O presente dura pouco tempo O presente dura pouco tempo um diálogo com o teatro de Márcio Vianna por Mônica Prinzac Programa de Bolsas RioArte Rio de Janeiro - 2003 O presente dura pouco tempo Este trabalho foi realizado com a contribuição de Claudia Mele, Marcito Vianna, Leonel Brum, Teca Fichinski, Ana Luiza Magalhães, Synval Guimarães e Ramon Botelho. Contou com a colaboração teórica de Douglas Mendes e a colaboração técnica de Tomas Nacht. Todas as fotos utilizadas foram tiradas por Márcio Vianna. Agradecimentos Agradeço à Claudia Mele pela parceria revivida. Aos atores pelos depoimentos, cadernos de ensaios, textos e lembranças. À Marcito Vianna que me permitiu entrar casa adentro em suas memórias. E ao Programa de Bolsas RioArte pela bela iniciativa. O presente dura pouco tempo Apresentação Márcio Vianna foi um diretor de teatro atuante na cena contemporânea carioca entre os anos de 1989 e 1995. Falecido, aos 46 anos, no dia 16 de fevereiro de 1996, o futuro durou pouco tempo para a realização de um teatro que transforma o espectador passivo em um indivíduo integrado ao espetáculo. Em busca de um teatro compromissado com o seu tempo - onde o homem materializa inquietações estéticas e existenciais no palco - seu objetivo foi o de resgatar a força dramática da cena e despertar a emoção do espectador numa trajetória repleta de realizações – dezesseis peças em sete anos. Trabalhei como atriz e assistente de direção nos seus últimos trabalhos. Passados sete anos de sua morte, ao longo dos quais me tornei diretora teatral, me senti no compromisso de fazer um levantamento da obra do encenador. A obra cênica tem a particularidade de não possibilitar sua preservação após a execução. O teatro é uma arte tributária do tempo e, a possibilidade de contato com o trabalho de um criador já falecido é apenas através de fontes de pesquisas. O presente ensaio é uma tentativa de se dialogar com possibilidades de linguagens cênicas, a serviço de uma idéia sobre o teatro, resgatando a encenação de Márcio Vianna nas suas mais diversificadas experimentações. Falar do teatro de Márcio Vianna implica em fazer escolhas, pois em cada peça havia um microcosmo de experimentação. Márcio construiu uma obra híbrida, antes de tudo teatral, onde a identidade estava apoiada em um único e gigantesco objetivo: emocionar o espectador e transformar a sua realidade, para fazê-lo um novo homem. Apesar de conhecer de perto um pouco das propostas e idéias do diretor, não tive a oportunidade de assistir todos os espetáculos apresentados. Por isso, sem a pretensão de construir uma crítica de valores sobre a obra - rotulando o que é bom e o que não é, me propus a refletir sobre os espetáculos pensando nas opções estéticas e técnicas que foram propostas em diálogo com o universo da encenação contemporânea. Uma vez que nenhuma inovação em matéria de teatro começa do zero e muitas experimentações são apropriações e incorporações de outras gerações, O Presente dura pouco tempo tem a ambição de pensar a prática de Márcio Vianna em cima de questões que continuam vivas nas preocupações da atualidade. O presente dura pouco tempo Formação e percurso Márcio não tinha nada do estereótipo de um diretor de teatro experimental. Diretor do departamento jurídico da IBM, ensinou direito na PUC e foi um advogado militante. O primeiro contato de Márcio com a arte foi através da fotografia, sempre uma influência em seu trabalho. Antes do teatro fez trabalhos experimentais em vídeo e desenvolveu projetos para uma rádio. Em 1986 matriculou-se na CAL onde foi aluno de Moacyr Góes e conheceu suas primeiras parcerias no teatro. Em 88 participou do Projeto Sesc Ensaios dirigido por Bia Lessa e, em um exercício de pesquisa cênica, estreou junto com Marco Velloso sua primeira peça de teatro: Para Acabar com o Julgamento de Deus. A partir daí, sempre assinou os textos de suas peças, apontava o filósofo Cioran e o escritor Jorge Luis Borges como duas fortes influências e não parou mais de produzir até a sua morte repentina em 1996. Márcio criou duas companhias de teatro: Grupo A Contrador e Cia Muito Prazer. Ocupou durante um ano o teatro Gláucio Gil onde instalou um Projeto de Teatro Experimental chamado CEU: Centro de Exercício de Utopias e denominava o projeto “como um espaço comprometido com a pesquisa, a experimentação e, principalmente, com a crença de que o teatro pode e deve ajudar na reflexão sobre o homem contemporâneo.” Na porta do teatro foi pendurada uma faixa com duas perguntas: Que tempo é este? Que Teatro é este? Para os atores dizia: “A cada dia, ao entrar e ao sair deste teatro devemos nos deparar com as questões: Que artistas somos nestes tempos tão conturbados? Que público somos deste teatro? Deste tempo? E deste país?” Seus personagens preferidos eram Van Gogh, Antonin Artaud e Louis Altusser. Os temas recorrentes eram a loucura, a perda e a morte. A preocupação latente era com o que é o teatro e o que este pode fazer pelo homem. Os nomes das companhias, os títulos e os temas das peças já, por si, introduzem a trajetória deste diretor. O presente dura pouco tempo Cia de Teatro A Contrador e Márcio Vianna em frente ao Teatro Gláucio Gil/ 1993 O presente dura pouco tempo Cronologia das peças 1988 - Para acabar com o julgamento de Deus 1989 - Marat Marat 1990 - Vincent e Confessional 1991 - Farra dos atores 1991 - O caso dos irmãos Feininger 1991 - Coleção de bonecas 1992 - Circo da solidão 1992 - Imaginária 1992 - Livro dos cegos 1993 - 1999 1993 - O futuro dura muito tempo 1994 - A alma quando sonha é teatro 1995 - O último bolero 1995 - Meu pai voa 1995 - Lado fatal O presente dura pouco tempo Experimentalismo Em toda a história e até o bem recente advento da modernidade, o homem media o mundo com o seu corpo. A idéia de distância, na origem, se limitava à distinção entre coisas e pessoas próximas ou longínquas, sempre traçada pelos corpos e suas relações humanas. No mundo de hoje, com o tempo de comunicação implodindo e encolhendo para a insignificância do instante, o espaço e os delimitadores físicos deixaram de ser importantes. O espaço emancipou-se das restrições naturais do corpo humano e as pessoas não são mais separadas por obstáculos físicos ou distâncias temporais. Hoje as novas tecnologias eletrônicas constroem um terreno novo de representação do homem. As mudanças estão em toda parte, ao redor de nós, mas também em nosso interior, na nossa forma de interpretar o mundo. O mundo atual globalizado - onde todas as fronteiras e leis da sociedade atual estão sendo redefinidas possui uma lógica cultural própria. As mudanças constantes a qual somos expostos são produtoras de transformações na nossa percepção do mundo. Estamos vivendo mudanças viscerais em nossas mentes, corpos e subjetividades, na reorganização social e política de mundo, e conseqüentemente na própria definição de cultura e arte. O teatro, vendo por esse prisma, é uma arte de resistência. Resistindo a virtualidade e a explosão das barreiras físicas do humano, as artes cênicas se concretizam pela presença orgânica e material. Hoje em dia não é necessário se estar presente – em corporeidade - nem para gerar filhos, mas ainda é qualidade essencial para se realizar uma obra teatral. Nós, artistas de teatro, estamos localizados aí – nesse fosso da contemporaneidade e enquanto habitantes desse espaço estamos buscando um entendimento da presença enquanto objeto de resistência – essencial e transformador. A questão central da pesquisa teatral, esse gênero de fazer artístico, pode ser vista como uma investigação sobre corpos de seres humanos, de corporeidade, da relação dos corpos vivos com outros meios. Márcio Vianna, nos últimos anos de sua trajetória, refletia sobre como as transformações na experiência da temporalidade se apresentavam na esfera da produção artística. O diretor tentava dissecar o olhar contemporâneo para compreender essa nova experiência. Entender o tempo presente não é fácil, já que o presente é construído por quem o está fazendo. A experiência do tempo passou a oferecer-se ao homem sob bases completamente novas: o efêmero serve como contraponto ao eterno, fomentando um O presente dura pouco tempo novo tipo de produção cultural. À medida que as transformações tecnológicas se impõem, tornando o mundo mais cibernético e a informação mais virtual, é evidente que as diferenças se acentuam e que as técnicas narrativas se afastam cada vez mais dos modelos tradicionais. A preocupação contemporânea não é mais com a trama ou conflito a ser resolvido, mas com o mundo em seu emaranhado de sensações e de imagens. Para Márcio o conflito e o enredo não importavam mais. “Se antes o herói lutava pela conquista do mundo, agora o mundo deixou de ser um bem a conquistar para ser uma aparência a elucidar.”1 Para Márcio a experimentação era a razão da existência do teatro. “Um teatro de talentos e de compatibilidades pressupõe um antiteatro, um teatro de incompatibilidades, divórcios, rupturas e incoerências, comprometido não com o talento nem outros juízos de valor e sim com o reiterado e exaustivo exercício da experimentação. A arte não evolui pela harmonia.”2 Márcio chegou no teatro com a pretensão de transformá-lo. Há quem diga que era ingenuidade, há quem veja isso como a sua maior qualidade enquanto criador. O fato é que essa idéia de experimentalismo foi a que movimentou os seus sete anos dedicados a arte teatral. Nas palavras de Gerd Bornheim, um confesso admirador das experiências do encenador: “O teatro parece estar enfim acertando o passo com o que se verifica nas outras artes. Pois, realmente, o caráter experimental das artes contemporâneas está longe de configurar um traço aleatório, algo que possa ser displicentemente descartado, ou um mero desvio de percurso fadado ao esquecimento. O que precisa ser compreendido é que essa dimensão experimental pertence hoje à própria razão de ser das artes – fato este que constitui inegável e surpreendentemente uma novidade radical na história da cultura.”3 Pensar no experimentalismo é pensar sobre o questionamento da obra de arte e dos limites de suas disciplinas tradicionais como uma investigação sobre a fronteira que demarca o espaço da arte e o da vida ordinária. Se um é contíguo ao outro, se um intervém no outro, as barreiras que os separam podem ser transpostas, o que significa a possibilidade de intervir na obra – que vai desde a proposta de participar até a idéia de que sua criação é simultânea à presença deste participante, não mais um simples 1 2 3 RAIMOND, Michel. Roman: de Balzac au nouveau roman. Em:Encyclopaedia Universalis. France, 1998. Jornal do Brasil, Caderno Idéias, artigo. 23/12/1990 BORNHEIM, Gerd: Brasil 90- desafios e perspectivas. Secretaria do estado da Cultura, São Paulo O presente dura pouco tempo espectador. Questionar a obra de arte é pôr em xeque os valores que a circundam – morais, políticos, sociais, psicológicos – e, portanto, o mundo da qual participa. Segue artigo escrito por Márcio Vianna para o Jornal do Brasil O presente dura pouco tempo O presente dura pouco tempo A década de 90 Sabato Magaldi cita a estréia de Macunaíma (1978) de Antunes Filho como a inauguração da hegemonia dos encenadores-criadores. “A tendência teve acertos, sublinhando a autonomia artística do espetáculo, e descaminhos como a redução da palavra a um jogo de imagens. Aparados os excessos, essa linha, da qual participam nomes como Gerald Thomas, Ulysses Cruz, Aderbal Freire-Filho, Eduardo Tolentino de Araújo, Cacá Rosset, Gabriel Villela, Márcio Vianna, Moacyr Góes, Antônio Araújo e vários outros, está atingindo, nas temporadas recentes, um equilíbrio que ressalta todos os componentes do teatro.”4 Toda reflexão sobre o teatro contemporâneo nos conduz ao acontecimento que literalmente fundou este teatro: a encenação e o encenador. A questão basilar da encenação surgiu como tentativa de se entender o que é o teatro. O encenador, como um inventor de sentidos, repensava as formas de criar e produzir teatro. A obra deixou de possuir uma significação eterna, para ganhar um sentido relativo vinculado ao lugar e ao momento. “Anteriormente, uma certa ordem regia a troca de relações entre a platéia e o palco; hoje, esta ordem varia em cada espetáculo.”5 Na década de 90 os encenadores dominavam os palcos do Rio e o teatro era tema dos espetáculos mais provocantes da época. Fazia-se e produzia-se um teatro em que o relevante era o espetáculo, a teatralidade e a valorização daquilo que é especificamente teatral. O teatro reforçando a especificidade cênica, investindo em si e se concretizando. Esta década ficou marcada pela apresentação de novas possibilidades de trabalhos cênicos. No inicio dos anos 90 Moacyr Góes montava Escola de Bufões reavaliando as formas teatrais, Gerald Thomas redefinia o conceito de espetáculo com Carmem com filtro 2.5, Fim de Jogo e M.O.R.T.E., Marcio Vianna remexia na relação da platéia com a cena através de Confessional, Imaginária e A Farra dos atores, Antunes Filho reforçava a teatralidade com Paraíso Zona Norte, Bia Lessa com Cartas Portuguesas, e outros que como encenadores especulavam a questão essencial da encenação: a capacidade reveladora do teatro. Márcio defendia – em contrapartida a outros encenadores – que a busca da beleza fosse substituída pela busca da verdade em “um teatro de imperfeições que 4 MAGALDI, Sabato: O Brasil em CD-ROM e na Internet. 5 DORT, Bernard. O teatro e sua realidade. Perspectiva, São Paulo, 1977. O presente dura pouco tempo investe no erro e na precariedade do ato teatral.”6 Para o diretor só interessava afetar o espectador e isso deveria ser através da transgressão e da impureza. Para todos os encenadores da década de 90, havia um ponto comum: trazer a atualidade para o palco. Hoje, passado dez anos, muitos deles largaram o teatro em busca de outras tentativas pessoais e outros sentidos para a criação artística. 6 VIANNA, Márcio. Caderno de ensaio. 