ISSN: 2446-7847 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS ANAIS DO II ENCONTRO ACADÊMICO CIÊNTIFICO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS (II EACRI) GOIÂNIA 2014 ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR DA SOCIEDADE GOIANA DE CULTURA Presidente - Dom Washington Cruz, CP Vice-Presidente - Dom Waldemar Passini Dalbello Secretário Geral - Mons. Luiz Gonzaga Lobo ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS Grão-Chanceler - Dom Washington Cruz, CP Reitor - Prof. Wolmir Therezio Amado, CP Vice-Reitora - Profª Olga Izilda Ronchi Pró-Reitora de Graduação - Profª Sônia Margarida Gomes de Sousa Pró-Reitora de Extensão e Apoio Estudantil - Profª Marcia de Alencar Santana Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa - Profª. Sandra de Faria Pró-Reitora de Desenvolvimento Institucional - Profª Helenisa Maria Gomes de Oliveira Neto Pró-Reitor de Administração - Prof. Daniel R. Barbosa Pró-Reitor de Comunicação - Prof. Eduardo Rodrigues da Silva Chefe de Gabinete - Prof. Lorenzo Lago EDITORIAL EDITORIAL II Encontro Acadêmico Científico de Relações Internacionais - A Inserção Internacional da América do Sul: Perspectivas e desafios. Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Av. Universitária, 1069. Setor Universitário. Goiânia, Goiás, Brasil. CEP: 74605-010 Fone: 39461551 Comissão Científica Prof. Me. Danillo Alarcon Prof. Me. Ivan Vieira Neto Prof. Me. Adriano Pires de Almeida Profª. Me. Danyelle de Lima Wood Prof. Dr. Matheus Hoffman Pfreimer Projeto Gráfico e Editoração Final Prof. Me. Danillo Alarcon Rafaella Ribeiro de Aguiar No mundo contemporâneo, a regionalização e a integração são variáveis importantes para analisar a inserção dos países no Sistema Internacional. Nessa perspectiva, o II Encontro Acadêmico Científico de Relações Internacionais (EACRI) surge como uma oportunidade para o estudo aprofundado da América do Sul, região à qual pertencemos, e de quais desafios ela encara na competição por espaço no cenário internacional. É preciso ressaltar que a atuação do Brasil, junto a seus pares e com eles no cenário multilateral global, é fundamental no reordenamento do sistema internacional contemporâneo, que passa por rápidas transformações. Idealizado em 2010, quando fora realizada sua primeira edição, o EACRI busca não só agregar valor aos currículos dos participantes, mas também desenvolver o interesse pela pesquisa acadêmica, estabelecer-se como uma prática regular do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás e, principalmente, trazer a Goiânia os debates mais recentes que fervilham no cenário internacional. É importante ressaltarmos que o EACRI está em Comissão Organizadora Prof. Me. Renzo Nery Prof. Me. Danillo Alarcon Prof. Me. Ivan Vieira Rafaella Ribeiro de Aguiar Larissa Quinelli Guilherme Augusto Carvalho Rafhael de Paulo Daniela Alcalá Mhyrlla Rodrigues consonância com o Projeto Pedagógico do curso de Relações Internacionais da PUC Goiás, e é um dos instrumentos utilizados para se atingir os objetivos do curso, formando um profissional que tem capacidade analítica horizontal e vertical, e capaz de acompanhar e prospectar as transformações políticas, econômicas, sociais e culturais de âmbito nacional e internacional. Prof. Me. Danillo Alarcon Coordenador do Curso de Relações Internacionais Encontro Acadêmico Científico de Relações Internacionais (2: 2014: GOIÂNIA, GO). Anais eletrônico do II Encontro Acadêmico Científico de Relações Internacionais – A Inserção Internacional da América do Sul: Perspectivas e Desafios, 19 a 23 de Maio de 2014. Editor: Danillo Alarcon. Goiânia, GO. Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2014. Vários autores. 1. Relações Internacionais. 2. Política Internacional e Comparada. 3. Produção Científica. 6. Leitura. 7. Educadores. I. Título. II. ALARCON, Danillo SUMÁRIO A COOPERAÇÃO MILITAR NA AMÉRICA DO SUL E O CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO – Ana Luiza Martins Ribeiro...............................................................................................................................6 A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS MISSÕES DE PAZ DA ONU: caso do Timor Leste – Isabela Aquino Fonseca............................................................................................................................16 A HOMOGENEIZAÇÃO DO TRABALHO NO MERCOSUL – Michely Soares Lopes...............................................................................................................................30 ANÁLISE DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO ECONÔMICA: as perspectivas do MERCOSUL – Rafaella Ribeiro de Aguiar..............................................................................................................................39 BRAZIL AS A SEMI-PERIPHERAL COUNTRY: The dual position of trade in services of higher education – Maxwill M. S. A. Braga; Felipe M. S A. Braga…………………………………………………………………………………....53 BRAZILIAN TRADE AND NON-TRADE STRATEGIES OF INTERNATIONALIZATION OF HIGHER EDUCATION – Maxwill M. S. A. Braga; Felipe M. S A. Braga ..................................................…………………………67 INTEGRAÇÃO TERRITORIAL SUL-AMERICANA: o papel da infraestrutura na inserção da Bolívia como ator de destaque – Karoline Moraes Costa................................................................................................................................82 O MUNDO ÁRABE SE MOVIMENTA: da transição demográfica à Primavera Árabe – Fernanda Pulcineli Chrispim de Lima..........................................................................92 TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO: Análise política, econômica e ambiental – Felipe Lobo Duarte....................................................................................107 UCRÂNIA: análise da disputa entre as potências com uma visão crítica do Direito Internacional – Júlio da Silveira Moreira......................................................................118 SECURITIZAÇÃO, CONFLITO, SOCIEDADE E PAZ NOS ESTADOS ALEMÃES DO SÉCULO XIX – Guilherme Augusto Batista Carvalho.........................................................................................................................132 A COOPERAÇÃO MILITAR NA AMÉRICA DO SUL E O CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO Ana Luiza Martins Ribeiro Graduanda em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás [email protected] RESUMO: A cooperação militar é o tema principal deste artigo, com foco na América do Sul, objetivando a análise dos organismos e iniciativas existentes que contribui para esse processo. Busca também analisar o cenário de cooperação apresentando a criação do Conselho Sul-Americano de Defesa, e as funções e contribuições deste. Utilizando a comparação de diversos autores e notícias procurando relatar e analisar a cooperação militar, a fim de se compreender o cenário Sul-Americano no âmbito da segurança internacional. Palavras-chave: Conselho de Defesa Sul-Americano, Cooperação militar, União de Nações Sul-Americana, América do Sul. ABSTRACT: Military cooperation is the main topic of this article, focusing on South America, intending the analysis of the existent organisms and initiatives that contribute to this process. It also seek to analyze the scenery of cooperation showing the creation of the South-American Defense Council, and the functions and contributions of this. Utilizing the comparison of different authors and news searching to explain and to analyze the military cooperation, in order to understand the South-American scenery in the scope of the international security. Key-words: South-American Defense Council, Military cooperation, South American Union Nations, South America. 6 INTRODUÇÃO A América do Sul é uma das regiões mais pacíficas do planeta sem conflitos entre países há algumas décadas, e tendo o costume de resolver as disputas entre Estados através da negociação e de soluções pacíficas. Porém a região enfrenta problemas com relação a crimes transnacionais, como o tráfico de drogas e organizações criminosas. Os últimos conflitos interestatais ocorreram em 1995 (entre Peru e Equador) e em 1982 (Guerra das Malvinas), mas ainda existem disputas fronteiriças entre os Estados da região, fator que atualmente não tem influenciado nas relações entre estes que se mantêm pacificas. Os países sul-americanos buscam resolver seus contenciosos por outras vias que não seja o conflito, principalmente vias legais e em organismos multilaterais. Essa cultura de resolução dos conflitos através das instituições internacionais foi desenvolvida através do século XIX e XX como forma de proteção da soberania dos Estados, que viam nessas instituições uma proteção contra a disputa entre as grandes potências pela influência e até mesmo domínio sobre os países da região. Mas os conflitos internos na Colômbia é um fator preocupante na região, ao se tratar de segurança, o conflito que se iniciou com a criação de dois grupos guerrilheiros (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Farc, e Exército de Libertação Nacional, ELN) no país tem causado temor entre os países vizinhos de uma internacionalização do conflito. Este fato tem atraído à atuação extra-regional no país o que traz desconfiança para outros países da região e prejudica o processo de cooperação e integração entre os Estados da América do Sul, não somente na área militar mas também em outros setores. Contudo iniciativas para o aumento da cooperação militar na região estão sendo tomadas, como a criação de um Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) no âmbito da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), e assim procurar resolver os contenciosos e conflitos da região através de uma instituição formada por Estados da própria América do Sul, e evitar a intervenção em questões de segurança por Estados que estejam fora da região. O Conselho busca incentivar a criação de uma identidade de defesa Sul-Americano com base em princípios como o respeito à soberania, a integridade e inviolabilidade territorial dos Estados, a não intervenção em assuntos 7 internos e a autodeterminação dos povos, e propiciar a partir desses princípios a resolução dos contenciosos de forma pacifica através do diálogo. 1. A COOPERAÇÃO MILITAR NA AMÉRICA DO SUL Apesar de ser uma região pacífica discussões acerca da temática da segurança influem na integração e cooperação entre os países Sul-Americanos, questões relativas principalmente ao combate de crimes transnacionais interveem no modo como os países se relacionam na região. Logo a necessidade de mecanismos que combatam os problemas relacionados a segurança na América do Sul se faz pertinente, também para evitar o uso de recursos de violência impedindo assim o crescimento do uso da força. Sendo assim é apresentado a seguir os principais mecanismo através dos quais os países Sul-Americanos cooperam e criam meios pelos quais administram a questão na região. A organização preponderante na elaboração de normas, tratados e negociações para o combate do crime transnacional, e outros temas relevantes para a segurança da região e no mundo tem sido a Organização das Nações Unidas (ONU). O principal fórum desse organismo é o Conselho de Segurança, ainda que o fórum não tenha discutido especificamente sobre a região, as decisões tomadas no Conselho tem serias implicações para região. Como salienta Herz, “O Conselho não tem discutido temas específicos à região, mas o impacto de debates que lá ocorrem e das resoluções geradas é imenso, particularmente no que se refere à modificação dos critérios de intervenção em Estados soberanos” (2010, p.337). Há outras agências subordinadas a ONU que tratam do tema de segurança como o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes (UNODC) e a Corte Internacional de Justiça, e que também possuem influencia e interferem na temática de segurança na América do Sul. Outro organismo de grande relevância é a Organização dos Estados Americanos (OEA) sendo uma das mais antigas organizações no continente Americano tendo um papel importante nas questões de segurança da região, principalmente no que diz respeito à criação de normas regionais pertinentes a solução pacífica de controvérsias e questões como democracia, transparência e segurança. A organização possui diversos órgãos, tratados e normas que cuidam da temática da segurança e que buscam implementar medidas de segurança mutua, para assim evitar a escalada da violência no 8 continente. Porém as diferenças e assimetrias existentes entre os países que fazem parte da OEA tem feito com que os países Sul-Americanos busquem iniciativas mais voltadas para a cooperação na América do Sul. E de acordo com Herz, (2010, p.339), “As diferenças culturais, políticas e econômicas e a assimetria de poder entre os países sulamericanos e os Estados Unidos têm favorecido a constituição de uma visão de região que busca consolidar a ação coletiva no âmbito sul-americano”. Contudo o aumento da cooperação e integração entre os países da América do Sul e a instituição desses mecanismos somente foi possível devido à resolução pacífica de conflitos que existiam em algumas áreas. Como no caso entre Brasil e Argentina que disputavam o controle da Bacia do Prata, sendo resolvido em 1979 com a assinatura do acordo Corpus-Itaipu, e também a disputa nuclear entre esses mesmos países que foi solucionada com um acordo que criou uma agência binacional entre os dois países para verificar o uso de materiais nucleares. Dentre os conflitos que também se pode destacar, a contenda entre Chile e Argentina pelo Canal de Beagle decidida através do Tratado de Paz e Amizade assinado em 1984, influi no processo de cooperação entre os países da região. Dentre os elementos que contribui para a cooperação Sul- Americana, em suas diversas áreas, se tem a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA), que integrou a região no setor de energia e de infraestrutura, e proporcionou um relacionamento maior entre os países. A presença norte-americana na região é um outro fator de grande influência na cooperação entre os países do Sul, tendo pontos convergentes e divergentes da inserção desse país na região, principalmente quanto aos instrumentos utilizados. Dentre esses meios pelos quais os EUA exercem sua influência nos países Sul-Americanos está o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), adotado no Rio de Janeiro em 1947, porém este acabou sendo enfraquecido com o apoio norte-americano ao Reino Unido na Guerra das Malvinas, em 1982. Outo meio de inserção do país na região é o acordo militar entre os Estados Unidos e Colômbia, sendo motivo de desconfiança para os países vizinhos e empecilho para a continuidade de projetos de integração, estremecendo assim a relações entre os países da região e estagnando o processo de cooperação. Porém a atuação dos Estados Unidos na região proporcionou um fortalecimento da ideia de que se necessita de uma identidade de defesa Sul-Americana, e de mecanismos regionais para resolução de questões de segurança na região, e portanto a importância de maior diálogo entre os países nessa temática. Nesse ponto a criação do 9 Conselho de Defesa Sul-Americano vem contribuir para o aumento e aprofundamento da cooperação militar entre os países da América do Sul, se tornando mais uma instância de resolução pacífica dos contenciosos entre os países com o diferencial de ser uma iniciativa regional, e portanto passa a fortalecer a identidade Sul-Americana e o uso de meios dos próprios Estados da região. 2. O CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO O Conselho de defesa Sul-Americano (CDS) instituído através da aprovação do Estatuto deste órgão em 2008, com base nos artigos 3º, 5º, e 6º do Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-americanas (UNASUL) que prevê “[...] o intercâmbio de informações e de experiências em matéria de defesa [...]” (art. 3º alínea ‘s’)1. O papel desse Conselho é contribuir na criação de uma identidade de defesa sul-americana, na consolidação da América do Sul como uma zona de paz e na construção de princípios e valores comuns entre os Estados membros, como a solução pacífica de controvérsias, o respeito à soberania, e a prevalência dos direitos humanos na região. Esse órgão da UNASUL é composto de Ministros da Defesa ou autoridades hierárquicas de nível equivalente, assessorados por funcionários das chancelarias, Ministérios da Defesa e outros órgãos que seja necessária à participação como descrito nos artigos 6º e 7º do estatuto do CDS2. Ainda nesse estatuto fica definido os objetivos gerais e específicos do Conselho, nos artigos 4º e 5º, bem como o funcionamento do órgão, nos artigos 12º à 18º. Dentre os objetivos podemos destacar o de “[...] Gerar consensos para fortalecer a cooperação regional em matéria de defesa [...]” (art. 4º alínea c), sendo assim um instrumento para fortalecer a cooperação militar na região. Apesar de sua criação recente o CDS é uma importante iniciativa para fortalecer a cooperação militar na América do Sul, e segundo Gama (2010, p. 347) “O Conselho preencheria a lacuna existente na análise de questões políticas, militares e estratégica sob a ótica da América do Sul, de países democráticos e culturalmente próximos, distanciados dos principais focos de tensão mundial [...]”. O órgão também contribui para o fortalecimento da integração regional, principalmente no âmbito da UNASUL aproximando e aprofundando as relações dos Estados da região e no fortalecimento da 1 2 Fonte: Ministério das Relações Exteriores Fonte: Centro de Estudos Estratégicos de Defesa 10 instituição. A integração é um fator essencial para a estabilidade e manutenção da paz entre os países, e para a preservação das instituições e organizações da região, não somente a UNASUL como também outras iniciativas de integração e cooperação entre os Estados Sul-Americanos. A proposta brasileira de criar o CDS tem dentre outros motivos o conflito na Colômbia, que tem afetado as relações desse país com os países vizinhos, além do temor da internacionalização e expansão do combate pela região, a atuação norteamericana no contencioso estremeceu a relação entre os países. Outro ponto que influenciou a iniciativa brasileira foi justamente essa atuação militar extra-regional na América do Sul, este fato acabou se tornando um tema de embate entre os países da região e passou a dificultar o desenvolvimento da integração e cooperação entre os Estados da região. Ainda que não citado no estatuto do CDS sobre a atuação de forças militares extra-regionais, essa questão fica subentendida na ideia de construção de uma identidade sul-americana, além da formulação de consenso entre os países no tema militar. Como pode ser notado no art. 4º, alínea b do estatuto do CDS, “[...] Construir uma identidade sul-americana em matéria de defesa, que leve em conta as características sub-regionais e nacionais e que contribua para o fortalecimento da unidade da América Latina e o Caribe[...]”. 3 Um dos objetivos brasileiros com a criação do CDS é que este possa ser um órgão que irá “[..] articular a elaboração de políticas de defesas, intercambio de pessoal, formação e treinamento de militares, realização de exercícios militares conjuntos, participação conjunta em missões de paz das Nações Unidas, integração de bases industriais de defesa [...]”, segundo o Ministro da Defesa Nelson Jobim em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo antes da criação do CDS. O Ministro ainda declara na mesma entrevista que “[..] há vários aspectos da conjuntura internacional, de situações regionais e sub-regionais nos campos de segurança e defesa, com possibilidade de ações coordenadas em enfrentamento a riscos e ameaças à segurança dos Estados [...]”, se referindo indiretamente ao caso da Colômbia, e cogitando uma possível atuação do CDS nesse tipo conflito. Levando em consideração as assimetrias presentes na América do Sul o CDS pode vir a contribuir no diálogo entre os países da região, principalmente no que diz respeito ao setor de defesa, já que os Estados Sul-Americanos nesse setor possuem 3 Ibidem 11 bastante discrepâncias particularmente no que se refere a orçamentos e projetos estratégicos. Nesse sentido, apesar dos baixos orçamentos militares dos países, o Brasil se destaca pelos gastos e projetos na área da defesa ressaltando a ampla assimetria presente entre os países, e assim fortalecendo a ideia entre os Estados vizinhos de que o Brasil busca se expandir na região, ou seja, de um país imperialista. Se tratando desse aspecto, há a necessidade de desenvolvimento conjunto da região em questão de defesa, até mesmo para não estremecer a cooperação e a integração na região. Portanto o CDS poderá servir como ambiente de debate de políticas de defesa, reforçando a confiança e o diálogo entre os países. Uma conjuntura que proporcionou uma maior integração e cooperação na questão militar entre os países sul-americanos é a falta de representatividade e ação de outros organismos internacionais, inclusive organizações do próprio continente Americano. Assim a criação do CDS é feita em um cenário que as iniciativas de cooperação no âmbito militar não consegue representar os interesses Sul-Americanos. Como discorre Gama: “A relativa incapacidade de ação das instancias interamericanas em situações de instabilidade relacionadas com a segurança andina reforçou, imediatamente, a tese dos países sul-americanos de que era necessário promover a cooperação e o dialogo no campo da defesa através de mecanismos regionais dotados de credibilidade e representatividade. Buscava-se a construção de uma genuína identidade regional que pudesse futuramente evoluir para incorporar a perspectiva dos países latinoamericanos e caribenhos” (2010, p.360). O CDS é um instrumento importante na construção da confiança e cooperação na área militar entre os Estados da América do Sul, que antes mesmo de ter sido ratificado o Tratado da UNASUL, que garante o funcionamento deste órgão (tendo em mente que o órgão é subordinado a essa União de Nações), articulava e atuava na região em questões de segurança. A continuidade do processo de cooperação no CDS influirá tanto no processo de desenvolvimento da UNASUL como na cooperação entre os países Sul-Americanos. Futuramente o CDS poderá ser “um sistema sul-americano de segurança coletiva, firmemente ancorado num conjunto de medidas de fomento da confiança e da transparência e num código de conduta aplicável a todas as Forças Armadas Sul-Americanas” (GAMA, 2010, p.364). E posteriormente, conforme a o nível de integração dos países, gerar compromissos jurídicos entre os Estados membros, em casos como os de ameaça à paz e a segurança da região. 12 Em contraposição a perspectiva mostrada de que o CDS pode ser útil na cooperação e integração da região existem visões críticas desse processo, que colocam o CDS como um órgão de baixa operacionalidade. Como destaca Senhoras “existem perspectivas críticas ao Conselho que se assentam na visão realista de que há um baixo potencial de operação institucional dos interesses comuns ou na visão construtivista de que há uma sinalização de fragmentação esquemas de segurança coletiva [...]” (2009). Apesar de o processo de instituição do CDS ser recente, podendo não ter um aprofundamento ou um papel importante no relacionamento entre os países da região, iniciativas como essa propicia um maior diálogo entre os Estados e um cenário de maior cooperação na América do Sul. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de ser uma região pacifica, e possuir poucos conflitos, a América Latina apresenta problemas na área de segurança, principalmente em certas áreas, como os crimes transnacionais. Contudo existem ainda problemas na região concernentes a relações entre os Estados, principalmente na questão do conflito na Colômbia que gera instabilidades entre este país e os países vizinhos, entretanto as organizações internacionais e as iniciativas de cooperação tentam promover o diálogo para não haver uma ruptura entre os países. Dentre essas organizações que buscam promover a cooperação e a comunicação entre os países Sul-Americanos temos a OEA que apesar das assimetrias existentes entre os países membros, e a baixa representatividade que vem apresentando, esta organização tenta cumprir seu papel de fortalecer a cooperação e o entendimento entre os países. Outra organização, que apesar de não ter seu foco na América do Sul mas apresenta decisões importantes para região e o mundo como um todo se tratando de questões de segurança, é a ONU e seus fóruns e agencias especializadas na temática. Contudo as organizações apresentadas não conseguem suprir a necessidade da região por um organismo representativo que promova a cooperação e o diálogo entre os Estados Sul-Americanos na área de defesa. Nesse aspecto a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da UNASUL, vem fomentar a cooperação militar entre os países da América do Sul e criar uma identidade de defesa da região, além de consolidar a região como uma zona de paz. 13 Porém alguns fatores dificultam esse processo de aprofundamento da cooperação entre os países da região, dentre eles o já citado conflito colombiano, e a presença norteamericana na região devido ao mesmo conflito, causando constrangimentos entre os Estados da América do Sul quanto a influência dos Estados Unidos e as intenções deste com esta presença na região. Além disso outras questões necessitaram ser superadas como problemas referentes a fronteiras e em relação a disputa nuclear. Contudo isto reforça a expectativas de muitos países Sul-Americanos em se formar uma identidade de defesa Sul-Americana e na consolidação do CDS, como um mecanismo regional de solução de problemas relacionados a defesa. Portanto a instituição do CDS, vem contribuir com a cooperação militar entre os países da América do Sul, através da promoção da interlocução entre os Estados e da consolidação de um instrumento regional para resolução pacífica de controvérsias na temática de defesa, além de um órgão fomentador da coordenação de políticas de defesa entre os países. Utilizando a troca de informações na área militar fortifica a transparência entre os países e assim incentiva a maior cooperação entre os Estados SulAmericanos. REFERÊNCIAS CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DE DEFESA. Estatuto do Conselho de Defesa Sul-Americano da UNASUL. Disponível em: <http://www.ceedcds.org.ar/Portugues/09-Downloads/PORT-ESTATUTO_CDS.pdf>. Acessado em: 17 abr. 2014. FOLHA DE SÃO PAULO. Ministro quer criar conselho sul-americano. 21 mar. 2008. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2103200814.htm>. Acessado em: 16 abr. 2014. GAMA, Marcos Vinicius Pinta. O Conselho de Defesa Sul-Americano e sua instrumentalidade. IN: ALSINA, João Paulo; ETCHEGOYEN, Sergio W.; JOBIM, Nelson A. Segurança Internacional: Perspectivas Brasileiras. Ed. FGV, 2010. P. 345370 GUIMARÃES, Marcio Azevedo. O Conselho Regional de Defesa da América do Sul e a Conformação de um Sistema de Segurança Regional. Disponível em: < http://www.pucrs.br/eventos/sios/download/gt4/oi-guimaraes.pdf>. Acessado em: 17 abr. 2014. 14 HERZ, Monica. Segurança Internacional na América do Sul. IN: ALSINA, João Paulo; ETCHEGOYEN, Sergio W.; JOBIM, Nelson A. Segurança Internacional: Perspectivas Brasileiras. Ed. FGV, 2010. P. 331-343. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Tratado Constitutivo da UNASUL. Disponível em: < http://www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-sul-e-integracaoregional/unasul/tratado-constitutivo-da-unasul/>. Acessado em: 15 abr. 2014. SENHORAS, Elói Martins. Securitização internacional e o Conselho de Defesa SulAmericano. Disponível em: < http://mundorama.net/2009/08/05/securitizacaointernacional-e-o-conselho-de-defesa-sul-americano-por-eloi-martins-senhoras/>. Acessado em: 17 abr. de 2014. 15 A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS MISSÕES DE PAZ DA ONU: o caso do Timor Leste Isabela Aquino Fonseca Bacharel em Relações Internacionais – PUC-GO [email protected] RESUMO: Este artigo trará uma discussão sobre os norteamentos e os princípios utilizados pela ONU em sua atuação nos conflitos internacionais. Inserido nesse tema serão apresentadas discussões referentes ao Brasil e sua atuação nas Nações Unidas, seu comprometimento com as operações de manutenção da paz e as dificuldades burocráticas enfrentadas pelo país na amplitude dessa atuação. Por fim, será debatido a questão do Timor Leste e certos aspectos históricos que remetem ao processo que culminou a realização das missões de paz no país, destacando novamente a atuação brasileira nesse processo. Palavras-chave: missões de paz, operações de manutenção da paz, Organização das Nações Unidas, Brasil, Timor Leste, segurança coletiva, política externa. ABSTRACT: This paper brings an debate concerning the principals used by the United Nations in its performance on international conflicts. In this topic will be presented discussions about Brazil and his participation at the UN, the committeemen to the peacekeeping operations and the country difficulties in amplifying its capability to act. At last, the East Timor situation will be brought in with certain historical aspects of the conflict that ended in the need off the instauration of the mission, highlighting again the Brazilian performance in this process. Key-words: peacekeeping missions, peace operations, United Nations Organization, Brazil, East Timor, international security, foreing policy. 16 1. INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo estudar o envolvimento brasileiro em missões de manutenção de paz das Nações Unidas, como se deu a inserção do Brasil no sistema ONU e como se dá o processo de tomada de decisão brasileiro quando se trata de participar de uma missão da ONU. Para isso será feita uma introdução sobre o sistema de segurança coletiva adotado pelas Nações Unidas, e quais mecanismos são utilizados pela mesma, a fim de assegurar a efetividade e funcionamento desse sistema. Com o objetivo de compreender melhor o funcionamento das missões de paz, a abordagem utilizada é como uma retrospectiva histórica dos acontecimentos mundiais que levaram as Nações Unidas a evoluir e atuar nos parâmetros que faz atualmente. Os conflitos e missões ocorridos no Timor Leste foram escolhidos como estudo de caso, devido a complexidade das missões que passaram na região. Sendo assim, elas têm capacidade de exemplificar a maturidade da ONU na utilização de um instrumento da segurança internacional e também demonstrar como o Brasil se envolveu nessas missões, que acaba por exemplificar seu padrão de atuação nessas questões dentro das Nações Unidas. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1 O SISTEMA DE SEGURANÇA COLETIVA DA CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS E AS OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ No processo de formação das Nações Unidas o tema da Segurança Internacional foi extremamente debatido, e nele surgiu o que chamamos de Segurança Coletiva. A Carta da ONU de 1945, instrumento que norteia o sistema ONU, estabelece alguns mecanismos que dão forma ao o que é a segurança coletiva, 1) a paz como objetivo ultimo, sendo a guerra, em princípio, banida, e a conquista territorial, ilegal; 2) a agência organizadora das ações de segurança coletiva é de composição quase universal e opera por um princípio, ainda que matizado, de igualdade soberana; 3) as decisões sobre ações a serem 17 empreendidas em conflitos armados são tomadas por órgãos coletivos e, ao menos do ponto de vista formal, representativos, constituídos anteriormente aos casos com os quais lidam (UZIEL, 2010, p. 26) Apesar de não chegar-se a um consenso sobre o conceito em si do que é a segurança coletiva, essa proposta surge da Primeira Guerra Mundial e a criação da Liga das Nações, devido à necessidade de substituir o sistema “as alianças e o equilíbrio de poder” (UZIEL, 2010, p.24). O mecanismo usado pela ONU não possui obrigatoriedade de funcionar da mesma forma em todos os conflitos, devido ao fato de que este “não anula a existência de relações de poder entre os Estados, mas ela representa fonte indiscutível de legitimidade” (UZEL, 2010, p.27). Dessa forma, podemos compreender que as missões de paz das Nações Unidas fazem parte do sistema de segurança coletiva, ou seja, é mais um dos instrumentos usados pela ONU para garantir o cumprimento e funcionamento do que está previsto em sua Carta. Apesar de as missões de paz tem suas origens na questão dos Balcãs de 19474, a primeira vez que a ONU reconheceu uma situação em que a paz e a segurança internacional foram rompidas foi em 1948, frente às hostilidades entre judeus e palestinos. Nesse cenário, o Conselho de Segurança ordenou as autoridades locais que “desistissem de utilização de forças militares e ordenassem o cessar-fogo às forças militares e paramilitares sob sua autoridade” (MORE, 2002, p.51), e foram enviados pela primeira vez observadores militares com o objetivo de auxiliar o mediador da ONU em suas funções. Através desses fatos históricos, percebemos que as missões de paz surgiram após a criação da Carta das Nações Unidas, sendo um instrumento não previsto na Carta, acaba não possuindo um conceito que a defina e diga exatamente o que são as missões de paz (MORE, 2002, p.20/ UZIEL, 2010, p.58). Conforme as missões foram sendo colocadas em prática e a ONU ganhando experiência, foram definidas algumas regras fundamentais para as operações de manutenção da paz, a) manutenção do controle das operações na ONU; b) autorização expressa entre os Estados envolvidos, ou seja, deve 4 Durante o conflito na região foram criadas as missões de supervisão de trégua na Grécia junto ao Comitê Especial das Nações Unidas para os Balcãs (UN Special Committie on the Balkans), que durou até 1952 e tinha como objetivo supervisionar o cumprimento dos acordos de trégua e cessar-fogo na região (MORE, 2002, p.50). 