• • • • • março/agosto • 2016 R e umat o G ast ro D e r ma P n eumo N e uro Ano 1 • nº 1 Benefícios da vacinação em pacientes autoimunes Entrevista Psoríase Gastro Paciente em foco A reumatologista Lícia da Mota critica o lento acesso ao especialista e aponta a venda livre de anti-inflamatórios e corticoides como prejudicial ao diagnóstico Métricas para avaliação da gravidade da doença, determinantes na escolha do tratamento Agentes biológicos auxiliam no combate às doenças inflamatórias intestinais Multidisciplinaridade no tratamento ganha espaço e inclui de terapia ocupacional a nutrição Apoio: Capa Istockphotos editorial sumário Estreia com abordagens variadas | entrevista 4 Lícia Maria Henrique da Mota chama a atenção para a necessidade de precocidade no tratamento da artrite reumatoide, reduzindo as sequelas e a O lá! O imenso avanço que todos temos vivenciado no manejo de doenças autoimunes é espantoso. Novas possibilidades terapêuticas surgiram num curto espaço de tempo, e outras ainda virão, sempre nos trazendo desafios tanto na melhor compreensão desse grupo de doenças, como em tomadas de decisões em cenários clínicos novos para todos. O debate de temas relacionados ao assunto, portanto, se faz importante, e essa é a ideia por trás desta publicação. Esta primeira Imuno& que inicialmente será semestral, apresenta em sua principal reportagem o tema da vacinação em pacientes tratados com drogas imunossupressoras, passando pela discussão sobre os mitos envolvendo o assunto e até uma sugestão do que seria uma forma racional de aplicação do calendário de imunização. Precocidade no diagnóstico das doenças reumáticas, tema central da entrevista com a Dra. Lícia Maria Henrique da Mota, presidente da Comissão de Artrite Reumatóide da Sociedade Brasileira de Reumatologia, e os avanços nos tratamentos multidisciplinares, na seção Paciente em Foco, também compõem a revista. Finalmente, três artigos objetivos comentando sobre métrica em algumas doenças autoimunes fecham esta primeira edição da Imuno&. perda da capacidade laboral | capa 10 Vacinação de pacientes tratados com drogas imunossupressoras como prática altamente recomendada | psoríase 16 Instrumentos de avaliação e gravidade na doença Beatriz Medeiros Ribeiro | gastro 22 Terapia biológica na doença inflamatória intestinal Stefania Burjack Gabriel | reumatologia 26 Métrica na artrite reumatoide Boa Leitura! | paciente em foco Gustavo de Paiva Costa 30 O tratamento multidisciplinar das doenças reumáticas * Editor clínico – Imuno& | acontece 34 Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros eventos da área Ano 1 • número 1 • março/agosto 2016 Publisher: Simone Simon [email protected] Editorial: Jiane Carvalho [email protected] Comercial: Bruno Lima [email protected] Colaboraram nesta edição: Beatriz Medeiros Ribeiro, Gabriel Ferreira, Direção de arte/Prepress: Ione Franco [email protected] Revisão: Patrícia Villas Bôas Cueva Lícia Maria Henrique da Mota, Lourdes Rodrigues e Stefania Burjack Gabrie A revista Imuno& é uma publicação semestral, e partir de 2016 é uma realização da Associação de Pesquisa Clínica (APC), com apoio da Oncologia D’Or e tem distribuição nacional e gratuita por todo território brasileiro. A reprodução do conteúdo da revista é permitida desde que citada a fonte. A opinião dos colaboradores não reflete necessariamente a posição da revista. Realização: Apoio: www.institutodor.com.br | www.revistaonco.com.br (21) 2126 0150 Impressão: Ipsis Gráfica Editora S.A | Tiragem: 3.000 mil Imuno& março/agosto 2016 3 entrevista Atualização constante dos protocolos Na artrite reumatoide, a prevenção de sequelas e a perda da capacidade laboral dependem da precocidade do tratamento Divulgação R esponsável por um dos mais importantes ambulatórios para o tratamento precoce de (AR) no Brasil – o Coorte Brasília –, a doutora Lícia Maria Henrique da Mota é uma profissional das mais atuantes em sua área. Orientadora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, Lícia é também coordenadora da Comissão de Artrite Reumatoide da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) e integrante da representação no Brasil do Treatto Target (T2T), grupo que define as diretrizes globais para o tratamento da doença. A reumatologista, cuja tese de doutorado com foco no tratamento da AR inicial há mais de uma década foi o embrião que deu origem ao Coorte Brasília, considera adequado o nível de informação disponível aos médicos no país, e foca suas críticas na demora para o paciente ter acesso ao especialista para início rápido do tratamento. “Além disso, a grande quantidade de anti-inflamatórios e corticoides vendidos livremente no país mascara os sintomas e retarda o diagnóstico”, pontua a médica. Outra crítica feita pela especialista vai na direção do que chama de “preconceito” em relação ao uso de recursos da indústria para pesquisa. “Se usados com ética, os recursos são muito bem-vindos.” Inovações medicamentosas, cuidados com a utilização de fármacos biológicos e a relevância de campanhas de vacinação focadas nos pacientes com AR são alguns dos destaques da entrevista concedida pela reumatologista à revista Imuno&. pacientes com artrite reumatoide Lícia Maria Henrique da Mota * Médica Reumatologista, Orientadora da Pós-graduação em Ciências Médicas da FM-UnB, coordenadora da Comissão de Artrite Reumatoide da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) e responsável pelo Coorte Brasilia. Rheuma Centro Integrado de Reumatologia, Universidade de Brasília Contato: [email protected] 4 março/agosto 2016 Imuno& Imuno& – Qual o impacto que a artrite reumatoide pode trazer na vida do paciente? Lícia Maria – Entre as doenças reumáticas de origem autoimune, a artrite reumatoide é hoje a de maior prevalência. Acomete em torno de 1% da população. Mas é importante destacar que ela é, tranquilamente, a que tem o maior impacto, não apenas para o paciente, pela prevalência alta, mas por levar a um custo socioeconômico relevante para o indivíduo e para o Estado. A doença pode causar limitações físicas e até levar à incapacidade laboral. O custo do tratamento é alto, onerando o portador da AR e a sociedade, que tem, indiretamente, que participar desse custo. Imuno& – A AR é bem mais frequente entre as mulheres. Por que isso ocorre? Lícia Maria – É uma doença multifatorial que afeta quatro vezes mais as mulheres do que homens, por vários fatores. Existem inúmeros motivos para essa estatística. Primeiro, há uma predisposição genética para a doença e com o que chamamos de agregação familiar, ou seja, maior risco de incidência entre membros da mesma família. Além disso, aspectos hormonais afetam o surgimento da artrite reumatoide, assim como fatores do meio ambiente, como infecções, que podem desencadear o problema. Imuno& – Quais fatores do meio ambiente que predispõem o indivíduo? Lícia Maria – Na artrite reumatoide, existe um aspecto importante ambiental relacionado a cigarro, tanto fumantes ativos quanto passivos. Quem já tem predisposição à doença e está exposto ao cigarro aumenta em muito suas possibilidades de desenvolver a doença ou, caso já tenha desenvolvido, de agravar o quadro. Fatores genéticos, hormonais, ambientais fazem a doença bastante complexa em termos de fatores que levam a seu surgimento. Imuno& – Em relação às métricas para avaliar o surgimento da AR, seu estágio e alternativas de tratamento, houve avanços nos últimos anos? Lícia Maria – As métricas mudaram, sim. Talvez seja a doença que mais tenha avançado em termos de conhecimento. Nos últimos 20 anos, nós mudamos completamente a forma de diagnosticar, acompanhar e tratar a doença. Antes, a artrite reumatoide necessariamente levava à deformidade e à incapacidade das funções articulares. Hoje, já conseguimos modificar a história natural da doença. Imuno& – O que avançou mais, o diagnóstico ou as alternativas de tratamento? Lícia Maria – O mais importante é a precocidade do diagnóstico que se faz hoje, todos os nossos esforços vão nessa direção. O ideal é a descoberta quando o paciente tem apenas semanas de manifestação da doença. Surgiram também vários marcadores da AR, que ajudam no diagnóstico, assim como houve avanços em termos de diagnóstico por imagem. A forma de tratamento acompanhou esse progresso. Surgiram novas classes de drogas, além de as classes de drogas que já existiam passarem a ser usadas de forma diferente. Imuno& – Quais são as principais métricas utilizadas para avaliação da AR? Lícia Maria – Nós utilizamos o Índice Composto Atividade da Doença, calculado a partir de diversas variáveis, como número de articulações dolorosas, número de articulações inflamadas e informações do próprio paciente sobre que impacto a artrite traz na vida dele. Precisamos quantificar tudo isso e gerar um índice. Esse índice tem uma correlação bastante específica com a evolução da doença. Quanto mais ativa a doença, maior o potencial de sequelas. Nosso objetivo, se não for possível anular a doença, é reduzir a dor, a incapacidade, prevenindo a perda de