1991. O presente dura pouco tempo Um diálogo com o teatro Para tentar entender os caminhos que Márcio desenhou até chegar ao espectador, optei por focalizar as escolhas estéticas e técnicas utilizadas nas encenações. Até o fim do século XIX todos os elementos eram usados para atingir o poder ilusionista do espetáculo. Mas na encenação moderna o espetáculo se define pelos elementos que o constituem multiplicando os potenciais expressivos e emocionais da cena. Os elementos da cena são da ordem do palpável, enquanto a reflexão e nostalgia dos mesmos são pessoais e originais. Dividi a trajetória de sete anos em cinco fases numa linha cronológica. As práticas, apesar de bastante diferentes entre si, se alimentam, produzindo o nutriente principal da obra: a experimentação em busca de um novo contato com o espectador. Alguns encenadores serão citados e, não há duvida de que falar das suas experiências - concentrando-se apenas em algumas técnicas postas em ação, isoladas do contexto teórico e ideológico - comporta o risco de dar uma visão limitada das produções desse teatro. Mas os criadores aqui apresentados, por uma questão de identificação, serão fontes de referencia teórica utilizadas para acesso à obra de Marcio Vianna. “O teatro deve compor a estética do tema, tal a radicalidade da exigência de criação do novo. É como se cada obra de arte devesse inventar a sua estética exclusiva. O preço que se paga para sustentar tal situação pode ser alto: a extravagância, o jogo inútil, o desperdício – ou a esterilidade da repetição do mesmo. É que as apostas do jogo também são muito altas. Mas não há outro caminho: o ato criador cria tudo, inclusive principalmente a estética de cada um de seus atos, sem concessões à repetibilidade.”7 77 BORNHEIM, Gerd: Brasil 90- desafios e perspectivas. Secretaria do estado da Cultura, São Paulo O presente dura pouco tempo Primeira fase – A transformação da cena Da estréia como diretor em 1988 ao quito espetáculo passaram-se apenas dois anos. Para acabar com o julgamento de Deus - 1988, Marat Marat - 1989, Vincent e Confessional – 1990 e A Farra dos atores - 1991. Três temáticas transgressoras: Artaud, Jean Paul Marat e Van Gogh. Quatro propostas de repensar a cena: através do texto, dos elementos, do espaço e do ator. Considerando esta fase como a primeira e mais importante da trajetória do encenador é possível pensar nas cinco propostas em diálogo, ora afirmando, ora negando a experiência anterior num exercício contundente de experimentalismo. Para Acabar com o Julgamento de Deus foi a estréia de Márcio como diretor de teatro. O espetáculo, realizado dentro de uma oficina para diretores, tinha como proposta abordar o trabalho de Antonin Artaud sem as tradicionais referências à loucura. Acreditando que interpretar Artaud, seria destruí-lo, Márcio buscou identificar os temas e questões mais constantes nas obras literárias deste autor-diretor-ator pesquisando uma nova visão da temática usualmente apresentada em palcos. O objetivo de Para Acabar com o Julgamento de Deus era experimentar Artaud, em lugar de representá-lo, com a esperança de poder refletir sobre as associações complexas de subjetividade, identidade, desejo e espiritualidade que essas experiências acarretam. Experimentar Artaud partindo do seu próprio elemento - o teatro – e através de um passeio não linear pela obra construir um diálogo com as suas idéias de mundo. O desejo Artaudiano de refazer o corpo e reinventar o homem são temas hoje associados a uma investigação sobre possibilidades, impossibilidades e práticas incorporadas na sociedade atual. Antonin Artaud foi responsável por novas perspectivas de compreensão da linguagem, pois pretendia tocar o princípio desta e não falar sobre ela. Visto como um guerrilheiro em combate contra a representação, Artaud construiu uma crítica à linguagem achatada e desvitalizada, reivindicando um livre exercício da vida onde o homem deveria ir até o fim de suas possibilidades, escapando, assim, à prisão inserida numa certa forma de linguagem clara e que tenta dizer tudo. Independente do resultado cênico alcançado, as questões viscerais levantadas por esse artista, a partir dos anos 70, despertaram também o interesse de grandes nomes da filosofia, da literatura, das artes plásticas, do cinema e da psicanálise. Sua obra é considerada um marco interdisciplinar relacionado a questões da linguagem e da representação. Para essa experiência, Márcio, com sua bagagem de fotografia, pretendia utilizar a linguagem de vídeo na cena, onde a técnica de edição - utilizando cortes e montagem eram fomentadores de um tempo narrativo sem linearidade e causalidade. O palco era dividido, por cortinas, em quatro partes iguais construindo uma imagem de pequenas cabines onde as cenas se apresentavam alternadas ou O presente dura pouco tempo simultaneamente dentro destes espaços. A divisão do palco foi criada para explorar a idéia de ilha de edição – cortando, colando e agrupando as cenas. Não havia um texto dramaturgico, tampouco uma seqüência previsível das ações. As cenas fragmentadas apresentavam situações cotidianas ou meros estados emocionais onde a imagem predominante era a impossibilidade do amor - casais brigando, se separando, se beijando, fragmentos de textos, diálogos interrompidos - tudo sendo focalizado, diminuído ou acentuado pela luz que ocupava função determinante para a construção da narrativa. Para Acabar com o Julgamento de Deus foi a primeira incursão de Márcio pelo teatro e pelo universo do experimentalismo. O diretor estreou já pensando em subverter a cena ao perceber que as esferas artaudianas por si propõem uma linguagem nova, vital e original do universo teatral. A grande maioria dos encenadores contemporâneos foram influenciados por Artaud, mais pelo discurso relacionado à linguagem do que por propriamente o seu teatro. “Artaud era um sonhador extraordinário, mas seus escritos tem pouco significado metodológico porque não são fruto de longa pesquisa prática. São uma profecia espantosa, não um programa.”8 Um pouco mais de meio ano após Artaud, Márcio voltou à cena, através de mais uma figura revolucionaria: Jean Paul Marat. Era a vez do espetáculo Marat Marat inspirado na figura do líder revolucionário, com textos de Jorge Luis Borges. O diretor desde o primeiro ensaio pretendia criar uma atmosfera de estranhamento: “A Revolução Francesa inventou a ambigüidade, porque inventou o cidadão e o terror. Ela provocou uma grande carnificina em nome dos direitos humanos. Não há herói nem traidor absoluto. A peça procura mostrar isso, refazendo a anatomia do ator e separando o áudio da imagem. Todas as histórias já foram contadas e todas as imagens já foram vistas. Para ocorrer uma reflexão, precisamos provocar um estranhamento”9. Essa atmosfera foi respaldada basicamente por três elementos cênicos que buscavam criar uma realidade autônoma de forte impacto: máscaras, vozes gravadas em off e água como elemento narrativo. 8 9 BROOK, Peter. O Espaço Vazio: O teatro hoje. Jornal O Globo, entrevista. 15/06/1989 O presente dura pouco tempo O elenco, exceto a atriz que vivia Marat, utilizava máscaras, cobrindo inteiramente o rosto, em forma de cabeças enormes com expressões amorfas. As cabeças pediam um corpo ampliado, uma expressividade plástica e descondicionada do gestual cotidiano, uma vez que o ator era visto com um rosto fixo, sem expressão, diferente e estranho ao seu. Vários encenadores modernos utilizaram bonecos, manequins e mascaras em suas experimentações. Artaud em sua conceituação para a cenografia do Teatro da Crueldade cita os manequins, as máscaras e os objetos de proporções e formas singulares. Para ele a deformação e a ampliação causada por esses objetos é suficiente para des-realizar o objeto, conferindo-lhe uma dimensão outra do real. Esses objetos eram integrados ao espaço e à ação tornando-se elementos fundamentais para a estruturação do acontecimento teatral. Tadeusz Kantor utilizava bonecos e manequins em seus espetáculos, pois acreditava que esses seres inanimados, através da falta de vida, podiam despertar no homem sua condição de estar vivo. “Não acho que um manequim (ou figura de cera) possa substituir, como queriam Kleist e Craig, o ator vivo. Seria fácil e por demais ingênuo. A aparição destes objetos está de acordo com essa minha cada vez mais forte convicção de que a vida só pode se exprimir em arte pela falta de vida e pelo recurso à morte, através das aparências, da vacuidade, da ausência de qualquer mensagem. No meu teatro, um manequim deve se tornar um modelo que encarna e transmite um profundo sentimento da morte e da condição dos mortos – um modelo para o ator vivo.”10 Para Márcio construir esse corpo expressivo que a proposta exigia foi feito um trabalho de composição física rigorosa dos personagens. Cada ator teve trabalho individualizado com um profissional de corpo, onde a expressividade foi criada em cima de desconstruções pela fisicalidade. Novas posturas, gestos e dinâmicas de locomoção foram pesquisadas e desenhadas para cada ator. (Ver desenhos em anexo) Grotowski em seu Em Busca do teatro pobre fala sobre o gesto significativo – não natural - como unidade elementar da expressão de um corpo. “As formas de comportamento “natural” e comum obscurecem a verdade; compomos um papel como um sistema de símbolos que demonstra o que está por trás da máscara da visão comum: 10 KANTOR, Tadeusz. O Teatro da morte. (Trad. Angela Leite Lopes.) In: BABLET, Denis. Les Voies de la création théâtrale, Paris, CNRS. 8 O presente dura pouco tempo a dialética do comportamento humano. No momento de um choque psíquico, de terror, de perigo mortal, ou de imensa alegria, o homem não se comporta naturalmente. O homem num elevado estado espiritual usa símbolos articulados ritmicamente. O gesto significativo, não o gesto comum, é para todos nós a unidade elementar de expressão.”11 Além das máscaras e do corpo expressivo, o outro elemento utilizado a favor da des-realidade foi o texto gravado e apresentado inteiramente em off. Todos os atores gravaram suas vozes em estúdio e não falavam em cena, com exceção da personagem Marat que tinha o rosto descoberto e dialogava ao vivo com a gravação. Por último, a cenografia, composta de uma banheira móvel (onde Marat viveu seus últimos anos e foi assassinado) utilizava a água como um elemento vital. Pingos caiam do teto durante todo o espetáculo e nos momentos mais críticos a intensidade aumentava, ao final, o palco estava inundado de água e os atores todos molhados. Marat Marat foi um espetáculo que ficou em cartaz durante três temporadas, ganhou três importantes prêmios para o teatro carioca e teve boa repercussão de público e crítica. Márcio iniciava aí sua romântica rejeição por espetáculos bem sucedidos. A favor da transgressão, achava que se um espetáculo tinha sido bem recebido deveria estar no caminho errado. Ainda durante a última temporada de Marat, no fim de 89, Márcio teve a idéia de montar dois espetáculos ao mesmo tempo: Vincent e Confessional. Questionando-se sobre o que chamava de teatro visual – vertente claramente predominante entre os encenadores contemporâneos – achava que deveria radicalizar a experiência da cena em função da forma que o espectador apreendia a cena. “Acho o teatro visual uma cilada, porque daí resultam espetáculos bonitos, mas que em geral, trabalham exclusivamente o olhar do espectador e não o afetam emocionalmente.”12 Nos anos 60 e 70 alguns diretores e grupos de teatro mexeram com a tradicional arte dramática transformando-a no que foi chamado de um “novo teatro” ou “teatro de imagens”. Foram precursores desta nova ótica artistas como Richard Foreman, Elizabeth Le Compte e Robert Wilson entre outros. Esse teatro dominado por imagens tinha como fator mais importantes para o seu desenvolvimento as experiências com o tempo e o espaço. Livre da lógica cartesiana encontrada nas seqüências narrativas, os diretores e performers pesquisavam uma nova visão e um novo método de trabalho onde 11 12 Em busca de um teatro pobre. Artigo de Jerzy Grotowski publicado em Odra (Wroclaw, 9/1965) Caderno de ensaios, 1990. O presente dura pouco tempo a imagem passava a ser mais importante do que as palavras e o tradicional ritmo das ações era questionado. Muitas inovações foram apresentadas: performances sem texto, performances sem atores (substituídos pôr cenários) e diversas propostas de instalações. Com Vincent e Confessional, Márcio Vianna pretendia iniciar um trabalho de experimentação centrado na questão do relacionamento espetáculo-espectador. “A crise do teatro contemporâneo repousa, essencialmente, na relação entre o espetáculo e o espectador, e Marat Marat não caminhou neste sentido.”13 O palco italiano ocupou uma posição dominante em toda a vida teatral do século XIX e, com algumas exceções, na primeira metade do século XX. Durante essa fase, houve uma condenação do espetáculo herdado do naturalismo, isso por várias razões, entre elas o fato do espectador ficar reduzido à pura passividade intelectual. Surge então a afirmação de que é possível um outro modo de relação palco-pláteia, engajando o espectador no jogo teatral. “Isso pressupõe uma outra opção estética, na qual a sugestão substitui a afirmação, a alusão ocupa o lugar da descrição, a elipse o da redundância. Esse desejo de engajar o espectador na realização dramática, até mesmo de comprometê-lo com ela, passou a nortear permanentemente as pesquisas do teatro moderno (...), por mais diferentes que sejam, aliás, as bases teóricas que orientam cada um desses empreendimentos.”14 A experiência de Márcio Vianna dividia-se em Confessional - interpretado por 14 atores para 13 pessoas sentadas em confessionários e Vincent, em palco italiano, com 10 atores para uma platéia de 130 lugares. Enquanto Vincent cortejava o teatro visual, Confessional representava uma suposta revolução ao propor um teatro intimo: no lugar de espectadores, indivíduos. Nesta experimentação, Márcio idealizava desconstruir a visão mitificada do pintor numa reflexão sobre o fracasso de uma vida solitária e obscura. O texto dos dois espetáculos era o mesmo, com exceção das confissões elaboradas para a relação individualizada. Nas cenas dentro dos confessionários, os monólogos, com algum improviso, possuíam apenas um esboço definido em ensaios. Em Confessional cada ator se relacionava com um espectador por vez, praticamente sussurando-lhe ao ouvido. Van Gogh ficava no centro e não dialogava – assim como em Vincent - com os espectadores. Os outros personagens (figuras da sua 13 14 Carta aos atores. 1990. ROUBINE, Jean-Jacques: A Linguagem da encenação teatral, (trad. e apres. Yan Michalski), O presente dura pouco tempo vida) ficavam em confessionários e mantinham uma relação individualizada com cada espectador. Vincent, em contrapartida, tratava o publico nos moldes tradicionais de palcoplatéia. O público sentava-se em poltronas ao redor do espaço cênico composto por um palco móvel e instável. Com a movimentação dos atores, o palco desestabilizava-se provocando um estado de insegurança. Van Gogh ficava no centro da cena, onde os personagens da sua vida entravam e saiam. Foi na década de 60 que a evolução da pratica teatral contemporânea se afirmou e o espaço cênico passou por uma verdadeira explosão. Atualmente, o teatro oferece uma grande variedade de novas possibilidades, às vezes até mesmo dentro de um mesmo espetáculo – com participação mais ou menos ativa da platéia e tentativas de integração do espectador no universo da ficção. O fato é que o publico vem passando por diversas aventuras teatrais, podendo viver essas praticas como uma experiência nova e intensa, como pretendia Artaud entre outros. Os criadores que transformaram a estética do palco questionavam a posição estática do espectador sentado do início ao fim no mesmo lugar, condenado a uma percepção que se faz num angulo e a uma distancia invariáveis e basicamente passiva. Havia também os partidários da democratização do teatro que reivindicavam por uma igualdade nas posições dos espectadores, uma vez que a organização da sala sempre foi desigual. Artaud foi um dos primeiros a compreender, nos anos 20, que a invenção de um novo teatro implicava na transformação da relação palco-platéia. A favor de uma vivência no teatro sem os limites do palco, aberto as circunstâncias do acaso, Artaud ameaçava o próprio conceito de teatro. A proposta dele foi vista como um convite a vivência de um corpo destituído de padrões e comportamentos cotidianos. Investindo em um conceito de corpo sem órgãos – um corpo não obediente a funções orgânicas e fisiológicas - regido unicamente por intensidades e afetos, a platéia deixaria de cumprir o papel apático de recepção para experimentar uma vivência de trocas com esse corpo. O teatro de Artaud abandonava a representação de ações, a existência de personagens, o texto e a narratividade, explodindo assim, com as regras da dramatização. Craig, por outro lado, mantinha o palco italiano, pois sua estética exigia o frentea frente tradicional com a imobilidade do espectador. Acreditando ser a encenação uma obra de arte onde o espectador tem o lugar de adorador, o palco italiano era ideal para O presente dura pouco tempo manter a função de