18 haver um “consentimento para a legitimidade”; c) caráter voluntário de participação por parte dos Estados Membros; d) conveniência na universalidade da composição dos efetivos; e) imparcialidade no cumprimento do mandato; f) uso da força como ultima ratio regis e apenas como legítima defesa e g) posse restrita de armamentos pelo pessoal envolvido na operação. Ao final da Guerra Fria, e a mudança das estruturas politicas então vigentes, o vazio do poder causado pelo fim da União Soviética resultou em conflitos por todo o mundo, em sua maioria intra-estatais. Consequentemente, diante desde cenário, de “rápidas mudanças econômicas, sócias e políticas que afetam tanto os Estados isoladamente quanto a Comunidade Internacional e sua relação com a paz e segurança internacional” (MORE, 2002, p.60), em 1992 a ONU lança o documento “Uma Agenda para a Paz”, que acaba sendo uma forma de legitimar e tentar definir o que seria o mecanismo de segurança coletiva adotado pela ONU e seus instrumentos de intervenção, a) a diplomacia preventiva, como uma ação para prevenir surgimento de litígios entre partes, para prevenir que litígios se transformem em conflitos maiores e mais complexos que seus próprios limites, incluindo ações como verificação (fact-finding) e bons ofícios; b) o peacemaking (promoção da paz) como ato de conduzir as partes hostis, através do uso de meios pacíficos de solução de litígios previsto no Capítulo VI da Carta e; c) o peacekeeping (manutenção da paz) como o efetiva presença das Nações Unidas em campo, com o expresso consentimento das partes envolvidas, envolvendo tanto um efetivo militar, quanto policial e civil. (MORE, 2002, p. 60) A partir desse momento, as operações de manutenção da paz, ou missões de paz, autorizadas pelas Nações Unidas aumentaram muito, chegando a marca superior a mais de 35 missões de paz em uma década, contra as 18 que ocorreram entre o período de 1948 e 1991 (MORE, 2002, p. 54). Assim, em 2001, diante de várias falhas e sucessos da ONU em suas operações de paz, foi apresentado ao Secretario Geral o Relatório Brahimi, que tinha como objetivo “realizar uma revisão sobre as operações de paz das Nações Unidas, da qual deveria resultar um relatório com recomendações específicas, claras e concretas para melhor condução dessas atividades no futuro” (MORE, 2002, p. 63). Dividido em seis capítulos e baseado na analises das missões dos anos anteriores, principalmente da 19 citada década de 1990, o documento contempla todos os aspectos de uma missão de paz, que iam, por exemplo, desde a capacidade da ONU em responder a um conflito, à inclusão da sociedade envolvida nos processos de reconciliação5. O Relatório Brahimi serviu para melhorar o sistema da ONU em relação não só a implementação das missões, mas também em como estas deveriam ser conduzidas, mediante a necessidade de elaborar suas estruturas de acordo com a necessidade do conflito. 2.2 A PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NAS MISSOES DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS No inicio dos anos de 1980, o Brasil retoma seu ativismo dentro da ONU devido a dois motivos principais, um de caráter interno e outro externo. O Brasil passava por um processo de redemocratização depois de quase 20 anos de ditadura militar, período em que se manteve distante das atividades no Órgão, como aponta Uziel (2010). O país passou a procurar se reinserir e se readaptar as Nações Unidas, adotando novas frentes de atuação, dando, por exemplo, mais atenção aos Direitos Humanos e buscando candidatura no Conselho de Segurança, como explicam Pepe & Mathias (2007). O motivo de caráter externo se liga ao fim da Guerra Fria, que alterou os padrões dentro das Nações Unidas, com o fim dos embates ente EUA e URSS, tornando o cenário favorável ao novo Brasil democrático. Como visto, o número de conflitos em que a ONU interveio aumentou bastante nesses anos, e possibilitou maior participação de outros países, inclusive o Brasil Este, para voltar a se envolver nas operações de manutenção da paz, optou voltar a ativa aos poucos, pois “era necessário esclarecer a natureza jurídica e politica dessas operações e entender melhor o interesse brasileiro em participar” (UZIEL, 2010, p.88). O envolvimento brasileiro foi iniciado enviando observadores militares, civis e policias, seguindo critérios informais, mas determinantes para escolher quais missões de paz participar: 1) identificação de ganhos com o envio (experiência militar, adensamento de relações bilaterais, apoio político em outros foros); 2) preferência pelo envio de observadores, porque tropas exigiam consideráveis esforços políticos e logísticos; 5 Ver MORE, 2002, p.66-67. 20 3) escolha de operações de manutenção de paz em que o uso da força fosse claramente circunscrito. (UZIEL, 2010, p.88) Mas conforme a prática sobre o assunto evoluía e ganhava-se mais clareza sobre a importância das operações de paz, o Brasil mudou também seus critérios, a) uso na prevenção ou solução pacífica de conflitos; b) regras claras para eventual emprego da força e mandatos exequíveis; c) comedimento ao desdobrar as missões, que não devem ser consideradas como panaceia; d) necessidade de consultas constantes com os contribuintes de tropas e valorização do papel da Assembleia Geral. (UZIEL, 2010, p.88) Apesar de o Brasil adotar uma politica externa de cooperação que é comprometida com a manutenção da paz, esta é voltada especificamente para as missões de paz. Reside aqui, portanto uma crítica de algum dos autores utilizados, de que “a participação brasileira em Forças Multinacionais tem sido bem modesta. Entre as onze Forças Multinacionais criadas pela ONU, o Brasil participou apenas da INTERFET, em Timor Leste” (MORE, 2002, p. 83-84), e em 2003 na FMEI, na República Democrática do Congo (UZIEL, 2010, p.97). O autor Uziel (2010), com base na obra de Paulo R.C.T. da Fontoura6, justifica essa preferencia brasileira por dois aspectos, 1) as forças multinacionais são autorizadas a atuar por meio do uso da força, em situações onde ainda não há cessar-fogo, o que gera maiores custos humanos e políticos; 2) como não são organizadas pelas Nações Unidas, os integrantes das forças não dispõem de reembolso para suas tropas, nem de apoio logístico do Secretariado (UZIEL, 2010, p. 97) Atualmente o Brasil não possui uma política oficial que estruture e sirva de modelo para o processo de tomada de decisão. Os autores More (2002), Uziel (2010) e Pepe & Mathias (2007), dão destaque para a burocracia e ressaltam que as motivações e posicionamento brasileiro são historicamente definidos e reiterados por formulações políticas. More (2002) se prende a ideia de que o interesse brasileiro em participar de missões está principalmente ligado a politica de defesa nacional, mas Pepe & Mathias vão além desde argumento, ao defender que as motivações são sempre pautadas pelo interesse nacional, e dão destaque a aproximação brasileira dos países da Comunidade 6 FONTOURA, Paulo Roberto Campos Tarrisse da. “O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas”. Brasília: FUNAG, 1999. 21 de Países de Língua Portuguesa (CPLP), evidenciando que o governo procura ter papel mais ativo em operações realizadas nas regiões geralmente ligadas aos países lusófonos e da América Latina (PEPE & MATHIAS, 2007, p.7), e reforçam este argumento ao afirmar que, O objetivo brasileiro era aproximar-se de outros países fora do eixo EUA-União Europeia, mostrando que o Brasil procurava diferentes formas de reinserção no cenário internacional, não mais moldado pelo conflito ideológico Leste-Oeste, característico da Guerra Fria (PEPE & MATHIAS, 2007, p.1-2) O autor Uziel (2010) deixa claro em seu trabalho que o único ponto de concordância do real interesse brasileiro é em se inserir na política internacional e no mecanismo de segurança coletiva da ONU, [...] os interesses que ocorrem com maior frequência são os de caráter bilateral ou regional, embora não seja comum especificar como a participação nas missões se refletirá na prática em maior interação bilateral ou regional nem se ela se dará na forma de comércio ou cooperação prestada pelo Brasil. [...] no caso do Brasil, é incomum haver referências ao papel de treinamento das Forças Armadas porque, ao contrário do que ocorre em países como o Uruguai, no Brasil, as Forças Armadas não considerariam o envio de tropas a missões de paz como uma de suas funções centrais163. Embora comum, a alusão ao artigo 4º da Constituição também carece de uma explicação sobre como operacionalizar princípios como “prevalência dos direitos humanos” e “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”, sem falar da “não intervenção”, utilizada tanto pelos que são favoráveis quanto pelos que são contrários à cessão de tropas (UZIEL, 2010, p.100). O mesmo ainda especula se as participações brasileiras nas missões de paz das Nações Unidas não seriam resultado do pleito pelo acento permanente no Conselho de Segurança, dizendo ser muitas vezes o “motor das atitudes brasileiras” e ressalta que “o projeto de resolução apresentado em 2005 para a reforma do CSNU não estabelece a participação em operações de manutenção da paz como condição para ser um membro permanente do Conselho, embora sugira tratar-se de contribuição relevante” (UZIEL, 2010, p.101). 2.3 O CONFLITO EM TIMOR LESTE E A INSTAURAÇÃO DAS MISSOES DE PAZ 22 O Timor-Leste foi colônia portuguesa desde o século XVI até a queda do governo de Salazar em 1974. A ilha de Timor foi dividida por Portugal e Holanda em 1859, devido ao interesse em produzir café na região. Historicamente negligenciada por Portugal, somente durante o regime salazarista, em 1926, que se foi dada alguma atenção à colônia, tratando-a “mais como um protetorado do que como uma colônia” (GUNN, 1999, p.243). Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a criação das Nações Unidas e a o direito de autodeterminação dos povos, a pressão sob Portugal para descolonizar seus territórios era grande, mas somente com o fim do regime salazarista, em 1974, que o país da inicio a descolonização, a fim de rapidamente “honrar com suas obrigações para com a ONU” (GUNN, 1999, p.287). Infelizmente, Timor-Leste não era mais uma vez o foco de Portugal (CUNHA, 2001, p25 e GUNN, 1999, p.287), as forças estavam concentradas nas colônias africanas, em especial Angola, “a joia da coroa do Império Português”7. Um momento bastante conturbado em Portugal, devido a Revolução dos Cravos, que pôs fim ao governo de Salazar, a nova república almejava se livrar do fardo das colônias o mais rápido possível (GUNN, 2001, p.29). As agitações na metrópole e o sinal de a independência estavam prestes a ocorrer “fizeram surgir as primeiras organizações políticas na história da colônia” (GUNN, 1999, p.292-293). Surgiram basicamente três partidos principais e com opiniões divergentes. O primeiro deles foi a UDT (União Democrática Timorense), “favorável a uma eventual independência decorrente de um extenso período de transição em continuada associação com Portugal”. Em seguida veio a Fretilin (Frente Revolucionaria de Timor Leste Independente), que se fundamentava em um forte nacionalismo e anticolonialíssimo8. E por ultimo, tivemos a Apodeti (Associação Popular Democrática Timorense), um partido minoritário, que acreditava na união com a Indonésia, declarando que “Timor-Leste não seria economicamente viável a menos que fosse apoiado pelos seus irmão étnicos na Indonésia” (GUNN, 1999, p.295). 7 Ver: CUNHA, A Questão de Timor-Leste: origens e evolução. 2001, p.26. O autor faz, por meio de algumas referências bibliográficas, um aporte das condições em que o Timor-Leste se encontrava nos anos de 1970, dando muito enfoque em como o mesmo depois de mais de 400 anos de presença portuguesa, o local ainda era negligenciado em vários aspectos, principalmente em questões de infraestrutura e educação. 8 A Fretilin foi originaria da Associação Social Democratica Timorense (ASDT), eles reivindicavam a “imediata participação de timorenses na administração e governos locais, um fim a discriminação racial, a luta contra corrupção e um bom relacionamento com países vizinhos”. Mas a transformação em Fretilin reorientou as ideias do partido. Ver: GUNN, Geoffrey C. Timor Loro Sae: 500 anos. 1999, p.294. 23 Essa divisão partidária se deu principalmente devido ao anuncio das propostas portuguesas em junho de 1974, com três opções politicas: “a primeira, manutenção da associação com a potência metropolitana; segunda, independência; e terceira, a integração na Indonésia” (GUNN, 1999, p295). Dentre as opções a posição portuguesa era bastante tendenciosa a terceira política de descolonização, já que iniciaram um rápido dialogo com as autoridades indonésias sobre a viabilidade da proposta. Mas, a fim de legitimar a integração com Indonésia, sem ferir o compromisso firmado com a ONU de dar o direito à independência e autodeterminação de seu povo e territórios, Portugal opta por fazer uma consulta à população timorense (CUNHA, 2001, p.30). Contra as expectativas portuguesas e indonésias, a UDT se junta a Fretilin, que assume a frente nacional angariando apoio da população9 na defesa pela independência, estabelecendo a Indonésia como ameaça e na tentativa de “obter de Portugal um empenho mais profundo no processo de descolonização” (GUNN, 1999, p.297). A Indonésia inicia uma politica de desmoralização desses partidos, além de movimentações para desestabilizar socialmente a colônia, cujo objetivo era criar condições caóticas que legitimassem a intervenção armada pela Indonésia10. Em maio de 1975, a UDT e Fretilin rompem a coalizão e acabam entrando em guerra civil em agosto do mesmo ano, devido à tentativa da UDT em realizar um golpe de estado. Portugal tenta levar a questão a níveis internacionais, mas acaba enfrentando a inatividade e desinteresse das potencias ocidentais, e não conseguindo se mobilizar para o local, acabam ficando nos bastidores do conflito. A Fretilin, por sua vez, obtém o domínio completo do Timor Leste em setembro de 1975, estabelecendo bases administrativas11 ainda sob a bandeira portuguesa, mas passam a enfrentar investidas indonésias nas fronteiras com Timor Leste. Mais uma vez a situação é levada a ONU, dessa vez ao Conselho de Segurança, com o apelo de intervirem no território devido aos constantes ataques das forças armadas da Indonésia. Todavia, a Fretilin diante a urgência do problema, o abandono de Portugal e a inércia das Nações Unidas, se declara independente em novembro de 1975. 9 Foram os primeiros a adotar a língua local além do português, ultrapassaram outros partidos na promoção cultural e práticas tradicionais; aderiram politicas educacionais em povoados, além de espalharem o conhecimento da situação do país em diferentes aldeias e regiões do território. Ver: GUNN, 1999, p.296. 10 Plano conhecido como Operação Komodo. Ver: GUNN, 1999 e CUNHA, 2001. 11 Ver GUNN, 1999, p.299. 24 A resposta da Indonésia ao Timor Leste ocorreu cerca de um mês depois da declaração da independência. Em dezembro de 1975 se deu inicio a invasão ao Timor Leste, e uma procura obstinada da Indonésia em legitimar suas ações perante a ONU e a Comunidade Internacional. Um de seus argumentos era a incapacidade de Portugal em conter a situação no território e empreender a descolonização, assim os indonésios passariam a assumir o processo de autodeterminação timorense, atitude não legitimada pela ONU, que condenava as tropas na região. Mesmo diante de várias resoluções da Assembleia Geral, a Indonésia prosseguiu com seus planos de anexação do território, concluindo-a formalmente em julho de 1976 (CUNHA, 2001, p.90-91). Somente por volta de 1990, depois de anos de denuncia contra a Indonésia por praticas contra os Direitos Humanos e muita resistência armada por parte da Fretilin contra o domínio indonésio, o dialogo entre Portugal e Indonésia, foi retomado dentro da ONU, na tentativa de solucionar a questão timorense. E em 1999, foi instaurada a primeira missão de paz da ONU no Timor Leste, a UNAMET (United Nations Mission in East Timor), era uma missão política com o objetivo de organizar e conduzir a consulta popular no Timor Leste, a fim de saber se a população desejava continuar submetida a Indonésia, mas com uma autonomia especial, ou se a população rejeitava a proposta tornando-se assim um país autônomo. Realizado o plebiscito, o resultado das urnas foi divulgado pelo chefe da missão de paz, com quase 80% dos votos a favor da independência. Diante dos resultados, os partidos pró-indonésia, com apoio até mesmo das forças de segurança indonésias, desencadearam uma onde de violência que tomou o país, a Indonésia acaba descumprindo o acordo que “previam que a Indonésia deveria continuar responsável peal segurança durante toda a consulta popular, e mesmo, na eventualidade de um voto a favor da independência” (COLARES, 2006, p.32). Não sendo capaz de controlar a situação, a Indonésia acata a sugestão do Conselho de Segurança de uma intervenção militar. A força multinacional, INTERFET (International Force in East Timor) é autorizada em 12 de setembro de 1999, sob o comando da Australia, tinha função de, Restabelecer a paz e a segurança em Timor Leste, a proteger e prestar apoio a UNAMET no desempenho de suas tarefas e, dentro das possibilidades da Força, facilitar as operações de ajuda humanitária (COLARES, 2006, p.33) 25 Frente ao inicio da atuação da INTERFET, as tropas e polícia da Indonésia começam a deixar o Timor Leste, saindo completamente em 28 de setembro de 1999, mas o país só reconhece o resultado das urnas em outrubro, possibilitando ao Conselho de Segurança da ONU aprovar uma nova missão, que ocuparia o vazio deixado pela evasão precoce das autoridades políticas (COLARES, 2006, p.34) e também conter a atuação das milícias frente aos desafios de se criar um novo Estado. A UNTAET (United Nations Transitional Administration in East Timor) teve início em 25 de outubro de 1999, pela resolução 1272(1999), era liderada pelo brasileiro Sérgio Vieira de Melo. Foi considerada uma das missões mais complexas desenvolvidas pela ONU, como explica More (2002), As condições sociais e políticas enfrentadas pela ONU em suas experiências anteriores de administração interina, a exemplo que se ocorre principalmente com a UNMIK, são bem distintas daquelas enfrentadas em TL, pois em Timor a missão é bem mais complexa, já que se pretende fazer surgir um novo Estado a partir da independência de um povo cuja memória histórica se perdeu entre um colonialismo mal-acabado, a invasão da Indonésia e a guerra civil de resistência, situações que somente fizeram degenerar instituições, a lei e a ordem. Em Timor cria-se um Estado como se numa incubadora estivessem todos os seus elementos: o povo, que vem sendo educado e preparado para administrar seu próprio destino em função de suas diferenças, não de suas identidades; o território, cuja integração se busca através da implantação física de órgãos e instituições; o governo, cuja escola foi-se exercendo desde o CCN, passando-se pelo CN e, consolidandose no Conselho de Ministros (CM) sob orientação da Administração Transitória e, finalmente, a soberania, que representa a conjunção de todos os demais elementos e a coroação do processo com a criação do Estado timorense. A missão maior da UNTAET é a “timorização” de TL, ou seja, a criação de uma identidade timorense na administração de seus próprios interesses [...] (MORE, 2002, p.104). Seguida da UNTAET, o Timor Lestes recebeu ainda mais três missões, a UNMISET, a UNOTIL e a UNMIT. A UNMISET foi instaurada em maio de 2002, era uma missão de manutenção da paz (peacekeeping operation), cujo mandato servia de auxilio ao recém estabelecido governo timorense, garantindo o envolvimento da ONU na região e assegurando a estabilidade e segurança do país. A UNMISET teve o mandato estendido três vezes encerrando em 2005, dando lugar a UNOTIL em maio do mesmo ano. A UNOTIL era uma missão política, funcionaria mais como um escritório das Nações Unidas a fim de dar continuidade ao suporte oferecido para o desenvolvimento das instituições estatais timorenses. Mas em abril de 2006, como evidencia Uziel (2010, p.176), desencadeou-se no país uma série de conflitos armados, quase uma guerra civil e 26 a queda do governo, sendo classificado pela ONU como uma crise política, humanitária e de segurança, levando ao prolongamento do mandato da UNOTIL pelo CSNU. Com o desenrolar desse processo, o governo timorense acata as recomendações feitas pelo Secretario Geral na tentativa de solucionar o conflito, e em agosto de 2006 é aprovada uma nova missão no Timor Leste, a UNMIT, cujas principais funções eram garantir a estabilidade das instituições governamentais, auxiliar nas eleições que ocorreriam em 2007, dar suporte policial e treinamento para as instituições responsáveis pelo papel de garantir a segurança, garantir e difundir os Direito Humanos, entre outras. A situação em Timor Leste começa a melhorar com a instauração da UNMIT, que tem seu mandato estendido duas vezes a fim de prevenir possíveis conflitos, mas chega ao fim em dezembro de 2012, completando o quadro das missões tidas como mais bem sucedidas da ONU. 2.3.1 PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NAS MISSÕES DE PAZ DO TIMOR LESTE O envolvimento brasileiro em Timor Leste se dá desde antes do inicio dos conflitos de 1999, com a instauração da missão política UNAMET. O Brasil se insere nesse processo “com oficiais de ligação, observadores policiais e eleitorais para a realização das eleições de 30 de agosto de 1999” (MORE, 2002, p.87). E com o desenrolar dos acontecimentos pós-resultados das urnas, e a instauração da força multinacional INTERFET, o Secretario Geral solicita ao Brasil a participação na INTERFET, pedido atendido em setembro de 1999, com o envio ao Timor Leste de “dois pelotões de Polícia do Exercito” (MORE, 2002, p.130), que foram mantidos com a instauração da missão UNTAET, e no decorrer das missões no Timor, aumentado devido a necessidades das missões. O Brasil se manteve presente em todas as missões empreendidas no Timor Leste, a fim de dar “continuidade da presença brasileira no processo de formação nacional timorense e o adensamento dos laços com um país de língua portuguesa” (UZIEL, 2010, p.95), além que cumprir com alguns interesses nacionais ao se manter nas missões, 1) cumprir os preceitos do artigo 4º da Constituição, tais como prevalência dos direitos humanos e autodeterminação dos povos; 2) contribuir para a assistência humanitária; 3) fortalecer o sistema multilateral de solução de controvérsias; 4) permitir o adestramento das Forças Armadas e valorizar o seu papel frente a sociedade (UZIEL, 2010, p.95). 27 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao finalizar esse trabalho percebemos que as missões de manutenção da paz utilizadas pela ONU, são instrumentos usados para assegurar a paz e segurança internacional, além de compor um dos meios de o Brasil se inserir no sistema internacional como ator forte, principalmente dentro das Nações Unidas. Vimos que a capacidade brasileira de atuar nas missões de paz da ONU é limitada e enfrenta dificuldades, principalmente quando comparamos com outros países de projeção internacional compatível, a exemplo da África do Sul, país que tem constitucionalmente uma política oficial de governo determinando os parâmetros para seu envolvimento em questões da ONU que envolvem as missões de paz. Mas apesar do diagnostico, o Brasil não deixa de ser um importante ator nas Naçoes Unidas e suas operações de manutenção da paz. Comprovando eficiência não somente no Haiti, mas sempre advogando a favor das questões timorenses no âmbito da ONU, e também in loco, tendo estado presente em todas as missões que passaram pelo Timor Leste. O Brasil apesar de não ser o maior contribuinte em tropas no Timor, desempenhou ao longo dos nãos um papel diplomático excepcional, principalmente nos momentos de crise do novo país. Ultimamente, diante da eclosão de vários conflitos no continente africano, os representantes brasileiros na ONU tem desempenhado um excelente papel ao defender os interesses do país, mas sem marcar presença em conflitos mais sérios como o da Síria, Congo e Ucrânia. REFERÊNCIAS COLARES, Luciano da Silva. As missões de paz da ONU e a questão de Timor Leste: ponto de inflexão?. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. CUNHA, João Solano Carneiro da. A questão de Timor-Leste: origens e evolução. Brasília: FUNAG/IRBr, 2001 (Coleção de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. 28 GUNN, Geoffrey C. Timor Loro Sae: 500 anos. Tradução de João Aguiar. Macau: Livros do Oriente, 1999. MORE, Rodrigo Fernandes. Fundamentos das operações de paz das nações unidas e a questão de Timor Leste. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. PEPE, Leandro Leone; MATHIAS, Suzeley Kalil. O envolvimento brasileiro na questão timorense. Associação Nacional de Historia – ANPUH. XXIV Simpósio Nacional de Historia, 2007. UZIEL, Eduardo. Conselho de segurança, as operações e manutrnção da paz e a inserção do Brasil no mecanismo de segurança coletiva das Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 2010. 29 A HOMOGENEIZAÇÃO DO TRABALHO NO MERCOSUL Michely Soares Lopes GraduandA em Relações Internacionais pela PUC Goiás E-mail: [email protected] Resumo: Homogeneizar as relações de trabalho no MERCOSUL é um imperativo histórico e condição necessária para inserir as economias hemisféricas internacionalmente. Todavia, este que se propôs a alavancar os níveis de integração e garantir que as economias do sul se integrassem em escala internacional, ainda está limitado a questões genuinamente tarifárias. Por isso, para defender interesses locais, é necessário modificar sua estrutura interna dependente e superar a vulnerabilidade externa. A modernização das atividades produtivas é possível através da intervenção direta de todos os Estados, no sentido de garantir a livre negociação entre capital e trabalho, buscando conter os excessos tanto dos mercados quanto das instituições supranacionais. A integração regional entre os países membros do MERCOSUL é melhor conduzida através da participação direta de cada Estado, visto que o bloco nasceu da própria vulnerabilidade estrutural as economias estrangeiras. Isto significa que é preciso agir e afirmar-se localmente para emergir no mundo globalizado. Palavras-chave: MERCOSUL, trabalho, soberania, interdependência, Globalização, Inserção Internacional. Abstract: Homogenizing labor relations in MERCOSUR is a historical imperative and necessary to insert the hemispheric economies internationally condition. However, it was proposed that the leverage levels of integration and ensure that the economies of the south would be integrated on an international scale, is still limited to genuinely tariff issues. Therefore, to defend local interests, it is necessary to modify its internal structure dependent and overcoming external vulnerability. The modernization of productive activities is possible through the direct intervention of all States to ensure the free bargaining between labor and capital, seeking to curb the excesses of both markets and supranational institutions. Regional integration among the member countries of MERCOSUR is best conducted through the direct participation of each state, as the block itself was born of structural vulnerability foreign economies. This means that we need to act and to establish itself locally to emerge in a globalized world. Key-Words: MERCOSUR, international integration work, sovereignty, 30 interdependence, globalization, Introdução O projeto de inserção internacional da América do Sul tem avançado de forma considerável nestas ultimas décadas. O Tratado de Assunção, que constituiu o MERCOSUL em 1991, é um exemplo desta nova realidade. Este criou um bloco regional forte, sem a mediação de qualquer outra entidade supranacional, e ainda foi capaz de representar os interesses regionais internacionalmente. Isso ocorreu porque os objetivos deste tratado tiveram a intenção de avançar para níveis políticos coperacionais, e não se limitaram, portanto, apenas a questões relacionadas ao comércio e resoluções sobre tarifas. Todavia, estas mesmas políticas ainda não avançaram em níveis aceitáveis, pois não garantiram o cumprimento de muitos de seus objetivos basilares; como é o caso da homogeneização das relações de trabalho no MERCOSUL. Sem estabelecer propostas decisivas para a integração regional no âmbito do trabalho, não há como fazer cumprir seu objetivo fundamental, que é fortalecer econômico e politicamente o hemisfério Sul para fazer nossos interesses serem validados em escala internacional. A simetria do trabalho no MERCOSUL é um assunto discutido amplamente por muitos estudiosos. André Franco Montoro defende que a integração na América Latina, não é uma opção facultativa, ela é um imperativo histórico e caminho necessário para o desenvolvimento econômico e social, é, portanto uma condição necessária para a integração competitiva na economia mundial. Em Washington no dia 29 de junho de 1996, a questão foi defendida amplamente pela Organização Regional Interamericana de Trabalhadores (ORIT)12, integrada por 28 Federações Sindicais e que na época representavam 23 países. Sob os escritos de “O chamado a justiça e a igualdade no hemisfério”, atentava para o fato de que quanto mais os países do sul ingressavam na economia global, decresciam os padrões de vida dos trabalhadores. De acordo com a Organização, para atrair o investimento das multinacionais, os países baixam os salários. Usando a frase “Esta corrida em direção as profundezas deve parar”. 12 (O MERCOSUL no contexto da integração continental). Carta dos trabalhadores do MERCOSUL de ouro preto, pag. 156, assunção, 5 de agosto de 2005.Fonte: textos para debate internacional numeram 7-junho /1996 CUT-Brasil Cfdt França o chamado a justiça e a igualdade no hemisfério. 31 O objetivo desta pesquisa é saber como a integração política e econômica dos países do sul em escala internacional pode ser alcançada através da homogeneização do trabalho. Demonstrar os conflitos de interesses no processo de alcançar políticas favoráveis ao estabelecimento de atividades laborais mais harmônicas. Atualizar os dados sobre os países que compõe o MERCOSUL no sentido de medir o quanto, hoje, estamos próximos de conseguir que haja igualdade nas atividades produtivas no MERCOSUL. Partindo da premissa de que é difícil equilibrar o poder e a soberania do Estado no que tange as relações de trabalho em âmbito transnacional. Para compreender os arranjos atuais referentes a este tema, será feio um breve histórico sobre a origem e os princípios fundamentais do MERCOSUL. Ademais, uma análise de como a economia dos países do sul ficaram condicionadas a necessidade de liberalização econômica para seu próprio avanço, ao mesmo tempo em que sofrem negativamente os efeitos desta flexibilidade. Assim, levantará duas questões centrais; os interesses nacionais no que tange as relações de trabalho presentes nos Estados que compõe o Mercado Comum do Sul; e o papel do MERCOSUL neste espaço de globalização crescente. 1. MERCOSUL: UM CASO DE REGIONALISMO ABERTO A integração regional na América Latina é um projeto antigo, que vem dos ideais de Simon Bolívar, pautado num sentimento de unidade gerado pela colonização espanhola. Em 1960 foi criada a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) para a suspensão de barreiras alfandegárias. Em 1980 esta foi transformada em (ALADI) (Associação Latino-Americana de Integração) que se dispusera a criar bases comuns num mercado latino-americano por intermédio de acordos bilaterais. Tudo isso aconteceu em meio a um senário conflituoso, pois os anos 80 significaram para a América Latina, um período de intensa transformação; foi nesta época que ocorreu a onda de regimes militares. No Brasil, 1964, Uruguai e Chile, 1973 e Argentina 1976. A consequência disso foi à adoção de medidas de cunho liberal por muitos países. Assim, a criação do MERCOSUL foi talvez, segundo (CASTRO, 1997, pag. 12), uma das últimas tentativas de contrapor-se ao modelo desenvolvimentista do mercado internacional. Isso porque, ao adotarem medidas liberais, tais como a abertura comercial, privatização de empresas estatais, aplicação de planos de estabilização e geração de superávit fiscal, conseguiu-se industrializar a economia. 32 O MERCOSUL, formado por Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e, mais recentemente, a Venezuela, proveniente do Tratado de Assunção em 1991, foi criado num período em que era necessário integrar e proteger novos mercados. Assim, o ritmo da economia nacional e regional estaria subordinado ao exterior. Segundo (CASTRO, 1999, pag. 140), a inovação tecnológica crescente e conduzida por grandes oligopólios industriais faz com que as estratégias de desenvolvimento dependam cada vez mais das empresas transnacionais do que dos Estados que são os principais incumbidos do papel de regular as relações sociais de trabalho. Para (CASTRO, 1998, pag. 23), apesar de o MERCOSUL representar um salto na inserção internacional dos países do sul por criar uma instituição sem se valer de outras estruturas supranacionais, as medidas de liberalização econômica, contribui para um desenvolvimento industrial dependente. Ademais as barreiras não tarifárias criaram situações de desigualdade econômica. Segundo (CASTRO, 1998 pag. 28), expor o Brasil a concorrência com países menores é fazer destes países, verdadeiros “corredores comerciais” com o crescimento de indústrias “maquiladoras” e zonas francas na região. As consequências disso, já que ainda não possuímos uma moeda comum e um empresariado homogêneo, é a redução dos salários devido a um impacto comercial e o deslocamento geográfico de empresas para lugares de salários mais baixos. As empresas podem escolher lugares de mais matéria prima. (CASTRO, 1998, pag. 32), defende que o MERCOSUL serviu de cortina para a promoção unilateral da redução tarifária, por aplicar medidas liberais, mas não harmonizou outros assuntos fora da agenda econômica. Assim, os governantes deixaram ao mercado a missão de promover o grau de especialização produtiva e comercial entre os países do MERCOSUL. Os Estados seriam meros administradores de taxas, de juros e de tarifas aduaneiras. O MERCOSUL busca a integração dos países partes, objetivando o aceleramento dos seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social e pautado nos princípios da gradualidade, flexibilidade e equilíbrio (TAVARES; ANDRADE, 1999, pag. 75),. Em suma, busca promover o desenvolvimento, modernizar a economia, ampliar a oferta e a qualidade dos bens e de serviços disponíveis, com o objetivo de melhorar as condições de vida de seus habitantes. Conclui ser impossível cumprir estes compromissos, por em pratica tais objetivos, sem uniformizar, desestatizar e modernizar as relações de trabalho. Diz ser o MERCOSUL uma grande alternativa para evitar a concentração de unidades produtivas. Ao mesmo 33 tempo em que procura estimular a competitividade pela qualidade e preços, deve proporcionar uma sadia competição. 2. O Mercado Hemisférico do Sul: Desregulamentação e autonomia dos Estados No ano de 1997, uma pesquisa foi realizada entre empresários e instituições para avaliar como seria encarada uma liberalização do trabalho gerada pelo MERCOSUL13. A indústria siderúrgica argentina Eduardo d’Álessio e Cooper &Lybrand Blue, disseram não aprovar a livre competição no ramo da indústria siderúrgica e metal-mecânica. Pois disseram que o Brasil possui vantagens por causa de sua modernização e diversificação no ramo, por causa do numero maior de exportações brasileiras. Não admitiram também que haja homogeneização das empresas de gestão empresarial e de Marketing, já que o Brasil tinha maior desenvolvimento nestas áreas. Mas no ramo de alimentos primários, couro e lã, admitiram que a Argentina oferecia produtos melhores. O argentinos sugerem que em muitos setores onde o Brasil atua de forma semelhante a eles, como em soja, trigo, poderia haver perdas devido a competição. (MEIRE,VALESKA, BIMBI, 1997, PAG 17) É fundamental regular a circulação da Mao-de obra entre os países envolvidos, que fatalmente será acentuada com o estabelecimento do mercado comum. Isso exigirá um esforço de harmonização das respectivas legislações trabalhistas, bem como todo um trabalho de conscientização social destinado a impedir que surjam manifestações xenófobas acusando os nacionais de cada um dos países do MERCOSUL de ocuparem postos de trabalho que deveriam ser destinados aos nativos já constituem uma grande preocupação das autoridades dos Estados Comunitários, no âmbito do CEE. (MEIRE; FILHO, 1997, pag. 31) O jornal do Brasil, (RAMOS, 26/02/1997)14 por Márcia Ramos publicou a seguinte reportagem: Argentinos protestam contra MERCOSUL caminhoneiros dos países vizinhos ameaçam emprego. A matéria expunha o acontecimento que marcou o primeiro grande protesto dos trabalhadores contra o Mercado Comum do Sul. Contando que mais de 2.500 caminhões estavam numa fila de quase 100 quilômetros.Permanecendo por mais de 3 dias, eles percorreram 1.100 quilômetros para protestarem contra a invasão de caminhoneiros dos países vizinhos. Isto aconteceu, 13 14 (O MERCOSUL no contexto da integração continental, 1997, pag 23) (O MERCOSUL no contexto da integração continental, 1997, 33). 34 porque, segundo Vitor Hugo Pistoni, da Federação dos Caminhoneiros Argentinos, porque desde a criação do MERCOSUL, houve uma diminuição dos motoristas argentinos que fazem rota internacional. Segundo Pistoni, eles tinham sido substituídos por motoristas de outros países que recebiam um salário 60% menor que seus vizinhos. Na manchete saio no jornal La Nacion, com o título; “A Argentina endurece sua posição diante do Brasil. Existem muitas políticas ativas para o mercado de trabalho, como a intermediação de mão de obra, orientação para o mercado de trabalho, capacitação e treinamento e apoio a jovens, incentivo ao empreendedorismo etc., Pois como foi colocado “A pobreza não é só falta de renda, mas também é a negação de oportunidades e opções básicas para o desenvolvimento humano.15” Cada medida vai depender da situação política e econômica em que o país estiver enfrentando. Como demonstra (CACCIAMALI, 2005 pag. 269), o Brasil e o Paraguai disponibilizaram capital e módulos de capacitação para o incentivo a criação de microempresas. A Argentina e o Uruguai, por outro lado, através da administração publica, geriram a criação de atividades transitórias para diminuir as taxas de desemprego. Todavia, a autora defende que existe uma política comum sobre a capacitação e treinamento que reflete o intuito de liberalização econômica. Porque tais programas visam responder a demandas de um ambiente mais competitivo e de maior densidade tecnológica e por isso é necessário instrumentalizar grupos de pessoas em desvantagem para elevar sua empregabilidade. Desta forma, o interesse pela qualificação dos trabalhadores passa a ser também de entidades privadas. O avanço tecnológico, o pagamento de salários reais e de benefícios sociais elevados e a diferenciação de produtos são conceitos básicos para inserir os mercados do sul internacionalmente. Como observa (LAVAGNA, 2009, pag. 17), é possível inserir mundialmente até mesmo economias de pequena escala somente com base na diferenciação de produtos, incluindo bens alimentícios e de elevada qualidade e, portanto, diferenciados em escala mundial, e até mesmo bens de consumo com projetos inovadores e serviços de alto valor agregado, como, por exemplo, os softwares, etc. (LAVAGNA, 2009, pag. 18), defende que uma homogeneização de países do Sul é algo muito difícil, pois como exemplo da Argentina e Brasil, a primeira possui problemas de 15 Globalização e o Estado Nacional, Maria da Conceição Tavares, A vida por centavos pag. 269, jornal do brasil 12 de junho de 1997 35 restrição demográfica e disponibilidade de mão de obra comparada ao segundo. O Brasil é mais de duas vezes maior que a Argentina, o que faz com que esta conte com uma necessidade de aparato sindical muito menor, permitindo com que ela encontre equilíbrio empregatício rapidamente. 3. Soberania e interdependência O Brasil, por ter optado por uma adesão aos ditames do capital financeiro internacional, fica prisioneiro do cambio e dos juros e ao contrário de outros países mais fortes, não temos a mesma capacidade de resposta comercial ou financeira (TAVARES, 1997, pg. 28). As ações liberalizantes do Brasil estão pautadas no objetivo de garantir o ingresso de capitais externos para fechar o balanço de pagamentos. Um projeto nacional incluiria uma regeneração do Estado e de suas relações com toda a sociedade. Levandonos a duas questões centrais: o espaço de autonomia dos Estados para a formulação de políticas nacionais e o papel do Estado dentro deste marco de globalização crescente. (ANDRADE, 1997, pg. 35) defende a superação do conceito de nacionalidade para ocorrer um sistema sindical harmônico. Como diz o artigo 2 da Carta da ONU, uma organização é baseada no princípio de igualdade soberana entre todos os membros. O Estado Moderno possui soberania interna, centrada na autonomia; e soberania externa, centrada na independência (RUSSOMANO, 1997, pag. 72) Pois a independência interna não é absoluta, ou seja, inexiste assim uma subordinação ou dependência entre as nações, o que há, na realidade, é igualdade. (ANDRADE, 1971) usa a expressão “distintivos da soberania” para dizer que no âmbito interno prevalece à autoridade para definir as competências e a unidade do poder estatal. Enquanto que na esfera internacional é a independência em ralação as forças externas que desempenham o papel principal. Mas a interdependência internacional esgota parte desta soberania (ANDRADE; ZIPPELIUS, 1971, pag. 13/15). 4. Conclusões: O MERCOSUL é caracterizado por intensa vulnerabilidade histórica, por ter sido empreendido num momento delicado para toda a América Latina e por ter se afirmado por meio de politicas liberais. A economia dos países que hoje compõe o 36 bloco desenvolveu-se por intermédio da ajuda financeira dos países avançados. Assim, não é possível inserir a América do Sul internacionalmente sem transformar sua estrutura dependente. Pois apesar de a proposta do Mercado Comum do Sul pautar-se na elevação politica, social e econômica de todos os países membros, não transbordou de forma significativa para além de questões tarifárias. Propor uma Tarifa Externa Comum (TEC) é manter e agravar desigualdades estruturais, pois não existe igualdade em medidas aceitáveis entre os integrantes do MERCOSUL. Se o objetivo anterior era fortalecer nossos parques industriais, a onda neoliberal deixa que o mercado resolva os problemas sociais. A circulação de trabalhadores na região da América do sul é anterior ao MERCOSUL. No passado, havia uma competição entre dois grandes empregadores; o Estado e a iniciativa privada. Hoje, estas áreas estão pouco claras, ou seja, existem inúmeras atividades, como empreendedorismo e atividades autônomas que ainda não tiveram qualquer resolução por parte do MERCOSUL. A desregulamentação do trabalho não é possível sem a intervenção direta do Estado, que assegura que as regras de livre negociação entre Capital e o Trabalho sejam respeitadas garantindo a lisura do processo, o cumprimento do entendimento e resgatar os direitos das partes. Tudo isso parte de um pressuposto básico para a modernização que defende um industrialismo pluralista e soluções pluralistas, buscando conter a tendência aos excessos tanto do mercado quanto do Estado. A integração latino-americana é um imperativo. Sem ela, nossos países ficam indefesos tanto no plano econômico quanto político. Os acordos tarifários e comerciais podem provocar uma nova onda de restruturação que não vai ser amparada pelo governo, como a requalificação profissional. Assim, os custos sociais vão aumentar, já que o mercado tende a decidir por conta própria o nível de especialização comercial e produtiva. Assim, a industrialização vai depender cada vez mais das iniciativas das transnacionais do que do estado. Se antes os estados competiam, agora as empresas competem. O que pode causar descontentamento as empresas e ser uma ameaça à eficiência do bloco em matéria de harmonização das relações de trabalho, pois quando se trata de comércio, essas pedem que os acordos e tratados sejam impostos rigorosamente para resolver conflitos e proteger sua propriedade privada e seus investimentos, mas quando o assunto é mercado de trabalho, elas querem justamente o oposto, ou seja, mais flexibilidade. Por isso, os países do MERCOSUL deveriam desenvolver de forma harmônica, intensificando sua inserção internacional, através da mudança de realidades locais. 37 REFERÊNCIAS CASTRO, Maria Silva Portella. Reflexos do MERCOSUL no mercado de trabalho, 1998. MEIRA, SCHOEDER, PINTO, BIMBI; Maria Elisa, Osni, Eduardo. O MERCOSUL no contexto da Integração Continental, 1997. CACCIMALI, Maria Cristina. As políticas ativas de mercado de trabalho no MERCOSUL, 2005. RAMOS, Márcia. O jornal do Brasil em 26 de fevereiro de 1997 ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes. O MERCOSUL e as Relações de Trabalho, 1999. ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado, Lisboa, 1971 LAVAGNA, Roberto. Argentina-Brasil: (Democracia, Estratégia e Política N° 9, 2009. 38 um projeto desejável-e possível? ANÁLISE DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO ECONÔMICA: Análise: as perspectivas do MERCOSUL Rafaella Ribeiro de Aguiar Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC GO) [email protected] Resumo: Este artigo tem por objeto de estudo a análise da teoria da integração econômica, possuindo como objetivos primordiais (i) mostrar em seu decorrer as características da integração econômica, aprofundando na teoria de formação dos blocos regionais (ii) esclarecer as classificações dentro das formas de integração, posicionando o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) frente às limitações e possibilidades de expansão da integração e (iii) avaliar os desafios encontrados pelo bloco anteriormente citado diante do sistema internacional no que tange os aspectos do comércio multilateral entre Estados, sob a perspectiva do regionalismo aberto. Palavras chaves: integração, regionalismo, comércio multilateral, MERCOSUL Abstract: This article intends to study the analysis of the theory of economic integration, having as main objectives (i) to demonstrate in its course the characteristics of economic integration, by deepening the theory of the formation of regional blocs (ii) clarify the classifications within forms of integration, positioning the Southern Common Market (MERCOSUR) regarding to the limitations and possibilities of expansion of integration and (iii) evaluate the challenges faced by the aforementioned block in front of the international system, regarding aspects of multilateral trade between Member States, under the perspective of open regionalism. Keywords: integration, regionalism, multilateral trading, MERCOSUL 39 1. Introdução A partir do estudo da análise da teoria da integração econômica, este texto possuirá como objetivos primordiais (i) mostrar em seu decorrer as características da integração econômica, aprofundando na teoria de formação dos blocos regionais (ii) esclarecer as classificações dentro das formas de integração, posicionando o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) frente às limitações e possibilidades de expansão da integração e (iii) avaliar os desafios encontrados pelo bloco anteriormente citado diante do sistema internacional no que tange os aspectos do comércio multilateral entre Estados, sob a perspectiva do regionalismo aberto. É importante ressaltar a contribuição teórica keynesiana e cepalina na análise do desenvolvimento econômico, proporcionando um pano de fundo que embasou não somente a construção do MERCOSUL, mas também a outros tipos de integrações na região latino-americana. A discussão sobre o regionalismo econômico e suas dimensões traz às relações internacionais a formatação do sistema internacional contemporâneo, principalmente no âmbito das relações multilaterais latino-americanas que, desde os anos 80, enfrenta as consequências da dura crise inflacionária que afetou grande parte dos Estados da região. Segundo Alcides Costa, vemos que “O regionalismo econômico possui dimensões políticas que são igualmente importantes e emolduram as relações internacionais contemporâneas. A sua consecução e o seu aprimoramento exigem a prática permanente de negociação em que se mobilizam múltiplos atores, interesses e objetivos a ser acomodados e atendidos sob arranjos cooperativos que transcendem, não raras vezes, seus domínios originais. Por outro lado, envolvem conflitos distributivos domésticos e externos que reclamam atenção e a ação coordenadas dos governos e das sociedades, convertendo-se igualmente tais conflitos em fatos políticos relevantes.” (COSTA, 2002, p. 17) Dessa maneira, a integração econômica prevê a cooperação e a negociação política entre os Estados, sem as quais o processo de regionalização dos blocos seria praticamente infundado. Assim, este presente artigo propõe-se a analisar as teorias da integração regional e em que maneiras elas se convergem na linha histórica de construção do ideário regionalista econômico na América Latina, consubstanciando a criação da sua mais coesa forma de integração nos dias atuais: o MERCOSUL. Avalia também, à luz da teoria, os desafios enfrentados pelo bloco econômico na busca por maior influência geoestratégica e econômica no cenário internacional. 40 2. A Teoria da Integração Econômica A integração econômica é definida como o “processo de eliminação de fronteiras e barreiras de natureza econômica entre dois ou mais países (= mercados)” (MACHADO, 2000, p.19), por serem portadores de obstáculos ao fluxo comercial de mercadoria, serviços e, consequentemente, de fatores de produção advindo de outros países. Isto é, “as condições de produção, a regulação local e outros fatores internos operam em geral como os principais determinantes dos preços das mercadorias, serviços e fatores no âmbito do mercado nacional” (idem). Observa-se assim, que o principal intento da formação de blocos regionais é o desenvolvimento de mercados expandidos, levando às operações comerciais além-fronteira e produzindo mecanismos legais de benefícios (como a diminuição de taxas) para o comércio interno à integração. A inexistência de barreiras alfandegárias é, sem sombra de dúvidas, o maior desafio enfrentado pelos Estados integrados: sua existência dificulta o comércio e, ao mesmo tempo, protege as fronteiras e regula os fluxos de importações. Após os desejos de integração, amplamente difundidos na década de 80, a necessidade de institucionalização com o papel de coordenar as relações integradas (de Estados de mesma região ou não) desenvolveu-se e requeriu regulamentações baseadas no Direito Internacional, a fim de estabelecer e fundamentar a política econômica desses países nas relações intra-bloco. A União Europeia, em 1952 com o Tratado de Roma e em 1992 com o Tratado de Maastrich, foi a primeira forma institucionalizada de integração a possuir tal característica regulamentadora. Há, todavia, aqueles que discordam da integração em seus vários níveis: nacional, regional e universal. Esses níveis entende-se por “(...) (1) nacional, quando respeita à integração econômica de várias regiões de um país, (2) regional, quando se refere à integração de diferentes países num bloco econômico e (3) integração universal, no caso da integração de todos os países num único bloco econômico, ou seja, a que respeita à eliminação de todas as barreiras e discriminações às trocas internacionais (a OMC seria uma tentativa dessa integração global).” (PINTO, 2004, p. 8) Dessa maneira, analisando o cenário contemporâneo das relações internacionais, a integração universal, ainda que almejada, é utópica. A soberania dos Estados e o teor protecionista de suas barreiras alfandegárias, explicadas principalmente para a proteção 41 das indústrias nacionais, ainda protelam o aparecimento de tal tipo de união. Assim, trataremos aqui, a priori, do segundo tipo de integração econômica. As ressalvas apontam para os caráteres positivos ou negativos, o que Messias Pinto descreve: “Citando Tinbergen (1965), diversos autores distinguem entre integração positiva ou activa e integração negativa ou passiva. O conceito de integração negativa ou passiva é utilizado para designar aqueles aspectos da integração que envolvem a remoção das discriminações e das restrições à circulação, tal como sucede no processo de liberalização do comércio. A integração positiva ou activa está ligada à modificação dos instrumentos e das instituições e à criação de outros, com a finalidade de permitir que o mercado funcione com eficácia e de promover outros objectivos mais vastos dentro da união.” (PINTO, 2004, p. 7-8) Observa-se que a presença dos instrumentos legais reguladores é primordial para a característica positiva da integração; a liberalização comercial que traz, porventura, o cancelamento das restrições à circulação, caracteriza a integração de modo passivo ou negativo. Explica-se, assim, que o teor protecionista, ponderado, aliado à decisão soberana de cada Estado permanece, haja vista sua importância para a regulamentação dos objetivos dentro da união. É preciso salientar que os atores da integração regional podem ser governamentais ou não, nacionais, transnacionais ou subnacionais. Instituições do poder Executivo e os governos subnacionais que exercem a paradiplomacia podem executar o papel de atuação na integração econômica, bem como ONGs e federações de indústrias no âmbito não governamental. No debate acerca da soberania, sua cessão – parcial – é fundamental para a manutenção das relações inter-estatais e, primordialmente, do bloco regional: “Os autores que desenvolveram essa matriz teórica [da integração] destacam que, para o objetivo da integração, os atores sociais e econômicos devem participar ativamente do processo, nele interferindo a partir de determinado ponto após o take off inicial, buscando pressionar e convencer as elites nacionais a transferirem ou não parcelas de soberania para a esfera regional. Um aspecto importante é a participação, o efeito mobilizador da integração, que, por sua vez, está ligado à satisfação de interesses” (VIGEVANI et al., 2008, p. 12) A satisfação de interesses é, por sua vez, a característica prática que norteia as ações em bloco: os Estados-membros buscam atender suas vontades e o desenvolvimento econômico de suas regiões, razões pelas quais a participação em alguma forma de regionalismo econômico configura-se estratégica para aumentar a influência política 42 sobre Estados menores ou incrementar a economia interna aliando-se a Estados maiores. Assim, “Quanto maior a ambição em termos do grau de aprofundamento da integração econômica, maior o conjunto de políticas envolvidas no processo de negociação e maior a necessidade de alcançar harmonização ou buscar convergência/simetria de resultados. Neste sentido, a integração econômica deve acomodar sempre um processo de integração política cuja abrangência é proporcional à cessão de soberania dos governos nacionais.” (MACHADO, 2000, p. 3) O alinhamento de interesses políticos, assim sendo, mesmo que difícil, confere uniformidade ao bloco perante os organismos internacionais. Os percalços em tal alinhamento aparecem, principalmente, quando algum Estado-membro possui um modelo econômico antiamericanista (como os governos bolivarianos na América Latina), fere algum interesse previsto pela carta magna da integração ou, frente às crises econômicas, passa a prejudicar os Estados maiores e endividar-se com os financiamentos internacionais. Considerando a integração econômica como um processo de internacionalização das relações ao redor do mundo, nota-se que o estímulo causado pelos interesses econômicos leva os Estados a buscarem arranjos que assegurem resultados benéficos para o desenvolvimento interno de suas nações. Tais arranjos regionais trouxeram a homogeneização de hábitos de consumo e de produção e, no início, as etapas do processo produtivo precisaram ser fragmentadas mediante as vantagens comparativas apresentadas por cada Estado. Cada país, a depender da integração, seria responsável por uma delas. Esta prática faz diminuir cada vez mais as diferenças entre os países, estreitando economicamente suas fronteiras de forma lenta e quase imperceptível. No entanto, o desenvolvimento tecnológico e a globalização dos processos produtivos fizeram com que o modelo baseado na vertente clássica de David Ricardo, proposto em 1831 em seu livro The Principles of Political Economy and Taxation, aqui conceituada como vantagem comparativa, fosse desconsiderado e substituído pela especialização das indústrias e por economias de escala, já que “A especialização intraindustrial e a geração de economias de escala permitem que países, mesmo tendo estruturas industriais concorrentes, se beneficiem do comércio internacional. Consequentemente, num mundo em que a alocação da produção não segue mais de forma exclusiva a regra das vantagens comparativas, a regulação dos fluxos de comércio não pode ser contestada como estratégia de política econômica.” (MACHADO, 2000, p. 28) 43 De tal modo que a inserção no mercado internacional permita ser mais eficiente a produção dos países, tornando a forma de integração mais coesa, já que as economias de escala auxiliam na redução de custos. Ao passo que desencadeia um estreitamento de relações, o processo de integração cria também um antagonismo entre os Estados-membros, uma vez que se deparam com diversidades, desigualdades, tensões e contradições entre si. Os conceitos de países centrais e periféricos, de norte e sul, industrializados e agrários vão se reformatando e adquirindo novas acepções; no entanto, tais conceitos ainda vigoram e favorecem o domínio dos Estados-potências. Levando em consideração que a vertente tradicional do comércio internacional, anteriormente citada através do modelo das vantagens comparativas proposto por David Ricardo, foi gradualmente substituída pelo argumento protecionista das indústrias, a teoria do desenvolvimento, proposta inicialmente por Joseph Schumpeter, surge como um arcabouço explicativo para o comércio internacional configurado em blocos na atualidade: A segunda vertente, disposta depois por outros teóricos, explica, portanto, que as vantagens comparativas não eram mais estáticas, mas sim dinâmicas, isto é, a integração econômica “entre países em desenvolvimento seria um instrumento para viabilizar escala mínima de produção para aprofundamento do processo de substituição de importações” (PRADO, 1997). Assim, a alocação de recursos adequada ao modelo econômico torna o sistema complexo, porém voltada ao aperfeiçoamento industrial interno, melhorando a infraestrutura produtiva dos países e desenvolvendo as indústrias de base. Tal reflexão possui fundamental importância para a análise do surgimento do MERCOSUL, seus desdobramentos e sua influência no cenário internacional atual; que, em suas particularidades, diferenciam-se do modelo europeu de integração; análise que os tópicos subsequentes se dedicam a explicar. 3. As formas de Integração Econômica: uma análise da criação do MERCOSUL Num breve panorama, o aprofundamento da integração econômica acarretará num compartilhamento de soberanias nacionais, destacando o grau de complexidade das relações político-econômicas que o processo de integração vivencia. Nesse sentido, as formas de integração, pressupondo os mais diversos graus de envolvimento econômico 44 e político, podem assumir sete etapas básicas e distintas, sendo elas, segundo Machado (2000): I. II. Zona Preferencial de Comércio Zona de Livre Comércio III. União Aduaneira IV. Mercado Comum V. União Econômica VI. VII. Integração Econômica Total União Política Ainda segundo Machado (2000), da primeira à sétima etapa, os níveis de integração se tornam mais coesos através da total ou parcial eliminação de barreiras alfandegárias através de concessões mútuas ou não de redução de alíquotas; da adoção de uma Tarifa Externa Comum (TEC); da supressão dos empecilhos para a troca de fatores de produção e mercadorias; da busca pela convergência nos instrumentos de política fiscal, trabalhista, comercial e financeira; da adoção de critérios comuns para as políticas em âmbito nacional, principalmente em questões de paridades cambiais e de conversibilidade das moedas; da criação de uma moeda una gerida por um banco regional e independente; e, por fim, da instituição de uma Federação de Estados com autoridade política unificada. Num breve recorte histórico, observa-se que a criação do Mercado Comum do Sul, ambientada nos anos 90, apresenta-se como um caso excluso à Teoria da Integração Econômica definida nos anos 50. As duas principais vertentes propostas legitimavam o processo de integração europeu, no entanto, não conseguiram explicar ou adequar seus conceitos às necessidades do Cone Sul ao final da década de 80, ao que descreve Luís Carlos Prado: “(...) os projetos de integração propostos nas duas décadas posteriores à Segunda Guerra eram entendidos por seus formuladores como instrumento político para a construção de estratégias regionais de desenvolvimento econômico e de construção de suas vantagens competitivas. Embora a criação de comércio, em decorrência de reduções tarifárias fosse o principal objetivo da integração, esta era vista como uma forma de ampliar a escala de produção, para viabilizar uma estratégia de desenvolvimento que não era passível de ser implementada no espaço econômico de cada país isoladamente. Este era um projeto político com implicações econômicas, e não um second best para negociações multilaterais. 45 Essa estratégia foi bem-sucedida na Europa e fracassada na América-Latina. A integração europeia imaginada na década de 50 era limitada à Europa Ocidental, forjando-se no contexto político e econômico da Guerra Fria.” (PRADO, 1997, p. 279) Ao contrário do processo integrador europeu, a América Latina presenciou, nos anos 80, a “incapacidade de criar um modelo estável para a formação de uma simples área de livre comércio” (PRADO, 1997). O sentimento de concorrência entre os países latinoamericanos no que tange o comércio de produtos primários e o entendimento de que a industrialização seria destinada a suprir a demanda do mercado interno resultaram no fracasso das políticas de integração vigentes nessas décadas. As dificuldades experimentadas pelos países sul-americanos em meados da década de 80, internalizadas em uma profunda crise econômica provocada pelas elevadas taxas inflacionárias e pelas altas taxas de juros cobradas pelos estadunidenses, contextualizaram a adoção de políticas de liberalização unilaterais pelos países da região. A abertura de capitais e as reformas comerciais fizeram crescer um novo sentimento integracionista que culminou no Tratado de Assunção, esse que legalizou a criação da integração do Cone Sul. As insatisfações em relação às resoluções do GATT e a necessidade de dinamização das economias em desenvolvimento afetadas pela crise (PRADO, 1997, adaptado) foram essenciais para fundamentar o movimento de integração dos Estados sul-americanos. O estreitamento de relações Brasil-Argentina, primeiramente num viés essencialmente político, teve início com a assinatura do PICE (Programa de Integração e Cooperação Econômica), em julho de 1986, subseguido por diversos outros, sob a égide da ALADI. A queda dos regimes militares e a redemocratização dos governos vivenciadas pela América Latina favoreceu a cooperação nas negociações bilaterais, reforçando, mais adiante, a necessidade da retomada do discurso integralista. A decisão de reforçar as relações Brasil-Argentina foi firmada nos anos 90, com a assinatura da Ata de Buenos Aires, um marco importante que fixou em 31 de dezembro de 1994 a data de criação de uma união aduaneira. O Tratado de Assunção, assinado em 1991, retira o caráter bilateral da negociação e o substitui pela multilateralidade das negociações com a entrada do Paraguai e Uruguai ao acordo. A estrutura seria claramente intergovernamental, “com o estabelecimento de órgãos compostos por representantes dos poderes executivos dos Estados membros e sistema de tomada de decisão por consenso.” (COUTINHO et al., 2007); órgãos estes: o Grupo Mercado Comum (GMC) e o Conselho do Mercado Comum (CMC). Ao CMC eram 46 delegadas as decisões políticas para a constituição do bloco e ao GMC, a função fiscalizadora do cumprimento do tratado. A estrutura fora ampliada com o Tratado de Ouro Preto, em 1994 e em 1993, com o Protocolo de Brasília, o sistema de solução de controvérsias foi implantado. A fase de criação do MERCOSUL foi amplamente influenciada pelo aumento no volume de transações comerciais entre seus Estadosmembros. Em 1991, o volume era de, aproximadamente, U$10.201 milhões; em 1992, o montante aumenta para U$14.497 milhões (CONSTANTINO et al., 2007). A integração do Cone Sul, não explicada pelas vertentes da Teoria da Integração Econômica anteriormente mencionada, estruturou-se, segundo Luís Prado (1997), através de um regionalismo aberto, uma tentativa de implementar uma cultura de comércio entre os países da região sem pretensões de normatizações supranacionais. Ao citar Gert Rosenthal, então Executivo da CEPAL, revela sobre o regionalismo aberto que (...) [é] um processo de crescente interdependência econômica a nível regional, impulsionado tanto por acordos preferenciais de integração, como por ouras políticas em um contexto de abertura e desregulamentação, com o objetivo de aumentar a competitividade dos países da região e de constituir, na medida do possível, um estímulo a uma economia internacional mais aberta e transparente" (CEPAL, 1994 apud PRADO, 1997, p. 290) Partiu-se então da premissa de que o regionalismo aberto seria formado pelos Acordos de Complementação Econômica, representando o que seria dito como “acordos de nova geração”. Em suas especificidades, o Regionalismo Aberto prevê uma Tarifa Externa Comum cautelosa, no início da integração: “Nesse caso, diferentemente das teorias tradicionais de integração econômica, esse processo depende menos dos aspectos comerciais da integração e mais dos seus efeitos sobre as decisões de investimento (...) Isto é, a dinâmica desse processo move-se da integração formal para a integração informal” (PRADO, 1997, p. 291) De maneira que as decisões institucionais (formais) influíam nos padrões de decisão das relações estabelecidas levando em conta os aspectos sociais, de mercado, tecnologia e comunicação (informais). Na perspectiva de criação do bloco, o Regionalismo Aberto busca “conciliar dois fenômenos: a crescente interdependência regional resultante dos acordos preferenciais e a tendência do mercado em promover a liberalização comercial” (CORAZZA, 2006), tentando, a grosso modo, convergir as políticas de liberalização internas ao bloco às políticas de liberalização praticadas a países terceiros. Privilegia, 47 assim, o processo de superação do modelo de substituição de importações através da diversificação da estrutura produtiva. Entre 1998 e 2002, o MERCOSUL vivenciou uma fase de crise nas negociações internacionais, influenciada pela crise interna pela qual os Estados passavam. A posição institucional do bloco, entretanto, manteve-se mesmo perante as dificuldades e em 2003, a modificação no patamar político (principalmente com a ascensão de Lula e Néstor Kirchner ao poder) auxiliou na retomada das negociações de integração. A partir de então, o MERCOSUL consolida-se como um fator importante à política externa dos Estados-membros, adicionando ao seu caráter comercial as perspectivas de integração não somente social, mas também física. 4. Perspectivas e desafios: os dilemas do MERCOSUL A terceira fase experimentada pelo Cone Sul (após 2003 e a revitalização das negociações) representou para a integração o marco da estabilidade. A expansão das exportações intra-bloco representava – e ainda representa – uma considerável fatia do volume de exportação dos países, demonstrando que a integração comercial regional está cada vez mais consolidada. Os desafios enfrentados pelo MERCOSUL na atualidade, no entanto, ainda não são totalmente distintos dos experimentados nos anos 90: os esforços para que as estratégias aplicadas produzam resultados que expandam as fronteiras da integração, com a atração de novos investimentos e a consolidação como sede produtiva de bens e serviços especializados, e possam tornar o bloco política e estrategicamente relevante, ainda persistem. O bloco vivencia uma mudança de paradigmas voltada a desenvolver a consistência da integração, materializando-a de maneira não somente institucional como também física; ou seja, “(...) um modelo regionalista estrutural, voltado mais para aspectos físicos, energéticos, institucionais e sociais, está sendo aos poucos construído. Embora essa mudança seja lenta, seus sinais já são perceptíveis, o que não significa dizer que os esforços comerciais tenham sido de todo abandonados frente às dificuldades políticas e assimetrias econômicas.” (COUTINHO et al., 2007, p. 39) Tal consistência deve superar as divergências de interesses particulares e, mesmo com a semelhança entre as estruturas produtivas dos países, ao longo do tempo, ainda não 48 evoluíram de maneira prática e clara. Os benefícios da integração só serão expandidos quando houver um comprometimento coeso de todos os agentes macro e microeconômicos, convergindo para o aprofundamento das relações comerciais, sociais, financeiras, tecnológicas e comunicativas. Baumann e Mussi (2006) apontam que “A teoria e a experiência histórica indicam ainda que processos de integração são tanto mais sustentáveis ao longo do tempo quanto mais decisivos forem os ajustes internos de cada país para permitir a convergência com seus pares. Esses ajustes envolvem mudanças de normas, legislações, instituições e práticas, de modo que pressupõem vontade política. (BAUMANN et al., 2006, p. 27) Isto é, a deliberação política dos países em prol da integração favorece o desenvolvimento da consistência do bloco, interconectando economias de modo que os ganhos absolutos elevem-se e as transações comerciais diversifiquem-se. Na atualidade, os desafios ao futuro do MERCOSUL perpassam a cessão parcial de soberania em prol das benesses da atuação em bloco, partindo do princípio de que os interesses particulares dos Estados comporão os interesses unificados da integração e não se sobressairão. Tal entendimento prevê que os interesses passam não mais a serem individuais dos Estados, mas coletivos, observando que a atuação em conjunto no sistema internacional fortalece a atração de investimentos e proporciona o desenvolvimento interno das economias dos países signatários. A ação coletiva coesa e consistente é o maior desafio das integrações: o alinhamento dos desejos políticos e econômicos ainda enfrenta e enfrentará muitos percalços ao longo do tempo. 