funcionalidade do paciente. Imuno& – O tempo de diagnóstico da artrite reumatoide já é adequado? Quais as dificuldades? Lícia Maria – Existe sim uma dificuldade em relação à precocidade do diagnóstico e do tratamento. Falando da classe médica, existe uma mobilização grande, uma elevada consciência da importância de diagnosticar rapidamente e de fazer o acompanhamento do paciente. Há dois anos, nós reproduzimos no Brasil uma pesquisa do Treatto Target (T2T), que tem uma sub-representação no Brasil da qual eu faço parte, para avaliar o nível de conhecimento dos reumatologistas sobre os princípios preconizados pelo comitê. A ampla maioria dos médicos aplicava as orientações. Isso é fruto de anos de esforço intenso da sociedade de reumatologia para a educação médica continuada. Imuno& – Como é o trabalho do T2T que hoje norteia o atendimento de pacientes com AR? Lícia Maria – O T2T foi estabelecido com o objetivo de formular um documento consensual sobre um conjunto de princípios e recomendações destinados a melhorar o manejo da doença na prática clínica, direcionados a alcançar metas terapêuticas. O passo inicial foi a busca de evidências obtidas a partir de revisão sistemática da literatura, que mostrou melhores resultados com abordagens terapêuticas estratégicas. Com base nessa observação, um grupo multicêntrico do T2T composto de 60 reumatologistas de diversos países dos cinco continentes, além de cinco pacientes portadores de AR, reuniu-se para definir princípios e recomendações do tratamento. As assertivas foram aceitas com 70% de concordância. Nos anos subsequentes, para difundir as “O mais importante é a precocidade do diagnóstico que se faz hoje, todos os nossos esforços vão nessa direção. O ideal é a descoberta quando o paciente tem apenas semanas de manifestação da doença” Imuno& março/agosto 2016 5 recomendações, comitês de T2T foram disseminados pelo mundo, incluindo a formação do grupo no Brasil, do qual eu faço parte juntamente com outros colegas. barreira, da dificuldade em obter acesso, primeiramente ao médico geral e depois ao reumatologista. Imuno& – Passadas essas barreiras, como você avalia o atendiImuno& – Se o corpo médico está consciente e conhece as dire- mento recebido pelo paciente? trizes globais, o que falta então? Lícia Maria – O que temos de ruim é uma dificuldade de acesso do paciente ao médico especialista. Se olharmos o serviço público, existe um repasse lento, um tempo de espera prolongado para o reumatologista. Já é lento o tempo para ele chegar ao médico generalista e depois mais tempo ainda para uma consulta com um reumato. Primeiro, é necessário que o paciente seja consciente, procure o médico e que o médico que o atendeu na unidade básica de saúde consiga fazer uma referência ao reumatologista de forma precoce. Hoje, isso não ocorre na velocidade necessária. Lícia Maria – Fora dos centros de referência, o paciente encontra Imuno& – Qual a principal consequência da demora no diagnóstico? Lícia Maria – Nessa doença, o retardo no diagnóstico e no tratamento vai trazer um nível de sequela que depois não vamos poder sanar. A janela de oportunidade para o melhor tratamento se fecha muito rapidamente, ela ocorre no primeiro ano da doença. Não iniciar nesse primeiro ano pode levar a sequelas irreversíveis. Se não tratada, é uma doença incapacitante e mutilante. Imuno& – Como o Brasil se posiciona em termos globais no diagnóstico e no tratamento da AR? Lícia Maria – Não temos estatísticas oficiais, mas temos dados de queixas, de prevalência levantados pelo COPCORD, que é uma iniciativa cujo objetivo central é medir a prevalência de doenças reumáticas em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil. Mas não são dados estatísticos. Nos últimos dez anos, foram criadas no Brasil clínicas de artrite reumatoide inicial, com o objetivo de fazer o acompanhamento precoce da doença. Aqui em Brasília, eu coordeno há 11 anos uma clínica de artrite inicial que é a Coorte Brasília, criada utilizando como referência as grandes clínicas do mundo. A evolução dos pacientes é muito boa, bem diferente do nosso ambulatório regular de artrite, onde o paciente recebe o diagnóstico e inicia o tratamento de forma mais tardia. O acompanhamento regular desses pacientes faz a diferença. Imuno& – Além da dificuldade em chegar a um especialista, que outros fatores retardam o início precoce do tratamento? Lícia Maria – O paciente no Brasil demora a perceber que aquele sintoma precisa de tratamento, de ajuda rápida, porque a quantidade de anti-inflamatórios e de alguns corticoides liberados aqui é grande, o que acaba mascarando os sintomas e o paciente não procura o médico. Depois dessa fase de automedicação, ele percebe que é grave e que vai precisar de acompanhamento. Nesse momento, vem a segunda 6 março/agosto 2016 Imuno& outro problema, que é a dificuldade de diagnóstico correto, de exames de imagem, de sangue. É um acesso ainda precário. Até mesmo depois, durante o acompanhamento, é preciso uma regularidade nas visitas, que às vezes no primeiro ano têm de ser mensais ou, no máximo, trimestrais. E não são todas as unidades que conseguem essa regularidade, esse acompanhamento. Temos muito ainda a avançar. Imuno& – Qual a relevância das campanhas de vacinação feitas com foco neste grupo de pacientes, portadores de AR? Lícia Maria – São pacientes que têm risco aumentado de infecção. Os desfechos infecciosos na AR estão entre as principais causas de óbito nesse grupo de pacientes, e a mortalidade relacionada a esses eventos pode ser até dez vezes maior em relação à população geral, sendo os pacientes com doença grave e/ou portadores de comorbidades os mais frequentemente acometidos. Imuno& – Quais fatores predispõem a tantas infecções? Lícia Maria – Uma plêiade de fatores está associada a esse aumento da suscetibilidade a infecções. Entre os principais podemos apontar para o uso de medicamentos imunomoduladores para o tratamento da própria doença, em particular os agentes biológicos, cuja indicação tem sido cada vez mais frequente e precoce no curso da doença, além da constante introdução de novos agentes no arsenal terapêutico da reumatologia interferindo em vários pontos do sistema imune. Sabendo que a vacinação é a medida preventiva de maior impacto na diminuição da carga de infecção em qualquer faixa etária, deve-se revisar e atualizar o cartão vacinal antes de iniciar drogas modificadoras do curso de doença sintéticas ou biológicas. Imuno& – E esse cuidado de orientar a vacinação desses pacientes ocorre na forma ideal? Lícia Maria – Infelizmente, não. Essa prática muitas vezes é relegada a um segundo plano na rotina de atendimento reumatológico, deixando uma margem grande de pacientes desprotegidos contra doenças infecciosas passíveis de prevenção, como tem sido demonstrado por vários estudos ao redor do mundo que a cobertura vacinal dos pacientes com doenças reumáticas é inadequada. Imuno& – E qual a eficácia da vacinação, feita adequadamente, para a prevenção de infecções nesses pacientes? Lícia Maria – Algumas das vacinas disponíveis podem ter sua imu- nogenicidade diminuída dependendo do estado de imunossupressão, porém a experiência internacional tem demonstrado segurança na administração da maioria das vacinas vigentes no calendário, no sentido de não induzir piora na atividade ou reativação de manifestações das doenças reumáticas. Esse cuidado deve ser seguido principalmente naqueles pacientes com plano de usar rituximabe. Essa droga tem sido relacionada a uma resposta humoral diminuída às vacinas contra influenza e pneumococo após 30 a 90 dias da sua administração. AR inicial, é considerada uma janela de oportunidade terapêutica. É nesse momento que a intervenção farmacológica rápida e efetiva pode mudar o curso da doença. A forma de manejar os fármacos que nós tínhamos mudou muito. As drogas são usadas de forma mais precoce e também de forma combinada, para aumentar a eficácia, o que otimiza a reposta. Além das já conhecidas drogas sintéticas, tradicionais, nós temos agora as drogas biológicas, de várias famílias. Imuno& – E o que tem sido feito para orientar adequadamente os reumatologistas sobre esses cuidados? Lícia Maria – Eu participei, juntamente com outros membros da Sociedade Brasileira de Reumatologia, da criação de dois documentos que têm o objetivo de revisar a literatura e elaborar recomendações para a indicação de vacinas nos pacientes portadores de AR, contemplando o cenário epidemiológico e de recursos da assistência médica no Brasil. A finalidade desses dois documentos foi sintetizar a posição atual da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) sobre o tema, com o objetivo de orientar os médicos brasileiros, em especial os reumatologistas. Esses documentos foram “Consenso 2012”, sobre vacinação em pacientes com artrite reumatoide, e o “Guia de Imunização”, também da SBR. A informação está disponível a todos. Imuno& – No ambulatório Coorte Brasília, que você coordena, como funciona o serviço de vacinação dos pacientes? Lícia Maria – Nós