contemplação e admiração da obra cujos meios de produção devem permanecer enquanto mistério. Brecht, rejeitando a desigualdade social refletida pela sala italiana e condenando o ilusionismo que o espetáculo tradicional instaura graças as possibilidades técnicas do palco fechado, preservava a relação frontal e os recursos técnicos da relação palcoplatéia do palco italiano. Brecht conservava a estrutura para desfigurá-la, voltando contra ela os seus próprios recursos técnicos. Para ele não era necessário rejeitar a estrutura, bastava trabalhá-la no sentido contrário, ajudando a teatralidade a exibir-se assumidamente - mostrando os seus meios de produção do espetáculo em vez de escondê-los. No fim da década de 50, Jerzy Grotowski realizava suas pesquisas sobre o trabalho do ator sem conhecer as teorias artaudianas. E ambos se orientavam para um teatro-acontecimento onde o palco tradicional não seria o caminho. Para Grotowski a relação do ator com o espectador não podia ser separada. O espectador deveria ser parte integrante daquilo que está sendo desvendado diante dele - a verdade do ator. Com Confessional, Márcio - citando Grotowski - passou a acreditar que o teatro deveria ser repensado a partir do espaço. E, menos de um mês depois, somando a essa experiência à idéia de testar os limites da representação através da arte do ator – também inspirado pelo Teatro Pobre, veio A Farra dos atores. A primeira Farra não se chamava Farra, chamou-se Audiência de Instrução e Julgamento do Ator Brasileiro. A proposta inicial, de uma única apresentação, era dar prosseguimento a uma pesquisa sobre novas formas de se fazer teatro. “Esta é uma experiência teatral que movimenta, até a exaustão, dezenas de atores que correm interpretando textos sobre teatro e o ofício do ator. É uma colagem aleatória de textos e trechos escolhidos para a atuação do artista comprometido apenas com o desejo de dizer e representar o que quiser, durante o tempo que der e que vier.”15 O nome Farra dos atores veio em função de uma definição feita por Márcio para o acontecimento: “Uma grande farra de atores! Um espetáculo, sem texto definido nem cenas pré-determinadas, com atores amparados unicamente em meia dúzia de marcações, numa maratona cujo objetivo não é o espetáculo, mas a experiência dos limites da representação, sem compromisso algum em acertar.”16 15 16 Jornal do Brasil, entrevista.14/01/92 Jornal Estado de São Paulo, entrevista. 14/04/1991 O presente dura pouco tempo Ao todo foram seis Farras em cinco anos, todas tiveram um formato comum, mudavam-se os textos, os atores e as regras básicas, mas a proposta central era sempre mantida. Numa maratona onde o objetivo não era o espetáculo e sim os limites da representação, os atores corriam de seis a dez horas exaustivamente intercalando cenas e textos, e havia apenas um roteiro programado com códigos ditando o início e o fim das cenas que se repetiam aleatoriamente. O espaço cênico das Farras adotava uma área móvel de representação. O publico ficava livre - em pé ou sentado no chão - normalmente ao redor de uma área central. As cenas aconteciam por todos os lados e muitas vezes em planos e alturas (sacadas, escadas, pisos) diferentes dos espectadores, uma vez que a proposta era incorporar o espaço ao evento, transformando-o. Essa concepção do espetáculo possibilitava aos espectadores terem liberdade de ir e vir, conversar, passear e até invadir o palco para participar. Propondo à platéia uma posição diferente, cada espectador tinha uma percepção individual das paisagens de som, ritmo, ação e imagens oferecidas. Bob Wilson foi representante de uma geração que explorou intensamente esses elementos. Ao montar um espetáculo de 12 horas de duração como “A Vida e a Época de Joseph Stalin” o espectador era instigado a se libertar da posição contemplativa de espectador passivo, transformando-se em um espectador ativo onde é possível escolher o momento de assistir, sair do teatro ou mesmo dormir. A linguagem experimentada na Farra era subordinada a elementos cênicos sem referências, sem contextos e sem explicações, apoiados em movimentos de ações e de textos - pedaços de conversas, repetição de frases, palavras avulsas, sons aleatórios, músicas, movimentos repetidos e coreografados. Alguns fragmentos de textos eram ditos para a platéia, os atores iam ao espectador, conversavam com ele, ou mesmo o conduziam a participar. Na Audiência de Instrução e Julgamento do Ator Brasileiro havia apenas cinco regras. Com os anos, em outras Farras, o número de regras foi aumentando. Durante os ensaios construíu-se um vocabulário comum, dando nome às cenas. O esboço das cenas era levantado em cima de improvisos direcionados: um tema, uma música, uma foto ou um texto eram usados como base para a criação de uma imagem cênica. As regras, ditadas por músicas, eram o `start´ para as cenas. As cenas, por serem entre corridas, eram sempre realizadas com um alto nível de cansaço numa proposta de `exaustão´, O presente dura pouco tempo onde os improvisos construíam imagens de forte dramaticidade e emoção. “A montagem só começa a funcionar quando os atores exaustos cederam em suas defesas, viram sua técnica falhar e a emoção pode, enfim, correr solta.”17 Márcio usava Grotowski como referência também na relação com os atores. “O ator deve aprender a não fazer ou não representar”. O cansaço, o esgotamento psíquico e nervoso permite a emergência de uma verdade refugiada, recalcada, que o autocontrole não pode mais esconder ou disfarçar. Em resumo, o esgotamento é o estado mais propício ao autodesvendamento. “Se, ao desafiar-se publicamente a si mesmo, o ator desafia os outros e, se revela tal como é, arrancando a sua máscara de todos os dias, ele permite ao espectador empreender um processo semelhante.”18 A novidade mais marcante do Teatro Pobre reside numa redefinição da função e da arte do ator. Para ele tudo no palco é supérfluo com exceção do frente-a-frente do ator e do espectador. Este deixa de estar atrás de um personagem. “O ator passa a ser o seu próprio personagem, e a representação não é mais a simulação, quer realista ou estilizada, de uma ação, mas um ato que o ator cumpre, e cuja essência ele tira do mais profundo de si mesmo.”19 A Farra, apesar de ter sido criada como um simples exercício de atores, transformou-se em um verdadeiro happening - com característica de evento, repetiu-se poucas vezes e foi realizada em espaços não convencionais de encenação. Os happenings começaram, há meio século atrás, como reivindicações (futuristas e dadaístas) para a conversão dos artistas em mediadores de um processo social ou estético social. Esses artistas utilizavam as manifestações performáticas como meio de provocação na busca de uma abertura nas formas de expressão artística. A proposta era reduzir a distância entre a vida e a arte. Essas performances eram fruto de improvisações e ações espontâneas com a utilização de técnicas de teatro, dança, música, literatura, artes plásticas e cinema - ainda uma nova mídia. Num diálogo com o teatro - em termos de técnicas de criação e atuação – a performance fez contato com os mais importantes criadores modernos: as técnicas de interiorização de Stanislavsky – principalmente através da releitura de Meyerhold e Grotowski. O teatro dialético-conceitual de Brecht – toda a dialética atuar-interpretar, tempo ficcional/tempo real e o conceito brechtiano de `distanciamento´. O teatro ritual 17 18 19 Jornal O Estado de São Paulo, entrevista. 14/04/1991 Em busca de um teatro pobre. Artigo de Jerzy Grotowski publicado em Odra (Wroclaw, 9/1965) ROUBINE, Jean-Jacques: A Linguagem da encenação teatral, (trad. e apres. Yan Michalski), O presente dura pouco tempo de Artaud – a ruptura com a representação, o uso do irracional, o discurso da ação não ligada à palavra. Muitos encenadores contemporâneos incorporaram aspectos da linguagem da performance em suas peças, o nome brasileiro mais relevante era o de Gerald Thomas. Muitas vezes o trabalho de Márcio foi comparado ao de Gerald, não somente por semelhança na linguagem, mas por que ele era uma referência na cena contemporânea carioca relacionada à experimentação. Ambos trabalhavam – apesar de propostas e resultados diferentes – com a apropriação da performance e seu `efeito de desconstrução´. Esse efeito é realizado através de repetição da imagem ou do som num efeito de eco visual ou sonoro que pode ser interpretado além do visual e estético, atuando como instrumento de desconstrução da narrativa, também visto como efeito de des-realidade ou estranhamento. “Tratamos aqui da repetição sucessiva e não da simultânea. Acontece quando o modelo é reproduzido linearmente ou em outra configuração – sucessivamente – e produz um padrão em si, que pode ser visual ou, metaforicamente, sonoro e mesmo tátil, como no caso de uma mesma palavra enunciada continuadamente de forma a que o fonema final se funda ao primeiro criando uma emissão linear sem início ou fim. O ciclo descrito pode ganhar outras feições desconstrutivas. Começamos a perceber um comportamento cambiante tanto de significado (quando percebemos novos sentidos) quanto da própria sonoridade, no caso da palavra repetida acima – da familiaridade e identificação do modelo ao estranhamento e à percepção de novas configurações. O fenômeno que parece ocorrer aqui é que o primeiro padrão criado mantém-se perceptível até um ponto de saturação da consciência, quando passa a ganhar novos contornos de configuração. Essa questão de saturação pela presença continuada é observada experimentalmente na própria sensação tátil, como uma pressão sobre a pele. Se persiste por minutos, perdemos a consciência de sua existência. Ou como no caso da mirada demorada de um rosto qualquer por muito tempo: de familiar, esse rosto ganha novo sentido para nós e passamos a percebê-lo como estranho. Os exemplos sugerem que o fenômeno da “dormência” da consciência por saturação dá-se também no caso da repetição simultânea, como quando O presente dura pouco tempo olhamos um padrão de elementos repetidos e saltamos da percepção de determinadas formas para outras.”20 Esse efeito de desconstrução foi usado em todos os espetáculos da primeira fase da trajetória de Márcio Vianna. Nas primeiras experiências foi usado como elemento da cena ou recurso da narrativa. Porém, foi na Farra que o efeito assumiu-se como linguagem propriamente dita. As realizações desta primeira fase foram fundamentais não somente pelo impulso criativo e experimental, mas pela construção de uma base para o dialogo com as experiências posteriores. O espetáculo Para acabar com o julgamento de Deus foi importante pelo contato com o universo de Artaud – questionando uma linguagem desvitalizada e experimentando os elementos cênicos para repensar o fazer teatral. Marat Marat pelos objetivos claramente definidos em relação a uma linguagem associada a temática e o rigor na forma de conduzi-los. Vincent e Confessional pela busca de uma relação nova com o público – investindo no espaço para atingir a emoção. E finalmente a Farra - funcionando como síntese - pela soma de descobertas apreendidas com o texto, a cena, o público e os atores. A Farra foi a transformação da cena teatral em um happening onde a arte do ator/espectador se viu lapidada através do cansaço, da alegria e da dor. Segunda fase – A criação coletiva Em 1991 foram realizados dois espetáculos: O caso dos irmãos Feininger e Coleção de Bonecas. Feininger tinha como objetivo repetir e aprofundar a experiência de Confessional, onde o público com uma visão individualizada da cena, poderia interagir e alterar o resultado da prática teatral. Baseado numa situação fictícia de tribunal, o público comportava-se como júri. Os atores dialogavam com a platéia utilizando apenas um esqueleto da argumentação e o texto era improvisado em cima do perfil assegurado para cada personagem - em resposta as perguntas dos espectadores. O espetáculo foi realizado numa proposta (nova para Márcio) de `criação coletiva´. Os atores junto com o diretor assinavam a criação do espetáculo que, sem uma 20 COELHO, Luiz Antonio L.. A repetição na cultura. Em SOUZA, Solange Jobim e (org). Mosaico: imagens do conhecimento. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2000. O presente dura pouco tempo ficha técnica, tinha poucas preocupações estéticas e técnicas. Não havia cenário, figurino e iluminação – somente lampiões iluminavam a cena. A proposta, concebida para apenas seis espectadores, pretendia aprofundar uma relação intima com o espectador. O espaço cênico contava apenas com seis cadeiras dispostas em círculo e os sete atores se revezavam entre os seis espectadores. A antiga brincadeira do jogo das cadeiras foi utilizada como recurso para aproximar o espectador dos sete atores num revezamento aleatório. No centro da roda, um violinista escolhia, a seu critério, as musicas que iriam compor a cena. Ao parar a música o ator sentava-se na cadeira mais próxima e iniciava as suas confissões sobre o caso. O espetáculo era realizado com diálogos, trilha sonora e desfechos diferentes a cada sessão, uma vez que ao término, o público no lugar de júri emitia o seu voto pela decisão judicial. O trabalho do ator construído em cima de improviso com o espectador podia ser visto como mais um caminho de distanciamento em relação a composição do personagem tradicionalmente conhecido. Em Marat, Vincent /Confessional e Feininger os personagens estavam presentes com características e nomes, mas sem a psicologia de uma história vivida no tempo. O estado dos personagens no instante da sua aparição era mais importante do que o seu passado e suas memórias. Na Farra, porém, vislumbravase um ruptura mais radical onde no lugar de personagens haveria performers. O personagem trabalha com o que “é” um suposto indivíduo e sua história. O intérpretecriador ou performer trabalha com o estado da ação, ou o “como” a ação está sendo realizada. A não interpretação de personagens pode ser utilizada como veículo libertário para um sentimento a ser expresso sem que a ele seja atribuído uma história ou psicologia, buscando-se o estado sem passar por modelos de personagens. Depois dessa experiência, Márcio acreditava que os atores tinham deixado de ser meros interpretes para ocuparem papel ativo na obra. E, se propondo a aprofundar essa relação lançou-se em mais uma experiência de criação coletiva. Em Coleção de Bonecas ao invés de convidar uma ficha técnica, propôs que os personagens, assim como as marcações do palco, cenários, figurinos, texto e até trilha sonora, fossem resultado de uma criação do diretor e seus sete atores do Grupo A Contrador - iniciado em Marat, mas mantendo apenas alguns atores da época. A clássica aventura de Sherazade serviu de ponto de partida para esta montagem. Os sete atores ficavam em cena todo o tempo, praticamente confinados no pequeno palco da Aliança Francesa de Botafogo /RJ - um espaço cênico de 7 por 3 (metros). Os O presente dura pouco tempo 70 lugares do teatro foram reduzidos a 50 poltronas para que os atores pudessem - num resgate de experiências anteriores - sair do palco e correr em volta da platéia. Apesar do espaço ser tradicional, com palco italiano, Márcio pretendia trazer para esta cena experimentações adquiridas com a explosão do palco na Farra, no Confessional e No caso dos irmãos Feininger- como a proximidade do público, a exaustão dos atores e a fragmentação do texto criado em cima de depoimentos. Algumas influências estéticas foram resgatadas para esta montagem. No pequeno palco da Aliança francesa estavam espalhados 60 