ii eacri - PUC Goiás

Propaganda
ISSN: 2446-7847
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ANAIS DO II ENCONTRO ACADÊMICO CIÊNTIFICO DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS (II EACRI)
GOIÂNIA
2014
ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR DA SOCIEDADE GOIANA DE CULTURA
Presidente - Dom Washington Cruz, CP
Vice-Presidente - Dom Waldemar Passini Dalbello
Secretário Geral - Mons. Luiz Gonzaga Lobo
ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE GOIÁS
Grão-Chanceler - Dom Washington Cruz, CP
Reitor - Prof. Wolmir Therezio Amado, CP
Vice-Reitora - Profª Olga Izilda Ronchi
Pró-Reitora de Graduação - Profª Sônia Margarida Gomes de Sousa
Pró-Reitora de Extensão e Apoio Estudantil - Profª Marcia de Alencar Santana
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa - Profª. Sandra de Faria
Pró-Reitora de Desenvolvimento Institucional - Profª Helenisa Maria Gomes de
Oliveira Neto
Pró-Reitor de Administração - Prof. Daniel R. Barbosa
Pró-Reitor de Comunicação - Prof. Eduardo Rodrigues da Silva
Chefe de Gabinete - Prof. Lorenzo Lago
EDITORIAL
EDITORIAL
II Encontro Acadêmico
Científico de Relações
Internacionais - A Inserção
Internacional da América
do Sul: Perspectivas e
desafios.
Pontifícia Universidade
Católica de Goiás. Av.
Universitária, 1069. Setor
Universitário. Goiânia,
Goiás, Brasil.
CEP: 74605-010
Fone: 39461551
Comissão Científica
Prof. Me. Danillo Alarcon
Prof. Me. Ivan Vieira Neto
Prof. Me. Adriano Pires de
Almeida
Profª. Me. Danyelle de Lima
Wood
Prof. Dr. Matheus Hoffman
Pfreimer
Projeto Gráfico e
Editoração Final
Prof. Me. Danillo Alarcon
Rafaella Ribeiro de Aguiar
No mundo contemporâneo, a regionalização e a
integração são variáveis importantes para analisar a inserção
dos países no Sistema Internacional. Nessa perspectiva, o II
Encontro Acadêmico Científico de Relações Internacionais
(EACRI) surge como uma oportunidade para o estudo
aprofundado da América do Sul, região à qual pertencemos, e
de quais desafios ela encara na competição por espaço no
cenário internacional. É preciso ressaltar que a atuação do
Brasil, junto a seus pares e com eles no cenário multilateral
global, é fundamental no reordenamento do sistema
internacional
contemporâneo,
que
passa
por
rápidas
transformações.
Idealizado em 2010, quando fora realizada sua
primeira edição, o EACRI busca não só agregar valor aos
currículos dos participantes, mas também desenvolver o
interesse pela pesquisa acadêmica, estabelecer-se como uma
prática regular do curso de Relações Internacionais da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás e, principalmente,
trazer a Goiânia os debates mais recentes que fervilham no
cenário internacional.
É importante ressaltarmos que o EACRI está em
Comissão Organizadora
Prof. Me. Renzo Nery
Prof. Me. Danillo Alarcon
Prof. Me. Ivan Vieira
Rafaella Ribeiro de Aguiar
Larissa Quinelli
Guilherme Augusto Carvalho
Rafhael de Paulo
Daniela Alcalá
Mhyrlla Rodrigues
consonância com o Projeto Pedagógico do curso de Relações
Internacionais da PUC Goiás, e é um dos instrumentos
utilizados para se atingir os objetivos do curso, formando um
profissional que tem capacidade analítica horizontal e
vertical,
e
capaz
de
acompanhar
e
prospectar
as
transformações políticas, econômicas, sociais e culturais de
âmbito nacional e internacional.
Prof. Me. Danillo Alarcon
Coordenador do Curso de Relações Internacionais
Encontro Acadêmico Científico de Relações Internacionais
(2: 2014: GOIÂNIA, GO).
Anais eletrônico do II Encontro Acadêmico Científico de Relações Internacionais – A
Inserção Internacional da América do Sul: Perspectivas e Desafios, 19 a 23 de Maio
de 2014. Editor: Danillo Alarcon. Goiânia, GO. Pontifícia Universidade Católica de
Goiás, 2014.
Vários autores.
1. Relações Internacionais. 2. Política Internacional e Comparada.
3. Produção Científica. 6. Leitura. 7. Educadores.
I. Título. II. ALARCON, Danillo
SUMÁRIO
A COOPERAÇÃO MILITAR NA AMÉRICA DO SUL E O CONSELHO DE
DEFESA
SUL-AMERICANO
–
Ana
Luiza
Martins
Ribeiro...............................................................................................................................6
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS MISSÕES DE PAZ DA ONU: caso do Timor
Leste
–
Isabela
Aquino
Fonseca............................................................................................................................16
A HOMOGENEIZAÇÃO DO TRABALHO NO MERCOSUL – Michely Soares
Lopes...............................................................................................................................30
ANÁLISE DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO ECONÔMICA: as perspectivas do
MERCOSUL
–
Rafaella
Ribeiro
de
Aguiar..............................................................................................................................39
BRAZIL AS A SEMI-PERIPHERAL COUNTRY: The dual position of trade in
services of higher education – Maxwill M. S. A. Braga; Felipe M. S A.
Braga…………………………………………………………………………………....53
BRAZILIAN
TRADE
AND
NON-TRADE
STRATEGIES
OF
INTERNATIONALIZATION OF HIGHER EDUCATION – Maxwill M. S. A.
Braga; Felipe M. S A. Braga ..................................................…………………………67
INTEGRAÇÃO TERRITORIAL SUL-AMERICANA: o papel da infraestrutura na
inserção da Bolívia como ator de destaque – Karoline Moraes
Costa................................................................................................................................82
O MUNDO ÁRABE SE MOVIMENTA: da transição demográfica à Primavera Árabe
– Fernanda Pulcineli Chrispim de Lima..........................................................................92
TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO: Análise política, econômica e
ambiental – Felipe Lobo Duarte....................................................................................107
UCRÂNIA: análise da disputa entre as potências com uma visão crítica do Direito
Internacional – Júlio da Silveira Moreira......................................................................118
SECURITIZAÇÃO, CONFLITO, SOCIEDADE E PAZ NOS ESTADOS
ALEMÃES
DO
SÉCULO
XIX
–
Guilherme
Augusto
Batista
Carvalho.........................................................................................................................132
A COOPERAÇÃO MILITAR NA AMÉRICA DO SUL E O
CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO
Ana Luiza Martins Ribeiro
Graduanda em Relações Internacionais da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
[email protected]
RESUMO: A cooperação militar é o tema principal deste artigo, com foco na América
do Sul, objetivando a análise dos organismos e iniciativas existentes que contribui para
esse processo. Busca também analisar o cenário de cooperação apresentando a criação
do Conselho Sul-Americano de Defesa, e as funções e contribuições deste. Utilizando a
comparação de diversos autores e notícias procurando relatar e analisar a cooperação
militar, a fim de se compreender o cenário Sul-Americano no âmbito da segurança
internacional.
Palavras-chave: Conselho de Defesa Sul-Americano, Cooperação militar, União de
Nações Sul-Americana, América do Sul.
ABSTRACT: Military cooperation is the main topic of this article, focusing on South
America, intending the analysis of the existent organisms and initiatives that contribute
to this process. It also seek to analyze the scenery of cooperation showing the creation
of the South-American Defense Council, and the functions and contributions of this.
Utilizing the comparison of different authors and news searching to explain and to
analyze the military cooperation, in order to understand the South-American scenery in
the scope of the international security.
Key-words: South-American Defense Council, Military cooperation, South American
Union Nations, South America.
6
INTRODUÇÃO
A América do Sul é uma das regiões mais pacíficas do planeta sem conflitos
entre países há algumas décadas, e tendo o costume de resolver as disputas entre
Estados através da negociação e de soluções pacíficas. Porém a região enfrenta
problemas com relação a crimes transnacionais, como o tráfico de drogas e
organizações criminosas. Os últimos conflitos interestatais ocorreram em 1995 (entre
Peru e Equador) e em 1982 (Guerra das Malvinas), mas ainda existem disputas
fronteiriças entre os Estados da região, fator que atualmente não tem influenciado nas
relações entre estes que se mantêm pacificas.
Os países sul-americanos buscam resolver seus contenciosos por outras vias que
não seja o conflito, principalmente vias legais e em organismos multilaterais. Essa
cultura de resolução dos conflitos através das instituições internacionais foi
desenvolvida através do século XIX e XX como forma de proteção da soberania dos
Estados, que viam nessas instituições uma proteção contra a disputa entre as grandes
potências pela influência e até mesmo domínio sobre os países da região.
Mas os conflitos internos na Colômbia é um fator preocupante na região, ao se
tratar de segurança, o conflito que se iniciou com a criação de dois grupos guerrilheiros
(Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Farc, e Exército de Libertação
Nacional, ELN) no país tem causado temor entre os países vizinhos de uma
internacionalização do conflito. Este fato tem atraído à atuação extra-regional no país o
que traz desconfiança para outros países da região e prejudica o processo de cooperação
e integração entre os Estados da América do Sul, não somente na área militar mas
também em outros setores.
Contudo iniciativas para o aumento da cooperação militar na região estão sendo
tomadas, como a criação de um Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) no âmbito
da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), e assim procurar resolver os
contenciosos e conflitos da região através de uma instituição formada por Estados da
própria América do Sul, e evitar a intervenção em questões de segurança por Estados
que estejam fora da região. O Conselho busca incentivar a criação de uma identidade de
defesa Sul-Americano com base em princípios como o respeito à soberania, a
integridade e inviolabilidade territorial dos Estados, a não intervenção em assuntos
7
internos e a autodeterminação dos povos, e propiciar a partir desses princípios a
resolução dos contenciosos de forma pacifica através do diálogo.
1. A COOPERAÇÃO MILITAR NA AMÉRICA DO SUL
Apesar de ser uma região pacífica discussões acerca da temática da segurança
influem na integração e cooperação entre os países Sul-Americanos, questões relativas
principalmente ao combate de crimes transnacionais interveem no modo como os países
se relacionam na região. Logo a necessidade de mecanismos que combatam os
problemas relacionados a segurança na América do Sul se faz pertinente, também para
evitar o uso de recursos de violência impedindo assim o crescimento do uso da força.
Sendo assim é apresentado a seguir os principais mecanismo através dos quais os países
Sul-Americanos cooperam e criam meios pelos quais administram a questão na região.
A organização preponderante na elaboração de normas, tratados e negociações
para o combate do crime transnacional, e outros temas relevantes para a segurança da
região e no mundo tem sido a Organização das Nações Unidas (ONU). O principal
fórum desse organismo é o Conselho de Segurança, ainda que o fórum não tenha
discutido especificamente sobre a região, as decisões tomadas no Conselho tem serias
implicações para região. Como salienta Herz, “O Conselho não tem discutido temas
específicos à região, mas o impacto de debates que lá ocorrem e das resoluções geradas
é imenso, particularmente no que se refere à modificação dos critérios de intervenção
em Estados soberanos” (2010, p.337). Há outras agências subordinadas a ONU que
tratam do tema de segurança como o Escritório das Nações Unidas para Drogas e
Crimes (UNODC) e a Corte Internacional de Justiça, e que também possuem influencia
e interferem na temática de segurança na América do Sul.
Outro organismo de grande relevância é a Organização dos Estados Americanos
(OEA) sendo uma das mais antigas organizações no continente Americano tendo um
papel importante nas questões de segurança da região, principalmente no que diz
respeito à criação de normas regionais pertinentes a solução pacífica de controvérsias e
questões como democracia, transparência e segurança. A organização possui diversos
órgãos, tratados e normas que cuidam da temática da segurança e que buscam
implementar medidas de segurança mutua, para assim evitar a escalada da violência no
8
continente. Porém as diferenças e assimetrias existentes entre os países que fazem parte
da OEA tem feito com que os países Sul-Americanos busquem iniciativas mais voltadas
para a cooperação na América do Sul. E de acordo com Herz, (2010, p.339), “As
diferenças culturais, políticas e econômicas e a assimetria de poder entre os países sulamericanos e os Estados Unidos têm favorecido a constituição de uma visão de região
que busca consolidar a ação coletiva no âmbito sul-americano”.
Contudo o aumento da cooperação e integração entre os países da América do
Sul e a instituição desses mecanismos somente foi possível devido à resolução pacífica
de conflitos que existiam em algumas áreas. Como no caso entre Brasil e Argentina que
disputavam o controle da Bacia do Prata, sendo resolvido em 1979 com a assinatura do
acordo Corpus-Itaipu, e também a disputa nuclear entre esses mesmos países que foi
solucionada com um acordo que criou uma agência binacional entre os dois países para
verificar o uso de materiais nucleares. Dentre os conflitos que também se pode destacar,
a contenda entre Chile e Argentina pelo Canal de Beagle decidida através do Tratado de
Paz e Amizade assinado em 1984, influi no processo de cooperação entre os países da
região. Dentre os elementos que contribui para a cooperação Sul- Americana, em suas
diversas áreas, se tem a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional da
América do Sul (IIRSA), que integrou a região no setor de energia e de infraestrutura, e
proporcionou um relacionamento maior entre os países.
A presença norte-americana na região é um outro fator de grande influência na
cooperação entre os países do Sul, tendo pontos convergentes e divergentes da inserção
desse país na região, principalmente quanto aos instrumentos utilizados. Dentre esses
meios pelos quais os EUA exercem sua influência nos países Sul-Americanos está o
Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), adotado no Rio de Janeiro em
1947, porém este acabou sendo enfraquecido com o apoio norte-americano ao Reino
Unido na Guerra das Malvinas, em 1982. Outo meio de inserção do país na região é o
acordo militar entre os Estados Unidos e Colômbia, sendo motivo de desconfiança para
os países vizinhos e empecilho para a continuidade de projetos de integração,
estremecendo assim a relações entre os países da região e estagnando o processo de
cooperação.
Porém a atuação dos Estados Unidos na região proporcionou um fortalecimento
da ideia de que se necessita de uma identidade de defesa Sul-Americana, e de
mecanismos regionais para resolução de questões de segurança na região, e portanto a
importância de maior diálogo entre os países nessa temática. Nesse ponto a criação do
9
Conselho de Defesa Sul-Americano vem contribuir para o aumento e aprofundamento
da cooperação militar entre os países da América do Sul, se tornando mais uma
instância de resolução pacífica dos contenciosos entre os países com o diferencial de ser
uma iniciativa regional, e portanto passa a fortalecer a identidade Sul-Americana e o uso
de meios dos próprios Estados da região.
2. O CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO
O Conselho de defesa Sul-Americano (CDS) instituído através da aprovação do
Estatuto deste órgão em 2008, com base nos artigos 3º, 5º, e 6º do Tratado Constitutivo
da União de Nações Sul-americanas (UNASUL) que prevê “[...] o intercâmbio de
informações e de experiências em matéria de defesa [...]” (art. 3º alínea ‘s’)1. O papel
desse Conselho é contribuir na criação de uma identidade de defesa sul-americana, na
consolidação da América do Sul como uma zona de paz e na construção de princípios e
valores comuns entre os Estados membros, como a solução pacífica de controvérsias, o
respeito à soberania, e a prevalência dos direitos humanos na região.
Esse órgão da UNASUL é composto de Ministros da Defesa ou autoridades
hierárquicas de nível equivalente, assessorados por funcionários das chancelarias,
Ministérios da Defesa e outros órgãos que seja necessária à participação como descrito
nos artigos 6º e 7º do estatuto do CDS2. Ainda nesse estatuto fica definido os objetivos
gerais e específicos do Conselho, nos artigos 4º e 5º, bem como o funcionamento do
órgão, nos artigos 12º à 18º. Dentre os objetivos podemos destacar o de “[...] Gerar
consensos para fortalecer a cooperação regional em matéria de defesa [...]” (art. 4º
alínea c), sendo assim um instrumento para fortalecer a cooperação militar na região.
Apesar de sua criação recente o CDS é uma importante iniciativa para fortalecer
a cooperação militar na América do Sul, e segundo Gama (2010, p. 347) “O Conselho
preencheria a lacuna existente na análise de questões políticas, militares e estratégica
sob a ótica da América do Sul, de países democráticos e culturalmente próximos,
distanciados dos principais focos de tensão mundial [...]”. O órgão também contribui
para o fortalecimento da integração regional, principalmente no âmbito da UNASUL
aproximando e aprofundando as relações dos Estados da região e no fortalecimento da
1
2
Fonte: Ministério das Relações Exteriores
Fonte: Centro de Estudos Estratégicos de Defesa
10
instituição. A integração é um fator essencial para a estabilidade e manutenção da paz
entre os países, e para a preservação das instituições e organizações da região, não
somente a UNASUL como também outras iniciativas de integração e cooperação entre
os Estados Sul-Americanos.
A proposta brasileira de criar o CDS tem dentre outros motivos o conflito na
Colômbia, que tem afetado as relações desse país com os países vizinhos, além do
temor da internacionalização e expansão do combate pela região, a atuação norteamericana no contencioso estremeceu a relação entre os países. Outro ponto que
influenciou a iniciativa brasileira foi justamente essa atuação militar extra-regional na
América do Sul, este fato acabou se tornando um tema de embate entre os países da
região e passou a dificultar o desenvolvimento da integração e cooperação entre os
Estados da região. Ainda que não citado no estatuto do CDS sobre a atuação de forças
militares extra-regionais, essa questão fica subentendida na ideia de construção de uma
identidade sul-americana, além da formulação de consenso entre os países no tema
militar. Como pode ser notado no art. 4º, alínea b do estatuto do CDS, “[...] Construir
uma identidade sul-americana em matéria de defesa, que leve em conta as
características sub-regionais e nacionais e que contribua para o fortalecimento da
unidade da América Latina e o Caribe[...]”. 3
Um dos objetivos brasileiros com a criação do CDS é que este possa ser um
órgão que irá “[..] articular a elaboração de políticas de defesas, intercambio de pessoal,
formação e treinamento de militares, realização de exercícios militares conjuntos,
participação conjunta em missões de paz das Nações Unidas, integração de bases
industriais de defesa [...]”, segundo o Ministro da Defesa Nelson Jobim em entrevista
concedida ao jornal Folha de São Paulo antes da criação do CDS. O Ministro ainda
declara na mesma entrevista que “[..] há vários aspectos da conjuntura internacional, de
situações regionais e sub-regionais nos campos de segurança e defesa, com
possibilidade de ações coordenadas em enfrentamento a riscos e ameaças à segurança
dos Estados [...]”, se referindo indiretamente ao caso da Colômbia, e cogitando uma
possível atuação do CDS nesse tipo conflito.
Levando em consideração as assimetrias presentes na América do Sul o CDS
pode vir a contribuir no diálogo entre os países da região, principalmente no que diz
respeito ao setor de defesa, já que os Estados Sul-Americanos nesse setor possuem
3
Ibidem
11
bastante discrepâncias particularmente no que se refere a orçamentos e projetos
estratégicos. Nesse sentido, apesar dos baixos orçamentos militares dos países, o Brasil
se destaca pelos gastos e projetos na área da defesa ressaltando a ampla assimetria
presente entre os países, e assim fortalecendo a ideia entre os Estados vizinhos de que o
Brasil busca se expandir na região, ou seja, de um país imperialista. Se tratando desse
aspecto, há a necessidade de desenvolvimento conjunto da região em questão de defesa,
até mesmo para não estremecer a cooperação e a integração na região. Portanto o CDS
poderá servir como ambiente de debate de políticas de defesa, reforçando a confiança e
o diálogo entre os países.
Uma conjuntura que proporcionou uma maior integração e cooperação na
questão militar entre os países sul-americanos é a falta de representatividade e ação de
outros organismos internacionais, inclusive organizações do próprio continente
Americano. Assim a criação do CDS é feita em um cenário que as iniciativas de
cooperação no âmbito militar não consegue representar os interesses Sul-Americanos.
Como discorre Gama:
“A relativa incapacidade de ação das instancias interamericanas em situações
de instabilidade relacionadas com a segurança andina reforçou,
imediatamente, a tese dos países sul-americanos de que era necessário
promover a cooperação e o dialogo no campo da defesa através de
mecanismos regionais dotados de credibilidade e representatividade.
Buscava-se a construção de uma genuína identidade regional que pudesse
futuramente evoluir para incorporar a perspectiva dos países latinoamericanos e caribenhos” (2010, p.360).
O CDS é um instrumento importante na construção da confiança e cooperação
na área militar entre os Estados da América do Sul, que antes mesmo de ter sido
ratificado o Tratado da UNASUL, que garante o funcionamento deste órgão (tendo em
mente que o órgão é subordinado a essa União de Nações), articulava e atuava na região
em questões de segurança. A continuidade do processo de cooperação no CDS influirá
tanto no processo de desenvolvimento da UNASUL como na cooperação entre os países
Sul-Americanos. Futuramente o CDS poderá ser “um sistema sul-americano de
segurança coletiva, firmemente ancorado num conjunto de medidas de fomento da
confiança e da transparência e num código de conduta aplicável a todas as Forças
Armadas Sul-Americanas” (GAMA, 2010, p.364). E posteriormente, conforme a o nível
de integração dos países, gerar compromissos jurídicos entre os Estados membros, em
casos como os de ameaça à paz e a segurança da região.
12
Em contraposição a perspectiva mostrada de que o CDS pode ser útil na
cooperação e integração da região existem visões críticas desse processo, que colocam o
CDS como um órgão de baixa operacionalidade. Como destaca Senhoras “existem
perspectivas críticas ao Conselho que se assentam na visão realista de que há um baixo
potencial de operação institucional dos interesses comuns ou na visão construtivista de
que há uma sinalização de fragmentação esquemas de segurança coletiva [...]” (2009).
Apesar de o processo de instituição do CDS ser recente, podendo não ter um
aprofundamento ou um papel importante no relacionamento entre os países da região,
iniciativas como essa propicia um maior diálogo entre os Estados e um cenário de maior
cooperação na América do Sul.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de ser uma região pacifica, e possuir poucos conflitos, a América Latina
apresenta problemas na área de segurança, principalmente em certas áreas, como os
crimes transnacionais. Contudo existem ainda problemas na região concernentes a
relações entre os Estados, principalmente na questão do conflito na Colômbia que gera
instabilidades entre este país e os países vizinhos, entretanto as organizações
internacionais e as iniciativas de cooperação tentam promover o diálogo para não haver
uma ruptura entre os países. Dentre essas organizações que buscam promover a
cooperação e a comunicação entre os países Sul-Americanos temos a OEA que apesar
das assimetrias existentes entre os países membros, e a baixa representatividade que
vem apresentando, esta organização tenta cumprir seu papel de fortalecer a cooperação
e o entendimento entre os países.
Outra organização, que apesar de não ter seu foco na América do Sul mas
apresenta decisões importantes para região e o mundo como um todo se tratando de
questões de segurança, é a ONU e seus fóruns e agencias especializadas na temática.
Contudo as organizações apresentadas não conseguem suprir a necessidade da região
por um organismo representativo que promova a cooperação e o diálogo entre os
Estados Sul-Americanos na área de defesa. Nesse aspecto a criação do Conselho de
Defesa Sul-Americano, no âmbito da UNASUL, vem fomentar a cooperação militar
entre os países da América do Sul e criar uma identidade de defesa da região, além de
consolidar a região como uma zona de paz.
13
Porém alguns fatores dificultam esse processo de aprofundamento da cooperação
entre os países da região, dentre eles o já citado conflito colombiano, e a presença norteamericana na região devido ao mesmo conflito, causando constrangimentos entre os
Estados da América do Sul quanto a influência dos Estados Unidos e as intenções deste
com esta presença na região. Além disso outras questões necessitaram ser superadas
como problemas referentes a fronteiras e em relação a disputa nuclear. Contudo isto
reforça a expectativas de muitos países Sul-Americanos em se formar uma identidade de
defesa Sul-Americana e na consolidação do CDS, como um mecanismo regional de
solução de problemas relacionados a defesa.
Portanto a instituição do CDS, vem contribuir com a cooperação militar entre os
países da América do Sul, através da promoção da interlocução entre os Estados e da
consolidação de um instrumento regional para resolução pacífica de controvérsias na
temática de defesa, além de um órgão fomentador da coordenação de políticas de defesa
entre os países. Utilizando a troca de informações na área militar fortifica a
transparência entre os países e assim incentiva a maior cooperação entre os Estados SulAmericanos.
REFERÊNCIAS
CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DE DEFESA. Estatuto do Conselho de
Defesa
Sul-Americano
da
UNASUL.
Disponível
em:
<http://www.ceedcds.org.ar/Portugues/09-Downloads/PORT-ESTATUTO_CDS.pdf>.
Acessado em: 17 abr. 2014.
FOLHA DE SÃO PAULO. Ministro quer criar conselho sul-americano. 21 mar.
2008. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2103200814.htm>.
Acessado em: 16 abr. 2014.
GAMA, Marcos Vinicius Pinta. O Conselho de Defesa Sul-Americano e sua
instrumentalidade. IN: ALSINA, João Paulo; ETCHEGOYEN, Sergio W.; JOBIM,
Nelson A. Segurança Internacional: Perspectivas Brasileiras. Ed. FGV, 2010. P. 345370
GUIMARÃES, Marcio Azevedo. O Conselho Regional de Defesa da América do Sul
e a Conformação de um Sistema de Segurança Regional. Disponível em: <
http://www.pucrs.br/eventos/sios/download/gt4/oi-guimaraes.pdf>. Acessado em: 17
abr. 2014.
14
HERZ, Monica. Segurança Internacional na América do Sul. IN: ALSINA, João Paulo;
ETCHEGOYEN, Sergio W.; JOBIM, Nelson A. Segurança Internacional:
Perspectivas Brasileiras. Ed. FGV, 2010. P. 331-343.
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Tratado Constitutivo da UNASUL.
Disponível em: < http://www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-sul-e-integracaoregional/unasul/tratado-constitutivo-da-unasul/>. Acessado em: 15 abr. 2014.
SENHORAS, Elói Martins. Securitização internacional e o Conselho de Defesa SulAmericano. Disponível em: < http://mundorama.net/2009/08/05/securitizacaointernacional-e-o-conselho-de-defesa-sul-americano-por-eloi-martins-senhoras/>.
Acessado em: 17 abr. de 2014.
15
A ATUAÇÃO DO BRASIL NAS MISSÕES DE PAZ DA ONU:
o caso do Timor Leste
Isabela Aquino Fonseca
Bacharel em Relações Internacionais – PUC-GO
[email protected]
RESUMO: Este artigo trará uma discussão sobre os norteamentos e os princípios
utilizados pela ONU em sua atuação nos conflitos internacionais. Inserido nesse tema
serão apresentadas discussões referentes ao Brasil e sua atuação nas Nações Unidas, seu
comprometimento com as operações de manutenção da paz e as dificuldades
burocráticas enfrentadas pelo país na amplitude dessa atuação. Por fim, será debatido a
questão do Timor Leste e certos aspectos históricos que remetem ao processo que
culminou a realização das missões de paz no país, destacando novamente a atuação
brasileira nesse processo.
Palavras-chave: missões de paz, operações de manutenção da paz, Organização das
Nações Unidas, Brasil, Timor Leste, segurança coletiva, política externa.
ABSTRACT: This paper brings an debate concerning the principals used by the United
Nations in its performance on international conflicts. In this topic will be presented
discussions about Brazil and his participation at the UN, the committeemen to the
peacekeeping operations and the country difficulties in amplifying its capability to act.
At last, the East Timor situation will be brought in with certain historical aspects of the
conflict that ended in the need off the instauration of the mission, highlighting again the
Brazilian performance in this process.
Key-words: peacekeeping missions, peace operations, United Nations Organization,
Brazil, East Timor, international security, foreing policy.
16
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo estudar o envolvimento brasileiro em
missões de manutenção de paz das Nações Unidas, como se deu a inserção do Brasil no
sistema ONU e como se dá o processo de tomada de decisão brasileiro quando se trata
de participar de uma missão da ONU.
Para isso será feita uma introdução sobre o sistema de segurança coletiva
adotado pelas Nações Unidas, e quais mecanismos são utilizados pela mesma, a fim de
assegurar a efetividade e funcionamento desse sistema. Com o objetivo de compreender
melhor o funcionamento das missões de paz, a abordagem utilizada é como uma
retrospectiva histórica dos acontecimentos mundiais que levaram as Nações Unidas a
evoluir e atuar nos parâmetros que faz atualmente.
Os conflitos e missões ocorridos no Timor Leste foram escolhidos como estudo
de caso, devido a complexidade das missões que passaram na região. Sendo assim, elas
têm capacidade de exemplificar a maturidade da ONU na utilização de um instrumento
da segurança internacional e também demonstrar como o Brasil se envolveu nessas
missões, que acaba por exemplificar seu padrão de atuação nessas questões dentro das
Nações Unidas.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 O SISTEMA DE SEGURANÇA COLETIVA DA CARTA DAS NAÇÕES
UNIDAS E AS OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ
No processo de formação das Nações Unidas o tema da Segurança
Internacional foi extremamente debatido, e nele surgiu o que chamamos de Segurança
Coletiva. A Carta da ONU de 1945, instrumento que norteia o sistema ONU, estabelece
alguns mecanismos que dão forma ao o que é a segurança coletiva,
1) a paz como objetivo ultimo, sendo a guerra, em princípio,
banida, e a conquista territorial, ilegal; 2) a agência organizadora
das ações de segurança coletiva é de composição quase
universal e opera por um princípio, ainda que matizado, de
igualdade soberana; 3) as decisões sobre ações a serem
17
empreendidas em conflitos armados são tomadas por órgãos
coletivos e, ao menos do ponto de vista formal, representativos,
constituídos anteriormente aos casos com os quais lidam
(UZIEL, 2010, p. 26)
Apesar de não chegar-se a um consenso sobre o conceito em si do que é a
segurança coletiva, essa proposta surge da Primeira Guerra Mundial e a criação da Liga
das Nações, devido à necessidade de substituir o sistema “as alianças e o equilíbrio de
poder” (UZIEL, 2010, p.24). O mecanismo usado pela ONU não possui obrigatoriedade
de funcionar da mesma forma em todos os conflitos, devido ao fato de que este “não
anula a existência de relações de poder entre os Estados, mas ela representa fonte
indiscutível de legitimidade” (UZEL, 2010, p.27). Dessa forma, podemos compreender
que as missões de paz das Nações Unidas fazem parte do sistema de segurança coletiva,
ou seja, é mais um dos instrumentos usados pela ONU para garantir o cumprimento e
funcionamento do que está previsto em sua Carta.
Apesar de as missões de paz tem suas origens na questão dos Balcãs de 19474,
a primeira vez que a ONU reconheceu uma situação em que a paz e a segurança
internacional foram rompidas foi em 1948, frente às hostilidades entre judeus e
palestinos. Nesse cenário, o Conselho de Segurança ordenou as autoridades locais que
“desistissem de utilização de forças militares e ordenassem o cessar-fogo às forças
militares e paramilitares sob sua autoridade” (MORE, 2002, p.51), e foram enviados
pela primeira vez observadores militares com o objetivo de auxiliar o mediador da ONU
em suas funções.
Através desses fatos históricos, percebemos que as missões de paz surgiram
após a criação da Carta das Nações Unidas, sendo um instrumento não previsto na
Carta, acaba não possuindo um conceito que a defina e diga exatamente o que são as
missões de paz (MORE, 2002, p.20/ UZIEL, 2010, p.58). Conforme as missões foram
sendo colocadas em prática e a ONU ganhando experiência, foram definidas algumas
regras fundamentais para as operações de manutenção da paz,
a) manutenção do controle das operações na ONU; b)
autorização expressa entre os Estados envolvidos, ou seja, deve
4
Durante o conflito na região foram criadas as missões de supervisão de trégua na Grécia junto ao
Comitê Especial das Nações Unidas para os Balcãs (UN Special Committie on the Balkans), que durou até
1952 e tinha como objetivo supervisionar o cumprimento dos acordos de trégua e cessar-fogo na região
(MORE, 2002, p.50).
18
haver um “consentimento para a legitimidade”; c) caráter
voluntário de participação por parte dos Estados Membros; d)
conveniência na universalidade da composição dos efetivos; e)
imparcialidade no cumprimento do mandato; f) uso da força
como ultima ratio regis e apenas como legítima defesa e g)
posse restrita de armamentos pelo pessoal envolvido na
operação.
Ao final da Guerra Fria, e a mudança das estruturas politicas então vigentes, o
vazio do poder causado pelo fim da União Soviética resultou em conflitos por todo o
mundo, em sua maioria intra-estatais. Consequentemente, diante desde cenário, de
“rápidas mudanças econômicas, sócias e políticas que afetam tanto os Estados
isoladamente quanto a Comunidade Internacional e sua relação com a paz e segurança
internacional” (MORE, 2002, p.60), em 1992 a ONU lança o documento “Uma Agenda
para a Paz”, que acaba sendo uma forma de legitimar e tentar definir o que seria o
mecanismo de segurança coletiva adotado pela ONU e seus instrumentos de
intervenção,
a) a diplomacia preventiva, como uma ação para prevenir
surgimento de litígios entre partes, para prevenir que litígios se
transformem em conflitos maiores e mais complexos que seus
próprios limites, incluindo ações como verificação (fact-finding)
e bons ofícios; b) o peacemaking (promoção da paz) como ato
de conduzir as partes hostis, através do uso de meios pacíficos
de solução de litígios previsto no Capítulo VI da Carta e; c) o
peacekeeping (manutenção da paz) como o efetiva presença das
Nações Unidas em campo, com o expresso consentimento das
partes envolvidas, envolvendo tanto um efetivo militar, quanto
policial e civil. (MORE, 2002, p. 60)
A partir desse momento, as operações de manutenção da paz, ou missões de
paz, autorizadas pelas Nações Unidas aumentaram muito, chegando a marca superior a
mais de 35 missões de paz em uma década, contra as 18 que ocorreram entre o período
de 1948 e 1991 (MORE, 2002, p. 54).
Assim, em 2001, diante de várias falhas e sucessos da ONU em suas operações
de paz, foi apresentado ao Secretario Geral o Relatório Brahimi, que tinha como
objetivo “realizar uma revisão sobre as operações de paz das Nações Unidas, da qual
deveria resultar um relatório com recomendações específicas, claras e concretas para
melhor condução dessas atividades no futuro” (MORE, 2002, p. 63). Dividido em seis
capítulos e baseado na analises das missões dos anos anteriores, principalmente da
19
citada década de 1990, o documento contempla todos os aspectos de uma missão de
paz, que iam, por exemplo, desde a capacidade da ONU em responder a um conflito, à
inclusão da sociedade envolvida nos processos de reconciliação5. O Relatório Brahimi
serviu para melhorar o sistema da ONU em relação não só a implementação das
missões, mas também em como estas deveriam ser conduzidas, mediante a necessidade
de elaborar suas estruturas de acordo com a necessidade do conflito.
2.2 A PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NAS MISSOES DE PAZ DAS NAÇÕES
UNIDAS
No inicio dos anos de 1980, o Brasil retoma seu ativismo dentro da ONU
devido a dois motivos principais, um de caráter interno e outro externo.