realizamos um trabalho, recentemente publicado na Revista Brasileira de Reumatologia, sobre a prevalência de vacinação em pacientes da Coorte. Esse tópico faz parte da nossa rotina protocolar de atendimento. Desenvolvemos dentro do nosso ambulatório uma linha de pesquisa sobre a segurança e a eficácia da vacinação contra a febre amarela em pacientes imunossuprimidos. Esse trabalho foi tema de uma tese de doutorado desenvolvida sob minha orientação e está atualmente sendo estudado, de forma mais detalhada, por uma pós-graduanda de nosso serviço. Esse trabalho recebeu em 2013 um prêmio da PANLAR (liga pan-americana contra o reumatismo) – o PANLAR-Basic Research –, que reconhece o melhor trabalho de pesquisa na área básica realizado na América Latina. Imuno& – Quais são os pontos de maior destaque na forma de abordagem da doença nos últimos anos? Lícia Maria – Tivemos uma maior compreensão dos mecanismos fisiopatológicos da artrite reumatoide, o desenvolvimento de novas classes terapêuticas e a implementação de diferentes estratégias de tratamento e acompanhamento dos pacientes, como controle intensivo da doença e intervenção na fase inicial dos sintomas. O período inicial da doença, em especial seus 12 primeiros meses, a chamada Imuno& março/agosto 2016 7 “As drogas biológicas talvez sejam a grande evolução em termos de tratamento da artrite reumatoide. São drogas com eficácia comprovada, mas que devem ser prescritas para quem realmente não respondeu aos tratamentos de primeira linha, que no Brasil são feitos com a administração do metotrexato” Imuno& – Em termos de fármacos, quais foram as novidades que ajudaram a mudar o curso da doença? Lícia Maria – No Brasil, encontra-se aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e recomendada pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para artrite reumatoide uma quantidade grande de drogas biológicas, entre elas abatacepte, adalimumabe, certolizumabe, infliximabe, rituximabe e tocilizumabe. São drogas imunobiológicas com diferentes mecanismos de ação. Temos também as que são bloqueadoras do fator de necrose tumoral (TNF), como adalimumabe, certolizumabe, etanercepte, infliximabe e golimumabe. O TNF é uma potente citocina inflamatória expressa em grandes quantidades no soro e no líquido sinovial de indivíduos com AR. Ela promove a liberação de outras citocinas inflamatórias, particularmente as interleucinas IL-1, IL-6 e IL-8, e estimula a produção de proteases. A inibição do TNF demonstrou ser uma forma efetiva e rápida de controlar a atividade da doença. Além da inibição do TNF, há outros mecanismos de ação utilizados para o tratamento da AR. Temos ainda uma nova classe de drogas, que são as pequenas moléculas, ou drogas sintéticas alvo-específicas, que inclui, no momento, o tofacitinibe, que é um medicamento sintético classificado como alvo-específico. Ele foi recentemente aprovado no Brasil, na dose de 5 mg duas vezes ao dia, para o tratamento de AR moderada a grave em atividade e que não teve resposta adequada ao metotrexato. Imuno& – Todos esses medicamentos já estão disponíveis aos pacientes com artrite reumatoide? Lícia Maria – Através do SUS nós temos acesso a todas as alternativas terapêuticas disponíveis, ou praticamente todas, com exceção da droga aprovada há poucos meses, a tofacitinibe, que representa um mecanismo de ação diferente dos anteriores existentes e, portanto, amplia as opções terapêuticas disponíveis. Fora essa droga, todas as demais estão disponíveis gratuitamente. Isso é fruto do trabalho da Sociedade Brasileira de Artrite Reumatoide, que é extremamente 8 março/agosto 2016 Imuno& atuante. Temos diversos documentos mostrando a importância do tratamento, mostrando também que a relação custo-benefício é muito boa, que o custo-efetividade compensa. Nós, da Sociedade, atualizamos em 2013 o PCDT e conseguimos uma inclusão ampla das drogas. É esse documento que define pelo governo o que vai ser aprovado de drogas, ou seja, o governo cobre o que está no PCDT. Imuno& – Em relação às drogas biológicas, qual a sua avaliação sobre a eficácia e a segurança de seu uso? Lícia Maria – As drogas biológicas talvez sejam a grande evolução em termos de tratamento da artrite reumatoide. São drogas com eficácia comprovada, mas que devem ser prescritas para quem realmente não respondeu aos tratamentos de primeira linha, que no Brasil são feitos com a administração do metotrexato, uma droga antiga e bem eficiente. Sua capacidade de reduzir sinais e sintomas de atividade da AR e melhorar o estado funcional do paciente já foi demonstrada. Ela também reduz a progressão das lesões radiográficas. A maior parte dos pacientes já tem uma resposta boa com esse medicamento, seguro e barato. A primeira abordagem deve ser sempre com drogas sintéticas. Imuno& – Como agem as drogas biológicas na AR? Lícia Maria – São substâncias terapêuticas que interagem com proteínas humanas, produzidas somente por sistemas biológicos vivos e mediante emprego de biotecnologia. São homólogos às proteínas humanas. De forma diversa dos medicamentos produzidos por síntese química, os biofármacos são produzidos via de regra por um ser vivo – origem biológica – ou a partir da inserção de um ácido nucleico em um ser vivo – origem biotecnológica. São moléculas altamente complexas, resultantes de processos igualmente intricados, que envolvem desde a seleção da molécula viva inicial (por meio da clonagem celular ou a partir de microrganismos geneticamente modificados) até todo o processo de produção. São bastante eficazes, mas exigem cuidado na administração, por sua complexidade e efeitos colaterais. No Brasil há diversos biológicos disponíveis, como citocinas (interferons e interleucinas), fatores de crescimento hematopoiético (eritropoietina, estimulante de colônias), anticorpos monoclonais, que são semelhantes àqueles produzidos no corpo e adaptados para reagir especificamente sobre alvos selecionados, entre outros. Imuno& – Por que a cautela no uso das drogas biológicas? Quais os riscos envolvidos? Lícia Maria – As drogas biológicas aumentam o risco de certas infecções. No nosso meio nos preocupamos com a tuberculose, precisamos ficar muito atentos. Antes de iniciar uma medicação biológica, é preciso fazer a triagem para tuberculose. Por isso temos a preocupação de atualizar com frequência os protocolos de atendimento, para que a medicação certa seja usada da forma mais segura e eficaz para o paciente. Mas boa parte dos pacientes não vai precisar de um tratamento mais agressivo. De 30% a 50% respondem à terapia inicial, e apenas 25% dos pacientes vão precisar dos biológicos. Infelizmente existem formas da doença bastante agressivas, em que os pacientes não respondem aos tratamentos. Mas, à medida que a gente vai ampliando as opções terapêuticas, a chance de cobertura daquele grupo que não responde vai aumentando também. As chances de resposta vão aumentando. Imuno& – Qual a sua avaliação sobre as pesquisas com artrite reumatoide no Brasil? Em que situação estamos? Lícia Maria – Nós temos no Brasil uma área de pesquisa de bancada, da chamada pesquisa básica, e alguns centros que produzem informações importantes, como o da Universidade de São Paulo, em seu campus de Ribeirão Preto. Temos também quem produz informação clínica relevante, como a Coorte Brasília, que capta uma série de informações clínicas. É importante para saber como nossos pacientes evoluem, como é o tempo de respostas, quais abordagens obtiveram maior eficácia, como está a qualidade de vida e a função sexual deles. São coletados vários dados pelo acompanhamento regular dos pacientes. Alguns centros atuam recrutando pacientes para testes de novas drogas, mas o grande problema da pesquisa clínica no Brasil é a burocracia. Imuno& – A Anvisa dificulta o trabalho de teste com fármacos? É no órgão regulador que reside o problema? Lícia Maria – A Anvisa é uma agência bastante jovem, e vejo seu trabalho com bons olhos. Acho que a Anvisa é extremamente correta e criteriosa na aprovação porque nós já tivemos problemas no passado, e seu rigor protege a população. O processo em si é burocrático, tem o Comitê de Ética, por exemplo, que demora um ano para aprovar o que em outros países leva semanas. Não há pessoas suficientes para o trabalho. Muitas vezes o estudo está acabando no mundo e nem começamos aqui. Além disso, há falta de aproveitamento das oportunidades de financiamento. Existe no Brasil um certo preconceito em usar financiamento de empresas farmacêuticas, da indústria, mas isso não tem sentido, desde que os recursos sejam usados de forma ética. Essa visão só atrapalha. Declarando o conflito de interesse, o recurso é bem-vindo.L Imuno& março/agosto 2016 9 capa Calendário em dia A vacinação de pacientes tratados com drogas imunossupressoras tem se provado uma prática altamente recomendada Por Gabriel Ferreira Q uem tem filhos pequenos já conhece bem a rotina de ir ao posto de saúde para PhotoStock preencher a carteirinha de vacinação. Depois de um forte trabalho do Ministério da Saúde, com campanhas de imunização que acontecem há anos e envolveram até a criação de um personagem, o Zé Gotinha, para tornar a ação mais atrativa para a molecada, o calendário de imunização dos pequenos já é bastante respeitado. De uns anos para cá, também ganhou força o trabalho de imunização de idosos. A campanha de vacinação contra a gripe já é uma realidade e faz parte da rotina de milhões de pessoas ao redor do país. Em 2014, segundo dados do Ministério da Saúde, foram vacinados quase 30 milhões de pessoas do chamado grupo prioritário, que inclui idosos com 60 anos ou mais, crianças de 6 meses a 2 anos, gestantes, doentes crônicos – diabéticos, por exemplo –, indígenas, presidiários e profissionais de saúde. Há algum tempo, porém, vem ganhando força no meio médico a ideia de popularizar também o calendário de vacinação para adultos. Hoje já há recomendação para que quem está entre os 20 e os 59 anos tome uma série de vacinas, como a tríplice bacteriana, que tem 10 março/agosto 2016 Imuno& indicação de reforço de dose a cada dez anos. “Sempre tivemos uma questão bastante forte em torno da vacinação de crianças, e a imunização de adultos acabou sendo tratada com certa displicência por muito tempo”, afirma o doutor Gustavo Paiva Costa, médico reumatologista com atuação no Distrito Federal e editor clínico de Imuno&. “De uns tempos para cá, porém, esse quadro vem mudando.” A ampliação dos programas de imunização para adultos e idosos, porém, vem acompanhada de certa polêmica. Se por um lado as políticas de imunização são tidas como um dos principais avanços em termos de saúde pública nas últimas décadas, por outro ainda há pessoas que, por desconhecimento, ficam receosas sobre os efeitos desse tipo de conduta. O quadro é pior quando se trata de pacientes com quadro de doenças autoimunes. “Há muita confusão, não só entre a população em geral, mas também entre a classe médica, sobre o que pode e o que não pode acontecer”, diz a doutora Gelcimara Salviato Pileggi, professora do curso de medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, interior paulista, e reumatologista com especialização em imunização. Segundo ela, entre os pontos que mais levantam polêmicas estão aspectos como a possibilidade de a vacinação piorar o quadro do paciente e como lidar com pessoas que estão sendo tratadas com me- dicamentos imunossupressores. Não há indícios na literatura médica, porém, que indiquem que se deve evitar a vacinação de pacientes com doenças autoimunes. Ao contrário. Na grande maioria dos casos, essa é uma conduta recomendada e que deve ser adotada logo no início do tratamento. “É muito importante atualizar o calendário de vacinação dos pacientes antes de iniciar o tratamento, sobretudo quando houver imunossupressão”, afirma a doutora Gladys Ayres Martins, médica dermatologista especializada em psoríase e coordenadora do Ambulatório de Psoríase do Hospital Universitário de Brasília. Calendário atualizado A importância de se atualizar o calendário antes mesmo do início do tratamento é porque, quando há recomendação de uso de drogas que suprimem o sistema imunológico do paciente – uma vertente de tratamento que tem ganhado relevância no caso de boa parte das doenças autoimunes –, não se deve receitar a imunização com vacinas que contenham o agente infeccioso vivo ou atenuado, como é o caso das vacinas contra doenças como febre amarela, sarampo, caxumba e varíola. A presença dos agentes infecciosos nessas vacinas representa risco aos pacientes em tratamentos que envolvem imunossupressão, pois tais microrganismos, ao se deparar com um sistema imunológico frágil, podem entrar em ação, fazendo com que a pessoa desenvolva a doença que vinha tentando evitar por meio da vacinação. Na reumatologia, uma das principais áreas de tratamento de pacientes autoimunes, os médicos têm à disposição uma série de drogas imunomoduladoras, com diferentes mecanismos de ação, que podem variar conforme o local de atuação no sistema imunológico e as doses utilizadas. Entre os medicamentos com efeitos na imunidade mais utilizados na reumatologia estão os da família dos corticoides, que podem inibir uma série de proteínas (TNF, IL-1, IL-2, IL-3 e IL-6), ao atuar diretamente nos linfócitos, diminuindo a função e o número de células T circulantes. Assim, os pacientes que são tratados com corticoides orais, mesmo que em doses bastante baixas, apresentam uma resposta imune menos eficiente às infecções. Quando há necessidade de combinar o tratamento a outros imunossupressores (como azatioprina, micofenolato de mofetila ou ciclofosfamida), a ação dos sistemas de defesa do corpo fica ainda mais prejudicada, havendo maior risco de desenvolver quadros infecciosos. Por isso, a recomendação de vacinar os pacientes autoimunes se faz tão importante. “Vejo como algo muito significativo o fato de que o papel da vacinação venha ganhando força nesse grupo de pacientes, pois é uma postura que traz vantagens enormes para a qualidade de vida dessas pessoas”, afirma o doutor Gustavo. Com a vacinação, garante-se que, apesar da supressão do sistema imunológico, a pessoa esteja segura contra algumas das mais importantes infecções. O ideal é que a vacinação ocorra sempre antes do início do trata- mento com as drogas imunomoduladoras. O consenso entre os pesquisadores que já estudaram o assunto é que a conduta mais indicada é realizar a imunização do paciente entre duas e quatro semanas antes do início da terapia imunossupressora. Tal conduta tende a maximizar a resposta imune. Como nem sempre isso é possível, por causa da urgência de se iniciar o tratamento, as vacinas inativadas podem ser administradas durante o tratamento, mas o médico deve ficar atento e solicitar análises para garantir que o efeito desejado foi, de fato, alcançado. No caso das vacinas que contêm organismos vivos ou atenuados, seu uso deve ser totalmente evitado ao longo do tratamento. Se por algum motivo – viagem a uma zona endêmica, por exemplo – houver necessidade de realizar a imunização do paciente contra alguma doença cuja vacina seja desse tipo, o correto é interromper o tratamento com os imunossupressores para que a vacinação possa ser realizada com segurança, respeitando-se os intervalos indicados entre a descontinuidade da droga e a imunização, que variam caso a caso. “Mas essa é uma postura que deve ser evitada ao máximo e só tomada em último caso”, afirma a doutora Gladys. “O retorno do tratamento pode ser bastante prejudicado após essa suspensão.” De qualquer maneira, todas as doses de vacinas tomadas ao longo das terapias imunossupressoras ou nas duas semanas que antecedem o tratamento não devem ser consideradas válidas. Assim, quando a terapia é descontinuada, recomenda-se que o paciente seja orientado a receber novamente todas as doses que forem indicadas para sua faixa etária e condição clínica. Parentes e contactantes Outra forma muito importante de evitar que pacientes imunodeprimidos que sofram de doenças crônicas sejam acometidos por infecções preveníveis por meio de vacinas é realizar a imunização de pessoas que tenham contato constante com eles, uma vez que as vacinas virais atenuadas são contraindicadas aos pacientes. Por isso, pais, irmãos, filhos e outros familiares, além de cuidadores e demais profissionais de saúde, devem estar sempre atentos a seus calendários vacinais, tomando tanto as vacinas previstas no Programa Nacional de Imunizações como aquelas que não são oferecidas como rotina. É necessário, porém, se cercar de alguns cuidados, como afastar o contactante do imunodeprimido no caso de aparecimento de rash após uso da vacina varicela. Após o desaparecimento dos sintomas, o contato volta a ser liberado. Além disso, a vacina oral contra poliomielite é altamente contraindicada para os contactantes de pessoas imunodeprimidas. Isso ocorre porque há um risco real de transmissão do vírus vacinal, fazendo com que o paciente corra o risco de desenvolver a doença. Nesse caso, é recomendado que os contactantes sejam imunizados com a versão inativada dessa vacina. Outro cuidado é fazer com que crianças que tenham contato constante com indivíduos Imuno& março/agosto 2016 11 imunodeprimidos recebam a vacina oral rotavírus, pois o benefício de proteger o contactante do rotavírus selvagem é superior ao possível risco de doença pelo vírus vacinal. Cartilha Recentemente, a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) lançou, em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), uma cartilha com alguns dos pontos mais importantes sobre a vacinação de pacientes com doenças autoimunes. O documento, disponível no site http://migre.me/oJaAE, traz recomendações sobre o uso de vacinas nesses pacientes de forma que o tratamento possa seguir com segurança. Há, por exemplo, orientações sobre o intervalo ideal entre a descontinuidade do uso de algumas drogas imunossupressoras e a utilização de vacinas (ver tabela na página 15). Baseada em uma ampla bibliografia, a cartilha apresenta dados coletados nos mais diversos estudos já publicados sobre o tema. Ao tratar da segurança e da eficácia das vacinas inativadas nos pacientes com doenças reumáticas, por exemplo, a publicação segue evidências de estudos que somam mais de 10 mil pacientes vacinados com a maioria das vacinas recomendadas nos calendários atuais para concluir que “todos os estudos demonstraram que as vacinas foram seguras quanto à questão de reativação ou piora na atividade da doença base”. Segundo a doutora Gelcimara, de Ribeirão Preto, que foi uma das coordenadoras da organização do material, representando a Sociedade Brasileira de Reumatologia, esse tipo de guia é importante para quebrar paradigmas. Para ela, porém, seria importante haver também um trabalho forte de divulgação entre a população em geral. “É preciso trabalhar a cabeça de médicos e pacientes ao mesmo tempo”, conclui. Para o doutor Gustavo, ao disseminar os avanços no conhecimento sobre esse assunto obtidos ao longo dos últimos anos, haverá ganhos para o sistema de saúde como um todo. “É natural que se leve algum tempo para uma mudança de conduta como essa, mas é fundamental debater, porque isso significa avanço na qualidade de vida dos nossos pacientes”, afirma. O perigo das campanhas antivacina No ano passado, os administradores do maior parque de diversões do mundo, o complexo da Disney, se viram obrigados a administrar uma grande crise. Um surto de sarampo teve início em suas dependências, no estado americano da Califórnia, afastando milhares de clientes. O surto atingiu cerca de 100 pessoas em diversos estados americanos e, segundo o centro de controle de doenças americano, teve sua origem no parque. Mas como explicar um surto repentino de uma doença que era considerada erradicada no país há mais de 15 anos? “Em grande parte, isso é culpa dos grupos antivacina, que procuram boicotar toda e qualquer campanha de imunização”, afirma a doutora Gelcimara Salviato Pileggi, professora da USP de Ribeirão Preto. Tais grupos, que vem ganhando bastante força ao longo dos últimos anos nos Estados Unidos, são compostos principalmente por pessoas que já nasceram em uma época em que muitas doenças estavam controladas e não representavam mais um perigo iminente. “Sem ver o efeito desses males, as pessoas passaram a relativizar a necessidade de vacinar a si ou aos seus filhos”, diz a pesquisadora. 12 março/agosto 2016 Imuno& “Isso abre brecha para o retorno de problemas que considerávamos superados.” Em geral, os militantes antivacina se baseiam em estudos científicos comprovadamente falsos, como um que ligava a imunização ao desenvolvimento de autismo nas crianças. Mesmo assim, eles têm conquistado adeptos. Em alguns estados americanos, como o Novo México, o número de crianças não vacinadas cresceu 17% entre 2012 e 2014 e gerou uma reação por parte de muitos médicos, que se recusam a receber em seus consultórios pacientes que não estejam com a carteira de vacinação em dia. No Brasil, as ç seguem bastante efetivas e, em alguns casos, são apontadas como exemplo para o mundo. Por mais que os grupos antivacinação não tenham por aqui a mesma força que apresentam nos Estados Unidos, há, porém, algumas situações em que tal discurso tem se mostrado forte, como no caso da vacina contra o HPV, que sofreu resistência de diversos grupos, que a consideravam como um estímulo à precocidade sexual. É preciso, portanto, que médicos e autoridades se mantenham sempre alerta para reforçar a importância de manter a vacinação em dia. Mitos e verdades sobre vacinação e doenças autoimunes 1. A vacina pode desencadear quadros de doenças autoimunes Mito. A existência de alguns casos isolados de pacientes que desenvolveram doenças autoimunes pouco tempo depois de terem sido vacinados levou muita gente a relacionar os dois fatos. O argumento, contudo, é falacioso e até hoje nenhum estudo conseguiu comprovar uma relação causal entre a imunização e tais problemas de saúde. 2. A vacina pode piorar os sintomas de pacientes já diagnosticados com doenças autoimunes Mito. Diversos estudos já comprovaram que as vacinas não têm o poder de voltar a desencadear os sintomas em pacientes que já estejam passando por tratamento contra doenças autoimunes. Uma compilação de estudos realizada pela SBIm, incluindo mais de 10 mil pacientes vacinados, demonstrou a segurança das vacinas quanto à reativação ou à piora das doenças preexistentes. 3. É preciso ter cuidado com pacientes que tomam medicamentos imunossupressores Verdade. Como os medicamentos imunossupressores têm por base reduzir a imunidade do paciente, a administração de vacinas que contenham os agentes infecciosos atenuados pode representar risco de o paciente vir a desenvolver a doença que a vacina deveria combater. Vacinas que contenham agentes infecciosos inativados não apresentam nenhum risco e são até recomendadas. Na dúvida, o ideal é consultar as orientações da SBIm. Perguntas e respostas sobre imunização 1. Para pacientes em uso de anticoagulantes orais e ácido acetilsalicílico (AAS), é preciso algum cuidado especial na indicação e contraindicação de vacinas? Pacientes em uso de AAS são considerados de alto risco para a síndrome de Reye quando infectados pelo vírus varicela zoster. Por isso, recomenda-se a vacina varicela, com a preocupação de suspender o medicamento por seis semanas. O uso de salicilatos indica a aplicação da vacina influenza anualmente. É importante notar que, no caso de pacientes que utilizam anticoagulantes, é recomendada a aplicação subcutânea. Caso haja necessidade de aplicação intramuscular, deve-se optar pela agulha de menor calibre possível, seguida de compressão do local por pelo menos 2 minutos e compressas de gelo. 2. Como indicar as vacinas para quem não tem doses anteriores comprovadas? O ideal é que sempre se solicite ao paciente sua carteira de vacinação. Porém, como em alguns casos não há possibilidade ou demanda-se muito tempo para encontrar o documento, a recomendação é que não se postergue a vacinação. Diante da falta de registros ou de vacinas aplicadas por serviços não reconhecidos, 14 março/agosto 2016 Imuno& deve-se considerar o paciente como não vacinado. 3. Quando são várias vacinas indicadas para o paciente, podemos aplicar todas simultaneamente? Diversos estudos já mostraram que não há problema em aplicar diversas vacinas no mesmo dia. Sendo assim, sempre que for necessário otimizar a atualização das vacinas é recomendado que se aplique o máximo de vacinas simultaneamente. Caso não seja possível realizar todas as imunizações em um mesmo dia, deve-se estabelecer um intervalo mínimo de quatro semanas entre doses de vacinas vivas atenuadas injetáveis. Nos demais tipos de vacina não há necessidade de intervalos determinados. 4. Quando é indicado checar a soroconversão pós-vacinação? O procedimento de checagem da sorologia pós-vacinação não costuma ser indicado normalmente, mas no caso de pacientes imunodeprimidos esse procedimento recebe maior importância, já que há irregularidade das respostas de acordo com cada caso. É recomendado realizar a sorologia para hepatite B (anti-HBs) 30 a 60 dias após a terceira dose e anualmente para pacientes em situações de imunodepressão. Fonte: Guia de Imunização SBIm/SBR Espaço de segurança Biológicos e vacinas Drogas imunossupressoras utilizadas em reumatologia, sua ação no sistema imunológico e o intervalo de descontinuidade para utilização de vacinas vivas atenuadas É necessário suspender por cinco meias-vidas o tratamento com drogas biológicas antes de administrar vacinas vivas atenuadas. Medicamentos biológicos são drogas derivadas de sequências genéticas em células vivas, como é o caso de etanercepte, infliximabe, tocilizumabe, anakinra, ustequinumabe, entre outros. A tabela mostra correspondências para cada um dos biológicos utilizados atualmente para o tratamento de doenças reumatologias, com exceção do rituximabe, cuja vacinação só é indicada após seis meses. L Droga Ação no sistema imunológico Intervalo Corticoides Capazes de inibir TNF, IL-1, IL-2, IL-3 e IL-6. Têm efeito direto nos linfócitos, diminuindo a função e o número das células T circulantes. Atuam também comprometendo a imunidade inata, afetando a adesão leucocitária e reduzindo o número de neutrófilos. 4 semanas Metotrexato Inibe as enzimas dependentes de folato, inibindo o metabolismo de purinas e pirimidinas. A mais relevante é a diidrofosfato redutase, aumentando os níveis de adenosina. O resultado final é a redução da secreção de TNF, IFN– e IL-12, bem como a inibição da fagocitose. Biológico Nenhum Sulfassalazina Inibe a transcrição do fator NF-kB e a adesão e função leucocitária; in vitro, é capaz de reduzir os níveis de IL-1 e IL-12 produzidas por monócitos. Nenhum Antimaláricos Aumentam o pH dos lisossomos, prejudicando o processamento de proteína. Nenhum Antiproliferativos As drogas mais relevantes são a azatioprina e a ciclofosfamida. A primeira bloqueia a síntese de purinas e o reparo do DNA. Assim, inibe a proliferação de células hematopoiéticas. A segunda é um agente alquilante que reduz as células T e B. 3 meses Inibidores de calcineurinas Os representantes desse grupo são ciclosporina, sirolimus e tacrolimus. Inibem a transcrição de IL-2. 3 meses para doses altas Leflunomida Indicação Meia-vida Infliximabe Anti-TNF-a DII, AR, SPA, AP, psoríase 9 dias Etanercepte Antirreceptor TNF-a AR, AIJ, AP, SPA, psoríase 5 dias Golimumabe Anti-TNF-a AR, SPA, AP 14 dias Certolizumabe Anti-TNF-a AR 14 dias Adalimumabe Anti-TNF-a AR, SPA, AP, DII, psoríase 14 dias CTLA4 AR, AIJ 14 dias Belimumabe Anti–blis LES 21 dias Ustequinumabe Anti-IL-23 AP e psoríase 21 dias Canaquinumabe Anti–IL-1 CAPS 21 dias Tocilizumabe Anti-IL-6 AR, AIJ sistêmica 13 dias Nenhum Interfere na apresentação de antígenos aos linfócitos T, dessa forma inibindo a via de transdução de sinal que leva à inflamação, antiapoptose e proliferação. No entanto, seu efeito mais importante consiste na depleção de pirimidinas, bloqueando o ciclo celular. Dessa forma, é capaz de reduzir a resposta inflamatória Th1. Mecanismo de ação Abatacept Fonte: Guia de Imunização SBIm/SBR Legenda: DII: doença intestinal inflamatória; AR: artrite reumatoide; SPA: espondiloartropatias; AP: artrite psorisiaca; AIJ: artrite idiopática juvenil; CAPS: criopirinopatias; LES: lúpus eritematoso sistêmico Fonte: Guia de Imunização SBIm/SBR Imuno& março/agosto 2016 15 psoríase Instrumentos de avaliação da gravidade na psoríase A psoríase é uma doença inflamatória crônica, imunomediada, de base genética e com manifestações clínicas diversas que acomete a pele e as articulações. É de ocorrência universal e, no Brasil, 1% da população. Ocorre igualmente em homens e mulheres. É uma das dermatoses mais frequentes na prática clínica. Diversos fatores ambientais, geográficos e étnicos podem interferir na sua incidência. Divulgação estima-se que a sua incidência esteja em torno de Beatriz Medeiros Ribeiro * Médica dermatologista, especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Dermatologia, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia – Regional Distrito Federal, preceptora da Residência Médica em Dermatologia – Hospital Regional da Asa Norte (HRAN/SES/DF) e mestre em ciências para a saúde pela ESCS/FEPECS/SES/DF Contato: [email protected] 16 março/agosto 2016 Imuno& Pode ocorrer em qualquer idade, com picos de incidência na segunda e na quinta década de vida. O início antes dos 15 anos de idade correlaciona-se com maior frequência de casos familiares. Vem sendo associada a diferentes antígenos de histocompatibilidade, e estudos recentes revelam um loci de histocompatibilidade denominado Psors encontrado nos cromossomos 6p, 17q, 4q e 1q. Manifesta-se por placas eritematodescamativas, bem delimitadas, ocasionalmente pruriginosas, em áreas de traumas constantes na pele, como cotovelos, joelhos, região pré-tibial, couro cabeludo e região sacra. Em 50% a 80% dos casos as lesões de pele são acompanhadas por lesões ungueais. Outras formas clínicas são: a psoríase invertida, a seboríase, a psoría segutata, a forma eritrodérmica, a psoríase pustulosa, a psoríase na infância e a psoríase artropática. A psoríase artropática é uma artrite soronegativa encontrada em 10% a 40% dos pacientes portadores de psoríase. As articulações mais afetadas são as articulações das mãos, dos pés e, mais raramente, dos tornozelos e dos joelhos, sob a forma de mono ou oligoartrite assimétrica. Pode também manifestar-se sob a forma de poliartrite simétrica, espondiloartrite ou artrite mutilante. Diversos fatores correlacionam-se ao seu agravo, como trauma, luz solar, infecção, HIV, drogas (lítio, retirada de corticosteroides sistêmicos, betabloqueadores, antimaláricos, anti-inflamatórios não esteroidais), fatores psicogênicos e emocionais, tabagismo, álcool e fatores endócrinos. Seu diagnóstico é clínico. Baseia-se na história clínica e no exame físico. Ao exame físico, observa-se facilmente o sinal do orvalho sangrento ou sinal de Auspitz pela curetagem metódica de Brocq sobre as placas da psoríase. Nos quadros menos típicos, pode-se lançar mão do exame histopatológico. O exame do couro cabeludo e das unhas pode auxiliar o diagnóstico. Na suspeita de psoríase artropática, complementa-se a avaliação com exames radiológicos. A escolha do tratamento ideal baseia-se na gravidade da doença. A avaliação da gravidade da psoríase leva em conta a extensão do quadro e o comprometimento da qualidade de vida do doente. Pode ser classificada em três formas: Psoríase leve: quando não há alteração da qualidade de vida do doente e acomete até 2% da área de superfície corporal. Psoríase moderada: afeta a qualidade de vida do doente e acomete de 2% a 10% da área de superfície corporal. Psoríase grave: afeta significativamente a qualidade de vida do doente; compromete mais de 10% da área de superfície corporal; o paciente está disposto a correr riscos para melhorar sua qualidade de vida, aceitando tratamentos que possam ter efeitos colaterais importantes. Outros fatores devem ser considerados na avaliação da gravidade da psoríase: a atitude do paciente em relação a doença; o acometimento de áreas especiais como a face, as mãos, os pés, os genitais e as unhas; e a presença de sinais e sintomas sistêmicos como febre, sangramento,dor, rigidez articular ou prurido. As formas eritrodérmica e pustulosa generalizada são consideradas formas graves. Para a mensuração da gravidade da doença existem alguns critérios objetivos que devem ser analisados durante a consulta, pois a doença grave para o paciente muitas vezes não é grave para o médico avaliador. O conceito de gravidade, em psoríase, depende muito de quem é o observador, se é o paciente ou o médico, e atende a uma série de visões subjetivas, mas às quais se procura agregar elementos objetivos. Sob o ponto de vista do paciente, a psoríase grave é aquela que causa constrangimento, ansiedade ou interfere no relacionamento físico, social, como a prática de lazer ou esportes. Sob a ótica do dermatologista, o quadro grave é aquele generalizado, eritrodérmico ou pustuloso, que compromete dobras com fissuras, ou que apresente comprometimento articular. Ou seja, situações que se associam com dificuldades terapêuticas. Para o pesquisador, a definição necessita de critérios objetivos que permitam a mensuração da gravidade. Nessa perspectiva, surgiram os instrumentos de avaliação de gravidade da psoríase. Os critérios objetivos de avaliação de gravidade da psoríase são: PASI (índice de gravidade da psoríase por área), PGA (avaliação global do médico), BSA (área de superfície corpórea), NAPSI (índice de gravidade da psoríase ungueal), DLQI (índice dermatológico de qualidade de vida) e PDI. PASI: O psoriasis area and severity index (PASI), ou Índice de gravidade da psoríase por área, é um critério objetivo de mensuração da gravidade do quadro de psoríase. Foi um método desenvolvido em 1978 por Fredricksson e Pettersson, que procuravam quantificar a gravidade da doença. O PASI é importante para avaliar a gravidade do quadro no início do tratamento, além de permitir avaliar o percentual de melhora e a evolução do paciente durante o tratamento. O PASI 75 e o PASI 50 correspondem à porcentagem de redução da gravidade em relação ao PASI pré-tratamento. Utiliza parâmetros clínicos como o eritema, a infiltração e a descamação. Para cada parâmetro é dado um valor, e para cada segmento corporal designa-se uma constante. Esse índice avalia as quatro regiões do corpo: cabeça, tronco, membros superiores e membros inferiores. •• Escala de avaliação de cada item: eritema, infiltração e descamação. 0 = Ausente 1 = Leve 2 = Moderado 3 = Grave 4 = Muito grave •• Escala de avaliação de área: 1 = <10% 2 = 10% a <30% 3 = 30% a <50% 4 = 50% a <70% 5 = 70% a <90% 6 = 90% a 100% A soma obtida das alterações (eritema + infiltração+ descamação), para cada segmento corporal, é multiplicada pela área comprometida naquele segmento, segundo uma escala de correspondência: valor 1 se <10% de área comprometida; 2 = 10% - 29%; 3 = 30% - 49%; 4 = 50% - 69%; 5 = 70% -89% e 6 = 90% - 100% de área comprometida. O produto da equação então obtido é multiplicado por uma constante que retrata a proporcionalidade de área, de cada segmento corporal. Assim, a cabeça corresponde ao valor constante de 0,1; o tronco a 0,3; os membros superiores a 0,2; e os membros inferiores a 0,4. Os valores do PASI variam de 0 a 72 e são utilizados como parâmetro de gravidade da psoríase crônica em placas. Não serve para avaliação de psoríase pustulosa, psoríase invertida, psoríase palmoplantar, artrite psoriásica ou ungueal. Outra limitação do método é a possível variabilidade de escores entre avaliadores distintos diante do mesmo paciente ou a possível variabilidade de escores obtidos pelo mesmo avaliador em momentos diferentes. Unidade Eritema Infiltração Descamação Soma Xárea%C Produto XConstante Cabeça 0a4 0a4 0a4 0 a 12 1a6 = 0,1 Tronco 0a4 0a4 0a4 0 a 12 1a6 = 0,2 MMSS 0a4 0a4 0a4 0 a 12 1a6 = 0,3 MMII 0a4 0a4 0a4 0 a 12 1a6 = 0,4 Total Total PASI = 0 a 72 Imuno& março/agosto 2016 17 O PASI é o índice mais utilizado nos ensaios clínicos, porém tem recebido algumas críticas, por possuir uma escala não linear, além de ser longo e complexo. Também é o método mais empregado para avaliação dos resultados terapêuticos. A maioria das publicações define o PASI superior a 10 como critério para classificação da psoríase em moderada a grave. Alguns autores utilizam o critério de psoríase moderada, como aquele com valor de PASI entre 7 e 12, e grave aquele com PASI maior que 12 .O resultado do PASI pode variar de 0 a 72. BSA Outro método de avaliação de gravidade é o body surface área (BSA), método de avaliação da superfície corporal segundo o qual se considera apenas a área corporal comprometida da psoríase em placas. O BSA considera que a palma da mão do paciente, com os dedos unidos, correspondente a 1% da superfície corporal total. Portanto, se o paciente tem o equivalente a 10 palmas da mão de área comprometida, ele teria BSA10. As limitações dessa técnica dizem respeito à psoríase em gotas e às lesões da face e couro cabeludo e, principalmente, não leva em conta a intensidade inflamatória do acometimento. Avaliação da porcentagem da superfície corpórea acometida pela psoríase - Estimativas de porcentagem: NAPSI O nail psoriasis severity índex (NAPSI) é o índice de avaliação de gravidade da psoríase ungueal. O acometimento das unhas na psoríase é freqüente e se manifesta como lesões resultantes de alterações da matriz ou da lâmina ungueal. Pode ser a única manifestação da psoríase em alguns casos. Estima-se que 80% a 90% dos pacientes com psoríase terão acometimento ungueal em uma determinada época da doença. Clinicamente, as alterações da matriz ungueal se manifestam pela presença de pitting (punturas ou depressões cupuliformes nas unhas), aumento da espessura, onicorrexe e leuconíquia.O envolvimento do leito ungueal leva ao aparecimento de manchas de óleo ou placas salmão, hiperqueratose subungueal, onicólise e hemorragias em estilha (ou hemorragias splinter). Depressões cupuliformes e hiperqueratose subungueal são os achados mais comuns. A avaliação ungueal na psoríase é um desafio, pois depende muito da subjetividade do avaliador. Recentemente o NAPSI foi sugerido para avaliar o acometimento da doença. De acordo com o NAPSI, cada unha é dividida em quatro quadrantes e a presença de quaisquer alterações da lâmina ou da matriz ungueais encontradas são contabilizadas, gerando um escore que varia de 1 a 80 para as unhas das mãos e de 1 a 160 para as unhas das mãos e dos pés. Comprometimento matriz ungueal 0 a 1 Palma da mão = 1% Comprometimento leito ungueal 0 a 1 Cabeça e pescoço = 10% 4 quadrantes MMSS = 20% Escores NAPSI variam de 0–8 (por unha) Tronco = 30% 0–80 (mãos apenas) MMII e região glútea = 40% 0–160 (incluindo-se os pés) Variação: 0% a 100% BSA ≥ 10 = Psoríase moderada a grave PGA O physician global assessment (PGA), ou avaliação global do médico, é um método de avaliação feito pelo médico. Avalia lesões isoladamente ou todas as lesões presentes. Utiliza como parâmetros o eritema, a descamação e a infiltração, e para cada parâmetro é dado um escore que varia de 0 a 6. Escore 0: sem lesão = clareamento total Escore 1: quase sem lesão = clareamento quase total Escore 2: leve Escore 3: leve a moderado Escore 4: moderado a grave Escore 5: grave Escore 6: muito grave 20 março/agosto 2016 Imuno& DLQI Outra medida de gravidade a ser utilizada e valorizada é a repercussão de enfermidades dermatológicas na qualidade de vida do paciente, denominada dermatology life quality índex (DLQI). Esse índice contém 10 questões relacionadas às experiências vivenciadas pelo paciente na semana anterior ao questionário. O questionário é autoaplicável, podendo ser utilizado antes e após o tratamento. Os escores podem se situar entre 0 e 30. Quanto maior o valor, maior é a repercussão de ordem psicológica, social, escolar ou profissional da enfermidade no paciente, e portanto, maior o grau de comprometimento de sua qualidade de vida. Uma possível limitação do método é que para a psoríase muito crônica a possível adaptação do paciente à sua enfermidade pode tornar a correlação do DLQI menos coerente com o PASI ou o BSA do paciente. Outra limitação é de o método não captar os impactos na qualidade de vida de pacientes de estrato social mais baixo, com limitado acesso escolar ou ao lazer. Índice de qualidade de vida em dermatologia O objetivo deste questionário é medir o quanto seu problema de pele afetou sua vida no decorrer da última semana. Marque com um X a melhor resposta para cada pergunta. 1. Na última semana, quanto sua pele coçou, esteve sensível, dolorida ou ardida? q Muitíssimo q Muito q Um pouco q Nada 2. Na última semana, você ficou com vergonha ou se preocupou com sua aparência por causa de sua pele? q Muitíssimo q Muito q Um pouco q Nada 3. Na última semana, quanto sua pele interferiu nas suas compras ou nas suas atividades dentro e fora de casa? q Muitíssimo q Muito q Um pouco q Nada q Não relevante 4. Na última semana, quanto sua pele influenciou na escolha das roupas que você vestiu? q Muitíssimo q Muito q Um pouco q Nada q Não relevante 5. Na última semana, quanto sua pele afetou as atividades sociais ou de lazer? q Muitíssimo q Muito q Um pouco q Nada q Não relevante 6. Na última semana, quanto sua pele atrapalhou a prática de esportes? q Muitíssimo q Muito q Um pouco q Nada q Não relevante 7. Na última semana, sua pele o impediu de trabalhar ou ir à escola? q Sim q Não relevante Caso sua resposta seja NÃO, na última semana quanto sua pele lhe cau- sou problemas no trabalho ou na escola? q Muito q Um pouco q Nada 8. Na última semana, quanto sua pele lhe causou problemas com seu parceiro ou amigos mais próximos e parentes? q Muitíssimo q Muito q Um pouco q Nada q Não relevante 9. Na última semana, quanto seu problema de pele lhe causou dificuldades sexuais? q Muitíssimo q Muito q Um pouco q Nada q Não relevante 10. Na última semana, quanto o seu tratamento para a pele foi um problema, deixando sua casa desorganizada ou tomando muito o seu tempo? q Muitíssimo q Muito q Um pouco q Nada q Não relevante PDI Além do DLQI, pode-se utilizar o psoriasis disability index (PDI). Consta de 15 itens relacionados ao impacto da psoríase, em quatro atividades executadas pelo paciente no seu dia a dia: as atividades diárias; a atividade de trabalho ou escolar; o lazer; e o relacionamento pessoal. O questionário é também autoaplicável e o paciente vai avaliar os 15 dias anteriores à sua aplicação. Uma de suas vantagens é a possibilidade de avaliar a repercussão da enfermidade sobre cada atividade importante na vida do paciente e assim possibilitar o planejamento de intervenções específicas em cada uma delas. Regra dos 10 A psoríase grave é aquela que apresenta um dos seguintes parâmetros: PASI > 10, ou BSA >10 ou DLQI > 10. Esta é chamada “regra dos 10”. Ou seja, um dos valores acima, em pelo menos um dos métodos, seria o suficiente para o paciente de psoríase ser considerado como grave e, portanto, candidato à terapêutica sistêmica. L Referências bibliográficas 1. Frederiksson T, Pettersson U. Severe psoriasis: oral therapy with a new retinoid. Dermatologica. 1978; 157:238-44. 2. Schmitt J, Wozel G. The psoriasis area and severity index is the adequate criterion to define severity in chronic plaque-type psoriasis. Dermatology. 2005; 210:194-9. 3. Finlay AY, Khan GK. Dermatology life quality index (DLQI) – a simple practical measure for routine clinical use. Clin Exp Dermatol. 1994; 19:210-6. 4. Martins GA, Arruda L, Mugnaini ASB. Validação de questionários de avaliação da qualidade de vida em pacientes de psoríase. An BrasDermatol. 2004; 79:521-35. 5. Finlay AY. Current severe psoriasis and the rule of ten. Br J Dermatol. 2005; 152:861-7. 6. Arruda LHF, Campbell GAM, Takahashi MDF. Psoriase. An bras Dermatol 2001; 76: 141-167. 7. Langley RG, et al. J Am Acad Dermatol. 2004;51:563-569. 8. Finlay AY. Br J Dermatol. 2005;152:861-867. 9. Rich P, et al. J Am Acad Dermatol. 2003;49:206-212. 10. Feldman, et al. Ann Rheum Dis. 2005;64:65-68. 11. Rich, Scher. JAAD. 2003;49:206-212. 12. Consenso Brasileiro de Psoríase. 2012. Imuno& março/agosto 2016 21 gastro Terapia biológica na doença inflamatória intestinal A doença inflamatória intestinal (DII) tocolite ulcerativa. sugerem que as Evidências engloba duas entidades clínicas: a doença de DII Crohn e a re- sejam resultado de uma resposta inflamatória inapropriada a microflora intestinal em pacientes geneticamente predispostos. A doença inflamatória 1,4 milhão de americanos, com pico de incidência dos 15 aos 30 anos de idade. A doença de Crohn afeta, geralmente, o íleo e o cólon, mas pode afetar qualquer região do intestino de forma descontínua e com inflamação transmural, que pode envolver todas as camadas intestinais e, por esse motivo, mais associada a complicações como estenose e fístulas. Já na retocolite ulcerativa, a intestinal afeta cerca de inflamação envolve o reto e pode afetar uma parte ou todo o cólon de forma contínua e fica tipicamente confinada à mucosa intestinal1 Colite ulcerativa (Figura 1). Doença de Crohn estreitamento Inflamação Colon descendente íleo terminal Locais de maniestação das Doenças inflamatórias intestinais Úlceras anoretais Fístula Divulgação Fonte: http://pt-br.infomedica.wikia.com/wiki/Doen%C3%A7a_de_Crohn Figura 1 Stefania Burjack Gabriel * Médica gastroenterologista e endoscopista do HBDF e HFA Coordenadora do Serviço de Doenças Inflamatórias Intestinais do HBDF Contato: [email protected] 22 áreas inflamadas março/agosto 2016 Imuno& Os principais sintomas da doença inflamatória intestinal são: diarreia, dor abdominal, sangramento gastrointestinal, desnutrição, perda de peso e fadiga. A doença pode ter implicações psicossociais e causar limitações no estilo de vida dos pacientes e, consequentemente, comprometer a qualidade de vida. Apesar de a patogênese da doença inflamatória intestinal ainda não ser totalmente elucidada, sabe-se que envolve a ativação de leucócitos com a produção de mediadores inflamatórios que culmina nas lesões intestinais. Consequentemente, o objetivo primário das várias terapias disponíveis, no momento, é bloquear a atividade do sistema imune através da inibição das citoci- nas inflamatórias e integrinas2. A administração de citocinas anti-inflamatórias com a indução da apoptose celular pode contribuir na prevenção da ativação, proliferação e recrutamento de células T. Na tentativa de atingir esse objetivo, a comunidade médica passou a se interessar pelos agentes biológicos, cujo nome se refere ao uso de anticorpos monoclonais produzidos contra um alvo molecular específico. O fator de necrose tumoral (TNF) é uma citocina potente com vários efeitos pró-inflamatórios nos portadores de doença inflamatória intestinal. É produzido por macrófagos e células T e induz a migração de neutrófilos para os locais onde haja a inflamação, ativa as células T, prejudica a integridade da mucosa (aumentando a permeabilidade mucosa) e leva à produção de metaloproteinases pró-fibróticas. A perpetuação do processo favorece mais inflamação e destruição tecidual no intestino acometido. O TNF tem um papel importante na patogênese da DII, assim como em outras doenças imunológicas, como artrite reumatoide, espondilite anquilosante e psoríase3. O anti TNF específico monoclonal foi desenvolvido para uso nos seguintes casos: refratariedade ou dependência ao corticoide, refratariedade ao uso de imunossupressores e fístulas complexas na doença de Crohn. Dos biológicos utilizados atualmente no Brasil, apenas os seguintes anti-TNF estão liberados para tratamento de doença intestinal inflamatória (DII): infliximabe, adalimumabe e certolizumabe. O infliximabe (IFX) é um anticorpo quimérico (IgG1 humano acoplado a regiões variáveis de camundongo anti-TNF), com elevada afinidade para as formas solúveis e as transmembranas de TNF. O medicamento é administrado por infusão endovenosa com dose inicial de 5mg/kg e tem meia-vida de eliminação de 7 a 12 dias. Recomenda-se a administração de 3 doses de ataque (semana 0, 2 e 6), seguidas de infusões de manutenção a cada 8 semanas. Cerca de 36% dos pacientes podem perder resposta a doses de manutenção pela formação de anticorpos anti-infliximabe (ATI), que reduzem a níveis mínimos o nível de fármaco circulante4. Nesse caso, o ideal seria a dosagem dos níveis séricos do fármaco no soro e ajuste da dose para um nível mínimo de >3μg/mL, na tentativa de melhorar os resultados clínicos5. No Brasil, a dosagem dos ATI ainda é pouco acessível, e o aumento empírico para a dose de 10mg/kg pode trazer a remissão clínica. A eficácia dos agentes anti-TNF na doença de Crohn foi demonstrada pela primeira vez pelo estudo ACCENT I, que mostrou que 58% dos pacientes com doença de Crohn moderada a grave obtiveram resposta clínica em duas semanas e que os que tiveram resposta, 39% mantiveram remissão em seis meses. O estudo ACCENT I mostrou ainda cicatrização completa da mucosa em 50% dos pacientes por volta de 52 semanas. Nos pacientes com retocolite ulcerativa grave a moderada que não responderam a terapia convencional, os estudos ACT I e II mostraram taxa de resposta de 69% e taxa de remissão de 35% após oito semanas. No acompanhamento desses pacientes por 12 meses, apenas 10% dos que receberam infliximabe foram submetidos a colectomia em comparação com 17% do grupo placebo. O adalimumabe (ADA) é um anticorpo monoclonal anti-TNF cuja composição molecular é completamente humana. Pacientes intolerantes ao uso de infliximabe podem se beneficiar do uso do adalimumabe, já que neste não existe a sequência murínica em sua estrutura molecular. Ele é administrado via subcutânea e a dose de indução é de 160 mg, duas semanas após, 80 mg, e depois 40 mg 2/2 semanas (manutenção). Embora seja uma molécula totalmente humana, ainda pode haver formação de anticorpos anti-TNF em até 10% dos casos. As reações adversas mais comuns são aquelas no local da injeção, ocorrendo em até 20% dos casos, mas transitórias. Quando o paciente perde resposta à dosagem de 40 mg a cada duas semanas, mudar para a dose de 40 mg semanalmente pode levar à resposta novamente em alguns pacientes. Assim como o infliximabe, os dados de análise post-hoc não têm mostrado melhores taxas de cura quando os imunomoduladores foram usados com adalimumabe. O estudo CLASSIC I mostrou que o adalimumabe induziu resposta clínica após duas aplicações em 58% dos pacientes com doença de Crohn moderada a grave. O estudo CHARM mostrou taxa de remissão de 40% após 30 semanas de terapia de manutenção. A cicatrização da mucosa foi vista em 24% dos pacientes após 52 semanas de tratamento, fato não observado com o grupo placebo. O estudo GAIN demonstrou que, em pacientes que não mais respondiam ou eram intolerantes ao infliximabe, 38% respondiam à indução com adalimumabe em quatro semanas e 21% obtinham remissão clínica. O certolizumabepegol tem uma estrutura diferente se comparado com os outros anti-TNF, sendo um fragmento de anticorpo Fab peguilado humanizado (95%) em vez de um anticorpo anti-TNF completo. Ele age promovendo neutralização dose-dependente do TNF alfa humano solúvel e associado a membrana. Ao contrário do infliximabe e do adalimumabe, o certolizumabe não induz apoptose em células portadoras de TNF. A indução é feita com três aplicações subcutâneas de 400 mg (semanas 0, 2 e 4), seguidas de 400 mg a cada semana. Cerca de 10% dos pacientes em terapia de manutenção podem desenvolver anticorpos anticertolizumabe. A taxa de reação no local da injeção foi baixa (<5%) nos ensaios clínicos. Em teoria, a peguilação o torna menos propenso a atravessar a barreira placentária. Os estudos clínicos PRECISE 1, 2 e 3 confirmaram a eficácia do certolizumabe. A resposta inicial e as taxas de remissão em seis semanas foram, respectivamente, de 64% e 43% no estudo PRECISE 2 após três injeções de certolizumabe. 48% dos pacientes que responderam à terapia de ataque permaneceram em remissão após seis meses. Muitos dos pacientes recrutados para o estudo já haviam falhado ao uso de outro anti-TNF prévio. Mesmo assim, a taxa de remissão em seis semanas foi semelhante à daqueles que estavam se expondo ao anti-TNF (certolizumabe) pela primeira vez. Esses três anti-TNF foram aprovados para uso na indução e na manutenção de remissão da doença de Crohn e são os que dispomos no Brasil, para tratamento dessa entidade. Uma pergunta que sempre vem em mente é: qual seria o melhor para tratamento das DII? Até hoje não houve ensaios clínicos diretos randomizados e comparativos que pudessem confrontar os anti-TNF. Mas podemos inferir comparações entre os estudos já publicados. Os estudos com infliximabe contemplaram apenas pacientes que nunca usaram anti-TNF e consideram resposta clínica a redução de 70 no índice de atividade da doença de Crohn (IADC) ao invés de redução de 100 pontos no IADC como Imuno& março/agosto 2016 23 usam os estudos com adalimumabe e certolizumabe. A tabela abaixo mostra a resposta clínica e as taxas de remissão com agentes anti-TNF: Resposta clínica Remissão clínica (4ª semana) (20ª e 30ª semanas) Infliximabe 61% 39% Adalimumabe 59% 40% Certolizumabe - 48% Fármaco Devemos conversar com os nossos pacientes e relatar que a eficácia e o risco dos três anti-TNF são muito semelhantes. É preciso levar em consideração no momento da escolha da medicação: a preferência do paciente, a sua capacidade de se autoadministrar a droga e o estilo de vida que ele tem. O perfil de segurança dos agentes anti-TNF tem sido quase sempre determinado a partir de ensaios clínicos, estudos de caso-controle e es- Construct of Anti-TNF-a Biologic Agents “A maioria dos pacientes responde com o uso de esteroides tópicos, mas, se isso falhar, pode ser necessário trocar para outro anti-TNF ou para outra classe de medicamento” VL VH Ck CH1 Peg Chimeric Pegylated Humanized Human Infliximab CPD870 Certolizumab D2E7 Adalimumab 95% human IgG1 isotype 100% human IgG1 isotype 75% human tudos de registro de larga escala do infliximabe. No entanto, presume-se que a maioria dos efeitos adversos seja de classe específica. