidativo
catalizado pelo ferro, resultam nos RL superóxido, peróxido de hidrogênio e hidroxil64.
FIGURA 3 – Desenho esquemático mostrando a molécula da
DOX. Pela própria estrutura molecular, atua como
agente doador e receptor de elétrons, gerando RL.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Doxorrubicina
Adicionalmente, sabe-se que a DOX desencadeia a liberação de mediadores
químicos inflamatórios, como a histamina, metabólitos do ácido araquidônico e citocinas próinflamatórias, como fator de necrose tumoral (TNF-α), interleucina 2 (IL-2) e fator de
ativação plaquetário (PAF), que podem favorecer a progressão das lesões nos miócitos. Além
desses mecanismos, o influxo de cálcio, o distúrbio da função adrenérgica do miocárdio e a
27
interação com o sistema contrátil actina-miosina também foram propostos. Tais alterações
geram danos intracelulares ou morte dos cardiomiócitos, resultando em fibrose miocárdica64.
Outro mecanismo considerado importante na cardiotoxicidade da DOX é a
apoptose65, que resulta na ativação de proteases, o que ocorre por diferentes rotas. As mais
comuns compreendem a ativação das caspases por via direta, via alteração mitocondrial, e por
meio da interferência de proteínas citoplasmáticas reguladoras da apoptose. Durante o estresse
oxidativo, um estímulo apoptótico, a mitocôndria não realiza sua função de manter a vida
celular para exercer papel contrário, facilitando a morte celular. Ocorre a liberação de
substâncias, como o citocromo c e o fator indutor de apoptose (FIA), iniciando a ativação das
caspases. As caspases são enzimas que clivam substratos proteicos, como proteínas
citoesqueléticas e da matriz nuclear, e resultam em apoptose66. As alterações mitocondriais
podem ser visibilizadas à microscopia eletrônica de transmissão67.
Ainda, substâncias como a DOX podem alcançar o genoma celular e ativar a
expressão do gene P53 e seu produto, a proteína p53, induzindo retardo mitótico e apoptose.
Um dos alvos da p53 são os genes das proteínas inibidoras da apoptose (IAP). Assim, as
caspases naturalmente inibidas pelas IAP tornam-se ativadas. Além disso, a p53 ativa os
genes das proteínas pró-apoptóticas Bax (proteína X associada ao Bcl-2), que se dimerizam
com as proteínas antiapoptóticas Bcl-2 (proteínas reguladoras da apoptose), resultando em
aumento da permeabilidade mitocondrial, com liberação de fatores pró-apoptóticos68.
Os radicais livres de oxigênio (RLO) são moléculas que contém oxigênio e
apresentam elétrons não pareados em sua órbita externa. Essa característica torna os RLO
fonte de lesões para células e tecidos, já que possuem a característica de reagir e modificar
estruturas celulares como proteínas, lipídeos e ácidos nucleicos, provocando lesão tecidual14.
Os organismos aeróbicos sintetizam trifosfato de adenosina (ATP) por meio da
redução completa de O2 por quatro elétrons, pelo transporte mitocondrial. Em alguns casos, o
oxigênio pode receber menos elétrons e, quando isso ocorre, formam-se RLO, sendo essa
situação parte do processo fisiológico. Entretanto, em situações de aumento na produção dos
RL desencadeia-se a condição denominada estresse oxidativo14. A neutralização dos RL é
realizada por substâncias denominadas antioxidantes, que são capazes de prevenir os efeitos
deletérios da oxidação e inibir a lipoperoxidação por meio do sequestro dos RL69.
De acordo com Simůnek et al.70, têm sido sugeridas propostas para explicar o
motivo pelo qual o coração é o principal alvo da toxicidade das ANT. Uma teoria sugere que
a abundância de mitocôndrias nesse tecido aumenta significativamente a produção de
metabólitos derivados do oxigênio que, em conjunto, são chamadas espécies reativas de
28
oxigênio (ERO). Outra, que os níveis das enzimas catalase (CAT) e glutationa peroxidase
(GPx) são menores no tecido cardíaco, reduzindo a atividade antioxidante endógena. Sugerese ainda maior retenção das ANT no tecido cardíaco do que em outros tecidos70.
As ANT agem alterando o DNA, e, por isso, são eficazes contra o câncer. Porém,
outros mecanismos têm sido descritos10. Similarmente a outros fármacos intercalantes de
DNA, a DOX assume importante ação inibidora da topoisomerase II, uma enzima importante
no processo de replicação do DNA71. Em função de seu grupo quinona, também gera RL em
tecidos normais e malignos72. Quanto à produção de RL, as ANT reagem com a citocromo
P450 redutase na presença de NADPH para formar intermediários de radicais semiquinonas,
que reagem com o oxigênio para produzir radicais de ânion superóxido, e este produz
peróxido de hidrogênio e radicais hidroxila6.
Fontes de ferro (Fe) também são importantes na lesão oxidativa de células, tendo
papel significativo na patogênese de lesões induzidas por RL. O Fe é indispensável para a
respiração celular, sendo utilizado nos citocromos mitocondriais para o transporte de elétrons.
Por outro lado, apresenta ação crucial na injúria tóxica por oxigênio. O Fe no citoplasma
encontra-se, em sua maioria, na forma férrica (Fe+++) e tem que ser reduzido à forma ferrosa
(Fe++) para ser ativo na reação de Fenton. Esta reação química descreve a ligação entre o
peróxido de hidrogênio e o Fe para formar radicais hidroxila. Essa redução pode ser
estimulada pelo ânion superóxido, tornando-o importante porque gera radicais hidroxila73.
Estudos
recentes
têm
sugerido
um
novo
mecanismo
subjacente
da
cardiotoxicidade pela DOX, a ativação do sistema ubiquitina-proteassoma (UPS) induzido por
dose terapêutica de DOX com consequente proteólise e degradação de fatores de transcrição
cardíacos e de proteínas reguladoras em cardiomiócitos. O UPS promove a degradação
específica da maioria das proteínas celulares, além de cumprir obrigações não proteolíticas
importantes na célula. Notavelmente, estudos experimentais sugerem que a ativação do
proteassoma promove remodelamento cardíaco durante a hipertensão. Além disso, a inibição
do proteossoma tem sido clinicamente utilizada para tratar certos tipos de câncer e a disfunção
do proteassoma está cada vez mais associada à disfunção cardíaca74,75.
A elucidação da capacidade da DOX de se vincular ao proteassoma na célula,
antes da translocação para o núcleo, levantou a possibilidade desse fármaco alterar a função
do proteassoma. Contudo, o mecanismo pelo qual essa ANT ativa o proteassoma ainda não
foi esclarecido. Evidências experimentais diretas e indiretas sugerem que a DOX ativa UPS
em cardiomiócitos in vivo e in vitro, mas se isso ocorre em seres humanos, especialmente em
29
pacientes com câncer tratados com o fármaco, necessita ser investigado, assim como a
contribuição da ativação da UPS na cardiotoxicidade aguda e crônica pelo mesmo74.
2.3. Metaloproteinases de matriz (MMP) e seus inibidores (TIMP)
Segundo Potáčová et al.76, o estresse oxidativo ativa metaloproteinases de matriz
(MMP), as enzimas que degradam componentes da MEC e atuam em seu desenvolvimento e
remodelamento normais ou em processos patológicos21. Essas mais de 25 enzimas são
classificadas em cinco famílias de diferentes especificidades ao substrato, as colagenases
(MMP1, MMP8, MMP13 e MMP18), gelatinases (MMP2 e MMP9), estromelisinas (MMP3,
MMP10, MMP11 e MMP26), matrilisina (MMP7) e metaloproteinases de membrana
(MMP14, MMP15, MMP16, MMP17, MMP24 e MMP25)24,26.
A MEC consiste em uma complexa rede de macromoléculas que preenche os
espaços intercelulares e desempenha função primordial na manutenção da estrutura e
homeostase tecidual37. Esse componente atua mantendo células e tecidos unidos, além de
proporcionar substrato adequado ao crescimento e diferenciação dos vários tipos celulares do
organismo77. Também se apresenta sob forma especializada, uma lâmina externa, comparável à
membrana basal dos epitélios, uma camada delgada e flexível de MEC envolvendo células
musculares e adiposas, separando-as do tecido conjuntivo adjacente37.
As MMP são enzimas proteolíticas dependentes de cálcio e zinco, as quais clivam
ligações internas de peptídeos e são, por isso, endopeptidases78. As MMP são classificadas em
dois tipos, as secretadas (S-MMP) ou ligadas à membrana (MT-MMP). As S-MMP
localizam-se na superfície celular em ligações com integrinas ou interação com proteoglicanas
e colágeno tipo IV. Já as MT-MMP são ligadas covalentemente à membrana celular79. A
ativação das S-MMP ocorre no meio extracelular e a das MT-MMP no intracelular80.
As MMP degradam macromoléculas da MEC, incluindo colágeno, fibronectina,
laminina e proteoglicanas, sendo capazes de degradar todos os componentes da MEC e da
MB81. São amplamente distribuídas em indivíduos saudáveis, estando envolvidas na
embriogênese, em processos de cicatrização de feridas, reabsorção óssea e até mesmo na
involução da gândula mamária. Também estão envolvidas em processos patológicos como
doenças cardiovasculares, artrites, osteoartrites, afecções periodontais, fibrose hepática, lesões
proliferativas da próstata e alterações neoplásicas82. Leucócitos polimorfonucleares,
queratinócitos, monócitos, macrófagos, fibroblastos e células mesenquimais, como os
cardiomiócitos34, são as principais células responsáveis pela síntese e liberação das MMP. A
30
liberação dessas enzimas é dependente de citocinas, hormônios, fatores de crescimento e até
mesmo fragmentos resultantes da clivagem da MEC por MMP83.
Essas enzimas proteolíticas são liberadas na forma de zimógenos (pró-enzimas
inativas), que são ativados no ambiente pericelular pela quebra proteolítica do domínio amino
terminal rico em cisteína, sendo sua atividade dependente da presença de zinco84. As MMP
são enzimas metal dependentes por conter íons Zn²+ no sítio de ação catalítica e requerer íons
Ca²+ para sua estabilidade e atividade85. A expressão das MMP em condições fisiológicas é
fortemente regulada pela transcrição, ativação proteolítica do zimógeno e inibição da atividade
enzimática83,84. Para a maioria das MMP seus genes são expressos somente quando há
remodelação tecidual ativa. A ativação proteolítica das MMP é comumente realizada por
serinaproteinases, como a plasmina e a tripsina, e eventualmente por outras MMP, como por
exemplo a MMP2, que é ativada pela MT1-MMP86.
As proteínas inibidoras de metaloproteinases (TIMP) regulam a atividade das MMP,
auxiliando na manutenção da integridade da MEC23-26. São descritos quatro tipos de TIMP (1, 2, 3
e 4), que diferem em estrutura, propriedades bioquímicas, expressão e funções biológicas23,27. O
equilíbrio entre síntese e ação das MMP e suas proteínas inibidoras é fundamental para a
manutenção da homeostase da MEC. Quando esse equilíbrio é rompido, a integridade da MEC é
comprometida28. A principal função fisiológica das TIMP relaciona-se à regulação da degradação
da MEC pelas MMP durante o desenvolvimento e a remodelação tecidual27. Entretanto, são
proteínas que apresentam outras funções, como modulação do crescimento, da proliferação,
migração e invasão celular, bem como efeitos antiangiogênicos87.
Da mesma forma que acontece com as MMP, a expressão de TIMP em situações
fisiológicas e em remodelações teciduais deve ser controlada para que se mantenha a
homeostase da MEC. Alterações nesse equilíbrio podem resultar em condições patológicas
resultantes de degradação excessiva da matriz23. As TIMP são constituídas por dois domínios,
N-terminal e C-terminal, ambos estabilizados por três pontes dissulfídicas, sendo o domínio
N-terminal capaz de ligar-se à MMP e formar ligação estável que proporciona inibição das
atividades de remodelação da MEC87. As TIMP podem inibir todos os tipos de MMP ativas.
Entretanto, há diferenças de afinidade entre os tipos de TIMP e MMP. Por exemplo, a TIMP1
possui baixa afinidade para as MT-MMP, mas inibe fortemente MMP7, MMP9, MMP1 e
MMP328,88. Por outro lado, a MMP2 é predominantemente inibida por TIMP289 e TIMP490.
As MMP 2 e 9 desempenham importante função no desenvolvimento de diversas
doenças cardiovasculares30. Alterações nos níveis dessas enzimas no miocárdio foram
observadas na CMD em humanos31,32, em doenças hipertensivas utilizando ratos como modelo
31
experimental33, no infarto do miocárdio34, bem como após tratamento agudo30 e crônico35 com
DOX em camundongos e coelhos, respectivamente.
A MEC é responsável pela organização e integridade estrutural do miocárdio, e as
MMP podem degradar componentes MEC como fibras colágenas tipo I, II e III, fibronectina,
laminina e vitronectina. No estresse oxidativo, assim como em outros processos patológicos,
pode haver desequilíbrio entre as proteases e antiproteases, resultando em alterações
quantitativas e/ou qualitativas na composição da matriz, o que resulta em ruptura do colágeno,
com consequente dilatação e remodelamento do miocárdio91.
2.4. Antioxidantes
Segundo Halliwell e Guteridge92, antioxidante é qualquer substância que, quando
presente em baixa concentração, retarda ou previne a oxidação do substrato. Há várias formas
de classificação dos antioxidantes. Quanto à solubilidade, são classificados em hidrossolúveis
ou lipossolúveis93; quanto ao mecanismo de combate aos RL, em primários ou secundários;
quanto à origem, em endógenos (primários, secundários ou terciários)17 ou exógenos, dentre
os quais se encontram os alimentares94. Podem ainda ser classificados em enzimáticos ou não
enzimáticos, sintéticos ou naturais17.
A maioria dos antioxidantes solúveis em água reage com oxidantes no citoplasma
celular e no plasma sanguíneo, enquanto os lipossolúveis protegem as membranas celulares da
peroxidação lipídica93. Os antioxidantes primários promovem a remoção ou inativação dos
RL formados durante a iniciação ou propagação de uma reação oxidativa. Agem doando
átomos de hidrogênio a essas moléculas, interrompendo a reação em cadeia95. Os secundários
bloqueiam a decomposição dos hidroperóxidos e peróxidos por ação de agentes redutores,
convertendo-os na forma inativa17. Os antioxidantes endógenos compreendem os mecanismos
de defesa celular17. Segundo Frei96, os endógenos primários agem pela quelação de íons
metálicos implicados nos processos oxidativos. Constituem esse grupo as proteínas
transportadoras de íons albumina, ceruloplasmina, ferritina, melationeína e transferrina. Os
endógenos secundários neutralizam os RL antes que participem de reações em cadeia, a
exemplo das enzimas antioxidantes (superóxido dismutase, CAT, GPx e glutationa redutase) e
dos compostos de baixo peso molecular (ácido úrico, bilirrubina, glutatione coenzima-Q)17. Já
os antioxidantes endógenos terciários reparam ou eliminam estruturas celulares lesadas. Nesse
grupo encontram-se as enzimas de reparo de DNA glicosidases, endonucleases e ligases97.
Os alimentos podem conter compostos bioativos promotores da saúde, como a
atividade antioxidante das vitaminas A, C e E, e de compostos fenólicos. Geralmente, a ação
32
antioxidante de frutos e hortaliças se relaciona aos teores desses compostos, que neutralizam a
ação dos RL98. Devido à utilidade das ANT no tratamento do câncer, bem como a seu
potencial em produzir lesões induzidas por RL, esforços têm sido voltados na busca de
terapias antioxidantes que possam reduzir o estresse oxidativo desse fármaco sem alterar sua
eficácia. Vários compostos têm sido testados, especialmente os antioxidantes naturais10.
Fenois, flavonoides, tocoferois, fosfolipídios, aminoácidos, ácido fítico, ácido
ascórbico, pigmentos e esterois são substâncias com atividade antioxidante16. Antioxidantes
naturais podem ser extraídos de vegetais e plantas e são fontes de compostos fenólicos 99, que
apresentam inúmeras propriedades fisiológicas, dentre as quais as antialergênicas, antiinflamatórias, antimicrobianas, antitrombóticas, cardioprotetoras e vasodilatadoras100.
O consumo de antioxidantes naturais, como os compostos fenólicos presentes na
maioria das plantas, inibe a formação de RL e tem sido associado à menor incidência de
doenças relacionadas ao estresse oxidativo101. Lee e Shibamoto95 evidenciaram que a
atividade antioxidante dos compostos e ácidos fenólicos encontrados em plantas tem seus
efeitos atribuídos a sua propriedade oxirredutora e estrutura química. Demonstraram ainda
que os compostos fenólicos possuem um anel benzênico, um grupamento carboxílico e um ou
mais grupamentos de hidroxila na molécula, que lhes conferem propriedades antioxidantes.
O ácido ascórbico (vitamina C), presente em frutas cítricas e algumas hortaliças, se
destaca entre os antioxidantes naturais por ser considerado um dos mais potentes e menos
tóxicos. É hidrossolúvel e encontrado em altas concentrações em diversos tecidos. É um eficaz
neutralizador de RL, já que reage com as ERO oxidando-se a desidroascórbico e, pela ação da
enzima dehidroascorbatoredutase, se reconverte em ácido ascórbico17. A vitamina C é utilizada
para comparar o efeito protetivo de outros compostos contra os efeitos tóxicos da DOX10.
A vitamina E possui elevada capacidade antioxidante, desempenha papel
biológico fundamental e protege contra os efeitos tóxicos da DOX. Em altas doses, reduz a
peroxidação lipídica e aberrações cromossômicas. De acordo com Granados-Principal et al.10,
reduz a nefrotoxicidade induzida pela DOX e acelera a regeneração da pele. Já Puri et al.102
avaliaram o efeito da vitamina E na cardiotoxicidade induzida pela DOX em ratos. Avaliaram
peso, eletrocardiograma (ECG), níveis séricos de creatinafosfoquinase MB (CK-MB), lactato
desidrogenase (LDH) e transaminase glutâmico-oxalacética (TGO), também chamada de
aspartato aminotransferase (AST). Concluíram que o pré-tratamento com vitamina E reduz as
alterações eletrocardiográficas, ajuda a reduzir os níveis de CK-MB e LDH aumentados
devido a lesão miocárdica, mostrando evidências de que a vitamina E possui efeito protetor no
miocárdio de ratos submetidos à cardiotoxicidade pela DOX.
33
Carotenoides são pigmentos que dão cor a determinados alimentos e participam
ativamente na fisiologia vegetal, especialmente da fotossíntese. Alguns possuem atividade
pró-vitamina A e antioxidante. Assemelham-se à vitamina E pela característica lipofílica,
atuando sobre as lipoproteínas. Seu potencial antioxidante é utilizado quando as lipoproteínas
se expõem à oxidação lipídica. Laranja, manga, mamão, cenoura, batata doce e folhas de
espinafre são exemplos de frutas e verduras com abundância desses pigmentos17.
Com relação ao uso de antioxidantes na tentativa de minimizar os danos induzidos
pela DOX aos cardiomiócitos, sabe-se que é possível preveni-los terapeuticamente, ao menos
em parte, com o uso de dexrazoxane, um quelante de ferro, neutralizador de RL35. O
dexrazoxane é capaz de quelar os íons Fe livres, diminuindo as reações envolvendo esse íon
na produção de RL, com consequente redução do estresse oxidativo induzido pelo fármaco10.
Pesquisas realizadas em busca de substâncias antioxidantes para neutralizar os
efeitos deletérios do estresse oxidativo relatam a redução da cardiotoxicidade pela DOX12,103.
Xin et al.12 investigaram o efeito protetivo do Lycium barbarum (açaí da china) na
cardiotoxicidade induzida pelo fármaco em ratos. Concluíram que o LPB propiciou
significativo efeito protetivo na cardiotoxicidade induzida pela DOX pela supressão do
estresse oxidativo. Microscopicamente, o grupo que recebeu somente DOX apresentou
extensa vacuolização citoplasmática e desorganização miofibrilar.
Ozdoğan et al.103 avaliaram o efeito antioxidante da carnosina, um dipeptídeo
presente em tecidos mamíferos, particularmente nas fibras musculares esqueléticas, que
neutraliza RL e produtos da peroxidação lipídica das membranas celulares. Avaliaram pressão
arterial, parâmetros hemodinâmicos, ECG, exames bioquímicos (creatinafosfoquinase [CK],
LDH, AST, alanina aminotransferase [ALT], enzima glutationa peroxidase [GSH-Px],
superóxido dismutase [SOD] e CAT) e mensuração da peroxidação lipídica pelo método de
quantificação de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS). Concluíram que o
tratamento com carnosina promove significativa redução da disfunção cardíaca induzida pela
DOX, revelada pela normalização da função ventricular, ECG e exames bioquímicos.
Os compostos polifenólicos das plantas são componentes com atividade
antioxidante, anti-inflamatória e antiproliferativa19. Esses se tornaram alvo de estudo após a
pesquisa epidemiológica do chamado “Paradoxo Francês”, que contrasta a baixa incidência de
doenças cardíacas coronarianas em indivíduos com dieta rica em gorduras, em consequência
do consumo regular de vinho tinto19,20. Como o estresse oxidativo possui ação crucial na
cardiotoxicidade induzida pela DOX, o uso de compostos fenólicos como agentes protetores
constitui ferramenta para prevenção e/ou tratamento dessas doenças104.
34
Roesler et al.16 avaliaram a atividade antioxidante de diferentes frações de frutos
(casca, polpa e semente) do cerrado. Trabalharam com Annona crassiflora (araticum),
Solanum lycocarpum (lobeira), Eugenia dysenterica (cagaita), Caryocar brasilense (pequi) e
Swartzia langsdorfii (banha de galinha). Os extratos aquosos e etanólicos foram avaliados e
aqueles com altíssimo teor de fenois foram selecionados para avaliar o potencial de sequestrar
RL pelo modelo 2,2 difenil-1-picril hidrazil (DPPH). Os extratos que apresentaram os
melhores resultados foram o aquoso e etanólico da casca do pequi, o etanólico das sementes
de cagaita e o etanólico da casca e sementes de araticum.
De acordo com Silva et al.105, os frutos da cagaiteira (Eugenia dysenterica DC.,
Myrtaceae) se destacam no bioma cerrado, podem ser consumidos in natura ou processados
na forma de licores, sorvetes, sucos ou geleias, e seus frutos, folhas e cascas apresentam
propriedades medicinais. As folhas e cascas são utilizadas no tratamento de diarreias, diabetes
e icterícia. De acordo com Gonçalves98, a cagaita pode ser considerada uma boa fonte de
antioxidantes. Alves et al.106 avaliaram o potencial redutor dos extratos etanólicos e hexânicos
da cagaita, cajuzinho-do-cerrado e guariroba, e concluíram que todos esses frutos do cerrado
goiano possuem antioxidantes naturais e oferecem significativa atividade antioxidante.
Algumas espécies do gênero Caryocar, da família Caryocaraceae, denominadas
pequi, piqui ou piquiá, são de ocorrência no cerrado brasileiro e os frutos são apreciados e
utilizados na culinária das regiões Centro-Oeste, Norte e parte do Nordeste. É de uso amplo
das populações dessas regiões, em grande parte pelo seu valor alimentício, medicinal,
melífero, ornamental, oleaginoso e tanífero107,108. Segundo Lima et al.109, o fruto do pequi é
potencialmente fonte de compostos antioxidantes, pois possui 209 mg/100g de compostos
fenólicos em todo o fruto, com maior quantidade na casca. Para Kuskoski et al.110, a
capacidade antioxidante do pequi está diretamente relacionada aos compostos fenólicos.
O Caryocar brasiliense, o pequi, é um fruto típico do cerrado brasileiro conhecido
por sua grande importância na culinária regional. O óleo da polpa do Caryocar brasiliense é
amplamente utilizado na medicina popular contra asma, gripe, resfriado e doenças
broncopulmonares16. Alguns estudos avaliaram a atividade biológica e a viabilidade do uso do
pequi na medicina. Paula-Junior et al.15 utilizaram o extrato hidroalcoólico da folha do
pequizeiro e notaram que o mesmo inibe a proliferação de promastigotas de Leishmania
amazonensis, bem como o crescimento de Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus e
outras bactérias gram positivas e gram negativas. A ação antifúngica da folha, da cera e de
partes do fruto foram testadas por Passos et al.104, e Passos et al.111 em estudo in vitro contra
Cryptococcus neoformans e Paracoccidioides brasiliensis. Ainda, ação neuroprotetora do
35
extrato etanólico da casca de pequi em cérebro de ratos submetidos à isquemia de reperfusão
foi descrita por Miguel112.
O pequi possui alta concentração de ácido gálico, ácido quínico, polifenois, como
flavonoide, quercetina e quercetina 3-O-arabinose, tanto no fruto quanto na casca,
especialmente quando a extração é etanólica. Tais compostos são antioxidantes naturais que
neutralizam RL, podendo reduzir e/ou prevenir o estresse oxidativo16,18.
Além dos antioxidantes naturais, estão disponíveis no fármacos antioxidantes que
podem colaborar na prevenção e/ou redução da cardiotoxicidade induzida pela DOX. O
dexrazoxano
é
um
quelante
de
Fe
quimicamente
semelhante
ao
ácido
etilenodiaminotetracético, altamente protetor contra a cardiotoxicidade associada à ANT. Esse
fármaco é o único aprovado por agências reguladoras na prevenção de cardiomiopatia
induzida por ANT. Contudo, já foram levantadas dúvidas quanto ao eventual
comprometimento na eficácia da terapia antineoplásica e o agente não teve ampla aceitação
no tratamento de rotina dos pacientes tratados com ANT113.
A relação entre o Fe e a cardiotoxicidade pela ANT, além da produção de RL
também pode estar relacionada a perturbações na homeostase do Fe cardíaco, o que ocorre
através da interação da DOX com proteínas reguladoras do Fe (IRP), modificando a expressão
de proteínas que são essenciais à manutenção de níveis adequados do íon intracelular114.
Consequentemente, quelantes de Fe também podem interferir na interação da DOX com o Fe
celular de uma forma mais complexa do que apenas a reação de Fenton113.
O receptor do fator de crescimento epidermal humano 2 (HER2) tem sido
identificado como um importante fator de crescimento associado ao câncer de mama.
Trastuzumab (TRZ), um anticorpo monoclonal anti-HER2, está atualmente recomendado
como tratamento de primeira linha para pacientes com metástases HER2 positivo em tumores.
O uso de TRZ pode ser limitado pelo desenvolvimento de intolerância ao fármaco, como
disfunção cardíaca. A cardiotoxicidade foi atribuída ao estresse oxidativo induzido por
radicais livres à base de Fe. Muitas abordagens têm sido promovidas para minimizar os graves
efeitos secundários, mas esses ainda são clinicamente problemáticos113.
O probucol é um fármaco que além de hipocolesterolemiante lipofílico, mimético
da vitamina E, possui propriedades antioxidantes. Walker et al.11 realizaram exame
histopatológico para avaliar o efeito cardioprotetor do probucol contra a cardiotoxicidade das
ANT e TRZ em ratos. Dez dias após os tratamentos os animais foram submetidos a eutanásia
e as amostras cardíacas coradas com Tricrômico de Masson, com o objetivo de quantificar a
fibrose miocárdica. Cinco dias após o início do experimento, degeneração e vacuolização das
36
miofibrilas foram identificadas nos grupos que receberam DOX e DOX + TRZ. Os grupos
que receberam o antioxidante probucol profilaticamente apresentaram mínima degeneração e
vacuolização miofibrilar, o que contribuiu para comprovar a atenuação da cardiotoxicidade da
DOX com o uso desse antioxidante.
2.5. Lesões miocárdicas induzidas pela DOX
Algumas das lesões microscópicas características da toxicidade miocárdica por DOX
são a perda ou fragmentação de miofibrilas, edema muscular, hipertrofia muscular
compensatória62, fibrose, vacuolização citoplasmática, necrose e alteração no tamanho nuclear60.
Mesmo que o peso cardíaco não altere, nos miócitos ocorrem alterações histológicas como
vacuolização citoplasmática, desorganização das miofibrilas e necrose115. A progressão das lesões
miocárdicas correlaciona-se às doses de ANT acumuladas. Nos estágios iniciais as alterações à
histopatologia são focais e, com a progressão da cardiotoxicidade, há evolução para fibrose
miocárdica difusa116. Assim, quando da suspeita de cardiotoxicidade induzida pelo fármaco, a
biopsia miocárdica compreende método diagnóstico definitivo62.
Pontes et al.60 avaliaram alterações macroscópicas e microscópicas no coração de
ratos seis meses após a aplicação de 5 mg/kg de DOX. Mensuraram os diâmetros externos e
internos e a espessura do VE. O coração dos animais aumentou 41% em relação ao peso; 33%
quanto ao diâmetro interno; 14% quanto ao externo; e 24% na espessura da parede do VE.
Microscopicamente observaram-se fibrose miocárdica [75% dos casos] (Figura 4A);
vacuolização citoplasmática de miócitos [100% dos corações] (Figura 4B); necrose miocárdica
[75% dos casos] (Figura 4C) e variação no tamanho nuclear [87% das amostras] (Figura 4D).
37
FIGURA 4 - Fotomicrografias do miocárdio de ratos tratados com DOX. A) Fibras colágenas coradas
em azul (setas), substituindo fibras musculares, o que indica fibrose. Tricômico de
Masson, objetiva de 100X. B) Corte longitudinal das fibras musculares cardíacas,
algumas apresentando vacuolização citoplasmática (setas). HE, objetiva de 200X. C)
Necrose miocárdica (setas). HE, objetiva de 200X. D) Variação no tamanho nuclear.
HE, objetiva de 200X.
Fonte: Adaptado de Pontes et al.60.
Simeoni54 relatou que na cardiomiopatia pela DOX ocorrem danos funcionais e
disfunção contrátil do músculo cardíaco, gerando incapacidade do coração em bombear sangue
e, consequentemente, oxigênio na quantidade ideal para o metabolismo celular. Há perda de
cardiomiócitos por necrose e apoptose, bem como alterações estruturais que geram hipertrofia.
Ainda Simeoni54 avaliou a cardiotoxicidade da DOX visando determinar o melhor
momento para o transplante de células tronco mononucleares. Para isso, avaliou quatro
tempos de eutanásia. À análise histopatológica não foram observadas alterações logo após a
aplicação do fármaco. Porém, duas a quatro semanas após notou vacuolização dos
cardiomiócitos, hipertrofia do miocárdio, fibrose intersticial e núcleos picnóticos, o que
permitiu concluir que o melhor momento para a avaliação funcional do coração é duas
semanas após a aplicação da DOX.
Dudnaková et al.117 avaliaram no coração de ratos, por microscopia de luz,
eletrônica e imunoistoquímica, os colágenos tipo I, III e IV e por immunoblotting quantitativo
a expressão de proteínas do citoesqueleto e da MEC, como a desmina, proteína associada à
38
quinase (KRP), miosina de cadeia leve quinase (MLCK), tubulina, vinculina e fibronectina,
após aplicação única de DOX (2,2 ou 0,44 mg/kg), duas horas e três semanas após a injeção.
Segundo os autores, à avaliação histopatológica, duas horas após a aplicação, foi observado
somente edema perivascular no músculo cardíaco, o que pode estar relacionado ao tempo de
análise pós-lesão. Após três semanas, na dose mais elevada, houve aumento da densidade e
extensão do colágeno, indicando o desenvolvimento de fibrose. Observaram que mesmo após
aplicação única de DOX, em doses terapêuticas (0,44 a 2,2mg/kg), houve aumento na
expressão de proteínas do citoesqueleto e da MEC, sugerindo seu envolvimento na reparação
cardíaca. Nesse mesmo estudo observaram à microscopia eletrônica apoptose, perda focal de
elementos contráteis, alterações no citoesqueleto e cardiomiócitos com núcleo penetrado por
mitocôndrias, sugerindo drástica alteração na permeabilidade nuclear (Figura 5).
FIGURA 5 - Eletromicrografia de cardiomiócito ventricular
de rato três semanas após a aplicação de
2,2mg/kg de DOX. Parte do núcleo com
várias mitocôndrias pequenas em seu interior
(setas finas) e miofibrilas supercontraídas
adjacentes (setas grossas).
Fonte: Dudnaková et al.117.
Para Nascimento e Martins115, a aplicação de dose elevada ou de doses múltiplas
de DOX em intervalo relativamente curto resultará rapidamente em extensa lesão cardíaca,
que se caracteriza por dilatação do retículo sarcoplasmático, picnose nuclear, degeneração
focal dos miócitos e edema mitocondrial. Mesmo sem alteração no peso cardíaco, os miócitos
39
podem sofrer alterações como vacuolização citoplasmática, desorganização das miofibrilas e
necrose. A dilatação cardíaca que decorre do uso prolongado da DOX altera os componentes
MEC118. As altas concentrações alteram a rede de colágeno e os cardiomiócitos29. No coração,
o colágeno é a principal proteína de sustentação celular. Quando a síntese dessa proteína
predomina sob a degradação, o resultado é a fibrose. Ao contrário, quando a degradação
predomina, a perda do colágeno resulta em disfunção contrátil29.
Anticorpos contra MMP2 e MMP9 e seus inibidores (TIMP) têm sido utilizados
para avaliar o remodelamento do miocárdio na cardiotoxicidade induzida pela DOX, tanto em
fase aguda30 quanto em fase crônica35. As MMP podem degradar componentes da MEC como
as fibras colágenas tipo I, II e III, fibronectina, laminina e vitronectina. A MEC é responsável
pela organização e integridade estrutural do miocárdio. Na cardiotoxicidade induzida pela
DOX pode haver desequilíbrio entre as proteases e antiproteases, resultando em alterações
quantitativas e/ou qualitativas na composição da matriz, o que pode resultar em ruptura do
colágeno, com consequente dilatação do miocárdio91.
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CAPÍTULO 2 - EFEITO DO EXTRATO ETANÓLICO DA CASCA DO
PEQUI
(Caryocar
brasiliense)
NA
CARDIOTOXICIDADE AGUDA INDUZIDA POR
DOXORRUBICINA EM RATOS
RESUMO
A doxorrubicina (DOX) é um quimioterápico utilizado no tratamento de neoplasias malignas,
porém possui uso limitado devido a sua cardiotoxicidade, que pode ser minimizada com a
utilização de antioxidantes naturais. O objetivo deste trabalho foi avaliar a ação antioxidante do
extrato etanólico da casca do pequi (Caryocar brasiliense) (EECP), por meio de avaliação
morfológica, e identificar possíveis alterações na expressão de metaloproteinases de matriz
(MMP2 e MMP9) e seus inibidores teciduais (TIMP1 e TIMP2), no miocárdio de ratos
submetidos à cardiotoxicidade aguda pela DOX. Foram utilizados 30 ratos da raça Wistar,
distribuídos em seis grupos de cinco animais cada, sendo grupo Sham (GS) água e solução
salina; (G1) 16 mg/kg de DOX e tratamento com 300 mg/kg de EECP durante 17 dias; (G2) 16
mg/kg de DOX e 600 mg/kg de EECP durante 17 dias; (G3) 16 mg/kg de DOX e 300 mg/kg de
EECP durante 10 dias; (G4) 16 mg/kg de DOX e 600mg/kg de EECP durante 10 dias; e grupo
controle (GC) 16 mg/kg de DOX. O tratamento de G1 e G2 tiveram início no dia um e
estenderam-se até o término do experimento, no dia 17. Os animais de G3 e G4 foram
submetidos a tratamento com EECP durante 10 dias, a partir do dia sete, e a DOX foi aplicada
no 14° dia após o início do experimento. Três dias após a aplicação da DOX, no dia 17, os
animais foram submetidos à eutanásia, avaliação macroscópica e colheita de amostras para
análise histopatológica e imunoistoquímica. O EECP utilizado se manteve dentro dos padrões
de qualidade estabelecidos para extratos vegetais e não foram encontradas alterações
macroscópicas em nenhum dos ratos do experimento. O EECP contribuiu para a perda de peso
dos ratos e o índice de mortalidade dos grupos que receberam EECP em diferentes doses e
tempos foi inferior ao do grupo que recebeu apenas DOX. À microscopia do coração dos ratos
que receberam DOX observaram-se degeneração vacuolar miocítica, vacuolização da túnica
média de artérias e arteríolas, desorganização das fibras, fragmentação das miofibrilas, necrose
de coagulação, infiltrado inflamatório predominantemente mononuclear, por vezes com células
de Anitschkow, fibrose, congestão e edema. Nos grupos G1 e G2 o EECP atenuou a
degeneração vacuolar miocítica e no G4 atenuou a desorganização das fibras. Na
imunomarcação de TIMP1 foi constatada maior porcentagem de células marcadas no grupo de
ratos que recebeu 300 mg/kg do EECP durante 17 dias. Conclui-se que o EECP minimiza os
efeitos deletérios da DOX no músculo cardíaco de ratos. Quando utilizado nas doses de 300 e
600 mg/kg durante 17 dias o EECP atenua a degeneração vacuolar miocítica. Quando utilizado
na dose de 600 mg/kg durante 10 dias o EECP reduz a desorganização das fibras. O EECP na
dose de 300 mg/kg durante 17 dias aumenta a expressão de TIMP1 no miocárdio de ratos
tratados com DOX.
Palavras-Chave: Antraciclina, cardiomiopatia dilatada, histopatologia, metaloproteinases,
TIMP.
48
ABSTRACT
Doxorubicin (DOX) is a chemotherapic drug used in the treatment of malignant tumors, but has
limited use due to its cardiotoxicity, which can be minimized with the use of natural
antioxidants. The objective of this study was to evaluate the antioxidant activity of pequi shell
etanolic extract (Caryocar brasiliense) (PSEE), through morphological evaluation, and identify
possible alterations in the expression of metalloproteinases (MMP2 and MMP9) and their
inhibitors (TIMP1 and TIMP2) in the myocardium of rats with induced acute DOX
cardiotoxicity. 30 rats Wistar were divided into six groups of five animals each, being Sham
group (GS) water and saline; (G1) 16 mg/kg of DOX and treatment with 300 mg/kg of PSEE
for 17 days; (G2) 16 mg/kg of DOX and 600 mg/kg of PSEE for 17 days; (G3) 16 mg/kg of
DOX and 300 mg/kg of PSEE for 10 days; (G4) 16 mg/kg of DOX and 600 mg/kg of PSEE for
10 days; and control group (GC) 16 mg/kg DOX. Treatment of G1 and G2 began on day one
and continued until the end of the experiment, on the 17th. G3 and G4 animals were treated with
PSEE for ten days, from the day seven, and DOX was applied on the 14th day after the start of
the experiment. Three days after the application of DOX, on the 17th, the animals were
euthanized, and subjected to macroscopic evaluation and samples were collected for
histopathological and immunohistochemical analysis. The PSEE used remained within the
quality standards established for plant extracts and no macroscopic changes were found in any
rat of experiment. The PSEE contributed to the loss of weight of rats and the mortality rate of
PSEE groups receiving different doses and times was lower than in the group receiving DOX
only. Microscopic heart of rats given DOX were observed myocyte vacuolar degeneration,
disorganization of the fibers, necrosis, inflammatory infiltrate predominantly mononuclear,
sometimes with Anitschkow cells, fibrosis, congestion and edema. In G1 and G2 the PSEE
attenuated myocyte vacuolar degeneration and G4 attenuated the disorganization of fibers. In
TIMP1 immunostaining was seen higher percentage of labeled cells in the group of rats that
received 300 mg/kg of PSEE for 17 days. It was concluded that PSEE minimizes the
deleterious effects of the drug on rat cardiac muscle. When used at doses of 300 and 600 mg/kg
for 17 days PSEE attenuates vacuolar degeneration in myocytes. When used at a dose of 600
mg/kg for 10 days PSEE reduces the fibers disruption. PSEE at a dose of 300 mg/kg for 17 days
increases TIMP1 immunolabeling in the myocardium of rats treated with DOX.
Keywords: Anthracycline, dilated cardiomyopathy, histopathology, metalloproteinases,
TIMP.
49
INTRODUÇÃO
A doxorrubicina (DOX) é um antibiótico da família das antraciclinas (ANT) e
figura entre os mais importantes antitumorais utilizados na medicina veterinária. No entanto,
possui valor clínico limitado pela ocorrência de cardiomiopatia frequentemente irreversível1,2.
Sua cardiotoxicidade está associada à concentração sérica do princípio ativo, e quando a dose
excede 250 mg/m2 induz degeneração miocárdica progressiva3.
Em seu mecanismo de ação, as ANT intercalam-se com o DNA, causando ruptura
de filamentos único e duplos, bem como troca de cromátides irmãs. Portanto, são agentes
mutagênicos e carcinogênicos. Em função de seu grupo quinona, também geram radicais
livres em tecidos normais e malignos4,5. As ANT reagem com a citocromo P450 redutase na
presença de fosfato de nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzido (NADPH), formando
intermediários de radicais semiquinonas, os quais reagem com o oxigênio e produzem radicais
de ânion superóxido. Estes geram peróxido de hidrogênio e radicais hidroxila3.
Artigos relatam a redução da cardiotoxicidade da DOX quando da utilização de
substâncias antioxidantes6-10. Nesse cenário, destaca-se o pequi (Caryocar brasiliense), um
fruto rico em fenois, encontrado no cerrado brasileiro, cerradão e mata calcária, bastante
difundido na culinária da região centro-oeste e que apresenta potencial uso medicinal. Os
fenois, flavonoides, tocoferois, fosfolipídios, aminoácidos, ácido fítico, ácido ascórbico,
pigmentos e esterois são substâncias químicas que possuem atividade antioxidante7.
As metaloproteinases de matriz (MMP) são enzimas secretadas como pró-enzimas
inativas, que requerem clivagem proteolítica para ativá-las. Essas enzimas degradam
constituintes da matriz extracelular (MEC), atuando no desenvolvimento e remodelamento
normais da MEC, assim como em processos patológicos11, e o estresse oxidativo pode ativálas12. Os TIMP, inibidores de metaloproteinases de matriz, são proteínas específicas que
regulam as atividades dessas enzimas, auxiliando na manutenção da integridade da MEC13-16.
O colágeno é a principal proteína de sustentação dos cardiomiócitos. Quando a degradação do
colágeno predomina sob a síntese ocorre disfunção contrátil e quando a síntese predomina sob
a degradação instala-se a fibrose17.
O presente estudo teve como objetivo avaliar a ação extrato etanólico da casca do
pequi (EECP), por meio de análise morfológica macroscópica e microscópica, bem como
identificar e comparar possíveis alterações na imunomarcação das proteínas MMP2, MMP9,
TIMP1 e TIMP2 no miocárdio de ratos submetidos à cardiotoxicidade aguda induzida pela
DOX.
50
MATERIAL E MÉTODOS
As
atividades
experimentais
relacionadas
a
este
estudo
seguiram
as
recomendações acerca da ética em experimentação animal, conforme instruções da Sociedade
Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL), após submissão à Comissão de
Ética no Uso de Animais da Universidade Federal do Goiás (CEUA/UFG 028/12) - Anexo A.
Foram utilizados 30 ratos (Rattus norvegicus albinus) linhagem Wistar, machos,
de três meses de idade e com peso variando entre 224 e 483 gramas, adquiridos para o
experimento. Os animais foram mantidos no biotério da Escola de Veterinária e Zootecnia da
Universidade Federal de Goiás, sob condições controladas de temperatura (21°C) e
luminosidade (ciclos de 12 horas), recebendo dieta padrão para a espécie e água à vontade.
Os frutos pequi utilizados neste estudo foram cuidadosamente colhidos de
pequizeiros de uma área de reserva particular no município de Senador Canedo, GO. As
coordenadas geográficas da área de colheita foram definidas por triangulação via GPS (13o
43´ 08. 04´´S 50o 31´ 44. 98´´O).
O extrato etanólico da casca do pequi (EECP) foi processado na Faculdade de
Farmácia da UFG, a partir das cascas do pequi, de acordo com técnica descrita por Lima18. As
cascas foram submetidas à secagem em estufa com ventilação forçada (60ºC) por 48 horas,
trituradas em moinho analítico até atingir baixa granulometria e armazenadas a -20°C. Em
seguida, foi realizado o processo de percolação a frio em etanol ao abrigo da luz e sob
agitação. O sobrenadante foi filtrado e após a evaporação do solvente, à pressão reduzida, foi
obtido o extrato etanólico bruto. Sequencialmente, o extrato foi submetido a testes de qualidade
que incluíram a presença de materiais estranhos, teor de umidade, teor de cinzas totais e
granulometria, de acordo com os parâmetros da Farmacopeia Brasileira 5ª edição19. Finalizado
o processo, o extrato foi armazenado a -20ºC até o momento de fornecimento aos animais.
Quanto à experimentação animal, a aplicação da DOX foi realizada via
intraperitoneal, com cateter número 22, após antissepsia com iodopovidine. Os animais
(n=30) foram separados em seis grupos (Grupo Sham [GS], G1, G2, G3, G4, e GC), sendo
cada grupo composto por cinco animais (n=5). O experimento teve duração de 17 dias, sendo
a DOX e a solução fisiológica aplicadas no dia 14 após o início do experimento, conforme
critérios adaptados de Xin et al.9. Nos animais de G1, G2, G3, G4 e GC, a cardiotoxicidade
foi induzida a partir da aplicação de 16 mg/kg de DOX (Adriblastina®, Pfizer, Milão, Itália),
em dose única, por via intraperitoneal, e, em GS, foi aplicado 1 ml de solução fisiológica
(placebo), por via intraperitoneal. Os ratos dos grupos G1 e G2 receberam 300 mg/kg e 600
mg/kg do EECP, respectivamente, por gavagem, durante todo o experimento. Durante os sete
51
primeiros dias, GS, G3, G4 e GC receberam o mesmo volume do extrato em água, também
por gavagem. Aos ratos do G3 foram fornecidos diariamente 300 mg/kg e aos do G4 600
mg/kg de EECP, por gavagem, a partir do sétimo dia, até o término do experimento (dia 17),
totalizando 10 dias de tratamento. Aos animais dos grupos GC e GS foi fornecido 1 ml de
água diariamente, também por gavagem. Os ratos foram pesados nos dias um, sete, 14 e 17. A
gavagem era realizada pelos mesmos tratadores, todas as manhãs, e as doses do EECP
utilizadas foram obtidas do estudo de Miguel et al.20.
A avaliação morfológica foi realizada após 90 dias. Os ratos foram submetidos à
eutanásia por sobredose anestésica com isoflurano, em câmara de inalação fechada,
administrado através de máscara facial adaptada para a espécie, com oxigênio a 100% e uso de
vaporizador com fluxo de admissão de gases 1 L/min. O coração dos ratos foi avaliado em
exame necroscópico. Ainda na cavidade torácica, foi realizada incisão no saco pericárdico e
avaliação quanto a presença de aderências, espessamento e acúmulo de conteúdo, observandose suas características e quantidade. Ato contínuo, o coração foi separado do sistema
respiratório, drenado o conteúdo das câmaras, pesado e avaliado em abertura. Para isso, foi
realizada incisão longitudinal média, da base ao ápice do coração, expondo as câmaras
cardíacas. As alterações observadas foram fotografadas e registradas por escrito em planilha
específica. Fragmentos do coração com representação de todos seus segmentos foram
colhidos em formol a 10% tamponado para as análises histopatológica e imunoistoquímica.
Para as análises em microscopia óptica, metade do coração foi fixada durante 48
horas em formol a 10% tamponado, e posteriormente mantida em álcool 70º até o momento do
processamento, que foi conduzido de acordo com técnicas laboratoriais rotineiras para a
inclusão tecidual em parafina. Em seguida, foram confeccionados cortes histológicos de 4 m,
que foram distendidos sobre lâminas histológicas e corados por hematoxilina e eosina (HE),
para avaliação e classificação das alterações histomorfológicas, seguindo critérios adaptados de
Pontes et al.21. A análise das lâminas foi realizada em microscópio óptico, inicialmente na
objetiva de menor aumento (4x), seguindo-se as objetivas subsequentes (10x, 40x e 100x). A
avaliação histomorfológica foi graduada em escores, seguindo critérios adaptados de Pontes et
al.20, sendo adotados escores para intensidade da lesão, sendo: 0- (negativa), 1+ (discreta), 2+
(moderada) e 3+ (acentuada) e para distribuição das lesões: 0 (ausente), 1+ (focal), 2+
(multifocal) e 3+ (difusa).
Para a avaliação imunoistoquímica, cortes de 3 μm foram confeccionados e
distendidos sobre lâminas histológicas Starfrost® (Thermo Fisher Scientific, Waltham, EUA).
Os cortes foram desparafinizados, hidratados, lavados em água corrente e submetidos à
52
recuperação antigênica a 96ºC, durante 40 minutos, em banho-maria. Subsequentemente, as
lâminas foram lavadas com solução de TRIS pH 7,4 e realizado o bloqueio da peroxidase
endógena com água oxigenada a 8% em metanol, por 20 minutos. Para o bloqueio de reações
inespecíficas, os cortes foram incubados em leite em pó desnatado (Molico®, Nestlé, Araras,
São Paulo, Brasil) a 10%, durante 80 minutos. Em seguida, os cortes foram incubados com
anticorpos diluídos (diluidor de anticorpos, ADS-125, Spring) a 1:50 para o anticorpo
policlonal de coelho anti-MMP2 (Abcam, ab110186), 1:200 para o anticorpo policlonal de
coelho anti-MMP9 (DAKO A0150), 1:100 para o anticorpo Rabbit Anti-Human TIMP1
Polyclonal Antibody, Spring, e 1:50 para o anticorpo Rabbit Anti-Human TIMP2 Polyclonal
Antibody, Spring, em câmara úmida, durante 2 h, a 37C. Nos cortes utilizados como controle
negativo, os anticorpos foram substituídos apenas pelo diluidor de anticorpo (ADS-125,
Spring). A etapa seguinte referiu-se à incubação dos fragmentos em sistema de amplificação
de sinais com anticorpo secundário Envision Dual Link (DAKO, K4061-1). Para a
visualização da reação, as lâminas foram submersas em solução de diaminobenzidina (DAB)
(Dako K3468-1). Os cortes foram submetidos à contracoloração com hematoxilina de Mayer,
lavados, desidratados e diafanizados. As lâminas foram montadas com lamínula e resina
sintética, seguindo-se a análise em microscopia para determinação do percentual de área
tecidual marcada e intensidade de marcação dos anticorpos empregados. Para isso, foi
utilizado fotomicroscópio acoplado a câmera digital e sistema de análise de imagens
(DM4000, DFC290 e Leica Application Suite, todos da marca Leica Microsystems,
Alemanha).
A intensidade de marcação imunoistoquímica e percentual de área tecidual
marcada para anti-MMP2, anti-MMP9, anti-TIMP1 e anti-TIMP2 no tecido cardíaco de ratos
não tratados (GS), e no daqueles tratados com DOX, com e sem o uso EECP, foi graduada em
escores, seguindo critérios adaptados de Faleiro et al.22, sendo adotados para intensidade de
marcação: 0- (negativo, ausência de imunomarcação), 1+ (discreto, imunomarcação fraca), 2+
(imunomarcação moderada) e 3+ (acentuada, imunomarcação fortemente positiva) (Figura 1).
Para o percentual de área tecidual marcada, os escores adotados foram: 0=negativo, 1=1-25%,
2=26-50%, 3=51-75% e 4=76-100%.
53
A
B
C
D
FIGURA 1 -Fotomicrografias de escores de intensidade de marcação imunoistoquímica com os
anticorpos anti-MMP2, anti-MMP9, anti-TIMP1 e anti-TIMP2 no miocárdio de
ratos tratados com DOX, com e sem EECP. A) controle negativo (0+); B)
Intensidade discreta (1+) (setas), anti-MMP9; C) Intensidade moderada (2+) (setas),
anti-TIMP2; D) Intensidade acentuada (3+) (setas), anti-MMP2. DAB contra corado
com Hematoxilina de Mayer.
O experimento foi instalado em delineamento inteiramente casualizado, com seis
protocolos terapêuticos (GS, G1, G2, G3, G4 e GC) e cinco repetições, sendo que a unidade
experimental foi constituída por um animal (rato), totalizando 30 ratos. Para as variáveis
quantitativas foram realizadas médias, desvio-padrão, mediana, mínimo e máximo e sua análise
inferencial foi realizada utilizando-se análises de variância e o teste de Pearson. Para as variáveis
qualitativas, obtidas em escalas de notas, foi realizado o teste de Kruskal-Wallis, teste quiquadrado, Wilcoxon e o teste de Dunn. Para avaliar a correlação entre os anticorpos foram
utilizados os testes de Spearman e de U-Mann Whitney. A todos os testes foi adotado o nível de
significância de 5% (α=5%) e, para realização, foi utilizado o software estatístico SPSS (IBM
Corp. Released 2010. IBM SPSS Statistics for Windows, Version 19.0. Armonk, NY) e R (R
CORE development team versão 3.0.0).
54
RESULTADOS
Nos testes de qualidade do EECP produzido não foram encontrados materiais
estranhos. O teor de umidade da amostra foi de 9,03 ± 0,283%. Já o de cinzas totais foi de
5,87% ± 0,06 e o de cinzas insolúveis em ácido de 2,15% ± 0,07. Após a tamisação do pó
vegetal constatou-se que a totalidade das partículas não passou pelo tamis de malha de 710
µm, e menos de 40% passaram pelo tamis de malha de 355 µm, caracterizando o pó como
grosso segundo a Farmacopeia Brasileira19.
Houve óbito de dois ratos (2/5, 40%) do GC. Entretanto, à necropsia não foram
observadas alterações macroscópicas em nenhum dos ratos dos diferentes grupos estudados.
Ao exame histopatológico evidenciou-se necrose dos cardiomiócitos, o que permitiu
correlacionar a causa da morte à cardiotoxicidade da DOX.
Para esclarecer a relação do peso do animal com tempo, grupos e efeito de interação
foi realizada análise não paramétrica (ANOVA). Houve diferença estatística em pelo menos um
dos tempos avaliados (valor p < 0,001), analisando os valores p ajustados por correção de
Bonferroni nas comparações múltiplas. Desconsiderando os grupos, houve diferença entre os
tempos início e final (valor p < 0,001), entre semana dois e final (valor p < 0,001) e entre semana
três e final (valor p < 0,001). Observou-se que houve perda significativa de peso no dia 14,
período em que foi administrada a DOX, e que em GC, grupo tratado apenas com DOX,
houve tendência à queda do peso. Entretanto, essa perda não foi significativa ao longo do
experimento (Figura 2).
450,0
430,0
GC
Peso
410,0
390,0
G1
370,0
G2
350,0
G3
330,0
G4
310,0
290,0
G5
270,0
250,0
Início
7 dias
14 dias
Final
Tempo
FIGURA 2 - Perfis médios, com intervalo de 95% de confiança, do peso dos ratos ao
longo do tempo, por grupo.
55
Foram analisados o peso do coração dos ratos dos diferentes grupos e a relação
entre o peso final dos ratos e o peso do coração. O teste não paramétrico de Kruskal-Wallis,
para comparação de grupos independentes, não revelou diferença entre os grupos para
nenhuma das variáveis analisadas: peso final do rato (χ2 = 3,575; g.l. = 5; p = 0,612), peso do
coração (χ2 = 5,788; g.l.=5; p = 0,327), proporção do peso do coração em relação ao peso
final dos ratos (peso do coração /peso final do rato) (χ2 = 0,375; g.l. = 5; valor p = 0,996).
À avaliação microscópica do coração dos ratos que receberam DOX observaramse degeneração vacuolar miocítica, vacuolização da túnica média de artérias e arteríolas,
desorganização das fibras, fragmentação das miofibrilas, necrose de coagulação, infiltrado
inflamatório predominantemente mononuclear, por vezes com células de Anitschkow, fibrose,
congestão e edema. (Figura 3).
FIGURA 3 - Fotomicrografias do miocárdio de ratos tratados com DOX. A)
G1, infiltrado predominantemente mononuclear (seta), com
células de Anitschkow (setas vazadas); B) GC, necrose de
coagulação. Aumento de eosinofilia citoplasmática e picnose
nuclear (seta); C) G1, degeneração vacuolar miocítica (setas); D)
GC, degeneração vacuolar miocítica; E) G3, Edema e
desorganização de cardiomiócitos (setas); F) G2, vacuolização da
túnica média arterial (setas) (HE).
56
Com relação aos achados microscópicos (Tabela 1) foi observada diferença entre
o GS e os grupos G3, G4 e GC quanto à intensidade (p = 0,0027) e distribuição (p = 0,0159)
da degeneração vacuolar. Já os grupos GS e G1 e G2 não diferiram estatisticamente (Tabela 1
e Apêndice A). Quanto à intensidade da desorganização das fibras (p = 0,0025), todos os
grupos, exceto G4, apresentaram diferenças à comparação com o GS. No G4, todos os
animais apresentaram intensidade discreta para a variável desorganização das fibras. Já com
relação às variáveis distribuição da desorganização das fibras (p = 0,0011), intensidade da
congestão (p = 0,001) e distribuição das células de Anitschkow (p = 0,0000), todos os grupos
apresentaram diferença à comparação com o GS, entretanto não houve diferença ao comparar,
par a par, todos os grupos (Tabela 1 e Apêndice A).
TABELA 1 – Mediana dos valores obtidos na graduação das alterações histopatológicas para cada
grupo, analisados por intensidade (I) e por distribuição (D).
DV
Grupo
GS
G1
G2
G3
G4
GC
I
0b
1A
1A
1B
1B
2aB
DF
D
0a
1b
1b
1A
2A
2A
I
0a
2A
2A
2A
1b
1A
D
0a
2A
2A
2A
2A
2A
F
I
0a
0a
0a
0a
0a
0a
NC
D
0a
0a
0a
0a
0a
0a
I
2a
2a
2a
1a
1a
1a
D
0a
0a
0a
1a
1a
2a
CA
I
D
a
1
1a
1a 2A
1a 2A
1a 2A
1a 2A
1a 2A
IM
I
1a
1a
1a
1a
1a
1a
C
D
2a
2a
2a
2a
2a
2a
I
1a
2A
2A
2A
2A
2A
FM
D
3a
3a
3a
3a
3a
3a
I
1a
2a
2a
1a
2a
2a
D
2a
2a
2a
2a
2a
2a
DV: degeneração vacuolar, DF: desorganização das fibras, F: fibrose, NC: necrose de coagulação, CA: células
de Anitschkow, IM: infiltrado inflamatório mononuclear, C: congestão, FM: fragmentação de miofibrilas. Letras
diferentes na mesma coluna não diferem entre si. Letras iguais que diferem em maiúsculas e minúsculas diferem
entre si. Letras idênticas não diferem entre si. Teste Kruskal-Wallis, seguido do teste de Dunn, ao nível de
significância de 5%.
À análise imunoistoquímica foi observada imunomarcação de MMP2, MMP9,
TIMP1 e TIMP2 nos cardiomiócitos de todos os grupos avaliados. Contudo, foi constatada
diferença quanto à variável TIMP1 para percentual de imunomarcação (valor p = 0,037), esta
entre os grupos G1 e G2 e G1 e G4, sendo que os ratos do G1 apresentaram maior percentual
de área tecidual imunomarcada em realção aos grupos G2 e G4 (Tabela 2).
57
TABELA 2 - Médias de postos (ranks) entre TIMP1, TIMP2, MMP2 e MMP9 para os
grupos analisados quanto a intensidade de marcação e percentual de
imunomarcação
Intensidade de imunomarcação.
Percentual de imunomarcação
Grupo
TIMP1 TIMP2 MMP2 MMP9 TIMP1 TIMP2 MMP2
MMP9
1
1
1
1
1
1
2
GS
15,70a
17,70a
18,10a
15,00a 13,10abc 18,30a
22,10a
15,00a
1
1
1
2
2
1
1
G1
18,70a
12,60a
15,60a
21,00a
25,30b
13,20a
14,90a
21,00a
1
1
1
1
1
1
2
G2
12,10a
15,30a
12,50a
12,00a
12,00c
16,10a
20,00a
12,00a
1
1
1
1
1
1
9
G3
13,50a
17,40a
12,50a
12,00a 13,10abc 16,10a
9,80a
12,00a
1
1
1
1
1
1
1
G4
16,50a
17,40a
15,60a
18,00a
12,00ac 16,10a
17,90a
18,00a
1
1
1
1
1
1
8
GC
16,50a
12,60a
18,70a
15,00a 17,50abc 13,20a
8,30a
15,00a
Letras iguais na mesma coluna não diferem entre si pelo teste de comparações múltiplas, com correção
de Bonferroni, da variável TIMP1 e teste de U-Mann Whitney (p<0,05).
Observou-se forte correlação negativa entre TIMP1 e MMP2 para a variável
percentual de imunomarcação no G1, ou seja, quando a expressão de TIMP1 diminui, a
expressão de MMP2 aumenta e vice-versa. Observou-se também forte correlação positiva
entre MMP2 e MMP9 para a variável intensidade de imunomarcação no GC, ou seja, quando
uma variável aumenta, a outra também aumenta (Tabela 3).
TABELA 3 - Correlação de Spearman entre as variáveis avaliadas, por percentual de área tecidual
imunomarcada e por intensidade de imunomarcação, para cada grupo.
Intensidade
% imunomarcação
Correlação
de Spearman
R:
P:
G1
R
P
R
P
TIMP1/TIMP2
0,50
0,391
-0,17
0,789
TIMP1/MMP2
-0,47
0,423
-0,91 0,030CR
TIMP1/MMP9
0,65
0,239
0,41
0,495
TIMP2/MMP2
0,00
1,000
0,00
1,000
TIMP2/MMP9
0,65
0,239
-0,41
0,495
MMP2/MMP9
0,30
0,619
-0,56
0,327
TIMP1/TIMP2
1,00
.
0,15
TIMP1/MMP2
0,00
1,000
TIMP1/MMP9
0,00
TIMP2/MMP2
0,00
TIMP2/MMP9
MMP2/MMP9
CR
GS
Grupos
G2
G3
R
P
R
P
G4
GC
R
P
R
P
.
.
-0,79
0,111
.
.
0,65
0,239
.
.
0,00
1,000
.
.
-0,40
0,510
.
.
0,00
1,000
.
.
0,00
1,000
-0,41
0,495
0,25
0,685
-0,36
0,548
-0,61
0,272
0,25
0,685
0,25
0,685
0,61
0,272
-0,17
0,789
0,41
0,495
1,00
.
0,30
0,628
0,61
0,272
0,807
-0,41
0,495
0,34
0,571
1,00
.
0,65
0,239
0,56
0,327
.
.
.
.
0,00
1,000
0,65
0,239
1,000
0,19
0,764
0,41
0,495
0,73
0,165
0,65
0,239
0,00
1,000
1,000
0,41
0,495
.
.
.
.
0,00
1,000
0,67
0,219
0,00
1,000
-0,41
0,495
0,25
0,685
0,79
0,111
0,65
0,239
-0,17
0,789
0,97
0,007CR
0,25
0,685
.
.
.
.
0,41
0,495
0,17
0,789
Forte correlação negativa entre TIMP1 e MMP2 e forte correlação positiva entre MMP2 e MMP9.
Correlação entre as variáveis avaliadas.
Valor de p.
1
2
1
1
1
1
58
DISCUSSÃO
O teor de umidade da amostra de EECP foi de 9,03 ± 0,283%. Oliveira et al.23
afirmam que matérias-primas vegetais com teores de umidade abaixo de 14% apresentam
baixos riscos de desenvolvimento microbiológico. A umidade das amostras vegetais está
relacionada às estabilidades física, química e microbiológica24. Desse modo, o teor de umidade
encontrado para o extrato vegetal de Caryocar brasiliensis está dentro dos padrões de qualidade
para o produto. O teor de umidade é influenciado pelo plantio (ambiente), colheita,
armazenamento e tratamento prévio do vegetal. Deste último, a perda de voláteis pelo processo
de dessecação em estufa influi na integridade das estruturas celulares, expondo-as mais ou
menos à ação dos solventes e, portanto, no rendimento do extrato25.
Já os teores de cinzas totais do EECP foram 5,87% ± 0,06 e insolúveis em ácido
2,15% ± 0,07. Os teores de cinzas totais representam a quantidade de minerais essenciais para
a formação do vegetal. Entretanto, representa também possível contaminação com impurezas
inorgânicas, como por exemplo, metais e sílica. Contudo, não foi encontrado, na literatura
pesquisada, relato de parâmetro para teores de cinzas na casca do pequi (Caryocar
brasiliense), bem como de outras espécies do mesmo gênero para comparação dos resultados.
A avaliação granulométrica do material vegetal moído caracterizou-o como pó
grosso de acordo com a Farmacopeia Brasileira 5ª edição19. Conforme List e Schmidt26,
partículas de tamanho superior à classificação de fino é adequada para os processos de
extração. Assim, o pó utilizado neste estudo se mostrou adequado para o processo de
extração, tendo as características desejadas para evitar a formação de canais preferenciais ou
empacotamento da amostra no processo de percolação.
Em relação aos índices de mortalidade, houve morte de dois ratos do GC, poucas
horas antes do momento estabelecido para a eutanásia. O baixo índice de mortalidade (6,66%)
deste estudo assemelhou-se ao observado por Xin et al.9, que utilizaram 10 mg/kg de DOX em
ratos e obtiveram apenas um óbito (3,2%). No referido experimento, a eutanásia também foi
realizada três dias após a aplicação da DOX e possivelmente os baixos índices estejam
relacionados ao menor tempo de espera para a eutanásia. Por outro lado, elevados índices de
mortalidade, acima de 50%, foram relatados por Ferreira et al.6 e Khan et al.27, ao acumular
16 mg/kg de DOX, em quatro aplicações semanais. Ferreira et al.6 relataram que a aplicação
de DOX ocorreu entre a terceira e a sexta semanas e a eutanásia na sétima semana. Os autores
optaram por acompanhar os ratos apenas por uma semana para avaliação ecocardiográfica por
terem realizado experimento prévio com altíssimos índices de mortalidade.
59
Ainda com relação à mortalidade, esta ocorreu exclusivamente no grupo que
recebeu somente DOX, sem EECP. Assim, infere-se ainda que a ação antioxidante do EECP,
constatada pela redução das lesões miocárdicas ao exame microscópico nos animais que
receberam o extrato, também auxilia na redução da mortalidade de ratos submetidos à
cardiotoxicidade aguda pela DOX. Resultados divergentes foram obtidos em experimento
anterior conduzido por Moura et al.28, também utilizando o EECP, na dose de 300 mg/kg,
durante 10 dias, em ratos. Os referidos autores, do mesmo grupo desta pesquisa, notaram alto
índice de mortalidade e sugeriram que este poderia estar relacionado a substâncias tóxicas
presentes na casca do fruto. Ressalte-se que o extrato utilizado em ambos os experimentos não
foi o mesmo, com diferenças nos estágios de maturação do fruto, tempo de armazenamento e
teor alcoólico do extrato, o que sustenta resultados diferentes. Assim, a toxicidade atribuída
ao extrato do trabalho de Moura et al. 28 estaria relacionada à produção e estocagem do mesmo
e não a substâncias tóxicas ineretes à matéria prima do extrato, tendo em vista que na presente
pesquisa, quando alteradas tais características, o extrato não induziu mortalidade. Além disso,
a marca da DOX utilizada em ambos os estudos foi diferente, o que também pode justificar
diferenças no índice de mortalidade, tendo em que a qualidade do princípo ativo pode variar
entre os laboratórios.
Quanto aos achados necroscópicos, não foram encontradas alterações macroscópicas
em nenhum dos ratos, de nenhum dos grupos. A ausência de alterações macroscópicas pode estar
relacionada ao curto período de tempo entre a aplicação de DOX e a eutanásia dos ratos, já que
Ferreira et al.6 notaram acúmulo de líquido seroso no pericárdio e cavidade peritoneal de ratos
tratados com a mesma dose de DOX, pela mesma via de aplicação utilizada neste experimento,
porém com a dose fracionada em quatro aplicações semanais e com maior intervalo de tempo
entre a aplicação e a eutanásia. Ressalte-se que mesmo sem evidências macroscópicas de lesão
cardiotóxica induzida pela DOX, as alterações microscópicas confirmam os efeitos deletérios do
fármaco, mesmo em curto período após a administração do mesmo, o que também é descrito por
outros autores9,29.
Ao analisar o perfil médio do peso dos ratos ao longo do estudo para cada grupo,
observou-se que em G1, G2, G3 e G4 houve perda de peso no tempo final e, em GC, apesar
de não constatada diferença estatística, houve tendência à perda de peso. Esses achados
podem estar relacionados aos efeitos tóxicos da DOX, bem como à palatabilidade do EECP
para os ratos (Figura 2). Inicialmente ponderou-se a possibilidade de esofagite ou até mesmo
gastrite induzida pelo EECP. Entretanto, ao exame necroscópico essa possibilidade não foi
confirmada. Esses resultados também podem estar associados a efeitos deletérios do fármaco,
60
especialmente em pacientes submetidos a tratamentos quimioterápicos, já que o peso dos
animais influencia na dose da DOX a ser utilizada. Portanto, o extrato deve ser elaborado e
administrado de forma a evitar a rejeição de alimentos por animais após a gavagem.
Resultados semelhantes foram descritos por Ferreira et al.6, que observaram significativa
redução do peso com uso de licopeno na cardiotoxicidade induzida pela DOX.
Com relação ao peso do coração e a proporção entre o peso dos ratos e o peso do
coração, neste estudo não foi constatada diferença para essas variáveis. Conforme análises de
estudos prévios, acreditava-se que os animais pudessem desenvolver CMD21, assim como
alterar a proporção entre o peso dos ratos e o peso dos corações9, 27, 30. Entretanto, resultados
macroscópicos não foram encontrados neste estudo, possivelmente devido à marca da DOX
utilizada, à dose e ao tempo decorrido entre a aplicação da DOX e a eutanásia dos animais.
Resultados díspares foram descritos por Khan et al.27, que notaram redução do peso do
coração. Também Dudnaková et al.30, ao utilizar dose única de 2,2 mg/kg de DOX em ratos,
observaram redução na proporção do peso do coração em relação ao peso dos ratos. Nos
estudos citados o tempo da avaliação foi maior em comparação ao utilizado neste estudo.
Segundo Yu et al.31, as alterações histopatológicas da cardiotoxicidade induzida
pela DOX permitem o diagnóstico definitivo da afecção e estão entre os achados esperados a
degeneração vacuolar miocítica e a perda de miofibrilas. No presente estudo, observaram-se, à
microscopia do coração dos ratos que receberam DOX, degeneração vacuolar miocítica,
vacuolização da túnica média de artérias e arteríolas, desorganização das fibras, fragmentação
das miofibrilas, necrose de coagulação, infiltrado inflamatório mononuclear, por vezes com
células de Anitschkow, fibrose, congestão e edema (Figura 3). Esses resultados são
semelhantes aos encontrados por Ferreira et al.6 ao aplicar, também em ratos, 16 mg/kg de
DOX, em quatro aplicações semanais de 4 mg/kg. Na referida pesquisa, os autores
descreveram como achados histopatológicos desorganização de miofibrilas, vacuolização dos
miócitos, edema intersticial, necrose e infiltrado mononuclear. Khan et al.27 também
utilizaram delineamento experimental semelhante em camundongos e obtiveram alterações
similares às deste estudo, como perda de miofibrilas e degeneração vacuolar miocítica focal.
Achados histopatológicos semelhantes também foram descritos por Iqbal et al.32
ao utilizar única aplicação de 20 mg/kg de DOX, por via intraperitoneal em ratos. Os autores
relataram como alterações ruptura de miofibrilas, infiltrado inflamatório e edema em um
grupo de animais submetido a eutanásia dois dias após a aplicação. Em outro grupo de
animais, submetidos à eutanásia sete dias após a aplicação, observaram-se necrose focal da
61
fibra muscular, edema, hemorragia e congestão, sugerindo que os achados microscópicos
dependem do tempo decorrido entre a aplicação do fármaco e a colheita do material.
Ainda quanto aos achados microscópicos, no que se refere à intensidade e
distribuição da degeneração vacuolar miocítica, os grupos GS e G1 e G2 não diferiram
estatisticamente, o que indicou que o EECP minimizou os efeitos cardiotóxicos da DOX
quando utilizado durante 14 dias de tratamento, conforme realizado nos grupos G1 (300
mg/kg) e G2 (600 mg/kg). Quanto à intensidade da desorganização das fibras, o grupo G4
apresentou menor desorganização em relação aos demais grupos, se assemelhando ao grupo
Sham, o que confirma a atividade antioxidante do EECP na dose de 600 mg/kg. Outros
estudos que avaliaram a ação de antioxidantes em experimentos que utilizam DOX como
modelo de indução de cardiotoxicidade têm demonstrado proteção ao avaliar, entre outros,
resultados histopatológicos. Por exemplo, Ferreira et al.6 relataram que o uso do licopeno
reduziu o acúmulo de colágeno intersticial. Também, Xin et al.9 relataram redução da
desorganização das miofibrilas, dos níveis de CK e de anormalidades de condução miocárdica
ao utilizar Lycium barbarum, um fruto utilizado na medicina tradicional chinesa com
propriedades antipirética, anti-inflamatória e antienvelhecimento. Khan et al.27 notaram
redução significativa na severidade da degeneração miocárdica ao utilizar uma alga
denominada spirulina. Ainda, Karimi et al.29 avaliaram o efeito protetor do licopeno e do
extrato de tomate na cardiotoxicidade induzida pela DOX, na dose de 15 mg/kg, em aplicação
única, via intraperitoneal em ratos.
Anticorpos anti-MMP2 e anti-MMP9, assim como seus inibidores (TIMP) têm
sido utilizados para avaliar o remodelamento do miocárdio na cardiotoxicidade induzida pela
DOX, tanto em fase aguda33 quanto em crônica34. Ao avaliar a expressão das MMP e TIMP
foi observada a expressão de todas essas proteínas nos cardiomiócitos dos ratos de todos os
grupos, inclusive do GS. Esses achados são compatíveis com os apontamentos de Li et al.35,
ao afirmarem que as MMP estão presentes no miocárdio e são capazes de degradar todos os
componentes da MEC do coração. Em contraste, Adamcová et al.34 utilizaram dez doses
semanais de 3 mg/kg de daunorrubicina (DAU), uma antraciclina da família da DOX, por via
intravenosa, em coelhos. Notaram expressão leve e esporádica da MMP2 em cardiomiócitos e
fibroblastos em focos de dano tóxico significativo em coelhos do grupo tratado com DAU, ao
passo que nos indivíduos do grupo Sham, a referida enzima não foi identificada. Ainda em
confronto, Silva36 avaliou atividade miocárdica da MMP2 e MMP9, pelo método de
zimografia, em coelhos com cardiomiopatia induzida por DOX, na dose acumulada de 12
mg/kg. Observou apenas a forma ativa da MMP2, cujo resultado não diferiu entre grupos
62
controle e tratado com DOX, sendo que as formas inativa e ativa da MMP9 não foram
identificadas nas amostras de tecido analisadas. Essas diferenças podem estar relacionadas à
dose de ANT aplicada, às diferenças entre espécies animais avaliadas, ao tempo de avaliação
pós aplicação do fármaco, bem como aos anticorpos utilizados.
Embora fosse possível que os níveis de MMP2 estivessem aumentados nos grupos
tratados com DOX, considerando-se que o estresse oxidativo pode ativar as MMP, Ivanova et
al.37, ao estudar ratos com cardiomiopatia induzida por DOX, encontraram aumento na
atividade miocárdica da pro-MMP2 apenas oito semanas após a indução, quando havia
acumulado a dose de 15 mg/kg. Na presente pesquisa, apesar de a dose utilizada ter sido 16
mg/kg, superior à dose acumulada do referido estudo, acredita-se que o fator tempo possua
grande influência na expressão dessas proteínas, fato também relatado por Ivanova et al.37.
Nesse sentido, experimentos têm sido realizados buscando estabelecer curvas de expressão
dessas proteínas, correlacionando-as com o tempo pós-aplicação de DOX. Kizaki et al.33
investigaram a expressão dos genes MMP2 e MMP9 no ventrículo um, dois e quatro dias após
indução de cardiotoxicidade pela DOX, pela aplicação de 25 mg/kg em dose única. Notaram
aumento na expressão de MMP2 e MMP9 no dia dois. MMP2 praticamente dobrou sua
expressão nos camundongos tratados com DOX nos dias um e dois. Por outro lado, MMP9
não diferiu em nenhum grupo no dia um e aumentou significativamente nos grupos tratados
nos dias dois e quatro.
No presente estudo, a imunomarcação de MMP9 em todos os grupos, apesar de
presente em alguns animais, foi sempre discreta e bem inferior àquelas referentes a MMP2,
TIMP1 e TIPM2. De forma semelhante, Adamcová et al.34 não identificaram formas inativas
e/ou ativas de MMP9 no tecido miocárdico. Os dados encontrados sugerem que a MMP9 não
participa dos eventos precoces da cardiotoxicidade aguda exercida pela DOX, o que pode
estar associado a ausência de infiltrado inflamatório típico, já que essa enzima é amplamente
associada aos leucócitos36 e o infiltrado inflamatório encontrado nesta pesquisa, quando
presente, era de intensidade discreta. De modo semelhante, Ivanova et al.37, também não
encontraram as formas inativas e/ou ativas da MMP9 no tecido cardíaco em ratos. Em
contraste, Aupperle et al.38, por meio de imunoistoquímica, encontrou aumento na expressão
de MMP1, MMP2 e MMP9 em cardiomiócitos de coelhos com cardiomiopatia induzida por
DOX, comparativamente aos animais do GS.
Nesta pesquisa, utilizando-se um antioxidante natural, notou-se que no grupo G1
o TIMP1, inibidor de MMP, houve maior porcentagem de células marcadas, o que pode
indicar efeito protetor relacionado a substâncias contidas na casca do pequi, já que esse grupo
63
recebeu como tratamento 300 mg/kg do extrato durante 17 dias. Há um significativo interesse
em utilizar os TIMP como estratégia terapêutica. Como o constante remodelamento é
regulado pelas MMP, as quais recebem influência de fatores de crescimento e citocinas,
estudos têm relacionado a atividade gelatinolítica das MMP a esses fatores. Nesse sentido,
terapias anti-TNF têm sido relacionadas à redução do remodelamento cardíaco e dilatação
cardíaca em humanos com insuficiência cardíaca. Li et al.35 testaram a ação do AdTNFRI, um
anti-TNF, e notaram significativa redução na expressão das gelatinases MMP2 e MMP9.
TIMP1 apresentou maior porcentagem de células marcadas. Ao comparar diferentes
estratégias terapêuticas, na presente pesquisa não foram observadas diferenças significativas
na atividade de MMP2, MMP9 e TIMP2. Contudo, houve aumento da expressão do TIMP1
no grupo tratado por 14 dias com 300 mg/kg do EECP. Apesar de se esperar que com a
elevação do TIMP1 houvesse redução das MMP, esse fato não foi observado. É possível que
valores mais elevados dessa proteína fossem encontrados caso não houvesse aumento da
imunoexpressão de TIMP1. Os resultados apontam que antioxidantes naturais, como o EECP,
possam ter sucesso terapêutico nessa enfermidade.
CONCLUSÕES
Conclui-se que o EECP atenua os efeitos deletérios da DOX no miocárdio de ratos
submetidos à cardiotoxicidade aguda induzida pelo fármaco. Quando utilizado nas doses de 300
e 600 mg/kg durante 17 dias o EECP atenua a degeneração vacuolar miocítica. Quando
utilizado na dose de 600 mg/kg durante 10 dias o EECP reduz a desorganização das fibras. O
EECP na dose de 300 mg/kg durante 17 dias aumenta a expressão de TIMP1 no miocárdio de
ratos tratados com DOX.
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67
CAPÍTULO 3 - AÇÃO DO EXTRATO ETANÓLICO DA CASCA DO
PEQUI
(Caryocar
brasiliense)
NA
CARDIOTOXICIDADE CRÔNICA INDUZIDA POR
DOXORRUBICINA EM RATOS
RESUMO
A doxorrubicina (DOX) é um quimioterápico utilizado no tratamento de neoplasias malignas,
porém possui a cardiotoxicidade como efeito colateral. O objetivo deste trabalho foi avaliar a
ação do extrato etanólico da casca do pequi (Caryocar brasiliense) (EECP) por meio de
avaliação morfológica (macroscópica, microscópica e ultramicroscópica), bem como avaliar a
expressão de metaloproteinases (MMP2 e MMP9) e seus inibidores teciduais (TIMP1 e TIMP2)
no miocárdio de ratos submetidos à cardiotoxicidade crônica pela DOX, tratados ou não com o
EECP. O experimento teve duração de três meses e foram utilizados 30 ratos da raça Wistar,
distribuídos em seis grupos de cinco animais. G1 e G2 receberam como pré-tratamento 300
mg/kg e 600 mg/kg de EECP, respectivamente, por gavagem, durante sete dias e mantiveram o
tratamento durante os 21 dias de aplicação da DOX. Em G1, G2, G3, G4 e GC, a
cardiotoxicidade foi induzida com aplicações semanais de 2 mg/kg de DOX, via intraperitoneal,
totalizando quatro aplicações (8 mg/kg) e, nos ratos do grupo Sham (GS), foi aplicado 1 ml de
solução fisiológica. Os animais do G3 receberam diariamente 300 mg/kg e os do G4 600 mg/kg
de EECP, por gavagem, durante os 21 dias de aplicação da DOX. Os do GC e GS receberam 1
ml de água, diariamente, também por gavagem. Após o término das aplicações, os animais
foram mantidos por dois meses, totalizando três meses de experimento. A avaliação
macroscópica foi realizada após 90 dias, momento em que foram colhidas amostras para análise
em microscopia eletrônica, histopatologia e imunoistoquímica. Ao exame necroscópico foi
observada ascite nos animais que receberam DOX. Houve baixo índice de mortalidade (3,33%),
representado pela morte de um rato que desenvolveu pneumonia por falsa via. Não foi
observada alteração no peso e nas medidas do coração dos ratos. Nas doses de 300 e 600 mg/kg,
o EECP atenuou a degeneração vacuolar miocítica. Na dose de 600 mg/kg, o EECP reduziu a
quantidade de células de Anitschkow. Não houve resultado significativo quanto à
imunomarcação das MMP, e, quanto a seus inibidores (TIMP), houve maior imunomarcação
em TIMP2 em GC, grupo que recebeu apenas DOX. Concluiu-se que o extrato etanólico da
casca do pequi (EECP) é eficiente em minimizar os efeitos da cardiotoxicidade crônica induzida
pela DOX no miocárdio de ratos, considerando que nas doses de 300 e 600 mg/kg, o EECP
atenua a degeneração vacuolar miocítica e na dose de 600 mg/kg o EECP reduz a quantidade de
células de Anitschkow e a fragmentação das miofibrilas.
Palavras-Chave: Antraciclina, histopatologia, metaloproteinases, microscopia eletrônica,
TIMP.
68
ABSTRACT
Doxorubicin (DOX) is a chemotherapic drug used in the treatment of malignancies, but has
the cardiotoxicity as collateral effect. The objective of this study was to evaluate the action of
pequi shell etanolic extract (Caryocar brasiliense) (PSEE) through morphological evaluation
(macroscopic, microscopic and ultramicroscopic), and to evaluate the expression of
metalloproteinases (MMP2 and MMP9) and its tissue inhibitors (TIMP1 and TIMP2) in the
myocardium of rats with chronic cardiotoxicity by DOX and treated or not with PSEE. The
experiment lasted three months and 30 Wistar rats were divided into six groups of five
animals. G1 and G2 received 300 mg/kg and 600 mg/kg of PSEE, respectively, as
pretreatment, by gavage for seven days and continued treatment for 21 days of application of
DOX. In G1, G2, G3, G4 and GC, cardiotoxicity was induced with weekly applications of 2
mg/kg DOX, intraperitoneally, totaling four applications (8 mg/kg), and in the Sham group
(GS) 1 ml of saline solution was applied. G3 animals received daily 300 mg/kg of PSEE, and
G4, 600 mg/kg, by gavage, for 21 days of application of DOX. The GC and GS received 1 ml
of water daily by gavage also. After the completion of the application, the animals were kept
for two months, with three months of experiment. Macroscopic evaluation was performed
after 90 days, at which time samples were taken for analysis in electron microscopy,
histopathology and immunohistochemistry. At necropsy, ascites was observed in animals that
received DOX. There was a low mortality rate (3,33%), being one mouse that developed false
road pneumonia. There was no change in weights and measures of the rat hearts. At doses of
300 and 600 mg/kg, the PSEE attenuates myocyte vacuolar degeneration. At a dose of 600
mg/kg, PSEE reduces amount Anitschkow cells. There was no significant result on the
immunostaining of MMP, but considering their inhibitors (TIMP) there was a greater
immunostaining of TIMP2 in GC, the group that received only DOX. It was concluded that
PSEE is effective in minimizing effects of chronic cardiotoxicity induced by DOX in the
myocardium of rats, whereas at doses of 300 and 600 mg/kg, PSEE attenuates vacuolar
degeneration in myocytes and at the dose of 600 mg/kg the PSEE reduces the amount of
Anitschkow cells and myofibrils fragmentation.
Keywords:
Anthracycline, electron microscopy, histopathology, metalloproteinases, TIMP.
69
INTRODUÇÃO
A doxorrubicina (DOX), também denominada adriamicina, é um fármaco do
grupo das antraciclinas (ANT) que está entre os quimioterápicos utilizados na medicina e na
medicina veterinária para o tratamento de diferentes neoplasias malignas, especialmente
tumores sólidos, leucemias e linfomas. Entretanto, possui valor clínico limitado em função de
sua cardiotoxicidade1,2.
Pelos efeitos tóxicos conhecidos, a DOX é utilizada como modelo experimental
de cardiomiopatia dilatada em diversas espécies animais3. Segundo Raj et al.4, a
cardiotoxicidade da DOX é classificada cronologicamente em aguda, crônica e tardia. A
aguda ocorre na primeira semana após a administração do fármaco, a crônica até um ano após
o término do tratamento e a tardia se desenvolve anos após a conclusão da terapia anticâncer.
Os efeitos anticancerígenos das ANT ocorrem por meio da inibição da transcrição,
síntese e replicação do ácido desoxirribonucleico (DNA), mas também geram radicais livres
(RL). A ação desses radicais é definida como estresse oxidativo e designa uma condição na
qual ocorre desequilíbrio entre as concentrações de espécies pró e antioxidantes5. A oxidação
é parte fundamental da vida aeróbica e os RL são produzidos naturalmente ou por alguma
disfunção biológica. Seu excesso apresenta efeitos prejudiciais, como a peroxidação dos
lipídios de membrana e agressão às proteínas, enzimas, carboidratos e DNA6.
Estudos comprovam que dietas ricas em antioxidantes naturais contribuem para a
redução significativa de doenças crônicas e degenerativas7. Compostos naturais podem
exercer efeitos benéficos na cardiotoxicidade induzida pela DOX, por meio da neutralização
de RL8. O pequi (Caryocar brasiliense) é um fruto rico em substâncias químicas que possuem
atividade antioxidante, bastante difundido na culinária da região centro-oeste, encontrado no
cerrado, cerradão e mata calcária, que apresenta também uso medicinal.
As metaloproteinases de matriz (MMP) são enzimas responsáveis pela degradação
de componentes da matriz extracelular (MEC), que atuam no desenvolvimento e
remodelamento normais da MEC ou em processos patológicos9. As MMP são secretadas
como pró-enzimas inativas e requerem clivagem proteolítica para ativá-las. De acordo com
Potáková et al.10, o estresse oxidativo pode ativá-las. Os inibidores de metaloproteinases
(TIMP) são proteínas específicas que regulam as atividades dessas enzimas, auxiliando, desta
forma, na manutenção da integridade da MEC10-14. O colágeno é o principal componente da
MEC e, no coração, a principal proteína de sustentação dos cardiomiócitos. Quando a síntese
desta proteína predomina sob a degradação, o resultado é a fibrose. Ao contrário, quando a
degradação predomina, a perda do colágeno resulta em disfunção contrátil15.
70
O presente estudo teve como objetivo avaliar a ação do extrato etanólico da casca
do pequi (EECP) (Caryocar brasiliense) por meio de avaliação morfológica macroscópica,
microscópica e ultramicroscópica, bem como identificar e comparar possíveis alterações na
expressão das proteínas MMP2, MMP9, TIMP1 e TIMP2, no miocárdio de ratos submetidos à
cardiotoxicidade crônica pela DOX.
MATERIAL E MÉTODOS
Toda a conduta experimental seguiu as recomendações referentes à ética em
experimentação animal, conforme instruções da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais
de Laboratório (SBCAL), após submissão à Comissão de Ética no Uso de Animais da
Universidade Federal do Goiás (CEUA/UFG 028/12) – Anexo A.
A pesquisa foi desenvolvida no Setor de Patologia Animal da Escola de Veterinária e
Zootecnia (EVZ) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, com colaboração do
Instituto de Farmácia da UFG, para a obtenção do EECP, e do Serviço de Histologia Veterinária
do ICB da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde foram realizadas as análises em
microscopia eletrônica. Foram utilizados 30 ratos (Rattus norvegicus albinus) linhagem Wistar,
machos, três meses de idade e com peso variando entre 281 e 443 gramas, adquiridos para o
experimento. Os animais foram mantidos no biotério da EVZ-UFG, sob temperatura (21°C) e
luminosidade (ciclos de 12 horas) controladas, recebendo dieta padrão e água à vontade.
O EECP foi processado a partir das cascas do fruto, de acordo com a técnica
descrita por Lima16. As cascas foram submetidas à secagem em estufa com ventilação forçada
(60ºC) por 48 horas, trituradas em moinho analítico até atingir baixa granulometria e
armazenadas a -20°C. Em seguida, foi realizada a percolação a frio em etanol ao abrigo da luz
e sob agitação. O sobrenadante foi filtrado e, após evaporação do solvente, à pressão reduzida,
foi obtido o extrato etanólico bruto. Sequencialmente, o extrato foi submetido a testes de
qualidade que incluíram a presença de materiais estranhos, teor de umidade, teor de cinzas totais e
granulometria, de acordo com os parâmetros da Farmacopeia Brasileira 5ª edição17. Finalizado
o processo, o extrato foi armazenado a -20ºC até o momento de fornecimento aos animais.
A aplicação de DOX e solução salina foi intraperitoneal, com cateter número 22,
após antissepsia com iodopovidine. Os animais (n=30) foram separados em seis grupos
(Grupo Sham [GS] G1, G2, G3, G4 e GC), sendo cada grupo composto por cinco animais
(n=5).
O experimento teve duração de três meses. Os ratos dos grupos G1 e G2
receberam, como pré-tratamento, 300 e 600 mg/kg do EECP, respectivamente, por gavagem,
71
durante sete dias e mantiveram o tratamento durante os 21 dias de aplicação da DOX. Em G1,
G2, G3, G4 e GC, a cardiotoxicidade foi induzida com aplicações semanais de 2 mg/kg de
DOX (Adriblastina®, Pfizer, Milão, Itália), por via intraperitoneal, totalizando quatro
aplicações (8 mg/kg) e, em GS, foi aplicado 1 ml de solução fisiológica (placebo), conforme
critérios adaptados de Ferreira et al.18. Aos ratos do G3 foram fornecidos diariamente 300 e
aos do G4 600 mg/kg de EECP, por gavagem, durante os 21 dias de aplicação da DOX. Aos
animais dos grupos GC e GS foi fornecido 1 ml de água, diariamente, também por gavagem.
Após o término das aplicações, os animais foram mantidos por dois meses, totalizando três
meses de experimento. As doses do EECP utilizadas foram baseadas em estudos prévios19.
A avaliação morfológica foi realizada após 90 dias. Os ratos foram submetidos à
eutanásia por sobredose anestésica com isoflurano, em câmara de inalação fechada,
administrado através de máscara facial adaptada para a espécie, com oxigênio a 100% e uso de
vaporizador com fluxo de admissão de gases 1 L/min. À avaliação necroscópica foi realizada
incisão no saco pericárdico e ainda na cavidade torácica foi avaliada a presença de aderências e
espessamentos, bem como as características e a quantidade de eventuais acúmulos pericárdicos.
O coração foi separado do sistema respiratório, sendo drenado o conteúdo das câmaras, pesado
e, em seguida, aberto, realizando-se incisão longitudinal média, da base ao ápice do coração,
expondo as câmaras cardíacas. Foram obtidas medidas referentes ao eixo vertical e horizontal,
com base no ponto médio de cada eixo. Para a obtenção dessas medidas foi utilizado
paquímetro, conforme critérios adaptados de Pontes et al.20. As lesões observadas foram
fotografadas e registradas em planilha específica. Fragmentos do coração foram colhidos em
formol a 10% tamponado para histopatologia e imunoistoquímica, e em glutaraldeído para
microscopia eletrônica.
Para as análises em microscopia óptica, metade do coração foi fixada durante 48
horas em formol tamponado a 10%, e posteriormente mantida em álcool 70% até o momento
do processamento, que foi conduzido de acordo com técnicas laboratoriais rotineiras para a
inclusão tecidual em parafina. Foram confeccionados cortes histológicos de 4m, estes
distendidos em lâminas histológicas com extremidade fosca, corados por hematoxilina e
eosina (HE), para a avaliação e a classificação das alterações histomorfológicas, seguindo os
critérios de Pontes et al.20. A análise das lâminas foi realizada em microscópio óptico,
inicialmente na objetiva de menor aumento (4x), seguindo-se as objetivas subsequentes (10x,
40x e 100x). A avaliação histomorfológica foi graduada em escores, seguindo critérios
adaptados de Pontes et al.20, sendo adotados escores para intensidade da lesão, sendo: 0-
72
(negativa), 1+ (discreta), 2+ (moderada) e 3+ (acentuada); e para distribuição das lesões: 0
(ausente), 1+ (focal), 2+ (multifocal) e 3+ (difusa).
Para avaliar possíveis alterações ultramicroscópicas, cinco fragmentos de
aproximadamente 1 mm3 de cada coração foram fixados em tubos contendo glutaraldeído a
4% tamponado em cacodilato de sódio, 0,1M, pH 7,2. Após fixação por 48 horas, os
espécimes foram lavados com tampão cacodilato (0,1M, ph 7,2) duas vezes, por 10 minutos, e
uma hora em tetróxido de ósmio a 1% associado a ferrocianeto de potássio a 1,25%. Em
seguida, foram incluídos em resina Epon e cortados em ultramicrótomo para a obtenção de
cortes ultrafinos. Os cortes foram contrastados com acetato de uranila e citrato de chumbo, e
examinados em microscópio eletrônico Zeiss EM-109. Foram selecionadas para análise duas
amostras representativas de cada grupo, previamente avaliadas em microscopia de luz.
Para a avaliação imunoistoquímica, cortes de 3 μm foram confeccionados e
distendidos sobre lâminas histológicas Starfrost® (Thermo Fisher Scientific, Waltham, EUA).
Os cortes foram desparafinizados, hidratados, lavados em água corrente e submetidos à
recuperação antigênica a 96ºC, durante 40 minutos, em banho-maria. Subsequentemente, as
lâminas foram lavadas com solução de TRIS, pH 7,4, e realizado o bloqueio da peroxidase
endógena com água oxigenada a 8% em metanol, por 20 minutos. Para o bloqueio de reações
inespecíficas, os cortes foram incubados em leite em pó desnatado (Molico®, Nestlé, Araras,
São Paulo, Brasil) a 10%, durante 80 minutos. Em seguida, os cortes foram incubados com
anticorpos diluídos (diluidor de anticorpos, ADS-125, Spring) a 1:50 para o anticorpo
policlonal de coelho anti-MMP2 (Abcam, ab110186), 1:200 para o anticorpo policlonal de
coelho anti-MMP9 (DAKO A0150), 1:100 para o anticorpo Rabbit Anti-Human TIMP1
Polyclonal Antibody, Spring, e 1:50 para o anticorpo Rabbit Anti-Human TIMP2 Polyclonal
Antibody, Spring, em câmara úmida, durante duas horas, a 37C. Nas lâminas utilizadas como
controle negativo, os anticorpos foram substituídos pelo diluidor de anticorpo (ADS-125,
Spring). A etapa seguinte referiu-se à incubação dos cortes em sistema de amplificação de
sinais com anticorpo secundário Envision Dual Link (DAKO, K4061-1). Para a visualização
da reação, as lâminas foram submersas em solução de diaminobenzidina (DAB) (Dako
K3468-1). Os cortes foram submetidos à contracoloração com hematoxilina de Mayer,
lavados, desidratados e diafanizados. As lâminas foram montadas com lamínula e resina
sintética, seguindo-se a análise em microscopia para determinação do percentual de área
tecidual marcada e intensidade de marcação dos anticorpos empregados. Para isso, foi
utilizado microscópio acoplado a câmera digital e sistema de análise de imagens (DM4000,
DFC290 e Leica Application Suite, todos da marca Leica Microsystems, Alemanha).
73
A intensidade de marcação imunoistoquímica e o percentual de área tecidual
marcada para anti-MMP2, anti-MMP9, anti-TIMP1 e anti-TIMP2 no tecido cardíaco de ratos
não tratados (GS) e tratados com DOX, com e sem o uso EECP, foi graduada em escores,
seguindo critérios de Faleiro et al.21, sendo adotados para intensidade de marcação: 0(negativo, ausência de imunomarcação), 1+ (discreto, imunomarcação fraca), 2+
(imunomarcação moderada) e 3+ (acentuada, imunomarcação fortemente positiva) (Figura 1).
Para o percentual de área tecidual marcada, os escores adotados foram: 0=negativo, 1=1-25%,
2=26-50%, 3=51-75% e 4=76-100%.
A
B
C
D
FIGURA 1 - Fotomicrografias de escores de intensidade de marcação imunoistoquímica com os
anticorpos anti-MMP2, anti-MMP9, anti-TIMP1 e anti-TIMP2 no miocárdio de ratos
tratados com DOX, com e sem EECP. A) controle negativo (0+); B) Intensidade
discreta (1+) anti-TIMP1; C) Intensidade moderada (2+) anti-TIMP2; D) Intensidade
acentuada (3+) anti-MMP2. DAB contra corado com Hematoxilina de Mayer.
O experimento foi instalado em delineamento inteiramente casualizado, com seis
protocolos terapêuticos (GS, G1, G2, G3, G4 e GC) e cinco repetições, sendo que a unidade
experimental foi constituída por um animal (rato), totalizando 30 ratos. Para as variáveis
quantitativas foram realizadas médias, desvio-padrão, mediana, mínimo e máximo e sua análise
74
inferencial foi realizada utilizando-se análises de variância e o teste de Pearson. Para as variáveis
qualitativas, obtidas em escalas de notas, foi realizado o teste de Kruskal-Wallis, teste quiquadrado, Wilcoxon e Dunn. Para avaliar a correlação entre os anticorpos foram utilizados os
testes de Spearman e de U-Mann Whitney. A todos os testes foi adotado o nível de significância
de 5% (p < 0,05) e, para realização, utilizado o software estatístico SPSS (IBM Corp. Released
2010. IBM SPSS Statistics for Windows, Version 19.0. Armonk, NY) e R (R CORE development
team versão 3.0.0).
RESULTADOS
A mortalidade constatada no experimento foi de 3,33% (1/30). À necropsia do
rato de G1 notaram-se extensas áreas de consolidação pulmonar de distribuição cranioventral,
que foram relacionadas à pneumonia por falsa via. Com relação aos achados necroscópicos
nos animais dos diferentes grupos, no GS não foram encontradas alterações macroscópicas. Já
nos grupos tratados com DOX, com e sem EECP, foi detectada ascite.
As variações de peso não foram significativas. Também não foram representativas
as relações entre o peso final do rato com o peso do coração, assim como das medidas dos
eixos longitudinais e transversais dos corações, mensurados no momento da necropsia. Esses
resultados estão apresentados na tabela 2. Foi realizado o teste de Kruskal-Wallis para
comparação de grupos independentes, relacionados a essas variáveis (Tabela 1).
O teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, para comparação de grupos
independentes, não demonstrou diferença entre os grupos para nenhuma das variáveis
analisadas. Peso final do rato (χ2 = 4,519; g.l. = 5; valor p = 0,477); Peso do coração (χ2 =
2,861; g.l. = 5; valor p = 0,721), Proporção do peso do coração em relação ao peso final dos
ratos (χ2 = 2,892; g.l. = 5; valor p = 0,717), Medida do coração Longitudinal (χ2 = 6,781; g.l.
= 5; valor p = 0,237) e Medida do coração Transversal (χ2 = 3,583; g.l. = 5; valor p = 0,611).
75
TABELA 1 - Teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, para comparação de grupos independentes,
das variáveis peso final do rato, peso do coração e proporção do peso do coração em
relação ao peso final dos ratos (peso do coração /peso final do rato), medidas do
coração eixo longitudinal e medidas do coração eixo transversal, por grupo.
Variável
Peso final do rato
Peso do coração
Proporção do peso do coração
em relação ao peso final dos
ratos
Medida do coração
Longitudinal
Medida do coração
Transversal
Grupo
N
GS
G1
G2
G3
G4
GC
Total
GS
G1
G2
G3
G4
GC
Total
GS
G1
G2
G3
G4
GC
Total
GS
G1
G2
G3
G4
GC
Total
GS
G1
G2
G3
G4
GC
Total
5
4
5
5
5
5
29
5
4
5
5
5
5
29
5
4
5
5
5
5
29
5
4
5
5
4
5
28*
5
4
5
5
4
5
28*
Média dos
postos
Quiquadrado
Grau de
liberdade
Valor p
19,4
15,0
15,8
8,4
16,4
15,0
4,519
5
0,477
16,1
15,0
15,9
9,6
15,2
18,2
2,861
5
0,721
11,8
15,3
14,8
14,0
13,8
20,4
2,892
5
0,717
17,5
16,5
13,0
17,5
13,5
19,2
6,781
5
0,237
12,6
13,9
10,5
14,6
19,9
16,5
3,583
5
0,611
* uma das 29 amostras foi tratada como parcela perdida.
À avaliação histopatológica (Figura 2) observaram-se no coração dos ratos
tratados com DOX degeneração vacuolar miocítica, vacuolização da túnica média de artérias e
arteríolas, desorganização das fibras, fragmentação das miofibrilas, necrose de coagulação,
infiltrado inflamatório predominantemente mononuclear, por vezes com células de Anitschkow,
fibrose, congestão e edema. Ao teste Kruskal-Wallis, seguido do teste de Dunn, ao nível de
significância de 5%, observou-se diferença na intensidade de células de Anitschkow (p =
0,0407), sendo que G2 e G4 foram os únicos grupos que não diferiram estatisticamente do
GS, indicando menor quantidade dessas células nesses grupos. Também houve diferença para
76
a variável distribuição da degeneração vacuolar miocítica (p = 0,0218), sendo que G1, G2 e
G4 não diferiram do GS. Já G3 e GC diferiram do GS e apresentaram maior distribuição da
degeneração vacuolar miocítica (Tabela 2 e Apêndice B). Quanto à distribuição da variável
fragmentação das miofibrilas (p = 0,0313), o único grupo que não diferiu do GS foi o G4,
sendo possível correlacionar efeitos positivos ao EECP à avaliação histopatológica (Tabela 2).
Entretanto, quanto à variável distribuição do infiltrado inflamatório, houve diferença
estatística (p = 0,0165) entre G1 e os demais grupos (Tabela 2 e Apêndice B), sendo de maior
gravidade em G1.
FIGURA 2 - Fotomicrografias do miocárdio de ratos submetidos à
cardiotoxicidade crônica pela DOX. A) GC: degeneração
vacuolar (setas grossas) e fragmentação de miofibrilas (setas
finas); B) G3: necrose evidenciada por aumento de eosinofilia
citoplasmática e picnose nuclear (seta grossa) e fragmentação
de miofibrilas (setas finas); C) G1: Infiltrado inflamatório
predominantemente mononuclear (seta grossa) com células de
Anitschkow (setas finas); D) GC: desorganização de fibras
(setas); E) G4: vacuolização da túnica média de artérias; F)
G1: fibrose (setas) (HE).
77
TABELA 2 – Mediana dos valores obtidos na graduação das alterações histopatológicas para cada
grupo, analisados por intensidade (I) e por distribuição (D).
DVM
DF
F
NC
CA
II
C
FM
Grupo
I
D
I
D
I
D
I
D
I
D
I
D
I
D
I
D
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
a
b
a
a
a
GS
0
0
0
0
0
0
2
0
0
0
1
1
1
3
0
0a
a
b
a
a
a
a
a
a
A
a
a
a
a
a
a
G1
1
2
0
0
0
0
1
1
1
1
1
2
2
3
1
2A
G2
1a
1b
0a 0a 0a 0a 2a 0a 1b 1a 1a 1b 2a 3a 2a 2A
G3
1a
2A
0a 0a 0a 0a 1a 1a 1A 1a 1a 1A 2a 3a 2a 2A
G4
1a
2b
0a 0a 0a 0a 2a 0a 1b 1a 1a 1A 2a 3a 2a
2b
a
A
a
a
a
a
a
a
A
a
a
A
a
a
a
GC
1
2
0
0
0
0
1
1
1
1
1
1
2
3
2
2A
DVM: degeneração vacuolar miocítica, DF: desorganização das fibras, F: fibrose, NC: necrose de
coagulação, CA: células de Anitschkow, IM: infiltrado inflamatório mononuclear, C: congestão, FM:
fragmentação de miofibrilas. Letras diferentes na mesma coluna não diferem entre si. Letras iguais que
diferem em maiúsculas e minúsculas diferem entre si. Letras idênticas não diferem entre si. Teste
Kruskal-Wallis, seguido do teste de Dunn, ao nível de significância de 5%.
Foi observada a expressão de MMP2, MMP9, TIMP1 e TIMP2 nos
cardiomiócitos de todos os grupos avaliados. Ao nível de significância de 5%, o teste não
paramétrico de Kruskal-Wallis identificou diferenças nas variáveis TIMP2 intensidade de
células marcadas (valor p = 0,035) e TIMP2 porcentagem de células marcadas (valor p =
0,036). Para as variáveis TIMP2 intensidade de células marcadas e TIMP2 porcentagem de
células marcadas, os grupos G2 e GC apresentaram diferença dos demais, sendo que G2
apresentou menor intensidade, enquanto GC apresentou maior intensidade (Tabela 3).
TABELA 3 - Médias dos postos (ranks) entre TIMP1, TIMP2, MMP2 e MMP9 para os grupos
analisados por intensidade e por porcentagem de células marcadas.
Intensidade
Grupo
% cel marcadas
TIMP1
TIMP2
MMP2
MMP9
TIMP1
TIMP2
MMP2
MMP9
GS
22,00a
16,00 ab
11,00 a
17,00 a
13,90 a
17,50ab
13,60 a
17,00 a
G1
15,00 a
16,00 ab
13,50 a
17,00 a
19,50 a
17,50 ab
13,90 a
17,00 a
G2
14,00 a
8,50 b
16,00 a
14,00 a
13,90 a
8,50 b
18,80 a
14,00 a
G3
11,50 a
12,20 ab
13,30 a
17,00 a
18,50 a
11,50 ab
14,00 a
17,00 a
G4
10,00 a
15,20 ab
20,60 a
14,00 a
11,00 a
14,50 ab
18,80 a
14,00 a
GC
20,50 a
25,10 a
18,60 a
14,00 a
16,20 a
23,50 a
13,90 a
14,00 a
Letras iguais na mesma coluna não diferem entre si pelo teste de Comparações múltiplas, com
correção de Bonferroni, da variável TIMP2 e teste de U-Mann Whitney (p<0,05).
Observou-se forte correlação positiva entre TIMP2 e MMP2 para a variável
intensidade de imunomarcação no grupo G4, ou seja, quando uma variável aumenta, a outra
também aumenta (Tabela 4).
78
TABELA 4 – Correlação de Spearman entre as variáveis avaliadas, por porcentagem de células
Intensi.
% cel mar
marcadas e por intensidade, para cada grupo.
Grupos
Correlação
GS
G1
G2
G3
de
Spearman
R
P
R
P
R
P
R
P
CR
R:
P:
G4
R
GC
P
R
P
0,239
0,111
.
0,495
.
.
-0,79
.
.
.
.
0,111
.
.
.
.
.
.
.
-0,25 0,685
0,75
0,144
0,00
1,000
-0,56 0,327
0,65
0,239
0,57
0,312
-0,25 0,685
.
.
.
.
TIMP1/TIMP2
TIMP1/MMP2
TIMP1/MMP9
TIMP2/MMP2
TIMP2/MMP9
0,41
0,19
-0,25
-0,76
-0,61
0,495 0,00 1,000
.
.
0,764 -0,79 0,111 -0,25 0,685
0,685 0,00 1,000
.
.
0,135 -0,41 0,495
.
.
0,272 -0,61 0,272
.
.
0,19
-0,81
-0,56
0,19
-0,25
0,764 0,65
0,100 -0,79
0,327
.
0,764 -0,41
0,685
.
MMP2/MMP9
0,75
0,148
0,25
0,685
.
.
0,75
0,148
TIMP1/TIMP2
0,15
0,807
0,00
1,000
.
.
TIMP1/MMP2
0,30
0,619 -0,40 0,510
.
.
TIMP1/MMP9
-0,75
0,148 -0,40 0,510
.
.
TIMP2/MMP2
-0,67
0,219 -0,41 0,495
.
.
0,19
0,97
0,007 CR
-0,41
0,498
TIMP2/MMP9
-0,61
0,272 -0,61 0,272
.
.
-0,25 0,685
.
.
.
.
MMP2/MMP9
0,41
0,495
.
.
0,75
.
.
.
.
0,25
0,685
0,764
0,148
Forte correlação positiva entre TIMP2 e MMP2
Correlação entre as variáveis avaliadas.
Valor de p.
Quanto aos achados ultramicroscópicos, os cardiomiócitos de ratos do GS
apresentaram poucos vacúolos, organelas morfologicamente normais e miofibrilas
organizadas (Figura 3A). Já nas células miocárdicas de ratos dos grupos G3 e G4 havia
edema, focos de necrose, além de tumefação das cristas mitocondriais, desorganização de
miofibrilas e numerosos vacúolos (Figuras 3C e 3D). No coração dos animais dos grupos G1,
G2 e GC não foram identificadas áreas de necrose, notaram-se menos vacúolos, raras
mitocôndrias tumefeitas e dilatação de retículo endoplasmático liso (REL).
79
FIGURA 3 - Ultramicrografias do miocárdio de rato. A) Grupo Sham: tecido
cardíaco normal, notar miofibrilas bem organizadas (seta branca),
sem vacúolos, mitocôndrias morfologicamente normais (seta grossa)
e grânulos de glicogênio (setas pretas finas); B) Grupo G3: edema,
notar maior espaçamento entre miofibrilas (setas); C) Grupo G3:
vacúolos (setas); D) Grupo G4: necrose, desorganização de
miofibrilas (seta branca), desestruturação das mitocôndrias (seta
preta grossa) e debris de organelas (setas pretas finas). Cortes
contrastados com uranila e citrato de chumbo.
DISCUSSÃO
Com relação aos índices de mortalidade, houve morte de um único rato neste
experimento, por erros operacionais, semelhante ao descrito por Xin et al.8 ao utilizar 10
mg/kg de DOX, por via intraperitoneal, em dose única. Por outro lado, Kizaki et al.22
utilizaram dose única de 25 mg/kg de DOX em ratos e avaliaram índices de mortalidade um,
dois e quatro dias após a aplicação da DOX. Após um e dois dias não houve mortalidade. Já o
grupo que foi submetido à eutanásia quatro dias após a aplicação apresentou taxa de
mortalidade de 29%. Índices ainda maiores, acima de 50% de mortalidade, foram descritos
por Khan et al.23 e Ferreira et al.18 ao acumular 16 mg/kg de DOX. Neste estudo, a ausência
de mortalidade relacionada ao fármaco se deve, possivelmente, à menor dose de DOX
utilizada e ao intervalo de tempo decorrido entre os tratamentos e a necropsia.
Quanto aos achados necroscópicos, no GS não foram encontradas alterações
macroscópicas, entretanto, nos grupos tratados com DOX, com e sem o EECP, foi detectada
80
ascite em alguns animais. Achados semelhantes foram descritos por Ferreira et al.18, que
notaram acúmulo de líquido seroso no pericárdio e cavidade peritoneal de ratos tratados com
16 mg/kg de DOX, pelo mesmo intervalo de tempo e via de aplicação utilizados neste estudo.
Na presente pesquisa, esses resultados podem estar relacionados aos danos aos cardiomiócitos
induzidos pela DOX. Entretanto, assim como Ferreira et al.18, não se descarta a possibilidade
desse achado estar relacionado a danos renais, ou até mesmo hepáticos, induzidos pelo
quimioterápico, já que esses órgãos não foram avaliados.
Não foi observada alteração no peso e nas medidas do coração dos ratos. Pontes et
al.20 avaliaram lesões cardíacas macroscópicas em ratos seis meses após a aplicação de 5mg/kg
de DOX. Notaram que o coração dos animais aumentou 41% em relação ao peso, 33% no
diâmetro interno, 14% no diâmetro externo e 24% na espessura da parede do ventrículo
esquerdo. Esperava-se que, com a aplicação de uma dose maior de DOX (8mg/kg), achados
semelhantes pudessem ser obtidos, em intervalo de tempo menor, o que não ocorreu. Portanto,
essa diferença se deve provavelmente à marca da doxorrubicina utilizada e ao tempo decorrido
entre a aplicação da DOX e a mensuração dessas variáveis, no momento da eutanásia, já que na
presente pesquisa a avaliação foi conduzida dois meses após a última aplicação de DOX.
Neste estudo, as alterações histopatológicas encontradas no coração dos ratos dos
grupos tratados com DOX foram degeneração vacuolar miocítica, vacuolização da túnica
média de artérias e arteríolas, desorganização das fibras, fragmentação das miofibrilas, necrose
de coagulação, infiltrado inflamatório predominantemente mononuclear, por vezes com células
de Anitschkow (macrófagos), fibrose, congestão e edema. Já Pontes et al.20 relatam fibrose,
vacuolização citoplasmática dos miócitos, necrose miocárdica e variação no tamanho nuclear,
que também foram observados neste estudo, exceto a variação no tamanho nuclear, que
acompanha a hipertrofia muscular relatada pelos autores5, a qual não foi identificada no
coração dos ratos desta pesquisa.
Resultados semelhantes ao desta pesquisa foram descritos por Ferreira et al.18 ao
administrar 4 mg/kg de DOX, em ratos, por via intraperitoneal, durante quatro semanas,
totalizando 16 mg/kg. As alterações descritas pelos autores foram desorganização de
miofibrilas, vacuolização dos miócitos, edema intersticial, necrose (evidenciada por picnose
nuclear, cariorrexe e cariólise) e infiltrado mononuclear. Também Iqbal et al.24, ao utilizar 20
mg/kg de DOX por via intraperitoneal, em dose única, notaram ruptura das miofibrilas,
elevado número de células inflamatórias e discreto edema dois dias após a aplicação de DOX;
e necrose focal da fibra muscular, com edema, hemorragia e congestão, após sete dias da
aplicação. Por outro lado, Karimi et al.25 encontraram degeneração miocárdica focal,
81
acompanhada de infiltrado de células mononucleares após aplicar dose única de 15 mg/kg, em
camundongos, via intraperitoneal e realizar eutanásia três dias após a aplicação da DOX.
Essas alterações foram de menor intensidade que as encontradas no miocárdio dos animais
deste experimento. Esses resultados indicam que a cardiotoxicidade pode estar relacionada ao
intervalo de tempo entre a aplicação da DOX e a avaliação morfológica.
O extrato etanólico da casca do pequi (EECP) demonstrou ser eficiente por
minimizar os efeitos deletérios da DOX no miocárdio de ratos, especialmente quando utilizado
na dose de 600 mg/kg, conforme utilizado nos grupos G2 e G4. No grupo G1 a degeneração
vacuolar foi atenuada. Em G2 a degeneração vacuolar foi atenuada e houve redução do
número de células de Anitschkow. Em G4 a degeneração vacuolar foi atenuada, houve
redução do número de células de Anitschkow e redução na fragmentação das miofibrilas. No
que se refere ao uso de antioxidantes na tentativa de atenuar danos aos cardiomiócitos
induzidos pela DOX, achados semelhantes foram descritos por Abdel-Raheeme e AbdelGhany26 e Walker et al.27 ao testar hesperidin e probucol, respectivamente, os quais relataram
que o uso desses antioxidantes minimiza os danos induzidos pela DOX.
Quanto à varivável infiltrado inflamatório, apesar desta não ter sido de grande
ocorrência, resultados de maior gravidade foram encontrados no G1. Embora fossem
esperados danos maiores ao coração dos ratos de GC, grupo que não recebeu EECP, acreditase que compostos presentes no EECP tenham induzido resposta inflamatória, iniciada logo no
pré-tratamento, já que os de G3 também receberam 300 mg/kg do EECP, porém somente
como tratamento, após a aplicação de DOX, e não apresentaram o mesmo resultado. Após a
aplicação da DOX, é possível que ocorra biotransformação de derivados e rearranjos destes,
resultando em novos produtos de transformação química28.
Acredita-se que o equilíbrio anti-inflamatório possa ser alcançado com doses
maiores do referido extrato, já que nos grupos que receberam 600 mg/kg havia menos
infiltrado. Ensaios pré-clínicos demonstraram propriedades anti-inflamatórias do óleo do
pequi. Nesse sentido, Oliveira28 investigou a atividade antinociceptiva e anti-inflamatória do
óleo de pequi na artrite induzida por zymosan em ratos. O autor sugere que o óleo do pequi
exibe efeito anti-inflamatório, que pode estar associado à inibição de citocinas próinflamatórias. Nesse estudo realizado por Oliveira28, a redução do número de leucócitos
ocorreu de forma mais acentuada nos tratamentos que acumularam doses diárias do que nos
tratamentos com dose única, corroborando com os resultados da presente pesquisa.
Ao avaliar a imunomarcação de MMP e TIMP, todas as essas proteínas foram
imunomarcadas nos cardiomiócitos dos ratos de todos os grupos, incluindo os do GS. Esses
82
achados são compatíveis com os apontamentos de Li et al.29, ao afirmarem que as MMP estão
presentes no miocárdio e são capazes de degradar todos os componentes da MEC do coração.
Opostos aos resultados deste estudo são os de Adamcová et al.30, que pesquisaram o
remodelamento cardíaco e a expressão de MMP em modelo experimental de cardiomiopatia
crônica por Daunorrubicina (DAU), uma ANT da família da DOX, em coelhos. No grupo
Sham, a expressão de MMP2 (72 kd) não foi detectada imunoistoquimicamente. Acredita-se
que os resultados divergentes possivelmente estejam relacionados aos anticorpos utilizados,
espécie envolvida e diluições utilizadas. Ainda, os autores detectaram maior expressão de
MMP2 nos grupos tratados apenas com DAU em cardiomiócitos e fibroblastos em focos de
dano tóxico significativo, e, dessa forma, puderam correlacionar efeitos positivos ao
dexrazoxane, o que também não ocorreu na presente pesquisa.
No presente estudo não foram identificados resultados significativos quanto à
expressão das MMP. Quanto aos TIMP, os resultados da imunomarcação de anti-TIMP2
foram maiores nos animais de GC, grupo que recebeu apenas DOX e menores nos de G2,
grupo que recebeu a maior dose do extrato, durante mais tempo. TIMP2 estava altamente
expresso no grupo que não recebeu antioxidante e acredita-se que o aumento da sua expressão
esteja relacionado a sua ação como ativador das MMP, já que TIMP2 é o único membro das
TIMP capaz de atuar como ativador e inibidor das MMP31. À semelhança dos resultados no
que se refere à imunomarcação de TIMP2, Reinhardt et al.32 avaliaram in vitro a influência de
inibidores da enzima conversora de angiotensina na expressão de TIMP2, em pacientes com
insuficiência cardíaca, decorrentes de doença obstrutiva coronariana e de cardiomiopatia
dilatada idiopática, comparada ao grupo Sham. Demonstraram que TIMP2 estava altamente
expresso em todos os grupos, com uma tendência em aumentar sua imunomarcação nos
corações doentes, conforme também observado no presente estudo.
Embora inicialmente fosse esperado que a marcação de MMP2 estivesse
aumentada nos grupos tratados com DOX, considerando-se que o estresse oxidativo pode
ativar MMP e que TIMP2 pode ativar MMP231, Ivanova et al.33, ao estudar ratos com
cardiomiopatia induzida por DOX, encontraram aumento na atividade miocárdica da proMMP2 apenas oito semanas após a indução, quando havia acumulado a dose de 15 mg/kg. Na
presente pesquisa, apesar de a dose total acumulada ter sido 8 mg/kg, inferior à dose
acumulada no citado estudo, acredita-se que o fator tempo possua grande influência na
expressão dessas proteínas, fato também relatado por Ivanova et al.33. Nesse sentido,
experimentos têm sido realizados buscando estabelecer curvas de expressão dessas proteínas,
correlacionando-as com o tempo pós-aplicação da DOX. Kizaki et al.22 investigaram a
83
expressão de MMP2 e MMP9 no ventrículo um, dois e quatro dias após indução de
cardiotoxicidade pela DOX, com dose única de 25 mg/kg. Notaram que houve aumento na
imunomarcação de MMP2 e MMP9 no dia dois. MMP2 praticamente dobrou a expressão nos
camundongos tratados com DOX nos dias um e dois. Por outro lado, MMP9 não diferiu em
nenhum grupo no dia um e aumentou significativamente nos tratados nos dias dois e quatro.
A expressão de MMP9 em todos os grupos, apesar de presente em alguns animais,
foi discreta e notavelmente inferior à marcação dos outros anticorpos utilizados (MMP2,
TIMP1 e TIPM-2). Em concordância a esses resultados, Adamcová et al.30 não identificaram
formas inativas e/ou ativas de MMP9 no tecido miocárdico. Os dados encontrados sugerem
que a MMP9 não participa na cardiotoxicidade crônica induzida pela DOX, o que pode estar
relacionado a ausência de infiltrado inflamatório típico, já que essa enzima está associada a
leucócitos32 e o infiltrado inflamatório, apesar de observado, não foi relevante. De modo
semelhante, Ivanova et al.33, também não encontraram as formas inativas e/ou ativas da
MMP9 no tecido cardíaco de ratos. Por outro lado, Aupperle et al.34, por meio de
imunoistoquímica, encontrou aumento na expressão de MMP1, MMP2 e MMP9 em
cardiomiócitos de coelhos com cardiomiopatia induzida por DOX, comparativamente aos
animais do grupo Sham.
Quanto aos achados ultramicroscópicos, notaram-se, nos grupos tratados com
DOX, edema, dilatação do retículo sarcoplasmático, vacuolização citoplasmática, edema
mitocondrial e necrose. Nascimento e Martins35 relataram lesões cardíacas ultramicroscópicas
induzidas pela DOX semelhantes às descritas nesta pesquisa. Resultados semelhantes também
foram descritos por Khan et al.23, em camundongos tratados com dose acumulada de 16
mg/kg de DOX, por via intraperitoneal. Por outro lado, Dudnaková et al.36, em análise
ultramicroscópica, três semanas após a aplicação de 2,2 mg/kg de DOX, observaram perda
focal de elementos contráteis, alterações no citoesqueleto e drástica alteração na
permeabilidade nuclear nos cordiomiócitos de ratos tratados com DOX, alterações não
detectados na presente pesquisa, o que pode estar relacionado à dose e ao tempo decorrido
entre a aplicação da DOX e a avaliação morfológica.
Em análise comparativa dos grupos, nos animais de G1, G2 e GC não foram
identificadas áreas de necrose, havia menor quantidade de vacúolos e raras mitocôndrias
tumefeitas. Já nos ratos dos grupos G3 e G4 havia focos de necrose, edema mitocondrial e
vacuolização citoplasmática. Nos ratos dos grupos que receberam pré-tratamento com o EECP
(G1 e G2) houve alterações ultramicroscópicas semelhantes às do grupo que recebeu apenas
DOX. Por outro lado, nos grupos G3 e G4, que receberam EECP durante o tratamento com
84
DOX nas doses de 300 e 600 mg/kg, respectivamente, as lesões foram mais acentuadas.
Acredita-se que esses resultados estejam relacionados à pequena área tecidual avaliada pela
técnica de microscopia eletrônica. Apesar de cinco fragmentos terem sido colhidos de cada
coração, cada corte media apenas 1 mm. Ao correlacionar esses achados aos resultados
histopatológicos, a histopatologia possibilitou ampla avaliação do tecido, ao passo que a
microscopia eletrônica evidenciou detalhes ultramicroscópicos que auxiliaram no diagnóstico.
Entretanto, não se descarta a possibilidade da presença de substâncias tóxicas na casca do pequi
e, para assegurar o uso do EECP em humanos e animais, é imprescindível a realização de
testes direcionados ao efeito tóxico e análise da composição química desse vegetal.
CONCLUSÕES
Concluiu-se que o extrato etanólico da casca do pequi (EECP) é eficiente em
minimizar os efeitos da cardiotoxicidade crônica induzida pela DOX no miocárdio de ratos,
considerando que nas doses de 300 e 600 mg/kg, o EECP atenua a degeneração vacuolar
miocítica e na dose de 600 mg/kg o EECP reduz a quantidade de células de Anitschkow e a
fragmentação das miofibrilas.
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87
CAPÍTULO 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tanto o organismo humano quanto o animal estão sujeitos a lesões induzidas pelo
estresse oxidativo, causado pelo próprio organismo ou por fontes exógenas. A DOX é uma
dentre várias fontes exógenas de radicais livres. Devido à relevância clínica e social,
antioxidantes naturais derivados da dieta, como os compostos fenólicos, as vitaminas E e C,
os carotenoides, entre outros, são alvo de investigação científica. Porém, os mecanismos
complexos das atividades pró e antioxidantes de diversos compostos naturais ainda não estão
completamente esclarecidos.
Oncologistas necessitam muitas vezes de aumentar a dose e/ou o número de
aplicações da DOX em função da resistência de certas neoplasias. Nesse sentido, a busca por
substâncias citoprotetoras que visem reduzir a cardiotoxicidade do fármaco sem diminuir seu
potencial quimioterápico passa a ser alvo de pesquisas. Os avanços na medicina e na medicina
veterinária têm proporcionado protocolos terapêuticos mais eficazes, o que aumentou a
sobrevida de portadores de neoplasias. Muitos pacientes submetidos a protocolos
quimioterápicos com fármacos cardiotóxicos podem desenvolver cardiotoxicidade. Além
disso, pacientes em quimioterapia com DOX podem apresentar quadros agudos de arritmias,
podendo inclusive morrer.
Há estudos no Brasil e em outros países, especialmente com foco na espécie
humana, que testam diferentes antioxidantes na prevenção dos efeitos deletérios das ANT. O
uso combinado de vários métodos diagnósticos é necessário para quantificar a extensão das
lesões, bem como para avaliar o real efeito protetor dos antioxidantes.
Resultados positivos quanto ao uso do EECP como atenuante aos efeitos
cardiotóxicos da DOX foram observados no experimento de fase aguda, ao reduzir a
degeneração vacuolar miocítica e a desorganização das fibras, e aumentar a imunomarcação de
TIMP1 no miocárdio de ratos tratados com DOX. Resultados positivos também foram
identificados no experimento de fase crônica, porém não tão expressivos como no de fase
aguda. Na literatura consultada, notam-se diferenças entre os efeitos benéficos ao músculo
cardíaco em experimentos de fase aguda versus crônica, apresentados em vários trabalhos
dessa natureza, sendo que a maioria dos artigos publicados caracteriza melhor os benefícios
de antioxidantes em experimentos de fase aguda, assim como observado nesta pesquisa.
Diante disso, acredita-se que outros fatores estejam envolvidos na patogênese da
cardiotoxicidade crônica induzida pela DOX, além do estresse oxidativo. Para explicar essa
hipótese, sugere-se que os antioxidantes, a exemplo do EECP aqui testado, atuem de forma
88
eficiente em minimizar o estresse oxidadivo, mecanismo de lesão este que pode ter maior
valor na fase aguda, mas acabariam por ter seu valor terapêutico reduzido frente aos demais
mecanismos de ação do fármaco, os quais representariam ter maior importância nas lesões de
fase crônica.
Entretanto, para assegurar o uso do extrato etanólico da casca de pequi em
humanos e animais, é imprescindível a realização de testes direcionados ao efeito tóxico e
análise da composição química desse vegetal. Sugere-se a avaliação desse extrato em
diferentes vias de aplicação, em diversas espécies animais, diferentes dosagens, especialmente
superiores às utilizadas neste estudo. Ainda, ressalte-se que a forma de administrar o extrato e
o tempo de armazenamento do mesmo podem interferir nos resultados da pesquisa. Acreditase que o fornecimento do extrato logo após sua obtenção resulte em melhor ação protetora.
Apesar
dos
esforços
investigativos
expressivos,
os
mecanismos
da
cardiotoxicidade induzida pela DOX parecem múltiplos, complexos e continuam mal
compreendidos. Consequentemente, meios disponíveis de prevenção e manejo dos efeitos
dessa toxicidade são limitados. De outra parte, não se deve desistir de compreender os
mecanismos de ação da DOX a fim de que se possam desenvolver terapias cardioprotetoras
eficientes, já que o fármaco possui grande valor em terapias antineoplásicas em seres
humanos e animais. Por isso e pela importância do mecanismo de lesão celular relacionado ao
estresse oxidativo, pesquisas devem seguir na busca de terapias antioxidantes que possam
reduzir o estresse oxidativo desse fármaco, sem alterar sua eficácia. Somado a isso, pesquisas
básicas são necessárias de forma a esclarecer os demais mecanismos de lesão celular para que,
futuramente, possam ser pesquisadas e estabelecidas terapias voltadas aos demais mecanismos
de ação das ANT sobre os cardiomiócitos.
89
Apêndice A
As tabelas abaixo se referem à intensidade das lesões na fase aguda
Degeneração vacuolar
|
G1
G2
G3
G4
GC
---------+------------------------------------------------------G2 |
0.000000
|
0.5000
|
G3 |
1.410307
1.410307
|
0.1080
0.1188
|
G4 |
1.410307
1.410307
0.000000
|
0.1320
0.1485
0.5357
|
GC |
2.244573
2.244573
0.834266
0.834266
|
0.0372*
0.0465*
0.2332
0.2526
|
GS | -1.489760 -1.489760 -2.900068 -2.900068 -3.734334
|
0.1460
0.1704
0.0093*
0.0140*
0.0014*
Desorganização de fibras
|
G1
G2
G3
G4
GC
---------+------------------------------------------------------G2 |
0.000000
|
0.5000
|
G3 |
0.000000
0.000000
|
0.5357
0.5769
|
G4 | -1.474788 -1.474788 -1.474788
|
0.1315
0.1503
0.1753
|
GC | -0.983192 -0.983192 -0.983192
0.491596
|
0.2219
0.2441
0.2713
0.3894
|
GS | -3.441172 -3.441172 -3.441172 -1.966384 -2.457980
|
0.0014*
0.0022*
0.0043*
0.0739
0.0262*
Congestão
|
G1
G2
G3
G4
GC
---------+------------------------------------------------------G2 |
0.000000
|
0.5000
|
G3 |
0.000000
0.000000
|
0.5357
0.5769
|
G4 |
0.000000
0.000000
0.000000
|
0.6250
0.6818
0.7500
|
GC |
0.645497
0.645497
0.645497
0.645497
|
0.4322
0.4862
0.5556
0.6483
|
GS | -3.743883 -3.743883 -3.743883 -3.743883 -4.389381
|
0.0003*
0.0003*
0.0005*
0.0007*
0.0001*
90
As tabelas abaixo se referem à distribuição das lesões na fase aguda
Degeneração vacuolar miocítica
|
G1
G2
G3
G4
GC
---------+------------------------------------------------------G2 | -0.171247
|
0.4629
|
G3 |
0.627908
0.799156
|
0.3058
0.3181
|
G4 |
1.389010
1.560258
0.761101
|
0.1374
0.1272
0.2791
|
GC |
1.389010
1.560258
0.761101
0.000000
|
0.1545
0.1484
0.3045
0.5000
|
GS | -1.750534 -1.579286 -2.378443 -3.139544 -3.139544
|
0.1500
0.1714
0.0435*
0.0063*
0.0127*
Desorganização de fibras
|
G1
G2
G3
G4
GC
---------+------------------------------------------------------G2 | -0.556622
|
0.3333
|
G3 |
0.000000
0.556622
|
0.5000
0.3611
|
G4 | -0.556622
0.000000 -0.556622
|
0.3939
0.5357
0.4333
|
GC | -1.113245 -0.556622 -1.113245 -0.556622
|
0.2846
0.4815
0.3320
0.5417
|
GS | -3.785035 -3.228412 -3.785035 -3.228412 -2.671789
|
0.0006*
0.0023*
0.0012*
0.0031*
0.0113*
Anitschkow cells
Col Mean-|
Row Mean |
G1
G2
G3
G4
GC
---------+------------------------------------------------------G2 |
0.000000
|
0.5000
|
G3 |
0.000000
0.000000
|
0.5357
0.5769
|
G4 |
0.000000
0.000000
0.000000
|
0.6250
0.6818
0.7500
|
GC9 |
0.000000
0.000000
0.000000
0.000000
|
0.8333
0.9375
1.0000
1.0000
|
GS | -4.154744 -4.154744 -4.154744 -4.154744 -4.154744
|
0.0000*
0.0001*
0.0001*
0.0001*
0.0002*
91
Apêndice B
As tabelas abaixo se referem à intensidade das lesões na fase crônica
Anitschkow cells
|
G1
G2
G3
G4
GC
---------+------------------------------------------------------G2 | -0.695221
|
0.3320
|
G3 |
0.000000
0.695221
|
0.5000
0.3652
|
G4 | -0.695221
0.000000 -0.695221
|
0.4058
0.5357
0.4565
|
GC |
0.000000
0.695221
0.000000
0.695221
|
0.5769
0.5217
0.6250
0.6086
|
GS | -2.780887 -2.085665 -2.780887 -2.085665 -2.780887
|
0.0136*
0.0555
0.0203*
0.0694
0.0407*
As tabelas abaixo se referem à distribuição das lesões na fase crônica
Degeneração vacuolar
|
G1
G2
G3
G4
GC
---------+------------------------------------------------------G2 | -0.533954
|
0.3423
|
G3 |
1.067909
1.601864
|
0.1947
0.1365
|
G4 |
0.000000
0.533954 -1.067909
|
0.5000
0.3709
0.2142
|
GC |
1.458107
1.992061
0.390197
1.458107
|
0.1358
0.1159
0.3731
0.1552
|
GS | -1.745621 -1.211666 -2.813530 -1.745621 -3.203728
|
0.1213
0.1880
0.0184*
0.1516
0.0102*
Infiltrado inflamatório
|
G1
G2
G3
G4
GC
---------+------------------------------------------------------G2 | -2.205301
|
0.0514
|
G3 | -2.940401 -0.735100
|
0.0082*
0.2889
|
G4 | -2.940401 -0.735100
0.000000
|
0.0123*
0.3152
0.5000
|
GC | -2.940401 -0.735100
0.000000
0.000000
|
0.0246*
0.3467
0.5357
0.5769
|
GS | -1.470200
0.735100
1.470200
1.470200
1.470200
|
0.1327
0.3852
0.1516
0.1769
0.2123
92
Fragmentação de miofibrilas
|
G1
G2
G3
G4
GC
---------+------------------------------------------------------G2 |
0.000000
|
0.5000
|
G3 |
0.000000
0.000000
|
0.5357
0.5769
|
G4 | -0.914624 -0.914624 -0.914624
|
0.3003
0.3379
0.3861
|
GC |
0.000000
0.000000
0.000000
0.914624
|
0.6250
0.6818
0.7500
0.4505
|
GS | -2.743874 -2.743874 -2.743874 -1.829249 -2.743874
|
0.0114*
0.0152*
0.0228*
0.1010
0.0455*
93
Anexo A
94
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