O Brasil passava por um processo de redemocratização depois de quase 20
anos de ditadura militar, período em que se manteve distante das atividades no Órgão,
como aponta Uziel (2010). O país passou a procurar se reinserir e se readaptar as
Nações Unidas, adotando novas frentes de atuação, dando, por exemplo, mais atenção
aos Direitos Humanos e buscando candidatura no Conselho de Segurança, como
explicam Pepe & Mathias (2007).
O motivo de caráter externo se liga ao fim da Guerra Fria, que alterou os
padrões dentro das Nações Unidas, com o fim dos embates ente EUA e URSS, tornando
o cenário favorável ao novo Brasil democrático. Como visto, o número de conflitos em
que a ONU interveio aumentou bastante nesses anos, e possibilitou maior participação
de outros países, inclusive o Brasil
Este, para voltar a se envolver nas operações de manutenção da paz, optou
voltar a ativa aos poucos, pois “era necessário esclarecer a natureza jurídica e politica
dessas operações e entender melhor o interesse brasileiro em participar” (UZIEL, 2010,
p.88). O envolvimento brasileiro foi iniciado enviando observadores militares, civis e
policias, seguindo critérios informais, mas determinantes para escolher quais missões de
paz participar:
1) identificação de ganhos com o envio (experiência militar,
adensamento de relações bilaterais, apoio político em outros
foros); 2) preferência pelo envio de observadores, porque
tropas exigiam consideráveis esforços políticos e logísticos;
5
Ver MORE, 2002, p.66-67.
20
3) escolha de operações de manutenção de paz em que o uso
da força fosse claramente circunscrito. (UZIEL, 2010, p.88)
Mas conforme a prática sobre o assunto evoluía e ganhava-se mais clareza
sobre a importância das operações de paz, o Brasil mudou também seus critérios,
a) uso na prevenção ou solução pacífica de conflitos; b) regras
claras para eventual emprego da força e mandatos exequíveis; c)
comedimento ao desdobrar as missões, que não devem ser
consideradas como panaceia; d) necessidade de consultas
constantes com os contribuintes de tropas e valorização do papel
da Assembleia Geral. (UZIEL, 2010, p.88)
Apesar de o Brasil adotar uma politica externa de cooperação que é
comprometida com a manutenção da paz, esta é voltada especificamente para as
missões de paz. Reside aqui, portanto uma crítica de algum dos autores utilizados, de
que “a participação brasileira em Forças Multinacionais tem sido bem modesta. Entre as
onze Forças Multinacionais criadas pela ONU, o Brasil participou apenas da
INTERFET, em Timor Leste” (MORE, 2002, p. 83-84), e em 2003 na FMEI, na
República Democrática do Congo (UZIEL, 2010, p.97). O autor Uziel (2010), com base
na obra de Paulo R.C.T. da Fontoura6, justifica essa preferencia brasileira por dois
aspectos,
1) as forças multinacionais são autorizadas a atuar por meio do
uso da força, em situações onde ainda não há cessar-fogo, o que
gera maiores custos humanos e políticos; 2) como não são
organizadas pelas Nações Unidas, os integrantes das forças não
dispõem de reembolso para suas tropas, nem de apoio logístico
do Secretariado (UZIEL, 2010, p. 97)
Atualmente o Brasil não possui uma política oficial que estruture e sirva de
modelo para o processo de tomada de decisão. Os autores More (2002), Uziel (2010) e
Pepe & Mathias (2007), dão destaque para a burocracia e ressaltam que as motivações e
posicionamento brasileiro são historicamente definidos e reiterados por formulações
políticas.
More (2002) se prende a ideia de que o interesse brasileiro em participar de
missões está principalmente ligado a politica de defesa nacional, mas Pepe & Mathias
vão além desde argumento, ao defender que as motivações são sempre pautadas pelo
interesse nacional, e dão destaque a aproximação brasileira dos países da Comunidade
6
FONTOURA, Paulo Roberto Campos Tarrisse da. “O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz das
Nações Unidas”. Brasília: FUNAG, 1999.
21
de Países de Língua Portuguesa (CPLP), evidenciando que o governo procura ter papel
mais ativo em operações realizadas nas regiões geralmente ligadas aos países lusófonos
e da América Latina (PEPE & MATHIAS, 2007, p.7), e reforçam este argumento ao
afirmar que,
O objetivo brasileiro era aproximar-se de outros países fora do
eixo EUA-União Europeia, mostrando que o Brasil procurava
diferentes formas de reinserção no cenário internacional, não
mais moldado pelo conflito ideológico Leste-Oeste,
característico da Guerra Fria (PEPE & MATHIAS, 2007, p.1-2)
O autor Uziel (2010) deixa claro em seu trabalho que o único ponto de
concordância do real interesse brasileiro é em se inserir na política internacional e no
mecanismo de segurança coletiva da ONU,
[...] os interesses que ocorrem com maior frequência são os de
caráter bilateral ou regional, embora não seja comum especificar
como a participação nas missões se refletirá na prática em maior
interação bilateral ou regional nem se ela se dará na forma de
comércio ou cooperação prestada pelo Brasil. [...] no caso do
Brasil, é incomum haver referências ao papel de treinamento das
Forças Armadas porque, ao contrário do que ocorre em países
como o Uruguai, no Brasil, as Forças Armadas não
considerariam o envio de tropas a missões de paz como uma de
suas funções centrais163. Embora comum, a alusão ao artigo 4º
da Constituição também carece de uma explicação sobre como
operacionalizar princípios como “prevalência dos direitos
humanos” e “cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade”, sem falar da “não intervenção”, utilizada tanto
pelos que são favoráveis quanto pelos que são contrários à
cessão de tropas (UZIEL, 2010, p.100).
O mesmo ainda especula se as participações brasileiras nas missões de paz das
Nações Unidas não seriam resultado do pleito pelo acento permanente no Conselho de
Segurança, dizendo ser muitas vezes o “motor das atitudes brasileiras” e ressalta que “o
projeto de resolução apresentado em 2005 para a reforma do CSNU não estabelece a
participação em operações de manutenção da paz como condição para ser um membro
permanente do Conselho, embora sugira tratar-se de contribuição relevante” (UZIEL,
2010, p.101).
2.3 O CONFLITO EM TIMOR LESTE E A INSTAURAÇÃO DAS MISSOES DE
PAZ
22
O Timor-Leste foi colônia portuguesa desde o século XVI até a queda do
governo de Salazar em 1974. A ilha de Timor foi dividida por Portugal e Holanda em
1859, devido ao interesse em produzir café na região. Historicamente negligenciada por
Portugal, somente durante o regime salazarista, em 1926, que se foi dada alguma
atenção à colônia, tratando-a “mais como um protetorado do que como uma colônia”
(GUNN, 1999, p.243).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a criação das Nações Unidas e a o
direito de autodeterminação dos povos, a pressão sob Portugal para descolonizar seus
territórios era grande, mas somente com o fim do regime salazarista, em 1974, que o
país da inicio a descolonização, a fim de rapidamente “honrar com suas obrigações para
com a ONU” (GUNN, 1999, p.287). Infelizmente, Timor-Leste não era mais uma vez o
foco de Portugal (CUNHA, 2001, p25 e GUNN, 1999, p.287), as forças estavam
concentradas nas colônias africanas, em especial Angola, “a joia da coroa do Império
Português”7. Um momento bastante conturbado em Portugal, devido a Revolução dos
Cravos, que pôs fim ao governo de Salazar, a nova república almejava se livrar do fardo
das colônias o mais rápido possível (GUNN, 2001, p.29).
As agitações na metrópole e o sinal de a independência estavam prestes a
ocorrer “fizeram surgir as primeiras organizações políticas na história da colônia”
(GUNN, 1999, p.292-293). Surgiram basicamente três partidos principais e com
opiniões divergentes. O primeiro deles foi a UDT (União Democrática Timorense),
“favorável a uma eventual independência decorrente de um extenso período de transição
em continuada associação com Portugal”. Em seguida veio a Fretilin (Frente
Revolucionaria de Timor Leste Independente), que se fundamentava em um forte
nacionalismo e anticolonialíssimo8. E por ultimo, tivemos a Apodeti (Associação
Popular Democrática Timorense), um partido minoritário, que acreditava na união com
a Indonésia, declarando que “Timor-Leste não seria economicamente viável a menos
que fosse apoiado pelos seus irmão étnicos na Indonésia” (GUNN, 1999, p.295).
7
Ver: CUNHA, A Questão de Timor-Leste: origens e evolução. 2001, p.26. O autor faz, por meio de
algumas referências bibliográficas, um aporte das condições em que o Timor-Leste se encontrava nos
anos de 1970, dando muito enfoque em como o mesmo depois de mais de 400 anos de presença
portuguesa, o local ainda era negligenciado em vários aspectos, principalmente em questões de
infraestrutura e educação.
8
A Fretilin foi originaria da Associação Social Democratica Timorense (ASDT), eles reivindicavam a
“imediata participação de timorenses na administração e governos locais, um fim a discriminação racial,
a luta contra corrupção e um bom relacionamento com países vizinhos”. Mas a transformação em
Fretilin reorientou as ideias do partido. Ver: GUNN, Geoffrey C. Timor Loro Sae: 500 anos. 1999, p.294.
23
Essa divisão partidária se deu principalmente devido ao anuncio das propostas
portuguesas em junho de 1974, com três opções politicas: “a primeira, manutenção da
associação com a potência metropolitana; segunda, independência; e terceira, a
integração na Indonésia” (GUNN, 1999, p295). Dentre as opções a posição portuguesa
era bastante tendenciosa a terceira política de descolonização, já que iniciaram um
rápido dialogo com as autoridades indonésias sobre a viabilidade da proposta. Mas, a
fim de legitimar a integração com Indonésia, sem ferir o compromisso firmado com a
ONU de dar o direito à independência e autodeterminação de seu povo e territórios,
Portugal opta por fazer uma consulta à população timorense (CUNHA, 2001, p.30).
Contra as expectativas portuguesas e indonésias, a UDT se junta a Fretilin, que
assume a frente nacional angariando apoio da população9 na defesa pela independência,
estabelecendo a Indonésia como ameaça e na tentativa de “obter de Portugal um
empenho mais profundo no processo de descolonização” (GUNN, 1999, p.297). A
Indonésia inicia uma politica de desmoralização desses partidos, além de
movimentações para desestabilizar socialmente a colônia, cujo objetivo era criar
condições caóticas que legitimassem a intervenção armada pela Indonésia10.
Em maio de 1975, a UDT e Fretilin rompem a coalizão e acabam entrando em
guerra civil em agosto do mesmo ano, devido à tentativa da UDT em realizar um golpe
de estado. Portugal tenta levar a questão a níveis internacionais, mas acaba enfrentando
a inatividade e desinteresse das potencias ocidentais, e não conseguindo se mobilizar
para o local, acabam ficando nos bastidores do conflito.
A Fretilin, por sua vez, obtém o domínio completo do Timor Leste em
setembro de 1975, estabelecendo bases administrativas11 ainda sob a bandeira
portuguesa, mas passam a enfrentar investidas indonésias nas fronteiras com Timor
Leste. Mais uma vez a situação é levada a ONU, dessa vez ao Conselho de Segurança,
com o apelo de intervirem no território devido aos constantes ataques das forças
armadas da Indonésia. Todavia, a Fretilin diante a urgência do problema, o abandono de
Portugal e a inércia das Nações Unidas, se declara independente em novembro de 1975.
9
Foram os primeiros a adotar a língua local além do português, ultrapassaram outros partidos na
promoção cultural e práticas tradicionais; aderiram politicas educacionais em povoados, além de
espalharem o conhecimento da situação do país em diferentes aldeias e regiões do território. Ver:
GUNN, 1999, p.296.
10
Plano conhecido como Operação Komodo. Ver: GUNN, 1999 e CUNHA, 2001.
11
Ver GUNN, 1999, p.299.
24
A resposta da Indonésia ao Timor Leste ocorreu cerca de um mês depois da
declaração da independência. Em dezembro de 1975 se deu inicio a invasão ao Timor
Leste, e uma procura obstinada da Indonésia em legitimar suas ações perante a ONU e a
Comunidade Internacional. Um de seus argumentos era a incapacidade de Portugal em
conter a situação no território e empreender a descolonização, assim os indonésios
passariam a assumir o processo de autodeterminação timorense, atitude não legitimada
pela ONU, que condenava as tropas na região. Mesmo diante de várias resoluções da
Assembleia Geral, a Indonésia prosseguiu com seus planos de anexação do território,
concluindo-a formalmente em julho de 1976 (CUNHA, 2001, p.90-91).
Somente por volta de 1990, depois de anos de denuncia contra a Indonésia por
praticas contra os Direitos Humanos e muita resistência armada por parte da Fretilin
contra o domínio indonésio, o dialogo entre Portugal e Indonésia, foi retomado dentro
da ONU, na tentativa de solucionar a questão timorense. E em 1999, foi instaurada a
primeira missão de paz da ONU no Timor Leste, a UNAMET (United Nations Mission
in East Timor), era uma missão política com o objetivo de organizar e conduzir a
consulta popular no Timor Leste, a fim de saber se a população desejava continuar
submetida a Indonésia, mas com uma autonomia especial, ou se a população rejeitava a
proposta tornando-se assim um país autônomo.
Realizado o plebiscito, o resultado das urnas foi divulgado pelo chefe da
missão de paz, com quase 80% dos votos a favor da independência. Diante dos
resultados, os partidos pró-indonésia, com apoio até mesmo das forças de segurança
indonésias, desencadearam uma onde de violência que tomou o país, a Indonésia acaba
descumprindo o acordo que “previam que a Indonésia deveria continuar responsável
peal segurança durante toda a consulta popular, e mesmo, na eventualidade de um voto
a favor da independência” (COLARES, 2006, p.32).
Não sendo capaz de controlar a situação, a Indonésia acata a sugestão do
Conselho de Segurança de uma intervenção militar. A força multinacional, INTERFET
(International Force in East Timor) é autorizada em 12 de setembro de 1999, sob o
comando da Australia, tinha função de,
Restabelecer a paz e a segurança em Timor Leste, a proteger e
prestar apoio a UNAMET no desempenho de suas tarefas e,
dentro das possibilidades da Força, facilitar as operações de
ajuda humanitária (COLARES, 2006, p.33)
25
Frente ao inicio da atuação da INTERFET, as tropas e polícia da Indonésia
começam a deixar o Timor Leste, saindo completamente em 28 de setembro de 1999,
mas o país só reconhece o resultado das urnas em outrubro, possibilitando ao Conselho
de Segurança da ONU aprovar uma nova missão, que ocuparia o vazio deixado pela
evasão precoce das autoridades políticas (COLARES, 2006, p.34) e também conter a
atuação das milícias frente aos desafios de se criar um novo Estado.
A UNTAET (United Nations Transitional Administration in East Timor) teve
início em 25 de outubro de 1999, pela resolução 1272(1999), era liderada pelo brasileiro
Sérgio Vieira de Melo. Foi considerada uma das missões mais complexas desenvolvidas
pela ONU, como explica More (2002),
As condições sociais e políticas enfrentadas pela ONU em suas
experiências anteriores de administração interina, a exemplo que se
ocorre principalmente com a UNMIK, são bem distintas daquelas
enfrentadas em TL, pois em Timor a missão é bem mais complexa, já
que se pretende fazer surgir um novo Estado a partir da independência
de um povo cuja memória histórica se perdeu entre um colonialismo
mal-acabado, a invasão da Indonésia e a guerra civil de resistência,
situações que somente fizeram degenerar instituições, a lei e a ordem.
Em Timor cria-se um Estado como se numa incubadora estivessem
todos os seus elementos: o povo, que vem sendo educado e preparado
para administrar seu próprio destino em função de suas diferenças,
não de suas identidades; o território, cuja integração se busca através
da implantação física de órgãos e instituições; o governo, cuja escola
foi-se exercendo desde o CCN, passando-se pelo CN e, consolidandose no Conselho de Ministros (CM) sob orientação da Administração
Transitória e, finalmente, a soberania, que representa a conjunção de
todos os demais elementos e a coroação do processo com a criação do
Estado timorense. A missão maior da UNTAET é a “timorização” de
TL, ou seja, a criação de uma identidade timorense na administração
de seus próprios interesses [...] (MORE, 2002, p.104).
Seguida da UNTAET, o Timor Lestes recebeu ainda mais três missões, a
UNMISET, a UNOTIL e a UNMIT. A UNMISET foi instaurada em maio de 2002, era
uma missão de manutenção da paz (peacekeeping operation), cujo mandato servia de
auxilio ao recém estabelecido governo timorense, garantindo o envolvimento da ONU
na região e assegurando a estabilidade e segurança do país. A UNMISET teve o
mandato estendido três vezes encerrando em 2005, dando lugar a UNOTIL em maio do
mesmo ano.
A UNOTIL era uma missão política, funcionaria mais como um escritório das
Nações Unidas a fim de dar continuidade ao suporte oferecido para o desenvolvimento
das instituições estatais timorenses. Mas em abril de 2006, como evidencia Uziel (2010,
p.176), desencadeou-se no país uma série de conflitos armados, quase uma guerra civil e
26
a queda do governo, sendo classificado pela ONU como uma crise política, humanitária
e de segurança, levando ao prolongamento do mandato da UNOTIL pelo CSNU.
Com o desenrolar desse processo, o governo timorense acata as recomendações
feitas pelo Secretario Geral na tentativa de solucionar o conflito, e em agosto de 2006 é
aprovada uma nova missão no Timor Leste, a UNMIT, cujas principais funções eram
garantir a estabilidade das instituições governamentais, auxiliar nas eleições que
ocorreriam em 2007, dar suporte policial e treinamento para as instituições responsáveis
pelo papel de garantir a segurança, garantir e difundir os Direito Humanos, entre outras.
A situação em Timor Leste começa a melhorar com a instauração da UNMIT,
que tem seu mandato estendido duas vezes a fim de prevenir possíveis conflitos, mas
chega ao fim em dezembro de 2012, completando o quadro das missões tidas como
mais bem sucedidas da ONU.
2.3.1 PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NAS MISSÕES DE PAZ DO TIMOR LESTE
O envolvimento brasileiro em Timor Leste se dá desde antes do inicio dos
conflitos de 1999, com a instauração da missão política UNAMET. O Brasil se insere
nesse processo “com oficiais de ligação, observadores policiais e eleitorais para a
realização das eleições de 30 de agosto de 1999” (MORE, 2002, p.87).
E com o desenrolar dos acontecimentos pós-resultados das urnas, e a
instauração da força multinacional INTERFET, o Secretario Geral solicita ao Brasil a
participação na INTERFET, pedido atendido em setembro de 1999, com o envio ao
Timor Leste de “dois pelotões de Polícia do Exercito” (MORE, 2002, p.130), que foram
mantidos com a instauração da missão UNTAET, e no decorrer das missões no Timor,
aumentado devido a necessidades das missões.
O Brasil se manteve presente em todas as missões empreendidas no Timor
Leste, a fim de dar “continuidade da presença brasileira no processo de formação
nacional timorense e o adensamento dos laços com um país de língua portuguesa”
(UZIEL, 2010, p.95), além que cumprir com alguns interesses nacionais ao se manter
nas missões,
1) cumprir os preceitos do artigo 4º da Constituição, tais como
prevalência dos direitos humanos e autodeterminação dos povos; 2)
contribuir para a assistência humanitária; 3) fortalecer o sistema
multilateral de solução de controvérsias; 4) permitir o adestramento
das Forças Armadas e valorizar o seu papel frente a sociedade
(UZIEL, 2010, p.95).
27
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar esse trabalho percebemos que as missões de manutenção da paz
utilizadas pela ONU, são instrumentos usados para assegurar a paz e segurança
internacional, além de compor um dos meios de o Brasil se inserir no sistema
internacional como ator forte, principalmente dentro das Nações Unidas.
Vimos que a capacidade brasileira de atuar nas missões de paz da ONU é
limitada e enfrenta dificuldades, principalmente quando comparamos com outros países
de projeção internacional compatível, a exemplo da África do Sul, país que tem
constitucionalmente uma política oficial de governo determinando os parâmetros para
seu envolvimento em questões da ONU que envolvem as missões de paz.
Mas apesar do diagnostico, o Brasil não deixa de ser um importante ator nas
Naçoes Unidas e suas operações de manutenção da paz. Comprovando eficiência não
somente no Haiti, mas sempre advogando a favor das questões timorenses no âmbito da
ONU, e também in loco, tendo estado presente em todas as missões que passaram pelo
Timor Leste. O Brasil apesar de não ser o maior contribuinte em tropas no Timor,
desempenhou ao longo dos nãos um papel diplomático excepcional, principalmente nos
momentos de crise do novo país.
Ultimamente, diante da eclosão de vários conflitos no continente africano, os
representantes brasileiros na ONU tem desempenhado um excelente papel ao defender
os interesses do país, mas sem marcar presença em conflitos mais sérios como o da
Síria, Congo e Ucrânia.
REFERÊNCIAS
COLARES, Luciano da Silva. As missões de paz da ONU e a questão de Timor Leste:
ponto de inflexão?. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
CUNHA, João Solano Carneiro da. A questão de Timor-Leste: origens e evolução.
Brasília: FUNAG/IRBr, 2001 (Coleção de Altos Estudos do Instituto Rio Branco.
28
GUNN, Geoffrey C. Timor Loro Sae: 500 anos. Tradução de João Aguiar. Macau:
Livros do Oriente, 1999.
MORE, Rodrigo Fernandes. Fundamentos das operações de paz das nações unidas e a
questão de Timor Leste. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional) –
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
PEPE, Leandro Leone; MATHIAS, Suzeley Kalil. O envolvimento brasileiro na
questão timorense. Associação Nacional de Historia – ANPUH. XXIV Simpósio
Nacional de Historia, 2007.
UZIEL, Eduardo. Conselho de segurança, as operações e manutrnção da paz e a
inserção do Brasil no mecanismo de segurança coletiva das Nações Unidas. Brasília:
FUNAG, 2010.
29
A HOMOGENEIZAÇÃO DO TRABALHO NO MERCOSUL
Michely Soares Lopes
GraduandA em Relações Internacionais pela PUC Goiás
E-mail: [email protected]
Resumo: Homogeneizar as relações de trabalho no MERCOSUL é um imperativo
histórico e condição necessária para inserir as economias hemisféricas
internacionalmente. Todavia, este que se propôs a alavancar os níveis de integração e
garantir que as economias do sul se integrassem em escala internacional, ainda está
limitado a questões genuinamente tarifárias. Por isso, para defender interesses locais, é
necessário modificar sua estrutura interna dependente e superar a vulnerabilidade
externa. A modernização das atividades produtivas é possível através da intervenção
direta de todos os Estados, no sentido de garantir a livre negociação entre capital e
trabalho, buscando conter os excessos tanto dos mercados quanto das instituições
supranacionais. A integração regional entre os países membros do MERCOSUL é
melhor conduzida através da participação direta de cada Estado, visto que o bloco
nasceu da própria vulnerabilidade estrutural as economias estrangeiras. Isto significa
que é preciso agir e afirmar-se localmente para emergir no mundo globalizado.
Palavras-chave: MERCOSUL, trabalho, soberania, interdependência, Globalização,
Inserção Internacional.
Abstract: Homogenizing labor relations in MERCOSUR is a historical imperative
and necessary to insert the hemispheric economies internationally condition. However,
it was proposed that the leverage levels of integration and ensure that the economies of
the south would be integrated on an international scale, is still limited to genuinely tariff
issues. Therefore, to defend local interests, it is necessary to modify its internal structure
dependent and overcoming external vulnerability. The modernization of productive
activities is possible through the direct intervention of all States to ensure the free
bargaining between labor and capital, seeking to curb the excesses of both markets and
supranational institutions. Regional integration among the member countries of
MERCOSUR is best conducted through the direct participation of each state, as the
block itself was born of structural vulnerability foreign economies. This means that we
need to act and to establish itself locally to emerge in a globalized world.
Key-Words: MERCOSUR,
international integration
work,
sovereignty,
30
interdependence,
globalization,
Introdução
O projeto de inserção internacional da América do Sul tem avançado de forma
considerável nestas ultimas décadas. O Tratado de Assunção, que constituiu o
MERCOSUL em 1991, é um exemplo desta nova realidade. Este criou um bloco
regional forte, sem a mediação de qualquer outra entidade supranacional, e ainda foi
capaz de representar os interesses regionais internacionalmente. Isso ocorreu porque os
objetivos deste tratado tiveram a intenção de avançar para níveis políticos
coperacionais, e não se limitaram, portanto, apenas a questões relacionadas ao comércio
e resoluções sobre tarifas. Todavia, estas mesmas políticas ainda não avançaram em
níveis aceitáveis, pois não garantiram o cumprimento de muitos de seus objetivos
basilares; como é o caso da homogeneização das relações de trabalho no MERCOSUL.
Sem estabelecer propostas decisivas para a integração regional no âmbito do trabalho,
não há como fazer cumprir seu objetivo fundamental, que é fortalecer econômico e
politicamente o hemisfério Sul para fazer nossos interesses serem validados em escala
internacional.
A simetria do trabalho no MERCOSUL é um assunto discutido amplamente por
muitos estudiosos. André Franco Montoro defende que a integração na América Latina,
não é uma opção facultativa, ela é um imperativo histórico e caminho necessário para o
desenvolvimento econômico e social, é, portanto uma condição necessária para a
integração competitiva na economia mundial. Em Washington no dia 29 de junho de
1996, a questão foi defendida amplamente pela Organização Regional Interamericana
de Trabalhadores (ORIT)12, integrada por 28 Federações Sindicais e que na época
representavam 23 países. Sob os escritos de “O chamado a justiça e a igualdade no
hemisfério”, atentava para o fato de que quanto mais os países do sul ingressavam na
economia global, decresciam os padrões de vida dos trabalhadores. De acordo com a
Organização, para atrair o investimento das multinacionais, os países baixam os
salários. Usando a frase “Esta corrida em direção as profundezas deve parar”.
12
(O MERCOSUL no contexto da integração continental). Carta dos trabalhadores do
MERCOSUL de ouro preto, pag. 156, assunção, 5 de agosto de 2005.Fonte: textos para debate
internacional numeram 7-junho /1996 CUT-Brasil Cfdt França o chamado a justiça e a
igualdade no hemisfério.
31
O objetivo desta pesquisa é saber como a integração política e econômica dos
países do sul em escala internacional pode ser alcançada através da homogeneização do
trabalho. Demonstrar os conflitos de interesses no processo de alcançar políticas
favoráveis ao estabelecimento de atividades laborais mais harmônicas. Atualizar os
dados sobre os países que compõe o MERCOSUL no sentido de medir o quanto, hoje,
estamos próximos de conseguir que haja igualdade nas atividades produtivas no
MERCOSUL. Partindo da premissa de que é difícil equilibrar o poder e a soberania do
Estado no que tange as relações de trabalho em âmbito transnacional. Para compreender
os arranjos atuais referentes a este tema, será feio um breve histórico sobre a origem e
os princípios fundamentais do MERCOSUL. Ademais, uma análise de como a
economia dos países do sul ficaram condicionadas a necessidade de liberalização
econômica para seu próprio avanço, ao mesmo tempo em que sofrem negativamente os
efeitos desta flexibilidade. Assim, levantará duas questões centrais; os interesses
nacionais no que tange as relações de trabalho presentes nos Estados que compõe o
Mercado Comum do Sul; e o papel do MERCOSUL neste espaço de globalização
crescente.
1. MERCOSUL: UM CASO DE REGIONALISMO ABERTO
A integração regional na América Latina é um projeto antigo, que vem dos
ideais de Simon Bolívar, pautado num sentimento de unidade gerado pela colonização
espanhola. Em 1960 foi criada a Associação Latino-Americana de Livre Comércio
(ALALC) para a suspensão de barreiras alfandegárias. Em 1980 esta foi transformada
em (ALADI) (Associação Latino-Americana de Integração) que se dispusera a criar
bases comuns num mercado latino-americano por intermédio de acordos bilaterais.
Tudo isso aconteceu em meio a um senário conflituoso, pois os anos 80 significaram
para a América Latina, um período de intensa transformação; foi nesta época que
ocorreu a onda de regimes militares. No Brasil, 1964, Uruguai e Chile, 1973 e
Argentina 1976. A consequência disso foi à adoção de medidas de cunho liberal por
muitos países. Assim, a criação do MERCOSUL foi talvez, segundo (CASTRO, 1997,
pag. 12), uma das últimas tentativas de contrapor-se ao modelo desenvolvimentista do
mercado internacional. Isso porque, ao adotarem medidas liberais, tais como a abertura
comercial, privatização de empresas estatais, aplicação de planos de estabilização e
geração de superávit fiscal, conseguiu-se industrializar a economia.
32
O MERCOSUL, formado por Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e, mais
recentemente, a Venezuela, proveniente do Tratado de Assunção em 1991, foi criado
num período em que era necessário integrar e proteger novos mercados. Assim, o ritmo
da economia nacional e regional estaria subordinado ao exterior. Segundo (CASTRO,
1999, pag. 140), a inovação tecnológica crescente e conduzida por grandes oligopólios
industriais faz com que as estratégias de desenvolvimento dependam cada vez mais das
empresas transnacionais do que dos Estados que são os principais incumbidos do papel
de regular as relações sociais de trabalho. Para (CASTRO, 1998, pag. 23), apesar de o
MERCOSUL representar um salto na inserção internacional dos países do sul por criar
uma instituição sem se valer de outras estruturas supranacionais, as medidas de
liberalização econômica, contribui para um desenvolvimento industrial dependente.
Ademais as barreiras não tarifárias criaram situações de desigualdade
econômica. Segundo (CASTRO, 1998 pag. 28), expor o Brasil a concorrência com
países menores é fazer destes países, verdadeiros “corredores comerciais” com o
crescimento de indústrias “maquiladoras” e zonas francas na região. As consequências
disso, já que ainda não possuímos uma moeda comum e um empresariado homogêneo, é
a redução dos salários devido a um impacto comercial e o deslocamento geográfico de
empresas para lugares de salários mais baixos. As empresas podem escolher lugares de
mais matéria prima. (CASTRO, 1998, pag. 32), defende que o MERCOSUL serviu de
cortina para a promoção unilateral da redução tarifária, por aplicar medidas liberais, mas
não harmonizou outros assuntos fora da agenda econômica. Assim, os governantes
deixaram ao mercado a missão de promover o grau de especialização produtiva e
comercial entre os países do MERCOSUL. Os Estados seriam meros administradores de
taxas, de juros e de tarifas aduaneiras.
O MERCOSUL busca a integração dos países partes, objetivando o
aceleramento dos seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social e
pautado nos princípios da gradualidade, flexibilidade e equilíbrio (TAVARES;
ANDRADE, 1999, pag. 75),. Em suma, busca promover o desenvolvimento,
modernizar a economia, ampliar a oferta e a qualidade dos bens e de serviços
disponíveis, com o objetivo de melhorar as condições de vida de seus habitantes.
Conclui ser impossível cumprir estes compromissos, por em pratica tais objetivos, sem
uniformizar, desestatizar e modernizar as relações de trabalho. Diz ser o MERCOSUL
uma grande alternativa para evitar a concentração de unidades produtivas. Ao mesmo
33
tempo em que procura estimular a competitividade pela qualidade e preços, deve
proporcionar uma sadia competição.
2. O Mercado Hemisférico do Sul: Desregulamentação e autonomia
dos Estados
No ano de 1997, uma pesquisa foi realizada entre empresários e instituições para
avaliar como seria encarada uma liberalização do trabalho gerada pelo MERCOSUL13.
A indústria siderúrgica argentina Eduardo d’Álessio e Cooper &Lybrand Blue, disseram
não aprovar a livre competição no ramo da indústria siderúrgica e metal-mecânica. Pois
disseram que o Brasil possui vantagens por causa de sua modernização e diversificação
no ramo, por causa do numero maior de exportações brasileiras. Não admitiram também
que haja homogeneização das empresas de gestão empresarial e de Marketing, já que o
Brasil tinha maior desenvolvimento nestas áreas. Mas no ramo de alimentos primários,
couro e lã, admitiram que a Argentina oferecia produtos melhores. O argentinos
sugerem que em muitos setores onde o Brasil atua de forma semelhante a eles, como em
soja, trigo, poderia haver perdas devido a competição. (MEIRE,VALESKA, BIMBI,
1997, PAG 17)
É fundamental regular a circulação da Mao-de obra entre os países envolvidos, que
fatalmente será acentuada com o estabelecimento do mercado comum. Isso exigirá um esforço
de harmonização das respectivas legislações trabalhistas, bem como todo um trabalho de
conscientização social destinado a impedir que surjam manifestações xenófobas acusando os
nacionais de cada um dos países do MERCOSUL de ocuparem postos de trabalho que deveriam
ser destinados aos nativos já constituem uma grande preocupação das autoridades dos Estados
Comunitários, no âmbito do CEE. (MEIRE; FILHO, 1997, pag. 31)
O jornal do Brasil, (RAMOS, 26/02/1997)14 por Márcia Ramos publicou a
seguinte reportagem: Argentinos protestam contra MERCOSUL caminhoneiros dos
países vizinhos ameaçam emprego. A matéria expunha o acontecimento que marcou o
primeiro grande protesto dos trabalhadores contra o Mercado Comum do Sul. Contando
que
mais
de
2.500
caminhões
estavam
numa
fila
de
quase
100
quilômetros.Permanecendo por mais de 3 dias, eles percorreram 1.100 quilômetros para
protestarem contra a invasão de caminhoneiros dos países vizinhos. Isto aconteceu,
13
14
(O MERCOSUL no contexto da integração continental, 1997, pag 23)
(O MERCOSUL no contexto da integração continental, 1997, 33).
34
porque, segundo Vitor Hugo Pistoni, da Federação dos Caminhoneiros Argentinos,
porque desde a criação do MERCOSUL, houve uma diminuição dos motoristas
argentinos que fazem rota internacional. Segundo Pistoni, eles tinham sido substituídos
por motoristas de outros países que recebiam um salário 60% menor que seus vizinhos.
Na manchete saio no jornal La Nacion, com o título; “A Argentina endurece sua posição
diante do Brasil.
Existem muitas políticas ativas para o mercado de trabalho, como a
intermediação de mão de obra, orientação para o mercado de trabalho, capacitação e
treinamento e apoio a jovens, incentivo ao empreendedorismo etc., Pois como foi
colocado “A pobreza não é só falta de renda, mas também é a negação de oportunidades
e opções básicas para o desenvolvimento humano.15” Cada medida vai depender da
situação política e econômica em que o país estiver enfrentando. Como demonstra
(CACCIAMALI, 2005 pag. 269), o Brasil e o Paraguai disponibilizaram capital e
módulos de capacitação para o incentivo a criação de microempresas. A Argentina e o
Uruguai, por outro lado, através da administração publica, geriram a criação de
atividades transitórias para diminuir as taxas de desemprego. Todavia, a autora defende
que existe uma política comum sobre a capacitação e treinamento que reflete o intuito
de liberalização econômica. Porque tais programas visam responder a demandas de um
ambiente mais competitivo e de maior densidade tecnológica e por isso é necessário
instrumentalizar grupos de pessoas em desvantagem para elevar sua empregabilidade.
Desta forma, o interesse pela qualificação dos trabalhadores passa a ser também de
entidades privadas.
O avanço tecnológico, o pagamento de salários reais e de benefícios sociais
elevados e a diferenciação de produtos são conceitos básicos para inserir os mercados
do sul internacionalmente. Como observa (LAVAGNA, 2009, pag. 17), é possível
inserir mundialmente até mesmo economias de pequena escala somente com base na
diferenciação de produtos, incluindo bens alimentícios e de elevada qualidade e,
portanto, diferenciados em escala mundial, e até mesmo bens de consumo com projetos
inovadores e serviços de alto valor agregado, como, por exemplo, os softwares, etc.
(LAVAGNA, 2009, pag. 18), defende que uma homogeneização de países do Sul é algo
muito difícil, pois como exemplo da Argentina e Brasil, a primeira possui problemas de
15
Globalização e o Estado Nacional, Maria da Conceição Tavares, A vida por centavos pag. 269, jornal do brasil 12
de junho de 1997
35
restrição demográfica e disponibilidade de mão de obra comparada ao segundo. O
Brasil é mais de duas vezes maior que a Argentina, o que faz com que esta conte com
uma necessidade de aparato sindical muito menor, permitindo com que ela encontre
equilíbrio empregatício rapidamente.
3. Soberania e interdependência
O Brasil, por ter optado por uma adesão aos ditames do capital financeiro
internacional, fica prisioneiro do cambio e dos juros e ao contrário de outros países mais
fortes, não temos a mesma capacidade de resposta comercial ou financeira (TAVARES,
1997, pg. 28). As ações liberalizantes do Brasil estão pautadas no objetivo de garantir o
ingresso de capitais externos para fechar o balanço de pagamentos. Um projeto nacional
incluiria uma regeneração do Estado e de suas relações com toda a sociedade. Levandonos a duas questões centrais: o espaço de autonomia dos Estados para a formulação de
políticas nacionais e o papel do Estado dentro deste marco de globalização crescente.
(ANDRADE, 1997, pg. 35) defende a superação do conceito de nacionalidade para
ocorrer um sistema sindical harmônico.
Como diz o artigo 2 da Carta da ONU, uma organização é baseada no princípio
de igualdade soberana entre todos os membros. O Estado Moderno possui soberania
interna, centrada na autonomia; e soberania externa, centrada na independência
(RUSSOMANO, 1997, pag. 72) Pois a independência interna não é absoluta, ou seja,
inexiste assim uma subordinação ou dependência entre as nações, o que há, na
realidade, é igualdade. (ANDRADE, 1971) usa a expressão “distintivos da soberania”
para dizer que no âmbito interno prevalece à autoridade para definir as competências e a
unidade do poder estatal. Enquanto que na esfera internacional é a independência em
ralação as forças externas que desempenham o papel principal. Mas a interdependência
internacional esgota parte desta soberania (ANDRADE; ZIPPELIUS, 1971, pag. 13/15).
4. Conclusões:
O MERCOSUL é caracterizado por intensa vulnerabilidade histórica, por ter
sido empreendido num momento delicado para toda a América Latina e por ter se
afirmado por meio de politicas liberais. A economia dos países que hoje compõe o
36
bloco desenvolveu-se por intermédio da ajuda financeira dos países avançados. Assim,
não é possível inserir a América do Sul internacionalmente sem transformar sua
estrutura dependente. Pois apesar de a proposta do Mercado Comum do Sul pautar-se na
elevação politica, social e econômica de todos os países membros, não transbordou de
forma significativa para além de questões tarifárias. Propor uma Tarifa Externa Comum
(TEC) é manter e agravar desigualdades estruturais, pois não existe igualdade em
medidas aceitáveis entre os integrantes do MERCOSUL. Se o objetivo anterior era
fortalecer nossos parques industriais, a onda neoliberal deixa que o mercado resolva os
problemas sociais.
A circulação de trabalhadores na região da América do sul é anterior ao
MERCOSUL. No passado, havia uma competição entre dois grandes empregadores; o
Estado e a iniciativa privada. Hoje, estas áreas estão pouco claras, ou seja, existem
inúmeras atividades, como empreendedorismo e atividades autônomas que ainda não
tiveram qualquer resolução por parte do MERCOSUL. A desregulamentação do
trabalho não é possível sem a intervenção direta do Estado, que assegura que as regras
de livre negociação entre Capital e o Trabalho sejam respeitadas garantindo a lisura do
processo, o cumprimento do entendimento e resgatar os direitos das partes. Tudo isso
parte de um pressuposto básico para a modernização que defende um industrialismo
pluralista e soluções pluralistas, buscando conter a tendência aos excessos tanto do
mercado quanto do Estado. A integração latino-americana é um imperativo. Sem ela,
nossos países ficam indefesos tanto no plano econômico quanto político.
Os acordos tarifários e comerciais podem provocar uma nova onda de
restruturação que não vai ser amparada pelo governo, como a requalificação
profissional. Assim, os custos sociais vão aumentar, já que o mercado tende a decidir
por conta própria o nível de especialização comercial e produtiva.
Assim, a
industrialização vai depender cada vez mais das iniciativas das transnacionais do que do
estado. Se antes os estados competiam, agora as empresas competem. O que pode
causar descontentamento as empresas e ser uma ameaça à eficiência do bloco em
matéria de harmonização das relações de trabalho, pois quando se trata de comércio,
essas pedem que os acordos e tratados sejam impostos rigorosamente para resolver
conflitos e proteger sua propriedade privada e seus investimentos, mas quando o assunto
é mercado de trabalho, elas querem justamente o oposto, ou seja, mais flexibilidade. Por
isso, os países do MERCOSUL deveriam desenvolver de forma harmônica,
intensificando sua inserção internacional, através da mudança de realidades locais.
37
REFERÊNCIAS
CASTRO, Maria Silva Portella. Reflexos do MERCOSUL no mercado de trabalho,
1998.
MEIRA, SCHOEDER, PINTO, BIMBI; Maria Elisa, Osni, Eduardo. O MERCOSUL
no contexto da Integração Continental, 1997.
CACCIMALI, Maria Cristina. As políticas ativas de mercado de trabalho no
MERCOSUL, 2005.
RAMOS, Márcia. O jornal do Brasil em 26 de fevereiro de 1997
ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes. O MERCOSUL e as Relações de Trabalho,
1999.
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado, Lisboa, 1971
LAVAGNA, Roberto. Argentina-Brasil:
(Democracia, Estratégia e Política N° 9, 2009.
38
um
projeto
desejável-e
possível?
ANÁLISE DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO ECONÔMICA: Análise:
as perspectivas do MERCOSUL
Rafaella Ribeiro de Aguiar
Graduanda em Relações Internacionais pela
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC GO)
[email protected]
Resumo: Este artigo tem por objeto de estudo a análise da teoria da integração
econômica, possuindo como objetivos primordiais (i) mostrar em seu decorrer as
características da integração econômica, aprofundando na teoria de formação dos blocos
regionais (ii) esclarecer as classificações dentro das formas de integração, posicionando
o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) frente às limitações e possibilidades de
expansão da integração e (iii) avaliar os desafios encontrados pelo bloco anteriormente
citado diante do sistema internacional no que tange os aspectos do comércio multilateral
entre Estados, sob a perspectiva do regionalismo aberto.
Palavras chaves: integração, regionalismo, comércio multilateral, MERCOSUL
Abstract: This article intends to study the analysis of the theory of economic
integration, having as main objectives (i) to demonstrate in its course the characteristics
of economic integration, by deepening the theory of the formation of regional blocs (ii)
clarify the classifications within forms of integration, positioning the Southern Common
Market (MERCOSUR) regarding to the limitations and possibilities of expansion of
integration and (iii) evaluate the challenges faced by the aforementioned block in front
of the international system, regarding aspects of multilateral trade between Member
States, under the perspective of open regionalism.
Keywords: integration, regionalism, multilateral trading, MERCOSUL
39
1. Introdução
A partir do estudo da análise da teoria da integração econômica, este texto
possuirá como objetivos primordiais (i) mostrar em seu decorrer as características da
integração econômica, aprofundando na teoria de formação dos blocos regionais (ii)
esclarecer as classificações dentro das formas de integração, posicionando o Mercado
Comum do Sul (MERCOSUL) frente às limitações e possibilidades de expansão da
integração e (iii) avaliar os desafios encontrados pelo bloco anteriormente citado diante
do sistema internacional no que tange os aspectos do comércio multilateral entre
Estados, sob a perspectiva do regionalismo aberto.
É importante ressaltar a contribuição teórica keynesiana e cepalina na análise
do desenvolvimento econômico, proporcionando um pano de fundo que embasou não
somente a construção do MERCOSUL, mas também a outros tipos de integrações na
região latino-americana. A discussão sobre o regionalismo econômico e suas dimensões
traz às relações internacionais a formatação do sistema internacional contemporâneo,
principalmente no âmbito das relações multilaterais latino-americanas que, desde os
anos 80, enfrenta as consequências da dura crise inflacionária que afetou grande parte
dos Estados da região. Segundo Alcides Costa, vemos que
“O regionalismo econômico possui dimensões políticas que são igualmente
importantes e emolduram as relações internacionais contemporâneas. A sua
consecução e o seu aprimoramento exigem a prática permanente de negociação em
que se mobilizam múltiplos atores, interesses e objetivos a ser acomodados e
atendidos sob arranjos cooperativos que transcendem, não raras vezes, seus
domínios originais. Por outro lado, envolvem conflitos distributivos domésticos e
externos que reclamam atenção e a ação coordenadas dos governos e das sociedades,
convertendo-se igualmente tais conflitos em fatos políticos relevantes.” (COSTA,
2002, p. 17)
Dessa maneira, a integração econômica prevê a cooperação e a negociação política entre
os Estados, sem as quais o processo de regionalização dos blocos seria praticamente
infundado. Assim, este presente artigo propõe-se a analisar as teorias da integração
regional e em que maneiras elas se convergem na linha histórica de construção do
ideário regionalista econômico na América Latina, consubstanciando a criação da sua
mais coesa forma de integração nos dias atuais: o MERCOSUL. Avalia também, à luz
da teoria, os desafios enfrentados pelo bloco econômico na busca por maior influência
geoestratégica e econômica no cenário internacional.
40
2. A Teoria da Integração Econômica
A integração econômica é definida como o “processo de eliminação de
fronteiras e barreiras de natureza econômica entre dois ou mais países (= mercados)”
(MACHADO, 2000, p.19), por serem portadores de obstáculos ao fluxo comercial de
mercadoria, serviços e, consequentemente, de fatores de produção advindo de outros
países. Isto é, “as condições de produção, a regulação local e outros fatores internos
operam em geral como os principais determinantes dos preços das mercadorias, serviços
e fatores no âmbito do mercado nacional” (idem). Observa-se assim, que o principal
intento da formação de blocos regionais é o desenvolvimento de mercados expandidos,
levando às operações comerciais além-fronteira e produzindo mecanismos legais de
benefícios (como a diminuição de taxas) para o comércio interno à integração.
A inexistência de barreiras alfandegárias é, sem sombra de dúvidas, o maior
desafio enfrentado pelos Estados integrados: sua existência dificulta o comércio e, ao
mesmo tempo, protege as fronteiras e regula os fluxos de importações. Após os desejos
de integração, amplamente difundidos na década de 80, a necessidade de
institucionalização com o papel de coordenar as relações integradas (de Estados de
mesma região ou não) desenvolveu-se e requeriu regulamentações baseadas no Direito
Internacional, a fim de estabelecer e fundamentar a política econômica desses países nas
relações intra-bloco. A União Europeia, em 1952 com o Tratado de Roma e em 1992
com o Tratado de Maastrich, foi a primeira forma institucionalizada de integração a
possuir tal característica regulamentadora.
Há, todavia, aqueles que discordam da integração em seus vários níveis:
nacional, regional e universal. Esses níveis entende-se por
“(...) (1) nacional, quando respeita à integração econômica de várias regiões de um
país, (2) regional, quando se refere à integração de diferentes países num bloco
econômico e (3) integração universal, no caso da integração de todos os países num
único bloco econômico, ou seja, a que respeita à eliminação de todas as barreiras e
discriminações às trocas internacionais (a OMC seria uma tentativa dessa integração
global).” (PINTO, 2004, p. 8)
Dessa maneira, analisando o cenário contemporâneo das relações internacionais, a
integração universal, ainda que almejada, é utópica. A soberania dos Estados e o teor
protecionista de suas barreiras alfandegárias, explicadas principalmente para a proteção
41
das indústrias nacionais, ainda protelam o aparecimento de tal tipo de união. Assim,
trataremos aqui, a priori, do segundo tipo de integração econômica. As ressalvas
apontam para os caráteres positivos ou negativos, o que Messias Pinto descreve:
“Citando Tinbergen (1965), diversos autores distinguem entre integração positiva ou
activa e integração negativa ou passiva. O conceito de integração negativa ou
passiva é utilizado para designar aqueles aspectos da integração que envolvem a
remoção das discriminações e das restrições à circulação, tal como sucede no
processo de liberalização do comércio. A integração positiva ou activa está ligada à
modificação dos instrumentos e das instituições e à criação de outros, com a
finalidade de permitir que o mercado funcione com eficácia e de promover outros
objectivos mais vastos dentro da união.” (PINTO, 2004, p. 7-8)
Observa-se que a presença dos instrumentos legais reguladores é primordial para a
característica positiva da integração; a liberalização comercial que traz, porventura, o
cancelamento das restrições à circulação, caracteriza a integração de modo passivo ou
negativo. Explica-se, assim, que o teor protecionista, ponderado, aliado à decisão
soberana de cada Estado permanece, haja vista sua importância para a regulamentação
dos objetivos dentro da união.
É preciso salientar que os atores da integração regional podem ser
governamentais ou não, nacionais, transnacionais ou subnacionais. Instituições do poder
Executivo e os governos subnacionais que exercem a paradiplomacia podem executar o
papel de atuação na integração econômica, bem como ONGs e federações de indústrias
no âmbito não governamental. No debate acerca da soberania, sua cessão – parcial – é
fundamental para a manutenção das relações inter-estatais e, primordialmente, do bloco
regional:
“Os autores que desenvolveram essa matriz teórica [da integração] destacam que,
para o objetivo da integração, os atores sociais e econômicos devem participar
ativamente do processo, nele interferindo a partir de determinado ponto após o take
off inicial, buscando pressionar e convencer as elites nacionais a transferirem ou não
parcelas de soberania para a esfera regional. Um aspecto importante é a participação,
o efeito mobilizador da integração, que, por sua vez, está ligado à satisfação de
interesses” (VIGEVANI et al., 2008, p. 12)
A satisfação de interesses é, por sua vez, a característica prática que norteia as ações em
bloco: os Estados-membros buscam atender suas vontades e o desenvolvimento
econômico de suas regiões, razões pelas quais a participação em alguma forma de
regionalismo econômico configura-se estratégica para aumentar a influência política
42
sobre Estados menores ou incrementar a economia interna aliando-se a Estados maiores.
Assim,
“Quanto maior a ambição em termos do grau de aprofundamento da integração
econômica, maior o conjunto de políticas envolvidas no processo de negociação e
maior a necessidade de alcançar harmonização ou buscar convergência/simetria de
resultados. Neste sentido, a integração econômica deve acomodar sempre um
processo de integração política cuja abrangência é proporcional à cessão de
soberania dos governos nacionais.” (MACHADO, 2000, p. 3)
O alinhamento de interesses políticos, assim sendo, mesmo que difícil, confere
uniformidade ao bloco perante os organismos internacionais. Os percalços em tal
alinhamento aparecem, principalmente, quando algum Estado-membro possui um
modelo econômico antiamericanista (como os governos bolivarianos na América
Latina), fere algum interesse previsto pela carta magna da integração ou, frente às crises
econômicas, passa a prejudicar os Estados maiores e endividar-se com os
financiamentos internacionais.
Considerando a integração econômica como um processo de internacionalização
das relações ao redor do mundo, nota-se que o estímulo causado pelos interesses
econômicos leva os Estados a buscarem arranjos que assegurem resultados benéficos
para o desenvolvimento interno de suas nações. Tais arranjos regionais trouxeram a
homogeneização de hábitos de consumo e de produção e, no início, as etapas do
processo produtivo precisaram ser fragmentadas mediante as vantagens comparativas
apresentadas por cada Estado. Cada país, a depender da integração, seria responsável
por uma delas. Esta prática faz diminuir cada vez mais as diferenças entre os países,
estreitando economicamente suas fronteiras de forma lenta e quase imperceptível. No
entanto, o desenvolvimento tecnológico e a globalização dos processos produtivos
fizeram com que o modelo baseado na vertente clássica de David Ricardo, proposto em
1831 em seu livro The Principles of Political Economy and Taxation, aqui conceituada
como vantagem comparativa, fosse desconsiderado e substituído pela especialização das
indústrias e por economias de escala, já que
“A especialização intraindustrial e a geração de economias de escala permitem que
países, mesmo tendo estruturas industriais concorrentes, se beneficiem do comércio
internacional. Consequentemente, num mundo em que a alocação da produção não
segue mais de forma exclusiva a regra das vantagens comparativas, a regulação dos
fluxos de comércio não pode ser contestada como estratégia de política econômica.”
(MACHADO, 2000, p. 28)
43
De tal modo que a inserção no mercado internacional permita ser mais eficiente a
produção dos países, tornando a forma de integração mais coesa, já que as economias de
escala auxiliam na redução de custos.
Ao passo que desencadeia um estreitamento de relações, o processo de
integração cria também um antagonismo entre os Estados-membros, uma vez que se
deparam com diversidades, desigualdades, tensões e contradições entre si. Os conceitos
de países centrais e periféricos, de norte e sul, industrializados e agrários vão se
reformatando e adquirindo novas acepções; no entanto, tais conceitos ainda vigoram e
favorecem o domínio dos Estados-potências.
Levando em consideração que a vertente tradicional do comércio internacional,
anteriormente citada através do modelo das vantagens comparativas proposto por David
Ricardo, foi gradualmente substituída pelo argumento protecionista das indústrias, a
teoria do desenvolvimento, proposta inicialmente por Joseph Schumpeter, surge como
um arcabouço explicativo para o comércio internacional configurado em blocos na
atualidade: A segunda vertente, disposta depois por outros teóricos, explica, portanto,
que as vantagens comparativas não eram mais estáticas, mas sim dinâmicas, isto é, a
integração econômica “entre países em desenvolvimento seria um instrumento para
viabilizar escala mínima de produção para aprofundamento do processo de substituição
de importações” (PRADO, 1997). Assim, a alocação de recursos adequada ao modelo
econômico torna o sistema complexo, porém voltada ao aperfeiçoamento industrial
interno, melhorando a infraestrutura produtiva dos países e desenvolvendo as indústrias
de base.
Tal reflexão possui fundamental importância para a análise do surgimento do
MERCOSUL, seus desdobramentos e sua influência no cenário internacional atual; que,
em suas particularidades, diferenciam-se do modelo europeu de integração; análise que
os tópicos subsequentes se dedicam a explicar.
3. As formas de Integração Econômica: uma análise da criação do MERCOSUL
Num breve panorama, o aprofundamento da integração econômica acarretará
num compartilhamento de soberanias nacionais, destacando o grau de complexidade das
relações político-econômicas que o processo de integração vivencia. Nesse sentido, as
formas de integração, pressupondo os mais diversos graus de envolvimento econômico
44
e político, podem assumir sete etapas básicas e distintas, sendo elas, segundo Machado
(2000):
I.
II.
Zona Preferencial de Comércio
Zona de Livre Comércio
III.
União Aduaneira
IV.
Mercado Comum
V.
União Econômica
VI.
VII.
Integração Econômica Total
União Política
Ainda segundo Machado (2000), da primeira à sétima etapa, os níveis de
integração se tornam mais coesos através da total ou parcial eliminação de barreiras
alfandegárias através de concessões mútuas ou não de redução de alíquotas; da adoção
de uma Tarifa Externa Comum (TEC); da supressão dos empecilhos para a troca de
fatores de produção e mercadorias; da busca pela convergência nos instrumentos de
política fiscal, trabalhista, comercial e financeira; da adoção de critérios comuns para as
políticas em âmbito nacional, principalmente em questões de paridades cambiais e de
conversibilidade das moedas; da criação de uma moeda una gerida por um banco
regional e independente; e, por fim, da instituição de uma Federação de Estados com
autoridade política unificada.
Num breve recorte histórico, observa-se que a criação do Mercado Comum do
Sul, ambientada nos anos 90, apresenta-se como um caso excluso à Teoria da Integração
Econômica definida nos anos 50. As duas principais vertentes propostas legitimavam o
processo de integração europeu, no entanto, não conseguiram explicar ou adequar seus
conceitos às necessidades do Cone Sul ao final da década de 80, ao que descreve Luís
Carlos Prado:
“(...) os projetos de integração propostos nas duas décadas posteriores à Segunda
Guerra eram entendidos por seus formuladores como instrumento político para a
construção de estratégias regionais de desenvolvimento econômico e de construção
de suas vantagens competitivas. Embora a criação de comércio, em decorrência de
reduções tarifárias fosse o principal objetivo da integração, esta era vista como uma
forma de ampliar a escala de produção, para viabilizar uma estratégia de
desenvolvimento que não era passível de ser implementada no espaço econômico de
cada país isoladamente. Este era um projeto político com implicações econômicas, e
não um second best para negociações multilaterais.
45
Essa estratégia foi bem-sucedida na Europa e fracassada na América-Latina. A
integração europeia imaginada na década de 50 era limitada à Europa Ocidental,
forjando-se no contexto político e econômico da Guerra Fria.” (PRADO, 1997, p.
279)
Ao contrário do processo integrador europeu, a América Latina presenciou, nos anos 80,
a “incapacidade de criar um modelo estável para a formação de uma simples área de
livre comércio” (PRADO, 1997). O sentimento de concorrência entre os países latinoamericanos no que tange o comércio de produtos primários e o entendimento de que a
industrialização seria destinada a suprir a demanda do mercado interno resultaram no
fracasso das políticas de integração vigentes nessas décadas. As dificuldades
experimentadas pelos países sul-americanos em meados da década de 80, internalizadas
em uma profunda crise econômica provocada pelas elevadas taxas inflacionárias e pelas
altas taxas de juros cobradas pelos estadunidenses, contextualizaram a adoção de
políticas de liberalização unilaterais pelos países da região. A abertura de capitais e as
reformas comerciais fizeram crescer um novo sentimento integracionista que culminou
no Tratado de Assunção, esse que legalizou a criação da integração do Cone Sul.
As insatisfações em relação às resoluções do GATT e a necessidade de
dinamização das economias em desenvolvimento afetadas pela crise (PRADO, 1997,
adaptado) foram essenciais para fundamentar o movimento de integração dos Estados
sul-americanos. O estreitamento de relações Brasil-Argentina, primeiramente num viés
essencialmente político, teve início com a assinatura do PICE (Programa de Integração
e Cooperação Econômica), em julho de 1986, subseguido por diversos outros, sob a
égide da ALADI. A queda dos regimes militares e a redemocratização dos governos
vivenciadas pela América Latina favoreceu a cooperação nas negociações bilaterais,
reforçando, mais adiante, a necessidade da retomada do discurso integralista.
A decisão de reforçar as relações Brasil-Argentina foi firmada nos anos 90, com
a assinatura da Ata de Buenos Aires, um marco importante que fixou em 31 de
dezembro de 1994 a data de criação de uma união aduaneira. O Tratado de Assunção,
assinado em 1991, retira o caráter bilateral da negociação e o substitui pela
multilateralidade das negociações com a entrada do Paraguai e Uruguai ao acordo. A
estrutura seria claramente intergovernamental, “com o estabelecimento de órgãos
compostos por representantes dos poderes executivos dos Estados membros e sistema
de tomada de decisão por consenso.” (COUTINHO et al., 2007); órgãos estes: o Grupo
Mercado Comum (GMC) e o Conselho do Mercado Comum (CMC). Ao CMC eram
46
delegadas as decisões políticas para a constituição do bloco e ao GMC, a função
fiscalizadora do cumprimento do tratado. A estrutura fora ampliada com o Tratado de
Ouro Preto, em 1994 e em 1993, com o Protocolo de Brasília, o sistema de solução de
controvérsias foi implantado. A fase de criação do MERCOSUL foi amplamente
influenciada pelo aumento no volume de transações comerciais entre seus Estadosmembros. Em 1991, o volume era de, aproximadamente, U$10.201 milhões; em 1992, o
montante aumenta para U$14.497 milhões (CONSTANTINO et al., 2007).
A integração do Cone Sul, não explicada pelas vertentes da Teoria da Integração
Econômica anteriormente mencionada, estruturou-se, segundo Luís Prado (1997),
através de um regionalismo aberto, uma tentativa de implementar uma cultura de
comércio entre os países da região sem pretensões de normatizações supranacionais. Ao
citar Gert Rosenthal, então Executivo da CEPAL, revela sobre o regionalismo aberto
que
(...) [é] um processo de crescente interdependência econômica a nível regional,
impulsionado tanto por acordos preferenciais de integração, como por ouras
políticas em um contexto de abertura e desregulamentação, com o objetivo de
aumentar a competitividade dos países da região e de constituir, na medida do
possível, um estímulo a uma economia internacional mais aberta e transparente"
(CEPAL, 1994 apud PRADO, 1997, p. 290)
Partiu-se então da premissa de que o regionalismo aberto seria formado pelos Acordos
de Complementação Econômica, representando o que seria dito como “acordos de nova
geração”. Em suas especificidades, o Regionalismo Aberto prevê uma Tarifa Externa
Comum cautelosa, no início da integração:
“Nesse caso, diferentemente das teorias tradicionais de integração econômica, esse
processo depende menos dos aspectos comerciais da integração e mais dos seus
efeitos sobre as decisões de investimento (...) Isto é, a dinâmica desse processo
move-se da integração formal para a integração informal” (PRADO, 1997, p. 291)
De maneira que as decisões institucionais (formais) influíam nos padrões de decisão das
relações estabelecidas levando em conta os aspectos sociais, de mercado, tecnologia e
comunicação (informais). Na perspectiva de criação do bloco, o Regionalismo Aberto
busca “conciliar dois fenômenos: a crescente interdependência regional resultante dos
acordos preferenciais e a tendência do mercado em promover a liberalização comercial”
(CORAZZA, 2006), tentando, a grosso modo, convergir as políticas de liberalização
internas ao bloco às políticas de liberalização praticadas a países terceiros. Privilegia,
47
assim, o processo de superação do modelo de substituição de importações através da
diversificação da estrutura produtiva.
Entre 1998 e 2002, o MERCOSUL vivenciou uma fase de crise nas negociações
internacionais, influenciada pela crise interna pela qual os Estados passavam. A posição
institucional do bloco, entretanto, manteve-se mesmo perante as dificuldades e em
2003, a modificação no patamar político (principalmente com a ascensão de Lula e
Néstor Kirchner ao poder) auxiliou na retomada das negociações de integração. A partir
de então, o MERCOSUL consolida-se como um fator importante à política externa dos
Estados-membros, adicionando ao seu caráter comercial as perspectivas de integração
não somente social, mas também física.
4. Perspectivas e desafios: os dilemas do MERCOSUL
A terceira fase experimentada pelo Cone Sul (após 2003 e a revitalização das
negociações) representou para a integração o marco da estabilidade. A expansão das
exportações intra-bloco representava – e ainda representa – uma considerável fatia do
volume de exportação dos países, demonstrando que a integração comercial regional
está cada vez mais consolidada. Os desafios enfrentados pelo MERCOSUL na
atualidade, no entanto, ainda não são totalmente distintos dos experimentados nos anos
90: os esforços para que as estratégias aplicadas produzam resultados que expandam as
fronteiras da integração, com a atração de novos investimentos e a consolidação como
sede produtiva de bens e serviços especializados, e possam tornar o bloco política e
estrategicamente relevante, ainda persistem.
O bloco vivencia uma mudança de paradigmas voltada a desenvolver a
consistência da integração, materializando-a de maneira não somente institucional como
também física; ou seja,
“(...) um modelo regionalista estrutural, voltado mais para aspectos físicos,
energéticos, institucionais e sociais, está sendo aos poucos construído. Embora essa
mudança seja lenta, seus sinais já são perceptíveis, o que não significa dizer que os
esforços comerciais tenham sido de todo abandonados frente às dificuldades
políticas e assimetrias econômicas.” (COUTINHO et al., 2007, p. 39)
Tal consistência deve superar as divergências de interesses particulares e, mesmo com a
semelhança entre as estruturas produtivas dos países, ao longo do tempo, ainda não
48
evoluíram de maneira prática e clara. Os benefícios da integração só serão expandidos
quando houver um comprometimento coeso de todos os agentes macro e
microeconômicos, convergindo para o aprofundamento das relações comerciais, sociais,
financeiras, tecnológicas e comunicativas. Baumann e Mussi (2006) apontam que
“A teoria e a experiência histórica indicam ainda que processos de integração são
tanto mais sustentáveis ao longo do tempo quanto mais decisivos forem os ajustes
internos de cada país para permitir a convergência com seus pares. Esses ajustes
envolvem mudanças de normas, legislações, instituições e práticas, de modo que
pressupõem vontade política. (BAUMANN et al., 2006, p. 27)
Isto é, a deliberação política dos países em prol da integração favorece o
desenvolvimento da consistência do bloco, interconectando economias de modo que os
ganhos absolutos elevem-se e as transações comerciais diversifiquem-se. Na atualidade,
os desafios ao futuro do MERCOSUL perpassam a cessão parcial de soberania em prol
das benesses da atuação em bloco, partindo do princípio de que os interesses
particulares dos Estados comporão os interesses unificados da integração e não se
sobressairão.
Tal entendimento prevê que os interesses passam não mais a serem individuais
dos Estados, mas coletivos, observando que a atuação em conjunto no sistema
internacional fortalece a atração de investimentos e proporciona o desenvolvimento
interno das economias dos países signatários. A ação coletiva coesa e consistente é o
maior desafio das integrações: o alinhamento dos desejos políticos e econômicos ainda
enfrenta e enfrentará muitos percalços ao longo do tempo.
5. Considerações Finais
Este artigo se prontificou a analisar e debater a Teoria da Integração Econômica,
proposta nos anos 50, avaliando o arcabouço teórico que fundamentou a integração do
Cone Sul nos anos 90. A integração parte do princípio de que a cooperação política e
comercial entre Estados traz benefícios ao desenvolvimento de suas economias internas,
e, na medida em que se aprimora e aprofunda, ela reduz as barreiras aduaneiras, permite
a livre circulação de bens e serviços, estimula as relações comerciais entre os países
membros e, principalmente, fortalece o elo identitário que conecta a integração. No
Cone Sul, o final dos anos 80 contextualizou a insurgência do sentimento regionalista,
49
primeiramente pensado num viés político e, com o passar dos anos, transformado em
um aprofundamento das interconexões físicas, sociais, tecnológicas e comunicativas.
No entanto, tal aprofundamento ainda está distante da coesão comparada à
outras integrações, como a União Europeia. O status de união aduaneira do
MERCOSUL (mesmo titulando-se Mercado Comum) traz diferentes opiniões acerca do
estágio da integração, refletindo se a livre circulação de trabalhadores e as várias
reformas tarifárias são, de fato, benéficas aos interesses dos Estados. Os problemas
domésticos vivenciados pelos Estados ainda muito influenciam a estabilidade
econômica do bloco, o que permite que outros tipos de acordos bilaterais alheios à
integração ainda sejam feitos, buscando garantir a liquidez nas negociações. A
assimetria econômica dos países membros ainda é um impasse a ser transposto.
A estruturação do MERCOSUL pode ser atribuída a um contexto de afirmação
das potências emergentes, garantindo o poder de barganha dos países sul-americanos
frente às grandes potências da atualidade.
O Regionalismo Aberto foi tratado como uma nova vertente teórica para
fundamentar a construção do bloco regional sul-americano, diferenciando-se das teorias
clássicas que basearam a formação da União Europeia. Trata-se de uma perspectiva que
busca conciliar as crescentes liberalizações comerciais e as interdependências regionais.
Dessa forma, o MERCOSUL surge como a materialização do desejo sul-americano de
desenvolvimento da indústria doméstica, elevando as relações comerciais, dantes
praticamente ignoradas, entre os países da região.
Assim sendo, o MERCOSUL afirma-se no contexto das potências emergentes,
consolida, ainda que a lentos passos, a identidade sul-americana e, principalmente,
possibilita a inserção de economias menores no contexto internacional a partir do poder
de barganha, esse proporcionado pelo alto volume das transações comerciais e,
consequentemente, pelas taxas de lucratividade em ascensão nos últimos anos.
REFERÊNCIAS
ARAUJO, J. Reestruturação Industrial e Integração Econômica: as perspectivas do
MERCOSUL. Rio de Janeiro: R. Bras. Econ., Vol. 47 (1): 97-113. Disponível em:
50
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/view/571/7918>. Acesso em 22
abr. 2014.
BAUMANN, R; MUSSI, C. MERCOSUL: Então e Agora. CEPAL: LC/BRS/R.159,
Maio 2006.
BRAGA, M. Integração Econômica Regional na América Latina: uma interpretação
das contribuições da CEPAL. Economia USP, 2001. Disponível em:
<http://www.anpec.org.br/encontro2001/artigos/200101161.pdf>. Acesso em 20 abr.
2014.
CORAZZA, G. O "regionalismo aberto" da CEPAL e a inserção da América Latina na
globalização". Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 1, p. 135-152, maio 2006.
Disponível em: <http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/2114/2496>.
Acesso em 22 abr. 2014
COUTINHO, M; HOFFMANN, A; KFURI, R. Raio-X da Integração Regional. Estudos
e Cenários: Observatório Político Sul-Americano. Rio de Janeiro, mai. 2007. Disponível
em: <http://plataformademocratica.org/Publicacoes/22076_Cached.pdf>. Acesso em 20
abr. 2014.
HUGUENEY, C; CARDIM, C. Grupo de reflexão prospectiva sobre o MERCOSUL.
Fundação Alexandre de Gusmão, 2002.
MACHADO, J. B. MERCOSUL: Processo de Integração: Origem, evolução e crise.
São Paulo, Ed. Aduaneiras Ltda., 2000, Cap. 1, p. 19-58. Disponível em:
<http://www.ie.ufrj.br/hpp/intranet/pdfs/machado_j._b._teoria_da_integracao_2000_1_.
pdf>. Acesso em 15 abr. 2014.
MENEZES, Alfredo. Integração regional: os blocos econômicos nas relações
internacionais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
MRE – FUNAG. A América do Sul e a integração regional. Brasília: FUNAG, 2012.
250 p.
PINTO, M. A área de livre comércio das Américas e os interesses da União Europeia
na América Latina. Tese de Doutorado – Escola de Economia e Gestão, Universidade
do Minho, Braga. 2004. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1822/866>. Acesso em
18 abr. 2014.
PRADO, L. MERCOSUL como opção estratégica de integração: notas sobre a teoria de
integração e estratégias de desenvolvimento. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p.
276-299, 1997.
REZENDE, F; OLIVEIRA, F. Federalismo e integração econômica regional: desafios
para o MERCOSUL. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2004.
51
VIGEVANI, T; FAVARON, G; JUNIOR, H; CORREIA, R. O papel da integração
regional para o Brasil: universalismo, soberania e percepção das elites. Rev. Bras. Polít.
int. 51 (1): 5-27 [2008]. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v51n1/a01v51n1.pdf>. Acesso em 20 abr. 2014.
52
BRAZIL AS A SEMI-PERIPHERAL COUNTRY:
The dual position of trade in services of higher education
The dual position of trade in services of higher education
Maxwill M. S. A. Braga
MA in Education and Globalization from the University of Oulu, Finland
BA in International Relations from the University of Brasilia, Brazil
[email protected]
Felipe M. S A. Braga
BA in Economics from the Federal University of Minas Gerais, Brazil
BA in Public Administration from Fundação João Pinheiro, Brazil
[email protected]
Resumo: Este artigo discute a dupla posição do Brasil em relação ao comércio de
serviços de ensino superior. Considerando competidores globais, o Brasil tem uma
posição defensiva e não faz compromissos em serviços de ensino superior no âmbito do
Acordo Geral de Comércio de Serviços da Organização Mundial do Comércio
(AGCS/OMC). Ao contrário, quando se considera o mercado dentro do Mercosul, o
Brasil tem um papel construtivo, com o objetivo de estimular a livre circulação de
pessoas, a fim de construir um mercado comum. Por isso, o Brasil não impôs restrições
em três de quatro modos de oferta de serviços de ensino superior no Protocolo de
Montevidéu, instrumento análogo ao AGCS/OMC dentro do Mercosul.
Abstract: This article discusses the dual position of Brazil in relation to trade in
services of higher education. When taking into account global competitors, Brazil has a
defensive position and makes no commitment in services of higher education under the
framework of the General Agreement of Trade in Services of the World Trade
Organization (GATS/WTO). Contrariwise, when considering only Mercosur market,
Brazil has a constructive role, aiming to stimulate the free flow of people in order to
build a common market. Therefore, Brazil did not impose restrictions in three out of
four modes of supply of higher education services in the Montevideo Protocol, analog
instrument of GATS/WTO within Mercosur.
1. Introduction
In the global level, Brazil has a defensive position by making no commitments
of liberalization of trade in educational services under the framework of the General
53
Agreement on Trade in Services of the World Trade Organization (GATS/WTO). On
the other hand, in the regional level, Brazilian foreign policy in Mercosur negotiations
under the framework of the Montevideo Protocol has an enthusiastic approach by
setting no limitations on three out of four modes of supply of trade in higher educational
services. In order to discuss this dual position, we use Wallerstein´s World-Systems
Theory´s concept of semi-peripheral country.
The findings of this research are based on the analysis of official documents of
Mercosur and interviews with leaders of key Brazilian state and non-state institutions.
With the intention to subsidize the discussion, this article presents a summary of the
literature review and the main concepts of Wallerstein`s World-Systems Theory. At the
end, this article explains the rationales behind the dual position of trade in higher
education services.
2. Background information
The global debate about liberalization of services in higher education (HE) is
related to the expansion of enrolment in higher education. Delanty (2004) explains that
the expansion of higher education was boosted by the welfare state, which realized that
a knowledge-based society would be the foundation element of a competitive economy.
The majority of developed countries subsidized the growth of public universities and
other forms of higher education institutions (DELANTY, 2004, pp. 241-44). Before the
welfare state, higher education institutions (HEI) were overrepresented by people from
economic and political elites. After the 1929 crisis, this situation started to collapse;
higher education was not exclusive to powerful and wealthy elites any longer. In the last
decades, the expansion of higher education did not happen only because of the growth
of places in traditional university institutions, but also due to the diversification of HEIs.
Other forms of tertiary education institutions emerged, such as university centers,
branch campuses, franchise, twinning arrangements, e-learning, and virtual universities
(KNIGHT, 2002, p. 210).
One important point to consider while talking about the expansion of HE is the
role of regional integration, because of its responsibility in intensifying the flow of
students, teachers, researchers, institutions, and programs. The Bologna Process which
54
culminated in the European Higher Education Area (EHEA), in 2010, is the best
example. EHEA creates the structure to facilitate the process of people and knowledge
exchange, through standardization, such as the European Credit Transfer and
Accumulation System (ECTS). This structure allows the elaboration of programs that
involve a compulsory exchange or a joint degree course. There are students, teachers,
and researches enjoying the experience of studying, teaching, and researching abroad
via a variety of programs, such as Erasmus. The idea of the EHEA is influencing similar
initiatives in different regions of the world. For instance, Mercosur very often mirrors
the European Union as an ideal example of regional integration. This broad view is
important to understand the trends in Mercosur in boosting the internationalization of
HE in South America. In 1991, Argentina, Brazil, Paraguay and Uruguay signed the
Treaty of Asuncion creating Mercosur. These countries share values of democracy,
sustainable growth, human right, and equity. Other countries from South America are
associated states, however the commitments in trade in services of higher education can
happen only between member states16. The main objective of Mercosur is the
integration of its member states via free circulation of goods, services and factors of
production. Mercosur is also based on harmonization of legislations and on the adoption
of a common trade policy via implementation of the same tariffs to states outside the
economic bloc. Mercosur Parliament, Parlasur, is in process of consolidation, which
will have regional legislative power like the European Union Parliament.
In addition, it is worth to clarify that internationalization of higher education
happens in two ways: (i) trade strategy represented by all initiatives based on trade,
which the General Agreement on Trade in Services (GATS) and Montevideo Protocol,
Mercosur analog instrument of liberalization are grounded on, and (ii) non-trade
strategy represented by all initiatives, especially cooperation, that promote
internationalization of HE without using trade mechanisms. This article discusses only
the trade strategy of internationalization of higher education.
3. World-Systems Theory concepts of core-periphery and semi-periphery
16
More information about Mercosur is available at <http://www.sic.inep.gov.br/es-ES/mercosuleducacional>.
55
The theoretical framework is based on Wallerstein´s World-Systems Theory
(WST) to explain the concepts of core-periphery and semi-periphery which will be used
to discuss the semi-periphery position of Brazil in relation to trade in educational
services.
Core-Periphery is a relational concept, hence it can only be explained together.
The core is responsible for production processes - usually with some degree of
monopolization supported by core-states - that generate more capital and profit. The
periphery is responsible for production processes that aggregate less value, thus
generating less profit (WALLERSTEIN, 2005, p. 93). The classification of a country as
core or periphery depends on the degree of profitability of its production processes.
Since profit depends on the degree of monopolization, core countries are basically those
that have states that can support the creation of quasi-monopolies. On the other hand,
peripheral production processes are truly competitive; hence the profit margin is very
low. Dependency Theory urges that international trade is not trade between equals, but
that there is an unequal exchange between core and periphery, because the core products
have a stronger position,
while peripheral
products
have a
weaker one
(WALLERSTEIN, 2005, pp. 28). It is not possible to generalize what kind of goods or
services represent core or periphery economical activities. It depends on the space/time
context. In the 18th century, textiles were core-like product monopolized in UK, in the
20th century it is a truly competitive good produced all over the world, hence a
peripheral product. Currently a simplistic example of core products are those based on
high-technology and biogenetics, while peripheral products are raw materials.
In reference to the Semi-Periphery concept, there are no semi-peripheral
products, as there are core-like and periphery-like products in specific historical
contexts. A semi-periphery country has an even distribution of production processes; it
exports core-like products to the peripheral zones and exports periphery-like products to
core zones. Semi-periphery countries can be the result of the rise of a peripheral country
or the decline of a core one (WALLERSTEIN, 2005, p. 97). Brazil is an example of
semi-peripheral country. In general, Brazil exports advanced products to periphery
countries, such as machines and equipment, and exports products with low added value,
for example, food, beverages, minerals, and clothing to core countries.
56
4. Presenting and analyzing the discourses about trade in services of higher
education
With the purpose of finding the resultant vector of the complex debate around
liberalization of trade of higher education services, we interviewed the main figures of
state and non-state actors (Table 1). Clearly the main trend in Brazilian rationale is
against liberalization of trade in services under GATS/WTO framework, but at the same
time most actors are enthusiast to promote liberalization in Mercosur to incentive the
flow of people within the region. Table 2 and 3 present the positions and rationales of
Brazilian state and non-state actors in relation to trade liberalization of HE under
GATS/WTO framework.
Table 1 – List of people representing the key state and non-state institutions
Post and
Name
Conselheira
Almerinda
Almeida de
Carvalho
Code
Institution
Positions
DCE/MRE_01
Division of Educational
Themes/Ministry of Foreign
Affairs (DCE/MRE)
Current Coordinator of DCE/MRE.
MRE_02
Ministry of Foreign Affairs
(MRE)
Diplomat of MRE&
Civil Servant of MRE
Two
interviewees
SESu/MEC_03
Secretariat of Higher
Education/Ministry of
Education (SESu-MEC)
CE/Senate_04
Senate Commission of
Education, Culture and Sports
(CE-Senate)
Ex- Rector of University of Viçosa
(2008-11);
Responsible for SESu/MEC (2011);
Current President of INEP.
Ex-Rector of University of Brasilia
(1985-1989);
Ex-Minister of Education (2003);
Current member and ex-President
of CE-Senate.
SCS/MDIC_05
Secretariat of Trade and
Services/ Ministry of
Development, Industry and
Foreign Trade (SCS/MDIC)
Current Coordinator of Trade in
Services.
&
Specialist in service negotiation.
Forum of Brazilian University
Offices for International
Relations (FAUBAI)
Brazilian Association of
Rectors of Federal
Universities (ANDIFES)
Brazilian Association of
Private Higher Education
Maintainers (ABMES)
Current FAUBAI President;
Current Assessor of Exterior
Relations of UNESP.
Secretário
Luiz
Claúdio
Costa
Senador
Cristovam
Ricardo
Calvacanti
Buarque
Sr. André
Marcos
&
another
interviewee
Sr. José
Celso Freire
Junior
Sr. João
Luiz
Martins
Sr. Gabriel
Mario
Rodrigues
FAUBAI_06
ANDIFES_07
ABMES_08
ABRUC_09
Brazilian Association of
Rectors of Communitarian
Universities (ABRUC)
Current President of ANDIFES;
Current Rector of UFOP.
President of ABMES;
Rector of Anhembi Morumbi.
Executive Secretary of ABRUC.
57
Sr. José
Carlos
Aguilera
Form of
interview
in person
in person
in person
in person
in person
e-mail
phone
in person
in person
UNE_10
National Higher Education
Student Union (UNE)
3rd vice-president of UNE
General Coordinator of student
academic center/UnB.
ANDES-SN_11
National Higher Education
Teacher Union (ANDES-SN)
President of ANDES-SN (2004-06
and 2010-12)
Professor_12
International Relations
Department of UnB
Academic Specialist in themes of
International Relations and Higher
Education
Sr. Jonatas
Moreth
Sra. Marina
Barbosa
Pinto
Professor
Tania
Manzur
in person
in person
e-mail
Source: Own elaboration.
Table 2 – Position of Brazilian state actors in relation to trade liberalization
of higher education under GATS/WTO framework
Actors
Position


SESu/
MEC
Against
GATS



DCE/
MRE
Against
GATS





MRE
(other
divisions)
ProGATS



SCS/
MDIC
ProGATS
CE/
Senate
No
position
(Senate
house)
and
Against
(PDT
party)




Rationale
Education is not a commodity. It is about a country’s development,
autonomy, sovereignty, people’s education, knowledge and research;
This government does not consider HE becoming a bargaining chip in the
Doha negotiations;
“GATS may pressure the state to loosen up quality criteria and control
mechanisms” (CESCA, 2008, p. 57);
“Poor quality institutions may enter and competition may lower the
quality of education” (Ibid.).
GATS is not a hot topic in the meetings DCE participates, because of the
clear understanding of education as a public good;
Constitutional guideline affirming education as a public good;
“GATS over-rules national legislation, so Brazil would have to adjust its
internal regulations accordingly” (Ibid.);
“Education legislation is not stable enough to sign an international
agreement on the sector” (Ibid.);
“GATS text is ambiguous and open for discretionary interpretation”
(Ibid.).
The diplomats in this division would find positive the authorization of
MEC to negotiate education under GATS framework, because it would
provide us room for maneuver to achieve agreements on agriculture and
industry;
“Countries can protect themselves by including limitations in their
commitments” (Ibid.);
“Fosters competition and may increase the offer and quality of education”
(Ibid.);
“The country is protected if the service is well regulated internally”
(Ibid.).
If the negotiation was approved by MEC, education could become a
“bargaining chip” in the agriculture and industry negotiation;
Recognize that the caution with education is not unreasonable.
Each political party has a position. The congress has no approved position
regarding HE and GATS. The CE-Senate has never debated about
education negotiation under GATS either;
The PDT party (senator’s party) has no sympathy with the liberalization
but does not refuse to debate it. PDT party thinks that GATS leads to an
internationalization that weakens the defense of education according to
national interests.
Source: Own elaboration.
58
Table 3 – Position of Brazilian non-state actors in relation to trade
liberalization of higher education under GATS/WTO framework
Actors
Position
FAUBAI
No
position
ANDIFES
Against
GATS
ABMES
No
position
ABRUC
UNE
No
position
Against
GATS







ANDES-SN
Against
GATS

Rationale
It is difficult to reach a consensus due to the heterogeneity of the
association composed of federal, state, for-profit and nonprofit HEIs.
Besides, the forum has never debated the topic.
We condemn privatization in relation to education due to our
understanding that it is not a commodity, but a social investment, a
public good.
In practice liberalization is happening, but has not caused big impacts.
Hesitation in case of sudden liberalization causing big competition of
national providers with foreign providers.
The association does not have a position. The function is to support the
autonomy of each communitarian HEI to promote the debate about it.
GATS treats education as a service, which is contrary to UNE’s strategy,
which is a public, free and democratic university.
All analytical construction up to this moment synthesizes a position
against GATS, but there is no congressional decision raising hands
against it.
GATS has the tendency to crystalize unequal processes, less qualified
systems, strengthen the private sector. It does not strengthen the public
sector to overcome national ills.
Source: Own elaboration.
59
5. The position of Brazil in relation to trade in services of higher education in
Mercosur
This section presents the current stage of trade in services of higher education in
Mercosur, the Montevideo Protocol. The discourse is not only from Mercosur entities,
but also from Brazilian national actors about Mercosur.
According to Neto (2010, pp. 102-117), the Montevideo Protocol, Mercosur
instrument to negotiate services, has the same principles and rules as GATS, such as
most favored nation, transparency, domestic regulation, market access, national
treatment, and list of commitments in horizontal and vertical sections. Santos and
Domini (2010, n.d.) stress that the inclusion of education as a service under
GATS/WTO has strengthened the tendency of internationalization of HE in Latin
America, but also has increased the processes of privatization and commodification in
the region.
The tables below show the commitments of Argentina, Brazil, Paraguay and
Uruguay in higher education services in Mercosur. The horizontal section is used by the
countries to present the limitations for all services of a particular sector and its
respective subsectors. The liberalization of trade in services occurs when a country does
not impose any restriction to a service provider, by writing “none”, which means that
the government makes a commitment that it will not have any limitation and does not
intent to raise any limitation to foreign supply for that specific service in the future. The
term “unbound”, meaning the opposite of “none”, indicates that the country can raise
any restriction in the future. The countries are also allowed to use the list to clarify the
degree of liberalization by adding exceptions. It is important to mention at this point, as
a comparison analysis, that Argentina, Brazil, Paraguay and Uruguay have no
commitments on CPC17 923 Higher Education services on GATS/WTO.
Analyzing the tables of commitments, it is clear that Brazil has made more liberalization
commitments than the other Mercosur countries. According to Neto (2010, p. 147),
Brazil has a constructive and protagonist role in the rounds of negotiation in services
and is not only attentive to its individual interests, but also to the interest of Mercosur
17
CPC stands for Central Product Classification (CPC), WTO uses this nomenclature to classify 12 types of
th
services, education is the 5 service, and Higher Education services are classified under the label CPC
923.
60
member countries and the process of integration. This protagonist role can be identified
with bigger number of commitments liberalizing education as well as the fact that the
Mercosur Educativo website is hosted in a “.br” domain. Uruguay and Paraguay have
been ambitious in the demands for Brazil liberalization, but have made few
commitments themselves. Argentina does not have the same enthusiasm for the
negotiation in services in general as all the others, but is the second one, after Brazil,
with more commitments in HE services.
Table 4 – Brazilian higher education commitments in Mercosur
61
Table 5– Argentinean higher education commitments in Mercosur
Table 6– Uruguayan higher education commitments in Mercosur
Table 7 - Paraguayan higher education commitments in Mercosur.
62
In the list of commitments in educational services, in Mercosur, considering
inscriptions as “none” and “non-consolidated”, respectively, Brazil has 42 and 22,
Argentina has 18 and 44, Paraguay 22 and 42, Uruguay 16 and 48 (Neto, 2010, p. 133).
Hence, Brazil is much more keen to liberalize services in education than the other
Mercosur members. Considering the total exportation of all Brazilian service sectors, in
2007, Latin America without Mercosur countries corresponded to 2.2%, Mercosur
corresponded to 1.8%, European Union 22.9%, USA 53.6% and others 19.5% (Neto,
2010, p. 67). Considering total exportation in goods and services, Brazil has never
exported more than 15% in services, although Brazilian economy is based around 70%
on services, 20% on industry and 10% on agriculture (Neto, 2010, pp. 58-59). This
information corroborates that the Brazilian rationale towards Mercosur is explained
more by the integration than economic goal, since Mercosur is a very small commercial
partner. According to Neto (2010, p. 145), the liberalization of trade in services in
Mercosur is inserted in a project of deep integration aiming to construct a Common
Market, characterized by free movement of goods, services, capital and labor, as well as
policy coordination and legislation harmonization.
The national actors saw no contradiction of having a rationale against GATS in
the global level and at the same time negotiating education as a service on Mercosur.
ANDIFES’ president confirmed that Brazil, since 1990s is trying to construct an
integration area and liberalization of HE, and the University of Latin America
Integration (UNILA) is a great example of the desire of Brazil to approximate the
Mercosur peoples (Interview ANDIFES_07). Tânia Manzur, professor of International
Relations at the University of Brasilia and specialist in HE research, also affirmed that
63
the Brazilian government views a direct correlation between service liberalization and
the regional integration project (Interview Professor_12).
According to MRE diplomats “Brazil has the ambition to deepen the regional
integration, creating a free movement of goods and people, like the European Union.
The goal is to completely liberalize services by 2015” (interview MRE_02). Foreign
trade analysts informed that the Brazilian trade foreign policy considers WTO as the
bottom and Mercosur as the ceiling of negotiation in services (Interview SCS/MDIC).
The counselor of DCE, when asked about the Brazilian different position on the
regional level, just said that Brazil is more flexible in relation to Mercosur (Interview
DCE/MRE_01).
The Brazilian state actors defend that the liberalization of trade in services of HE
is part of a broader project of Mercosur integration (Interviews DCE/MRE_01,
MRE_02, SCS/MDIC_05).
When asked the counselor of DCE/MRE if the trade
strategy of internationalization of higher education in Mercosur contradicted the
Brazilian state understanding of higher education as a public good, she limited her
explanation to answer that in the case of Mercosur this issue is more flexible (Interview
DCE/MRE_01). The president of association of federal universities affirmed that the
government did not consult their position in relation to Mercosur. Although, he agreed
with the project of integration, he was against the trade strategy because it stimulates
privatization (Interview ANDIFES_07). This position of ANDIFES is consistent with
the Porto Alegre letter declaration written in 2002 in the occasion of Rectors of Public
Ibero-American Universities summit, which considered higher education a public good
and demanded their governments not to subscribe commitments under GATS/WTO.
UNE and ANDES-SN are also against the trade strategy in Mercosur, because of their
clear defense of education as a public good (Interviews UNE_10 and ANDES-SN_11).
6. Conclusion
The use of the WST’s concept of semi-periphery explains vastly the Brazilian
position in relation to internationalization of higher education. Brazil as a semiperipheral country assumes core or periphery roles depending on the situation. In the
case of Mercosur, the Brazilian nation-state identify that its sovereignty, economic
development, national culture are not threatened with liberalization with other members
64
of Mercosur. Hence, the protagonist and constructive role in supporting the
implementation of Montevideo Protocol to liberalize trade in HE services in Mercosur
aiming full integration.
The trade within Mercosur is not significant when compared to the amount
Brazil trades with Europe, North America, China; although it is not possible to discard
that Brazil has economic interests in the area too. Most of the actors justified
liberalization as a required step to promote integration. However, some national actors,
for instance ANDIFES, SCS/MDIC, MRE, confirmed the rationale that Brazil claims a
leading role in South America and even Latin America as a regional power. Brazil starts
with consolidating its influence in South America, then spreading it to Latin America.
In sum, in Latin America, Brazil aims to exercise a core-like role and have other
countries playing periphery-like roles.
Nevertheless, in the trade liberalization of HE services on the global level under
GATS/WTO framework, Brazilian state (in the current government) and non-state
actors have a resulting solid position against it. In comparison with the global
competition in higher education, Brazilian actors identify its own weaknesses and then
feel that its sovereignty, economic development and culture is under threat in case of
liberalization. SESu/MEC, DCE/MRE, the senator, ANDES-SN, UNE and ANDIFES
demonstrated apprehensiveness that trade liberalization would weaken the defense of
education according to national interests. The other national non-state actors had no
position in relation to GATS. The other diplomats of MRE and foreign trade analysts of
SCS/MDIC, who revealed sympathy with GATS, considering that it would create room
for negotiation in agriculture and industry, depend, however, on explicit authorization of
MEC to liberalize HE under GATS.
REFERENCES
CESCA, C. (2008). Internationalisation of Higher Education in Brazil: The debate on
GATS and Other International Cooperation Initiatives. Amsterdam: Universiteit van
Amsterdam.
DELANTY, G. (2004). Does the University have a Future? (P. Manicas, Ed.)
Globalization and Higher Education, 241-244.
65
KNIGHT, J. (2002). Trade Talk: An Analysis of the Impact of Trade Liberalization and
the General Agreement on Trade in Services on Higher Education. Journal of Studies in
International Education, 6(3), 209-229.
MERCOSUL. (2008). Estudo Analítico Comparativo do Sistema Educacional do
Mercosul (2001-2005). Montevideo: Mercosur.
MERCOSUL. (2011). Plano de Ação do Setor Educacional do Mercosul 2011-2015.
Brasília: Mercosul.
NETO, M. A. (2010). A Liberalização do Comércio de Serviços do MERCOSUL.
Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão.
SANTOS, M. S., & DOMINI, A. C. (2010). Políticas de Integracao e
Internacionalizacao da Educacao Superior no Mercosur Educativo. X Coloquio
Internacional sobre Gestión Universitaria en América del Sur "Balance y prospectiva
de la Educación Superior en el marco de los Bicentenarios de América del Sur". Mar
del Plata.
WALLERSTEIN, I. (2005). World-Systems Analysis: an Introduction. Durham and
London: Duke University Press.
WALLERSTEIN, I. (2011). Structural Crisis in the World-System: Where Do We Go
from Here? Monthly Review, 62(10), 31-39.
66
BRAZILIAN TRADE AND NON-TRADE STRATEGIES OF
INTERNATIONALIZATION OF HIGHER EDUCATION
Maxwill M. S. A. Braga
MA in Education and Globalization from the University of Oulu, Finland
BA in International Relations from the University of Brasilia, Brazil
[email protected]
Felipe M. S A. Braga
BA in Economics from the Federal University of Minas Gerais, Brazil
BA in Public Administration from Fundação João Pinheiro, Brazil
[email protected]
Resumo: Este artigo analisa e discute as estratégias brasileiras de internacionalização
do ensino superior. A fim de embasar a discussão, primeiramente fazemos uma
contextualização histórica do ensino superior, com foco no Brasil. Posteriormente,
sintetizamos os principais elementos necessários para compreender a estruturação e o
atual estágio do comércio internacional de serviços educacionais. Em seguida,
apresentamos os programas governamentais de ensino superior no Brasil. Finalmente, a
partir desse embasamento, discutimos os elementos comerciais e não-comercias nessas
estratégias de internacionalização do ensino superior.
Abstract: This paper analyzes and discusses Brazilian strategies of internationalization
of higher education. In order to ground the discussion, first we set a historical overview
of higher education, focused on Brazil. Subsequently, we synthesize the key elements
needed to understand the structure and the current stage of international trade in
educational services. Afterwards, we present the governmental programs of higher
education in Brazil. Finally, we discuss the commercial and non-commercial
characteristics in these strategies of internationalization of higher education.
67
1. Introduction
This article discusses trade and non-trade strategies of internationalization of
Brazilian higher education (HE). First, it performs an overview of the history of higher
education, focusing on the current stage of the system in Brazil. Second, it provides
basilar information and the current state of play of trade in educational service. Third, it
presents the main Brazilian governmental initiatives related to higher education. At last,
we discuss the two strategies of internationalization of higher education using the
concept of Bifurcation of Wallerstein´s World-Systems Theory.
2. Background information of higher education in Brazil
The colonial Brazil was not allowed by the Portuguese metropolis to have higher
education institutions (HEI). The first HEIs were created in the beginning of 19th
century to train liberal professionals to serve the Portuguese crown that escaped from
Napoleon troops in 1808. Still, even after independence, in 1822, no university was
created in the country. Higher Education was established slowly in Brazilian society. In
1900, the system had only 24 non-university establishments oriented to train
professionals (MARTINS, 2002, p. 200). The first university, Universidade do Rio de
Janeiro (also called Universidade do Brasil), was created in 1920 unifying faculties that
already existed, currently it is called Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Around 1930s, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) and Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRG) were created
(LIMA, 2006, n.d. and SCHWARTZMAN, 2006, p. 161).
Although these first universities are public institutions, the private higher
education has for a long time exercised an important role in Brazil. Back in 1933, when
the first statistics were collected, 45% of total enrolment in HE was already in private
institutions (MATTOS and CUNHA in SAMPAIO, 2000, p. 15). Both public and
private enrolment increased in the 20th century. Graph 118 shows the growth of total
18
It should be noted that the time space between the years in the “x” axis of the figure changes because
of availability of data, this fact distorts the evolution tendency. The reason the number of enrolment in
non-profit HEIs decreased sharply, from 1.4 million (2008) to 864 thousand (2009), is not clear and
should be investigated in more detail in further research. The 2012 statistic synopsis of INEP no longer
differentiates for-profit and not-for-profit institutions, and classifies both under the label of private
68
enrolment in higher education during the last two decades. The private sector continued
playing an important role in the provision of higher education. The enrolment in private
institutions was 61% in 1991 and 71% in 2012. The public sector is also expanding,
more than doubling the enrolment in HE, however during the same time, private sector
almost quadruplicated. As showed in Graph 1, Brazil more than tripled the enrolment in
HE between 1991 and 2012, while, during the same period, the population grew 36%,
In thousands of enrolment in HE in Brazil
from 147 million to 200 million (IBGE, 2012).
7000
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
1991
1995
2000
2005
2009
Federal (public)
State (public)
Municipal (public)
Total public
Private for-profit
Private non-profit
Total Private
Total Public and Private
2012
Graph 1 - Enrolment (in thousands) in undergraduate face-to-face programs in
Brazil by administrative category from 1991 to 2012. Source: INEP (2010 and
2012), own elaboration.
When it comes to the process of internationalization of higher education in
Brazil, Lima (2006) distinguishes 4 phases: 1) 1930s-50s: aimed to strengthen the
projects to create the first universities, through visiting professors program and
scholarship for post-graduation abroad; 2) 1960s-70s: oriented to provide professors to
improve the Masters and PhD programs; 3) 1980s-90s: preoccupied with the
development of important areas of expertise still under development; 4) 2000s:
concerned with the creation of networks of researchers interested in themes considered
institutions; hence it is not possible to say if the sharp decrease after 2005 continued in the enrolment
in non-profit HEI.
69
strategic for the country, including the project of active internationalization via creation
of integrationist universities.
3. Brief history of the General Agreement on Trade in Services (GATS)
GATS is a treaty of the Word Trade Organization (WTO). The consolidation of
both GATS and WTO occurred in the historical context of post-Cold War and the
increasing predominance of neoliberalism. In 1972, a group of experts invited by the
Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) was responsible for
investigating the “new industrial structures” to subsidize the negotiations of the Tokyo
Round, and the report produced by them mentioned trade in services for the first time
(VERGER, 2010, pp. 22-23). However, only in the Uruguay Round (1986-1994),
developing countries accepted to include services in the trade negotiations since the
developed countries also accepted to add other topics highly pursued by the developing
world such as subsidies in agriculture (MUNDY & IGA 2003, p. 284).
The objective of GATS is to provide a multilateral framework to promote
liberalization of trade in services through progressive rounds of negotiation. The
liberalization of trade in services is different from trade in goods, since the nature of
services is distinctive: it is not possible to store a service, because production and
consumption happen simultaneously, except some cases when it can be recorded in
digital media. Hence, the barriers to services occur due to national legislation rather
than the same protectionism mechanisms of trade in goods. More precisely, any
measure that restricts the movement of production factors, especially people, and
activities performed by foreign suppliers is configured as a barrier to trade in services.
Table 1 defines the 4 different modes of supply of services within GATS, giving
examples of HE services and possible barriers.
70
Table 1 - Modes of supply in services of higher education
Mode of Supply
(1) Cross Border
(2) Consumption
abroad
Definition
Program mobility: The
provision of a service
across boundaries while
neither the consumer nor
supplier moves
Student mobility: the
provision of the service
involving consumers’
travel to the supplier’s
country to consume the
service
Examples
Possible Barriers
▪ Distance Education
▪ E-learning
▪ Testing Services
▪ Education Materials
▪ National regulations on
distance learning
▪ Requirement of local partner
▪ Not qualified as equivalent
courses
▪ Restrictions on the
importation of educational
material
▪ Students studying
abroad
▪ Immigration and visa
requirements
▪ Fees for foreign students
▪ Working restrictions during
the study period
▪ Currency withdrawal
limitations
▪ The non-recognition of
equivalent qualifications
(3) Commercial
presence
▪ Prohibition of services
provision to foreign entities
Institution mobility: The
▪ High subsidies to local
▪ Local branch or satellite
supplier establishes a
institutions
campuses
physical presence in the
▪ Restrictions on the number
▪ ‘Twinning’ arrangement
overseas country, usually
of foreign teachers employed
▪ Franchising with local
through foreign direct
▪ Government monopolies
institutions
investment
▪ Obligatory exams controlled
by professional organizations
or states
(4) Presence of
natural
persons
Academic professionals
mobility: The supplier
temporarily moves to
the consumer in order
to supply the service
▪ Professor, teachers,
researchers working
abroad
▪ Immigration and visa
requirements
▪ Currency controls
▪ The non-recognition of
qualifications
▪ Employment regulations
Source: (Mundy & Iga, 2003, p. 289 and Verger, 2010, p. 37).
The liberalization of a service happens when a country makes a commitment to
remove a barrier by changing the national legislation. The commitments are binding,
which means they cannot be changed without paying compensation to the WTO
members that will suffer a negative impact with the change. The commitments under
GATS basically serve to diminish the risk of investors being affected by national
legislation.
4. State of play of trade liberalization of services in higher education
71
Antoni Verger (2009, pp. 225-244) presented the situation of liberalization
commitments in higher education in 2009, which is still at a similar stage in 2012. He
emphasizes the trade flows in higher education compared to other education sub-sectors,
which explains the reason HE receives more pressure to be internationalized than other
levels of education. Larsen (in VERGER 2009, p.225) draws attention to the fact that
HE has even become one of the most important services exported by countries such as
Australia, New Zealand and USA. Countries are still, in 2014, negotiating the
liberalization of services in the Doha Round framework of WTO. The Doha round
started in 2000 and was initially planned to finish in 2005, but has been extended many
times. The commitments are only valid when the round of negotiation ends. Verger
(2009, pp. 225-230), summarizing the current state of negotiation, states that 57 out 153
member countries have included at least one commitment in an educational sub-sector,
48 member countries have established commitments in HE. Searching the WTO service
database on the website http://tsdb.wto.org/, it is possible to check that Brazil has not
written anything under the list of higher education services, not even “unbound”, which
means that the country does not bind itself not to make limitations in the future.
Verger (2009) created a novel index called EduGATS to measure the level of
liberalization. Basically, he calculates the degree of trade openness based on the number
of limitations to Market Access and National Treatment, as well as limitations in the
horizontal section. Based on EduGATS, Verger elaborated the Figure 1 showing the
different levels of trade liberalization in services of higher education. This situation
represents the liberalization commitments consolidated by member countries; hence the
author does not consider provisional results of the unfinished Doha Round (VERGER,
2009, p. 226).
72
Figure 1– EduGATS for higher education (VERGER, 2009, p. 234).
Table 2 ranks the main exporter and importer countries of educational services.
Table 3 presents the main countries with international branch campuses abroad and the
biggest host countries. The Graph 2 shows the percentage of international students
abroad by main host countries.
Table 2 - Major exporters and importers of education, in 2007
Rank
Exporters
Value
(US$ millions)
Share of
top 20 (%)
Rank
Importers
1
United States
15,960
38.2
1
2
Australia
10,314
24.7
2
Korea,
Republic of
United States
3
United Kingdom
7,612
18.2
3
4
Canada
2,263
5.4
4
5
Italy
1,711
4.1
6
New Zealand
1,124
7
France
8
Austria
9
10
Value
Share of
(US$ millions) top 20 (%)
5,025
21.3
4,760
20.2
Germany
2,400
10.2
India
2,152
9.1
5
France
1,844
7.8
2.7
6
Malaysia
1,345
5.7
479
1.1
7
Canada
1,154
4.9
422
1
8
Nigeria
1,076
4.6
Greece
383
0.9
9
Italy
1,000
4.2
Czech Rep.
318
0.8
10
Australia
659
2.8
As certain Members either do not collect or report data on this item, they may not appear in the list. The European
Union does not report a single EU-27 figure for this item. The BOP definition for education-related travel expenditure
can be found at http://unstats.un.org/unsd/statcom/doc10/BG-MSITS2010.pdf (paragraphs 3.113-3.128 and 3.258).
Source: (WTO, 2010, p. 14).
73
Table 3 – Top source and host countries of international branch campuses, 2009
Source Country
Number
Host country
Number
United States
78
United Arab Emirates
40
Australia
14
China
15
United Kingdom
13
Singapore
12
France
11
Qatar
9
India
11
Canada
6
Mexico
7
Malaysia
5
Netherlands
5
United Kingdom
5
Malaysia
4
Ecuador
4
Canada
3
Germany
4
Ireland
3
Mexico
4
Source: (WTO, 2010, p. 17).
4% 3%
2%
US
UK
2%
5%
23%
Australia
Germany
5%
France
China
8%
Japan
14%
11%
Canada
New Zealand
Singapore
10%
13%
Malaysia
South Korea
Graph 1– Main national destinations of students abroad (WTO, 2010, p.12)
Brazil has made no commitments in the educational sector under the framework
of GATS/WTO. However, Brazil has made liberalizations of educational services
within Montevideo Protocol which is an analog instrument to liberalize services within
Mercosur (NETO, 2010, p. 133). Hence, Brazil is much more keen to liberalize services
in education within Mercosur in order to incentive the increase flow of people in the
region and the integration process than liberalize using GATS, because its apprehensive
with international competitors.
74
5. Brazilian central state government initiatives in higher education
The Brazilian central state government has many initiatives in higher education.
Two initiatives can be considered education policy of the national-state: PEC and FIES.
PEC is coordinated by the Ministry of Education (MEC) and the Ministry of Foreign
Affairs (MRE). PEC has two modalities PEC-G (Program of Undergraduate Students
Exchange), created in 1965, and PEC-PG (Program of Graduate Students Exchange),
created in 1981. These programs offer full undergraduate and graduate study
opportunities for students coming from developing countries with which Brazil has
international agreement in education, culture, science and technology. The students
come from Africa, Asia, Latin America and the Caribbean. In the last decade, PEC-G
offered more than 6.000 opportunities for undergraduate studies, from which more than
80% of students came from Africa. When the PEC-G student is under financial
constraint, the government provides a financial aid equal to the amount of the minimum
salary. During the same period, PEC-PG offered more than 1.600 opportunities for
graduate (Master and PhD) studies, 75% coming from Latin America and Caribe. PECPG students receive monthly scholarships, in 2012 currency, of US$650,00 for Master
level and US$1.000,00 for PhD level (DCE/MRE Website). The Student Financial Fund
(FIES) was created in 1999 to finance partially or fully a higher education degree in a
private institution. Students have access to these funds and the same amount of years
studied to pay it back, with very low interest rates, after 18 months of grace period
(SESu/MEC Website).
Starting in 2007, the current Brazilian government envisioned the creation of
universities as an instrument to promote international integration. There are 4 projects
of universities with this goal, but only three with real international aspiration. Of these
three, currently, two are already operating, UNILA and UNILAB; the third is still in
process of implementation, UNIAM. First, the Federal University of Latin America
Integration (UNILA), was proposed in 2007, but inaugurated in 2010 in the triple border
of Brazil, Argentina and Paraguay in the Brazilian city Foz do Iguaçu. UNILA is an
innovative enterprise with the original mission to promote integration among the
peoples of Latin America and a space for common treatment of cross-border issues.
Initially, there are only 16 undergraduate programs in diverse knowledge areas, but the
75
intention is also to provide graduate programs. The university is marked by
multiculturalism, bilingualism and interdisciplinarity. Every class is composed of 25
Brazilian students and other 25 coming from Latin America countries. In 2012, there
were 800 places for students, but the aim is to reach 10.000 students and 500 teachers
from all over Latin America. Second, the University of Luso-Afro-Brazilian
International Integration (UNILAB), was proposed in 2008, but created in 2010. The
university is located in Redenção-Ceará, which was the first Brazilian city to abolish
slavery in 1883. This symbolic historical fact is crucial to represent the ideals of this
project. UNILAB has the objective to promote integration with Portuguese speaking
countries, especially in Africa, but also Portugal, East-Timor and Macau, China. In
2010, there were 350 students in 7 undergraduate courses; however the aim is also to
increase the number of students in the near future. Third, the Federal University of
Amazon Integration (UNIAM), proposed in 2008, is still in process of implementation.
The idea is to gradually transform the diffused campi of the recently created Federal
University of West Para (UFOPA) in UNIAM. The objective of UNIAM is to integrate
the eight Amazon countries in areas crucial for the development of the region (UFOPA
website). Fourth, the Federal University of the Southern Border (UFFS) created in 2009,
although with intentions to act in the Mercosur region, currently is operating only in the
south region of Brazil (UFFS website).
Also a governmental initiative with clear goals of higher education
internationalization is the recent program “Ciência sem Fronteiras” (Science without
Borders). The objective of this program is to provide 75 thousand scholarships, until
2015, for Brazilians to study in centers of excellence abroad and also bring talented
researchers to Brazil. The scholarships are for undergraduate (1-2 semesters exchange),
PhD (sandwich or full) and Postdoctoral (full) levels in 18 priority areas, all in natural
sciences. This initiative aims to prepare qualified personnel to promote and amply
innovation in the technological industry in order to advance the knowledge society
(Ciência sem Fronteiras website).
6. Discussion
In order to organize the discussion regarding the Brazilian trade and non-trade
strategies of internationalization of higher education, we separate the policies in each
76
mode of supply: program mobility, student mobility, institution mobility and academic
professional mobility. Later, we use World-Systems Theory´s concept of bifurcation to
discuss that internationalization of higher education has bifurcated, since the inclusion
of HE services under GATS in 1994. The bifurcation is represented by two - not
mutually exclusive - strategies of internationalization: trade and non-trade. These
strategies represent different world views: the former focus on competition and the latter
on cooperation.
Trade strategy stands for initiatives that consider students as consumers and
teachers, researchers and institutions as service providers. The negotiation of higher
education services under GATS and Montevideo protocol are examples of trade strategy
of internationalization of HE. However, the fact that Brazil has no commitments of
higher education services under GATS/WTO implies only that foreign service providers
have no guarantee that their investments are secure, because Brazil can impose
restrictions on HE services by changing the national legislation at any time. In practice,
of the possible barriers (see Table 1) Brazil has only a few restrictions presented
subsequently under each mode of supply.
In the mode of supply program mobility (mode 1 – cross-border), this research
has found evidence only of trade strategy via consumption of online higher education
courses abroad. One type of restriction is that Brazilians who undertake higher
education distance learning must validate their diplomas in order to exercise a
profession. The Open University of Brazil and other distance learning programs of
Brazilian HEIs are aimed only to Brazilians. Hence, this thesis did not find evidence of
non-trade strategy of internationalization of higher education in program mobility mode
of supply.
In the mode of supply student mobility (mode 2 – consumption abroad), this
paper discovered trade and non-trade strategies of internationalization of higher
education. When the governmental program “Science without Borders” provides
scholarship to cover only air ticket, health insurance, living costs, etc. it fits the nontrade strategy, but when it also support the exchange of undergraduate or PhD students
in HEIS that charge tuition fees, it fits the trade strategy. Also within the trade strategy
are the Brazilian students abroad who pay tuition fees with or without scholarships.
There is no information available on the percentage of Brazilian students that pay
tuition fees, but their main destinations (percentage of Brazilian students in each
77
country is between brackets) are usually to countries that charge fees from foreigners:
USA (27%), Portugal (12%), Spain (11%), France (10%), Germany (7%), UK (4%)
(OECD website). Let us now review the non-trade strategies for foreigners to study in
Brazil. The integration universities (UNILA, UNILAB, UNIAM and UFFS) and
MARCA program, with automatic recognition of diplomas, as well as PEC-G and PECPG programs fit the non-trade strategy, because these initiatives are based on solidarity
and do not charge tuition fees from foreign students enrolled in public HEIs. Brazil does
not have a rigid visa policy, so it is not a limitation for students to come study in the
country. Again, there is a restriction for Brazilians for mode 2, since every degree taken
abroad has to be validated by a public federal university. This is a serious limitation for
Brazilian students who wish to study abroad, because they have no certainty that their
degrees will be accepted in Brazil.
In the mode of supply institution mobility (mode 3 commercial presence), this
research found evidence only of trade strategies of foreign HEIs setting in Brazil. There
is intense debate in the congress to limit the amount of foreign capital invested in
Brazilian HEI, with suggestions under discussion to limit foreign capital to finance only
research or communitarian universities (PL 2183/2003), limited to 10% (PL 7040/2010)
and limited to 49% (PL 6358, 2009). However, there is no law in effect legislating about
this issue. As a consequence, in the last years more than 100 acquisitions of Brazilian
HEIs have happened by foreign groups (PL 6358, 2009). The Laureate International
University and Apollo groups, both from USA, have made the biggest acquisitions in
Brazil. In relation to South America, even though Brazil liberalized trade in higher
education services for Mercosur countries, we have not found evidence of HEIs from
Mercosur countries operating in Brazil.
In the mode of supply academic professionals mobility (mode 4 – presence of
natural persons), this paper found evidence of trade and non-trade strategies of
internationalization of higher education. The integration universities have great amount
of foreigners composing the teacher and researcher staff, they are not considered service
providers, but crucial participants in the integration project. The program “Science
without Borders”, on the other hand, sometimes considers the researchers and teachers
coming to Brazil as service providers, hence it fits more the trade strategy.
Aiming to discuss both strategies of internationalization, we use the concept of
bifurcation of Wallerstein´s World-Systems Theory. According to Wallerstein (2005, p.
78
76), historical systems have lives, they follow cyclical rhythms. The trend of evolution
of a system aggravates its internal contradiction, causing a crisis – a wild oscillation of
the system that creates instability, which cannot be solved within the framework of the
system. In order to reach another point of equilibrium, the system bifurcates in two
alternative solutions, which are both possible. In the moment of instability, every action
of the members of a system matter to influence the new kind of system that will be
constructed.
In this research, we use the concept of bifurcation to explain that the inclusion of
higher education services under GATS in 1994 was a catalyst to provoke the oscillation
of the system and the bifurcation in trade and non-trade strategies of internationalization
of higher education. After 1994, the flow of internationalization became faster, wider
and deeper. Although these strategies are not mutually exclusive, the bifurcation
concept claims that the system will find equilibrium focusing on one of these two
alternatives. At this point, it is interesting to remind that the strategy based on trade
would consolidate a highly competitive world and the non-trade strategy would
consolidate a more cooperative world.
REFERENCES
INEP. (2010). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
Retrieved February 4, 2012, from Sinopses da Educação Superior - Censo da Educação
Superior 2010.: http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse
INEP. (2011). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
Retrieved February 4, 2012, from Indicadores Educationais:
http://portal.inep.gov.br/indicadores-educacionais
LIMA, M. C. (2006). A internacionalização da educação superior no Brasil: das
motivações ao processo. Anais do 1o Simpósio Internacional de Administração e
Marketing e 3o Congresso de Adeministração da Escola Superior de Propaganda e
Marketing.
MARTINS, C. B. (2002). A formação de um sistema de ensino superior de massa.
RBCS, 197-203.
79
MUNDY, K., & IGA, M. (2003). Hegemonic Exceptionalism and Legitimating BetHedging: paradoxes and lessons from the US and Japanese approaches to education
services under the
GATS. Globalisation, Societies & Education, 1(3), 281-319.
NETO, M. A. (2010). A Liberalização do Comércio de Serviços do MERCOSUL.
Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão.
SAMPAIO, H. (2000). O ensino superior no Brasil: o setor privado. São Paulo:
Fapesp/Hucitec.
SCHWARTZMAN, S. (2006). A universidade primeira do Brasil: entre intelligentsia,
padrão internacional e inclusão social. Estudos Avancados, 20(56), 161-189.
VERGER, A. (2008). Measuring educational liberalization: A global analysis of GATS.
Higher Education Policy, 6(1), 13-31.
VERGER, A. (2009). GATS and Higher Education: state of play of the liberalization
commitments. Globalisation, Societies and Education, 22, 225-244.
VERGER, A. (2010). WTO/GATS and the global politics of higher education. New
York and London: Routledge Taylor & Francis Group.
WALLERSTEIN, I. (2005). World-Systems Analysis: an Introduction. Durham and
London:
Duke University Press.
WTO. (2010). Education Services: Background Note by the Secretariat. Council for
Trade in Services. Document S/C/W/313. Geneva: WTO.
Documents
GATS. (1994). General Agreement on Trade in Services. Geneva: WTO.
PL 6.358. (2009). Limita o capital estrangeiro nas Mantenedoras de Instituições
Privadas de Educação Básica e Superior, por questão de Soberania Nacional. Proposed
by deputy Wilson Picler.
PL 7.040. (2010). Dispõe sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições de
ensino superior. Proposed by deputy Alice Portugal. Apensada a PL 2.138 /2003.
Websites
Ciência sem Fronteiras. (n.d.). Retrieved January 20, 2012, from
http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/home
80
DCE/MRE. (n.d.). Retrieved February14, 2012, from http://www.dce.mre.gov.br/
IBGE. (n.d.). Retrieved February 20, 2014, from http://www.ibge.gov.br/home/
MARCA. (n.d.). Retrieved February 21, 2012, from
http://programamarca.siu.edu.ar/index_portugues.php
MEC. (n.d.). Retrieved February 14, 2012, from http://portal.mec.gov.br
SESu/MEC. (n.d.). Retrieved January 24, 2012, from
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=287&Itemid
=354
UAB. (n.d.). Retrieved January 24, 2012, from
http://uab.capes.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9:historico&catid=6:sobre&Itemid=21
UFFS. (n.d.). Retrieved January 20, 2012, from http://www.uffs.edu.br/index.php
UFOPA. (n.d.). Retrieved January 20, 2012, from http://www.ufopa.edu.br/
UNILA. (n.d.). Retrieved January 20, 2012, from http://unila.edu.br/
UNILAB. (n.d.). Retrieved January 20, 2012, from http://www.unilab.edu.br/
81
INTEGRAÇÃO TERRITORIAL SUL-AMERICANA: o papel da
infraestrutura na inserção da Bolívia como ator de destaque
Karoline Moraes Costa
Graduanda em Relações Internacionais
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Prof. Dr. Matheus Hoffmann Pfrimer
[email protected]
RESUMO: O presente artigo visa analisar sob a ótica construtivista de discursos e
práticas o modo como a infraestrutura contribui para a integração Sul-Americana, em
especial no que concerne a Bolívia, levando em consideração as iniciativas e projetos
previstos, em execução e já concluídos, assim como o comprometimento dos países do
subcontinente com este propósito. Além disso, verifica-se a questão da sobreposição da
integração regional em relação à nacional, um fenômeno comumente relacionado às
iniciativas de integração. Por fim, aponta-se o papel de destaque que a Bolívia possui
nesse novo arranjo territorial, visto que ela se encontra numa região estratégica e rica
em recursos naturais, passando a operar então como elemento de coesão para a
integração regional na América do Sul.
PALAVRAS-CHAVE: Integração Territorial. América do Sul. Infraestrutura.
Transporte. Bolívia.
ABSTRACT: The following article analyses under a constructivist view of discourses
and practices the way infrastructure contributes to South-American Integration,
specially in what concerns Bolivia, taking under consideration the initiatives and
projects previewed, under execution and concluded ones, along with the compromise of
the subcontinent countries with this proposal. Besides, we shall verify the overlay of
regional integration rather than national one question, which is commonly associated
with integration initiatives. Finally, we shall present the starring role Bolivia plays in
the new territorial arrangement, since it finds itself in a strategic and rich of natural
resources region, operating than as an element of cohesion for South American
integration.
KEY WORDS: Territorial Integration. South America. Infrastructure. Transport.
Bolivia.
82
INTRODUÇÃO
As iniciativas para a integração regional na América do Sul passaram a fazer
parte da agenda dos Estados do subcontinente após uma fase de contenção, a qual fora
composta principalmente pela disputa entre Brasil e Argentina pela consolidação do
mesmo como sua área de influência. Não por acaso, as práticas imperialistas comuns à
época eram executadas por seus governos militares, os quais além de suas pretensões
nacionais eram muito influenciados pela hegemonia estadunidense, que temia perder
outros territórios de sua área de influência para a ameaça comunista. Baseados em
teorias geopolíticas de autores como os militares brasileiros Mario Travassos (1935),
Lysias Rodrigues (1947) e Golbery do Couto e Silva (1955); o ex-presidente chileno
Augusto Pinochet (1977); e o ex-diretor da Agência Nacional de Desenvolvimento da
Argentina, Juan Enrique Guglialmelli (1975) (PFRIMER, 2011, p. 134), os discursos
destes países fizeram da Bolívia um território altamente visado e valioso, tanto devido a
sua posição geográfica estratégica quanto a sua riqueza de recursos naturais.
A escolha da Bolívia como objeto para o qual se direcionavam as práticas e
discursos se devia a errônea concepção dela como o “Heartland Sul-americano”.
Baseado nas teorias dos autores supracitados e na concepção de Heartland19, o professor
de história do Brasil na Universidade de Creighton, Lewis Trabs, desenvolveu em 1965
tal teoria para o território sul americano (PFRIMER & ROSEIRA, 2009, p.8). Quem
dominasse a Bolívia exerceria influência sobre toda a América do Sul.
Após certas mudanças no contexto político da América do Sul no início dos anos
de 1980, a integração do subcontinente se torna o objetivo principal de seus países20, e
vários discursos passam a idealizar o modo pelos quais essa integração se tornaria
verdadeira. Consequentemente algumas práticas são de fato desenvolvidas já no fim do
século XX, como por exemplo a criação de órgão específicos para tratarem da
infraestrutura territorial sul-americana, ampliando o escopo da integração que passa a
ser não apenas econômica.
A agenda dos países da América do Sul no novo século sempre estiveram
compostas de projetos para aumentar quantitativa e qualitativamente a integração. Além
19
Heartland é a nomenclatura dada por Halford Mackinder para sua teoria sobre um pivô geográfico na
Eurásia, o qual quem dominasse, deteria poder sobre as outras regiões do mundo.
20
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e
Venezuela.
83
dos blocos econômicos existentes formados nas micro-regiões – como o Mercosul21 e a
CAN4, por exemplo – outros órgãos e planos foram criados para focarem e trabalharem
com a integração do continente como um todo. Dentre eles destacam-se a Iniciativa para
Integração Regional da Infraestrutura Sul-americana (IIRSA), a União das Nações Sulamericanas (UNASUL) e o Conselho Sul-americano de Infraestrutura e Planejamento
(COSIPLAN).
Criada no ano de 2000, a IIRSA tem como objetivo construir junto aos doze
países da América do Sul uma agenda comum para impulsionar os projetos de
integração da infraestrutura no continente. A Iniciativa, em seus primeiros dez anos de
existência, criou um portfólio com mais de 500 projetos de infraestrutura, organizada
em 10 Eixos de Integração e Desenvolvimento (EIDs), que buscam as necessidades
físicas de cada região para conectá-las às demais, e uma agenda de implementação para
31 dos considerados projetos prioritários (API). A partir de 2011, ela foi incorporada ao
COSIPLAN, um foro técnico da UNASUL, iniciando uma nova etapa para que se
prossiga com a execução dos planos.
A integração territorial e a infraestrutura são objetos inéditos para a América do
Sul, presentes nas três agendas supracitadas. Ao abordarem projetos concretos para
viabilizar a integração regional, um passo a frente é dado em direção ao sucesso. Porém
vários empecilhos são encontrados no caminho da materialização de tais propostas: a
assimetria econômica, social e territorial do continente; a sobreposição de objetivos
regionais sobre os nacionais; o compromisso ou a falta dele ao executar os planos
estabelecidos; o financiamento, dentre outros. Nesta pesquisa, como revisão
bibliográfica, analisaremos o meio pelo qual a integração física modifica e beneficia a
integração sul-americana como um todo.
Entretanto, é fundamental frisar o modo como os países sul-americanos lidam
com estes problemas, mantendo relatórios do que vem sendo executado e determinando
“dead lines” para analisa-los e lançar novas projeções para o futuro. A própria mudança
da conduta hostil da Argentina e Brasil para com o outro, sua interação no MERCOSUL
21
Mercado Comum do Sul, criado em 1991 após a assinatura do Tratado de Assunção era composto
originalmente pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em 2012 o Paraguai foi suspenso e a
Venezuela integrou o bloco.
4
Comunidade Andina de Nações, criado em 1969 pelo Acordo de Cartagena, era composto por Bolívia,
Chile (deixou o bloco em 1976), Colômbia, Equador e Venezuela (deixou o bloco em 2006).
84
e as boas relações com os outros países do continente é uma prova da legitimidade do
compromisso de promover a integração.
Quanto ao papel da Bolívia neste novo cenário, um personagem fundamental
pode ser designado para ela representar: o hub logístico da América do Sul. Destacando
sua posição estratégica veemente comprovada, sua riqueza em recursos naturais e
considerando o território boliviano um ponto fulcral para a integração do continente
(VALENCIA VEGA, 1968, p. 380 apud PFRIMER, 2011, p.134) a possibilidade da
concentração dos principais meios logísticos terrestres (rodoviário e ferroviário) no país
é uma possibilidade a ser verificada.
1. A RELEVÂNCIA DA INFRAESTRUTURA
Um dos principais argumentos a favor da integração física segundo a IIRSA5 é
que ela favorece a integração regional de três maneiras: Em primeiro lugar fortalecendo
a interdependência dos Estados que formam a região que deseja se integrar; Em
segundo, aumentando a demanda por integração em todos os aspectos como econômico,
institucional, social, entre outros, incluso a própria infraestrutura; E finalmente,
contribuindo para reduzir a fragmentação territorial das diversas regiões – este aspecto
será analisado na segunda sessão do presente artigo. Além disso, o investimento na
infraestrutura
promove
melhorias
na
produtividade,
competitividade
e
no
6
desenvolvimento territorial .
Não podemos falar de integração física sem antes mencionar o interesse
econômico e político, que geralmente são os promotores dos blocos de integração
regional em primeiro lugar. De uma forma geral no caso da América do Sul, as
primeiras iniciativas para a criação destes blocos ocorreram nas sub-regiões (como o
MERCOSUL e a CAN citados anteriormente) e tinham como objetivo principal
melhorar a projeção que sozinhos os países que os integravam não conseguiam exercer
no cenário internacional, além de melhorar as relações e o comércio intrabloco.
Contanto, devido às características dos setores industriais e econômico dos países do
5
Notes on Infrastructure and Integration in South America: Summary of the Teaching Materials used in
the Training Workshops “Integration and Development of South American Regional Infrastructure” –
2008-2009.
6
(Ibid, p.8).
85
MERCOSUL, – produtores de commodities, indústrias principais de base, não
possuidores ou desenvolvedores de tecnologia própria, mercados internos muito
protegidos após a crise do neoliberalismo da década de 1990, entre outras – por
exemplo, o primeiro objetivo era priorizado e mais facilmente executado em detrimento
ao último. Assim sendo, a institucionalização política e a integração geral do bloco não
avançava em longos passos como se esperava ao serem comparados ao modelo europeu.
Observa-se então a falta de interdependência entre os países que se integravam na
América do Sul.
Todavia, uma vez que os esforços para se desvincular das expectativas de repetir
a integração europeia e promover um modelo sul-americano possível e empenhado, nos
ajuda a superar a falta de dinâmica em nossa integração. Partindo então da IIRSA
(criada em 2000) e de nosso objeto de análise – a integração física – vemos como os
esforços para colocar em prática os novos discursos integracionistas deram frutos
positivos na última década. Por exemplo, a criação da UNASUL em 2011, um bloco
que abrange todos os doze países do subcontinente e diz respeito à necessidade de
desenvolvimento de cada país e da região por meio da cooperação; o portfólio de
projetos da IIRSA em execução e já concluídos; e a criação do COSIPLAN, uma nova
instituição derivada da UNASUL para trabalhar em conjunto com a IIRSA.
Portanto, a interdependência e a cooperação são fomentadas quando os projetos
de melhorias na infraestrutura e integração territorial são colocados em prática. Logo,
uma vez provado acima que essas interações aumentaram a dinâmica da integração da
América do Sul, melhorando a cooperação e até criando um bloco que abrange todo o
subcontinente, podemos afirmar que o processo evolutivo da integração desenvolvido
até agora demanda melhorias, progresso e aumento da própria integração, nos âmbitos
políticos, econômicos, sociais e físicos, visando cada vez mais atingir um estágio maior
que traga maiores benefícios aos inclusos nela.
Quanto à produtividade e competitividade, no que se refere principalmente aos
meios de transporte terrestres (rodoviário e ferroviário) podemos citar como este
interfere no preço final de um produto. Muitas vezes o custo do transporte de uma carga
dentro do bloco é mais caro que os impostos de importação que ela paga ao chegar ao
novo país. Isso porque as condições das estradas e ferrovias, e o tempo que ele gasta –
ou perde, no caso de uma infraestrutura ruim – são determinantes no estabelecimento do
preço do frete. Levando em conta também que a maioria dos países da América do Sul é
86
produtora de commodities e que o transporte terrestre é o mais utilizado para o
escoamento deste tipo de mercadoria. Sendo assim, o investimento na melhoria da
infraestrutura de transporte é a curto e longo prazo benéfico aos países que fazem parte
da integração, promovendo também o desenvolvimento territorial para muitas das áreas
nas quais ele é promovido. Mas não se deve esquecer que toda e qualquer estrutura
física, seja de transporte ou lazer, urbanização ou plantação, necessita investimento
constante principalmente para a manutenção. De nada valeria construir a melhor e maior
ferrovia ligando o Atlântico no porto de Santos ao Pacífico no terminal de Arica, no
Chile (Corredor Ferroviário Bioceânico Central7) se em menos de cinco anos após sua
inauguração não houvesse manutenção e ele se encontrasse abandonado e aos pedaços.
2. INTEGRAÇÃO REGIONAL E FRAGMENTAÇÃO NACIONAL
A integração regional em detrimento da nacional é um dos assuntos presentes na
pauta dos problemas enfrentados na América do Sul. A maioria destes países possuem
grandes centros espalhados por diversas regiões, porém mesmo assim, muitas áreas
continuam isoladas e desarticuladas dos centros, onde se concentram os maiores índices
de desenvolvimento e fluxo de bens, pessoas, capital, etc. Como exemplo pode-se citar
dois países bem diferentes quanto a território e população, mas que possuem em comum
as riquezas da Amazônia: Bolívia e Brasil. Em ambos os países a área ocupada pela
Floresta Amazônica se encontra livre de grandes centros bem desenvolvidos e
desarticulada logisticamente destes. Por um lado é necessário integrar primeiramente
estas regiões às demais dentro de cada país, para que assim ela se beneficie da
integração do país no bloco regional. Promover uma integração “internacional” direta
sobre essas áreas isoladas pode ser desvantajoso para o Estado que possui aquele
território, como foi o caso mencionado por Flávio Paulo Neto das cidades de Roboré e
San José de Chiquitos, na Bolívia:
“O ponto crucial, entretanto, segundo críticas registradas pela Comissão
Parlamentar, referia-se à questão da debilidade produtiva da região pela qual
atravessaria a ferrovia. Desarticulada do centro do país, carente de núcleos
populacionais relevantes e de atividade comercial praticamente
insignificante, a região permanecia exposta à influência brasileira, tornando
frágil sua própria integridade territorial. Enquanto que Roboré contava com
apenas 2,5 mil habitantes, Corumbá, com 18 mil, possuía mercado interno e
7
IIRSA online.
87
externo relativamente dinâmicos , já que funcionava como o elo de
integração entre toda a região mato-grossense e o restante do país. A cidade
brasileira não apenas impulsionava o comércio abastecedor da região, como
também articulava a vinculação daquela área com os países platinos, via rio
Paraguai. De fato, atestava o relato da Comissão Parlamentar que a influência
brasileira na região era bastante nítida, sobretudo, a partir de San José de
Chiquitos: ”tem-se a impressão de se haver deixado as terras bolivianas no
que se relaciona ao idioma, aos costumes e à alimentação.”.8 (2007, p.41-
42).
Por outro lado, a efetividade dessa proposta levanta inúmeros problemas ambientais, o
que no caso da Amazônia além de prejudicar toda a humanidade descaracterizaria a
região cuja reserva de riquezas provém da natureza.
O que se observa é que em consequência do crescimento da integração regional na
América do Sul o nível de fragmentação nacional na Bolívia não piora. Segundo Pfrimer (2011,
p.1) “[...] uma vez que não há uma intensificação da desintegração territorial boliviana. Tem
havido, no entanto, uma pequena intensificação dos fluxos inter-regionais, o que não significa
necessariamente em uma maior integração nacional.” Portanto, é possível que a integração
regional ocorra no subcontinente sem que de fato isso prejudique a integração nacional. E
levando em conta os projetos de integração territorial e infraestrutura pode-se considerar que, de
acordo com a execução destes e dos benefícios que eles trazem apontados no item anterior, a
integração nacional se torne um benefício a ser alcançado com o tempo – e os investimentos.
3. A INSERÇÃO DA BOLÍVIA NOS NOVOS ARRANJOS TERRITORIAIS
Como visto na introdução do presente trabalho, a Bolívia tem recebido a atenção das
políticas exteriores dos países da América do Sul desde a fase de contenção e a disputa
argentina e brasileira pelo chamado “heartland sul americano” e os recursos, principalmente
petrolíferos que ele possuía. Neste período – aproximadamente dos anos 30 a 70 do século
passado – alguns projetos de estruturação de redes ferroviárias, exploração de recursos e outros
acordos bilaterais foram desenvolvidas em território boliviano a partir de sua política pendular
entre os principais interessados em se estabelecerem como potência regional, novamente Brasil
e Argentina. O governo boliviano parecia apreciar a acirrada disputa e o instável balanço de
poder no subcontinente (PAULO NETO, 2007, p. 34) ao mesmo tempo que isso garantiria a
integridade territorial boliviana por meio de pactos de segurança (Ibid) – tão fragilizada após
suas perdas na Guerra do Chaco, contra o Paraguai, e Guerra do Pacífico, contra o Chile.
8
El Diário, 1942. apud PAULO NETO, 2007.
88
A partir da década de 1980, o fim dos governos militares e o início da fase de integração
a disputa pela hegemonia sul-americana entre os “hermanos” se torna menos visível e acirrada,
uma vez que ambos estão empenhados, enfim, em promover a integração na ALALC9,
ALADI10, MERCOSUL, e UNASUL (cronologicamente). O jogo da Bolívia então é substituído
por políticas nacionalistas de desenvolvimento e exploração própria de seus recursos, e as
principais práticas territoriais são compostas pelos vários projetos de integração da IIRSA11. A
própria Bolívia aderiu ao discurso integracionalista e reconhece a sua importância nesta nova
fase, se caracterizando como uma “área de contatos entre os países sul-americanos”
(MORALES, 2006; DEL VALLE, 2004; apud PFRIMER, 2011, p. 140). Tais áreas de contatos
poderão vir a se materializar como um hub logístico: um centro conexão e distribuição de
fluxos, capitais, bens e mercadorias para toda a América do Sul.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se, portanto, que a infraestrutura e os rearranjos territoriais elaborados pela
cooperação dos países da América do Sul contribuem de maneira positiva para o
desenvolvimento da integração como um todo, provando-se benéfica no que concerne os
aspectos econômicos, sociais e políticos. Além da própria melhoria da estrutura física dos locais
que fazem parte dos projetos da IIRSA, a integração das regiões mais isoladas com os centros, a
viabilização para um melhor escoamento de cargas e consequentemente, o impacto que isso
possui no comércio e na economia, são fatores suficientes para incentivarem a continuidade
desta ação, mesmo com os custos financeiros, tempo e trabalho para as manutenções, sendo este
o investimento a longo prazo que sempre retribuirá nos lucros supracitados. Quanto aos riscos
ambientais, estudos mais aprofundados e de diversas áreas aos quais concernem a integração,
infraestrutura e os biomas devem ser feitos para que esses ameaças sejam desvencilhadas, ou
causem o menor dano possível.
9
Associação Latino Americana de Livre Comércio, criada na década de 1960.
Associação Latino Americana de Integração, criada em 1980.
11
De acordo com o site dos projetos de caráter territorial da IIRSA, a Bolívia está presente em pelo menos
85.
10
89
REFERÊNCIAS
CORREDOR FERROVIÁRIO BIOCEÁNICO CENTRAL – IIRSA. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/proyectos/detalle_proyecto.aspx?h=1351>. Acessado em: 16/04/14.
COUTO E SILVA, Golbery do. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio,
1955.
INICIATIVA PARA A INTEGRAÇÃO DA INFRAESTRUTURA REGIONAL SULAMERICANA (IIRSA). IIRSA 2000-2010. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/Page/Detail?menuItemId=28>. Acessado em: 04/04/14.
MACKINDER, Halford. The Geographical Pivot of History. Geographical Journal, n.23,
1904.
MORALES, 2006; DEL VALLE, 2004; apud PFRIMER. Heartland Sul-americano? Dos
discursos geopolíticos à territorialização de um novo triângulo estratégico boliviano.
GEOUSP, n. 29, 2011, p. 140.
Notes on Infrastructure and Integration in South America: Summary of the Teaching
Materials used in the Training Workshops “Integration and Development of South
American Regional Infrastructure” – 2008-2009. Disponível em:
<http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/cap_doc_compilado_curso08y09_
eng.pdf>. Acessado em: 12/04/14.
PAULO NETO, Flávio. MARCOS DA APROXIMAÇÃO ENERGÉTICA ENTRE O
BRASIL E A BOLÍVIA: 1930 – 1990. Disponível em:
<http:/repositorio.unb.br/bitstream/10482/1356/1/Dissertacao_2007_FlavioPauloNeto.pdf>.
Acessado em: 13/04/14.
PFRIMER, Matheus. Heartland Sul-americano? Dos discursos geopolíticos à
territorialização de um novo triângulo estratégico boliviano. GEOUSP, n. 29, 2011.
_____________. Recursos Naturais na Bolívia: entre a integração sul-americana e a
(des)integração nacional? Disponível em:
<http://www.sbpcnet.org.br/livro/63ra/resumos/resumos/3916.htm>. Acessado em: 30/03/14.
PFRIMER, Matheus & ROSEIRA, Antônio Marcos. Transformações Territoriais na Bolívia: Um
Novo “Triangulo Estratégico”?. In: 12º Encuentro de Geógrafos de América Latina. Montevideo,
2009.
RODRIGUES, Lysias. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar, 1947.
RISSE, Thomas. Social Constructivism and European Integration. In: WIENER, Antje; DIEZ,
Thomas. European Integration Theory. Second edition. New York: Oxford University Press,
2009. p. 144 - 160.
SEVERO, Luciano W. A importância geopolítica da Bolívia e a integração da América do Sul. Disponível
em: <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-importancia-geopolitica-da-Bolivia-e-aintegracao-da-America-do-Sul/6/25649>. Acessado em: 04/04/14.
90
TAMBS, Lewis (1965) Fatores em America Latina. In: GUMUCIO, Mariano Baptista e
WEISE, Agustín Saavedra. Antologia Geopolitica en Bolívia. Cochabamba: Ed. Los Amigos
del Libro, 1978.
TRAVASSOS, Mário. Projeção Continental do Brasil. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1935.
VALENCIA VEGA, 1968. apud PFRIMER. Heartland Sul-americano? Dos discursos
geopolíticos à territorialização de um novo triângulo estratégico boliviano. GEOUSP, n. 29,
2011, p. 134.
91
O MUNDO ÁRABE SE MOVIMENTA: da transição demográfica à
Primavera Árabe
Fernanda Pulcineli Chrispim de Lima22
Danillo Alarcon
Pontifícia Universidade de Goiás
[email protected]
RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de analisar as raízes histórias da região do
Oriente Médio com a finalidade de compreender como estas podem justificar a explosão
da Primavera Árabe. A região se manteve submissa durante vários séculos ao Império
Otomano e, posteriormente, mais alguns anos sob tutela de países Europeus, como
França e Inglaterra. Desta forma, o processo de desenvolvimento social e político do
Oriente Médio esteve limitado e só pode ter algum progresso após a independência. E é
neste ponto que está a base da compreensão de como a Primavera Árabe eclodiu. Este
será o principal foco de análise que este artigo se propõe estudar.
PALAVRAS CHAVE: Império Otomano, Sociedade Civil, Primavera Árabe.
ABSTRACT: This paper have aims to analyze the Middle East region’s historical roots
in order to understand Arab Spring’s explosion. The region remained submissive over
several centuries to the Ottoman Empire and, posteriorly, more few years under the
tutelage of european countries, like France and England. Thus, the Middle East’s social
and politic development have been limited and only had progress after independence.
And into this point are the base of comprehension of how Arab Spring erupted. This
will be the main focus of analysis that this article intends to study.
KEY WORDS: Ottoman Empire, Civil Society, Arab Spring.
22
Este artigo é fruto do primeiro capítulo do trabalho de conclusão de curso da aluna. A monografia em
questão ainda está em processo de produção.
92
INTRODUÇÃO
O Mundo Árabe é muito mais dinâmico e complexo que o conhecimento comum
costuma tratar do assunto. Uma das características que marca praticamente todos os
Estados que compõem a região é que possuem um longo histórico de subordinação ao
Império Otomano, que durou sete séculos, e que manteve a região unificada. Esta
centralização de poder não só impediu o crescimento individual de cada um dos espaços
geográficos habitados pelos árabes – posteriormente, divididos em Estados – como
também os deixou isolados do sistema internacional, no cenário pós-independência.
A posterior tutela por países Europeus depois do colapso do Império Otomano
também contribuiu para o atraso do desenvolvimento na região, que ganhou
independência de fato a partir dos anos de 1970, no caso específico do Golfo Pérsico.
Este atraso impediu o desenvolvimento de instrumentos de Estado, que mais tarde
geraria insatisfação da população com os governos, o consequente aumento da atuação
da sociedade civil em movimentos políticos e, por fim, culminasse nas manifestações
mais conhecidas como Primavera Árabe.
1. As raízes históricas do Mundo Árabe: O Império Otomano
A região que hoje conhecemos como Oriente Médio, no passado compunha um
grande e unificado Império em quase toda sua extensão. A região passou por um
processo de expansão árabe, no século XI, liderado pelo guerreiro Osman I e seu
exército. A região da Anatólia, hoje conhecida como Turquia, foi a primeira a ser
dominada. Desse ponto iniciaram-se a expansão não só territorial como cultural, com a
propagação dos valores e princípios muçulmanos em uma região que estivera, até então,
sob domínio do Império Bizantino (QUATAERT, 2000, p. 3).
In brief, the Ottomans arose in the context of: Turkish nomadic invasions that
shattered central Byzantine state domination in Asia Minor;a Mongol
invasion of the Middle East that brought chaos and increased population
pressure on the frontiers; Ottoman policies of pragmatism and flexibility that
attracted a host of supporters regardless of religion and social rank; and
luck, that placed the Ottomans in the géographie spot that controlled
nomadic access to the Balkans, thus rallying additional supporters
(QUATAERT, 2000, p. 15).
93
As vitórias de Osman I foram sucessivas e se transformaram em um legado para
as gerações que o sucederam – a geração seguinte, liderada por seu filho Orhan I. Em
cinco séculos, o sudoeste da Europa, o norte da África e parte da Ásia foram,
sucessivamente, dominados e transformados em um só: o Império Otomano, que se
tornou um dos mais poderosos do mundo.
No entanto, em meados do século XVI, o Império Otomano sofreu várias crises.
Países da Europa Ocidental, sobretudo Portugal e Espanha, começaram a financiar rotas
alternativas para se chegar à Ásia. A derrota em algumas batalhas também fragilizou a
imagem de invencibilidade otomana. O Império sofreu desvantagem frente à tecnologia
bélica e naval da Europa. Como aponta Rogan (2009, p. 24),
the collapse of the Ottoman Empire was far from inevitable. Despite Ottoman
territorial losses to European states and Balkan nationalist moviments,
reforms proceeded apace in the institutions of statecraft. The influence of
these reforms would prove an enduring legacy in Arab lands.
2. Da queda do Império Otomano à criação dos Estados árabes
No final do século XIX, o Império Otomano perdeu territórios na Europa, viu
algumas de suas regiões tornarem-se de facto protetorados britânicos ou franceses,
como no caso do Egito e da Argélia, e presenciou a descentralização de seu poder, com
o fortalecimento de líderes e governadores regionais. Ainda que neste período houvesse
as tentativas de algumas reformas, principalmente tecnológicas, o Império foi se
desfalecendo, e não pôde mais fazer frente à influência do pensamento liberal europeu
então vigente e a crise interna por independências das várias regiões que compunham o
Império (ROGAN, 2009, p. 24).
É então no século XX, com a Primeira Guerra Mundial, que o Império se
dissolveu por completo. Entretanto, a região do Oriente Médio não obteve
independência imediata, e passou a ser “tutelada” pela Grã-Bretanha e pela França, que
declararam que os territórios árabes ainda não estavam preparados para a independência
e necessitavam de ajuda para solidificarem-se como Estados.
It was the common wisdom of yhe peacemakers at Versailles that the Arabs
had no experience of statecraft when, following the colapse of the Ottoman
millitary in the First World War, they first emerged among the community of
nations. [...] Britain and France, intente on adding these territories to their
colonial possessions as spoil of war, claimed that the newly liberated Arab
lands were not ready for Independence, but would first require a period of
tutelage in statecraft (ROGAN, 2009, 24).
94
No final da década de 1960, no entanto, a coroa britânica resolveu retirar-se da
região, já que os custos deste protetorado estavam muito altos. Em 1971, a região se viu
completamente independente. Sem a presença inglesa, as tribos recém-libertas tentaram
ainda se unir com o objetivo de se tornarem mais fortes perante a nova realidade de
independentes. Mas apenas algumas obtiveram sucesso: Abu Dhabi, Dubai, Fujairah,
Umm al-Quwwayn, Ajman, Sharjah e Ras al-Khaimah, formando os Emirados Árabes
Unidos (ONLEY; KHALAF, 2006).
É de extrema importância ter em mente como esse processo tardio de
independência e desenvolvimento é crucial para a compreensão da atual conjuntura
política, econômica e social da região. Assim como aponta Vânia Carvalho Pinto (2011,
p. 1), “estes países [...] têm uma história de desenvolvimento muito recente o que, em
parte, ajuda a explicar a reação dos governantes desses países aos protestos tanto nos
seus países como no Bahrein”, sendo este último o único a pedir ajuda por meio de
intervenção externa.
Este histórico de desenvolvimento tardio propiciou que famílias reais regionais
retomassem o poder, instaurando monarquias ou, mais tarde, repúblicas hereditárias, em
ambos os casos caracterizados por seu aspecto autoritário e não democrático. Isto deu
origem a governos com pouca ou nenhuma motivação em investir em aprimoramento de
seus instrumentos de Estados e em políticas sociais. Com a falta de serviços e bens
sociais, as populações não somente começaram a se sentir cada vez mais distantes dos
seus governos, gerando um enorme sentimento de insatisfação, como também deu
espaço para que grupos religiosos ganhassem força dentro na sociedade civil.
3. Sociedade civil nos países árabes
Sem instrumentos de Estado desenvolvidos e com a tradição de monarquias
hereditárias e governos autoritários, as políticas públicas de bem-estar social se
tornaram completamente ineficazes e escassas. Bens sociais geralmente associados ao
Estado não eram fornecidos à população, que acabava por se encontrar em uma
realidade de abandono, pobreza e falta de oportunidades. E isto, não só fragilizou a
legitimidade destes governos, como também deu espaço para que outras instituições não
estatais ganhassem poder e se tornassem poderosas máquinas políticas.
95
No caso do Egito, por exemplo, o movimento Islâmico ganhou poder político ao
se apoderar dos vácuos sociais deixados pelo governo. A ineficiência do Estado em
garantir à sua sociedade políticas públicas – sistema de saúde, educação pública, acesso
digno ao mercado de trabalho – causou uma falta de confiança e uma carência que foi
suprida por instituições dirigidas pelos islamistas.
By combining their message with concrete social action and offering a real
alternative to the existing regime, the Islamists have bolstered their standing
and appeal among many differente sectors of Egyptian society that feel
estranged from and betrayed by ruling order (BERMAN, 2003, p. 261).
Sem a possibilidade de chegar ao poder – nem por meios legítimos e/ou
democráticos, nem por golpes de Estado – e exilados da vida política, essas instituições
não governamentais começam a compreender que ganham poder não derrubando o
Estado, mas reformando a realidade social e cultural do país. E isso foi possível através
da infiltração na sociedade civil.
Na linguagem política de hoje, a expressão ‘sociedade civil’ é geralmente
empregada como um dos termos de grande dicotomia sociedade civil/Estado.
O que quer dizer que não pode se determinar o se significado e determinar
sua extensão senão redefinindo simultaneamente o termo ‘Estado’ [...], por
‘sociedade civil’ entende-se a esfera de relações sociais não reguladas pelo
Estado (BOBBIO, 2007, p.33).
Para a Organização dos Estados Americanos (OEA), e complementando a
definição de Bobbio (2007), a sociedade civil é “constituída por diversos componentes,
como as instituições cívicas, sociais e organizações que formam os alicerces de uma
sociedade em funcionamento”. Desta forma, pode-se entender que sociedade civil são
todas as organizações, grupos ou associações que não passam pelo Estado. Igrejas,
clubes, instituições, organizações não-governamentais (ONGS), são alguns exemplos de
componentes da sociedade civil.
Ainda que os Estados Árabes ainda sejam muito novos, a sociedade civil cresceu
de forma bastante significativa desde a época de independência. Primeiro, como força
pela luta pela própria libertação, no caráter de movimentos nacionalistas, depois, como
forma de reivindicação de bens de serviço sociais que não eram fornecidos pelo Estado,
um espaço vazio foi sendo ocupado por essas instituições não governamentais que
ganharam força nas últimas décadas (BERMAN, 2003).
E o papel da religião é muito forte neste fenômeno social. Os movimentos
islâmicos ganharam força política em vários países, como no Egito, ao fornecer à
96
população educação, saúde, trabalho. E assim, ganham respeito dentro da comunidade e
fortaleceu o Islã. E o papel da sociedade civil nas sociedades árabes, ao longo dos
últimos anos, tem sido de profunda relevância. Ela esteve presente na luta pela
independência, que foi conduzida em nome do “anticolonialismo” (inserido no
progresso social da democracia); esteve inserida na fase em que os governos árabes se
tornaram extremamente autoritários, limitando os direitos políticos e civis das
populações; e, sobretudo, esteve presente na eclosão e desenvolvimento das
manifestações que conhecemos como Primavera Árabe (PACE, 2014).
Entretanto, ainda que tenha tido importância nestas três fases, a sociedade civil
possuiu roupagens diferentes em cada uma delas. A transição demográfica pela qual a
sociedades dos países árabes vêm passando é o ponto crucial de uma mudança cultural
na região. O aumento do nível de alfabetização associado à redução das taxas de
fecundidade (no período entre 1975 e 2005, caiu para a metade) ilustra uma adaptação à
modernização e uma mudança comportamental dessas sociedades (PACE, 2014).
Ainda que tenha ganhado força ao permear a sociedade civil e tornando sua
mensagem cada vez mais incutida nos cidadãos, ora de forma indireta e implícita – com
o fornecimento de serviços sociais que o Estado não provia –, ora de forma explícita –
quando impunha condições, normas e regras dentro da religião islâmica no
fornecimento desses serviços – (BERMAN, 2003, p.261), o Islã não pode conter certos
processos de modernização.
Com o nível de alfabetização (e educação) mais elevado, é natural esperar que
haja uma população, sobretudo jovem, mais informatizada. E este nível de informação,
aliado a meios de comunicação mais avançados e um processo de globalização cada vez
mais acelerado, não só levou à um crescimento de movimentos pró-democráticos, como
a “Muslim Democracy”23 (democracia muçulmana), que cresce através daqueles que
defendem um Estado secular, e dentro das vertentes políticas que almejam uma maneira
de chegar ao poder. Deu também condições para o início de lutas mais veementes contra
os governos vigentes e, principalmente, contra as condições de vida oferecidas por
esses.
23
Para Vali Nars (2005), esta é uma terceira força que vem ganhando força no mundo muçulmano e
assombrando as várias vertentes do poder. Expressão essa que faz evocação à tradição política
associada aos partidos Democráticos Cristão da Europa.
97
TABELA 1: Taxa da Alfabetização em porcentagem nos países com maioria
muçulmana
Nome do País
Taxa de alfabetização (%)
Ano de Estimativa
Qatar
96
2010
Bahrain
95
2010
Kuwait
93
2005
Jordânia
93
2010
Turquia
87
2004
Líbano
87
2003
Arábia Saudita
87
2010
Omã
81
2003
Síria
80
2004
Iraque
78
2010
Emirados Árabes Unidos
78
2003
Irã
77
2002
Iémen
64
2010
Paquistão
55
2009
FONTE: CIA World Factbook, 2012.
A tabela acima ilustra bem essa transição demográfica na educação dos países
Árabes. O Qatar, único país que não passou por nenhuma manifestação e desempenhou
um papel diplomático importante na região, apresenta o melhor índice de alfabetização
da região. Isto se deve, primordialmente, ao fato de ser “um país muito rico com uma
pequena população nativa, o que permite que os benefícios financeiros sejam
distribuídos de forma mais generosa.” (PINTO, 2011, p. 31).
Um ponto interessante de analisar é o caso dos Emirados Árabes Unidos:
economicamente forte e sólido, mas apresenta um número relativamente baixo de
alfabetização. Este fato pode ser explicado pela tardia evolução e atualização dos
métodos de ensino e o alto nível de concentração de renda.
98
O processo evolutivo nos Emirados deu-se em quatro passos. O primeiro e mais
antigo, funcionava através de mecanismos locais de educação em que aqueles
indivíduos mais bem instruídos das vilas e aldeias, os “mutawwa”, ministravam as
crianças da vizinhança.
O segundo era composto por cientistas, acadêmicos e intelectuais que tinham
muito conhecimento em educação religiosa, histórica e gramática, tornando a educação
um pouco mais científica e padronizada. O terceiro passo deu-se pela construção de
centros específicos para o fornecimento de ensino, isto é, escolas.
E, por fim, no quarto passo estes centros de educação foram oficializados como
academias, e universidades foram instauradas com padronização de ensino, qualificação
dos acadêmicos e melhor formação dos estudantes. (UNITED ARAB EMIRETES
MINISTRY OF EDUCATION, s.p).
99
TABELA 2: Valores do Mercado de Trabalho em porcentagem
FONTE: FORSTENLECHNER e RUTLEDGE (2010)
100
Como mostra a segunda tabela, alguns dos países do Golfo Pérsico têm passado
por uma saturação do setor público e um aumento expressivo de desemprego entre os
nacionais. Enquanto as vantagens no setor público são enormes (aposentadoria com
80% do salário, jornadas de trabalho menores, salários incrivelmente maiores, férias
mais longas), o setor privado se torna cada vez menos atrativo, já que o enorme fluxo de
migração de países como Paquistão e Índia, tornou a concorrência desleal: os
expatriados aceitam salários muito abaixo da média, além de não ser necessário o
pagamento de impostos para esses trabalhadores.
Strains are indeed emerging, as high levels of unemployment, despite the
recent economic boom, attest. Demographically, the GCC is experiencing a
period of rapid growth in its youth population, and increasing levels of
educational attainment — while acting to increase salary expectations —
have not made pursuing a private-sector career any more desirable
(FORSTENLECHNER; RUTLEDGE, 2010, p. 39).
Esta realidade só fez aumentar o descontentamento da população com seus
governos. O “contrato social”, isto é, o acordo é feito de maneira implícita entre uma população
e seu governo, deve ser reformulado. A não fiscalização das relações de trabalho para os
expatriados torna a situação bastante complicada para os nacionais. E esta situação leva à uma
perda de legitimidade do governo, ao não proteger e garantir acesso digno ao mercado de
trabalho à sua população. A junção destes dois fatores – altos níveis de alfabetização e altos
índices de desemprego – não poderiam levar a outro lugar senão a um cenário de completa
insatisfação, culminando em manifestações. Neste caso, em especial, à Primavera Árabe.
4. A “Primavera Árabe”: causas e estopim
Foi neste cenário que a Primavera Árabe surgiu. As manifestações iniciaram-se
na Tunísia e, em algumas semanas, se espalharam na região, atingindo Síria, Líbia,
Jordânia, Bahrain, Egito, Iêmen, Líbia, Argélia, Marrocos e Omã. O desabrochar do
sentimento de revolta, em escala regional, só foi possível devido a um alto nível de
insatisfação das populações com os seus governos. De suma importância é compreensão
do perfil geral da população que estava nas ruas manifestando: jovens. Isto é resultado
da soma de dois fatores: maiores índices de alfabetização (educação) e altos níveis de
desemprego.
101
O primeiro fator pode ser entendido como meio pelo qual a revolução aconteceu.
Quanto maior o nível de educação de uma sociedade, mais condições terão seus
indivíduos de terem acesso à informação, assim como também de distribuí-las. Sem
contar, que no caso específico da Primavera Árabe, a internet e as redes sociais tiveram
um papel enorme no desenvolvimento das manifestações. Através de Facebook e
Twitter, os grupos de manifestantes incitavam os cidadãos, organizavam os protestos e
repassavam para o resto do mundo a sua realidade.
Estudos da Dubai School of Government mostraram que o número de usuários
das duas redes sociais na região aumentou incrivelmente: de novembro de 2010 a
janeiro de 2011 foram mais de 200 mil novos cadastros do Facebook na Tunísia. Ainda
de acordo com a instituição, nove em cada dez tunídeos e egípcios afirmaram ter usado
o Facebook para organizar os protestos e aumentar a participação da população nas
manifestações (MOURTADA; SALEM, 2011, p. 2).
As famosas hashtags (marcadas pela cerquilha, #), utilizadas no Twitter, foram
uma boa forma de medir o papel dessas ferramentas na Primavera Árabe: em 2011 a
hashtag mais popular foi #Egypt (Egito, em inglês), tendo sido utilizada, nos primeiros
três meses de protestos no Egito, 1,4 milhões de vezes. Outras hashtags bastante usadas
foram: #Bahrain (Barém, em inglês); #protest (protesto, em inglês); #Yemen (Iêmen,
em inglês); #arabspring (Primavera Árabe, em inglês); #ghaddafi e #Libya (Líbia, em
inglês).
FIGURA 1: Mapeamento de Solicitação de Protesto no Facebook com
demonstração real
102
FONTE: Civil Movements: The Impact of Facebook and Twitter; Arab Social Media
Report (2011)
O segundo fator tem uma importância social enorme. De acordo com a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), o maior aumento no índice de
desemprego registrado foi no Oriente Médio e no Norte da África. Em 2010, havia cerca
de 25,4% de jovens desempregados no Oriente Médio, e 23,1% no Norte da África. No
ano seguinte, a taxa do Oriente Médio foi de 26,5%, e a do Norte da África chegou a
27,9% (BBC Brasil, 2012, s.p.).
103
Além de afetar diretamente a economia, com o empobrecimento da população e
estagnação de todo o processo econômico – desde a capacidade de consumo e fluxos de
capitais, até a falência de vários setores da economia nacional – também tem reflexos da
vida social e religiosa dos indivíduos. A falta de oportunidades de trabalho impede o
acesso ao matrimônio, como é o caso do Egito.
En este país (Egito), por ejemplo, es necesario que un hombre haga
una prueba de que posee una propiedad en la cual vivir con su familia
antes de poder casarse legalmente. La continuación de la crisis
económica en Egipto durante todos estos años dificultó la vida a
muchos jóvenes pretendientes que no podían concretizar esa parte
importante de la religión musulmana y de obtención de estatuto social
través del matrimonio (PINTO, 2011, p.4)
Sem direito de liberdade de expressão, sem direito a voto, sem serviços sociais
básicos de qualidade, a população se sentiu traída e abandonada por seus governos. E
assim, a onda de manifestações de alastrou pelo mundo árabe, levando milhares de
pessoas nas ruas. Homens e mulheres, xiitas e sunitas. Não havia classificações, caráter
político na luta. Ela começou pura e simplesmente como movimentos nacionais por
melhores condições de vida.
É importante ter em mente este quadro inicial da Primavera Árabe. Não foram
grupos religiosos (com vertente política) organizados que pretendiam chegar ao poder.
Não foram grupos políticos que se uniram e planejaram um golpe de Estados. Foi um
despertar, um desabrochar de uma revolução silenciosa que já acontecia há muitos anos
no mundo árabe. Tudo começou como um movimento grass-roots24. A politização dos
movimentos foi um processo natural posterior; uma consequência, e não uma causa.
Assim como mostra Pinto (2011, p. 1) “esse tipo de manifestações não é novo já
que a grande maioria das populações desses países luta contra a repressão política e a
estagnação econômica há várias décadas.”. Lutas, manifestações e protestos não são
fatos inéditos na região. O que tem de novo na Primavera Árabe é o sucesso que alguns
países tiveram em conseguir derrubar seus governantes, como foi no caso da Líbia (com
a morte de Muamar Qadhafi, após 42 anos no poder), no Egito (com o presidente Hosni
24
(Base, fundamento) Expressão que designa todo e qualquer movimento político que tenha
nascido de forma espontânea. Não se sabe ao certo como a expressão surgiu, mas acredita-se
que foi em 1912, pelo senador do estado norte-americano Indiana, Jeremiah Beveridge,
quando disse: "This party has come from the grass roots. It has grown from the soil of people's
hard necessities", quando se referia ao Partido Progressista.
104
Mubarak deposto, pondo fim a um governo de 30 anos) e na Tunísia (com a saída do
governo de Ben Ali, 23 anos no controle político do país).
Tudo começou quando o tunídeo Mohamed Bouazizi, em forma de protesto,
ateou fogo em seu próprio corpo. Ele era um trabalhador informal, feirante de rua –
vendia frutas e legumes. Tinha uma renda mensal de US$150 por mês, e com esta
sustentava uma família de oito pessoas. No dia 17 de dezembro de 2010, inspetores do
governo lhe cobraram propina para permitir que continuasse com suas vendas. Ao
negar, Bouazizi teve seu carrinho de frutas e legumes apreendido e ainda sofreu
agressões físicas (GARDNER, 2014, s.p.).
Indignado, Bouazizi foi até a sede do governo local para reaver sua mercadoria,
mas não foi recebido pelas autoridades. Este foi o estopim para que um cidadão da
Tunísia, como tantos outros, que não recebia do seu governo saúde pública de
qualidade, educação básica e nem oportunidades para um acesso digno ao mercado de
trabalho, e ainda teve o seu único meio de sobrevivência confiscado por agentes
públicos corruptos, se revoltasse. Bouazizi correu até o primeiro posto de gasolina e
então, ele comprou um latão de gasolina, jogou o combustível sobre si
mesmo e acendeu um fósforo.[...] foi levado às pressas para um hospital com
queimaduras em 90% de seu corpo, mas seu ato de desespero levou
multidões enfurecidas às ruas (GARDNER, 2014, s.p.).
Sem intenção, Bouazizi despertava ali uma onda de revolta e de sentimento de
solidariedade ao seu ato desesperado. Seu protesto o transformou em mártir e acendeu
na população tunídea a vontade de lutar. Ele instigou uma vontade de batalhar por
direitos civis e políticos, por melhores condições de vida e mais emprego. Em pouco
tempo, as manifestações tomaram conta do país, levando o presidente da Tunísia, até
então, Ben Ali (um autocrata militar), ser deposto depois de 23 anos no poder, após a
“Revolução de Jasmim”, em janeiro de 2012.
REFERÊNCIAS
BERMAN, Sheri. Islamism, Revolution, and Social Society. Carnegie Endowment, vol.
1, n.2, junho de 2003. Disponível em: <
http://carnegieendowment.org/pdf/files/berman.pdf>.
105
BOBBIO, Noberto. O Conceito de Sociedade Civil. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1982.
CARVALHO PINTO, Vânia. A revolução que não começou: as particularidades da
primavera khaleeji.
CARVALHO PINTO, Vânia. La ola de movimientos pro democracia en Medio Oriente:
Análisis preliminar de las consecuencias políticas para la región del Golfo Pérsico. In:
BALLESTÉ, Elisenda; FÉREZ, Manuel (Orgs.). Medio Oriente y Norte de África:
Reforma, Revolución o continuidad?. Ciudad de México: Senado de la República
Mexicana, 2011.
GARDNER, Frank. O homem que ‘acendeu’ a fagulha da Primavera Árabe. BBC
Brasil, 17 de dezembro, 2011 Disponível em: <
http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2011/12/111217_primavra_arabe_bg
.shtml >. Acesso em: 18/03/2014.
ONLEY, James; KHALAF, Sulayman. Shaikhly Authority in the Pre-oil Gulf: an
historical-anthropoloical study. History and Anthropology, vol. 17, n. 3, p. 189-208,
setembro 2006.
PACE, Enzo. Islã e política – a situação nos países árabes depois da “primavera”. Aulainaugural da Pós-Graduação em Ciência da Religião, PUC Goiás, 2014.
QUATAERT, Donald. The Ottoman Empire, 1700- 1922. Press Syndicate of the
University of Cambridge. United Kingdom, 2000.
ROGAN, Eugene. The Emergence of the Modern Middle East into the Modern State
System. In: FAWCETT, Louise (ed.). International Relations of the Middle East.
Oxford, 2009.
106
TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO:
Análise política, econômica e ambiental
FELIPE LÔBO DUARTE
Graduando em Relações Internacionais na PUC Goiás
[email protected]
RESUMO: Este trabalho consiste em apresentar os desafios e consequências do projeto
de transposição de parte das águas do Rio São Francisco, no Brasil, questionando a
atuação governamental. O que desde 2005, seu início, vem sendo alvo de críticas pelo
custo da obra e pela destinação das águas.
Palavras-chaves: Transposição; Rio São Francisco; Seca do Nordeste.
107
1. INTRODUÇÃO
Qualquer que seja o tema escolhido para abordar no contexto latino-americano,
corremos o risco de sermos generalistas ou superficiais, pois nos deparamos com
modelos econômicos diversos, políticas sociais variáveis e diferentes realizações
governamentais. Logo, o discurso sustentável vem sendo discutido nos últimos anos,
surgindo à necessidade de incorporar atividades que favoreça o meio ambiente e o
indivíduo, havendo uma inter-relação entre esses fatores.
O meio ambiente tem sofrido diversas alterações com o avanço da utilização de
seus recursos, e diante da ideia desenvolvimentista e com o capitalismo, inúmeros
projetos tem sido ampliados para a ampliação de um equilíbrio econômico e social. A
partir disso, o artigo apresentará as razões e consequências da transposição do Rio São
Francisco, no Brasil, visto que os impactos políticos e econômicos podem trazer
consequências ao fator social.
O objeto de estudo foi a análise de documentos, artigos e notícias apresentadas
nos últimos anos, com destaque as críticas feitas pelo geógrafo Aziz Ab’Saber, grande
ambientalista que manteve nos últimos anos, embates capitais, com o questionamento
da transposição do Rio São Francisco, que considera como uma obra mal planejada e
com falta de logística.
Haverá a discussão sobre o planejamento e o decorrer da obra, que possui data
de conclusão para 2015 e apenas 54% das obras no Eixo Norte e 56% do Eixo Leste
foram concluídas até o ano de 2014, e ainda há indícios de greve. Dados obtidos por
pesquisadores, analisando as fases do projeto.
Vale ressaltar o termo “indústria da seca”, que será discutido no trabalho na designação
de estratégias políticas de arrecadação de riquezas com a seca da região Nordeste, que
atrapalha a reorganização de propriedades e favorece as indústrias privadas.
2. ANÁLISE DO CASO
Entre as inúmeras tentativas realizadas para controlar a seca do Nordeste, região
analisada para pesquisa, durante o governo Lula, em 2005, a Agência Nacional de águas
108
(ANA) concedeu outorga o projeto para a Transposição do Rio São Francisco, para
completar a oferta de água no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
Considerado como o Rio da Unidade Nacional, o Velho Chico, como é
chamado, possui, 2.700 km de extensão, nasce na Serra da Canastra, em Minas Gerais,
escoa no sentido Sul-Norte pela Bahia e Pernambuco, quando altera seu curso para o
Sudeste, chega ao Oceano Atlântico, na divisa entre Alagoas e Sergipe. (ANA)
Devido a sua vasta extensão, é dividido em alto, médio, sub-médio e Baixo São
Francisco, ocupando 8% da área de drenagem nacional, 638.576 KM². Sua cobertura
vegetal é composta por fragmentos do Cerrado no alto e Médio, Caatinga no médio e
sub-médio e de Mata Atlântica no Alto. (ANA)
Figura 1 - Divisão geográfica do Vale do São Francisco. Fonte: Projeção
estatística/demográfica elaborada com base em dados do IBGE, 2010
109
Figura 2 – Fonte: ANA, 2010
Em Minas Gerais, corresponde aproximadamente em 37% da sua área total. Já
em toda sua extensão, abrange 521 municípios em seis estados: Bahia, Minas Gerais,
Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Goiás, sendo utilizado como fonte hídrica para a
geração de energia em usinas hidrelétricas, sendo eles: Xingó, Paulo Afonso, Itaparica,
Moxotó, Sobradinho e Três Marias.
O projeto da transposição do Rio São Francisco é antigo, desde 1985, foi
discutido pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento, e em 1999, transferido
para o Ministério da Integração Nacional e acompanhado por vários ministérios, por
outros órgãos, como por exemplo, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São
Francisco.
110
É muito complexo, pois engloba as inúmeras tentativas de solucionar um
problema que há muitos anos afeta os brasileiros que vivem em regiões semiáridas, e
lutam contra a seca. Além disso, deve-se analisar a questão ambiental, pois irá afetar um
dos rios brasileiros mais importantes.
Com o objetivo de assegurar água para 12 milhões de habitantes de 390
municípios do Agreste e do Sertão. Este projeto prevê a retirada de 26,4 m³/s de água, o
equivalente a 1,42% da vazão garantida pela barragem Sobradinho, snedo que 16,4 m³/s
para o Eixo Norte e 10 m³/s para o Eixo Leste. (ANA)
Sua realização foi divida em 2 eixos:
1. Eixo Norte: Levará água para os sertões de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio
Grande do Norte, terá aproximadamente 400 Km de extensão alimentando 4
rios, três sub-bacias do São Francisco (Brígida, Terra Nova e Pajeú) e mais dois
açudes.
2. Eixo Leste: Abastecerá parte do sertão e as regiões do agreste de Pernambuco e
de Paraíba com aproximadamente 220 Km até o Rio Paraíba, depois de passar
nas bacias do Pajeú, Moxotó e da região agreste de Pernambuco.
Figura
3,
Divisão
entre
Eixo
Norte
e
Eixo
Leste.
Fonte:
http://www.jarlescavalcanti.com/2012/05/transposicao-do-rio-sao-francisco.html.
Autor: Cavalcanti Jarles. Acesso em: 24/04/2014
111
Estima-se que serão gastos 8 bilhões de reais durante a obra, que deverá ser
finalizada em 2015. Porém inúmeras paralizações, greves e problemas de licitação
envolvem o referido projeto.
Alguns geógrafos discutem que essa transposição é uma “transamazônica hídrica”, e
que além de ser cara, não será capaz de suprir toda a necessidade da população, devido a
má distribuição que essas regiões possuem e pelo fato de parte da água ser destinada
para a irrigação.
Segundo o renomado geógrafo Aziz Ab’Saber, em um artigo publicado em
2011, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), apresenta que os
brasileiros desconhecem o espaço-físico, ecológico e social, reiterando que o Nordeste
Seco, abrange um espaço físico de 750.000 KM², enquanto a área que pretensamente
receberá grandes benefícios abrange dois projetos lineares, que somam apenas alguns
milhares de quilômetros nas Bacias do rio Jaguaribe (Ceará) e Piranhas/Açu, no Rio
Grande do Norte. Ou seja, dizer que a transposição das águas irá resolver para além de
Araripe é um equívoco.
Sobre a dinâmica climática e hidrológica, o Rio São Francisco é perene, termo
derivado do latim perennis, que significa algo que é constante, dura por muitos anos ou
para sempre. Segundo a hidrologia, designa fontes que nascem água o ano todo, ou um
rio que mantém um estável o ano todo, mesmo no período de estiagem; que cruza
caatingas em certo trecho do seu longo vale.
O solo da caatinga demonstra ser rico em nutrientes ao ser comparado a outros
tipos, como o do cerrado. O que mediante a irrigação, ele permite a obtenção de várias
espécies de culturas agrícolas. Porém, devido à atividade de mineração ao longo do Rio,
a degradação da mata ciliar, pela pecuária e atividades econômicas ao longo dele,
degradam a sua sobrevivência.
Suas águas são utilizadas para o turismo, lazer, irrigação, transporte, entre
outros, o que desempenha um papel muito importante para as cidades próximas e para a
população que vive nas margens do rio. Segundo a ANA, em uma análise realizada em
2010, a agricultura é uma das atividades econômicas mais importantes da região, apesar
de possuir fortes contrastes socioeconômicos, com áreas de acentuada riqueza e alta
densidade demográfica e áreas de pobreza crítica e população bastante dispersa. Dos
456 municípios com sede na bacia, somente 93 tratam seus esgotos.
112
Dentre os mais prejudicados nessa situação, seriam os vazanteiros (povos que
têm a vida ligada ao rio). No caso, são os vazanteiros que habitam as ilhas e os
barrancos de rios como São Francisco, Tocantins e Araguaia.
Já dizia Josué de Castro em 1946, “A fome é o problema ecológico número um.
Afinal, todo ser vivo precisa se alimentar.”. Destaco esta frase de um influente escritor,
que buscou como trabalho a fome pelo mundo. O sucesso de cada sociedade depende do
equilíbrio da questão alimentar, do abrigo e da proteção ao meio em que vivemos.
Analisando pelo “bom senso”, o governo afirmará que estará dando incentivo e
uma nova perspectiva de vida, o que já foi relatado que, com a transposição dessas
águas será favorável para a população, pelo fato de gerar mais empregos diretos e
indiretamente com a construção. Porém, o emprego não solucionará o problema da seca
no semiárido.
Logo, os mais favorecidos seriam aqueles que provêm de fazendas na beira alta,
que serão providos de águas em períodos maiores na região, para o abastecimento do
gado. Claro, que de forma temporária. É evidente que precisamos pensar na área como
um todo, no quesito do não favorecimento apenas de uma parte da população, o que
analiso como um pseudoprojeto.
É extremamente perigoso transições entre agreste e sertão e depois para os
sertões mais secos, pois ao retirar água de uma região médio-baixa do Rio São
Francisco para uma área seca, implicará na área onde foi retirada, pois pode interferir na
situação desenvolvimentista da região.
No ano de 2013, em decorrência de ordens da ANA, em articulação com o
Operador Nacional do Sistema Elétrico, foi autorizada a redução da vazão que sai dos
reservatórios de Sobradinho e Xingó, com o intuito de preservar o armazenamento de
água nos reservatórios. A redução foi proposta em decorrência da necessidade de
preservar o armazenamento de água nos reservatórios, para atingir a demanda de
produção de energia do Nordeste, pois com as alterações climáticas houve a redução do
volume de chuvas nas regiões.
Apresento o caso anterior, com o intuito de discutir a importância deste rio, no
caso, setores como a agricultura, foram bastante prejudicados com essa atuação, devido
à disponibilidade de água para a irrigação, a navegação e a pesca têm sofrido devido à
queda do nível do São Francisco, com enfoque na produção de energia que traz grande
consequência a população. Esses dados, analisados em Abril de 2014 nos fazem refletir
113
as consequências que pequenas medidas podem interferir em pequeno prazo e a
importância deste rio.
Outra discussão favorável é com a teoria da indústria da seca, termo utilizado
para designar estratégias de alguns políticos que aproveitam de tragédia da seca na
região nordeste do Brasil para o ganho próprio. Termo inicialmente utilizado por
Antônio Callado, na década de 60, repórter que produziu importantes reportagens sobre
Xingu e o Nordeste.
Figura 4: A indústria da seca - Fonte: poesiapopularbrasileira.blogspot.com – A
indústria da sec. Autor: Damião Metamorfose. Acesso em 17/04/2014
Um dos problemas analisados na região Nordeste é o chamado “polígono da
seca”, que é a brusca variação pluvial e a forte seca. Porém, a seca pode ser monitorada
e controlada com implantação de técnicas de escassez hídrica, projetos de irrigação.
Essa perspectiva leva os industriais a utilizarem destes incentivos para
conseguirem mais verbas, incentivos fiscais, entre outras concessões. O que atrapalha a
reorganização de certas propriedades e favorece certas propriedades privadas.
A partir disso, a análise que permeia a transposição do Rio São Francisco, é na
campanha do governo atual, que de um lado são aqueles que defendem a legitimidade
da obra, e de outros que defendem que a obra é mais um objeto faraônico.
Resumindo, um dos grandes problemas do nordeste é o fornecimento de água em
troca de votos, a utilização desenvolvimentista no triunfo da carreira eleitoral. O
Nordeste pode servir como alavanque para grupo de pessoas que procuram
desenvolvimento de regiões, políticas públicas e sociais.
A proposta do projeto do governo do PT é trazer um equilíbrio para todos, e
acabar com a seca. Porém, é uma ideia totalmente equivocada, diante do vasto cenário
114
deste projeto, e no investimento econômico na região Nordeste. Cabe a políticas
públicas e ambientalistas, interferirem no cenário atual.
A esperança é que com o apoio do Ministério do Meio Ambiente, possa
interferir em situação mais complexas e concessão de ONGs, geógrafos, para um estudo
periódico da região.
3. CONCLUSÃO
Muito tem sido discutido a respeito da seca do Nordeste e da necessidade de
ajuda que a população necessita. Inúmeras políticas sociais foram e são estabelecidas a
anos para, de forma simples, favorecer a população desta região, e a transposição do Rio
São Francisco, é mais uma atitude do governo para a solução.
O governo diz que a transposição dessas águas será favorável para a população
pelo fato de gerar mais empregos diretos e indiretamente com a construção. Porém, o
emprego não solucionará o problema da seca no semiárido.
Analisando em longo prazo, haverá aumento de emprego, geração de renda, a
população atingida pela seca nos centros urbanos será abastecida com água para
consumo, algumas áreas secas se tornarão novamente produtivas em agricultura e dessa
forma melhorando a qualidade de vida, sendo os grandes produtores e os proprietários
de grandes fazendas os mais beneficiados.
Nessa construção, será necessário não só a transposição das águas, mas de
famílias que vivem a anos nos locais, aproximadamente 33 tribos indígenas precisarão
deixar a terra, cerca de 8 mil índios.
De um lado, defensores lembram que a quantidade de água disponível por
habitante no semiárido nordestino é menos da metade do que a ONU estabelece
destaque na Lei das Águas (Lei nº 9,433). Apesar de o Brasil ser privilegiado na
disponibilidade de recursos hídricos.
No quesito meio ambiente, há o questionamento dos dois lados. Pelo fato do rio
sofrer degradação a anos, há poluição, o risco da salinização e da interferência aquática
e terrestre. Porém, o IBAMA, já se pronunciou, dizendo que os benefícios do
empreendimento superam os impactos negativos da natureza. E já está sendo trabalhada
115
a revitalização dos trechos poluídos. Apesar de que, o ecossistema no entorno do Rio
São Francisco, como a fauna e a flora, será prejudicada.
De forma geral, sigo o pensamento do geógrafo Aziz Ab’Saber, em que
apresenta o seguinte trecho: “A transposição acaba por significar apenas um canal
tímido de água, de duvidosa validade econômica e interesse social, de grande custo, e
que acabaria, sobretudo, por movimentar o mercado especulativo, da terra e da
política.”. Logo, que esqueçamos o cenário social, o bem ao próximo, que
estabeleçamos um movimento de transformação física para o espaço econômico, é uma
mercadoria.
REFERÊNCIAS
Controvérsia Rio São Francisco. Disponível em:
<http://www.controversia.com.br/blog/para-aziz-absaber-transposicao-do-rio-saofrancisco-e-demagogica/>. Acesso em: 17/04/2014.
Cerratinda, Vazanteiros. Disponível em:
<http://www.cerratinga.org.br/populacoes/vazanteiros-ou-barranqueiros/>. Acesso em:
15/04/2014
Ministério da Integração Nacional, projeto são francisco. Disponível em:
<http://www.integracao.gov.br/projeto-sao-francisco1>. Acesso em: 17/04/2015
Mundo educação, transposição do Rio São Francisco. Disponível
<http://www.mundoeducacao.com/geografia/transposicao-rio-sao-francisco.htm>.
Acesso em: 17/04/2014
em:
MST, Aziz Ab’Saber: a quem interessa a transposição do Rio São Francisco.
Disponível
em:
<http://www.mst.org.br/A-quem-interessa-a-transposicao-do-SaoFrancisco-aziz-ab-saber>. Acesso em: 17/04/2014
Paralização Rio São Francisco. Disponível em:
<http://g1.globo.com/ceara/noticia/2014/03/operarios-paralisam-transposicao-do-riosao-francisco-em-mauriti-no-ce.html>. Acesso em: 10/04/2013
Indústria
da
Seca,
século
XIX.
Disponível
<http://pt.slideshare.net/IsabelAguiar1/a-industria-da-seca-no-brasil>.
Acesso
05/04/2014
em:
em:
A transposição das águas do Rio São Francisco: análise crítica. Ab’Saber, Aziz.
Revista USP. São Paulo, n.70, p. 6-13, junho/agosto 2006
116
Região Hidrográfica do São Francisco, ANA - Agênca Nacional de Águas.
Disponível em: < http://www2.ana.gov.br/Paginas/portais/bacias/SaoFrancisco.aspx>.
Acesso em: 24/04/2014
Campos, Ana Cristina. Agência Brasil. 2014, Redução do volume do Rio São
Francisco afeta economia e população do Nordeste, Disponível em: <
http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-04/reducao-do-volume-do-rio-saofrancisco-afeta-economia-e-populacao-do-nordeste> Acesso em: 24/04/2014
A ONU em ação e a água. Disponível em: http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/aonu-em-acao/a-onu-e-a-agua/ Acesso em: 24/04/2014
Lei das Águas. Disponível em: < http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2010/10/leidas-aguas> Acesso em: 24/04/2014
Leff, Enrique. Discursos sustentáveis. Ed. Cortez. 2010. Cortez
Porto-Gonçalves, Carlos Walter. Os porquês da desordem mundial, o desafio
ambiental. Ed. Record
Reigota, Marcos. Meio ambiente e representação social. Ed. Cortez. 8ª edição
Moreira, João Carlos. Geografia geral e do Brasil: espaço geográfico e
globalização/João Carlos Moreira, Eustáquio de Sene. Ed. Atual. São Paulo: Scipione,
2007
Magnólio, Demétrio. Geografia para o ensino médio – 2ª edição. São Paulo. Ed.
Atual, 2012
117
UCRÂNIA: ANÁLISE DA DISPUTA ENTRE AS POTÊNCIAS COM UMA
VISÃO CRÍTICA DO DIREITO INTERNACIONAL
Júlio da Silveira Moreira
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
[email protected]
RESUMO: O conflito na Ucrânia tem se desenvolvido a partir do novo estágio da crise
institucional aberta em novembro de 2013, e que prossegue em 2014 tendo o país como
objeto de um conflito maior entre dois blocos de potências imperialistas, que traça as
bases de uma nova guerra mundial. O referencial teórico utilizado é a Teoria do
Imperialismo de Lênin, e a análise se perfaz com uma visão crítica do Direito
Internacional, apontando as contradições no âmbito das Nações Unidas e no direito de
autodeterminação. Ao fim, questiona-se onde está o povo da Ucrânia e qual o seu papel
nesse contexto.
Palavras-chave: Ucrânia; Imperialismo; Direito Internacional; Autodeterminação.
ABSTRACT: The conflict in Ukraine has developed over the new stage of institutional
crisis started in November 2013, and continuing in 2014 having the country as part of a
larger conflict between two blocks of imperialist powers that traces the foundations of a
new world war. The theoretical framework is the Lenin’s Theory of Imperialism, and
the analysis is made up with a critical view of International Law, pointing out the
contradictions within the United Nations and the right to self-determination. At the end,
it questions where the people of Ukraine is and what their role in this context is.
Keywords: Ukraine; Imperialism; International Law; Self-determination.
118
1. Introdução
O atual cenário de violência e crise institucional na Ucrânia remete à onda de
protestos reiniciada em novembro de 2013. No decorrer do primeiro semestre de 2014, a
situação continua se agravando, ficando cada vez mais intensas as manobras de guerra
entre o bloco dos Estados Unidos e União Europeia, de um lado, e o bloco da Rússia, de
outro. Para a maior parte dos analistas internacionais e monopólios de comunicação, a
perspectiva se reduz a mostrar os aspectos negativos e positivos de cada um desses
blocos, como se a saída fosse apoiar algum deles. A análise é feita pela tradicional visão
dos “senhores da guerra”, individualizando e heroicizando as lideranças de cada bloco.
O que essas análises deixam a desejar é que cada um não é mais que a expressão ou
figura política de cada um dos interesses econômicos em jogo e que envolvem
operações bilionárias, especialmente no setor energético e no controle das vias de
transporte, assim como interesses estratégicos em que o domínio da região assegura o
avanço ou retrocesso militar e logístico sobre outras regiões.
Por isso é imprescindível que a análise esteja guiada pela Teoria do
Imperialismo (não a visão vulgar que reduz o termo a potencialidade ofensiva militar,
mas o referencial teórico que explica as relações internacionais a partir do capitalismo
monopolista, o processo de fusão e fragmentação de capitais e o papel dos Estados
nesses processos).
Outra tendência que reduz a análise é identificar apenas os Estados Unidos como
Imperialismo, o que obscurece a compreensão de que o behavior desse sistema é
exatamente as disputas entre potências, e que respaldar um imperialismo (no caso, o
russo) contra o outro só reforça lógica catastrófica do sistema.
Quem apoiar nessa contenda, então? A pergunta leva a outra, ainda mais
relevante: onde está o povo nessa história? Está ali, protestando contra a repressão
promovida por todas as frações do conluio imperialista, que ao mesmo tempo tentam
jogar com o protesto popular, até certo limite que não atrapalhe suas manobras de
guerra. Essas frações também tentam jogar com o Direito Internacional, invocando o
princípio da autodeterminação cada qual com uma interpretação que mais lhe favoreça.
2. Breve histórico da situação recente na Ucrânia
119
A história recente da Ucrânia remete à disputa entre potências imperialistas pelo
seu controle. Especialmente durante e após o processo de dissolução da União
Soviética, culminado em 1991, as potências europeias e os Estados Unidos já
disputavam a influência sobre esse país. Quando, em 2004, um líder pró-Rússia, Viktor
Yanukovych, venceu as eleições presidenciais, foi impedido por um processo chamado
de Revolução Laranja, que colocou no poder o grupo derrotado nas eleições (formado
por Viktor Yushchenko e Yulia Tymoshenko). Esse processo, mostrado na imprensa
ocidental como um modelo de organização e ativismo democrático e resistência
pacífica, foi sustentado pelos Estados Unidos, através de organizações como a USAID
(Agência para o Desenvolvimento Internacional) e o George Soros’ Open Society
Institute (Instituto Sociedade Aberta de George Soros, um dos grandes controladores
das finanças mundiais).
A disputa seguiu no Parlamento Ucraniano, levando Yanukovych novamente ao
posto de Primeiro Ministro em 2006, sendo novamente derrubado por novas eleições
parlamentares em 2007. Em 2010, o mesmo é novamente eleito presidente. Entre 2010 e
2011, Yulia Tymoshenko foi presa após ser condenada em diversos julgamentos
criminais por corrupção.
Ainda em 2010, Yanukovych celebrou com a Rússia o acordo de Kahrkov,
prorrogando o arrendamento da base naval na região portuária estratégica de
Sevastópol, no Mar Negro, até 2042, com possibilidade de ser estendido por mais cinco
anos. O acordo envolvia investimentos da Rússia na região de Sevastópol e redução do
preço do gás natural fornecido pela Rússia à Ucrânia.
No fim de 2013, a possibilidade de firmar o Acordo de Associação com União
Europeia representaria uma mudança de rumos na política de Yanukovych, levando à
revogação dos acordos comerciais com a Rússia, incluindo o acordo de Kharkov. As
tratativas envolviam uma série de disputas de frações do Estado ucraniano por
empréstimos e salvaguardas, ora da União Europeia, ora da Rússia, até que foram
suspensas, levando a protestos de rua em Kiev, em favor da associação da Ucrânia à
União Europeia, tendo a Praça da Independência (Maydan) como centro. Os protestos
tomaram outra feição depois da repressão violenta das forças policiais, com bombas de
gás, agressões e prisões, culminando com a aprovação, pelo Parlamento, das leis antiprotesto em 16 de janeiro de 2014, com restrições às liberdades de expressão e de
reunião. Os protestos prosseguiram de maneira ininterrupta, culminando no período
120
entre 18 e 20 de fevereiro, com a ocupação do Ministério da Justiça, 98 mortes e
milhares de feridos.
Em 22 de fevereiro, o Parlamento aprovou, por votos de 328 dos 447 membros,
a remoção de Yanukovych do posto de presidente, por considerá-lo incapaz de cumprir
com seus deveres, e estabeleceu eleições para 25 de maio. Ele, por sua vez, afirmou que
não iria renunciar e retirou-se para lugar incerto, de onde segue fazendo comunicados
como pretensão oficial. O grupo pró EUA-EU instalado no poder de fato em Kiev é
formado por forças de extrema direita que colaboraram com os nazistas para combater a
então União Soviética. Ao assumir o poder, não tardou em prosseguir nas políticas de
austeridade impostas pelo FMI, cortes de pensões, enxugamento do serviço público e
programa de privatizações.
Em meio a tudo isso, a Rússia, também apoiada por grupos europeus de extrema
direita, se apressou por anexar a Criméia e consolidar sua zona de influência no leste da
Ucrânia, especialmente nos estados de Donetsk e Luhansk. Parte dos analistas
internacionais não se refere ao episódio da Criméia como anexação, alegando que o
Parlamento da Criméia aprovou, em 6 de março, sua entrada na Federação Russa, o que
foi confirmado em referendo popular em 16 de março. Acontece que a Rússia
estabeleceu o controle militar da Criméia desde 2 de março. Em 15 de março, o
Conselho de Segurança das Nações Unidas havia submetido a votação uma resolução
para que os Estados membros não reconhecessem o referendo, porém a resolução foi
obstada pelo veto da Rússia.
3. Teoria do Imperialismo aplicada ao conflito da Ucrânia
Lênin definiu o Imperialismo como a fase superior do capitalismo, formada pela
passagem do capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista, com fusão do
capital industrial ao capital bancário, formando o capital financeiro e as sociedades por
ações, e pelo fim da partilha colonial do mundo entre as potências dominantes, levando
às constantes e acirradas pugnas entre potências pela repartilha do mundo, gerando
situações propensas para a guerra.
A conquista das colônias não começou, mas, pelo contrário, acabou na época
imperialista. Nessa época, porém, a importância das colônias e a significação
da política colonial mudaram essencialmente. (SEGAL, 1946, p. 469-470).
Nas condições, porém, em que o mundo inteiro já se encontra repartido, num
momento em que não há mais terras desocupadas, a acentuação da
desigualdade significa a inevitabilidade das guerras imperialistas mundiais
121
para uma nova repartição das terras já ocupadas. Podem-se adquirir novas
colônias, não por meio da conquista de países atrasados, e ainda não
conquistados (pois já não existem), mas arrancando-os pela guerra, por meio
da guerra, a outros países imperialistas. (SEGAL, 1946, p. 473).
Essas passagens são esclarecedoras, por mostrar o quanto acirradas são as
disputas entre grupos monopolistas e entre potências imperialistas, nesse período que
surge e se consolida entre o último quarto do século XIX e o primeiro quarto do século
XX. É exatamente nesse contexto que se desenvolve a Primeira Guerra Mundial, e é nas
condições do imperialismo que surge o fascismo que leva à Segunda Guerra Mundial
num contexto não só inter-imperialista, mas também de luta mundial contra o nazifascismo.
Lênin, que compreendia o imperialismo desde os seus laços econômicos (muito
além da caracterização do imperialismo como pujança político-militar, como é
associado até os dias de hoje), mostra que as potências utilizam várias formas de
solução de controvérsias em sua disputa pelo controle do mundo, desde as formas
diplomáticas até a guerra total e aberta. Há “formas variadas de países dependentes que,
dum ponto de vista formal, político, gozam de independência, mas que na realidade se
encontram envolvidos nas malhas da dependência financeira e diplomática” (LÉNINE,
1984c, p. 364). As potências, todavia, não hesitam em usar dos meios violentos que vão
desde os embargos e bloqueios, até as ofensivas militares. Elas se generalizam em
guerra mundial no momento em que a pugna atinge os interesses imediatos de todos os
Estados imperialistas (SEGAL, 1946). Num nível avançado de disputa interimperialista, as potências não combatem sozinhas, mas formam blocos e alianças
militares para combater entre si. É nessa alternância entre uniões e pugnas entre as
potências que se formam as organizações internacionais, definidas por Lênin como
“tréguas ente guerras”:
As alianças “interimperialistas” [...] – seja qual for a sua forma: uma coligação
imperialista contra outra coligação imperialista, ou uma aliança geral de todas as
potências imperialistas –, só podem ser, inevitavelmente, “tréguas” entre guerras. As
alianças pacíficas preparam as guerras e por sua vez surgem das guerras, conciliandose mutuamente, gerando uma sucessão de formas de luta pacífica e não pacífica sobre
uma mesma base de vínculos imperialistas e de relações recíprocas entre a economia e a
política mundiais. (LENINE, 1984c, p. 396) (grifo meu)
Nada, nenhuma análise do melhor analista internacional contemporâneo pode ser
mais esclarecedora que essa passagem de Lênin. A Organização das Nações Unidas
122
surge precisamente com esse carácter, ao fim da Segunda Guerra Mundial, selando uma
aliança interimperialista contra os vencidos naquele conflito, iniciada nos acordos entre
Estados Unidos, Reino Unido e França, na Conferência do Atlântico, em 1943. De outro
lado, a Rússia, naquele momento, se punha à frente da luta mundial dos povos contra o
nazi-fascismo, tendo realmente alcançado sua derrota momentânea. Porém, integra a
mesma estrutura que se consolidou como a principal aliança inter-imperialista
contemporânea, que tem como centro o Conselho de Segurança das Nações Unidas. O
Capítulo VII da Carta das Nações Unidas estabelece os procedimentos a serem tomados
para que Estados membros possam adotar medidas violentas contra Estados membros
ou entidades que, sob o juízo do próprio Conselho de Segurança, houverem praticado
“ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão” (art. 39). O Conselho de Segurança,
portanto, constitui-se no órgão que confere legitimidade a uma agressão militar. Isto
deve ser compreendido lembrando-se da doutrina da guerra no Direito Internacional
clássico, segundo a qual a guerra injusta é aquela que viola a paz e a guerra justa é
aquela feita em legítima defesa a uma guerra injusta. Tudo fica, portanto, à mercê de
quem tem legitimidade para dizer qual das partes num conflito está violando a paz, e
qual das partes está agindo em legítima defesa, o que é extremamente relativo já que
uma guerra se forma num contexto de agressões mútuas.
Acontece, porém, que a Organização das Nações Unidas sela uma aliança
fundamental entre parte das potências imperialistas (os cinco membros permanentes do
Conselho de Segurança: Estados Unidos, Reino Unidos, França, Rússia e China), e as
demais potências ou mesmo países periféricos estão ligados por relações de influência a
uma ou algumas dessas cinco potências, o que faz com que o poder de veto crie
problemas para planos particulares de alguns blocos imperialistas. É o que acontece
precisamente no caso da Ucrânia, em que Estados Unidos e União Europeia ficam
impossibilitados de adotar sanções contra a Rússia no Conselho de Segurança, e a
recíproca também é verdadeira. Isso faz com que aquele bloco recorra à sua organização
militar internacional, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e a Rússia
conte, por sua vez, com seu próprio poderio militar e o de seus aliados na Ásia e Oriente
Médio.
A Rússia se lança como potência imperialista desde a viragem ocorrida com a
chegada de Kruchov ao poder, conforme profundamente demonstrado pelo Partido
Comunista da China em suas cartas em resposta às polêmicas com o Partido Comunista
da União Soviética. A política de Kruschov, chama por aqueles de revisionismo
123
contemporâneo, assumia, frente à situação mundial, posturas típicas dos países
imperialistas, que, ao invés de fortalecer o campo socialista contra o campo imperialista,
tentava submeter o campo socialista à sua esfera de influência visando a manutenção de
sua própria oligarquia financeira:
Em nome da “divisão internacional do trabalho”, se opõem a que estes países
sigam a política de construir o socialismo apoiando-se principalmente em seus próprios
esforços e desenvolvam sua economia sobre a base da independência; tentam assim
converter os países irmãos em seus apêndices econômicos. Tratam de forçar os países
irmãos como relativo atraso econômico, a abandonar a industrialização, de modo que se
convertam em suas fontes de matérias primas e em mercado para os excedentes de sua
produção. (PCCh, 2003, p. 312)
Propaga ativamente que a “coexistência pacífica” entre as nações oprimidas e o
imperialismo civilizado trará um “rápido crescimento da economia nacional” e um
“aumento das
forças
produtivas”, facilitará aos
países oprimidos
“ampliar
incomparavelmente seu mercado interno”, e “proporcionar mais matérias primas,
distintos produtos e mercadorias necessários para a economia dos países industrialmente
desenvolvidos” e, ao mesmo tempo, “elevará consideravelmente o nível de vida da
população dos países capitalistas desenvolvidos. (PCCh, 2003, p. 225-226)
Durante a chamada Crise dos Mísseis, em 1962, a União Soviética de Kruschov
adotou essa mesma política em relação a Cuba, usando irresponsavelmente o território
de Cuba como mero apêndice para sua pugna contra os Estados Unidos. Em resposta
aos Estados Unidos, que haviam instalado mísseis atômicos na Turquia voltados para a
União Soviética, esta instalou seus mísseis atômicos em Cuba, voltados para aqueles. O
problema é que ali o governo da União Soviética não via os povos em luta, como o
povo cubano, como o caminho para combater o imperialismo parte por parte, mas sim
via Cuba como um território estratégico para suas manobras militares e sua rede de
exploração econômica.
É assim que os dois blocos em disputa veem atualmente a Ucrânia. Inclusive em
matéria econômica, a Ucrânia é estratégica por ser o ponto de passagem necessária do
petróleo e do gás natural que saem da Ásia e Oriente Médio para a Europa Ocidental. E
muitas companhias do setor energético que tinham uma relação estável com o governo
da Ucrânia, estão tendo de refazer negociações após a anexação da Criméia pela Rússia.
Como demonstra Moniz Bandeira (2014):
124
O governo da Crimeia logo anunciou a nacionalização dos gasodutos e campos
operados pelas companhias estatais da Ucrânia - ChornomorNaftogaz e Ukrtransgaz –
incluindo o subsolo, no litoral do Mar Negro, e as grandes companhias petrolíferas Royal Dutch Shell Plc (RDSA), Exxon Mobil Corp. (XOM) Shell e Chevron Corp, Eni
Span. (ENI) haviam firmado contratos com o governo de Kiev para a prospecção e
exploração de petróleo e gás, nessa região.
Ao reintegrar a Crimeia à Rússia, o presidente Vladimir Putin deu notável golpe
nas pretensões dos Estados Unidos e da União Europeia. Bloqueou o acesso físico de
Kiev às virtuais fontes de energia no Mar Negro e assustou as empresas petrolíferas que
lá estavam dispostas a investir. Um consórcio, que incluía a Exxon e Royal Dutch Shell
Plc (RDSA) planejava investir US$735 perfurar dois campos - Skifska e Foroska - a
80km no sudoeste do litoral da Crimeia.
As companhias petrolíferas terão certamente de fazer novas negociações e aí
com as autoridades de Simferopol e de Moscou. A Gazprom já solicitou permissão às
autoridades da Crimeia para explorar as reservas do litoral. E a Ucrânia, com uma
economia improdutiva, terá outros grandes prejuízos.
O atual governo da Ucrânia, reclamando as históricas dissidências com a Rússia,
invoca o princípio da autodeterminação dos povos para opor-se às investidas militares
russas, ao mesmo tempo em que sinaliza para autorizar a instalação de bases da OTAN
em seu território. Esta prática expõe o quanto falsa e relativamente o princípio da
autodeterminação é invocado nas condições atuais da política internacional marcada
pelo imperialismo, quando um Estado invoca sua soberania para permitir-se colocar-se
sob a proteção de outro Estado, abrindo mão, paradoxalmente, de sua soberania.
4. A questão nacional e o direito de autodeterminação
O principal argumento do bloco pró-União Europeia, atualmente no poder de
fato em Kiev, para combater a ocupação militar da Rússia, é sobre o princípio da
autodeterminação dos povos.
Trata-se de um princípio básico do Direito Internacional, decorrente do princípio
máximo da igualdade soberana entre Estados, estabelecido com a Paz de Westphalia,
em 1648, definida como o marco do surgimento do Direito Internacional moderno. Esse
tratado de paz definiu grande parte das fronteiras do continente europeu, especialmente
as fronteiras entre os Estados participantes na Guerra dos Trinta Anos que lhe
125
antecedeu. O princípio, portanto, estabelecia que, uma vez definidas essas fronteiras, um
Estado não poderia se meter nos assuntos do Estado vizinho. Daí vem o direito mais
básico de um Estado, que é o direito de existir e decidir sobre seu próprio destino, e o
dever mais básico, que é o dever de não intervenção nos assuntos internos de outro
Estado.
O princípio da autodeterminação dos povos, porém, vai além da concepção
rígida e estatista da igualdade soberana entre Estados. Diz respeito ao próprio
pressuposto para a formação de um Estado, que é, em tese, a soberania popular.
Contrariamente a esse pressuposto, as fronteiras são, na prática, formadas muito mais
pelos acordos de paz entre grupos dominantes, que partilham o mundo entre si, do que
pela identidade comum dos povos que habitam um ou mais Estados. Aliás, as
concepções de Direito Internacional cristalizadas com a Paz de Westphalia ignoravam o
que estava acontecendo na maior parte do planeta naquela época, que era o mundo
colonizado. Como falar em igualdade soberana quando para a maior parte do mundo
sequer lhe era permitido conformar-se como Estado? Esse paradoxo percorreu toda a
história posterior do Direito Internacional, passando pelos processos de descolonização,
até chegar aos dias atuais, em que, sob a égide do imperialismo, as disputas entre as
potências por territórios é ainda mais acirrada (MOREIRA, 2011).
Lênin dedicou vários textos ao direito das nações à autodeterminação, pois este
tema, dentro da questão nacional, era fundamental para orientar a estratégia da luta dos
povos oprimidos contra o imperialismo.
No processo de ascensão e estabelecimento da burguesia como oligarquia
dominante no plano internacional, as reivindicações jurídicas de liberdade e igualdade,
que serviram para a luta de libertação dos regimes feudais, se converteram no seu
oposto, num instrumento de opressão dos povos dominados por essa burguesia. O
direito das nações à autodeterminação já não podia ser invocado sob sua concepção
burguesa tradicional. Isto não significava, por outro lado, que a luta por
autodeterminação tivesse perdido seu significado, já que, sob a égide do imperialismo,
os países dominados são permanentemente impedidos de exercer esse direito, salvo
quando ele esteja sendo tergiversado em favor de alguma potência.
O imperialismo é a progressiva opressão das nações do mundo por um punhado
de grandes potências, é a época das guerras entre estas pelo alargamento e o reforço da
opressão sobre as nações, a época da mistificação das massas populares pelos sociaispatriotas hipócritas, isto é, por pessoas que a pretexto da “liberdade das nações”, do
126
“direito das nações à autodeterminação” e da “defesa da pátria” justificam e defendem a
opressão da maioria das nações do mundo pelas grandes potências (LÉNINE, 1984b, p.
274).
A própria Rússia sempre foi um país heterogêneo do ponto de vista nacional.
Mesmo antes da revolução, a demanda das nações não russas era usada pelas respectivas
classes latifundiárias e burguesas para “desviar a classe operária, através da luta
nacional ou da luta por uma cultura nacional, das suas grandes tarefas mundiais” (Lênin,
1984a, p. 98):
Os capitalistas e latifundiários querem a todo o custo dividir os
operários das diferentes nações, enquanto eles próprios, os poderosos
deste mundo, vivem excelentemente em conjunto como acionistas de
“negócios” que “rendem” milhões” (Lênin, 1984a, p. 99).
Isso significava, em outras palavras, que o movimento de libertação nacional só
poderia avançar se estivesse unido ao movimento comunista internacional. Os povos
das nações oprimidas, se não estão irmanados e aliados aos operários das nações
opressoras (ao proletariado), tornam-se involuntariamente aliados a uma ou outra fração
burguesa, “que trai sempre os interesses do povo e a democracia, sempre pronta, por seu
lado, a anexar e oprimir outras nações” (LÉNINE, 1984b, p. 274).
Em outros textos, Lênin mostra que a posição dos comunistas deve ser de
sempre apoiar a autodeterminação dos povos, sob o princípio de que não pode ser livre
um povo que oprime outros povos: “Porque é que nós, grão-russos, que oprimimos um
número maior de nações que qualquer outro povo, temos de renunciar a reconhecer o
direito à separação da Polónia, da Ucrânia, da Finlândia? [...] todo o socialista russo que
não reconheça a liberdade da Finlândia e da Ucrânia cairá no chauvinismo” (1977b).
Porém, tampouco a separação deveria ser um ato forçado: era justo que os operários
desses países decidissem unir-se aos operários da Rússia e fortalecer o movimento
revolucionário internacional.
A autodeterminação, portanto, não poderia ser tomada como um direito abstrato
e absoluto, assim como nenhum direito é, na prática, abstrato e absoluto, mas dado
dentro de um contexto histórico em função das lutas concretas. Para Lênin (e esta era
precisamente a razão de sua crítica à concepção de Rosa Luxemburgo), a essência não
estava nas definições jurídicas, mas sim na experiência dos movimentos nacionais do
mundo inteiro: “compreender o significado da autodeterminação das nações sem brincar
com as definições jurídicas, sem ‘inventar’ definições abstratas, mas analisando as
condições histórico-econômicas dos movimentos nacionais” (1977a).
127
Em suas teses sobre a questão nacional ao Segundo Congresso da Internacional
Comunista, Lênin assim sintetizava os critérios objetivos da autodeterminação:
Primeiro, deve ser considerada a situação histórica, concreta, e
(sobretudo) econômica; segundo, a diferença exata entre os interesses
das classes trabalhadoras exploradas e oprimidas, e o conceito geral de
interesse nacional, que significa os interesses da classe dominante;
terceiro, a clara distinção entre nações oprimidas, dependentes e
carentes de direitos iguais, e as nações que são opressoras e
exploradoras. (apud PASHUKANIS, 1980, p. 154) (tradução minha).
Sempre que, na época do imperialismo, os povos oprimidos se levantaram pela
secessão (separação) de Estados, sem estar vinculados ao interesse de uma potência
imperialista, foram e têm sido duramente reprimidos por estas mesmas. Podemos citar,
como exemplos, o País Basco, a Irlanda, o Curdistão e a Palestina.
Por outro lado, sempre que uma separação foi útil para alguma das potências em
disputa, ela se deu após cruentas guerras. A própria política estadunidense da América
para os americanos (Doutrina Monroe), ainda no começo do século XIX, se deu sob
essa lógica, já que a independência das colônias de Portugal e Espanha na América
Latina interessavam aos Estados Unidos, que poderiam comercializar com esses países
“independentes” sem o intermédio de suas antigas metrópoles. Em 1898, com o Tratado
de Paris, quatro colônias (Cuba, Porto Rico, Filipinas e Guam) que lutavam pela
independência da Espanha foram literalmente transferidas para os Estados Unidos. Mais
tarde, os Estados Unidos apoiaram a separação do Panamá da Colômbia, culminada em
1903, em troca do controle do Canal do Panamá.
E esses são apenas alguns exemplos que mostram como, não só os Estados
Unidos, mas também as demais potências imperialistas têm ao longo da história
utilizado o princípio da autodeterminação para anexar territórios, diretamente
colonizados ou levados às suas esferas de influência. O próprio movimento de
descolonização da África e da Ásia, ao ser incorporado ao receituário das potências, se
deu num sentido de disputas por territórios e zonas de influência.
A ardorosa defesa do livre comércio, dando a tônica das relações políticas e
econômicas do pós Segunda Guerra Mundial, especialmente com a Conferência de
Bretton Woods, em 1944, se deu no sentido da disputa entre as potências. Com o livre
comércio, essa disputa consumava uma nova forma, que era a dos acordos de livre
comércio e a manutenção do status quo da política internacional através de instituições
como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Acordo Geral de Tarifas
128
de Comércio (ou GATT), que depois se consolidou como Organização Mundial do
Comércio (MOREIRA, 2011).
A polêmica atual sobre a Ucrânia se insere nesse corpo de análise. Os dirigentes
pró-União Europeia invocam a plenos pulmões o direito de autodeterminação, para
repudiar as ações de anexação por parte da Rússia, ao mesmo tempo em que sinalizam
para autorizar a instalação de bases da OTAN em seu território. Por outro lado, o direito
de autodeterminação é invocado pela Criméia para reivindicar sua separação da Ucrânia
e união à Federação Russa. Duas versões opostas sobre os mesmos fatos, cada uma
sustentando à sua forma o direito de autodeterminação. Na Criméia, dizem que se Kiev
buscasse a autodeterminação, não aceitaria a aproximação da União Europeia e muito
menos a instalação das bases da OTAN. Em Kiev, dizem que se a Criméia buscasse a
autodeterminação, não se vincularia imediatamente à Federação Russa. Isso torna
evidente que a autodeterminação não pode ser tomada como um princípio abstrato, mas
sim em sua expressão concreta, e que a questão nacional não pode ser resolvida por
nenhuma potência imperialista, como as que hoje transformam a Ucrânia em teatro de
guerra.
5. À maneira de conclusão: onde está o povo?
O protesto popular, aqui, só é ressaltado na medida em que pode ser manipulado
por uma ou outra potência. É importante notar como muitos analistas internacionais são
incapazes (ou deliberadamente não o fazem) de olhar para as bases sociais do conflito, e
se limitam a descrever, de maneira fetichizada, as movimentações dos chefes de cada
um dos blocos imperialistas. Em última instância, esses analistas estão seguindo a linha
política de seus respectivos patrões, sejam eles pró-Rússia ou pró-“Ocidente”. O mesmo
se dá com grupos oportunistas de esquerda, que, sob a miopia de ver apenas os Estados
Unidos como imperialismo, colocam-se do lado do imperialismo russo, reproduzindo as
práticas dos sociais-chauvinistas e sociais-imperialistas a que Lênin se referia em sua
época.
É claro que as massas populares da Ucrânia, em qualquer parte do país, estão
lutando, porque são elas que são afetadas pelo cenário mundial de crise econômica e
empurradas para as condições mais duras de vida. Elas protestam, e seu protesto é
canalizado pelas forças políticas que sustentam um ou outro bloco imperialista.
129
A onda de protestos é aguçada pela repressão, com as leis anti-protesto, que
trazem agressões, prisões, mortes e mais protestos, chegando a um ponto em que ambos
os blocos se coadunam para ficar contra o povo, seu verdadeiro inimigo. Este agora se
vê confrontando não com um ou outro bloco de poder, mas contra o poder do Estado e
suas ligações com o imperialismo.
Em seu horizonte estão colocados dois caminhos: rastejar-se para as oligarquias
financeiras, trocando um grupo opressor por outro, ou combater o imperialismo em
todas as suas formas. Como observa Mário Lúcio de Paula (2014), forças populares
autênticas têm formado grupos de autodefesa nos bairros e nos protestos:
Como fruto da própria luta das massas, têm surgido em várias regiões da
Ucrânia grupos independentes em aliança entre comunistas, forças patrióticas
e democráticas anti-imperialistas que opõem resistência armada à ação dos
neonazistas e organizações da extrema-direita. São formados grupos de
autodefesa popular nos bairros e nas manifestações e erguidas barricadas em
diversas cidades. Em páginas da internet podem ser vistos vídeos com
concentrações de massas e protestos erguendo palavras de ordem contra o
imperialismo e até mesmo concentrações de mulheres numa barricada em um
bairro de Sloviansk, leste do país, cantando o hino do proletariado, A
Internacional.
Assim como em outros conflitos, como na Síria e no Egito, as forças populares
são invisibilizadas pelos monopólios de comunicação, que já possuem receitas pronta
para mostrar a resistência anti-imperialista como “rebeldes” e “terroristas”, vinculandoos a um ou outro bloco de poder. Enquanto isso, o conflito entre potências é arrastado
gerando mais guerras e anexações sob o falseamento de pretextos jurídicos como o da
autodeterminação. O avanço da resistência popular anti-imperialista e o exercício da
verdadeira autodeterminação dos povos depende do desenvolvimento da situação
revolucionária não só na Ucrânia, mas em todo o cenário mundial. Esse
desenvolvimento já está conflagrado com a crise endêmica e as inúmeras demonstrações
de que as “democracias” do mundo atual não fazem mais que conformar Estados
policiais com arremedos institucionais voltados apenas para a perpetuação do sistema
financeiro oligárquico.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, Moniz. Entrevista a Marco Aurélio Weissheimer. Moniz Bandeira aponta
aliança entre ONGs ocidentais e neonazistas na Ucrânia. Carta Maior. 15 fev. 2014.
Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/-MonizBandeira-aponta-alianca-entre-ONGs-ocidentais-e-neonazistas-na-Ucrania/6/30265>
130
DE PAULA, Mário Lúcio. Ucrânia: agravamento das disputas interimperialistas aponta
para nova guerra mundial. A Nova Democracia, ano XII, n. 129, abr. 2014. Disponível
em: <http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5316-ucrania-agravamento-dasdisputas-interimperialistas-aponta-para-nova-guerra-mundial>
D’SOUZA, Radha. Imperialism and Self-determination. Revisiting the Nexus in Lenin.
Economic & Political Weekly. Vol. XLVIII, n. 15, 13 abr. 2013. p. 60-69.
LÉNINE, V. I. Sobre o direito das nações à autodeterminação. Marxists Internet
Archive. 1977a. Disponível em:
<http://www.marxists.org/portugues/lenin/1914/auto/index.htm>.
_____. Discurso sobre a questão nacional. Marxists Internet Archive. 1977b.
Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/12-01.htm>
_____. A classe operária e a questão nacional. In: _____. Obras escolhidas. Tomo 2, p.
98-99. Lisboa: Ed. Avante!, 1984a.
_____. O proletariado revolucionário e o direito das nações à autodeterminação. In:
Obras escolhidas. Tomo 2, p. 272-278. Lisboa: Ed. Avante!, 1984b.
_____. O imperialismo, fase superior do capitalismo. In: _____. Obras escolhidas.
Tomo 2, p. 291-404. Lisboa: Ed. Avante!, 1984c.
MOREIRA, Júlio da Silveira. Direito Internacional – Para uma crítica marxista. São
Paulo: Alfa-Omega, 2011.
PASHUKANIS, Evgeny. Lenin and the Problems of Law. Marxists Internet Archive.
1980. Disponível em: <
http://www.marxists.org/archive/pashukanis/1925/xx/lenin.htm>
PCCh (Partido Comunista da China). A Carta Chinesa. A grande batalha ideológica que
o Brasil não viu. Belo Horizonte: Terra, 2003.
SEGAL, Luís. Noções fundamentais de economia política. Volume II. Tradução J. Z. de
Sá Carvalho. Rio de Janeiro: Editorial Calvino, 1946.
131
SECURITIZAÇÃO, CONFLITO, SOCIEDADE E PAZ NOS
ESTADOS ALEMÃES DO SÉCULO XIX
Guilherme Augusto B. Carvalho
Graduando em Relações Internacionais
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Orientador: Prof. Me. Danillo Alarcon
E-mail: [email protected]
RESUMO: Esse artigo visa analisar o processo de securitização, em um constante
estado de risco vivido pelos Estados alemães (até então separados) por representarem
um bloqueio ao encontro geográfico das grandes potências europeias, abordando
algumas visões sobre alguns conflitos aos quais esses Estados tiveram que passar (para
que suas sobrevivências fossem reafirmadas dentro do contexto europeu). Além disso,
abordar aspectos históricos da sociedade da época que juntos conformarão entrei si um
uma identidade beligerante. Esses fatores descritos serão analisados sob os prismas da
teoria construtivista e inevitavelmente da teoria realista, em doze páginas. O artigo
conta com duas questões para serem analisadas: a) Por que o conflito era um “fantasma”
recorrente nos Estados alemães? b) Qual a influência de um Estado alemão unificado,
para a segurança de seus vizinhos? Conclui-se, portanto, que um Estado alemão é de
vital importância para a configuração do sistema de segurança europeu, tanto por sua
localização como por sua importância natural, populacional e bélica para o equilíbrio de
poder na Europa.
Palavras-chave: Teorias Construtivista e Realista – Conflito – Espaço Vital-Fronteira.
132
INTRODUÇÃO
A atual Alemanha é parte de uma história advinda de disputas políticas, desde a
antiguidade, pela hegemonia territorial. Variações de limites geográficos, é claro, foram
extremamente constantes em toda a Europa durante os séculos XVI, XVII, XVIII e
XIX. Mas tiveram relevância especial na formação daquilo que se conhece como Estado
Alemão, onde não se havia uma conformidade de discursos, os quais possibilitariam
uma unidade de Estados, durante a modernidade e uma boa parte da era contemporânea.
Congressos como os de Vestefália irão nos mostrar os rearranjos dos Estados
europeus, mas especialmente daquela que inicialmente iria ser o Sacro Império Romano
Germânico, depois o Rheinbund, e iria se encerrar como a Alemanha unificada. Mas até
mesmo para entendermos os arranjos diplomáticos que definiram toda uma política
fronteiriça entre os Estados alemães, será necessário entender o princípio que vigorava
naquele período como uma ordem inalterável: a legitimidade dinástica. O peso religioso
exercia uma grande influência no processo decisório, mas que vigorava na ordem do
sistema europeu de Estados como uma espécie de eucaristia, ou mesmo uma lei.
Portanto a legitimidade dinástica faz parte de um arcabouço de realidades construídas
pela nobreza europeia.25
É necessário também entendermos que um fator que levou aos conflitos
modernos alemães, dentro de uma perspectiva realista da guerra, foram construídos por
ações que decorrem da antiguidade, a disputa por um “espaço vital”. A disputa
territorial vem do cerne do próprio dos povos que formaram o sentido de “nação
alemã”, como uma necessidade básica para a formação do Estado:
As tribos de fala germânica, que se instalaram nas terras baixas a oeste do
Elba e numa vasta área entre o Elba e os Alpes ao longo dos séculos de
migração dos povos (Völkerwanderung 26), encontraram-se encravados entre
tribos cuja língua era derivada do latim e tribos orientais falando línguas
eslavas. Esses três grupos de povos lutaram por mais de mil anos em defesa
das fronteiras de suas respectivas áreas de povoamento (ELIAS, 1992, p. 16).
25
A legitimidade dinástica fez parte das tradições de poder europeias durante todo o período medieval e
moderno.
26
Völkerwanderung é um termo extremamente utilizado nas pesquisas sobre os assentamentos de tribos
na Europa antiga.
133
Alguns autores como o próprio Norbert Elias (1992) caracterizam essas disputas como
“eliminação de tribos”, que dentro de uma teoria realista, seria apenas a consequência
da disputa pelo poder, afloradas na raiz do próprio ser humano.
1. CONSTRUTIVISMO SOCILA E A SECURITIZAÇÃO ALEMÃ
Há diversas formas de se enxergar o surgimento e a construção de uma nação em
todo o seu sentido, mas nesse caso, especialmente
Os construtivistas interessam-se pela forma como os objetos e as práticas da
vida social são “construídos”, especialmente aqueles que as sociedades ou os
pesquisadores tomam como dados ou naturais. A naturalização é
problemática porque obscurece as formas como objetos e práticas sociais
dependem, para sua existência, de escolhas contínuas, de modo que ela pode
ser opressiva e representar uma barreira à mudança social (FEARON;
WENDT, 2002, p. 57 Livre tradução).
A junção dos povos de língua etnia e costumes semelhantes encontrou-se com o
problema da falta de uma vontade conjunta a fim de estabelecer uma “unidade
nacional”. E no caso alemão o peso do nacionalismo só iria triunfar após 1870 com a
unificação, por isso contar com esse fator em um período como o da guerra dos 30 anos
(onde os alemães se enfrentaram por causa de disputas pelo poder mascaradas pela
reforma protestante e o a inquisição católica) seria um tanto quanto amador.
Os alemães, desde seus primeiros avanços rumo ao centro da Europa, tinham de
se manter em posição para a guerra eminente, as disputas para eliminar tribos na
antiguidade eram literalmente na tentativa da construção e solidificação de um povo
dominante, por isso talvez: “De modo análogo, a penetração de grupos de povos de
língua germânica através do Elba na direção do leste mostra que a tensão entre grupos
de origem germânica e de origem eslava permanece ativa” (ELIAS, 1992, p. 16). Fica
claro dessa forma que era necessário manter a securitização (claro que ainda não era
uma securitização do Estado como conhecemos, mas a necessidade da proteção do
povo), por que o risco era sempre eminente.
Os construtivistas apontam que:
O conceito de securitização proposto pela Escola de Copenhague é o
exemplo mais evidente da aplicação da epistemologia construtivista no
trabalho do grupo. De acordo com os construtivistas, o mundo social assim
como as identidades e os interesses dos agentes é construído por estruturas e
processos intersubjetivos e coletivos. Enquanto os tradicionalistas vinculam o
estudo da segurança à existência de ameaças objetivas, os autores de
Copenhague consideram que as ameaças à segurança são socialmente
construídas. A securitização e os critérios para securitização, segundo o
grupo de Copenhague, são práticas intersubjetivas, por meio das quais um
134
agente securitizador procura estabelecer socialmente a existência de uma
ameaça à sobrevivência de uma unidade (BUZAN, 1998, p. 29-31, livre
tradução).
Dessa forma, fica mais clara a necessidade de uma securitização constante, pois
seguindo os critérios da Escola de Copenhague, de fato a luta pela sobrevivência vem
sendo construída durante os séculos, e os alemães resistiram, graças ao discurso da
sobrevivência, e da segurança:
O que é, então, a segurança? Com o auxílio da teoria da linguagem, podemos
conceber a segurança como um ato de fala. Nessa acepção, a segurança não é
objeto de interesse como um signo que se refere a algo mais real; a fala em si
é o ato. Ao se falar, algo é feito (como ao se fazerem apostas ou promessas,
ou ao se dar nome a um navio). Ao dizer "segurança", um representante
estatal faz referência a um acontecimento em uma área específica, e assim
demanda um direito especial para utilizar quaisquer meios que se fizerem
necessários para evitá-lo (WAEVER, 1995, p. 55, tradução livre).
Segundo MAGNOLI (2006) a unidade foi conquista quando Carlos Magno em
800 foi coroado imperador do Sacro Império Romano Germânico. Império esse que
transcendeu da idade média, moderna e foi até o inicio da contemporânea (quando
Napoleão o desfez para fundar Rheinbund, que viria a ser uma espécie de confederação
de Estados satélites da França). A partir desse período, o discurso coercitivo passava a
ser, além da sobrevivência em vida, e o pós-vida, graças à igreja católica. Assim os
elementos de unidade foram sendo fomentados, porém a ambição de outros povos que
por sua vez também constituíram seus próprios impérios (de baixo de um discurso
semelhante). E dessa forma a historiografia nos mostra que a tentativa da obtenção do
“espaço vital” ao qual era constantemente vislumbrada pelos imperadores do Sacro
Império, foi mantida, e as variações territoriais, graças a pequenas guerras foram
bastante constantes. Porém após um longo período de conquistas, um pequeno
desarranjo, na ordem social do império foi a causa de uma certa desestabilidade: A
reforma Luterana. O discurso começava a mudar, a unidade ficava ameaçada e o estado
de securitização ficou cada vez mais em alerta, pois a ameaça agora era interna.
2. GUERRA DOS 30 ANOS E A PAZ DE VESTEFÁLIA:
SECURITIZAÇÃO
135
Do ponto de vista realista, o conflito ou as tensões em áreas isoladas da
Europa costumavam ser extremamente recorrentes, de modo que o estado de alerta e o
risco de invasões, jamais saiam do “high politics” e a preocupação com o constante
aparelhamento das forças armadas era uma das prioridades na Europa moderna. Com o
declínio do poder do Papa, e sua autoridade sobre alguns Estados europeus e mesmo
sobre os principados, ducados e reinados em algumas regiões do Sacro Império Romano
Germânico devido à reforma protestante, trouxe um novo motivo para expansões
territoriais: manter uma Europa católica. Vamos analisar esse fator, visando o contexto
dos Estados alemães divididos, e agora mais do que nunca, uma vez que alguns deles
haviam se tornado Estados protestantes.
A influência alemã dentro de um contexto europeu era extremamente
importante, lembrando que seus Estados faziam parte de um império tipicamente
católico, além de representar um importante território de influência para a Santa Sé, sua
importância geográfica era de extrema relevância, observando que ela faz a divisa entre
o mundo ocidental e o mundo oriental. Contudo, usar o argumento de que a Guerra dos
30 anos simbolizou apenas uma guerra religiosa, não teria sentido, uma vez que ela se
apoiava no discurso religioso, para sustentar a disputa por influência dentro do Sacro
Império (que começava a ser implodido de dentro para fora):
A Guerra dos Trinta Anos foi, por um lado, uma guerra civil alemã, entre
regiões que queriam autonomia diante do poder imperial e outras que
sustentavam o Império, cuja capital estava em Viena. Por outro, foi um
conflito internacional entre os defensores católicos do imperador austríaco do
Sacro Império Romano Germânico aliado a seu parente espanhol, Felipe m,
ambos da dinastia Habsburgo, contra uma coligação protestante de
principados alemães, a Holanda, a Dinamarca, a Suécia e mais a católica
França (MAGNOLI, 2006, p. 167.).
É importante entender que a guerra se desenvolveu. Segundo Magnoli (2006)
em um ambiente de conflito entre famílias dinásticas (principalmente os Habsburgo
contra os
Bourbon). E outra característica do conflito que atesta ainda mais a
importância dos Estados alemães no conflito é que o maior número de mortes foi em
território de fala alemã, onde numericamente só sofreu mais baixas populares nas duas
grandes guerras mundiais, mas proporcionalmente, talvez o maior número de civis
mortos (estima-se talvez o número de 25% da população alemã da época). Portanto o
maior conflito da modernidade travado em solo alemão. Porém foi a oportunidade de
desenvolver outras potências emergentes.
136
Sendo uma guerra separada por etapas: “A Guerra dos Trinta Anos
desenvolveu-se em cinco fases distintas: da Boêmia, de 1618 a 1621; do
Palatinado, de 1621 a 1624; • dinamarquesa, de 1625 a 1630; sueca, de 1630
a 1634; francesa, de 1634 a 1648. Em todas elas, cada um desses países
enfrentou a força coligada do imperador e da Espanha, além dos estados
germânicos católicos, como a Bavária” (MAGNOLI, 2006, p. 181.).
Portanto, tratou-se da segurança alemã sendo violada, em detrimento do nascimento de
outras grandes potências, e da reformulação do mapa geográfico e político europeu.
Os territórios alemães após a guerra, não só sofreram baixas populacionais,
mas também perdas políticas importantes. Os chamados territórios alemães formavam
entre si uma espécie de “colcha de retalhos” pequenos Estados falavam diversos dialetos
germânicos e com a rebelião de Estados como o Palatinato e a Bohêmia, cada vez mais
a autoridade Papal, fragmentava-se, e levava também a fragmentação da unidade do
Sacro Império. Tanto foi assim que no findar da guerra, nós tivemos 149 unidades
políticas negociando um tratado de paz (ao invés de o Sacro Império negociando por
várias delas):
Os maiores significados do final da guerra para países e blocos de países
foram, principalmente: o fim do Império Habsburgo e da Espanha como
potências centrais (que disputam hegemonia), a emergência da hegemonia
holandesa e depois britânica e o advento do máximo esplendor do
absolutismo francês (o rei Sol, Luís XIV)
(MAGNOLI, 2006, p. 178).
Como foi exposto, a autoridade Papal levou uma verdadeira “rasteira” em sua
tentativa de unificar a Europa ao redor de sua autoridade. Com o findar da guerra, os
vitoriosos que em sua maioria agora integravam o “bloco” dos protestantes (exceto a
França), não aceitaram a participação (pela primeira vez) da Igreja Católica como uma
das mediadoras do tratado de paz. Segundo Roberto Romano (2012, p. 55): “Os tratados
de Vestefália representam um avanço significativo rumo à secularização da ordem
política, diplomática, bélica, jurídica”. A partir desse momento a configuração dos
Estados europeus sofre uma nova mudança, onde não só falaremos em uma diplomacia
visando a “raison d´état”, como veremos que com a nova configuração de poder e as
mudanças geográficas (mesmo sob o prisma do tratado de paz) não retiram a
insegurança, portanto a Europa não sofre um processo de “dessecuritização”.
Nesse momento, a chamada “raison d´état” passa a ser um norteador das
negociações e das ambições durante o Tratado de Vestefália. E um dos interesses
137
conjuntos dos Estados europeus era não ver jamais um Estado alemão unificado. Os
resultados do tratado trazem consequências duradouras para o destino dos Estados
alemães: O tratado final de Vestefália concede à França resultados importantes
Ele enfraquece os Habsburgo austríacos e espanhóis, descentraliza ainda mais
o já fragmentário Sacro Império, no qual cada um dos seus 350 príncipes
garante a soberania. O tratado permite alianças entre eles e com potências
estrangeiras, desde que não prejudiquem o imperador. Desaparece o sonho de
um Estado imperial centralizado” (ROMANO, 2012, p. 63).
Os objetivos dos Estados se focaram na ampliação do seu poderio militar, mas
agora também na ampliação de suas influências diplomáticas:
A prática de um “equilíbrio de poder” passou a estabelecer-se entre as
potências europeias e a garantia de uma Alemanha pluri-religiosa conformou
um novo regime de tolerância negociada que encerrou finalmente, após mais
de um século de guerra religiosa, a hostilidade bélica entre as diferentes
confissões reformadas e o catolicismo. A reconversão religiosa de dissidentes
por meios militares deixou de ser colocada como um objetivo viável
(MAGNOLI, 2006, p. 190).
Estamos diante de um novo arranjo, e a segurança se torna cada vez mais um elemento
necessário aos Estados que agora tem a ambição de se expandir para fora da Europa,
conquistar novos mercados, e conseguir novas fontes de energia. Os territórios alemães
por outro lado, seguiram estagnados pela falta de união, e subjulgados pelo poderio das
novas grandes potências como a França, Holanda e Inglaterra que muito se beneficiaram
com a saída da Santa Sé da mesa de negociações.
As construções sociais levaram a Europa á um patamar de insegurança contínua,
enquanto para muitos a nova ordem estabelecida por Vestefália traria uma paz contínua,
era necessário talvez ser um pouco mais realista, e entender que com uma Alemanha
fragmentada, os interesses na união, bem como na separação da mesma eram
extremamente grandes e conflituosos, fazendo com que o clima de insegurança se
mantivesse á nível de que esperar uma guerra nas mesmas proporções ou talvez em
maiores era algo que pairava nos gabinetes governamentais. O choque de interesses
levava assim ao risco eminente mais uma vez ao centro das relações diplomáticas, e o
aparelhamento militar, agora com as expansões territoriais para fora da Europa
(colônias) passava a ser cada vez mais uma obrigação, e até mesmo uma questão de
sobrevivência dos Estados e de seus interesses.
138
3. GUERRAS NAPOLEÔNICAS
Em 10 de novembro de 1799 o General Bonaparte deu um golpe e tomou o
poder na França que vinha de atribuladas sucessões e incertezas em seu governo, devido
á revolução de 1789. Napoleão segundo Magnoli (2006) nada mais fez se não der
continuidade ao projeto expansionista absolutista monárquico francês. E pode realizar
isso devido ao chamado “new model army”:
O Exército de Novo Tipo inglês não era mais um exército formado por
mercenários recrutados nas prisões ou entre arruaceiros de toda espécie, mas
sim uma corporação em grande medida constituída de voluntários. Ele era o
povo comum em uniforme — o povo em armas —, no qual a liberdade de
organização e discussão vinha propiciando uma rápida conscientização
política dos seus membros, transformando-o numa verdadeira incubadora de
ideias radicais. (Mondaine apud MAGNOLI , 2006 p. 212) .
Ou seja, houve uma completa transformação em suas tropas, que agora defendiam sua
pátria pelo dever, e não mais por dinheiro. Isso fazia com que Napoleão que era um
líder vindo das camadas militares, tivesse um discurso unificador para toda a França, o
discurso de transforma-la soberana na Europa.
A França agora passava a ter uma palavra de ordem: expansão. Expansão essa
que:
Reivindicações territoriais, questões de soberania sobre minorias nacionais, a
distribuição de matérias- primas, a luta pelos mercados, o desarmamento, a
relação
Entre "os que têm" e "os que não têm", transformações ordeiras e a
organização pacífica do mundo em geral - esses temas não constituem
problemas "políticos", a serem resolvidos temporariamente, e sempre de
modo precário, em decorrência da distribuição do poder entre nações
litigantes e seu possível equilíbrio. Eles são na realidade problemas
"técnicos", para os quais a razão encontrará a única solução correta em cada
caso (MORGUENTHAU, 2003, p.75).
Dessa forma a França buscava suprir suas necessidades internas tomando recursos fora
de suas fronteiras. E como alguns dos territórios (principalmente na África e na Ásia) já
possuíam “donos”, era necessário para o imperador ter o controle sobre os “donos”
também. Á partir desse momento, veremos o nascimento da versão francesa de “espaço
vital”, conhecida como “fronteira natural”.
139
Ao dar inicio à sua expansão, o Império Francês fez um verdadeiro rearranjo
territorial, e constituiu uma nova ordem de poder no sistema internacional. Como
mostra Zamoyski (2012) o Império francês até 1812 já havia estendido seus domínios
para: Bélgica, Holanda, costa do mar do norte até Hamburgo, Renânia, toda a Suíça,
Piemonte e Ligúria, Toscana e os Estados Pontifícios, a Ilíria (que abrange atualmente a
Eslovênia e a Croácia), Catalunha, além da própria França. Além de ter estabelecido
zonas de influência sobre a Dinamarca (que abrangia a Noruega), Império da Áustria,
Espanha e a Polônia. Assim também a França tratou de eliminar o palco da guerra dos
30 anos: o Sacro Império Romano Germânico. Fez no Sacro Império, um dos seus
principais trunfos de guerra. Napoleão retirou antigos reis, e demais autoridades locais,
para colocar pessoas de sua confiança, assim mantendo seu controle sobre possíveis
insurgências ou rebeliões dentro daquele que era o território que dividia o mundo
ocidental do mundo oriental, aquele que separava da última barreira para o avanço rumo
ao Oeste e a Ásia, que era a tomada do Império russo.
Os territórios alemães ao fim do século XVIII passavam por um período de
extrema fragmentação, onde os discursos estavam cada vez menos alinhados, e a
difusão de poderes era enorme. Segundo Hegel (1988) “a nação alemã era formada pela
Prússia e Áustria, pelos príncipes eleitores e 94 príncipes eclesiásticos, por 103 barões,
quarenta prelados e 51 cidades imperiais. O país compunha-se de aproximadamente 300
territórios independentes”.
O grande temor desses territórios era justamente o avanço francês em busca de
suas “fronteiras naturais”. Aumentando assim o estado de securitização dentro dos
reinados, principados, ducados e os demais territórios alemães. E o natural ocorreu,
quando a França avançou contra as tropas do Imperador Francisco II da Áustria, e do
Imperador Alexandre I da Rússia, na batalha de Austerlitz, e conseguindo assim, uma
espécie de consagração pessoal para o Imperador Napoleão (como ele mesmo se
intitulou). Deixando assim o caminho para o avanço francês rumo ao leste aberto.
Pequenos Estados, como o da Baviera, Wüttenberg, Baden, Vestfália, Saxônia,
Renânia e Sachsen, com o avanço francês foram “persuadidos” à desintegrarem o Sacro
Império Romano Germânico. “E a Prússia (Estado mais forte entre os alemães), que
havia conquistado algumas partes da Polônia, Holanda e Dinamarca, ao tentar em um
impulso de defesa de suas terras, avançar contra as tropas francesas foram humilhadas
perdendo grande parte de seus domínios, passando à condição de satélites da França”
(ZAMOISKY, 2012)
140
A situação para os Estados alemães passou a ser ainda mais incômoda do que o
normal. “E para a sociedade, passou a ser extremamente humilhante, e caro, uma vez
que os impostos (principalmente na Prússia que era uma importante região política
dentro da Alemanha, e a única capaz de representar alguma ameaça) eram
extremamente elevados” (Zamoyski, 2012). Além disso, ainda existiam habituais lutas
de alguns grupos na tentativa de se imporem politicamente, onde as revoltas surgiam
(até mesmo inspiradas pela revolução francesa). Porém eram esmagadas pelas elites que
por sua vez temiam perderem seus tronos, posições e prestígio frente ao imperador
Napoleão:
Qualquer oposição determinada e ativa contra esse regime e seus
principescos e autocráticos grupos dominantes por parte de grupos de classe
média era dificultada e, com frequência, paralisada pelo medo de que
pudessem pôr em perigo sua própria e elevada em relação às ordens
inferiores, se abalassem o regime existente através de uma luta contra a
posição elevada das ordens superiores (ELIAS, 1992, P. 123).
Assim, nem a população, nem a nobreza alemã tiveram participações diretas, nos
diálogos políticos decisórios durante as guerras na Europa no período, mas isso ainda
mudaria, uma vez que Napoleão mexeu em um verdadeiro “vespeiro” bélico e
geográfico: a Rússia.2728
3.1.1 A reviravolta alemã
Em meio ao conflito eminente, e a subsequente nova configuração europeia,
Zamoyski (2012) mostra que dentre os Estados alemães, o reino da Prússia, foi o que
mais se beneficiou ao adotar a causa francesa contra os outros Estados alemães em
1795, fato esse que lhe rendeu territórios valiosos. Em campo de batalha a Prússia
possuía pelo menos seis vezes mais soldados que a Áustria, e quase todos os seus
recursos eram destinados á manutenção do aparato militar.
27
Rheinbund em alemão significa (português): Confederação do Reno. Ou no original (francês): États
confédérés du Rhin .
28
A batalha de Austerlitz também ficou conhecida como batalha dos três imperadores (Francisco II,
Alexandre I e Napoleão).
141
Napoleão, no entanto, ao notar a capacidade prussiana, resolveu “mexer” em
suas configurações geográficas tirando a maior parte das províncias polonesas que a
Prússia conquistou ao longo do tempo, e com isso reduzindo a população prussiana de
nove para cinco milhões de habitantes, assim também reduzindo as suas capacidades
militares:
O que sobrou da Prússia teve ainda que acomodar tropas francesas dentro de
seus quartéis adeptas da extorsão de dinheiro e comida, e cujos oficiais
aproveitavam cada oportunidade para humilhar os prussianos, enquanto
pilhavam seu país. Devido ao notório desprezo do imperador francês pelos
prussianos, a existência do Estado continuava em perigo. O exército
prussiano fora reduzido a um número de meros 42 mil, dos quais 30 mil
foram obrigados a tomar parte na campanha de Napoleão contra a Rússia em
1812 (ZAMOYSKI, 2012, p. 37).
Dessa forma como o maior orgulho prussiano fora derrotado dentro e fora do
campo de batalha, o sentimento de vergonha era grande entre as camadas mais
abastadas. Porém como mostra Zamoyski (2012) esse sentimento gerou uma reação
contrária ao esperado pelos franceses. A reação veio com a recuperação da derrota de
1806. Os oficiais prussianos que foram dispensados reuniram-se com intelectuais
patriotas para se dedicarem inteiramente ao ressentimento contra tudo que se denotava à
França.
Então há o aparecimento de uma figura emblemática daquele período: Karl
Heirinch Von Stein. Ele assim como diversos patriotas alemães, havia chegado a
conclusão de que era necessário criar um Estado alemão para que houvesse uma forma
de resguardar a cultura e as posses territoriais e militares alemãs, das interferências
francesas e de qualquer outro Estado. Stein após ocupar diversos cargos, e até mesmo
chegar á um embate com Frederico Guilherme da Prússia, em 1812 foi convocado pelo
Czar russo Alexandre I para assumir o comitê alemão, criado para coordenar a difusão
da causa russa (militar) através dos territórios alemães. Á partir desse momento surge a
esperança de libertar a Europa de Napoleão, mas acima de tudo, para os alemães, surge
a esperança de serem um Estado único, através da coerção dos Estados menos
“corajosos”:
O decreto anunciava que haviam proclamado a dissolução do Rheinbund e
pretendiam substituí-lo por algo nos moldes do “espírito antigo do povo
alemão”, e continha uma ameaça quase explícita a qualquer um que não se
juntasse a eles. “Suas majestades exigem uma cooperação dedicada de cada
príncipe alemão, e esperam com antecedência que nenhum entre eles,
desejando trair a causa da Alemanha, esteja destinado à destruição pela força
142
da opinião pública e pelo poder dos exércitos tomados de forma tão justa”
(ZAMOYSKI, 2012, p. 47).
Assim, após a convocação de uma ação conjunta entre os alemães, para que
houvesse a cooperação na intenção de derrotar as tropas de Napoleão, através da
cooperação com a Rússia de Alexandre I (que persuadiu também a Áustria, a
Dinamarca, alguns pequenos reinos, além de já haver a participação efetiva da
Inglaterra, nos esforços de guerra) gerou outra configuração e reação dos Estados
Europeus em relação á guerra. E finalmente após 12 anos de guerras subsequentes na
Europa, a primeira “guerra total” chegou ao fim em 1815.
4. CONCLUSÃO
Grande parte dos conflitos europeus tiveram a Alemanha como palco, por vezes
como coadjuvante em guerras nas quais outros atores eram os grandes expoentes. E
levando em conta todos esses anos e tentativas de formação de uma ideia de nação, (e
um território soberano, não conseguido nem após Vestefália, diferentemente de seus
vizinhos), somando aos interesses políticos de pequenas elites aristocráticas, e interesses
de vizinhos, os Estados alemães se colocaram na condição da nação sem Estado, ao qual
havia a nação separada por divisões políticas. Concluímos que as dificuldades na
formação do Estado alemão ainda no século XIX se deve ao fato de as forças políticas
não terem conseguido (ou por vezes não terem buscado) formarem coesão e coalizões,
capazes de construir um Estado frente à nação que já existia.
REFERÊNCIAS
ELIAS, Norbert. Os Alemães: A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos
XIX e XX. 2° edição. Rio de Janeiro: editora Zahar,1997.
FEARON, James D; WENDT, Alexander. Rationalism v. constructivism: a skeptical
view.In: CARLNAES,W.; RISSE,T.; SIMMONS,B.A. Handbook of International
Relations. London: SAGE Publications, 2002.
BUZAN, Barry. Peace, power, and security: contending concepts in the study of
International Relations. Journal of Peace Research, v. 21, n. 2 (Special Issue on
Alternative Defense), p. 109-125, Jun. 1984.
143
MAGNOLI, Demétrio; ZOFFOLI, Giorgio Roberto. História das guerras. História.
3°ed. São Paulo: Editora Contexto, 2006.
MAGNOLI, Demétrio. História da paz: os tratados que desenharam o planeta.
Demétrio Magnoli, (org). — 2. Edição. São Paulo: Contexto, 2012.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Estética. A ideia e o ideal. Estética. O belo
artístico ou o ideal. Os Pensadores. Tradução Orlando Vitorino. São Paulo. Nova
Cultural. Volume 1. 1988.
ZAMOYSKI, Adam; Trad. Andrea Gottlieb Oliveira. Ritos de paz: A queda de
Napoleão e o Congresso de Viena. Rio de Janeiro: Editora record, 2012.
MORGENTHAU, Hans J. A política entre as nações: a luta pela guerra e pela paz.
Brasília: Editora Universidade de Brasília/ Instituto de Pesquisa de Relações
Internacionais; São Paulo, 2003.
144
Download