5. Considerações Finais Este artigo se prontificou a analisar e debater a Teoria da Integração Econômica, proposta nos anos 50, avaliando o arcabouço teórico que fundamentou a integração do Cone Sul nos anos 90. A integração parte do princípio de que a cooperação política e comercial entre Estados traz benefícios ao desenvolvimento de suas economias internas, e, na medida em que se aprimora e aprofunda, ela reduz as barreiras aduaneiras, permite a livre circulação de bens e serviços, estimula as relações comerciais entre os países membros e, principalmente, fortalece o elo identitário que conecta a integração. No Cone Sul, o final dos anos 80 contextualizou a insurgência do sentimento regionalista, 49 primeiramente pensado num viés político e, com o passar dos anos, transformado em um aprofundamento das interconexões físicas, sociais, tecnológicas e comunicativas. No entanto, tal aprofundamento ainda está distante da coesão comparada à outras integrações, como a União Europeia. O status de união aduaneira do MERCOSUL (mesmo titulando-se Mercado Comum) traz diferentes opiniões acerca do estágio da integração, refletindo se a livre circulação de trabalhadores e as várias reformas tarifárias são, de fato, benéficas aos interesses dos Estados. Os problemas domésticos vivenciados pelos Estados ainda muito influenciam a estabilidade econômica do bloco, o que permite que outros tipos de acordos bilaterais alheios à integração ainda sejam feitos, buscando garantir a liquidez nas negociações. A assimetria econômica dos países membros ainda é um impasse a ser transposto. A estruturação do MERCOSUL pode ser atribuída a um contexto de afirmação das potências emergentes, garantindo o poder de barganha dos países sul-americanos frente às grandes potências da atualidade. O Regionalismo Aberto foi tratado como uma nova vertente teórica para fundamentar a construção do bloco regional sul-americano, diferenciando-se das teorias clássicas que basearam a formação da União Europeia. Trata-se de uma perspectiva que busca conciliar as crescentes liberalizações comerciais e as interdependências regionais. Dessa forma, o MERCOSUL surge como a materialização do desejo sul-americano de desenvolvimento da indústria doméstica, elevando as relações comerciais, dantes praticamente ignoradas, entre os países da região. Assim sendo, o MERCOSUL afirma-se no contexto das potências emergentes, consolida, ainda que a lentos passos, a identidade sul-americana e, principalmente, possibilita a inserção de economias menores no contexto internacional a partir do poder de barganha, esse proporcionado pelo alto volume das transações comerciais e, consequentemente, pelas taxas de lucratividade em ascensão nos últimos anos. REFERÊNCIAS ARAUJO, J. Reestruturação Industrial e Integração Econômica: as perspectivas do MERCOSUL. Rio de Janeiro: R. Bras. Econ., Vol. 47 (1): 97-113. Disponível em: 50 <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/view/571/7918>. Acesso em 22 abr. 2014. BAUMANN, R; MUSSI, C. MERCOSUL: Então e Agora. CEPAL: LC/BRS/R.159, Maio 2006. BRAGA, M. Integração Econômica Regional na América Latina: uma interpretação das contribuições da CEPAL. Economia USP, 2001. Disponível em: <http://www.anpec.org.br/encontro2001/artigos/200101161.pdf>. Acesso em 20 abr. 2014. CORAZZA, G. 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Acesso em 20 abr. 2014. 52 BRAZIL AS A SEMI-PERIPHERAL COUNTRY: The dual position of trade in services of higher education The dual position of trade in services of higher education Maxwill M. S. A. Braga MA in Education and Globalization from the University of Oulu, Finland BA in International Relations from the University of Brasilia, Brazil [email protected] Felipe M. S A. Braga BA in Economics from the Federal University of Minas Gerais, Brazil BA in Public Administration from Fundação João Pinheiro, Brazil [email protected] Resumo: Este artigo discute a dupla posição do Brasil em relação ao comércio de serviços de ensino superior. Considerando competidores globais, o Brasil tem uma posição defensiva e não faz compromissos em serviços de ensino superior no âmbito do Acordo Geral de Comércio de Serviços da Organização Mundial do Comércio (AGCS/OMC). Ao contrário, quando se considera o mercado dentro do Mercosul, o Brasil tem um papel construtivo, com o objetivo de estimular a livre circulação de pessoas, a fim de construir um mercado comum. Por isso, o Brasil não impôs restrições em três de quatro modos de oferta de serviços de ensino superior no Protocolo de Montevidéu, instrumento análogo ao AGCS/OMC dentro do Mercosul. Abstract: This article discusses the dual position of Brazil in relation to trade in services of higher education. When taking into account global competitors, Brazil has a defensive position and makes no commitment in services of higher education under the framework of the General Agreement of Trade in Services of the World Trade Organization (GATS/WTO). Contrariwise, when considering only Mercosur market, Brazil has a constructive role, aiming to stimulate the free flow of people in order to build a common market. Therefore, Brazil did not impose restrictions in three out of four modes of supply of higher education services in the Montevideo Protocol, analog instrument of GATS/WTO within Mercosur. 1. Introduction In the global level, Brazil has a defensive position by making no commitments of liberalization of trade in educational services under the framework of the General 53 Agreement on Trade in Services of the World Trade Organization (GATS/WTO). On the other hand, in the regional level, Brazilian foreign policy in Mercosur negotiations under the framework of the Montevideo Protocol has an enthusiastic approach by setting no limitations on three out of four modes of supply of trade in higher educational services. In order to discuss this dual position, we use Wallerstein´s World-Systems Theory´s concept of semi-peripheral country. The findings of this research are based on the analysis of official documents of Mercosur and interviews with leaders of key Brazilian state and non-state institutions. With the intention to subsidize the discussion, this article presents a summary of the literature review and the main concepts of Wallerstein`s World-Systems Theory. At the end, this article explains the rationales behind the dual position of trade in higher education services. 2. Background information The global debate about liberalization of services in higher education (HE) is related to the expansion of enrolment in higher education. Delanty (2004) explains that the expansion of higher education was boosted by the welfare state, which realized that a knowledge-based society would be the foundation element of a competitive economy. The majority of developed countries subsidized the growth of public universities and other forms of higher education institutions (DELANTY, 2004, pp. 241-44). Before the welfare state, higher education institutions (HEI) were overrepresented by people from economic and political elites. After the 1929 crisis, this situation started to collapse; higher education was not exclusive to powerful and wealthy elites any longer. In the last decades, the expansion of higher education did not happen only because of the growth of places in traditional university institutions, but also due to the diversification of HEIs. Other forms of tertiary education institutions emerged, such as university centers, branch campuses, franchise, twinning arrangements, e-learning, and virtual universities (KNIGHT, 2002, p. 210). One important point to consider while talking about the expansion of HE is the role of regional integration, because of its responsibility in intensifying the flow of students, teachers, researchers, institutions, and programs. The Bologna Process which 54 culminated in the European Higher Education Area (EHEA), in 2010, is the best example. EHEA creates the structure to facilitate the process of people and knowledge exchange, through standardization, such as the European Credit Transfer and Accumulation System (ECTS). This structure allows the elaboration of programs that involve a compulsory exchange or a joint degree course. There are students, teachers, and researches enjoying the experience of studying, teaching, and researching abroad via a variety of programs, such as Erasmus. The idea of the EHEA is influencing similar initiatives in different regions of the world. For instance, Mercosur very often mirrors the European Union as an ideal example of regional integration. This broad view is important to understand the trends in Mercosur in boosting the internationalization of HE in South America. In 1991, Argentina, Brazil, Paraguay and Uruguay signed the Treaty of Asuncion creating Mercosur. These countries share values of democracy, sustainable growth, human right, and equity. Other countries from South America are associated states, however the commitments in trade in services of higher education can happen only between member states16. The main objective of Mercosur is the integration of its member states via free circulation of goods, services and factors of production. Mercosur is also based on harmonization of legislations and on the adoption of a common trade policy via implementation of the same tariffs to states outside the economic bloc. Mercosur Parliament, Parlasur, is in process of consolidation, which will have regional legislative power like the European Union Parliament. In addition, it is worth to clarify that internationalization of higher education happens in two ways: (i) trade strategy represented by all initiatives based on trade, which the General Agreement on Trade in Services (GATS) and Montevideo Protocol, Mercosur analog instrument of liberalization are grounded on, and (ii) non-trade strategy represented by all initiatives, especially cooperation, that promote internationalization of HE without using trade mechanisms. This article discusses only the trade strategy of internationalization of higher education. 3. World-Systems Theory concepts of core-periphery and semi-periphery 16 More information about Mercosur is available at <http://www.sic.inep.gov.br/es-ES/mercosuleducacional>. 55 The theoretical framework is based on Wallerstein´s World-Systems Theory (WST) to explain the concepts of core-periphery and semi-periphery which will be used to discuss the semi-periphery position of Brazil in relation to trade in educational services. Core-Periphery is a relational concept, hence it can only be explained together. The core is responsible for production processes - usually with some degree of monopolization supported by core-states - that generate more capital and profit. The periphery is responsible for production processes that aggregate less value, thus generating less profit (WALLERSTEIN, 2005, p. 93). The classification of a country as core or periphery depends on the degree of profitability of its production processes. Since profit depends on the degree of monopolization, core countries are basically those that have states that can support the creation of quasi-monopolies. On the other hand, peripheral production processes are truly competitive; hence the profit margin is very low. Dependency Theory urges that international trade is not trade between equals, but that there is an unequal exchange between core and periphery, because the core products have a stronger position, while peripheral products have a weaker one (WALLERSTEIN, 2005, pp. 28). It is not possible to generalize what kind of goods or services represent core or periphery economical activities. It depends on the space/time context. In the 18th century, textiles were core-like product monopolized in UK, in the 20th century it is a truly competitive good produced all over the world, hence a peripheral product. Currently a simplistic example of core products are those based on high-technology and biogenetics, while peripheral products are raw materials. In reference to the Semi-Periphery concept, there are no semi-peripheral products, as there are core-like and periphery-like products in specific historical contexts. A semi-periphery country has an even distribution of production processes; it exports core-like products to the peripheral zones and exports periphery-like products to core zones. Semi-periphery countries can be the result of the rise of a peripheral country or the decline of a core one (WALLERSTEIN, 2005, p. 97). Brazil is an example of semi-peripheral country. In general, Brazil exports advanced products to periphery countries, such as machines and equipment, and exports products with low added value, for example, food, beverages, minerals, and clothing to core countries. 56 4. Presenting and analyzing the discourses about trade in services of higher education With the purpose of finding the resultant vector of the complex debate around liberalization of trade of higher education services, we interviewed the main figures of state and non-state actors (Table 1). Clearly the main trend in Brazilian rationale is against liberalization of trade in services under GATS/WTO framework, but at the same time most actors are enthusiast to promote liberalization in Mercosur to incentive the flow of people within the region. Table 2 and 3 present the positions and rationales of Brazilian state and non-state actors in relation to trade liberalization of HE under GATS/WTO framework. Table 1 – List of people representing the key state and non-state institutions Post and Name Conselheira Almerinda Almeida de Carvalho Code Institution Positions DCE/MRE_01 Division of Educational Themes/Ministry of Foreign Affairs (DCE/MRE) Current Coordinator of DCE/MRE. MRE_02 Ministry of Foreign Affairs (MRE) Diplomat of MRE& Civil Servant of MRE Two interviewees SESu/MEC_03 Secretariat of Higher Education/Ministry of Education (SESu-MEC) CE/Senate_04 Senate Commission of Education, Culture and Sports (CE-Senate) Ex- Rector of University of Viçosa (2008-11); Responsible for SESu/MEC (2011); Current President of INEP. Ex-Rector of University of Brasilia (1985-1989); Ex-Minister of Education (2003); Current member and ex-President of CE-Senate. SCS/MDIC_05 Secretariat of Trade and Services/ Ministry of Development, Industry and Foreign Trade (SCS/MDIC) Current Coordinator of Trade in Services. & Specialist in service negotiation. Forum of Brazilian University Offices for International Relations (FAUBAI) Brazilian Association of Rectors of Federal Universities (ANDIFES) Brazilian Association of Private Higher Education Maintainers (ABMES) Current FAUBAI President; Current Assessor of Exterior Relations of UNESP. Secretário Luiz Claúdio Costa Senador Cristovam Ricardo Calvacanti Buarque Sr. André Marcos & another interviewee Sr. José Celso Freire Junior Sr. João Luiz Martins Sr. Gabriel Mario Rodrigues FAUBAI_06 ANDIFES_07 ABMES_08 ABRUC_09 Brazilian Association of Rectors of Communitarian Universities (ABRUC) Current President of ANDIFES; Current Rector of UFOP. President of ABMES; Rector of Anhembi Morumbi. Executive Secretary of ABRUC. 57 Sr. José Carlos Aguilera Form of interview in person in person in person in person in person e-mail phone in person in person UNE_10 National Higher Education Student Union (UNE) 3rd vice-president of UNE General Coordinator of student academic center/UnB. ANDES-SN_11 National Higher Education Teacher Union (ANDES-SN) President of ANDES-SN (2004-06 and 2010-12) Professor_12 International Relations Department of UnB Academic Specialist in themes of International Relations and Higher Education Sr. Jonatas Moreth Sra. Marina Barbosa Pinto Professor Tania Manzur in person in person e-mail Source: Own elaboration. Table 2 – Position of Brazilian state actors in relation to trade liberalization of higher education under GATS/WTO framework Actors Position SESu/ MEC Against GATS DCE/ MRE Against GATS MRE (other divisions) ProGATS SCS/ MDIC ProGATS CE/ Senate No position (Senate house) and Against (PDT party) Rationale Education is not a commodity. It is about a country’s development, autonomy, sovereignty, people’s education, knowledge and research; This government does not consider HE becoming a bargaining chip in the Doha negotiations; “GATS may pressure the state to loosen up quality criteria and control mechanisms” (CESCA, 2008, p. 57); “Poor quality institutions may enter and competition may lower the quality of education” (Ibid.). GATS is not a hot topic in the meetings DCE participates, because of the clear understanding of education as a public good; Constitutional guideline affirming education as a public good; “GATS over-rules national legislation, so Brazil would have to adjust its internal regulations accordingly” (Ibid.); “Education legislation is not stable enough to sign an international agreement on the sector” (Ibid.); “GATS text is ambiguous and open for discretionary interpretation” (Ibid.). The diplomats in this division would find positive the authorization of MEC to negotiate education under GATS framework, because it would provide us room for maneuver to achieve agreements on agriculture and industry; “Countries can protect themselves by including limitations in their commitments” (Ibid.); “Fosters competition and may increase the offer and quality of education” (Ibid.); “The country is protected if the service is well regulated internally” (Ibid.). If the negotiation was approved by MEC, education could become a “bargaining chip” in the agriculture and industry negotiation; Recognize that the caution with education is not unreasonable. Each political party has a position. The congress has no approved position regarding HE and GATS. The CE-Senate has never debated about education negotiation under GATS either; The PDT party (senator’s party) has no sympathy with the liberalization but does not refuse to debate it. PDT party thinks that GATS leads to an internationalization that weakens the defense of education according to national interests. Source: Own elaboration. 58 Table 3 – Position of Brazilian non-state actors in relation to trade liberalization of higher education under GATS/WTO framework Actors Position FAUBAI No position ANDIFES Against GATS ABMES No position ABRUC UNE No position Against GATS ANDES-SN Against GATS Rationale It is difficult to reach a consensus due to the heterogeneity of the association composed of federal, state, for-profit and nonprofit HEIs. Besides, the forum has never debated the topic. We condemn privatization in relation to education due to our understanding that it is not a commodity, but a social investment, a public good. In practice liberalization is happening, but has not caused big impacts. Hesitation in case of sudden liberalization causing big competition of national providers with foreign providers. The association does not have a position. The function is to support the autonomy of each communitarian HEI to promote the debate about it. GATS treats education as a service, which is contrary to UNE’s strategy, which is a public, free and democratic university. All analytical construction up to this moment synthesizes a position against GATS, but there is no congressional decision raising hands against it. GATS has the tendency to crystalize unequal processes, less qualified systems, strengthen the private sector. It does not strengthen the public sector to overcome national ills. Source: Own elaboration. 59 5. The position of Brazil in relation to trade in services of higher education in Mercosur This section presents the current stage of trade in services of higher education in Mercosur, the Montevideo Protocol. The discourse is not only from Mercosur entities, but also from Brazilian national actors about Mercosur. According to Neto (2010, pp. 102-117), the Montevideo Protocol, Mercosur instrument to negotiate services, has the same principles and rules as GATS, such as most favored nation, transparency, domestic regulation, market access, national treatment, and list of commitments in horizontal and vertical sections. Santos and Domini (2010, n.d.) stress that the inclusion of education as a service under GATS/WTO has strengthened the tendency of internationalization of HE in Latin America, but also has increased the processes of privatization and commodification in the region. The tables below show the commitments of Argentina, Brazil, Paraguay and Uruguay in higher education services in Mercosur. The horizontal section is used by the countries to present the limitations for all services of a particular sector and its respective subsectors. The liberalization of trade in services occurs when a country does not impose any restriction to a service provider, by writing “none”, which means that the government makes a commitment that it will not have any limitation and does not intent to raise any limitation to foreign supply for that specific service in the future. The term “unbound”, meaning the opposite of “none”, indicates that the country can raise any restriction in the future. The countries are also allowed to use the list to clarify the degree of liberalization by adding exceptions. It is important to mention at this point, as a comparison analysis, that Argentina, Brazil, Paraguay and Uruguay have no commitments on CPC17 923 Higher Education services on GATS/WTO. Analyzing the tables of commitments, it is clear that Brazil has made more liberalization commitments than the other Mercosur countries. According to Neto (2010, p. 147), Brazil has a constructive and protagonist role in the rounds of negotiation in services and is not only attentive to its individual interests, but also to the interest of Mercosur 17 CPC stands for Central Product Classification (CPC), WTO uses this nomenclature to classify 12 types of th services, education is the 5 service, and Higher Education services are classified under the label CPC 923. 60 member countries and the process of integration. This protagonist role can be identified with bigger number of commitments liberalizing education as well as the fact that the Mercosur Educativo website is hosted in a “.br” domain. Uruguay and Paraguay have been ambitious in the demands for Brazil liberalization, but have made few commitments themselves. Argentina does not have the same enthusiasm for the negotiation in services in general as all the others, but is the second one, after Brazil, with more commitments in HE services. Table 4 – Brazilian higher education commitments in Mercosur 61 Table 5– Argentinean higher education commitments in Mercosur Table 6– Uruguayan higher education commitments in Mercosur Table 7 - Paraguayan higher education commitments in Mercosur. 62 In the list of commitments in educational services, in Mercosur, considering inscriptions as “none” and “non-consolidated”, respectively, Brazil has 42 and 22, Argentina has 18 and 44, Paraguay 22 and 42, Uruguay 16 and 48 (Neto, 2010, p. 133). Hence, Brazil is much more keen to liberalize services in education than the other Mercosur members. Considering the total exportation of all Brazilian service sectors, in 2007, Latin America without Mercosur countries corresponded to 2.2%, Mercosur corresponded to 1.8%, European Union 22.9%, USA 53.6% and others 19.5% (Neto, 2010, p. 67). Considering total exportation in goods and services, Brazil has never exported more than 15% in services, although Brazilian economy is based around 70% on services, 20% on industry and 10% on agriculture (Neto, 2010, pp. 58-59). This information corroborates that the Brazilian rationale towards Mercosur is explained more by the integration than economic goal, since Mercosur is a very small commercial partner. According to Neto (2010, p. 145), the liberalization of trade in services in Mercosur is inserted in a project of deep integration aiming to construct a Common Market, characterized by free movement of goods, services, capital and labor, as well as policy coordination and legislation harmonization. The national actors saw no contradiction of having a rationale against GATS in the global level and at the same time negotiating education as a service on Mercosur. ANDIFES’ president confirmed that Brazil, since 1990s is trying to construct an integration area and liberalization of HE, and the University of Latin America Integration (UNILA) is a great example of the desire of Brazil to approximate the Mercosur peoples (Interview ANDIFES_07). Tânia Manzur, professor of International Relations at the University of Brasilia and specialist in HE research, also affirmed that 63 the Brazilian government views a direct correlation between service liberalization and the regional integration project (Interview Professor_12). According to MRE diplomats “Brazil has the ambition to deepen the regional integration, creating a free movement of goods and people, like the European Union. The goal is to completely liberalize services by 2015” (interview MRE_02). Foreign trade analysts informed that the Brazilian trade foreign policy considers WTO as the bottom and Mercosur as the ceiling of negotiation in services (Interview SCS/MDIC). The counselor of DCE, when asked about the Brazilian different position on the regional level, just said that Brazil is more flexible in relation to Mercosur (Interview DCE/MRE_01). The Brazilian state actors defend that the liberalization of trade in services of HE is part of a broader project of Mercosur integration (Interviews DCE/MRE_01, MRE_02, SCS/MDIC_05). When asked the counselor of DCE/MRE if the trade strategy of internationalization of higher education in Mercosur contradicted the Brazilian state understanding of higher education as a public good, she limited her explanation to answer that in the case of Mercosur this issue is more flexible (Interview DCE/MRE_01). The president of association of federal universities affirmed that the government did not consult their position in relation to Mercosur. Although, he agreed with the project of integration, he was against the trade strategy because it stimulates privatization (Interview ANDIFES_07). This position of ANDIFES is consistent with the Porto Alegre letter declaration written in 2002 in the occasion of Rectors of Public Ibero-American Universities summit, which considered higher education a public good and demanded their governments not to subscribe commitments under GATS/WTO. UNE and ANDES-SN are also against the trade strategy in Mercosur, because of their clear defense of education as a public good (Interviews UNE_10 and ANDES-SN_11). 6. Conclusion The use of the WST’s concept of semi-periphery explains vastly the Brazilian position in relation to internationalization of higher education. Brazil as a semiperipheral country assumes core or periphery roles depending on the situation. In the case of Mercosur, the Brazilian nation-state identify that its sovereignty, economic development, national culture are not threatened with liberalization with other members 64 of Mercosur. Hence, the protagonist and constructive role in supporting the implementation of Montevideo Protocol to liberalize trade in HE services in Mercosur aiming full integration. The trade within Mercosur is not significant when compared to the amount Brazil trades with Europe, North America, China; although it is not possible to discard that Brazil has economic interests in the area too. Most of the actors justified liberalization as a required step to promote integration. However, some national actors, for instance ANDIFES, SCS/MDIC, MRE, confirmed the rationale that Brazil claims a leading role in South America and even Latin America as a regional power. Brazil starts with consolidating its influence in South America, then spreading it to Latin America. In sum, in Latin America, Brazil aims to exercise a core-like role and have other countries playing periphery-like roles. Nevertheless, in the trade liberalization of HE services on the global level under GATS/WTO framework, Brazilian state (in the current government) and non-state actors have a resulting solid position against it. In comparison with the global competition in higher education, Brazilian actors identify its own weaknesses and then feel that its sovereignty, economic development and culture is under threat in case of liberalization. SESu/MEC, DCE/MRE, the senator, ANDES-SN, UNE and ANDIFES demonstrated apprehensiveness that trade liberalization would weaken the defense of education according to national interests. The other national non-state actors had no position in relation to GATS. The other diplomats of MRE and foreign trade analysts of SCS/MDIC, who revealed sympathy with GATS, considering that it would create room for negotiation in agriculture and industry, depend, however, on explicit authorization of MEC to liberalize HE under GATS. REFERENCES CESCA, C. (2008). 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X Coloquio Internacional sobre Gestión Universitaria en América del Sur "Balance y prospectiva de la Educación Superior en el marco de los Bicentenarios de América del Sur". Mar del Plata. WALLERSTEIN, I. (2005). World-Systems Analysis: an Introduction. Durham and London: Duke University Press. WALLERSTEIN, I. (2011). Structural Crisis in the World-System: Where Do We Go from Here? Monthly Review, 62(10), 31-39. 66 BRAZILIAN TRADE AND NON-TRADE STRATEGIES OF INTERNATIONALIZATION OF HIGHER EDUCATION Maxwill M. S. A. Braga MA in Education and Globalization from the University of Oulu, Finland BA in International Relations from the University of Brasilia, Brazil [email protected] Felipe M. S A. Braga BA in Economics from the Federal University of Minas Gerais, Brazil BA in Public Administration from Fundação João Pinheiro, Brazil [email protected] Resumo: Este artigo analisa e discute as estratégias brasileiras de internacionalização do ensino superior. A fim de embasar a discussão, primeiramente fazemos uma contextualização histórica do ensino superior, com foco no Brasil. Posteriormente, sintetizamos os principais elementos necessários para compreender a estruturação e o atual estágio do comércio internacional de serviços educacionais. Em seguida, apresentamos os programas governamentais de ensino superior no Brasil. Finalmente, a partir desse embasamento, discutimos os elementos comerciais e não-comercias nessas estratégias de internacionalização do ensino superior. Abstract: This paper analyzes and discusses Brazilian strategies of internationalization of higher education. In order to ground the discussion, first we set a historical overview of higher education, focused on Brazil. Subsequently, we synthesize the key elements needed to understand the structure and the current stage of international trade in educational services. Afterwards, we present the governmental programs of higher education in Brazil. Finally, we discuss the commercial and non-commercial characteristics in these strategies of internationalization of higher education. 67 1. Introduction This article discusses trade and non-trade strategies of internationalization of Brazilian higher education (HE). First, it performs an overview of the history of higher education, focusing on the current stage of the system in Brazil. Second, it provides basilar information and the current state of play of trade in educational service. Third, it presents the main Brazilian governmental initiatives related to higher education. At last, we discuss the two strategies of internationalization of higher education using the concept of Bifurcation of Wallerstein´s World-Systems Theory. 2. Background information of higher education in Brazil The colonial Brazil was not allowed by the Portuguese metropolis to have higher education institutions (HEI). The first HEIs were created in the beginning of 19th century to train liberal professionals to serve the Portuguese crown that escaped from Napoleon troops in 1808. Still, even after independence, in 1822, no university was created in the country. Higher Education was established slowly in Brazilian society. In 1900, the system had only 24 non-university establishments oriented to train professionals (MARTINS, 2002, p. 200). The first university, Universidade do Rio de Janeiro (also called Universidade do Brasil), was created in 1920 unifying faculties that already existed, currently it is called Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Around 1930s, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) and Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRG) were created (LIMA, 2006, n.d. and SCHWARTZMAN, 2006, p. 161). Although these first universities are public institutions, the private higher education has for a long time exercised an important role in Brazil. Back in 1933, when the first statistics were collected, 45% of total enrolment in HE was already in private institutions (MATTOS and CUNHA in SAMPAIO, 2000, p. 15). Both public and private enrolment increased in the 20th century. Graph 118 shows the growth of total 18 It should be noted that the time space between the years in the “x” axis of the figure changes because of availability of data, this fact distorts the evolution tendency. The reason the number of enrolment in non-profit HEIs decreased sharply, from 1.4 million (2008) to 864 thousand (2009), is not clear and should be investigated in more detail in further research. The 2012 statistic synopsis of INEP no longer differentiates for-profit and not-for-profit institutions, and classifies both under the label of private 68 enrolment in higher education during the last two decades. The private sector continued playing an important role in the provision of higher education. The enrolment in private institutions was 61% in 1991 and 71% in 2012. The public sector is also expanding, more than doubling the enrolment in HE, however during the same time, private sector almost quadruplicated. As showed in Graph 1, Brazil more than tripled the enrolment in HE between 1991 and 2012, while, during the same period, the population grew 36%, In thousands of enrolment in HE in Brazil from 147 million to 200 million (IBGE, 2012). 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 1991 1995 2000 2005 2009 Federal (public) State (public) Municipal (public) Total public Private for-profit Private non-profit Total Private Total Public and Private 2012 Graph 1 - Enrolment (in thousands) in undergraduate face-to-face programs in Brazil by administrative category from 1991 to 2012. Source: INEP (2010 and 2012), own elaboration. When it comes to the process of internationalization of higher education in Brazil, Lima (2006) distinguishes 4 phases: 1) 1930s-50s: aimed to strengthen the projects to create the first universities, through visiting professors program and scholarship for post-graduation abroad; 2) 1960s-70s: oriented to provide professors to improve the Masters and PhD programs; 3) 1980s-90s: preoccupied with the development of important areas of expertise still under development; 4) 2000s: concerned with the creation of networks of researchers interested in themes considered institutions; hence it is not possible to say if the sharp decrease after 2005 continued in the enrolment in non-profit HEI. 69 strategic for the country, including the project of active internationalization via creation of integrationist universities. 3. Brief history of the General Agreement on Trade in Services (GATS) GATS is a treaty of the Word Trade Organization (WTO). The consolidation of both GATS and WTO occurred in the historical context of post-Cold War and the increasing predominance of neoliberalism. In 1972, a group of experts invited by the Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) was responsible for investigating the “new industrial structures” to subsidize the negotiations of the Tokyo Round, and the report produced by them mentioned trade in services for the first time (VERGER, 2010, pp. 22-23). However, only in the Uruguay Round (1986-1994), developing countries accepted to include services in the trade negotiations since the developed countries also accepted to add other topics highly pursued by the developing world such as subsidies in agriculture (MUNDY & IGA 2003, p. 284). The objective of GATS is to provide a multilateral framework to promote liberalization of trade in services through progressive rounds of negotiation. The liberalization of trade in services is different from trade in goods, since the nature of services is distinctive: it is not possible to store a service, because production and consumption happen simultaneously, except some cases when it can be recorded in digital media. Hence, the barriers to services occur due to national legislation rather than the same protectionism mechanisms of trade in goods. More precisely, any measure that restricts the movement of production factors, especially people, and activities performed by foreign suppliers is configured as a barrier to trade in services. Table 1 defines the 4 different modes of supply of services within GATS, giving examples of HE services and possible barriers. 70 Table 1 - Modes of supply in services of higher education Mode of Supply (1) Cross Border (2) Consumption abroad Definition Program mobility: The provision of a service across boundaries while neither the consumer nor supplier moves Student mobility: the provision of the service involving consumers’ travel to the supplier’s country to consume the service Examples Possible Barriers ▪ Distance Education ▪ E-learning ▪ Testing Services ▪ Education Materials ▪ National regulations on distance learning ▪ Requirement of local partner ▪ Not qualified as equivalent courses ▪ Restrictions on the importation of educational material ▪ Students studying abroad ▪ Immigration and visa requirements ▪ Fees for foreign students ▪ Working restrictions during the study period ▪ Currency withdrawal limitations ▪ The non-recognition of equivalent qualifications (3) Commercial presence ▪ Prohibition of services provision to foreign entities Institution mobility: The ▪ High subsidies to local ▪ Local branch or satellite supplier establishes a institutions campuses physical presence in the ▪ Restrictions on the number ▪ ‘Twinning’ arrangement overseas country, usually of foreign teachers employed ▪ Franchising with local through foreign direct ▪ Government monopolies institutions investment ▪ Obligatory exams controlled by professional organizations or states (4) Presence of natural persons Academic professionals mobility: The supplier temporarily moves to the consumer in order to supply the service ▪ Professor, teachers, researchers working abroad ▪ Immigration and visa requirements ▪ Currency controls ▪ The non-recognition of qualifications ▪ Employment regulations Source: (Mundy & Iga, 2003, p. 289 and Verger, 2010, p. 37). The liberalization of a service happens when a country makes a commitment to remove a barrier by changing the national legislation. The commitments are binding, which means they cannot be changed without paying compensation to the WTO members that will suffer a negative impact with the change. The commitments under GATS basically serve to diminish the risk of investors being affected by national legislation. 4. State of play of trade liberalization of services in higher education 71 Antoni Verger (2009, pp. 225-244) presented the situation of liberalization commitments in higher education in 2009, which is still at a similar stage in 2012. He emphasizes the trade flows in higher education compared to other education sub-sectors, which explains the reason HE receives more pressure to be internationalized than other levels of education. Larsen (in VERGER 2009, p.225) draws attention to the fact that HE has even become one of the most important services exported by countries such as Australia, New Zealand and USA. Countries are still, in 2014, negotiating the liberalization of services in the Doha Round framework of WTO. The Doha round started in 2000 and was initially planned to finish in 2005, but has been extended many times. The commitments are only valid when the round of negotiation ends. Verger (2009, pp. 225-230), summarizing the current state of negotiation, states that 57 out 153 member countries have included at least one commitment in an educational sub-sector, 48 member countries have established commitments in HE. Searching the WTO service database on the website http://tsdb.wto.org/, it is possible to check that Brazil has not written anything under the list of higher education services, not even “unbound”, which means that the country does not bind itself not to make limitations in the future. Verger (2009) created a novel index called EduGATS to measure the level of liberalization. Basically, he calculates the degree of trade openness based on the number of limitations to Market Access and National Treatment, as well as limitations in the horizontal section. Based on EduGATS, Verger elaborated the Figure 1 showing the different levels of trade liberalization in services of higher education. This situation represents the liberalization commitments consolidated by member countries; hence the author does not consider provisional results of the unfinished Doha Round (VERGER, 2009, p. 226). 72 Figure 1– EduGATS for higher education (VERGER, 2009, p. 234). Table 2 ranks the main exporter and importer countries of educational services. Table 3 presents the main countries with international branch campuses abroad and the biggest host countries. The Graph 2 shows the percentage of international students abroad by main host countries. Table 2 - Major exporters and importers of education, in 2007 Rank Exporters Value (US$ millions) Share of top 20 (%) Rank Importers 1 United States 15,960 38.2 1 2 Australia 10,314 24.7 2 Korea, Republic of United States 3 United Kingdom 7,612 18.2 3 4 Canada 2,263 5.4 4 5 Italy 1,711 4.1 6 New Zealand 1,124 7 France 8 Austria 9 10 Value Share of (US$ millions) top 20 (%) 5,025 21.3 4,760 20.2 Germany 2,400 10.2 India 2,152 9.1 5 France 1,844 7.8 2.7 6 Malaysia 1,345 5.7 479 1.1 7 Canada 1,154 4.9 422 1 8 Nigeria 1,076 4.6 Greece 383 0.9 9 Italy 1,000 4.2 Czech Rep. 318 0.8 10 Australia 659 2.8 As certain Members either do not collect or report data on this item, they may not appear in the list. The European Union does not report a single EU-27 figure for this item. The BOP definition for education-related travel expenditure can be found at http://unstats.un.org/unsd/statcom/doc10/BG-MSITS2010.pdf (paragraphs 3.113-3.128 and 3.258). Source: (WTO, 2010, p. 14). 73 Table 3 – Top source and host countries of international branch campuses, 2009 Source Country Number Host country Number United States 78 United Arab Emirates 40 Australia 14 China 15 United Kingdom 13 Singapore 12 France 11 Qatar 9 India 11 Canada 6 Mexico 7 Malaysia 5 Netherlands 5 United Kingdom 5 Malaysia 4 Ecuador 4 Canada 3 Germany 4 Ireland 3 Mexico 4 Source: (WTO, 2010, p. 17). 4% 3% 2% US UK 2% 5% 23% Australia Germany 5% France China 8% Japan 14% 11% Canada New Zealand Singapore 10% 13% Malaysia South Korea Graph 1– Main national destinations of students abroad (WTO, 2010, p.12) Brazil has made no commitments in the educational sector under the framework of GATS/WTO. However, Brazil has made liberalizations of educational services within Montevideo Protocol which is an analog instrument to liberalize services within Mercosur (NETO, 2010, p. 133). Hence, Brazil is much more keen to liberalize services in education within Mercosur in order to incentive the increase flow of people in the region and the integration process than liberalize using GATS, because its apprehensive with international competitors. 74 5. Brazilian central state government initiatives in higher education The Brazilian central state government has many initiatives in higher education. Two initiatives can be considered education policy of the national-state: PEC and FIES. PEC is coordinated by the Ministry of Education (MEC) and the Ministry of Foreign Affairs (MRE). PEC has two modalities PEC-G (Program of Undergraduate Students Exchange), created in 1965, and PEC-PG (Program of Graduate Students Exchange), created in 1981. These programs offer full undergraduate and graduate study opportunities for students coming from developing countries with which Brazil has international agreement in education, culture, science and technology. The students come from Africa, Asia, Latin America and the Caribbean. In the last decade, PEC-G offered more than 6.000 opportunities for undergraduate studies, from which more than 80% of students came from Africa. When the PEC-G student is under financial constraint, the government provides a financial aid equal to the amount of the minimum salary. During the same period, PEC-PG offered more than 1.600 opportunities for graduate (Master and PhD) studies, 75% coming from Latin America and Caribe. PECPG students receive monthly scholarships, in 2012 currency, of US$650,00 for Master level and US$1.000,00 for PhD level (DCE/MRE Website). The Student Financial Fund (FIES) was created in 1999 to finance partially or fully a higher education degree in a private institution. Students have access to these funds and the same amount of years studied to pay it back, with very low interest rates, after 18 months of grace period (SESu/MEC Website). Starting in 2007, the current Brazilian government envisioned the creation of universities as an instrument to promote international integration. There are 4 projects of universities with this goal, but only three with real international aspiration. Of these three, currently, two are already operating, UNILA and UNILAB; the third is still in process of implementation, UNIAM. First, the Federal University of Latin America Integration (UNILA), was proposed in 2007, but inaugurated in 2010 in the triple border of Brazil, Argentina and Paraguay in the Brazilian city Foz do Iguaçu. UNILA is an innovative enterprise with the original mission to promote integration among the peoples of Latin America and a space for common treatment of cross-border issues. Initially, there are only 16 undergraduate programs in diverse knowledge areas, but the 75 intention is also to provide graduate programs. The university is marked by multiculturalism, bilingualism and interdisciplinarity. Every class is composed of 25 Brazilian students and other 25 coming from Latin America countries. In 2012, there were 800 places for students, but the aim is to reach 10.000 students and 500 teachers from all over Latin America. Second, the University of Luso-Afro-Brazilian International Integration (UNILAB), was proposed in 2008, but created in 2010. The university is located in Redenção-Ceará, which was the first Brazilian city to abolish slavery in 1883. This symbolic historical fact is crucial to represent the ideals of this project. UNILAB has the objective to promote integration with Portuguese speaking countries, especially in Africa, but also Portugal, East-Timor and Macau, China. In 2010, there were 350 students in 7 undergraduate courses; however the aim is also to increase the number of students in the near future. Third, the Federal University of Amazon Integration (UNIAM), proposed in 2008, is still in process of implementation. The idea is to gradually transform the diffused campi of the recently created Federal University of West Para (UFOPA) in UNIAM. The objective of UNIAM is to integrate the eight Amazon countries in areas crucial for the development of the region (UFOPA website). Fourth, the Federal University of the Southern Border (UFFS) created in 2009, although with intentions to act in the Mercosur region, currently is operating only in the south region of Brazil (UFFS website). Also a governmental initiative with clear goals of higher education internationalization is the recent program “Ciência sem Fronteiras” (Science without Borders). The objective of this program is to provide 75 thousand scholarships, until 2015, for Brazilians to study in centers of excellence abroad and also bring talented researchers to Brazil. The scholarships are for undergraduate (1-2 semesters exchange), PhD (sandwich or full) and Postdoctoral (full) levels in 18 priority areas, all in natural sciences. This initiative aims to prepare qualified personnel to promote and amply innovation in the technological industry in order to advance the knowledge society (Ciência sem Fronteiras website). 6. Discussion In order to organize the discussion regarding the Brazilian trade and non-trade strategies of internationalization of higher education, we separate the policies in each 76 mode of supply: program mobility, student mobility, institution mobility and academic professional mobility. Later, we use World-Systems Theory´s concept of bifurcation to discuss that internationalization of higher education has bifurcated, since the inclusion of HE services under GATS in 1994. The bifurcation is represented by two - not mutually exclusive - strategies of internationalization: trade and non-trade. These strategies represent different world views: the former focus on competition and the latter on cooperation. Trade strategy stands for initiatives that consider students as consumers and teachers, researchers and institutions as service providers. The negotiation of higher education services under GATS and Montevideo protocol are examples of trade strategy of internationalization of HE. However, the fact that Brazil has no commitments of higher education services under GATS/WTO implies only that foreign service providers have no guarantee that their investments are secure, because Brazil can impose restrictions on HE services by changing the national legislation at any time. In practice, of the possible barriers (see Table 1) Brazil has only a few restrictions presented subsequently under each mode of supply. In the mode of supply program mobility (mode 1 – cross-border), this research has found evidence only of trade strategy via consumption of online higher education courses abroad. One type of restriction is that Brazilians who undertake higher education distance learning must validate their diplomas in order to exercise a profession. The Open University of Brazil and other distance learning programs of Brazilian HEIs are aimed only to Brazilians. Hence, this thesis did not find evidence of non-trade strategy of internationalization of higher education in program mobility mode of supply. In the mode of supply student mobility (mode 2 – consumption abroad), this paper discovered trade and non-trade strategies of internationalization of higher education. When the governmental program “Science without Borders” provides scholarship to cover only air ticket, health insurance, living costs, etc. it fits the nontrade strategy, but when it also support the exchange of undergraduate or PhD students in HEIS that charge tuition fees, it fits the trade strategy. Also within the trade strategy are the Brazilian students abroad who pay tuition fees with or without scholarships. There is no information available on the percentage of Brazilian students that pay tuition fees, but their main destinations (percentage of Brazilian students in each 77 country is between brackets) are usually to countries that charge fees from foreigners: USA (27%), Portugal (12%), Spain (11%), France (10%), Germany (7%), UK (4%) (OECD website). Let us now review the non-trade strategies for foreigners to study in Brazil. The integration universities (UNILA, UNILAB, UNIAM and UFFS) and MARCA program, with automatic recognition of diplomas, as well as PEC-G and PECPG programs fit the non-trade strategy, because these initiatives are based on solidarity and do not charge tuition fees from foreign students enrolled in public HEIs. Brazil does not have a rigid visa policy, so it is not a limitation for students to come study in the country. Again, there is a restriction for Brazilians for mode 2, since every degree taken abroad has to be validated by a public federal university. This is a serious limitation for Brazilian students who wish to study abroad, because they have no certainty that their degrees will be accepted in Brazil. In the mode of supply institution mobility (mode 3 commercial presence), this research found evidence only of trade strategies of foreign HEIs setting in Brazil. There is intense debate in the congress to limit the amount of foreign capital invested in Brazilian HEI, with suggestions under discussion to limit foreign capital to finance only research or communitarian universities (PL 2183/2003), limited to 10% (PL 7040/2010) and limited to 49% (PL 6358, 2009). However, there is no law in effect legislating about this issue. As a consequence, in the last years more than 100 acquisitions of Brazilian HEIs have happened by foreign groups (PL 6358, 2009). The Laureate International University and Apollo groups, both from USA, have made the biggest acquisitions in Brazil. In relation to South America, even though Brazil liberalized trade in higher education services for Mercosur countries, we have not found evidence of HEIs from Mercosur countries operating in Brazil. In the mode of supply academic professionals mobility (mode 4 – presence of natural persons), this paper found evidence of trade and non-trade strategies of internationalization of higher education. The integration universities have great amount of foreigners composing the teacher and researcher staff, they are not considered service providers, but crucial participants in the integration project. The program “Science without Borders”, on the other hand, sometimes considers the researchers and teachers coming to Brazil as service providers, hence it fits more the trade strategy. Aiming to discuss both strategies of internationalization, we use the concept of bifurcation of Wallerstein´s World-Systems Theory. According to Wallerstein (2005, p. 78 76), historical systems have lives, they follow cyclical rhythms. The trend of evolution of a system aggravates its internal contradiction, causing a crisis – a wild oscillation of the system that creates instability, which cannot be solved within the framework of the system. In order to reach another point of equilibrium, the system bifurcates in two alternative solutions, which are both possible. In the moment of instability, every action of the members of a system matter to influence the new kind of system that will be constructed. In this research, we use the concept of bifurcation to explain that the inclusion of higher education services under GATS in 1994 was a catalyst to provoke the oscillation of the system and the bifurcation in trade and non-trade strategies of internationalization of higher education. After 1994, the flow of internationalization became faster, wider and deeper. Although these strategies are not mutually exclusive, the bifurcation concept claims that the system will find equilibrium focusing on one of these two alternatives. At this point, it is interesting to remind that the strategy based on trade would consolidate a highly competitive world and the non-trade strategy would consolidate a more cooperative world. REFERENCES INEP. (2010). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Retrieved February 4, 2012, from Sinopses da Educação Superior - Censo da Educação Superior 2010.: http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse INEP. (2011). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Retrieved February 4, 2012, from Indicadores Educationais: http://portal.inep.gov.br/indicadores-educacionais LIMA, M. C. (2006). A internacionalização da educação superior no Brasil: das motivações ao processo. 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Retrieved January 20, 2012, from http://www.unilab.edu.br/ 81 INTEGRAÇÃO TERRITORIAL SUL-AMERICANA: o papel da infraestrutura na inserção da Bolívia como ator de destaque Karoline Moraes Costa Graduanda em Relações Internacionais Pontifícia Universidade Católica de Goiás Prof. Dr. Matheus Hoffmann Pfrimer [email protected] RESUMO: O presente artigo visa analisar sob a ótica construtivista de discursos e práticas o modo como a infraestrutura contribui para a integração Sul-Americana, em especial no que concerne a Bolívia, levando em consideração as iniciativas e projetos previstos, em execução e já concluídos, assim como o comprometimento dos países do subcontinente com este propósito. Além disso, verifica-se a questão da sobreposição da integração regional em relação à nacional, um fenômeno comumente relacionado às iniciativas de integração. Por fim, aponta-se o papel de destaque que a Bolívia possui nesse novo arranjo territorial, visto que ela se encontra numa região estratégica e rica em recursos naturais, passando a operar então como elemento de coesão para a integração regional na América do Sul. PALAVRAS-CHAVE: Integração Territorial. América do Sul. Infraestrutura. Transporte. Bolívia. ABSTRACT: The following article analyses under a constructivist view of discourses and practices the way infrastructure contributes to South-American Integration, specially in what concerns Bolivia, taking under consideration the initiatives and projects previewed, under execution and concluded ones, along with the compromise of the subcontinent countries with this proposal. Besides, we shall verify the overlay of regional integration rather than national one question, which is commonly associated with integration initiatives. Finally, we shall present the starring role Bolivia plays in the new territorial arrangement, since it finds itself in a strategic and rich of natural resources region, operating than as an element of cohesion for South American integration. KEY WORDS: Territorial Integration. South America. Infrastructure. Transport. Bolivia. 82 INTRODUÇÃO As iniciativas para a integração regional na América do Sul passaram a fazer parte da agenda dos Estados do subcontinente após uma fase de contenção, a qual fora composta principalmente pela disputa entre Brasil e Argentina pela consolidação do mesmo como sua área de influência. Não por acaso, as práticas imperialistas comuns à época eram executadas por seus governos militares, os quais além de suas pretensões nacionais eram muito influenciados pela hegemonia estadunidense, que temia perder outros territórios de sua área de influência para a ameaça comunista. Baseados em teorias geopolíticas de autores como os militares brasileiros Mario Travassos (1935), Lysias Rodrigues (1947) e Golbery do Couto e Silva (1955); o ex-presidente chileno Augusto Pinochet (1977); e o ex-diretor da Agência Nacional de Desenvolvimento da Argentina, Juan Enrique Guglialmelli (1975) (PFRIMER, 2011, p. 134), os discursos destes países fizeram da Bolívia um território altamente visado e valioso, tanto devido a sua posição geográfica estratégica quanto a sua riqueza de recursos naturais. A escolha da Bolívia como objeto para o qual se direcionavam as práticas e discursos se devia a errônea concepção dela como o “Heartland Sul-americano”. Baseado nas teorias dos autores supracitados e na concepção de Heartland19, o professor de história do Brasil na Universidade de Creighton, Lewis Trabs, desenvolveu em 1965 tal teoria para o território sul americano (PFRIMER & ROSEIRA, 2009, p.8). Quem dominasse a Bolívia exerceria influência sobre toda a América do Sul. Após certas mudanças no contexto político da América do Sul no início dos anos de 1980, a integração do subcontinente se torna o objetivo principal de seus países20, e vários discursos passam a idealizar o modo pelos quais essa integração se tornaria verdadeira. Consequentemente algumas práticas são de fato desenvolvidas já no fim do século XX, como por exemplo a criação de órgão específicos para tratarem da infraestrutura territorial sul-americana, ampliando o escopo da integração que passa a ser não apenas econômica. A agenda dos países da América do Sul no novo século sempre estiveram compostas de projetos para aumentar quantitativa e qualitativamente a integração. Além 19 Heartland é a nomenclatura dada por Halford Mackinder para sua teoria sobre um pivô geográfico na Eurásia, o qual quem dominasse, deteria poder sobre as outras regiões do mundo. 20 Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. 83 dos blocos econômicos existentes formados nas micro-regiões – como o Mercosul21 e a CAN4, por exemplo – outros órgãos e planos foram criados para focarem e trabalharem com a integração do continente como um todo. Dentre eles destacam-se a Iniciativa para Integração Regional da Infraestrutura Sul-americana (IIRSA), a União das Nações Sulamericanas (UNASUL) e o Conselho Sul-americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN). Criada no ano de 2000, a IIRSA tem como objetivo construir junto aos doze países da América do Sul uma agenda comum para impulsionar os projetos de integração da infraestrutura no continente. A Iniciativa, em seus primeiros dez anos de existência, criou um portfólio com mais de 500 projetos de infraestrutura, organizada em 10 Eixos de Integração e Desenvolvimento (EIDs), que buscam as necessidades físicas de cada região para conectá-las às demais, e uma agenda de implementação para 31 dos considerados projetos prioritários (API). A partir de 2011, ela foi incorporada ao COSIPLAN, um foro técnico da UNASUL, iniciando uma nova etapa para que se prossiga com a execução dos planos. A integração territorial e a infraestrutura são objetos inéditos para a América do Sul, presentes nas três agendas supracitadas. Ao abordarem projetos concretos para viabilizar a integração regional, um passo a frente é dado em direção ao sucesso. Porém vários empecilhos são encontrados no caminho da materialização de tais propostas: a assimetria econômica, social e territorial do continente; a sobreposição de objetivos regionais sobre os nacionais; o compromisso ou a falta dele ao executar os planos estabelecidos; o financiamento, dentre outros. Nesta pesquisa, como revisão bibliográfica, analisaremos o meio pelo qual a integração física modifica e beneficia a integração sul-americana como um todo. Entretanto, é fundamental frisar o modo como os países sul-americanos lidam com estes problemas, mantendo relatórios do que vem sendo executado e determinando “dead lines” para analisa-los e lançar novas projeções para o futuro. A própria mudança da conduta hostil da Argentina e Brasil para com o outro, sua interação no MERCOSUL 21 Mercado Comum do Sul, criado em 1991 após a assinatura do Tratado de Assunção era composto originalmente pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em 2012 o Paraguai foi suspenso e a Venezuela integrou o bloco. 4 Comunidade Andina de Nações, criado em 1969 pelo Acordo de Cartagena, era composto por Bolívia, Chile (deixou o bloco em 1976), Colômbia, Equador e Venezuela (deixou o bloco em 2006). 84 e as boas relações com os outros países do continente é uma prova da legitimidade do compromisso de promover a integração. Quanto ao papel da Bolívia neste novo cenário, um personagem fundamental pode ser designado para ela representar: o hub logístico da América do Sul. Destacando sua posição estratégica veemente comprovada, sua riqueza em recursos naturais e considerando o território boliviano um ponto fulcral para a integração do continente (VALENCIA VEGA, 1968, p. 380 apud PFRIMER, 2011, p.134) a possibilidade da concentração dos principais meios logísticos terrestres (rodoviário e ferroviário) no país é uma possibilidade a ser verificada. 1. A RELEVÂNCIA DA INFRAESTRUTURA Um dos principais argumentos a favor da integração física segundo a IIRSA5 é que ela favorece a integração regional de três maneiras: Em primeiro lugar fortalecendo a interdependência dos Estados que formam a região que deseja se integrar; Em segundo, aumentando a demanda por integração em todos os aspectos como econômico, institucional, social, entre outros, incluso a própria infraestrutura; E finalmente, contribuindo para reduzir a fragmentação territorial das diversas regiões – este aspecto será analisado na segunda sessão do presente artigo. Além disso, o investimento na infraestrutura promove melhorias na produtividade, competitividade e no 6 desenvolvimento territorial . Não podemos falar de integração física sem antes mencionar o interesse econômico e político, que geralmente são os promotores dos blocos de integração regional em primeiro lugar. De uma forma geral no caso da América do Sul, as primeiras iniciativas para a criação destes blocos ocorreram nas sub-regiões (como o MERCOSUL e a CAN citados anteriormente) e tinham como objetivo principal melhorar a projeção que sozinhos os países que os integravam não conseguiam exercer no cenário internacional, além de melhorar as relações e o comércio intrabloco. Contanto, devido às características dos setores industriais e econômico dos países do 5 Notes on Infrastructure and Integration in South America: Summary of the Teaching Materials used in the Training Workshops “Integration and Development of South American Regional Infrastructure” – 2008-2009. 6 (Ibid, p.8). 85 MERCOSUL, – produtores de commodities, indústrias principais de base, não possuidores ou desenvolvedores de tecnologia própria, mercados internos muito protegidos após a crise do neoliberalismo da década de 1990, entre outras – por exemplo, o primeiro objetivo era priorizado e mais facilmente executado em detrimento ao último. Assim sendo, a institucionalização política e a integração geral do bloco não avançava em longos passos como se esperava ao serem comparados ao modelo europeu. Observa-se então a falta de interdependência entre os países que se integravam na América do Sul. Todavia, uma vez que os esforços para se desvincular das expectativas de repetir a integração europeia e promover um modelo sul-americano possível e empenhado, nos ajuda a superar a falta de dinâmica em nossa integração. Partindo então da IIRSA (criada em 2000) e de nosso objeto de análise – a integração física – vemos como os esforços para colocar em prática os novos discursos integracionistas deram frutos positivos na última década. Por exemplo, a criação da UNASUL em 2011, um bloco que abrange todos os doze países do subcontinente e diz respeito à necessidade de desenvolvimento de cada país e da região por meio da cooperação; o portfólio de projetos da IIRSA em execução e já concluídos; e a criação do COSIPLAN, uma nova instituição derivada da UNASUL para trabalhar em conjunto com a IIRSA. Portanto, a interdependência e a cooperação são fomentadas quando os projetos de melhorias na infraestrutura e integração territorial são colocados em prática. Logo, uma vez provado acima que essas interações aumentaram a dinâmica da integração da América do Sul, melhorando a cooperação e até criando um bloco que abrange todo o subcontinente, podemos afirmar que o processo evolutivo da integração desenvolvido até agora demanda melhorias, progresso e aumento da própria integração, nos âmbitos políticos, econômicos, sociais e físicos, visando cada vez mais atingir um estágio maior que traga maiores benefícios aos inclusos nela. Quanto à produtividade e competitividade, no que se refere principalmente aos meios de transporte terrestres (rodoviário e ferroviário) podemos citar como este interfere no preço final de um produto. Muitas vezes o custo do transporte de uma carga dentro do bloco é mais caro que os impostos de importação que ela paga ao chegar ao novo país. Isso porque as condições das estradas e ferrovias, e o tempo que ele gasta – ou perde, no caso de uma infraestrutura ruim – são determinantes no estabelecimento do preço do frete. Levando em conta também que a maioria dos países da América do Sul é 86 produtora de commodities e que o transporte terrestre é o mais utilizado para o escoamento deste tipo de mercadoria. Sendo assim, o investimento na melhoria da infraestrutura de transporte é a curto e longo prazo benéfico aos países que fazem parte da integração, promovendo também o desenvolvimento territorial para muitas das áreas nas quais ele é promovido. Mas não se deve esquecer que toda e qualquer estrutura física, seja de transporte ou lazer, urbanização ou plantação, necessita investimento constante principalmente para a manutenção. De nada valeria construir a melhor e maior ferrovia ligando o Atlântico no porto de Santos ao Pacífico no terminal de Arica, no Chile (Corredor Ferroviário Bioceânico Central7) se em menos de cinco anos após sua inauguração não houvesse manutenção e ele se encontrasse abandonado e aos pedaços. 2. INTEGRAÇÃO REGIONAL E FRAGMENTAÇÃO NACIONAL A integração regional em detrimento da nacional é um dos assuntos presentes na pauta dos problemas enfrentados na América do Sul. A maioria destes países possuem grandes centros espalhados por diversas regiões, porém mesmo assim, muitas áreas continuam isoladas e desarticuladas dos centros, onde se concentram os maiores índices de desenvolvimento e fluxo de bens, pessoas, capital, etc. Como exemplo pode-se citar dois países bem diferentes quanto a território e população, mas que possuem em comum as riquezas da Amazônia: Bolívia e Brasil. Em ambos os países a área ocupada pela Floresta Amazônica se encontra livre de grandes centros bem desenvolvidos e desarticulada logisticamente destes. Por um lado é necessário integrar primeiramente estas regiões às demais dentro de cada país, para que assim ela se beneficie da integração do país no bloco regional. Promover uma integração “internacional” direta sobre essas áreas isoladas pode ser desvantajoso para o Estado que possui aquele território, como foi o caso mencionado por Flávio Paulo Neto das cidades de Roboré e San José de Chiquitos, na Bolívia: “O ponto crucial, entretanto, segundo críticas registradas pela Comissão Parlamentar, referia-se à questão da debilidade produtiva da região pela qual atravessaria a ferrovia. Desarticulada do centro do país, carente de núcleos populacionais relevantes e de atividade comercial praticamente insignificante, a região permanecia exposta à influência brasileira, tornando frágil sua própria integridade territorial. Enquanto que Roboré contava com apenas 2,5 mil habitantes, Corumbá, com 18 mil, possuía mercado interno e 7 IIRSA online. 87 externo relativamente dinâmicos , já que funcionava como o elo de integração entre toda a região mato-grossense e o restante do país. A cidade brasileira não apenas impulsionava o comércio abastecedor da região, como também articulava a vinculação daquela área com os países platinos, via rio Paraguai. De fato, atestava o relato da Comissão Parlamentar que a influência brasileira na região era bastante nítida, sobretudo, a partir de San José de Chiquitos: ”tem-se a impressão de se haver deixado as terras bolivianas no que se relaciona ao idioma, aos costumes e à alimentação.”.8 (2007, p.41- 42). Por outro lado, a efetividade dessa proposta levanta inúmeros problemas ambientais, o que no caso da Amazônia além de prejudicar toda a humanidade descaracterizaria a região cuja reserva de riquezas provém da natureza. O que se observa é que em consequência do crescimento da integração regional na América do Sul o nível de fragmentação nacional na Bolívia não piora. Segundo Pfrimer (2011, p.1) “[...] uma vez que não há uma intensificação da desintegração territorial boliviana. Tem havido, no entanto, uma pequena intensificação dos fluxos inter-regionais, o que não significa necessariamente em uma maior integração nacional.” Portanto, é possível que a integração regional ocorra no subcontinente sem que de fato isso prejudique a integração nacional. E levando em conta os projetos de integração territorial e infraestrutura pode-se considerar que, de acordo com a execução destes e dos benefícios que eles trazem apontados no item anterior, a integração nacional se torne um benefício a ser alcançado com o tempo – e os investimentos. 3. A INSERÇÃO DA BOLÍVIA NOS NOVOS ARRANJOS TERRITORIAIS Como visto na introdução do presente trabalho, a Bolívia tem recebido a atenção das políticas exteriores dos países da América do Sul desde a fase de contenção e a disputa argentina e brasileira pelo chamado “heartland sul americano” e os recursos, principalmente petrolíferos que ele possuía. Neste período – aproximadamente dos anos 30 a 70 do século passado – alguns projetos de estruturação de redes ferroviárias, exploração de recursos e outros acordos bilaterais foram desenvolvidas em território boliviano a partir de sua política pendular entre os principais interessados em se estabelecerem como potência regional, novamente Brasil e Argentina. O governo boliviano parecia apreciar a acirrada disputa e o instável balanço de poder no subcontinente (PAULO NETO, 2007, p. 34) ao mesmo tempo que isso garantiria a integridade territorial boliviana por meio de pactos de segurança (Ibid) – tão fragilizada após suas perdas na Guerra do Chaco, contra o Paraguai, e Guerra do Pacífico, contra o Chile. 8 El Diário, 1942. apud PAULO NETO, 2007. 88 A partir da década de 1980, o fim dos governos militares e o início da fase de integração a disputa pela hegemonia sul-americana entre os “hermanos” se torna menos visível e acirrada, uma vez que ambos estão empenhados, enfim, em promover a integração na ALALC9, ALADI10, MERCOSUL, e UNASUL (cronologicamente). O jogo da Bolívia então é substituído por políticas nacionalistas de desenvolvimento e exploração própria de seus recursos, e as principais práticas territoriais são compostas pelos vários projetos de integração da IIRSA11. A própria Bolívia aderiu ao discurso integracionalista e reconhece a sua importância nesta nova fase, se caracterizando como uma “área de contatos entre os países sul-americanos” (MORALES, 2006; DEL VALLE, 2004; apud PFRIMER, 2011, p. 140). Tais áreas de contatos poderão vir a se materializar como um hub logístico: um centro conexão e distribuição de fluxos, capitais, bens e mercadorias para toda a América do Sul. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se, portanto, que a infraestrutura e os rearranjos territoriais elaborados pela cooperação dos países da América do Sul contribuem de maneira positiva para o desenvolvimento da integração como um todo, provando-se benéfica no que concerne os aspectos econômicos, sociais e políticos. Além da própria melhoria da estrutura física dos locais que fazem parte dos projetos da IIRSA, a integração das regiões mais isoladas com os centros, a viabilização para um melhor escoamento de cargas e consequentemente, o impacto que isso possui no comércio e na economia, são fatores suficientes para incentivarem a continuidade desta ação, mesmo com os custos financeiros, tempo e trabalho para as manutenções, sendo este o investimento a longo prazo que sempre retribuirá nos lucros supracitados. Quanto aos riscos ambientais, estudos mais aprofundados e de diversas áreas aos quais concernem a integração, infraestrutura e os biomas devem ser feitos para que esses ameaças sejam desvencilhadas, ou causem o menor dano possível. 9 Associação Latino Americana de Livre Comércio, criada na década de 1960. Associação Latino Americana de Integração, criada em 1980. 11 De acordo com o site dos projetos de caráter territorial da IIRSA, a Bolívia está presente em pelo menos 85. 10 89 REFERÊNCIAS CORREDOR FERROVIÁRIO BIOCEÁNICO CENTRAL – IIRSA. Disponível em: <http://www.iirsa.org/proyectos/detalle_proyecto.aspx?h=1351>. Acessado em: 16/04/14. COUTO E SILVA, Golbery do. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1955. INICIATIVA PARA A INTEGRAÇÃO DA INFRAESTRUTURA REGIONAL SULAMERICANA (IIRSA). IIRSA 2000-2010. Disponível em: <http://www.iirsa.org/Page/Detail?menuItemId=28>. Acessado em: 04/04/14. MACKINDER, Halford. The Geographical Pivot of History. Geographical Journal, n.23, 1904. MORALES, 2006; DEL VALLE, 2004; apud PFRIMER. Heartland Sul-americano? Dos discursos geopolíticos à territorialização de um novo triângulo estratégico boliviano. GEOUSP, n. 29, 2011, p. 140. 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Heartland Sul-americano? Dos discursos geopolíticos à territorialização de um novo triângulo estratégico boliviano. GEOUSP, n. 29, 2011, p. 134. 91 O MUNDO ÁRABE SE MOVIMENTA: da transição demográfica à Primavera Árabe Fernanda Pulcineli Chrispim de Lima22 Danillo Alarcon Pontifícia Universidade de Goiás [email protected] RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de analisar as raízes histórias da região do Oriente Médio com a finalidade de compreender como estas podem justificar a explosão da Primavera Árabe. A região se manteve submissa durante vários séculos ao Império Otomano e, posteriormente, mais alguns anos sob tutela de países Europeus, como França e Inglaterra. Desta forma, o processo de desenvolvimento social e político do Oriente Médio esteve limitado e só pode ter algum progresso após a independência. E é neste ponto que está a base da compreensão de como a Primavera Árabe eclodiu. Este será o principal foco de análise que este artigo se propõe estudar. PALAVRAS CHAVE: Império Otomano, Sociedade Civil, Primavera Árabe. ABSTRACT: This paper have aims to analyze the Middle East region’s historical roots in order to understand Arab Spring’s explosion. The region remained submissive over several centuries to the Ottoman Empire and, posteriorly, more few years under the tutelage of european countries, like France and England. Thus, the Middle East’s social and politic development have been limited and only had progress after independence. And into this point are the base of comprehension of how Arab Spring erupted. This will be the main focus of analysis that this article intends to study. KEY WORDS: Ottoman Empire, Civil Society, Arab Spring. 22 Este artigo é fruto do primeiro capítulo do trabalho de conclusão de curso da aluna. A monografia em questão ainda está em processo de produção. 92 INTRODUÇÃO O Mundo Árabe é muito mais dinâmico e complexo que o conhecimento comum costuma tratar do assunto. Uma das características que marca praticamente todos os Estados que compõem a região é que possuem um longo histórico de subordinação ao Império Otomano, que durou sete séculos, e que manteve a região unificada. Esta centralização de poder não só impediu o crescimento individual de cada um dos espaços geográficos habitados pelos árabes – posteriormente, divididos em Estados – como também os deixou isolados do sistema internacional, no cenário pós-independência. A posterior tutela por países Europeus depois do colapso do Império Otomano também contribuiu para o atraso do desenvolvimento na região, que ganhou independência de fato a partir dos anos de 1970, no caso específico do Golfo Pérsico. Este atraso impediu o desenvolvimento de instrumentos de Estado, que mais tarde geraria insatisfação da população com os governos, o consequente aumento da atuação da sociedade civil em movimentos políticos e, por fim, culminasse nas manifestações mais conhecidas como Primavera Árabe. 1. As raízes históricas do Mundo Árabe: O Império Otomano A região que hoje conhecemos como Oriente Médio, no passado compunha um grande e unificado Império em quase toda sua extensão. A região passou por um processo de expansão árabe, no século XI, liderado pelo guerreiro Osman I e seu exército. A região da Anatólia, hoje conhecida como Turquia, foi a primeira a ser dominada. Desse ponto iniciaram-se a expansão não só territorial como cultural, com a propagação dos valores e princípios muçulmanos em uma região que estivera, até então, sob domínio do Império Bizantino (QUATAERT, 2000, p. 3). In brief, the Ottomans arose in the context of: Turkish nomadic invasions that shattered central Byzantine state domination in Asia Minor;a Mongol invasion of the Middle East that brought chaos and increased population pressure on the frontiers; Ottoman policies of pragmatism and flexibility that attracted a host of supporters regardless of religion and social rank; and luck, that placed the Ottomans in the géographie spot that controlled nomadic access to the Balkans, thus rallying additional supporters (QUATAERT, 2000, p. 15). 93 As vitórias de Osman I foram sucessivas e se transformaram em um legado para as gerações que o sucederam – a geração seguinte, liderada por seu filho Orhan I. Em cinco séculos, o sudoeste da Europa, o norte da África e parte da Ásia foram, sucessivamente, dominados e transformados em um só: o Império Otomano, que se tornou um dos mais poderosos do mundo. No entanto, em meados do século XVI, o Império Otomano sofreu várias crises. Países da Europa Ocidental, sobretudo Portugal e Espanha, começaram a financiar rotas alternativas para se chegar à Ásia. A derrota em algumas batalhas também fragilizou a imagem de invencibilidade otomana. O Império sofreu desvantagem frente à tecnologia bélica e naval da Europa. Como aponta Rogan (2009, p. 24), the collapse of the Ottoman Empire was far from inevitable. Despite Ottoman territorial losses to European states and Balkan nationalist moviments, reforms proceeded apace in the institutions of statecraft. The influence of these reforms would prove an enduring legacy in Arab lands. 2. Da queda do Império Otomano à criação dos Estados árabes No final do século XIX, o Império Otomano perdeu territórios na Europa, viu algumas de suas regiões tornarem-se de facto protetorados britânicos ou franceses, como no caso do Egito e da Argélia, e presenciou a descentralização de seu poder, com o fortalecimento de líderes e governadores regionais. Ainda que neste período houvesse as tentativas de algumas reformas, principalmente tecnológicas, o Império foi se desfalecendo, e não pôde mais fazer frente à influência do pensamento liberal europeu então vigente e a crise interna por independências das várias regiões que compunham o Império (ROGAN, 2009, p. 24). É então no século XX, com a Primeira Guerra Mundial, que o Império se dissolveu por completo. Entretanto, a região do Oriente Médio não obteve independência imediata, e passou a ser “tutelada” pela Grã-Bretanha e pela França, que declararam que os territórios árabes ainda não estavam preparados para a independência e necessitavam de ajuda para solidificarem-se como Estados. It was the common wisdom of yhe peacemakers at Versailles that the Arabs had no experience of statecraft when, following the colapse of the Ottoman millitary in the First World War, they first emerged among the community of nations. [...] Britain and France, intente on adding these territories to their colonial possessions as spoil of war, claimed that the newly liberated Arab lands were not ready for Independence, but would first require a period of tutelage in statecraft (ROGAN, 2009, 24). 94 No final da década de 1960, no entanto, a coroa britânica resolveu retirar-se da região, já que os custos deste protetorado estavam muito altos. Em 1971, a região se viu completamente independente. Sem a presença inglesa, as tribos recém-libertas tentaram ainda se unir com o objetivo de se tornarem mais fortes perante a nova realidade de independentes. Mas apenas algumas obtiveram sucesso: Abu Dhabi, Dubai, Fujairah, Umm al-Quwwayn, Ajman, Sharjah e Ras al-Khaimah, formando os Emirados Árabes Unidos (ONLEY; KHALAF, 2006). É de extrema importância ter em mente como esse processo tardio de independência e desenvolvimento é crucial para a compreensão da atual conjuntura política, econômica e social da região. Assim como aponta Vânia Carvalho Pinto (2011, p. 1), “estes países [...] têm uma história de desenvolvimento muito recente o que, em parte, ajuda a explicar a reação dos governantes desses países aos protestos tanto nos seus países como no Bahrein”, sendo este último o único a pedir ajuda por meio de intervenção externa. Este histórico de desenvolvimento tardio propiciou que famílias reais regionais retomassem o poder, instaurando monarquias ou, mais tarde, repúblicas hereditárias, em ambos os casos caracterizados por seu aspecto autoritário e não democrático. Isto deu origem a governos com pouca ou nenhuma motivação em investir em aprimoramento de seus instrumentos de Estados e em políticas sociais. Com a falta de serviços e bens sociais, as populações não somente começaram a se sentir cada vez mais distantes dos seus governos, gerando um enorme sentimento de insatisfação, como também deu espaço para que grupos religiosos ganhassem força dentro na sociedade civil. 3. Sociedade civil nos países árabes Sem instrumentos de Estado desenvolvidos e com a tradição de monarquias hereditárias e governos autoritários, as políticas públicas de bem-estar social se tornaram completamente ineficazes e escassas. Bens sociais geralmente associados ao Estado não eram fornecidos à população, que acabava por se encontrar em uma realidade de abandono, pobreza e falta de oportunidades. E isto, não só fragilizou a legitimidade destes governos, como também deu espaço para que outras instituições não estatais ganhassem poder e se tornassem poderosas máquinas políticas. 95 No caso do Egito, por exemplo, o movimento Islâmico ganhou poder político ao se apoderar dos vácuos sociais deixados pelo governo. A ineficiência do Estado em garantir à sua sociedade políticas públicas – sistema de saúde, educação pública, acesso digno ao mercado de trabalho – causou uma falta de confiança e uma carência que foi suprida por instituições dirigidas pelos islamistas. By combining their message with concrete social action and offering a real alternative to the existing regime, the Islamists have bolstered their standing and appeal among many differente sectors of Egyptian society that feel estranged from and betrayed by ruling order (BERMAN, 2003, p. 261). Sem a possibilidade de chegar ao poder – nem por meios legítimos e/ou democráticos, nem por golpes de Estado – e exilados da vida política, essas instituições não governamentais começam a compreender que ganham poder não derrubando o Estado, mas reformando a realidade social e cultural do país. E isso foi possível através da infiltração na sociedade civil. Na linguagem política de hoje, a expressão ‘sociedade civil’ é geralmente empregada como um dos termos de grande dicotomia sociedade civil/Estado. O que quer dizer que não pode se determinar o se significado e determinar sua extensão senão redefinindo simultaneamente o termo ‘Estado’ [...], por ‘sociedade civil’ entende-se a esfera de relações sociais não reguladas pelo Estado (BOBBIO, 2007, p.33). Para a Organização dos Estados Americanos (OEA), e complementando a definição de Bobbio (2007), a sociedade civil é “constituída por diversos componentes, como as instituições cívicas, sociais e organizações que formam os alicerces de uma sociedade em funcionamento”. Desta forma, pode-se entender que sociedade civil são todas as organizações, grupos ou associações que não passam pelo Estado. Igrejas, clubes, instituições, organizações não-governamentais (ONGS), são alguns exemplos de componentes da sociedade civil. Ainda que os Estados Árabes ainda sejam muito novos, a sociedade civil cresceu de forma bastante significativa desde a época de independência. Primeiro, como força pela luta pela própria libertação, no caráter de movimentos nacionalistas, depois, como forma de reivindicação de bens de serviço sociais que não eram fornecidos pelo Estado, um espaço vazio foi sendo ocupado por essas instituições não governamentais que ganharam força nas últimas décadas (BERMAN, 2003). E o papel da religião é muito forte neste fenômeno social. Os movimentos islâmicos ganharam força política em vários países, como no Egito, ao fornecer à 96 população educação, saúde, trabalho. E assim, ganham respeito dentro da comunidade e fortaleceu o Islã. E o papel da sociedade civil nas sociedades árabes, ao longo dos últimos anos, tem sido de profunda relevância. Ela esteve presente na luta pela independência, que foi conduzida em nome do “anticolonialismo” (inserido no progresso social da democracia); esteve inserida na fase em que os governos árabes se tornaram extremamente autoritários, limitando os direitos políticos e civis das populações; e, sobretudo, esteve presente na eclosão e desenvolvimento das manifestações que conhecemos como Primavera Árabe (PACE, 2014). Entretanto, ainda que tenha tido importância nestas três fases, a sociedade civil possuiu roupagens diferentes em cada uma delas. A transição demográfica pela qual a sociedades dos países árabes vêm passando é o ponto crucial de uma mudança cultural na região. O aumento do nível de alfabetização associado à redução das taxas de fecundidade (no período entre 1975 e 2005, caiu para a metade) ilustra uma adaptação à modernização e uma mudança comportamental dessas sociedades (PACE, 2014). Ainda que tenha ganhado força ao permear a sociedade civil e tornando sua mensagem cada vez mais incutida nos cidadãos, ora de forma indireta e implícita – com o fornecimento de serviços sociais que o Estado não provia –, ora de forma explícita – quando impunha condições, normas e regras dentro da religião islâmica no fornecimento desses serviços – (BERMAN, 2003, p.261), o Islã não pode conter certos processos de modernização. Com o nível de alfabetização (e educação) mais elevado, é natural esperar que haja uma população, sobretudo jovem, mais informatizada. E este nível de informação, aliado a meios de comunicação mais avançados e um processo de globalização cada vez mais acelerado, não só levou à um crescimento de movimentos pró-democráticos, como a “Muslim Democracy”23 (democracia muçulmana), que cresce através daqueles que defendem um Estado secular, e dentro das vertentes políticas que almejam uma maneira de chegar ao poder. Deu também condições para o início de lutas mais veementes contra os governos vigentes e, principalmente, contra as condições de vida oferecidas por esses. 23 Para Vali Nars (2005), esta é uma terceira força que vem ganhando força no mundo muçulmano e assombrando as várias vertentes do poder. Expressão essa que faz evocação à tradição política associada aos partidos Democráticos Cristão da Europa. 97 TABELA 1: Taxa da Alfabetização em porcentagem nos países com maioria muçulmana Nome do País Taxa de alfabetização (%) Ano de Estimativa Qatar 96 2010 Bahrain 95 2010 Kuwait 93 2005 Jordânia 93 2010 Turquia 87 2004 Líbano 87 2003 Arábia Saudita 87 2010 Omã 81 2003 Síria 80 2004 Iraque 78 2010 Emirados Árabes Unidos 78 2003 Irã 77 2002 Iémen 64 2010 Paquistão 55 2009 FONTE: CIA World Factbook, 2012. A tabela acima ilustra bem essa transição demográfica na educação dos países Árabes. O Qatar, único país que não passou por nenhuma manifestação e desempenhou um papel diplomático importante na região, apresenta o melhor índice de alfabetização da região. Isto se deve, primordialmente, ao fato de ser “um país muito rico com uma pequena população nativa, o que permite que os benefícios financeiros sejam distribuídos de forma mais generosa.” (PINTO, 2011, p. 31). Um ponto interessante de analisar é o caso dos Emirados Árabes Unidos: economicamente forte e sólido, mas apresenta um número relativamente baixo de alfabetização. Este fato pode ser explicado pela tardia evolução e atualização dos métodos de ensino e o alto nível de concentração de renda. 98 O processo evolutivo nos Emirados deu-se em quatro passos. O primeiro e mais antigo, funcionava através de mecanismos locais de educação em que aqueles indivíduos mais bem instruídos das vilas e aldeias, os “mutawwa”, ministravam as crianças da vizinhança. O segundo era composto por cientistas, acadêmicos e intelectuais que tinham muito conhecimento em educação religiosa, histórica e gramática, tornando a educação um pouco mais científica e padronizada. O terceiro passo deu-se pela construção de centros específicos para o fornecimento de ensino, isto é, escolas. E, por fim, no quarto passo estes centros de educação foram oficializados como academias, e universidades foram instauradas com padronização de ensino, qualificação dos acadêmicos e melhor formação dos estudantes. (UNITED ARAB EMIRETES MINISTRY OF EDUCATION, s.p). 99 TABELA 2: Valores do Mercado de Trabalho em porcentagem FONTE: FORSTENLECHNER e RUTLEDGE (2010) 100 Como mostra a segunda tabela, alguns dos países do Golfo Pérsico têm passado por uma saturação do setor público e um aumento expressivo de desemprego entre os nacionais. Enquanto as vantagens no setor público são enormes (aposentadoria com 80% do salário, jornadas de trabalho menores, salários incrivelmente maiores, férias mais longas), o setor privado se torna cada vez menos atrativo, já que o enorme fluxo de migração de países como Paquistão e Índia, tornou a concorrência desleal: os expatriados aceitam salários muito abaixo da média, além de não ser necessário o pagamento de impostos para esses trabalhadores. Strains are indeed emerging, as high levels of unemployment, despite the recent economic boom, attest. Demographically, the GCC is experiencing a period of rapid growth in its youth population, and increasing levels of educational attainment — while acting to increase salary expectations — have not made pursuing a private-sector career any more desirable (FORSTENLECHNER; RUTLEDGE, 2010, p. 39). Esta realidade só fez aumentar o descontentamento da população com seus governos. O “contrato social”, isto é, o acordo é feito de maneira implícita entre uma população e seu governo, deve ser reformulado. A não fiscalização das relações de trabalho para os expatriados torna a situação bastante complicada para os nacionais. E esta situação leva à uma perda de legitimidade do governo, ao não proteger e garantir acesso digno ao mercado de trabalho à sua população. A junção destes dois fatores – altos níveis de alfabetização e altos índices de desemprego – não poderiam levar a outro lugar senão a um cenário de completa insatisfação, culminando em manifestações. Neste caso, em especial, à Primavera Árabe. 4. A “Primavera Árabe”: causas e estopim Foi neste cenário que a Primavera Árabe surgiu. As manifestações iniciaram-se na Tunísia e, em algumas semanas, se espalharam na região, atingindo Síria, Líbia, Jordânia, Bahrain, Egito, Iêmen, Líbia, Argélia, Marrocos e Omã. O desabrochar do sentimento de revolta, em escala regional, só foi possível devido a um alto nível de insatisfação das populações com os seus governos. De suma importância é compreensão do perfil geral da população que estava nas ruas manifestando: jovens. Isto é resultado da soma de dois fatores: maiores índices de alfabetização (educação) e altos níveis de desemprego. 101 O primeiro fator pode ser entendido como meio pelo qual a revolução aconteceu. Quanto maior o nível de educação de uma sociedade, mais condições terão seus indivíduos de terem acesso à informação, assim como também de distribuí-las. Sem contar, que no caso específico da Primavera Árabe, a internet e as redes sociais tiveram um papel enorme no desenvolvimento das manifestações. Através de Facebook e Twitter, os grupos de manifestantes incitavam os cidadãos, organizavam os protestos e repassavam para o resto do mundo a sua realidade. Estudos da Dubai School of Government mostraram que o número de usuários das duas redes sociais na região aumentou incrivelmente: de novembro de 2010 a janeiro de 2011 foram mais de 200 mil novos cadastros do Facebook na Tunísia. Ainda de acordo com a instituição, nove em cada dez tunídeos e egípcios afirmaram ter usado o Facebook para organizar os protestos e aumentar a participação da população nas manifestações (MOURTADA; SALEM, 2011, p. 2). As famosas hashtags (marcadas pela cerquilha, #), utilizadas no Twitter, foram uma boa forma de medir o papel dessas ferramentas na Primavera Árabe: em 2011 a hashtag mais popular foi #Egypt (Egito, em inglês), tendo sido utilizada, nos primeiros três meses de protestos no Egito, 1,4 milhões de vezes. Outras hashtags bastante usadas foram: #Bahrain (Barém, em inglês); #protest (protesto, em inglês); #Yemen (Iêmen, em inglês); #arabspring (Primavera Árabe, em inglês); #ghaddafi e #Libya (Líbia, em inglês). FIGURA 1: Mapeamento de Solicitação de Protesto no Facebook com demonstração real 102 FONTE: Civil Movements: The Impact of Facebook and Twitter; Arab Social Media Report (2011) O segundo fator tem uma importância social enorme. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o maior aumento no índice de desemprego registrado foi no Oriente Médio e no Norte da África. Em 2010, havia cerca de 25,4% de jovens desempregados no Oriente Médio, e 23,1% no Norte da África. No ano seguinte, a taxa do Oriente Médio foi de 26,5%, e a do Norte da África chegou a 27,9% (BBC Brasil, 2012, s.p.). 103 Além de afetar diretamente a economia, com o empobrecimento da população e estagnação de todo o processo econômico – desde a capacidade de consumo e fluxos de capitais, até a falência de vários setores da economia nacional – também tem reflexos da vida social e religiosa dos indivíduos. A falta de oportunidades de trabalho impede o acesso ao matrimônio, como é o caso do Egito. En este país (Egito), por ejemplo, es necesario que un hombre haga una prueba de que posee una propiedad en la cual vivir con su familia antes de poder casarse legalmente. La continuación de la crisis económica en Egipto durante todos estos años dificultó la vida a muchos jóvenes pretendientes que no podían concretizar esa parte importante de la religión musulmana y de obtención de estatuto social través del matrimonio (PINTO, 2011, p.4) Sem direito de liberdade de expressão, sem direito a voto, sem serviços sociais básicos de qualidade, a população se sentiu traída e abandonada por seus governos. E assim, a onda de manifestações de alastrou pelo mundo árabe, levando milhares de pessoas nas ruas. Homens e mulheres, xiitas e sunitas. Não havia classificações, caráter político na luta. Ela começou pura e simplesmente como movimentos nacionais por melhores condições de vida. É importante ter em mente este quadro inicial da Primavera Árabe. Não foram grupos religiosos (com vertente política) organizados que pretendiam chegar ao poder. Não foram grupos políticos que se uniram e planejaram um golpe de Estados. Foi um despertar, um desabrochar de uma revolução silenciosa que já acontecia há muitos anos no mundo árabe. Tudo começou como um movimento grass-roots24. A politização dos movimentos foi um processo natural posterior; uma consequência, e não uma causa. Assim como mostra Pinto (2011, p. 1) “esse tipo de manifestações não é novo já que a grande maioria das populações desses países luta contra a repressão política e a estagnação econômica há várias décadas.”. Lutas, manifestações e protestos não são fatos inéditos na região. O que tem de novo na Primavera Árabe é o sucesso que alguns países tiveram em conseguir derrubar seus governantes, como foi no caso da Líbia (com a morte de Muamar Qadhafi, após 42 anos no poder), no Egito (com o presidente Hosni 24 (Base, fundamento) Expressão que designa todo e qualquer movimento político que tenha nascido de forma espontânea. Não se sabe ao certo como a expressão surgiu, mas acredita-se que foi em 1912, pelo senador do estado norte-americano Indiana, Jeremiah Beveridge, quando disse: "This party has come from the grass roots. It has grown from the soil of people's hard necessities", quando se referia ao Partido Progressista. 104 Mubarak deposto, pondo fim a um governo de 30 anos) e na Tunísia (com a saída do governo de Ben Ali, 23 anos no controle político do país). Tudo começou quando o tunídeo Mohamed Bouazizi, em forma de protesto, ateou fogo em seu próprio corpo. Ele era um trabalhador informal, feirante de rua – vendia frutas e legumes. Tinha uma renda mensal de US$150 por mês, e com esta sustentava uma família de oito pessoas. No dia 17 de dezembro de 2010, inspetores do governo lhe cobraram propina para permitir que continuasse com suas vendas. Ao negar, Bouazizi teve seu carrinho de frutas e legumes apreendido e ainda sofreu agressões físicas (GARDNER, 2014, s.p.). Indignado, Bouazizi foi até a sede do governo local para reaver sua mercadoria, mas não foi recebido pelas autoridades. Este foi o estopim para que um cidadão da Tunísia, como tantos outros, que não recebia do seu governo saúde pública de qualidade, educação básica e nem oportunidades para um acesso digno ao mercado de trabalho, e ainda teve o seu único meio de sobrevivência confiscado por agentes públicos corruptos, se revoltasse. Bouazizi correu até o primeiro posto de gasolina e então, ele comprou um latão de gasolina, jogou o combustível sobre si mesmo e acendeu um fósforo.[...] foi levado às pressas para um hospital com queimaduras em 90% de seu corpo, mas seu ato de desespero levou multidões enfurecidas às ruas (GARDNER, 2014, s.p.). Sem intenção, Bouazizi despertava ali uma onda de revolta e de sentimento de solidariedade ao seu ato desesperado. Seu protesto o transformou em mártir e acendeu na população tunídea a vontade de lutar. Ele instigou uma vontade de batalhar por direitos civis e políticos, por melhores condições de vida e mais emprego. Em pouco tempo, as manifestações tomaram conta do país, levando o presidente da Tunísia, até então, Ben Ali (um autocrata militar), ser deposto depois de 23 anos no poder, após a “Revolução de Jasmim”, em janeiro de 2012. REFERÊNCIAS BERMAN, Sheri. Islamism, Revolution, and Social Society. Carnegie Endowment, vol. 1, n.2, junho de 2003. Disponível em: < http://carnegieendowment.org/pdf/files/berman.pdf>. 105 BOBBIO, Noberto. O Conceito de Sociedade Civil. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982. CARVALHO PINTO, Vânia. A revolução que não começou: as particularidades da primavera khaleeji. CARVALHO PINTO, Vânia. La ola de movimientos pro democracia en Medio Oriente: Análisis preliminar de las consecuencias políticas para la región del Golfo Pérsico. In: BALLESTÉ, Elisenda; FÉREZ, Manuel (Orgs.). Medio Oriente y Norte de África: Reforma, Revolución o continuidad?. Ciudad de México: Senado de la República Mexicana, 2011. GARDNER, Frank. O homem que ‘acendeu’ a fagulha da Primavera Árabe. BBC Brasil, 17 de dezembro, 2011 Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2011/12/111217_primavra_arabe_bg .shtml >. Acesso em: 18/03/2014. ONLEY, James; KHALAF, Sulayman. Shaikhly Authority in the Pre-oil Gulf: an historical-anthropoloical study. History and Anthropology, vol. 17, n. 3, p. 189-208, setembro 2006. PACE, Enzo. Islã e política – a situação nos países árabes depois da “primavera”. Aulainaugural da Pós-Graduação em Ciência da Religião, PUC Goiás, 2014. QUATAERT, Donald. The Ottoman Empire, 1700- 1922. Press Syndicate of the University of Cambridge. United Kingdom, 2000. ROGAN, Eugene. The Emergence of the Modern Middle East into the Modern State System. In: FAWCETT, Louise (ed.). International Relations of the Middle East. Oxford, 2009. 106 TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO: Análise política, econômica e ambiental FELIPE LÔBO DUARTE Graduando em Relações Internacionais na PUC Goiás [email protected] RESUMO: Este trabalho consiste em apresentar os desafios e consequências do projeto de transposição de parte das águas do Rio São Francisco, no Brasil, questionando a atuação governamental. O que desde 2005, seu início, vem sendo alvo de críticas pelo custo da obra e pela destinação das águas. Palavras-chaves: Transposição; Rio São Francisco; Seca do Nordeste. 107 1. INTRODUÇÃO Qualquer que seja o tema escolhido para abordar no contexto latino-americano, corremos o risco de sermos generalistas ou superficiais, pois nos deparamos com modelos econômicos diversos, políticas sociais variáveis e diferentes realizações governamentais. Logo, o discurso sustentável vem sendo discutido nos últimos anos, surgindo à necessidade de incorporar atividades que favoreça o meio ambiente e o indivíduo, havendo uma inter-relação entre esses fatores. O meio ambiente tem sofrido diversas alterações com o avanço da utilização de seus recursos, e diante da ideia desenvolvimentista e com o capitalismo, inúmeros projetos tem sido ampliados para a ampliação de um equilíbrio econômico e social. A partir disso, o artigo apresentará as razões e consequências da transposição do Rio São Francisco, no Brasil, visto que os impactos políticos e econômicos podem trazer consequências ao fator social. O objeto de estudo foi a análise de documentos, artigos e notícias apresentadas nos últimos anos, com destaque as críticas feitas pelo geógrafo Aziz Ab’Saber, grande ambientalista que manteve nos últimos anos, embates capitais, com o questionamento da transposição do Rio São Francisco, que considera como uma obra mal planejada e com falta de logística. Haverá a discussão sobre o planejamento e o decorrer da obra, que possui data de conclusão para 2015 e apenas 54% das obras no Eixo Norte e 56% do Eixo Leste foram concluídas até o ano de 2014, e ainda há indícios de greve. Dados obtidos por pesquisadores, analisando as fases do projeto. Vale ressaltar o termo “indústria da seca”, que será discutido no trabalho na designação de estratégias políticas de arrecadação de riquezas com a seca da região Nordeste, que atrapalha a reorganização de propriedades e favorece as indústrias privadas. 2. ANÁLISE DO CASO Entre as inúmeras tentativas realizadas para controlar a seca do Nordeste, região analisada para pesquisa, durante o governo Lula, em 2005, a Agência Nacional de águas 108 (ANA) concedeu outorga o projeto para a Transposição do Rio São Francisco, para completar a oferta de água no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Considerado como o Rio da Unidade Nacional, o Velho Chico, como é chamado, possui, 2.700 km de extensão, nasce na Serra da Canastra, em Minas Gerais, escoa no sentido Sul-Norte pela Bahia e Pernambuco, quando altera seu curso para o Sudeste, chega ao Oceano Atlântico, na divisa entre Alagoas e Sergipe. (ANA) Devido a sua vasta extensão, é dividido em alto, médio, sub-médio e Baixo São Francisco, ocupando 8% da área de drenagem nacional, 638.576 KM². Sua cobertura vegetal é composta por fragmentos do Cerrado no alto e Médio, Caatinga no médio e sub-médio e de Mata Atlântica no Alto. (ANA) Figura 1 - Divisão geográfica do Vale do São Francisco. Fonte: Projeção estatística/demográfica elaborada com base em dados do IBGE, 2010 109 Figura 2 – Fonte: ANA, 2010 Em Minas Gerais, corresponde aproximadamente em 37% da sua área total. Já em toda sua extensão, abrange 521 municípios em seis estados: Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Goiás, sendo utilizado como fonte hídrica para a geração de energia em usinas hidrelétricas, sendo eles: Xingó, Paulo Afonso, Itaparica, Moxotó, Sobradinho e Três Marias. O projeto da transposição do Rio São Francisco é antigo, desde 1985, foi discutido pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento, e em 1999, transferido para o Ministério da Integração Nacional e acompanhado por vários ministérios, por outros órgãos, como por exemplo, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. 110 É muito complexo, pois engloba as inúmeras tentativas de solucionar um problema que há muitos anos afeta os brasileiros que vivem em regiões semiáridas, e lutam contra a seca. Além disso, deve-se analisar a questão ambiental, pois irá afetar um dos rios brasileiros mais importantes. Com o objetivo de assegurar água para 12 milhões de habitantes de 390 municípios do Agreste e do Sertão. Este projeto prevê a retirada de 26,4 m³/s de água, o equivalente a 1,42% da vazão garantida pela barragem Sobradinho, snedo que 16,4 m³/s para o Eixo Norte e 10 m³/s para o Eixo Leste. (ANA) Sua realização foi divida em 2 eixos: 1. Eixo Norte: Levará água para os sertões de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, terá aproximadamente 400 Km de extensão alimentando 4 rios, três sub-bacias do São Francisco (Brígida, Terra Nova e Pajeú) e mais dois açudes. 2. Eixo Leste: Abastecerá parte do sertão e as regiões do agreste de Pernambuco e de Paraíba com aproximadamente 220 Km até o Rio Paraíba, depois de passar nas bacias do Pajeú, Moxotó e da região agreste de Pernambuco. Figura 3, Divisão entre Eixo Norte e Eixo Leste. Fonte: http://www.jarlescavalcanti.com/2012/05/transposicao-do-rio-sao-francisco.html. Autor: Cavalcanti Jarles. Acesso em: 24/04/2014 111 Estima-se que serão gastos 8 bilhões de reais durante a obra, que deverá ser finalizada em 2015. Porém inúmeras paralizações, greves e problemas de licitação envolvem o referido projeto. Alguns geógrafos discutem que essa transposição é uma “transamazônica hídrica”, e que além de ser cara, não será capaz de suprir toda a necessidade da população, devido a má distribuição que essas regiões possuem e pelo fato de parte da água ser destinada para a irrigação. Segundo o renomado geógrafo Aziz Ab’Saber, em um artigo publicado em 2011, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), apresenta que os brasileiros desconhecem o espaço-físico, ecológico e social, reiterando que o Nordeste Seco, abrange um espaço físico de 750.000 KM², enquanto a área que pretensamente receberá grandes benefícios abrange dois projetos lineares, que somam apenas alguns milhares de quilômetros nas Bacias do rio Jaguaribe (Ceará) e Piranhas/Açu, no Rio Grande do Norte. Ou seja, dizer que a transposição das águas irá resolver para além de Araripe é um equívoco. Sobre a dinâmica climática e hidrológica, o Rio São Francisco é perene, termo derivado do latim perennis, que significa algo que é constante, dura por muitos anos ou para sempre. Segundo a hidrologia, designa fontes que nascem água o ano todo, ou um rio que mantém um estável o ano todo, mesmo no período de estiagem; que cruza caatingas em certo trecho do seu longo vale. O solo da caatinga demonstra ser rico em nutrientes ao ser comparado a outros tipos, como o do cerrado. O que mediante a irrigação, ele permite a obtenção de várias espécies de culturas agrícolas. Porém, devido à atividade de mineração ao longo do Rio, a degradação da mata ciliar, pela pecuária e atividades econômicas ao longo dele, degradam a sua sobrevivência. Suas águas são utilizadas para o turismo, lazer, irrigação, transporte, entre outros, o que desempenha um papel muito importante para as cidades próximas e para a população que vive nas margens do rio. Segundo a ANA, em uma análise realizada em 2010, a agricultura é uma das atividades econômicas mais importantes da região, apesar de possuir fortes contrastes socioeconômicos, com áreas de acentuada riqueza e alta densidade demográfica e áreas de pobreza crítica e população bastante dispersa. Dos 456 municípios com sede na bacia, somente 93 tratam seus esgotos. 112 Dentre os mais prejudicados nessa situação, seriam os vazanteiros (povos que têm a vida ligada ao rio). No caso, são os vazanteiros que habitam as ilhas e os barrancos de rios como São Francisco, Tocantins e Araguaia. Já dizia Josué de Castro em 1946, “A fome é o problema ecológico número um. Afinal, todo ser vivo precisa se alimentar.”. Destaco esta frase de um influente escritor, que buscou como trabalho a fome pelo mundo. O sucesso de cada sociedade depende do equilíbrio da questão alimentar, do abrigo e da proteção ao meio em que vivemos. Analisando pelo “bom senso”, o governo afirmará que estará dando incentivo e uma nova perspectiva de vida, o que já foi relatado que, com a transposição dessas águas será favorável para a população, pelo fato de gerar mais empregos diretos e indiretamente com a construção. Porém, o emprego não solucionará o problema da seca no semiárido. Logo, os mais favorecidos seriam aqueles que provêm de fazendas na beira alta, que serão providos de águas em períodos maiores na região, para o abastecimento do gado. Claro, que de forma temporária. É evidente que precisamos pensar na área como um todo, no quesito do não favorecimento apenas de uma parte da população, o que analiso como um pseudoprojeto. É extremamente perigoso transições entre agreste e sertão e depois para os sertões mais secos, pois ao retirar água de uma região médio-baixa do Rio São Francisco para uma área seca, implicará na área onde foi retirada, pois pode interferir na situação desenvolvimentista da região. No ano de 2013, em decorrência de ordens da ANA, em articulação com o Operador Nacional do Sistema Elétrico, foi autorizada a redução da vazão que sai dos reservatórios de Sobradinho e Xingó, com o intuito de preservar o armazenamento de água nos reservatórios. A redução foi proposta em decorrência da necessidade de preservar o armazenamento de água nos reservatórios, para atingir a demanda de produção de energia do Nordeste, pois com as alterações climáticas houve a redução do volume de chuvas nas regiões. Apresento o caso anterior, com o intuito de discutir a importância deste rio, no caso, setores como a agricultura, foram bastante prejudicados com essa atuação, devido à disponibilidade de água para a irrigação, a navegação e a pesca têm sofrido devido à queda do nível do São Francisco, com enfoque na produção de energia que traz grande consequência a população. Esses dados, analisados em Abril de 2014 nos fazem refletir 113 as consequências que pequenas medidas podem interferir em pequeno prazo e a importância deste rio. Outra discussão favorável é com a teoria da indústria da seca, termo utilizado para designar estratégias de alguns políticos que aproveitam de tragédia da seca na região nordeste do Brasil para o ganho próprio. Termo inicialmente utilizado por Antônio Callado, na década de 60, repórter que produziu importantes reportagens sobre Xingu e o Nordeste. Figura 4: A indústria da seca - Fonte: poesiapopularbrasileira.blogspot.com – A indústria da sec. Autor: Damião Metamorfose. Acesso em 17/04/2014 Um dos problemas analisados na região Nordeste é o chamado “polígono da seca”, que é a brusca variação pluvial e a forte seca. Porém, a seca pode ser monitorada e controlada com implantação de técnicas de escassez hídrica, projetos de irrigação. Essa perspectiva leva os industriais a utilizarem destes incentivos para conseguirem mais verbas, incentivos fiscais, entre outras concessões. O que atrapalha a reorganização de certas propriedades e favorece certas propriedades privadas. A partir disso, a análise que permeia a transposição do Rio São Francisco, é na campanha do governo atual, que de um lado são aqueles que defendem a legitimidade da obra, e de outros que defendem que a obra é mais um objeto faraônico. Resumindo, um dos grandes problemas do nordeste é o fornecimento de água em troca de votos, a utilização desenvolvimentista no triunfo da carreira eleitoral. O Nordeste pode servir como alavanque para grupo de pessoas que procuram desenvolvimento de regiões, políticas públicas e sociais. A proposta do projeto do governo do PT é trazer um equilíbrio para todos, e acabar com a seca. Porém, é uma ideia totalmente equivocada, diante do vasto cenário 114 deste projeto, e no investimento econômico na região Nordeste. Cabe a políticas públicas e ambientalistas, interferirem no cenário atual. A esperança é que com o apoio do Ministério do Meio Ambiente, possa interferir em situação mais complexas e concessão de ONGs, geógrafos, para um estudo periódico da região. 3. CONCLUSÃO Muito tem sido discutido a respeito da seca do Nordeste e da necessidade de ajuda que a população necessita. Inúmeras políticas sociais foram e são estabelecidas a anos para, de forma simples, favorecer a população desta região, e a transposição do Rio São Francisco, é mais uma atitude do governo para a solução. O governo diz que a transposição dessas águas será favorável para a população pelo fato de gerar mais empregos diretos e indiretamente com a construção. Porém, o emprego não solucionará o problema da seca no semiárido. Analisando em longo prazo, haverá aumento de emprego, geração de renda, a população atingida pela seca nos centros urbanos será abastecida com água para consumo, algumas áreas secas se tornarão novamente produtivas em agricultura e dessa forma melhorando a qualidade de vida, sendo os grandes produtores e os proprietários de grandes fazendas os mais beneficiados. Nessa construção, será necessário não só a transposição das águas, mas de famílias que vivem a anos nos locais, aproximadamente 33 tribos indígenas precisarão deixar a terra, cerca de 8 mil índios. De um lado, defensores lembram que a quantidade de água disponível por habitante no semiárido nordestino é menos da metade do que a ONU estabelece destaque na Lei das Águas (Lei nº 9,433). Apesar de o Brasil ser privilegiado na disponibilidade de recursos hídricos. No quesito meio ambiente, há o questionamento dos dois lados. Pelo fato do rio sofrer degradação a anos, há poluição, o risco da salinização e da interferência aquática e terrestre. Porém, o IBAMA, já se pronunciou, dizendo que os benefícios do empreendimento superam os impactos negativos da natureza. E já está sendo trabalhada 115 a revitalização dos trechos poluídos. Apesar de que, o ecossistema no entorno do Rio São Francisco, como a fauna e a flora, será prejudicada. De forma geral, sigo o pensamento do geógrafo Aziz Ab’Saber, em que apresenta o seguinte trecho: “A transposição acaba por significar apenas um canal tímido de água, de duvidosa validade econômica e interesse social, de grande custo, e que acabaria, sobretudo, por movimentar o mercado especulativo, da terra e da política.”. Logo, que esqueçamos o cenário social, o bem ao próximo, que estabeleçamos um movimento de transformação física para o espaço econômico, é uma mercadoria. REFERÊNCIAS Controvérsia Rio São Francisco. 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Atual, 2012 117 UCRÂNIA: ANÁLISE DA DISPUTA ENTRE AS POTÊNCIAS COM UMA VISÃO CRÍTICA DO DIREITO INTERNACIONAL Júlio da Silveira Moreira Pontifícia Universidade Católica de Goiás [email protected] RESUMO: O conflito na Ucrânia tem se desenvolvido a partir do novo estágio da crise institucional aberta em novembro de 2013, e que prossegue em 2014 tendo o país como objeto de um conflito maior entre dois blocos de potências imperialistas, que traça as bases de uma nova guerra mundial. O referencial teórico utilizado é a Teoria do Imperialismo de Lênin, e a análise se perfaz com uma visão crítica do Direito Internacional, apontando as contradições no âmbito das Nações Unidas e no direito de autodeterminação. Ao fim, questiona-se onde está o povo da Ucrânia e qual o seu papel nesse contexto. Palavras-chave: Ucrânia; Imperialismo; Direito Internacional; Autodeterminação. ABSTRACT: The conflict in Ukraine has developed over the new stage of institutional crisis started in November 2013, and continuing in 2014 having the country as part of a larger conflict between two blocks of imperialist powers that traces the foundations of a new world war. The theoretical framework is the Lenin’s Theory of Imperialism, and the analysis is made up with a critical view of International Law, pointing out the contradictions within the United Nations and the right to self-determination. At the end, it questions where the people of Ukraine is and what their role in this context is. Keywords: Ukraine; Imperialism; International Law; Self-determination. 118 1. Introdução O atual cenário de violência e crise institucional na Ucrânia remete à onda de protestos reiniciada em novembro de 2013. No decorrer do primeiro semestre de 2014, a situação continua se agravando, ficando cada vez mais intensas as manobras de guerra entre o bloco dos Estados Unidos e União Europeia, de um lado, e o bloco da Rússia, de outro. Para a maior parte dos analistas internacionais e monopólios de comunicação, a perspectiva se reduz a mostrar os aspectos negativos e positivos de cada um desses blocos, como se a saída fosse apoiar algum deles. A análise é feita pela tradicional visão dos “senhores da guerra”, individualizando e heroicizando as lideranças de cada bloco. O que essas análises deixam a desejar é que cada um não é mais que a expressão ou figura política de cada um dos interesses econômicos em jogo e que envolvem operações bilionárias, especialmente no setor energético e no controle das vias de transporte, assim como interesses estratégicos em que o domínio da região assegura o avanço ou retrocesso militar e logístico sobre outras regiões. Por isso é imprescindível que a análise esteja guiada pela Teoria do Imperialismo (não a visão vulgar que reduz o termo a potencialidade ofensiva militar, mas o referencial teórico que explica as relações internacionais a partir do capitalismo monopolista, o processo de fusão e fragmentação de capitais e o papel dos Estados nesses processos). Outra tendência que reduz a análise é identificar apenas os Estados Unidos como Imperialismo, o que obscurece a compreensão de que o behavior desse sistema é exatamente as disputas entre potências, e que respaldar um imperialismo (no caso, o russo) contra o outro só reforça lógica catastrófica do sistema. Quem apoiar nessa contenda, então? A pergunta leva a outra, ainda mais relevante: onde está o povo nessa história? Está ali, protestando contra a repressão promovida por todas as frações do conluio imperialista, que ao mesmo tempo tentam jogar com o protesto popular, até certo limite que não atrapalhe suas manobras de guerra. Essas frações também tentam jogar com o Direito Internacional, invocando o princípio da autodeterminação cada qual com uma interpretação que mais lhe favoreça. 2. Breve histórico da situação recente na Ucrânia 119 A história recente da Ucrânia remete à disputa entre potências imperialistas pelo seu controle. Especialmente durante e após o processo de dissolução da União Soviética, culminado em 1991, as potências europeias e os Estados Unidos já disputavam a influência sobre esse país. Quando, em 2004, um líder pró-Rússia, Viktor Yanukovych, venceu as eleições presidenciais, foi impedido por um processo chamado de Revolução Laranja, que colocou no poder o grupo derrotado nas eleições (formado por Viktor Yushchenko e Yulia Tymoshenko). Esse processo, mostrado na imprensa ocidental como um modelo de organização e ativismo democrático e resistência pacífica, foi sustentado pelos Estados Unidos, através de organizações como a USAID (Agência para o Desenvolvimento Internacional) e o George Soros’ Open Society Institute (Instituto Sociedade Aberta de George Soros, um dos grandes controladores das finanças mundiais). A disputa seguiu no Parlamento Ucraniano, levando Yanukovych novamente ao posto de Primeiro Ministro em 2006, sendo novamente derrubado por novas eleições parlamentares em 2007. Em 2010, o mesmo é novamente eleito presidente. Entre 2010 e 2011, Yulia Tymoshenko foi presa após ser condenada em diversos julgamentos criminais por corrupção. Ainda em 2010, Yanukovych celebrou com a Rússia o acordo de Kahrkov, prorrogando o arrendamento da base naval na região portuária estratégica de Sevastópol, no Mar Negro, até 2042, com possibilidade de ser estendido por mais cinco anos. O acordo envolvia investimentos da Rússia na região de Sevastópol e redução do preço do gás natural fornecido pela Rússia à Ucrânia. No fim de 2013, a possibilidade de firmar o Acordo de Associação com União Europeia representaria uma mudança de rumos na política de Yanukovych, levando à revogação dos acordos comerciais com a Rússia, incluindo o acordo de Kharkov. As tratativas envolviam uma série de disputas de frações do Estado ucraniano por empréstimos e salvaguardas, ora da União Europeia, ora da Rússia, até que foram suspensas, levando a protestos de rua em Kiev, em favor da associação da Ucrânia à União Europeia, tendo a Praça da Independência (Maydan) como centro. Os protestos tomaram outra feição depois da repressão violenta das forças policiais, com bombas de gás, agressões e prisões, culminando com a aprovação, pelo Parlamento, das leis antiprotesto em 16 de janeiro de 2014, com restrições às liberdades de expressão e de reunião. Os protestos prosseguiram de maneira ininterrupta, culminando no período 120 entre 18 e 20 de fevereiro, com a ocupação do Ministério da Justiça, 98 mortes e milhares de feridos. Em 22 de fevereiro, o Parlamento aprovou, por votos de 328 dos 447 membros, a remoção de Yanukovych do posto de presidente, por considerá-lo incapaz de cumprir com seus deveres, e estabeleceu eleições para 25 de maio. Ele, por sua vez, afirmou que não iria renunciar e retirou-se para lugar incerto, de onde segue fazendo comunicados como pretensão oficial. O grupo pró EUA-EU instalado no poder de fato em Kiev é formado por forças de extrema direita que colaboraram com os nazistas para combater a então União Soviética. Ao assumir o poder, não tardou em prosseguir nas políticas de austeridade impostas pelo FMI, cortes de pensões, enxugamento do serviço público e programa de privatizações. Em meio a tudo isso, a Rússia, também apoiada por grupos europeus de extrema direita, se apressou por anexar a Criméia e consolidar sua zona de influência no leste da Ucrânia, especialmente nos estados de Donetsk e Luhansk. Parte dos analistas internacionais não se refere ao episódio da Criméia como anexação, alegando que o Parlamento da Criméia aprovou, em 6 de março, sua entrada na Federação Russa, o que foi confirmado em referendo popular em 16 de março. Acontece que a Rússia estabeleceu o controle militar da Criméia desde 2 de março. Em 15 de março, o Conselho de Segurança das Nações Unidas havia submetido a votação uma resolução para que os Estados membros não reconhecessem o referendo, porém a resolução foi obstada pelo veto da Rússia. 3. Teoria do Imperialismo aplicada ao conflito da Ucrânia Lênin definiu o Imperialismo como a fase superior do capitalismo, formada pela passagem do capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista, com fusão do capital industrial ao capital bancário, formando o capital financeiro e as sociedades por ações, e pelo fim da partilha colonial do mundo entre as potências dominantes, levando às constantes e acirradas pugnas entre potências pela repartilha do mundo, gerando situações propensas para a guerra. A conquista das colônias não começou, mas, pelo contrário, acabou na época imperialista. Nessa época, porém, a importância das colônias e a significação da política colonial mudaram essencialmente. (SEGAL, 1946, p. 469-470). Nas condições, porém, em que o mundo inteiro já se encontra repartido, num momento em que não há mais terras desocupadas, a acentuação da desigualdade significa a inevitabilidade das guerras imperialistas mundiais 121 para uma nova repartição das terras já ocupadas. Podem-se adquirir novas colônias, não por meio da conquista de países atrasados, e ainda não conquistados (pois já não existem), mas arrancando-os pela guerra, por meio da guerra, a outros países imperialistas. (SEGAL, 1946, p. 473). Essas passagens são esclarecedoras, por mostrar o quanto acirradas são as disputas entre grupos monopolistas e entre potências imperialistas, nesse período que surge e se consolida entre o último quarto do século XIX e o primeiro quarto do século XX. É exatamente nesse contexto que se desenvolve a Primeira Guerra Mundial, e é nas condições do imperialismo que surge o fascismo que leva à Segunda Guerra Mundial num contexto não só inter-imperialista, mas também de luta mundial contra o nazifascismo. Lênin, que compreendia o imperialismo desde os seus laços econômicos (muito além da caracterização do imperialismo como pujança político-militar, como é associado até os dias de hoje), mostra que as potências utilizam várias formas de solução de controvérsias em sua disputa pelo controle do mundo, desde as formas diplomáticas até a guerra total e aberta. Há “formas variadas de países dependentes que, dum ponto de vista formal, político, gozam de independência, mas que na realidade se encontram envolvidos nas malhas da dependência financeira e diplomática” (LÉNINE, 1984c, p. 364). As potências, todavia, não hesitam em usar dos meios violentos que vão desde os embargos e bloqueios, até as ofensivas militares. Elas se generalizam em guerra mundial no momento em que a pugna atinge os interesses imediatos de todos os Estados imperialistas (SEGAL, 1946). Num nível avançado de disputa interimperialista, as potências não combatem sozinhas, mas formam blocos e alianças militares para combater entre si. É nessa alternância entre uniões e pugnas entre as potências que se formam as organizações internacionais, definidas por Lênin como “tréguas ente guerras”: As alianças “interimperialistas” [...] – seja qual for a sua forma: uma coligação imperialista contra outra coligação imperialista, ou uma aliança geral de todas as potências imperialistas –, só podem ser, inevitavelmente, “tréguas” entre guerras. As alianças pacíficas preparam as guerras e por sua vez surgem das guerras, conciliandose mutuamente, gerando uma sucessão de formas de luta pacífica e não pacífica sobre uma mesma base de vínculos imperialistas e de relações recíprocas entre a economia e a política mundiais. (LENINE, 1984c, p. 396) (grifo meu) Nada, nenhuma análise do melhor analista internacional contemporâneo pode ser mais esclarecedora que essa passagem de Lênin. A Organização das Nações Unidas 122 surge precisamente com esse carácter, ao fim da Segunda Guerra Mundial, selando uma aliança interimperialista contra os vencidos naquele conflito, iniciada nos acordos entre Estados Unidos, Reino Unido e França, na Conferência do Atlântico, em 1943. De outro lado, a Rússia, naquele momento, se punha à frente da luta mundial dos povos contra o nazi-fascismo, tendo realmente alcançado sua derrota momentânea. Porém, integra a mesma estrutura que se consolidou como a principal aliança inter-imperialista contemporânea, que tem como centro o Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Capítulo VII da Carta das Nações Unidas estabelece os procedimentos a serem tomados para que Estados membros possam adotar medidas violentas contra Estados membros ou entidades que, sob o juízo do próprio Conselho de Segurança, houverem praticado “ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão” (art. 39). O Conselho de Segurança, portanto, constitui-se no órgão que confere legitimidade a uma agressão militar. Isto deve ser compreendido lembrando-se da doutrina da guerra no Direito Internacional clássico, segundo a qual a guerra injusta é aquela que viola a paz e a guerra justa é aquela feita em legítima defesa a uma guerra injusta. Tudo fica, portanto, à mercê de quem tem legitimidade para dizer qual das partes num conflito está violando a paz, e qual das partes está agindo em legítima defesa, o que é extremamente relativo já que uma guerra se forma num contexto de agressões mútuas. Acontece, porém, que a Organização das Nações Unidas sela uma aliança fundamental entre parte das potências imperialistas (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança: Estados Unidos, Reino Unidos, França, Rússia e China), e as demais potências ou mesmo países periféricos estão ligados por relações de influência a uma ou algumas dessas cinco potências, o que faz com que o poder de veto crie problemas para planos particulares de alguns blocos imperialistas. É o que acontece precisamente no caso da Ucrânia, em que Estados Unidos e União Europeia ficam impossibilitados de adotar sanções contra a Rússia no Conselho de Segurança, e a recíproca também é verdadeira. Isso faz com que aquele bloco recorra à sua organização militar internacional, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e a Rússia conte, por sua vez, com seu próprio poderio militar e o de seus aliados na Ásia e Oriente Médio. A Rússia se lança como potência imperialista desde a viragem ocorrida com a chegada de Kruchov ao poder, conforme profundamente demonstrado pelo Partido Comunista da China em suas cartas em resposta às polêmicas com o Partido Comunista da União Soviética. A política de Kruschov, chama por aqueles de revisionismo 123 contemporâneo, assumia, frente à situação mundial, posturas típicas dos países imperialistas, que, ao invés de fortalecer o campo socialista contra o campo imperialista, tentava submeter o campo socialista à sua esfera de influência visando a manutenção de sua própria oligarquia financeira: Em nome da “divisão internacional do trabalho”, se opõem a que estes países sigam a política de construir o socialismo apoiando-se principalmente em seus próprios esforços e desenvolvam sua economia sobre a base da independência; tentam assim converter os países irmãos em seus apêndices econômicos. Tratam de forçar os países irmãos como relativo atraso econômico, a abandonar a industrialização, de modo que se convertam em suas fontes de matérias primas e em mercado para os excedentes de sua produção. (PCCh, 2003, p. 312) Propaga ativamente que a “coexistência pacífica” entre as nações oprimidas e o imperialismo civilizado trará um “rápido crescimento da economia nacional” e um “aumento das forças produtivas”, facilitará aos países oprimidos “ampliar incomparavelmente seu mercado interno”, e “proporcionar mais matérias primas, distintos produtos e mercadorias necessários para a economia dos países industrialmente desenvolvidos” e, ao mesmo tempo, “elevará consideravelmente o nível de vida da população dos países capitalistas desenvolvidos. (PCCh, 2003, p. 225-226) Durante a chamada Crise dos Mísseis, em 1962, a União Soviética de Kruschov adotou essa mesma política em relação a Cuba, usando irresponsavelmente o território de Cuba como mero apêndice para sua pugna contra os Estados Unidos. Em resposta aos Estados Unidos, que haviam instalado mísseis atômicos na Turquia voltados para a União Soviética, esta instalou seus mísseis atômicos em Cuba, voltados para aqueles. O problema é que ali o governo da União Soviética não via os povos em luta, como o povo cubano, como o caminho para combater o imperialismo parte por parte, mas sim via Cuba como um território estratégico para suas manobras militares e sua rede de exploração econômica. É assim que os dois blocos em disputa veem atualmente a Ucrânia. Inclusive em matéria econômica, a Ucrânia é estratégica por ser o ponto de passagem necessária do petróleo e do gás natural que saem da Ásia e Oriente Médio para a Europa Ocidental. E muitas companhias do setor energético que tinham uma relação estável com o governo da Ucrânia, estão tendo de refazer negociações após a anexação da Criméia pela Rússia. Como demonstra Moniz Bandeira (2014): 124 O governo da Crimeia logo anunciou a nacionalização dos gasodutos e campos operados pelas companhias estatais da Ucrânia - ChornomorNaftogaz e Ukrtransgaz – incluindo o subsolo, no litoral do Mar Negro, e as grandes companhias petrolíferas Royal Dutch Shell Plc (RDSA), Exxon Mobil Corp. (XOM) Shell e Chevron Corp, Eni Span. (ENI) haviam firmado contratos com o governo de Kiev para a prospecção e exploração de petróleo e gás, nessa região. Ao reintegrar a Crimeia à Rússia, o presidente Vladimir Putin deu notável golpe nas pretensões dos Estados Unidos e da União Europeia. Bloqueou o acesso físico de Kiev às virtuais fontes de energia no Mar Negro e assustou as empresas petrolíferas que lá estavam dispostas a investir. Um consórcio, que incluía a Exxon e Royal Dutch Shell Plc (RDSA) planejava investir US$735 perfurar dois campos - Skifska e Foroska - a 80km no sudoeste do litoral da Crimeia. As companhias petrolíferas terão certamente de fazer novas negociações e aí com as autoridades de Simferopol e de Moscou. A Gazprom já solicitou permissão às autoridades da Crimeia para explorar as reservas do litoral. E a Ucrânia, com uma economia improdutiva, terá outros grandes prejuízos. O atual governo da Ucrânia, reclamando as históricas dissidências com a Rússia, invoca o princípio da autodeterminação dos povos para opor-se às investidas militares russas, ao mesmo tempo em que sinaliza para autorizar a instalação de bases da OTAN em seu território. Esta prática expõe o quanto falsa e relativamente o princípio da autodeterminação é invocado nas condições atuais da política internacional marcada pelo imperialismo, quando um Estado invoca sua soberania para permitir-se colocar-se sob a proteção de outro Estado, abrindo mão, paradoxalmente, de sua soberania. 4. A questão nacional e o direito de autodeterminação O principal argumento do bloco pró-União Europeia, atualmente no poder de fato em Kiev, para combater a ocupação militar da Rússia, é sobre o princípio da autodeterminação dos povos. Trata-se de um princípio básico do Direito Internacional, decorrente do princípio máximo da igualdade soberana entre Estados, estabelecido com a Paz de Westphalia, em 1648, definida como o marco do surgimento do Direito Internacional moderno. Esse tratado de paz definiu grande parte das fronteiras do continente europeu, especialmente as fronteiras entre os Estados participantes na Guerra dos Trinta Anos que lhe 125 antecedeu. O princípio, portanto, estabelecia que, uma vez definidas essas fronteiras, um Estado não poderia se meter nos assuntos do Estado vizinho. Daí vem o direito mais básico de um Estado, que é o direito de existir e decidir sobre seu próprio destino, e o dever mais básico, que é o dever de não intervenção nos assuntos internos de outro Estado. O princípio da autodeterminação dos povos, porém, vai além da concepção rígida e estatista da igualdade soberana entre Estados. Diz respeito ao próprio pressuposto para a formação de um Estado, que é, em tese, a soberania popular. Contrariamente a esse pressuposto, as fronteiras são, na prática, formadas muito mais pelos acordos de paz entre grupos dominantes, que partilham o mundo entre si, do que pela identidade comum dos povos que habitam um ou mais Estados. Aliás, as concepções de Direito Internacional cristalizadas com a Paz de Westphalia ignoravam o que estava acontecendo na maior parte do planeta naquela época, que era o mundo colonizado. Como falar em igualdade soberana quando para a maior parte do mundo sequer lhe era permitido conformar-se como Estado? Esse paradoxo percorreu toda a história posterior do Direito Internacional, passando pelos processos de descolonização, até chegar aos dias atuais, em que, sob a égide do imperialismo, as disputas entre as potências por territórios é ainda mais acirrada (MOREIRA, 2011). Lênin dedicou vários textos ao direito das nações à autodeterminação, pois este tema, dentro da questão nacional, era fundamental para orientar a estratégia da luta dos povos oprimidos contra o imperialismo. No processo de ascensão e estabelecimento da burguesia como oligarquia dominante no plano internacional, as reivindicações jurídicas de liberdade e igualdade, que serviram para a luta de libertação dos regimes feudais, se converteram no seu oposto, num instrumento de opressão dos povos dominados por essa burguesia. O direito das nações à autodeterminação já não podia ser invocado sob sua concepção burguesa tradicional. Isto não significava, por outro lado, que a luta por autodeterminação tivesse perdido seu significado, já que, sob a égide do imperialismo, os países dominados são permanentemente impedidos de exercer esse direito, salvo quando ele esteja sendo tergiversado em favor de alguma potência. O imperialismo é a progressiva opressão das nações do mundo por um punhado de grandes potências, é a época das guerras entre estas pelo alargamento e o reforço da opressão sobre as nações, a época da mistificação das massas populares pelos sociaispatriotas hipócritas, isto é, por pessoas que a pretexto da “liberdade das nações”, do 126 “direito das nações à autodeterminação” e da “defesa da pátria” justificam e defendem a opressão da maioria das nações do mundo pelas grandes potências (LÉNINE, 1984b, p. 274). A própria Rússia sempre foi um país heterogêneo do ponto de vista nacional. Mesmo antes da revolução, a demanda das nações não russas era usada pelas respectivas classes latifundiárias e burguesas para “desviar a classe operária, através da luta nacional ou da luta por uma cultura nacional, das suas grandes tarefas mundiais” (Lênin, 1984a, p. 98): Os capitalistas e latifundiários querem a todo o custo dividir os operários das diferentes nações, enquanto eles próprios, os poderosos deste mundo, vivem excelentemente em conjunto como acionistas de “negócios” que “rendem” milhões” (Lênin, 1984a, p. 99). Isso significava, em outras palavras, que o movimento de libertação nacional só poderia avançar se estivesse unido ao movimento comunista internacional. Os povos das nações oprimidas, se não estão irmanados e aliados aos operários das nações opressoras (ao proletariado), tornam-se involuntariamente aliados a uma ou outra fração burguesa, “que trai sempre os interesses do povo e a democracia, sempre pronta, por seu lado, a anexar e oprimir outras nações” (LÉNINE, 1984b, p. 274). Em outros textos, Lênin mostra que a posição dos comunistas deve ser de sempre apoiar a autodeterminação dos povos, sob o princípio de que não pode ser livre um povo que oprime outros povos: “Porque é que nós, grão-russos, que oprimimos um número maior de nações que qualquer outro povo, temos de renunciar a reconhecer o direito à separação da Polónia, da Ucrânia, da Finlândia? [...] todo o socialista russo que não reconheça a liberdade da Finlândia e da Ucrânia cairá no chauvinismo” (1977b). Porém, tampouco a separação deveria ser um ato forçado: era justo que os operários desses países decidissem unir-se aos operários da Rússia e fortalecer o movimento revolucionário internacional. A autodeterminação, portanto, não poderia ser tomada como um direito abstrato e absoluto, assim como nenhum direito é, na prática, abstrato e absoluto, mas dado dentro de um contexto histórico em função das lutas concretas. Para Lênin (e esta era precisamente a razão de sua crítica à concepção de Rosa Luxemburgo), a essência não estava nas definições jurídicas, mas sim na experiência dos movimentos nacionais do mundo inteiro: “compreender o significado da autodeterminação das nações sem brincar com as definições jurídicas, sem ‘inventar’ definições abstratas, mas analisando as condições histórico-econômicas dos movimentos nacionais” (1977a). 127 Em suas teses sobre a questão nacional ao Segundo Congresso da Internacional Comunista, Lênin assim sintetizava os critérios objetivos da autodeterminação: Primeiro, deve ser considerada a situação histórica, concreta, e (sobretudo) econômica; segundo, a diferença exata entre os interesses das classes trabalhadoras exploradas e oprimidas, e o conceito geral de interesse nacional, que significa os interesses da classe dominante; terceiro, a clara distinção entre nações oprimidas, dependentes e carentes de direitos iguais, e as nações que são opressoras e exploradoras. (apud PASHUKANIS, 1980, p. 154) (tradução minha). Sempre que, na época do imperialismo, os povos oprimidos se levantaram pela secessão (separação) de Estados, sem estar vinculados ao interesse de uma potência imperialista, foram e têm sido duramente reprimidos por estas mesmas. Podemos citar, como exemplos, o País Basco, a Irlanda, o Curdistão e a Palestina. Por outro lado, sempre que uma separação foi útil para alguma das potências em disputa, ela se deu após cruentas guerras. A própria política estadunidense da América para os americanos (Doutrina Monroe), ainda no começo do século XIX, se deu sob essa lógica, já que a independência das colônias de Portugal e Espanha na América Latina interessavam aos Estados Unidos, que poderiam comercializar com esses países “independentes” sem o intermédio de suas antigas metrópoles. Em 1898, com o Tratado de Paris, quatro colônias (Cuba, Porto Rico, Filipinas e Guam) que lutavam pela independência da Espanha foram literalmente transferidas para os Estados Unidos. Mais tarde, os Estados Unidos apoiaram a separação do Panamá da Colômbia, culminada em 1903, em troca do controle do Canal do Panamá. E esses são apenas alguns exemplos que mostram como, não só os Estados Unidos, mas também as demais potências imperialistas têm ao longo da história utilizado o princípio da autodeterminação para anexar territórios, diretamente colonizados ou levados às suas esferas de influência. O próprio movimento de descolonização da África e da Ásia, ao ser incorporado ao receituário das potências, se deu num sentido de disputas por territórios e zonas de influência. A ardorosa defesa do livre comércio, dando a tônica das relações políticas e econômicas do pós Segunda Guerra Mundial, especialmente com a Conferência de Bretton Woods, em 1944, se deu no sentido da disputa entre as potências. Com o livre comércio, essa disputa consumava uma nova forma, que era a dos acordos de livre comércio e a manutenção do status quo da política internacional através de instituições como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Acordo Geral de Tarifas 128 de Comércio (ou GATT), que depois se consolidou como Organização Mundial do Comércio (MOREIRA, 2011). A polêmica atual sobre a Ucrânia se insere nesse corpo de análise. Os dirigentes pró-União Europeia invocam a plenos pulmões o direito de autodeterminação, para repudiar as ações de anexação por parte da Rússia, ao mesmo tempo em que sinalizam para autorizar a instalação de bases da OTAN em seu território. Por outro lado, o direito de autodeterminação é invocado pela Criméia para reivindicar sua separação da Ucrânia e união à Federação Russa. Duas versões opostas sobre os mesmos fatos, cada uma sustentando à sua forma o direito de autodeterminação. Na Criméia, dizem que se Kiev buscasse a autodeterminação, não aceitaria a aproximação da União Europeia e muito menos a instalação das bases da OTAN. Em Kiev, dizem que se a Criméia buscasse a autodeterminação, não se vincularia imediatamente à Federação Russa. Isso torna evidente que a autodeterminação não pode ser tomada como um princípio abstrato, mas sim em sua expressão concreta, e que a questão nacional não pode ser resolvida por nenhuma potência imperialista, como as que hoje transformam a Ucrânia em teatro de guerra. 5. À maneira de conclusão: onde está o povo? O protesto popular, aqui, só é ressaltado na medida em que pode ser manipulado por uma ou outra potência. É importante notar como muitos analistas internacionais são incapazes (ou deliberadamente não o fazem) de olhar para as bases sociais do conflito, e se limitam a descrever, de maneira fetichizada, as movimentações dos chefes de cada um dos blocos imperialistas. Em última instância, esses analistas estão seguindo a linha política de seus respectivos patrões, sejam eles pró-Rússia ou pró-“Ocidente”. O mesmo se dá com grupos oportunistas de esquerda, que, sob a miopia de ver apenas os Estados Unidos como imperialismo, colocam-se do lado do imperialismo russo, reproduzindo as práticas dos sociais-chauvinistas e sociais-imperialistas a que Lênin se referia em sua época. É claro que as massas populares da Ucrânia, em qualquer parte do país, estão lutando, porque são elas que são afetadas pelo cenário mundial de crise econômica e empurradas para as condições mais duras de vida. Elas protestam, e seu protesto é canalizado pelas forças políticas que sustentam um ou outro bloco imperialista. 129 A onda de protestos é aguçada pela repressão, com as leis anti-protesto, que trazem agressões, prisões, mortes e mais protestos, chegando a um ponto em que ambos os blocos se coadunam para ficar contra o povo, seu verdadeiro inimigo. Este agora se vê confrontando não com um ou outro bloco de poder, mas contra o poder do Estado e suas ligações com o imperialismo. Em seu horizonte estão colocados dois caminhos: rastejar-se para as oligarquias financeiras, trocando um grupo opressor por outro, ou combater o imperialismo em todas as suas formas. Como observa Mário Lúcio de Paula (2014), forças populares autênticas têm formado grupos de autodefesa nos bairros e nos protestos: Como fruto da própria luta das massas, têm surgido em várias regiões da Ucrânia grupos independentes em aliança entre comunistas, forças patrióticas e democráticas anti-imperialistas que opõem resistência armada à ação dos neonazistas e organizações da extrema-direita. São formados grupos de autodefesa popular nos bairros e nas manifestações e erguidas barricadas em diversas cidades. Em páginas da internet podem ser vistos vídeos com concentrações de massas e protestos erguendo palavras de ordem contra o imperialismo e até mesmo concentrações de mulheres numa barricada em um bairro de Sloviansk, leste do país, cantando o hino do proletariado, A Internacional. Assim como em outros conflitos, como na Síria e no Egito, as forças populares são invisibilizadas pelos monopólios de comunicação, que já possuem receitas pronta para mostrar a resistência anti-imperialista como “rebeldes” e “terroristas”, vinculandoos a um ou outro bloco de poder. Enquanto isso, o conflito entre potências é arrastado gerando mais guerras e anexações sob o falseamento de pretextos jurídicos como o da autodeterminação. O avanço da resistência popular anti-imperialista e o exercício da verdadeira autodeterminação dos povos depende do desenvolvimento da situação revolucionária não só na Ucrânia, mas em todo o cenário mundial. Esse desenvolvimento já está conflagrado com a crise endêmica e as inúmeras demonstrações de que as “democracias” do mundo atual não fazem mais que conformar Estados policiais com arremedos institucionais voltados apenas para a perpetuação do sistema financeiro oligárquico. REFERÊNCIAS BANDEIRA, Moniz. Entrevista a Marco Aurélio Weissheimer. Moniz Bandeira aponta aliança entre ONGs ocidentais e neonazistas na Ucrânia. Carta Maior. 15 fev. 2014. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/-MonizBandeira-aponta-alianca-entre-ONGs-ocidentais-e-neonazistas-na-Ucrania/6/30265> 130 DE PAULA, Mário Lúcio. Ucrânia: agravamento das disputas interimperialistas aponta para nova guerra mundial. A Nova Democracia, ano XII, n. 129, abr. 2014. Disponível em: <http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5316-ucrania-agravamento-dasdisputas-interimperialistas-aponta-para-nova-guerra-mundial> D’SOUZA, Radha. Imperialism and Self-determination. Revisiting the Nexus in Lenin. Economic & Political Weekly. Vol. XLVIII, n. 15, 13 abr. 2013. p. 60-69. LÉNINE, V. I. Sobre o direito das nações à autodeterminação. Marxists Internet Archive. 1977a. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/lenin/1914/auto/index.htm>. _____. Discurso sobre a questão nacional. Marxists Internet Archive. 1977b. 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Rio de Janeiro: Editorial Calvino, 1946. 131 SECURITIZAÇÃO, CONFLITO, SOCIEDADE E PAZ NOS ESTADOS ALEMÃES DO SÉCULO XIX Guilherme Augusto B. Carvalho Graduando em Relações Internacionais Pontifícia Universidade Católica de Goiás Orientador: Prof. Me. Danillo Alarcon E-mail: [email protected] RESUMO: Esse artigo visa analisar o processo de securitização, em um constante estado de risco vivido pelos Estados alemães (até então separados) por representarem um bloqueio ao encontro geográfico das grandes potências europeias, abordando algumas visões sobre alguns conflitos aos quais esses Estados tiveram que passar (para que suas sobrevivências fossem reafirmadas dentro do contexto europeu). Além disso, abordar aspectos históricos da sociedade da época que juntos conformarão entrei si um uma identidade beligerante. Esses fatores descritos serão analisados sob os prismas da teoria construtivista e inevitavelmente da teoria realista, em doze páginas. O artigo conta com duas questões para serem analisadas: a) Por que o conflito era um “fantasma” recorrente nos Estados alemães? b) Qual a influência de um Estado alemão unificado, para a segurança de seus vizinhos? Conclui-se, portanto, que um Estado alemão é de vital importância para a configuração do sistema de segurança europeu, tanto por sua localização como por sua importância natural, populacional e bélica para o equilíbrio de poder na Europa. Palavras-chave: Teorias Construtivista e Realista – Conflito – Espaço Vital-Fronteira. 132 INTRODUÇÃO A atual Alemanha é parte de uma história advinda de disputas políticas, desde a antiguidade, pela hegemonia territorial. Variações de limites geográficos, é claro, foram extremamente constantes em toda a Europa durante os séculos XVI, XVII, XVIII e XIX. Mas tiveram relevância especial na formação daquilo que se conhece como Estado Alemão, onde não se havia uma conformidade de discursos, os quais possibilitariam uma unidade de Estados, durante a modernidade e uma boa parte da era contemporânea. Congressos como os de Vestefália irão nos mostrar os rearranjos dos Estados europeus, mas especialmente daquela que inicialmente iria ser o Sacro Império Romano Germânico, depois o Rheinbund, e iria se encerrar como a Alemanha unificada. Mas até mesmo para entendermos os arranjos diplomáticos que definiram toda uma política fronteiriça entre os Estados alemães, será necessário entender o princípio que vigorava naquele período como uma ordem inalterável: a legitimidade dinástica. O peso religioso exercia uma grande influência no processo decisório, mas que vigorava na ordem do sistema europeu de Estados como uma espécie de eucaristia, ou mesmo uma lei. Portanto a legitimidade dinástica faz parte de um arcabouço de realidades construídas pela nobreza europeia.25 É necessário também entendermos que um fator que levou aos conflitos modernos alemães, dentro de uma perspectiva realista da guerra, foram construídos por ações que decorrem da antiguidade, a disputa por um “espaço vital”. A disputa territorial vem do cerne do próprio dos povos que formaram o sentido de “nação alemã”, como uma necessidade básica para a formação do Estado: As tribos de fala germânica, que se instalaram nas terras baixas a oeste do Elba e numa vasta área entre o Elba e os Alpes ao longo dos séculos de migração dos povos (Völkerwanderung 26), encontraram-se encravados entre tribos cuja língua era derivada do latim e tribos orientais falando línguas eslavas. Esses três grupos de povos lutaram por mais de mil anos em defesa das fronteiras de suas respectivas áreas de povoamento (ELIAS, 1992, p. 16). 25 A legitimidade dinástica fez parte das tradições de poder europeias durante todo o período medieval e moderno. 26 Völkerwanderung é um termo extremamente utilizado nas pesquisas sobre os assentamentos de tribos na Europa antiga. 133 Alguns autores como o próprio Norbert Elias (1992) caracterizam essas disputas como “eliminação de tribos”, que dentro de uma teoria realista, seria apenas a consequência da disputa pelo poder, afloradas na raiz do próprio ser humano. 1. CONSTRUTIVISMO SOCILA E A SECURITIZAÇÃO ALEMÃ Há diversas formas de se enxergar o surgimento e a construção de uma nação em todo o seu sentido, mas nesse caso, especialmente Os construtivistas interessam-se pela forma como os objetos e as práticas da vida social são “construídos”, especialmente aqueles que as sociedades ou os pesquisadores tomam como dados ou naturais. A naturalização é problemática porque obscurece as formas como objetos e práticas sociais dependem, para sua existência, de escolhas contínuas, de modo que ela pode ser opressiva e representar uma barreira à mudança social (FEARON; WENDT, 2002, p. 57 Livre tradução). A junção dos povos de língua etnia e costumes semelhantes encontrou-se com o problema da falta de uma vontade conjunta a fim de estabelecer uma “unidade nacional”. E no caso alemão o peso do nacionalismo só iria triunfar após 1870 com a unificação, por isso contar com esse fator em um período como o da guerra dos 30 anos (onde os alemães se enfrentaram por causa de disputas pelo poder mascaradas pela reforma protestante e o a inquisição católica) seria um tanto quanto amador. Os alemães, desde seus primeiros avanços rumo ao centro da Europa, tinham de se manter em posição para a guerra eminente, as disputas para eliminar tribos na antiguidade eram literalmente na tentativa da construção e solidificação de um povo dominante, por isso talvez: “De modo análogo, a penetração de grupos de povos de língua germânica através do Elba na direção do leste mostra que a tensão entre grupos de origem germânica e de origem eslava permanece ativa” (ELIAS, 1992, p. 16). Fica claro dessa forma que era necessário manter a securitização (claro que ainda não era uma securitização do Estado como conhecemos, mas a necessidade da proteção do povo), por que o risco era sempre eminente. Os construtivistas apontam que: O conceito de securitização proposto pela Escola de Copenhague é o exemplo mais evidente da aplicação da epistemologia construtivista no trabalho do grupo. De acordo com os construtivistas, o mundo social assim como as identidades e os interesses dos agentes é construído por estruturas e processos intersubjetivos e coletivos. Enquanto os tradicionalistas vinculam o estudo da segurança à existência de ameaças objetivas, os autores de Copenhague consideram que as ameaças à segurança são socialmente construídas. A securitização e os critérios para securitização, segundo o grupo de Copenhague, são práticas intersubjetivas, por meio das quais um 134 agente securitizador procura estabelecer socialmente a existência de uma ameaça à sobrevivência de uma unidade (BUZAN, 1998, p. 29-31, livre tradução). Dessa forma, fica mais clara a necessidade de uma securitização constante, pois seguindo os critérios da Escola de Copenhague, de fato a luta pela sobrevivência vem sendo construída durante os séculos, e os alemães resistiram, graças ao discurso da sobrevivência, e da segurança: O que é, então, a segurança? Com o auxílio da teoria da linguagem, podemos conceber a segurança como um ato de fala. Nessa acepção, a segurança não é objeto de interesse como um signo que se refere a algo mais real; a fala em si é o ato. Ao se falar, algo é feito (como ao se fazerem apostas ou promessas, ou ao se dar nome a um navio). Ao dizer "segurança", um representante estatal faz referência a um acontecimento em uma área específica, e assim demanda um direito especial para utilizar quaisquer meios que se fizerem necessários para evitá-lo (WAEVER, 1995, p. 55, tradução livre). Segundo MAGNOLI (2006) a unidade foi conquista quando Carlos Magno em 800 foi coroado imperador do Sacro Império Romano Germânico. Império esse que transcendeu da idade média, moderna e foi até o inicio da contemporânea (quando Napoleão o desfez para fundar Rheinbund, que viria a ser uma espécie de confederação de Estados satélites da França). A partir desse período, o discurso coercitivo passava a ser, além da sobrevivência em vida, e o pós-vida, graças à igreja católica. Assim os elementos de unidade foram sendo fomentados, porém a ambição de outros povos que por sua vez também constituíram seus próprios impérios (de baixo de um discurso semelhante). E dessa forma a historiografia nos mostra que a tentativa da obtenção do “espaço vital” ao qual era constantemente vislumbrada pelos imperadores do Sacro Império, foi mantida, e as variações territoriais, graças a pequenas guerras foram bastante constantes. Porém após um longo período de conquistas, um pequeno desarranjo, na ordem social do império foi a causa de uma certa desestabilidade: A reforma Luterana. O discurso começava a mudar, a unidade ficava ameaçada e o estado de securitização ficou cada vez mais em alerta, pois a ameaça agora era interna. 2. GUERRA DOS 30 ANOS E A PAZ DE VESTEFÁLIA: SECURITIZAÇÃO 135 Do ponto de vista realista, o conflito ou as tensões em áreas isoladas da Europa costumavam ser extremamente recorrentes, de modo que o estado de alerta e o risco de invasões, jamais saiam do “high politics” e a preocupação com o constante aparelhamento das forças armadas era uma das prioridades na Europa moderna. Com o declínio do poder do Papa, e sua autoridade sobre alguns Estados europeus e mesmo sobre os principados, ducados e reinados em algumas regiões do Sacro Império Romano Germânico devido à reforma protestante, trouxe um novo motivo para expansões territoriais: manter uma Europa católica. Vamos analisar esse fator, visando o contexto dos Estados alemães divididos, e agora mais do que nunca, uma vez que alguns deles haviam se tornado Estados protestantes. A influência alemã dentro de um contexto europeu era extremamente importante, lembrando que seus Estados faziam parte de um império tipicamente católico, além de representar um importante território de influência para a Santa Sé, sua importância geográfica era de extrema relevância, observando que ela faz a divisa entre o mundo ocidental e o mundo oriental. Contudo, usar o argumento de que a Guerra dos 30 anos simbolizou apenas uma guerra religiosa, não teria sentido, uma vez que ela se apoiava no discurso religioso, para sustentar a disputa por influência dentro do Sacro Império (que começava a ser implodido de dentro para fora): A Guerra dos Trinta Anos foi, por um lado, uma guerra civil alemã, entre regiões que queriam autonomia diante do poder imperial e outras que sustentavam o Império, cuja capital estava em Viena. Por outro, foi um conflito internacional entre os defensores católicos do imperador austríaco do Sacro Império Romano Germânico aliado a seu parente espanhol, Felipe m, ambos da dinastia Habsburgo, contra uma coligação protestante de principados alemães, a Holanda, a Dinamarca, a Suécia e mais a católica França (MAGNOLI, 2006, p. 167.). É importante entender que a guerra se desenvolveu. Segundo Magnoli (2006) em um ambiente de conflito entre famílias dinásticas (principalmente os Habsburgo contra os Bourbon). E outra característica do conflito que atesta ainda mais a importância dos Estados alemães no conflito é que o maior número de mortes foi em território de fala alemã, onde numericamente só sofreu mais baixas populares nas duas grandes guerras mundiais, mas proporcionalmente, talvez o maior número de civis mortos (estima-se talvez o número de 25% da população alemã da época). Portanto o maior conflito da modernidade travado em solo alemão. Porém foi a oportunidade de desenvolver outras potências emergentes. 136 Sendo uma guerra separada por etapas: “A Guerra dos Trinta Anos desenvolveu-se em cinco fases distintas: da Boêmia, de 1618 a 1621; do Palatinado, de 1621 a 1624; • dinamarquesa, de 1625 a 1630; sueca, de 1630 a 1634; francesa, de 1634 a 1648. Em todas elas, cada um desses países enfrentou a força coligada do imperador e da Espanha, além dos estados germânicos católicos, como a Bavária” (MAGNOLI, 2006, p. 181.). Portanto, tratou-se da segurança alemã sendo violada, em detrimento do nascimento de outras grandes potências, e da reformulação do mapa geográfico e político europeu. Os territórios alemães após a guerra, não só sofreram baixas populacionais, mas também perdas políticas importantes. Os chamados territórios alemães formavam entre si uma espécie de “colcha de retalhos” pequenos Estados falavam diversos dialetos germânicos e com a rebelião de Estados como o Palatinato e a Bohêmia, cada vez mais a autoridade Papal, fragmentava-se, e levava também a fragmentação da unidade do Sacro Império. Tanto foi assim que no findar da guerra, nós tivemos 149 unidades políticas negociando um tratado de paz (ao invés de o Sacro Império negociando por várias delas): Os maiores significados do final da guerra para países e blocos de países foram, principalmente: o fim do Império Habsburgo e da Espanha como potências centrais (que disputam hegemonia), a emergência da hegemonia holandesa e depois britânica e o advento do máximo esplendor do absolutismo francês (o rei Sol, Luís XIV) (MAGNOLI, 2006, p. 178). Como foi exposto, a autoridade Papal levou uma verdadeira “rasteira” em sua tentativa de unificar a Europa ao redor de sua autoridade. Com o findar da guerra, os vitoriosos que em sua maioria agora integravam o “bloco” dos protestantes (exceto a França), não aceitaram a participação (pela primeira vez) da Igreja Católica como uma das mediadoras do tratado de paz. Segundo Roberto Romano (2012, p. 55): “Os tratados de Vestefália representam um avanço significativo rumo à secularização da ordem política, diplomática, bélica, jurídica”. A partir desse momento a configuração dos Estados europeus sofre uma nova mudança, onde não só falaremos em uma diplomacia visando a “raison d´état”, como veremos que com a nova configuração de poder e as mudanças geográficas (mesmo sob o prisma do tratado de paz) não retiram a insegurança, portanto a Europa não sofre um processo de “dessecuritização”. Nesse momento, a chamada “raison d´état” passa a ser um norteador das negociações e das ambições durante o Tratado de Vestefália. E um dos interesses 137 conjuntos dos Estados europeus era não ver jamais um Estado alemão unificado. Os resultados do tratado trazem consequências duradouras para o destino dos Estados alemães: O tratado final de Vestefália concede à França resultados importantes Ele enfraquece os Habsburgo austríacos e espanhóis, descentraliza ainda mais o já fragmentário Sacro Império, no qual cada um dos seus 350 príncipes garante a soberania. O tratado permite alianças entre eles e com potências estrangeiras, desde que não prejudiquem o imperador. Desaparece o sonho de um Estado imperial centralizado” (ROMANO, 2012, p. 63). Os objetivos dos Estados se focaram na ampliação do seu poderio militar, mas agora também na ampliação de suas influências diplomáticas: A prática de um “equilíbrio de poder” passou a estabelecer-se entre as potências europeias e a garantia de uma Alemanha pluri-religiosa conformou um novo regime de tolerância negociada que encerrou finalmente, após mais de um século de guerra religiosa, a hostilidade bélica entre as diferentes confissões reformadas e o catolicismo. A reconversão religiosa de dissidentes por meios militares deixou de ser colocada como um objetivo viável (MAGNOLI, 2006, p. 190). Estamos diante de um novo arranjo, e a segurança se torna cada vez mais um elemento necessário aos Estados que agora tem a ambição de se expandir para fora da Europa, conquistar novos mercados, e conseguir novas fontes de energia. Os territórios alemães por outro lado, seguiram estagnados pela falta de união, e subjulgados pelo poderio das novas grandes potências como a França, Holanda e Inglaterra que muito se beneficiaram com a saída da Santa Sé da mesa de negociações. As construções sociais levaram a Europa á um patamar de insegurança contínua, enquanto para muitos a nova ordem estabelecida por Vestefália traria uma paz contínua, era necessário talvez ser um pouco mais realista, e entender que com uma Alemanha fragmentada, os interesses na união, bem como na separação da mesma eram extremamente grandes e conflituosos, fazendo com que o clima de insegurança se mantivesse á nível de que esperar uma guerra nas mesmas proporções ou talvez em maiores era algo que pairava nos gabinetes governamentais. O choque de interesses levava assim ao risco eminente mais uma vez ao centro das relações diplomáticas, e o aparelhamento militar, agora com as expansões territoriais para fora da Europa (colônias) passava a ser cada vez mais uma obrigação, e até mesmo uma questão de sobrevivência dos Estados e de seus interesses. 138 3. GUERRAS NAPOLEÔNICAS Em 10 de novembro de 1799 o General Bonaparte deu um golpe e tomou o poder na França que vinha de atribuladas sucessões e incertezas em seu governo, devido á revolução de 1789. Napoleão segundo Magnoli (2006) nada mais fez se não der continuidade ao projeto expansionista absolutista monárquico francês. E pode realizar isso devido ao chamado “new model army”: O Exército de Novo Tipo inglês não era mais um exército formado por mercenários recrutados nas prisões ou entre arruaceiros de toda espécie, mas sim uma corporação em grande medida constituída de voluntários. Ele era o povo comum em uniforme — o povo em armas —, no qual a liberdade de organização e discussão vinha propiciando uma rápida conscientização política dos seus membros, transformando-o numa verdadeira incubadora de ideias radicais. (Mondaine apud MAGNOLI , 2006 p. 212) . Ou seja, houve uma completa transformação em suas tropas, que agora defendiam sua pátria pelo dever, e não mais por dinheiro. Isso fazia com que Napoleão que era um líder vindo das camadas militares, tivesse um discurso unificador para toda a França, o discurso de transforma-la soberana na Europa. A França agora passava a ter uma palavra de ordem: expansão. Expansão essa que: Reivindicações territoriais, questões de soberania sobre minorias nacionais, a distribuição de matérias- primas, a luta pelos mercados, o desarmamento, a relação Entre "os que têm" e "os que não têm", transformações ordeiras e a organização pacífica do mundo em geral - esses temas não constituem problemas "políticos", a serem resolvidos temporariamente, e sempre de modo precário, em decorrência da distribuição do poder entre nações litigantes e seu possível equilíbrio. Eles são na realidade problemas "técnicos", para os quais a razão encontrará a única solução correta em cada caso (MORGUENTHAU, 2003, p.75). Dessa forma a França buscava suprir suas necessidades internas tomando recursos fora de suas fronteiras. E como alguns dos territórios (principalmente na África e na Ásia) já possuíam “donos”, era necessário para o imperador ter o controle sobre os “donos” também. Á partir desse momento, veremos o nascimento da versão francesa de “espaço vital”, conhecida como “fronteira natural”. 139 Ao dar inicio à sua expansão, o Império Francês fez um verdadeiro rearranjo territorial, e constituiu uma nova ordem de poder no sistema internacional. Como mostra Zamoyski (2012) o Império francês até 1812 já havia estendido seus domínios para: Bélgica, Holanda, costa do mar do norte até Hamburgo, Renânia, toda a Suíça, Piemonte e Ligúria, Toscana e os Estados Pontifícios, a Ilíria (que abrange atualmente a Eslovênia e a Croácia), Catalunha, além da própria França. Além de ter estabelecido zonas de influência sobre a Dinamarca (que abrangia a Noruega), Império da Áustria, Espanha e a Polônia. Assim também a França tratou de eliminar o palco da guerra dos 30 anos: o Sacro Império Romano Germânico. Fez no Sacro Império, um dos seus principais trunfos de guerra. Napoleão retirou antigos reis, e demais autoridades locais, para colocar pessoas de sua confiança, assim mantendo seu controle sobre possíveis insurgências ou rebeliões dentro daquele que era o território que dividia o mundo ocidental do mundo oriental, aquele que separava da última barreira para o avanço rumo ao Oeste e a Ásia, que era a tomada do Império russo. Os territórios alemães ao fim do século XVIII passavam por um período de extrema fragmentação, onde os discursos estavam cada vez menos alinhados, e a difusão de poderes era enorme. Segundo Hegel (1988) “a nação alemã era formada pela Prússia e Áustria, pelos príncipes eleitores e 94 príncipes eclesiásticos, por 103 barões, quarenta prelados e 51 cidades imperiais. O país compunha-se de aproximadamente 300 territórios independentes”. O grande temor desses territórios era justamente o avanço francês em busca de suas “fronteiras naturais”. Aumentando assim o estado de securitização dentro dos reinados, principados, ducados e os demais territórios alemães. E o natural ocorreu, quando a França avançou contra as tropas do Imperador Francisco II da Áustria, e do Imperador Alexandre I da Rússia, na batalha de Austerlitz, e conseguindo assim, uma espécie de consagração pessoal para o Imperador Napoleão (como ele mesmo se intitulou). Deixando assim o caminho para o avanço francês rumo ao leste aberto. Pequenos Estados, como o da Baviera, Wüttenberg, Baden, Vestfália, Saxônia, Renânia e Sachsen, com o avanço francês foram “persuadidos” à desintegrarem o Sacro Império Romano Germânico. “E a Prússia (Estado mais forte entre os alemães), que havia conquistado algumas partes da Polônia, Holanda e Dinamarca, ao tentar em um impulso de defesa de suas terras, avançar contra as tropas francesas foram humilhadas perdendo grande parte de seus domínios, passando à condição de satélites da França” (ZAMOISKY, 2012) 140 A situação para os Estados alemães passou a ser ainda mais incômoda do que o normal. “E para a sociedade, passou a ser extremamente humilhante, e caro, uma vez que os impostos (principalmente na Prússia que era uma importante região política dentro da Alemanha, e a única capaz de representar alguma ameaça) eram extremamente elevados” (Zamoyski, 2012). Além disso, ainda existiam habituais lutas de alguns grupos na tentativa de se imporem politicamente, onde as revoltas surgiam (até mesmo inspiradas pela revolução francesa). Porém eram esmagadas pelas elites que por sua vez temiam perderem seus tronos, posições e prestígio frente ao imperador Napoleão: Qualquer oposição determinada e ativa contra esse regime e seus principescos e autocráticos grupos dominantes por parte de grupos de classe média era dificultada e, com frequência, paralisada pelo medo de que pudessem pôr em perigo sua própria e elevada em relação às ordens inferiores, se abalassem o regime existente através de uma luta contra a posição elevada das ordens superiores (ELIAS, 1992, P. 123). Assim, nem a população, nem a nobreza alemã tiveram participações diretas, nos diálogos políticos decisórios durante as guerras na Europa no período, mas isso ainda mudaria, uma vez que Napoleão mexeu em um verdadeiro “vespeiro” bélico e geográfico: a Rússia.2728 3.1.1 A reviravolta alemã Em meio ao conflito eminente, e a subsequente nova configuração europeia, Zamoyski (2012) mostra que dentre os Estados alemães, o reino da Prússia, foi o que mais se beneficiou ao adotar a causa francesa contra os outros Estados alemães em 1795, fato esse que lhe rendeu territórios valiosos. Em campo de batalha a Prússia possuía pelo menos seis vezes mais soldados que a Áustria, e quase todos os seus recursos eram destinados á manutenção do aparato militar. 27 Rheinbund em alemão significa (português): Confederação do Reno. Ou no original (francês): États confédérés du Rhin . 28 A batalha de Austerlitz também ficou conhecida como batalha dos três imperadores (Francisco II, Alexandre I e Napoleão). 141 Napoleão, no entanto, ao notar a capacidade prussiana, resolveu “mexer” em suas configurações geográficas tirando a maior parte das províncias polonesas que a Prússia conquistou ao longo do tempo, e com isso reduzindo a população prussiana de nove para cinco milhões de habitantes, assim também reduzindo as suas capacidades militares: O que sobrou da Prússia teve ainda que acomodar tropas francesas dentro de seus quartéis adeptas da extorsão de dinheiro e comida, e cujos oficiais aproveitavam cada oportunidade para humilhar os prussianos, enquanto pilhavam seu país. Devido ao notório desprezo do imperador francês pelos prussianos, a existência do Estado continuava em perigo. O exército prussiano fora reduzido a um número de meros 42 mil, dos quais 30 mil foram obrigados a tomar parte na campanha de Napoleão contra a Rússia em 1812 (ZAMOYSKI, 2012, p. 37). Dessa forma como o maior orgulho prussiano fora derrotado dentro e fora do campo de batalha, o sentimento de vergonha era grande entre as camadas mais abastadas. Porém como mostra Zamoyski (2012) esse sentimento gerou uma reação contrária ao esperado pelos franceses. A reação veio com a recuperação da derrota de 1806. Os oficiais prussianos que foram dispensados reuniram-se com intelectuais patriotas para se dedicarem inteiramente ao ressentimento contra tudo que se denotava à França. Então há o aparecimento de uma figura emblemática daquele período: Karl Heirinch Von Stein. Ele assim como diversos patriotas alemães, havia chegado a conclusão de que era necessário criar um Estado alemão para que houvesse uma forma de resguardar a cultura e as posses territoriais e militares alemãs, das interferências francesas e de qualquer outro Estado. Stein após ocupar diversos cargos, e até mesmo chegar á um embate com Frederico Guilherme da Prússia, em 1812 foi convocado pelo Czar russo Alexandre I para assumir o comitê alemão, criado para coordenar a difusão da causa russa (militar) através dos territórios alemães. Á partir desse momento surge a esperança de libertar a Europa de Napoleão, mas acima de tudo, para os alemães, surge a esperança de serem um Estado único, através da coerção dos Estados menos “corajosos”: O decreto anunciava que haviam proclamado a dissolução do Rheinbund e pretendiam substituí-lo por algo nos moldes do “espírito antigo do povo alemão”, e continha uma ameaça quase explícita a qualquer um que não se juntasse a eles. “Suas majestades exigem uma cooperação dedicada de cada príncipe alemão, e esperam com antecedência que nenhum entre eles, desejando trair a causa da Alemanha, esteja destinado à destruição pela força 142 da opinião pública e pelo poder dos exércitos tomados de forma tão justa” (ZAMOYSKI, 2012, p. 47). Assim, após a convocação de uma ação conjunta entre os alemães, para que houvesse a cooperação na intenção de derrotar as tropas de Napoleão, através da cooperação com a Rússia de Alexandre I (que persuadiu também a Áustria, a Dinamarca, alguns pequenos reinos, além de já haver a participação efetiva da Inglaterra, nos esforços de guerra) gerou outra configuração e reação dos Estados Europeus em relação á guerra. E finalmente após 12 anos de guerras subsequentes na Europa, a primeira “guerra total” chegou ao fim em 1815. 4. CONCLUSÃO Grande parte dos conflitos europeus tiveram a Alemanha como palco, por vezes como coadjuvante em guerras nas quais outros atores eram os grandes expoentes. E levando em conta todos esses anos e tentativas de formação de uma ideia de nação, (e um território soberano, não conseguido nem após Vestefália, diferentemente de seus vizinhos), somando aos interesses políticos de pequenas elites aristocráticas, e interesses de vizinhos, os Estados alemães se colocaram na condição da nação sem Estado, ao qual havia a nação separada por divisões políticas. Concluímos que as dificuldades na formação do Estado alemão ainda no século XIX se deve ao fato de as forças políticas não terem conseguido (ou por vezes não terem buscado) formarem coesão e coalizões, capazes de construir um Estado frente à nação que já existia. REFERÊNCIAS ELIAS, Norbert. Os Alemães: A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. 2° edição. Rio de Janeiro: editora Zahar,1997. FEARON, James D; WENDT, Alexander. Rationalism v. constructivism: a skeptical view.In: CARLNAES,W.; RISSE,T.; SIMMONS,B.A. Handbook of International Relations. 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