bebês de plástico utilizados na Farra, algumas das máscaras em forma de cabeça usadas em Marat Marat e 80 velas acessas no lugar de lampiões. Márcio, durante a experiência da criação coletiva, acreditou que nunca estivera tão perto de suscitar a emoção do ator e do espectador. “Eu não estou muito preocupado com a técnica, acho que é importante também, mas eu estou priorizando a própria questão pessoal e a emoção subseqüente. Eu não tenho interesse no ator muito técnico, porque eu também não sou um diretor. Eu não entendo de teatro. Eu sou uma pessoa que faz arte e o que eu faço todo mundo pode fazer. Portanto eu não quero atores brilhantes, quero pessoas brilhantes, que tenham uma postura autoral e que possam contribuir significantemente para a construção de uma obra.”21 O Théâtre du Soleil, nos anos 70, foi responsável por uma inovação: elaborar o texto cênico numa criação coletiva entre atores e direção. O método desenvolvido para as improvisações era baseado em temas, roteiros ou indicações técnicas e estilísticas utilizadas como referência. A improvisação deixava de se apoiar exclusivamente na memória e na espontaneidade dos atores, para ganhar um objetivo comum. A equipe utilizava como base de criação as reflexões coletivas em cima de leituras de material teórico, de textos documentários e históricos. Materiais que enriqueciam o improvisador, a equipe e a construção do texto. Ao final da temporada de Coleção de bonecas, numa reflexão sobre a sua trajetória de investimentos cênicos bem diversificados ao longo de dois anos, Márcio comentou: “Posso parecer um diretor incoerente, mas o fato é que há inúmeras possibilidades de se fazer teatro.” Este último espetáculo não trouxe novas inquietações estéticas e técnicas, mas foi importante pela afirmação de que o teatro que se estava buscando só seria alcançado 21 Em Teatroarte 7, entrevista. Novembro de 1990. O presente dura pouco tempo através da relação ator-espectador e não espetáculo-espectador. Márcio dizia acreditar que estava se aproximando da emoção do espectador através da emoção do ator e que a qualidade da experiência e do envolvimento dos atores deveria ser investida e investigada com maior rigor. “A eliminação da dicotomia palco-platéia não é o mais importante: apenas cria uma situação de laboratório, numa área apropriada para pesquisa. O objetivo essencial é encontrar o relacionamento adequado entre ator e espectador, para cada tipo de representação, e incorporar a decisão em disposições físicas.”22 Terceira fase – A imagem na cena Em 1992 Márcio correu contra o tempo e realizou três espetáculos em um ano: Circo da solidão, Imaginária e Livro dos cegos. Logo após acreditar que estava se aproximando do objetivo de emocionar o espectador através da proposta de criação coletiva, Márcio optou por desconstruir algumas experimentações cênicas anteriores e afirmar outras. Circo da Solidão veio para romper com várias convicções e voltar com algumas convenções antes negadas como: o palco italiano, a ficha técnica, e o teatro de imagens. Como novidade Circo da Solidão foi o primeiro espetáculo com um patrocínio equiparado às produções de sua época. Do romance “Sofrimentos do jovem Werther” de Goethe, Márcio retirou o substrato temático para a criação de Circo da Solidão. “Queremos falar sobre a solidão dos apaixonados. Elegemos Werther como instrumento, como poderíamos escolher qualquer mito ocidental da paixão. É um traçado não linear e sem seguir qualquer lógica”23 definia Márcio. O texto altamente fragmentado era envolvido por um visual estilizado muito próximo a uma proposta estética imaginada para um teatro medieval, a construção cênica entre texto e imagem era propositalmente desarmônica buscando o recurso antes experimentado do `estranhamento´. O discurso do corpo e o discurso das palavras eram distantes para criar o típico caos contemporâneo entre o que se faz com o que é dito. O cenário de Tadeu Burgos apresentava uma catedral repleta de escadas desencontradas e labirínticas e dez toneladas de barro cobriam o palco. Os atores 22 23 Em busca de um teatro pobre. Artigo de Jerzy Grotowski publicado em Odra (Wroclaw, 9/1965) Jornal O Globo, entrevista.19/12/1991 O presente dura pouco tempo vestiam roupas de anjos estilizados com asas nas costas. A trilha sonora era realizada ao vivo por um octeto vocal que impunha um tom sacro de extrema dramaticidade. A pesquisa agora girava em torno de uma estética construída sobre a potencialidade expressiva da escrita cênica – termo utilizado por Artaud. A linguagem da cena deveria ser mais abrangente que a linguagem das palavras, pois a pesquisa não visava buscar a representação em cena de um cotidiano, mas um espetáculo onde a vida é potência e não se pretende parecer com a forma do cotidiano. Márcio estava em busca de uma linguagem que comunicasse através da teatralidade. Para o espetáculo foram construídas metáforas, símbolos e imagens que só podiam existir no espaço cênico, ou seja, imagens originais da pratica teatral. No teatro pode se falar sobre a dor. Pode se explicar a dor sentida. Pode se representar a dor. A pesquisa visava experimentar uma forma de apresentar essa dor e o espectador seria criador da dor que ele percebesse. Nesse espetáculo – totalmente imagético – Márcio foi criticado por exibir signos indecifráveis em meio uma narrativa propositadamente desestruturada e caótica, e mais uma vez (depois de Marat Marat e da Farra) foi comparado a Gerald Thomas disposto a seguir uma trajetória que insiste na feitura de trabalhos herméticos. Márcio não identificava semelhança com a proposta de Gerald, apenas reconhecia alguns traços nos elementos de desconstrução da narrativa. Eugenio Barba em artigo entitulado “Ações em trabalho” descreve o entrelaçamento simultâneo de várias ações na representação como algo semelhante ao que Eisenstein descreve a partir de Vista Del Toledo de El Greco: “o pintor não reconstrói uma paisagem, mas constrói uma síntese de várias paisagens, fazendo um montagem dos diferentes lados de um prédio, incluindo até os lados que não são visíveis, mostrando vários elementos – tirados da realidade, independentemente de cada um – numa relação nova e artificial.”24 Para ele em muitos casos, quanto mais difícil se torna, para um espectador, interpretar ou julgar imediatamente o significado do que está acontecendo diante de seus olhos em sua cabeça, mas forte é a sensação de viver através de uma experiência, às vezes de uma maneira obscura, mas talvez mais perto da realidade de uma experiência. Circo da solidão talvez tenha sido a experiência de Márcio que alcançou o maior status de um `teatro de imagens´. Não por acaso, em seguida - acreditando que a cena 24 BARBA, Eugenio. Ações em trabalho. Revista Dramaturgia. O presente dura pouco tempo não era um processo formal esgotado - Márcio Vianna tomou o caminho radicalmente oposto e voltando a criticar a imagem - que inebria o espectador e impede-o de viver a experiência da emoção – montou Imaginária e Livro dos cegos, as primeiras peças encenadas completamente no escuro em palcos brasileiros. Márcio pretendia levar ao espectador a experiência da cegueira. Desejava que o público fosse além do visível e percebesse a realidade através dos demais sentidos, criando a sua própria imagem da encenação. “A emoção não deve depender da orgia visual ou da sedução pela imagem”, dizia nos ensaios. Imaginária, com pequenas histórias costuradas, narrava o encontro num motel de um cego com sua amante de olhos perfeitos. Com um texto que pode ser visto como realista, Márcio pretendia estimular a imaginação dos espectadores numa experiência sensorial onde eles veriam o que não enxergam. Os atores deveriam ser preparados não para serem vistos e sim para serem percebidos pela sua presença. O espaço cênico foi delimitado por 30 cadeiras dispostas em semi-círculo – local dos espectadores – e no centro havia uma cama onde o casal principal ficava. Os outros atores (14), sem participarem do texto propriamente dito, movimentavam-se no círculo e ao redor dele. Com a falta total de iluminação os espectadores apreenderiam o espetáculo de outras formas - os atores (mantendo a proximidade) circulavam entre o público, no escuro, ilustrando a cena com sons, sussurros, cheiros e estados físicos como o vento. Numa cena de amor entre o casal exalava-se cheiro de jasmim e ouvia-se o barulho de água que servia para um banho de banheira à dois. Alem de cheiro de frutas e bebida alcoólica que supostamente estavam sendo saboreados pelo casal. Márcio pensou Imaginária como uma visão sobre os cegos feita por quem enxerga. Já O Livro dos Cegos que foi montado posteriormente tinha a pretensão de ser construído sob a ótica dos cegos, mesmo com a consciência de que essa ótica é extremamente delicada de se apreender. “Aprendemos com Imaginária que pôr o ator e o espectador no escuro possibilita uma reflexão sobre a cena contemporânea - totalmente constituída em cima da beleza e do impacto visual. Quem assistir ao espetáculo vai perceber que talvez a cena contemporânea esteja nos iludindo com belas imagens e escondendo o que é mais importante: a presença do ator. Teatro não é ator sendo visto, é ator sendo vivido. Mas O presente dura pouco tempo essa pesquisa está encerrada, porque a experiência de cegar a cena é muito rica, mas não é o fim.”25 O Livro dos cegos, com capacidade para 100 espectadores na platéia, começava com uma imagem de forte impacto visual: 30 atores vestidos de cinza, com olhos brancos artificiais, envergando tubos de plástico amarelo que emitiam sons ao serem girados no ar. Depois desta primeira cena era escuridão até o momento final. Como em Imaginária, os atores circulavam entre o público, no escuro, ilustrando a cena com sons, sussurros e cheiros. Desta vez, a situação vivida era a de uma cega de nascença que sonhava em ser atriz e estava numa mesa cirúrgica tentando ganhar a visão. Pela segunda vez em sua carreira, Marcio tentou seguidamente aprofundar uma questão investida anteriormente, Imaginária e Livro dos Cegos partiram de uma mesma experimentação: o extermino da imagem em favor dos sentidos. Todas as criticas escritas do espetáculo diziam que apesar da revolução proposta com a ausência total de luz, a base em que ele partia era extremamente convencional. Um espetáculo sem inovações cênicas ou dramaturgica sendo realizado no escuro. Em um teatro feito sem imagem, a palavra ganha força e deve ser pensada para este fim. O que faz um espetáculo sensorial? Certamente não é a ausência de imagem, mas Márcio precisava experimentar para descobrir. Na encenação contemporânea o que importa não é apenas, e nem principalmente, a proliferação de imagens, mas a relação que estabelecemos com elas, ou seja, a função que assumem no processo de apreensão teatral. “O que me interessa é descobrir qual a temática deste final de milênio. Todas as artes estão falando do momento presente, menos o teatro. Em vez da Somália, o teatro está falando da idade Média, da Grécia antiga. As pessoas que fazem teatro parecem estar de bunda virada para o futuro e completamente debruçada sobre o passado. Existe uma reação a um tipo de teatro que se opõe ao que é feito hoje, que propõe a um publico diferente uma temática diferente. A critica que eu percebo desqualifica essa experiência como teatro. O que me diverte é que isso ainda deve ficar mais louco, porque talvez a solução do teatro seja acabar com o espetáculo e caminhar na direção das festas, grandes farras entre espectador e ator. Acho que eu estou me preparando para isso.” 26 25 26 Jornal O Globo, entrevista.18/12/1992 Jornal O Globo, entrevista.18/12/1992 O presente dura pouco tempo Quarta fase – O teatro como expressão do homem contemporâneo Em 1993 Márcio ganhou a ocupação durante um ano do teatro Gláucio Gil (RJ), onde junto com O Grupo A Contrador instalou o Projeto de Teatro Experimental chamado CEU - Centro de Exercício de Utopias. “Um espaço comprometido com a pesquisa, a experimentação e, principalmente, com a crença de que o teatro pode e deve ajudar na reflexão sobre o homem contemporâneo.” Duas peças foram realizadas: 1999 e o Futuro dura muito tempo. Márcio ensaiou as duas peças ao mesmo tempo. 1999, realizada com O Grupo A Contrador, era o rumo das festas e dos ritos que ele apostava ser o caminho do teatro. E O Futuro dura muito tempo, com apenas dois atores convidados, era um desejo pessoal de levar Louis Althusser para o palco. Desta vez não havia a proposta de testar duas formas de se fazer teatro, simplesmente eram dois desejos – um pela cena e outro pela temática - vividos no mesmo tempo e de acordo com suas expressões. O Futuro dura muito tempo foi o primeiro espetáculo a estrear. Márcio selecionou fragmentos do depoimento de Louis Althusser - baseado nas memórias que escreveu, numa clinica psiquiátrica por assassinar a mulher, pouco antes de morrer - e construiu um texto que mesclava palavras do filósofo sobre sua vida pessoal com pontos cruciais de seu pensamento político. Para Márcio, Althusser representava o grande paradoxo do homem contemporâneo: a fragilidade existente em todos os homens fortes e os momentos de loucura embutidos na racionalidade. “Althusser é um comovente precipício sobre a história das violências, das utopias e das paixões e O Futuro dura muito Tempo é uma reflexão sobre a perplexidade e a ambigüidade do homem deste final de milênio. A encenação foi construída com um olhar muito afetuoso sobre os personagens e inspirada numa advertência de Nietzsche, sempre lembrada nos ensaios por Rubens, de que não precisamos turvar as nossas águas para que elas pareçam mais profundas. Nesta peça evitamos as abordagens mais plausíveis e as sentenças mais prováveis, porque as condenações e absolvições tendem a abreviar o mergulho e a vertigem sobre a condição humana.”27 Rubens Correa dava palavras a Althusser num relato imerso em conturbado universo pessoal. A encenação reforçava o mergulho do filosofo às suas memórias 27 Caderno de ensaio. 12/1993. O presente dura pouco tempo soterradas em impactante imagem de uma grande escavação. O palco, mantendo a relação convencional de palco-platéia era coberto por quilos de areia e centenas de troncos - nos moldes humanos - feitos em fibra de vidro. Althusser retirava da terra livros, os corpos mutilados, objetos pessoais e a própria mulher Hélène. “Era uma verdadeira arqueologia” descrevia Teca Fichinski, cenógrafa da peça. Novamente com a utilização de efeitos cênicos intensos, Márcio construiu climas e imagens para desenhar a complexidade dos sentimentos e das emoções. Os atores – em interpretação minuciosa e repleta de tons – criavam a base ou o pretexto para uma enxurrada de afetos. A iluminação alternava cores quentes e frias, sombra e claridade, dando vida à atmosfera asfixiante em que se encontrava o personagem principal. O Futuro dura muito tempo não era propriamente uma experimentação cênica e fez do palco um reflexo da condição humana. Márcio provou para si mesmo que é possível emocionar o espectador sem acrobacias experimentais. Mas negou, apesar do objetivo de emocionar o espectador alcançado, ser este o tipo de espetáculo que leva o homem para a beira do abismo. Abismo este que era o desafio de estar vivo. Para o diretor o abismo estava em 1999. Afirmando as suas experiências cênicas, Márcio desta vez pretendia criar um confronto direto da ação cênica com o espectador. A proposta era analisar a situação do homem no final do século, num ambiente sem fronteiras entre palco e platéia. Atores e espectadores se movimentavam livremente por todo o espaço. “Para mostrarmos isso, tiramos todas as arquibancadas do teatro e eliminamos as fronteiras entre palco e platéia. Atores e espectadores se movimentam livremente e a peça se desenvolve ai, abordando a violência, a solidão e a paixão do homem contemporâneo. Em cada cena se constrói o lugar do ator e do espectador. Este participa menos ou mais, olhando a cena pelo olhar que quiser”.28 Espalhado pelo espaço do Teatro Gláucio Gil – transformado em um grande galpão - havia milhares de fotos de jornais (estampando a violência cotidiana) colados nas paredes, além de escadas e cubos espalhados pelo chão. Um bar dentro do espaço servia de apoio cênico e de base para o público - que podia beber cerveja durante o espetáculo. O espectador ficava solto no espaço (sem acentos). 28 Jornal da Tribuna, entrevista.01/10/1993 O presente dura pouco tempo A cenografia pretendia pensar o espaço cênico em três dimensões estruturando o espaço dividido com planos e volumes, mantendo com a realidade uma relação alusiva a serviço dos atores. Appia dava o nome de espaços rítmicos para as suas arquiteturas abstratas. “Uma das intuições mais fecundas de Appia consistiu em constatar que a cenografia deve ser um sistema de formas e de volumes reais, que imponha incessantemente ao corpo do ator a necessidade de achar soluções plásticas expressivas. Ele deve manter, portanto, uma relação complexa com o seu meio ambiente. A adequação psicológica se combina ali com uma tensão física instaurada por um sistema de planos inclinados, de escadas e de todos os elementos arquitetônicos suscetíveis de obrigar o corpo a dominar as dificuldades deles resultantes, e de transformarem essas dificuldades em trampolins para a expressividade.”29 Em 1999 apenas um fragmento de texto era dito durante todo o espetáculo. Os atores alternavam perguntas para o público - “O que você gostaria de estar fazendo no dia 31 de dezembro de 1999?” - com fragmentos de cenas. Em geral exaltando muita violência, as cenas eram apresentados aleatoriamente pelo espaço, onde atores e espectadores se chocavam em correrias. Cenas de prisões, perseguições, medo, fugas e salvações com momentos de encontro entre supostos sobreviventes a violência instalada. Uma cena (ensaiada antes do acontecimento) transformou-se em uma referência a chacina de Vigário Geral onde os atores nus deitavam em uma fileira estendida de caixões. “Contidas nas palavras `Teatro da crueldade´ se encontram toda uma desesperada busca por um teatro mais violento, menos racional, mais extremista, menos verbal, mais perigoso. Há um jubilo nos choques violentos: o único problema com choques violentos é que eles se desgastam. O que se segue a um choque? Aqui está a dificuldade. Disparo uma pistola contra o espectador – foi o que fiz uma vez – e por um segundo tenho a possibilidade de atingi-lo de uma maneira diferente. Preciso relacionar essa possibilidade a um propósito, senão um minuto depois o espectador voltará a seu estado anterior: inércia é a maior força que conhecemos. Quando uma impressão diferente é formada, a não ser que alguém agarre este momento sabendo como e porque, e para que fim, este também começará a minguar.”30 29 30 ROUBINE, Jean-Jacques: A Linguagem da encenação teatral, (trad. e apres. Yan Michalski), BROOK, Peter: O Ponto de Mudança, (trad. Antônio Mercado e Elena Gaidano), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1994. O presente dura pouco tempo Hoje já é sabido que mesmo em experiências sem a utilização do palco italiano, onde os espectadores ficam espalhados por toda área de representação, o espaço do publico pode ser mantido separado e reservado. No início os espectadores ficam livres, mas rapidamente se estabelecem em algum lugar. Grotowski em seu Teatro Pobre experimentou através da integração do espaço (público e atores juntos) o principio oposto, ao invés de tentar incluir na cena, excluía o espectador sem que se tratasse do retorno à tradição onde este era ignorado. A proximidade e a participação do público podem reduzir a relação do espetáculo com o espectador a uma ilusão, onde os atores não levando em conta a reação do publico, representam com teatralidade. Por outro lado, o espaço sem fronteiras pode provocar um mal estar pela desorientação – deixando o espectador confuso em relação ao seu papel na cena – o que pode ser interessante se levá-lo a refletir sobre a necessidade de ser indicado o lugar a ser ocupado. Além disso, a liberdade de movimento está associada ao uso que se faz do espetáculo, e conseguir fazer o espectador pensar sobre isso já é uma grande vitória. 1999 e O Futuro dura muito tempo foram espetáculos que ganharam formas coerentes à expressão de seus conteúdos. O sucesso do Futuro, porém veio na contramão de 1999, desarmando-o. O Futuro era a prova concreta de que não é só pelo espaço que se chega à emoção. Ao final das temporadas, Márcio declarou que O Futuro dura muito tempo fechava um ciclo iniciado em Marat Marat - ambos sucessos de crítica e convencionais, ao contrário de todas as suas outras experiências teatrais. “Eu acreditava que poderia fazer anti-espetáculos, mexer com a pauta de reflexões do teatro; mas eu não consegui me organizar para isso. 1999 ainda era um espetáculo. Talvez eu devesse ter arriscado mais.”31 Após a temporada de 1999 e o fim do projeto CEU - Centro de Experimentações e Utopias no Teatro Gláucio Gil, o Grupo A Contrador acabou. “Minha utopia era transformar o espectador em quase ator, em participante de um rito, de uma festa. Pensava que esse teatro total teria uma contundência maior que outras artes para mudar a vida do espectador. Mas essa busca experimental acabou. Não me sinto mais interessado em acumular experiências.”32 Quinta fase – Em busca do teatro 31 32 Jornal O Globo, entrevista. 01/02/1994 ___, idem. O presente dura pouco tempo Em 1994, depois de quase um ano parado, Márcio voltou aos palcos em um convite para dirigir a montagem de formatura dos atores da CAL – Casa de Artes de Laranjeiras – e fez A alma quando sonha é teatro. Para A Alma, Márcio reuniu duas gerações de atores de teatro separadas por mais de meio século - os alunos formandos do curso profissionalizante da CAL e alguns atores representantes da antiga geração dividindo o palco numa homenagem a arte teatral. Para o diretor, o contato das duas gerações fazia o jovem se despir de esteriótipos da profissão e se preocupar com a busca de emoções verdadeiras. “Esse encontro pretende ser, antes de tudo, uma despretensiosa, mas profundamente sincera e emocionada reflexão sobre a arte, a dor e a alegria de ser ator de teatro no Brasil.”33 O texto constava de depoimentos recolhidos pelos atores formandos, que junto com seus próprios depoimentos e fragmentos de outros textos foram trabalhados por Márcio e transformados em uma coletânea impregnada de poesia, paixão e alegria. No início uma pergunta: O que é o teatro? Os elementos cênicos, mantendo a relação palco-platéia, construíam uma atmosfera simples, lúdica e respeitosa. No fundo do palco, longas e estreitas faixas pendiam do teto e construíam vagamente a idéia de muitas cabines – uma para cada um dos 22 atores. Os figurinos dos jovens atores eram claros em contrapartida aos longos vestidos coloridos da outra geração. E a luz difusa era eventualmente rasgada por explosões de intensa claridade. Em A alma quando sonha é teatro Márcio provou novamente que sabia, com muita delicadeza, converter em imagens os sentimentos e as emoções do homem contemporâneo. Para este homem a experiência é fundamental, mas não sobrevive apenas de propostas estéticas. Em 1995 o tempo voltava a apertar e Márcio tinha pressa. Ao todo foram três espetáculos com a nova companhia de teatro – Cia Muito Prazer: Meu pai voa, Ambulâncias na contramão e O último bolero. E um monólogo com a atriz Beatriz Segall: O Lado fatal. 33 Texto de Márcio Vianna para o programa da peça. O presente dura pouco tempo Os três espetáculos com a Cia de teatro foram ensaiados quase ao mesmo tempo e tiveram temporadas paralelas. Ambulâncias na contramão era uma releitura da Farra, cinco anos depois da primeira apresentação. Márcio criou uma Farra compacta de duas horas de duração, não mais com caráter de evento e com direito a uma temporada de dois meses. “Ambulâncias na Contramão é uma forma mais branda da Farra em aparições anteriores - mais curta, mais leve e mais bem-humorada. O espetáculo trata do relacionamento humano, a partir de trechos de poetisas brasileiras” definia o diretor. Meu pai voa foi a estréia de Márcio como dramaturgo. Apesar de não incluir a peça entre suas empreitadas experimentais, creditava ao texto uma necessidade de traduzir dramaticamente emoções pessoais. Durante quase toda a sua carreira o diretor sempre clamou contra montagens de textos antigos e insistiu na necessidade de se buscar novas dramaturgias. Meu Pai Voa, construída com uma estrutura dramática convencional, dividido em cenas, narra a relação de um filho com o pai que está próximo da morte. “É uma peça absolutamente pessoal, com temas que povoam minha memória afetiva. Mas não é uma autobiografia fiel. A emoção é verdadeira, mas os fatos não são. Acho que a peça trata da universalidade das perdas. Não é um exercício egocêntrico.”34 Mais uma vez trabalhando com a relação convencional de palco-plateia e se valendo de efeitos cênicos como meio de expressão, Márcio optou por criar uma atmosfera esfumaçada e onírica colocando uma tela de filó na boca de cena - separando o espaço cênico e a platéia. O pequeno palco do Museu da República era forrado de areia e repleto de pequeninas casinhas de madeira. No centro, apenas uma pequena arquibancada onde os quatro personagens se revezavam em planos. O personagem do filho, ao longo da peça, manipulava as pequenas casinhas no palco sugerindo construir uma cidade em miniatura. “Cada peça erguida representa os encontros entre pai e filho diante das memórias revividas pelo filho.”35 No outro extremo estava O Último Bolero - uma colagem de poemas escritos por autoras contemporâneas falando sobre o feminino. Numa proposta próxima novamente a criação coletiva, o espetáculo não utilizava efeitos cênicos e investia na relação com o ator. Apenas atores e poemas. 34 35 Caderno de ensaio. ____idem. O presente dura pouco tempo Realizado no Porão do Espaço Laura Alvim (RJ), o espaço cênico era composto de apenas 25 cadeiras dispostas em círculo. Os atores ficavam em volta dos espectadores. Não houve marcação de cenas, havia apenas um roteiro dos poemas e a cada dia os atores escolhiam como e de onde falariam os seus textos. O espetáculo era iluminado pelos próprios atores que com uma lanterna em mãos a iluminavam a `cena´ ou o próximo poema. Este foi o quarto espetáculo de Márcio sem iluminação cênica, sendo que dois eram totalmente no escuro e os outros dois com recursos manipulados pelos atores. O palco no século XX explorou as mais opostas formulas de iluminação. A iluminação atmosférica, a iluminação cenográfica com a luz delimitando e animando o espaço, a iluminação simbólica. Márcio em parceria com Paulo César Medeiros (iluminador principal de sua carreira) sempre explorou a luz simbólica desenhando climas e estados da cena. Desta vez, o diretor optou pela simplicidade fazendo da iluminação um instrumento de tornar o espetáculo visível e mostrar ao espectador onde ele está. Mais uma vez citando Grotowski, Marcio investiu nos dois grandes eixos teóricos em torno dos quais se estrutura a sua prática: O absoluto predomínio do ator sobre todos os elementos do espetáculo. E a rejeição de qualquer intervenção mecânica capaz de escapar do controle do ator. Paralelamente a essas experiências, e voltando a utilizar intervenções mecânicas, Márcio estreava o seu último espetáculo. O Lado fatal nem chegou a entrar em cartaz no Rio antes de Marcio falecer, houve apenas uma apresentação para convidados. A curta temporada em São Paulo foi realizada após a sua morte. O texto do espetáculo era uma seqüência de poemas do livro homônimo de Lya Luft onde todos os poemas falam da dor de perder a figura amada. A encenação não retratava a personagem de uma escritora – como Lya Luft. A atriz Beatriz Segall vivia uma escultora e durante todo o tempo do monólogo permanecia em seu ateliê moldando uma figura humana. A imagem de uma mulher esculpindo o corpo inacabado de um homem enquanto fala da dor da perda representava uma idéia de construção, segundo Márcio, “no momento em que fala da maior perda de sua vida, a personagem também está criando uma obra, minha preocupação maior era mostrar que a dor é forte, mas pode ser vencida”. A figura construída durante a encenação, feita de barro, era a de um homem sentado em um banco. A personagem se relacionava com esta imagem - conversando, sentando ao lado, pegando na mão, deitando no colo ou aos seus pés. O presente dura pouco tempo Mais uma vez Márcio construiu no palco uma imagem forte e simbólica. Já havia criado um homem desenterrando o seu passado em um tanque de areia, um menino tentando construir uma cidade miniatura quando se vê diante da perda do pai e uma artista disposta a construir a imagem de um corpo masculino enquanto vive a morte do amado. Com a primeira imagem, depoimentos pessoais, afetuosos e intelectuais de um homem que assassinou a própria mulher num ato inexplicável. Com a segunda, fragmentos de emoções e sentimentos diante do medo da perda. E com a terceira, poemas escritos para aliviar a dor da morte. O presente dura pouco tempo Ficha técnica, comentários, processo de ensaio, críticas, e anexos O presente dura pouco tempo Exercício n.4: Para Acabar com o Julgamento de Deus O presente dura pouco tempo O que é grave é sabermos que atrás da ordem deste mundo existe uma outra Que outra? Não o sabemos. O número e a ordem de suposições possíveis neste campo é precisamente o infinito! E o que é o infinito? Não o sabemos com certeza. É uma palavra que usamos para designar a abertura da nossa consciência diante da possibilidade desmedida, inesgotável, desmedida. E o que é a consciência? É o nada. Um nada que usamos para designar quando não sabemos alguma coisa e de que forma não o sabemos e então dizemos consciência, do lado da consciência quando há cem mil outros lados. (trecho de Para acabar com o Julgamento de Deus de Antonin Artaud) O presente dura pouco tempo Estréia: Teatro Sesc Tijuca (RJ) / 08 de Outubro de 1988 Temporada: outubro/ novembro Dramaturgia e Direção: Márcio Vianna e Marcos Velloso Baseado em textos de Antonin Artaud Cenário e Figurino: Graziela Peres e José Renato Mia Iluminação: Fred Pinheiro Direção Musical: Caíque Botkay Supervisão: Bia Lessa Elenco: Álvaro di Marco, Carla Bessa, Carlos Augusto de Lima, Cibele Santa Cruz, Emmanuel Marinho, Isa Vianna, José Mauro Brant, Leonel Brum, Rodrigo Bruno (Macarrão), Márcia Thompson, Maria Thomas, Mário Rebehy e Thais Publio. Esse espetáculo foi fruto de um Exercício de Pesquisa realizado no Projeto Sesc Ensaios sob a coordenação da diretora Bia Lessa. Márcio Vianna fez sua estréia, juntamente com Marco Velloso, na direção de teatro, ambos já tinham experiência nas áreas de vídeo, fotografia e dramaturgia. Processo de ensaio Durante aproximadamente dois meses de ensaio foram trabalhados, aleatoriamente, fragmentos de textos de Antonin Artaud. A cada ensaio textos diferentes eram distribuídos separadamente para cada ator, que em cima de improvisos direcionados por imagens e situações cotidianas levantavam propostas de cenas. A dramaturgia foi construída durante os ensaios onde o roteiro final era uma colagem das cenas levantadas durante os ensaios. O presente dura pouco tempo Crítica Jornal Tribuna da Imprensa 17 de novembro de 1988 O presente dura pouco tempo Marat Marat O presente dura pouco tempo “Eu, de menino, conheci esse horror de uma duplicação ou multiplicação espectral da realidade, mas diante dos grandes espelhos. Seu infalível e continuo funcionamento, sua perseguição de meus atos, sua pantomima cósmica, eram então sobrenaturais, assim que anoitecia. Uma de minhas insistentes suplicas à Deus e ao meu anjo da guarda era não sonhar com espelhos. Sei que os vigiava com inquietação. Algumas vezes, receei que começassem a divergir da realidade; outras, ver meu rosto neles desfigurado por adversidades estranhas. Soube que esse temor está, outra vez, prodigiosamente no mundo. A história é bastante simples, e desagradável”. (Jorge Luis Borges em Os Espelhos Velados) O presente dura pouco tempo Estréia: Teatro da Aliança Francesa (RJ) - 15 de Junho /1989 Temporada: junho / agosto Temporada: Teatro Sérgio Cardoso (SP) – 18 de Outubro / 29 de outubro /1989 Temporada: Teatro Cacilda Becker (RJ) - 20 de Novembro/ 30 de dezembro /1989 Prêmios: Molière - Melhor Diretor /1989 FUNDACEN – Melhor Direção/ 1989 Mambembe - Melhor Diretor/ 1989 Criação, Direção e Dramaturgia: Márcio Vianna Baseado em textos de Jorge Luis Borges Cenário e Figurinos: Doris Rollemberg. Iluminação: Paulo César Medeiros Direção Musical: Carlos Sandroni Preparação Corporal: Marilena Bibas Pesquisa Histórica: Denise Rollemberg Cabeças e Adereços: José Maçaira e Luis Amadi Áudio: Paulinho Brandão Registro em Artes Plásticas: Nina Leão Assistente Direção: Johana Albuquerque Assistente Cenografia: Carlos Alberto Nunes Participações em off: Marcos Oliveira, Mônica Vianna, Coral da Universidade Santa Úrsula, Regente Eduardo Lopes e cantor solista Felipe Abreu. Elenco: Ana Luiza Magalhães, Leonel Brum, Maja Vargas, Márcia Favilla, Miguel Lunardi, Rose Ripoli e Viviane Feder. O espetáculo, a partir dos textos Sobre o herói e traidor e Encontro consigo mesmo de Jorge Luis Borges, apresenta o revolucionário, Jean Paul Marat, durante a Revolução Francesa. Marat foi um dos mais radicais lideres revolucionários e morreu assassinado por uma mulher, Charlotte Corday, na banheira em que diariamente se tratava de uma doença de pele adquirida enquanto era perseguido nos esgotos de Paris. Sua vida inspirou o texto Marat/Sade de Peter Weiss. No espetáculo de Márcio Vianna Marat é um personagem ambíguo, representado por dois Marats – um, o cientista e outro, o revolucionário –, ambos interpretados por mulheres. Marat encontra-se consigo O presente dura pouco tempo mesmo – o outro Marat – para uma reflexão no momento de sua morte sobre quem é o herói e quem é o traidor. Márcio declarava que não se tratava de um épico sobre o heroísmo dos revolucionários franceses, mas de uma visão de ambigüidade pós-revolucionária dos mitos que desencadearam o processo e Marat surge como pretexto para um questionamento sobre a sociedade contemporânea. Anotações nos Cadernos de Ensaios: (Extraído do programa da peça) 1. Não há uma Revolução Francesa, mas inúmeras Revoluções, a partir de 1789. 2. A Revolução Francesa inventou o cidadão, mas também inventou o vandalismo. É impossível uma visão maniqueísta de qualquer fato ou instituição da época. A partir da Revolução, a modernidade não pode evitar a ambigüidade. 3. Primeiras anotações sobre alguns personagens: Marat 1 é Jean Paul Marat, um homem de ciências, alguns anos antes de se iniciar a Revolução. Ambicioso e radical. Marat 2 é Jean Paul Marat, um homem político, líder revolucionário extremamente temido e adorado, na véspera de sua morte, em julho de 1973. Convencido de que é o político mais importante da França, com discurso favorável aos pobres. Doente, não espera viver muito. Passa horas numa banheira, com água morna e tratada, para amenizar as dores de sua doença de pele. Não hesita em mandar matar quem pode ameaçar a Revolução (...). 5. Marat era, antes de tudo, propenso ao delírio. Sua melhor tradução não se encontra em discursos e citações, e sim em visões de delírios que lhe devem ter sido muito peculiares. Por isso a temática e a poesia de Borges está tão presente no texto deste trabalho. Processo de Ensaio Durante os cinco meses de ensaios os atores, que obrigatoriamente deveriam ter um caderno de anotações, tiveram aulas sobre a Revolução Francesa e participaram de duas horas diárias de preparação corporal com Marilena Bibas. O corpo dos atores passou por uma composição física com movimentos extremamente marcados onde se construiu uma base corporal - sem psicologização - para cada figura. (Ver desenho a seguir em caderno de ensaio) O presente dura pouco tempo No início dos ensaios Márcio já sabia claramente que a peça seria feita inteiramente com a utilização do off e os atores usariam cabeças artificiais. Foi entregue, em um dos primeiros dias, um texto de Antonin Artaud em Teatro da Crueldade como justificativa para a utilização das cabeças: “(...) a aparição de um ser inventado, feito de madeira e enchimento, impassível e, todavia, inquietante por natureza, capaz de reintroduzir em cena um pequeno sopro desse grande medo metafísico que está na origem de todo teatro antigo.” Márcio Vianna, no primeiro encontro com os atores, tinha a proposta de criar uma Cia de Teatro que viria a se chamar Grupo A Contrador. O único ator de Para Acabar com o Julgamento de Deus que foi convidado a participar desta cia foi Leonel Brum. Desenhos do caderno de ensaio do ator Leonel Brum O presente dura pouco tempo Críticas Jornal O Globo 20 de junho de 1989 O presente dura pouco tempo Jornal O Dia 02 de julho de 1989 O presente dura pouco tempo Jornal Folha da Tarde / SP 21 de outubro de 1989 O presente dura pouco tempo Jornal do Brasil 21 de junho de 1989 O presente dura pouco tempo Jornal Tribuna da Imprensa 10 de julho de 1989 Revista Visão 23 de agosto de 1989 O presente dura pouco tempo Jornal Diário Popular 21 de outubro de 1989 O presente dura pouco tempo Vincent e Confessional O presente dura pouco tempo Vincent “Talvez seja necessário repensar o teatro repensando o próprio jeito de assisti-lo.“ (Anotações em caderno de ensaio de Márcio Vianna) Estréia: Teatro Cândido Mendes (RJ) – 07 de Outubro / 1990 Temporada: outubro / dezembro Texto e Direção: Márcio Vianna Concepção Cenográfica e Figurinos: Daido Takaishi Iluminação: Paulo César Medeiros Preparação Corporal: Ana Luiza Magalhães Direção Musical: Márcio Vianna e Daido Takaishi ( com trabalho sobre sons de baleias e músicas invertidas de Latvian Women’s Choir, Solo Vocal Ensemble Niponia, Toots Thielmans, Monika Rath, Tracy Chapman, Piazzola, Maria Calas em ária de Ponchielli e Gianni Poggi em ária de Verdi. Assistência de Direção e Produção: André Luis Câmara. Elenco: Ana Elisa Pôppe, Ana Luiza Magalhães, Alexandre Carrazzoni, Cláudia Mele, Eduardo Laus, Evandro Melo, Maja Vargas, Marluce, Mário Janini e Nora Benayon. O presente dura pouco tempo Confessional Estréia: Teatro Aliança Francesa (RJ) – 07 de outubro /1990 Texto e Direção: Márcio Vianna. Concepção Cenográfica: Daido Takaiashi Coordenação Cenotécnica: José Maçaira e Luis Amadi Figurinos: Daido Takaishi e elenco Iluminação: Paulo César Medeiros Direção Musical: Márcio Vianna e Daido Takaishi Preparação Corporal: Claudia Mele Elenco: Ana Elise Pôppe, Ana Luiza Magalhães, Alexandre Carrazzoni, Claudia Mele, Evandro Melo, Eduardo Laus, Lalo Gama, Maja Vargas, Mário Janini, Marluce, Nora Benayon, Rakel Libório e Stela Guz. O presente dura pouco tempo Vincent e Confessional foram montados simultaneamente. Os dois espetáculos tratavam da vida de Van Gogh, inspirados nas 821 cartas que ele escreveu para o irmão. Márcio escolheu a vida do pintor, pois lhe sugeria uma reflexão sobre o fracasso. “A gente percebe que as biografias sobre Van Gogh são sempre muito romanceadas. Mas quando se vai ao único fato concreto - as cartas trocadas com o irmão Theo - vemos que é uma historia sem glamour nenhum, muito dolorosa. Na peça não é exaltada a genialidade do artista e sim o descompasso de uma vida solitária e obscura.” (Jornal O Globo, entrevista. 01/10/1990) Confessional realizado para 13 pessoas sentadas em confessionários e Vincent em palco italiano com uma platéia de 130 lugares. Os atores saiam do Confessional e iam de ônibus para Vincent com um intervalo de apenas 1 hora. Márcio recomendava que os espectadores vissem os dois espetáculos no mesmo dia. Processo de ensaio Antes de iniciar os ensaios Márcio realizou uma oficina de três meses de duração com duplo objetivo: fazer uma primeira seleção de elenco e saber se sua proposta de trabalhar com a estrutura de um confessionário realmente poderia funcionar. Muitas imagens foram levadas para servir como inspiração aos personagens. Márcio trazia fotos com posturas idealizadas para a composição das figuras, e o trabalho corporal era desenvolvido em cima das imagens. A preparação corporal foi dirigida por duas atrizes do elenco – Claudia Mele trabalhou no Confessional e Ana Luiza no Vincent. Mais uma vez na trajetória de Márcio um personagem masculino foi vivido por uma mulher, porém desta vez houve uma explicação: “Van Gogh é vivido por uma atriz, pois a mulher compreende melhor o universo do personagem.” (Caderno de ensaio) O presente dura pouco tempo Segue anotações de Márcio sobre os espetáculos O presente dura pouco tempo O presente dura pouco tempo Segue carta aos atores O presente dura pouco tempo O presente dura pouco tempo O presente dura pouco tempo Críticas Jornal do Brasil 09 de outubro de 1990 O presente dura pouco tempo Jornal O Globo 09 de outubro de 1990 O presente dura pouco tempo Jornal Tribuna da Imprensa 15 de outubro de 1990 O presente dura pouco tempo Farra dos Atores O presente dura pouco tempo Quando escreverem minha história, dirão que pouco antes de morrer me vi diante de Deus e disse: Eu, que tantos homens fui em vão, quero ser um e eu. E a voz de Deus responderá: Shakespeare, eu tampouco sou. Sonhei o mundo como tu sonhaste tua obra teatral. E entre as formas de meu sonho estás tu, que como eu és muitos e não és ninguém. (Fragmento de texto da farra, adaptação de Jorge Luis Borges) O presente dura pouco tempo Audiência de Instrução e Julgamento do Ator Brasileiro Casa França-Brasil (RJ) – 12 de Janeiro/1991 Direção: Márcio Vianna Cenários e Ambientação: Luis Pizarro Elenco: Grupo A Contrador, Oficina de Teatro do MAM-RJ e Grupo Coral Aequale. A proposta de se montar Audiência de Instrução e Julgamento do Ator Brasileiro nasceu na oficina “O Desejo do ator” promovida no Galpão das artes do MAM. No release vinha escrito: “Uma instalação cênica aberta ao público com a participação de 25 atores, do coral Aequale e do artista plástico Pizarro.” Esta Farra contou com uma colagem de trechos de Borges, peças de Shakespeare, entrevistas com atores e até transcrições da sentença do caso Bateau Mouche. Cada ator entrevistou dois atores brasileiros (alguns residentes no Retiro dos artistas e outros ainda exercendo a profissão) com apenas duas perguntas – “qual era o desejo e o erro principal de cada um” - e escolheu um personagem da dramaturgia mundial para vivenciar durante as 6 horas de duração da apresentação. O presente dura pouco tempo O Teatro do Fim do Mundo CCBB-RJ – 23 de Fevereiro /1991 Elenco: Grupo A Contrador, Oficina de Teatro do MAM-RJ e Grupo Coral Aequale Nesta segunda versão foram cinco horas seguidas de Farra. O trajeto foi entre a Candelária e a Rua Primeiro de Março, no Rio de Janeiro. Das 15h às 17h o elenco começou a se aquecer numa sala fechada do CCBB, para já exausto entrar em cena com O Teatro do Fim do Mundo - uma remontagem de Audiência de Instrução e Julgamento do Ator Brasileiro. O presente dura pouco tempo Belém/Brasília/Bucareste Casa França Brasil (RJ) - 06 de Abril /1991 Elenco: Grupo A Contrador, Oficina de Teatro do MAM-RJ e Grupo Coral Aequale Esta Farra, com 10 horas de duração, seguiu os mesmos moldes das duas anteriores. “A eterna procura do ser humano por algo ou alguém sem ao menos saber o porque e para que. A corrida diária dos perdidos que não sabem nem de onde vêm e nem para onde vão.” (Release do espetáculo) Farra dos Atores Teatro João Caetano (RJ) – 29 de maio /1993 Direção Geral: Márcio Vianna Iluminação: Paulo César Medeiros Elenco: Antonio Abujamra, Carla Marins, Claudia Mele, atores do Céu – Centro de Utopias e da Oficina do João Caetano. Cantores: Grupo Vozes Contemporânea e Coral Aequale Regência do maestro André Protásio Com o nome oficial de Farra dos Atores, esta foi a quarta Farra e aconteceu dois anos depois da primeira, como comemoração dos 180 anos do Teatro João Caetano. Com 40 atores e 26 cantores, esta maratona cênica teve seis horas de duração e 21 cenas. “Nesta Farra a maioria dos textos foi extraída de entrevistas feitas com mais de 60 atores brasileiros consagrados e experientes que responderam a pergunta - O que você gostaria de estar fazendo no último dia da temporada teatral de 1999? O resultado dessas perguntas é um painel da desesperança e das utopias do ator brasileiro.” (Release de Márcio Vianna) O presente dura pouco tempo Farra dos Atores 1º Porto Alegre em Cena: Oficina do Gasômetro - 24 de setembro de 1994 2º Porto Alegre em Cena: Oficina do Gasômetro - 18 de setembro de 1995 As Farras realizadas no Festival de Teatro de Porto Alegre foram a partir de uma oficina de cinco dias oferecida por Márcio e atores do Rio para os atores locais tiveram quatro horas de duração. O presente dura pouco tempo Segue roteiro da Farra O presente dura pouco tempo Ambulâncias na Contramão Estréia: Espaço do Museu da República (RJ) – 20 de Junho /1995 Temporada: junho / agosto Trechos de poetisas nacionais contemporâneas como Cecília Meireles, Elisa Lucinda, Adélia Prado, Ana Cristina César, entre outras. Elenco: Grupo Muito de Prazer Cinco anos depois da primeira apresentação, em outro momento da carreira e com a Cia de Teatro Muito Prazer, Márcio criou uma Farra compacta (com duas horas) de nome Ambulâncias na Contramão e ficou em cartaz durante dois meses. O presente dura pouco tempo O Caso dos Irmãos Feininger O presente dura pouco tempo “O olhar pode ser visto como o ato físico de se ver, como o objeto que é visto, ou como o sujeito que olha. O olhar de um incêndio não é o mesmo do ponto de vista de uma testemunha e o do incendiário. Ou o de um parente de quem morreu queimado. E não há hierarquia entre esses pontos de vista.” (Trecho do diário de viagem de Márcio Vianna – 1996) Estréia: Centro Cultural Banco do Brasil (RJ) - 02 de Abril /1991 Temporada: abril / maio Direção: Márcio Vianna Criação coletiva: Grupo A Contrador Elenco: Claudia Mele, Giselda Mauler, Eduardo Laus, Eduardo Rieche, Nora Benayon, Evandro Melo e Marluce Fabíola. Uma peça com sete atores e um violinista para seis espectadores. Baseado numa situação fictícia de tribunal, o fato acontecido e julgado era a respeito de uma suspeita relação incestuosa entre dois irmãos - filhos de Feininger, um filosofo já falecido. A argumentação foi construída em cima do conflito ético entre a obrigação da imprensa de informar fatos relevantes sobre uma personalidade pública e o direito à privacidade dos respectivos familiares. Os personagens envolvidos eram o casal de irmãos, a mãe, a jornalista interessada em publicar o caso, o editor do jornal, o melhor amigo e a ex-mulher do irmão. Processo de ensaio Márcio apresentou o esqueleto da argumentação e o texto foi construído pelos atores em improvisos. As questões trabalhadas constantemente durante os ensaios eram, desta vez, apoiadas no discurso da palavra: Como estimular a discussão? E como colocar voz no espectador estimulando uma atitude ativa? O presente dura pouco tempo Críticas Jornal O Globo 08/04/1991 O presente dura pouco tempo Jornal do brasil 10 de abril de 1991 O presente dura pouco tempo Coleção de Bonecas O presente dura pouco tempo “Sei que a obsessão pela experiência faz com que minha carreira seja feita de um acúmulo de incoerências, mas estou disposto a correr riscos, sem eles não há teatro.” (Jornal O Globo, entrevista. 05/02/1995) O presente dura pouco tempo Estréia: Teatro da Aliança Francesa Botafogo (RJ) – 06 de Junho /1991 Temporada: junho / julho Texto e Direção: Márcio Vianna Dramaturgia baseada em versão livre de “As Mil e Uma Noites” Cenários e Figurinos: Doris Rollemberg Iluminação: Paulo César Medeiros Preparação Vocal: Ana Horta Consultoria Musical: Ivan Werneck Assistente de Direção: Paula Horta Programação Visual: Doriana Mendes e Eduardo Rieche. Arte: Miguel Mendes Reis. Máscaras: José Maçaira. Pintura Artística: Rui e Carla Braga. Cabeças do Figurino: Carlos Alberto Nunes Fotos: Márcio Vianna. Elenco: Ana Zibecchi, Cláudia Mele, Doriana Mendes, Eduardo Rieche, Evandro Melo, Leonel Brum, e Márcia Veiga. A clássica aventura de Sherazade serviu de ponto de partida para esta montagem. Na história original um rei desconfiado casa-se com uma mulher por dia e, na manhã após a noite de núpcias, decapita a noiva para não ser traído. Sherazade casa-se com o rei e, para não perder a cabeça, conta histórias maravilhosas que sempre continuam no dia seguinte. Depois de mil e uma noites ouvindo histórias como as de Simbad, o Marujo e, Aladim e a Lâmpada Mágica, o rei, já com três filhos de sua mais sábia esposa decide ficar com Sherazade inteira e feliz para sempre. “Não pegamos um texto, mas um pretexto. Estudamos as Mil e Uma Noites, nos concentrando na história básica de Sherazade, tiramos alguns personagens e criamos outros novos” Os contos criados se inspiraram também nos escritos do filósofo Cioran, uma constante referência nos ensaios de Márcio. “As Mil e Uma Noites trata de temas básicos da humanidade, como amor, traição, êxito material e espiritual. No texto, além do que lemos, também colocamos histórias nossas, as paixões e traições de cada um de nós.” (Jornal do Brasil Caderno B, 06 /06/1991) O presente dura pouco tempo Processo de ensaio Os ensaios começaram apenas com o monólogo final da peça. Duas perguntas eram recorrentes durante o processo: “O que você diz para uma pessoa que acabou de trair?” e “O que é orgia?” Márcio propunha uma exploração da personalidade e fusionava os personagens com os atores na construção do texto. Nas primeiras semanas, todos os dias, os atores eram obrigados a escrever poesias e ler em voz alta. Também levavam imagens e objetos pessoais que estavam presentes na vida deles neste momento. No segundo mês de ensaio os atores tinham que compor uma música, fazer desenhos a partir de algo que despertava saudades, trazer retratos de imagens que emocionavam, objetos que despertavam maus sentimentos, entre outros estímulos emocionais. Ao longo do processo cada ator ganhava os seus textos separadamente. A narrativa do espetáculo foi dividida em dois blocos: oriental e ocidental. No oriental entravam os personagens e no ocidental entravam os atores com seus depoimentos desenvolvidos em cima das seguintes situações: 1) Descreva 5 punições para uma traição. 2) Narre momentos de paixão. 3) “Ele(a) vem vindo para dizer que te traiu” 4) “Ele(a) vem vindo para te dizer adeus” 5) Desencontro 6) Reencontro 7) Porque eu te traí. O texto final era composto por pequenos monólogos. O presente dura pouco tempo Críticas Jornal O Globo 22/06/1991 O presente dura pouco tempo Jornal O Dia 22/06/1991 O presente dura pouco tempo Jornal do Brasil 25/06/1991 O presente dura pouco tempo Circo da Solidão O presente dura pouco tempo Conheci Werther no dia 27 de outubro, há seis anos atrás, por volta das dez da noite, quando ele veio sentar-se à nossa mesa de bar. Sua paixão pelo teatro o levava a idéias e emoções crescentemente absurdas. Naquela noite ele afirmou: “Aqui entre nós, há, na Alemanha, muitos atores e diretores que torturam o cérebro para transformar o teatro. São uns tolos, porque nunca chegaram à loucura lógica da reforma essencial. O teatro deve-se, antes de tudo, desprezar, imediatamente, e até o último, todos os atores profissionais. O realismo radical não pode tolerar ficções imorais.” (Trecho da peça) O presente dura pouco tempo Estréia: Centro Cultural Banco do Brasil (RJ) - 10 de Janeiro /1992 Temporada: janeiro / fevereiro Dramaturgia e Direção: Márcio Vianna Baseado em Werther de Goethe, com citações a Brecht, Rilke, Roland Barthes e Shakespeare. Ambientação: Tadeu Burgos Iluminação: Márcio Vianna Figurino: Ricardo Venâncio Preparação corporal: Rossela Terranova Produção executiva: Paula Horta Direção do Coro: André Protássio Consultoria para trabalho com barro: Celeida Tostes Assistência de direção: Márcia Veiga Elenco: Pedro Paulo Rangel, Ana Zibecchi, Claudia Mele, Paula Horta, Raquel Libório, Ricardo Venâncio, Frederico Paredes Cantores: Deco Fiori, Eduardo Feijó, Éster Benatti, Raquel Benatti, Guilherme Frederico, Malu Cooper, Malu Prates. De acordo com o release da peça – “Circo da Solidão é um espetáculo sobre Werther e outros que matam por paixão a partir de textos de Goethe, Barthes, Borges, Papini, Brecht, Sheakspeare e Rilke.” A peça propunha retratar imagens do amor destrutivo e atormentado tendo como base o personagem Werther de Goethe em seus três minutos antes do suicídio, motivado pela paixão não correspondida por Charlotte. Eram três Werther, sendo que dois vividos por atrizes. Todo o espetáculo era centrado no encontro do personagem consigo mesmo - precisamente nos três minutos antes da escolha entre viver ou morrer. Em cena o duelo feminino entre um Werther ator e um Werther escultor – entre o jovem e o que está próximo de se matar. O Werther masculino, interpretado por Pedro Paulo Rangel, conduzia o processo acusatório encarregado de culpar Werther pelos seus passos. “Eu quero mostrar as imagens que passaram pela cabeça e pelo coração do personagem nos três minutos anteriores à sua morte” dizia Márcio. 10/01/1992 ) (Jornal do Brasil, entrevista. O presente dura pouco tempo Processo de ensaio Os ensaios começaram com a distribuição de fragmentos de textos sobre a paixão. Cada dia era entregue textos diferentes para serem lidos, além de depoimentos pessoais sobre a paixão. Foram feitos intensos trabalhos com barro e o processo foi considerado extremamente visceral para os atores. Pedro Paulo Rangel foi ator convidado para a montagem e como trabalhava pela primeira vez com o diretor, tinha momentos de pânico diante da capacidade de Márcio para o improviso e para mudanças repentinas no espetáculo como um todo. O presente dura pouco tempo Críticas Jornal O Globo 16/01/1992 O presente dura pouco tempo Jornal da Tribuna 15/01/1992 O presente dura pouco tempo Jornal O Dia 31/01/1992 O presente dura pouco tempo Jornal do Brasil 14/01/1992 O presente dura pouco tempo Imaginária O presente dura pouco tempo “A coisa mais medíocre do mundo é a modalidade inelutável do visível” (trecho do programa escrito por Geraldo Carneiro) O presente dura pouco tempo Estréia: Espaço Cultural Sergio Porto (RJ) - 06 de Agosto /1992 Temporada: 06 a 30 de agosto Texto: Geraldo Carneiro Direção Geral: Márcio Vianna Concepção Cênica: Márcio Vianna e Márcia Veiga Iluminação: Márcio Vianna Música Original: Wagner Tiso Produção Sonora: Paulo Henrique Cardoso e Betinho Participação especial em áudio: Vera Holtz e Antonio Abujamra Duo de Sopranos: Malu Cooper e Malu Prestes Direção do Duo: André Protássio Quarteto Vocal: Ana Calvente (soprano), Luis Cláudio Spielmann (baixo), Marco D`Antonio (tenor) e Sônia Vieira (contralto) Direção do Quarteto: Marco Dàntonio Assistente de Direção: Márcia Veiga Elenco: Bel Kutner, Guilherme Leme, Alexandre de Moraes, Ângela Machado, Arthur Araújo, Camila Mota, Fábio Libório, Isley Clare, Joana Levi, Marcílio Nogueira, Márcia Bittencourt, Márcio Sued, Marco Santos, Maria Paula, Synval Guimarães, Tatiana Vereza. Imaginária, escrita por Geraldo Carneiro e dirigida por Márcio Vianna, foi a primeira peça encenada completamente no escuro em palcos brasileiros. A peça, com pequenas histórias costuradas, narrava o encontro de um cego com sua amante de olhos perfeitos. O encontro é num quarto de motel onde o personagem principal vive seus delírios e narra cinco histórias com citações diversas como a lenda da Rainha de Sabá e O Apocalipse. Processo de ensaio Os ensaios começaram já com o texto escrito por Geraldo Carneiro. Somente os atores principais – Bel Kutner e Guilherme Leme possuíam texto. O processo, com o grupo de atores, foi todo realizado através de exercícios com os olhos vendados supervisionados por Rossela Terranova. O presente dura pouco tempo Críticas Revista Time 31/08/1992 O presente dura pouco tempo Jornal do Brasil 15/08/1992 O presente dura pouco tempo Jornal O Globo 26/08/1992 Jornal O Dia 07/08/1992 O presente dura pouco tempo O Livro dos Cegos O presente dura pouco tempo A cor da pele muda quando se sente vergonha? Sim, fica um pouco vermelha. E quando se está apaixonado? Não. E quando se chora muito? Também não. E quando se morre? Aí o corpo fica pálido. O que é pálido? É como se o corpo perdesse um pouco a cor. É verdade que os lábios ficam pretos? É... azul escuro. Da cor do céu quando entardece? E o que é o céu? Coloque a mão no chão. Agora levante o braço...mais alto...o mais alto que puder...isso é o céu. (Texto da peça) O presente dura pouco tempo Estréia: Espaço Cultural Sérgio Porto (RJ) – 18 de Dezembro/1992 Temporada: 18 a 30 de dezembro Direção e Dramaturgia: Márcio Vianna. Cenário e Figurinos: Ricardo Venâncio Música e Direção Musical: Tim Rescala Direção do Coro: André Protássio. Soprano: Malu Prates. Assistência de Direção e Vídeo: Alexandre Garcia. Elenco: Ana Elisa Paz, Alexandre de Moraes, Ângela Machado, Arthur Araújo, Carla Marins, Claudia Mele, Camila Mota, Eliane Abreu, Fábio Libório, Flávia Vitralli, Gabriela Azevedo, Isley Clare, Jaqueline Revoredo, Joana Levi, Luciana Martins, Márcio Sued, Marcos Santos, Maria Paula, Murilo Elbas, Ramon Mendonça, Rachel Pando, Sabina Aguiar, Sylvia Pallma, Synval Guimarães, Tataina Vereza, Uramar Farias, Vanessa Bond, Vilma Fróes e Yara Victória. Para montar O Livro dos Cegos Márcio e os atores mergulharam em depoimentos de deficientes visuais, médicos e diretores de teatro. O espetáculo, assim como Imaginária, também se passava todo no escuro. A história construída era a respeito de uma cega de nascença que tinha duas obsessões: fazer teatro e enxergar. Ela, que se identifica com a visão de mundo de Vincent Van Gogh, deseja interpretar o pintor numa montagem do próprio Márcio Vianna. Eis que de repente ela está numa mesa cirúrgica e delírios são vividos durante a operação. Márcio dizia querer desnundar a imaginação e a ansiedade dessa jovem. “Uma homenagem a todos os atores que não têm medo do escuro e aos espectadores disponíveis à aventura teatral.” (Jornal do Brasil, entrevista. 18/12/1992) Foram inseridos no texto cartas de Van Gogh, textos de Cioram e Jorge Luis Borges. “A busca do cego é igual a da maioria dos atores jovens: a busca de ser capaz. É ai que há o encontro com Van Gogh - na sua luta para não ser um fracassado. Me seduz discutir se teatro é só para pessoas ditas normais ou para qualquer tipo de pessoa.” (Jornal O Globo, entrevista. 29/10/1992) O presente dura pouco tempo Processo de ensaio Foram quatro meses de ensaio onde os atores com olhos vendados realizaram passeios literalmente “às cegas” pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro. O objetivo era desvendar o universo e as sensações dos deficientes visuais. O processo de trabalho, de uma forma indireta, pretendia apreender o período de adaptação à cegueira que passam os que ficaram cegos depois de terem enxergado um dia. “Com o cego de nascença seria diferente, pois ele não tem referencia, então não tem a perda” explicava Márcio. O presente dura pouco tempo Críticas Jornal do Brasil 30/12/1992 O presente dura pouco tempo Jornal do Brasil 20/12/1992 O presente dura pouco tempo Jornal O Globo 21/12/1992 O presente dura pouco tempo 1999 O presente dura pouco tempo Quando você corre na frente de várias pessoas, você é o guia ou o fugitivo? Se alguém estende a mão, você é o que olha, o que desvia o olhar ou o que estende a mão? Quando você trai alguém, você representa o papel do sincero, do comediante ou da vítima? Você prefere ir junto com os outros ou ir mais adiante? Ou caminhar só? (texto da peça) O presente dura pouco tempo Estréia: Teatro Gláucio Gil (RJ) – 01 de Outubro /1993 Temporada: outubro / dezembro Direção: Márcio Vianna Cenário e Figurino: Teca Fichinski Iluminação: Paulo César Medeiros Trilha sonora: Márcio Vianna Preparação corporal: Duda Maia Produção executiva: Filomena Mancuzo Elenco: Carla Marins, Ana Elisa Paz, Claudia Mele, Synval Guimarães, Artur Ribeiro, Isley Claire, Camila Motta, Paulo Leonel, Ana Paula Jones, Murilo Elbas, Tatiana Vereza, Joana Levi. 1999 foi o segundo espetáculo do projeto de ocupação do Teatro Gláucio Gil pelo Grupo A Contrador, dirigido por Márcio Vianna, e era apresentado após as sessões da peça O Futuro dura muito Tempo, paralelamente em cartaz. Márcio definia o espetáculo como a trajetória de um grupo de pessoas que tentam falar do nosso tempo, levantando questões acerca do que seja o homem de hoje. “Acredito que já estamos em 1999 - a falta de crença, a solidão e a violência. Nunca o homem acreditou tão pouco na possibilidade de melhorar o mundo e isso certamente está determinando sua identidade. Ao mesmo tempo, o mundo nunca mudou tanto.” (Jornal da Tribuna, entrevista. 01/10/1993) O presente dura pouco tempo Processo de ensaio No primeiro dia de ensaio Márcio sabia apenas que queria falar, com um olhar violento, sobre o fim do século. E propôs a simulação de uma partida de futebol americano onde os atores corriam e se jogavam com violência no colo um dos outros. Muitos exercícios baseados nas Farras de Atores foram realizados durante os oito meses de ensaio. Márcio selecionava fotos publicadas em jornais e revistas e trabalhava em cima delas com os atores. “São fotos que refletem o homem desse tempo. A partir delas, as cenas foram construídas.” (Caderno de ensaio) O elenco foi a uma exposição sobre o holocausto no Museu de Belas Artes – Um dia no gueto de Varsóvia. Cada ator ficou responsável por criar um exercício inspirado em uma imagem da exposição. Outras imagens de massacres foram trabalhadas, além de entrevistas com pessoas torturadas durante a ditadura de 64. O objetivo de Márcio era dar pessoalidade a essas imagens. “O olhar contemporâneo não se comove mais”, desabafava nos ensaios. Durante os primeiros meses trabalhou-se em cima dessas imagens e fragmentos de textos baseados em obras de Nietzsche e Focault. Foram realizados desenhos de cenas e reflexões sobre os textos estudados. “Os textos definitivos só entraram depois do quarto mês em forma de `Propostas´ e eram totalmente filosóficos, não colavam com as cenas viscerais e caóticas” definia Claudia Mele, atriz da peça. Márcio, no dia da estréia, insatisfeito com o resultado, cortou todos os textos da peça, mantendo apenas um texto ensaiado. Os atores ficaram indignados com a decisão. O presente dura pouco tempo Críticas Jornal O Globo 15/10/1993 O presente dura pouco tempo Jornal do Brasil 17/09/1993 O presente dura pouco tempo O Futuro Dura Muito Tempo O presente dura pouco tempo A vida ainda pode apesar de seus dramas, ser bela. Tenho 67 anos. Eu que na juventude não fui amado por mim mesmo sinto-me jovem como nunca, ainda que a história deva acabar brevemente. Sim, Hélène, não quero falar do passado, não sei o que é esse tempo havido e vencido, eu estou falando do futuro, e o futuro querida, o futuro ainda dura muito tempo. (trecho da peça) O presente dura pouco tempo Estréias: Teatro Gláucio Gil (RJ) – 03 de Setembro / dezembro /1993 Teatro Ruth Escobar (SP) – 15 de janeiro / 13 de fevereiro /1994 Teatro Dulcina (DF) – 06 de outubro / 09 de Outubro /1994 III Festival de Curitiba (PR) - Março-1994 1° Porto Alegre em Cena (RS) - Setembro/1994 Prêmios: Mambembe Rio - Ator: Rubens Corrêa Mambembe São Paulo – Ator: Rubens Corrêa Cenário: Teca Fichinski Shell – Ator: Rubens Corrêa Diretor: Márcio Vianna Cenário: Teca Fichinski Iluminação: Paulo César Medeiros. Direção Geral: Márcio Vianna Cenário e figurino: Teca Fichinski Iluminação: Paulo César Medeiros. Direção Musical: Marcito Vianna e Márcio Vianna Preparação Corporal: Rosella Terranova Assistente de Figurino, Cenário e Produção: Vânia Sálvia Esculturas: Firmo dos Santos Assistente de Direção: Thais Publio Elenco: Vanda Lacerda e Rubens Corrêa. O espetáculo O Futuro dura muito tempo foi livremente criado a partir do livro homônimo de Louis Althusser. O livro é uma reflexão do filósofo sobre sua vida, seu amor por Hélène, sua obra e seu ato: As oito da manhã de 16 novembro de 1980, um assassinato abalou os meios universitários parisienses. Na Escola Normal Superior, onde lecionaram, entre outros, Henri Bérgson e Jean-Paul Sartre, o filósofo e professor Louis Althusser, um dos nomes mais famosos da instituição nos anos 60 e 70, saiu correndo aos berros de seu apartamento, parou na porta da universidade e gritou aos professores e alunos que O presente dura pouco tempo chegavam para as aulas: “Estrangulei Hélène. Matei minha mulher”. Embora tenha sido considerado juridicamente não responsável no momento do crime (teria sido vítima de um acesso temporário de demência), a brilhante vida acadêmica do professor foi interrompida. Ninguém sabe ao certo porque o filosofo matou sua mulher. A sociedade francesa preferiu aceitar a loucura de um de seus mais lúcidos intelectuais, deixando-o recluso até morrer, em 1990, aos 72 anos. Antes de morrer, num asilo na periferia de Paris, Louis Althusser entregou a uma amiga um manuscrito de 323 laudas. O texto, cujo título é uma frase do general e estadista francês Charles de Gaulle - O Futuro dura muito tempo - começa dizendo: “é provável que se julgue chocante eu não me resignar ao silêncio depois do ato que cometi (...)” Processo de ensaio No primeiro encontro com Márcio, Rubens fez um pedido imprescindível: convidar a atriz Vanda Lacerda para viver Hélène. Márcio idealizava convidar uma atriz jovem para o personagem, mas Rubens argumentou que precisava de uma atriz com idade real em cena. Os ensaios começaram com textos soltos inspirados no livro. Os atores criavam cenas em cima desses textos. O processo todo durou três meses, alguns ensaios eram realizados somente com Rubens Correa. As cenas foram organizadas em forma de texto com dois meses de ensaio. Márcio mudou a ordem do espetáculo até a semana final. Rubens e Vanda trabalharam com Rossela Terranova a idéia de um corpo em escavação para dentro de si mesmo. O presente dura pouco tempo Críticas Jornal do Brasil 19/09/1993 O presente dura pouco tempo Jornal O Globo 12/09/1993 O presente dura pouco tempo Jornal da Tribuna 03/09/1993 O presente dura pouco tempo Jornal O Dia 30/09/1993 O presente dura pouco tempo Jornal da Tarde (SP) 19/01/1994 O presente dura pouco tempo Jornal Estado de São Paulo 21/01/1994 O presente dura pouco tempo A Alma quando sonha é teatro O presente dura pouco tempo A alma quando amadurece é história. Quando se explica, é ciência. Quando se arrepende, é consciência. Quando se emociona, é arte. E, quando sonha, a alma é teatro. (texto da peça) O presente dura pouco tempo Estréia: Teatro Carlos Gomes – 20 de Novembro /1994 Temporada: Novembro / Dezembro Texto e Direção: Márcio Vianna Cenários, figurinos e adereços: Teca Fichinski Iluminação: Paulo César Medeiros Direção musical: Marcito Vianna Preparação mímica: Álvaro Assad Produção executiva: Lu Fraga Assistência de direção: Marcito Vianna Atores convidados: Catalina Bonaki, Lícia Magno, Norma Geraldy, Paulo Porto, Vanda Lacerda, Yara Victória Elenco: Adriana Quadros, Álvaro Assad, Andréa Pinheiro, Bruno Patitucci, Catlin Stuckenbruck, Eduardo Colombiano, Gabriela Buono, Gabriela Duvivier, Gisah Ribeiro, Isadora Ferrite, José Karini, Monica Assis, Nelson Moreira, Ramon Mendonça, Suzana Mota, Tânia Lenka Márcio Vianna foi convidado para dirigir a montagem de formatura de uma turma de alunos da CAL. Para isso, reuniu no mesmo palco atores iniciando a carreira profissional e seis atores experientes, representantes da geração mais antiga ainda em atividade no Teatro brasileiro. O texto era baseado em depoimentos de atores sobre as dores e as alegrias do ofício de ser ator de teatro. Os atores formandos recolheram depoimentos dos atores mais velhos e reproduziam no palco. Os atores, representantes da velha geração, testemunhavam seu amor ao teatro representando personagens de sua preferência. Também foram utilizados fragmentos dos seguintes textos: Palavra de Deus livremente inspirado na lenda narrada pelo encenador Peter Brook em The Shifting Point, texto sobre “a condição feminina da arte de representar” livremente inspirado na autobiografia da atriz Sarah Bernardht, Romeu e Julieta de William Shakspeare, Woyzeck de George Büchner, Maria Caxuxa de Juracy Camargo, Teste para a escola de teatro extraído da autobiografia de Ingrid Brgman, “a última cena do velho palhaço” livremente inspirado no poema de Jorge Luis Borges, Manifesto do Dia Internacional do Teatro de Magno Bucci. O presente dura pouco tempo Processo de ensaio Todo o processo foi baseado em entrevistas feitas a antigos e consagrados atores de teatro. Os atores receberam um modelo de folha de entrevista onde constava: Ator entrevistador: Ator entrevistado: Idade: Profissão: “Qual o último texto e as últimas frases que você gostaria de dizer no palco antes de encerrar a carreira de ator/atriz?” O presente dura pouco tempo Segue depoimento de Rubens Correa O presente dura pouco tempo Crítica Jornal Tribuna da Imprensa 25/11/1994 O presente dura pouco tempo O Último Bolero O presente dura pouco tempo Aproveitei que estava Cortando cebola Dei pra chorar por tudo A faca implacável Separando rodelas Que se dividiam, dividiam A mãe, o pai, o avô A casa, o que se perdeu E o quase. No jantar ninguém Notou Mas comeu Carne temperada Com cebola e lágrimas. (Hóstia - poema de Maria Helena Elle) O presente dura pouco tempo Estréia: Porão da Casa de Cultura Laura Alvim (RJ) – 07 de Junho /1995 Temporada: junho / agosto Direção: Márcio Vianna Poesias de: Arlete Heringer, Cândida Ortiz, Carmem Moreno, Dayse Mary de Andrade, Elisa Lucinda, Elisa Pragana, Helena Ortiz, Ilka Matheus, Leila Miccolis, Liane Orzenchowsky, Maria Lucia Simões, Maria Helena Elle, Mônica Prinzac, Pámela Ramón, Paula Ferrin, Rosa Maria Biancardi, Tânia Azevedo e Tatiana Wells. Seleção do Poemas: Grupo Muito Prazer. Figurino: Teca Fichinski Elenco: Adriana Diniz, Álvaro Assad, Andréia Ribeiro, Daniela Milan, Eduardo Colombiano, Isadora Ferrite, Joana Skiavini, Jorge Soares, Julia Maria Koch, Leonel Brum, Márcio Vianna, Mônica Prinzac, Pámela Ramón, Rodrigo Lima, Ronaldo Serruya, Sabrina Sulam, Teca Fichinsky e Tereza Sequerra. O Ultimo Bolero foi a primeira peça bem humorada do diretor. O espetáculo, com um elenco de 18 atores era uma colagem de poemas de autoras contemporâneas brasileiras pouco conhecidas. A platéia restrita a 25 lugares, assistia a um desfile de poemas que traziam à tona a mulher contemporânea - mulheres apaixonadas, abandonadas, casadas, traídas, com relacionamentos complicados com os pais e ou filhos. Márcio fez sua estréia nos palcos e trabalhou como ator. Processo de ensaio O processo foi super rápido e objetivo. Os próprios atores fizeram uma pesquisa de autoras contemporâneas que escreviam sobre a mulher. Durante um mês e meio de ensaio foram apresentados e lidos centenas de poemas. A escolha dos textos foi feita em conjunto onde cada ator propunha os textos que gostaria de falar. Não houve crítica. O presente dura pouco tempo Meu Pai Voa! O presente dura pouco tempo “Quais são as grandes datas de sua vida?” Sim, cada pessoa é como uma guerra ou um país: Pode ser entendido a partir de suas grandes datas. E quais são as suas grandes datas? Elas estão no passado ou no futuro? Ou seja, a grande festa de sua vida já acabou O presente dura pouco tempo Estréia: Museu da República (RJ) – 19 de Maio /1995 Temporada: maio / julho Texto e Direção: Márcio Vianna Cenário e Figurino: Teca Fichinski Iluminação: Paulo César Medeiros Direção Musical: Marcito Vianna Assistente Direção: Mônica Prinzac Elenco: Gabriela Buono, Ramon Botelho, Synval Guimarães e Isadora Ferrite. Meu Pai Voa foi a estréia de Márcio Vianna como autor - o primeiro espetáculo com um texto totalmente seu. O texto gira em torno da relação de um filho com o pai que se encontra à beira da morte. Processo de ensaio O processo começou com um esboço bem desenvolvido do texto. Durante algumas semanas Márcio tinha somente uma idéia embrionária do que desejava. Optou então por fazer reuniões de leitura com os quatro atores do elenco e foi assim que, em um mês, o texto de Meu Pai Voa estava totalmente pronto. Os ensaios foram em cima do texto - dividido em cenas. As cenas foram trabalhadas de acordo com uma “linha de estados de emoção” – cores foram escolhidas para cada cena e em uma “linha cronológica” os estados de emoção dos personagens deviam se transformar de acordo com as cores. Durante uma semana os ensaios foram em Trancoso – litoral da Bahia – onde os atores, em busca de emoções diferenciadas e lúdicas, ensaiavam na areia e dentro do mar. O presente dura pouco tempo Crítica Jornal do Brasil 20/06/1995 O presente dura pouco tempo O Lado Fatal O presente dura pouco tempo Insensato eu estar aqui, e viva. O rosto dele me contempla vincado e triste no retrato sobre minha mesa; em outros, sorri para mim, apaixonado e feliz. Insensato, isso de sobreviver: mas cá estou, na aparência inteira. Vou à janela esperando que ele apareça e me acene com aquele seu gesto largo e generoso, que ao acordar esteja ao meu lado e que ao telefone seja sempre a sua voz. Sei e não sei que tudo isso é impossível, que a morte é um abismo sem pontes (ao menos por algum tempo). Sobrevivo, mas pela insensatez. (trecho do livro O Lado Fatal) O presente dura pouco tempo Estréia para convidados: Teatro do SESI (RJ) – 15 novembro de 1995 Temporada: Teatro Sesc Anchieta – abril de 1996 Texto: Lya Luft Criação e Direção: Márcio Vianna Preparação corporal: Rossela Terranova Cenário e Figurino: Teca Fichinski Iluminação: Paulo César Medeiros Direção musical: Marcito Vianna Produção: Arcy Quinhões Assistência de direção: Joana Skiavini Elenco: Beatriz Segall O livro Lado Fatal foi escrito por Lya Luft em 1988 após a morte do psicanalista Helio Pellegrino com quem viveu durante 2 anos e 3 meses. Márcio procurou a autora e propôs um projeto para o teatro. “O livro me afetou profundamente, os poemas falam da dor da alma.” O diretor acreditava que embora o livro não tivesse sido concebido para o teatro, no conjunto dos poemas havia um texto teatral que fala de morte e amor com delicadeza. “O Márcio conseguiu conservar quase que totalmente a ordem que os poemas têm no livro e isso é extraordinário, eu me prontifiquei a fazer textos de ligação entre os poemas, mas isso nem foi necessário”, declarou Lya Luft em véspera das duas únicas apresentações em terra carioca. O espetáculo teve uma estréia não oficial no Rio, apenas para convidados, em função de uma exigência contratual do patrocinador. A estréia oficial estava prevista para alguns meses depois em São Paulo e em seguida voltaria para o Rio. Márcio morreu neste intervalo de tempo e a peça teve apenas uma curta temporada em São Paulo. Processo de ensaio Os ensaios começaram com leituras de mesa do livro Lado Fatal. Lya Luft participou do processo inicial e do processo final. Ao todo foram três meses de ensaio, onde Beatriz Segall aprendeu com a ajuda de Rossela Terranova e Teca Fichinski a trabalhar com o barro, uma vez que atriz dialogava e trabalhava em cima de uma escultura masculina inacabada. O presente dura pouco tempo Crítica Jornal O Estado de São Paulo 20/04/1996 O presente dura pouco tempo Márcio Vianna O presente dura pouco tempo O presente dura pouco tempo “Cada ser humano é um abismo e a gente tem vertigens quando se debruça sobre eles.” Rubens Corrêa, numa conversa com estudantes de teatro, lembrava essa fala de um personagem da peça Woyzec, e afirmava que a missão do ator é provocar, dentro de cada espectador, o abismo e a vertigem de um mergulho em seus personagens. “Para que as pessoas pensem, se emocionem e amem com mais intensidade”, completava Márcio. Rubens e Márcio se transformaram numa dupla. Ambos, depois da peça, idealizavam voltar a trabalhar juntos. Alguns planos foram traçados como a adaptação do livro Hospício é Deus um diário de Maura Lopes Cançado. Rubens viveria Maura, e mais uma vez os limites entre loucura e racionalidade seriam postos em cheque. Rubens e Márcio eram interessados no grande abismo que é a loucura, ali, eles debruçavam-se e se encontravam. “Uns nasceram para subir no balão. Outros ficam embaixo aplaudindo” brincava Márcio. Onde estariam os dois nesse encontro? No último mês da sua vida, Marcio estava se afastando da IBM para viver o sonho de se dedicar integralmente ao teatro. Tinha recém alugado uma casa em Botafogo onde seria sede da Companhia de Teatro Muito Prazer dedicada a ensaios e oficinas. Apenas um mês separou a morte de Rubens e Márcio. Márcio morreu com o sonho de fazer uma homenagem a Rubens, pois havia recém começado a ensaiar. Do dia em que descobriu estar doente ao dia de sua morte – um câncer de cérebro fulminante - foram sete longos dias. No hospital pediu que uma pequena equipe se responsabilizasse pela continuação do projeto. Eu era uma dessas pessoas e junto com Claudia Mele, Marcito Vianna, Teca Fichinski, Caíque Botkai, Paulo César Medeiros e os atores da Companhia de Teatro Muito Prazer realizamos o espetáculo Ex-Teatrum, uma homenagem a Rubens e Márcio. “É por meio da arte que a dor se transforma em luz. É por meio da arte, ainda, que muitos encontram o divino. Por isso, devemos, cada um de nós, tentar buscar nosso dom, nossa própria forma de expressão. Devemos todos, ao menos uma vez na vida, seja como for, seja de que forma for, tomar coragem e subir no nosso próprio banquinho.” (Texto de Márcio Vianna) O presente dura pouco tempo Segue carta de Márcio O presente dura pouco tempo Na passagem de 1995 para 1996, Márcio foi para Paris e me mandou um cartão postal com a foto de três crianças brincando de “plantar bananeira”. No verso vinha escrito: “Que este ano você seja muito feliz e me ajude a virar o teatro de cabeça para baixo. Conto muito com você. Beijos. Márcio.” Agora, em 2003, no exato momento em que encerro esse trabalho, olho para o cartão e entendo que o presente dura pouco tempo, mas o teatro continua virando almas de cabeça para baixo a cada vez que a gente se debruça sobre ele.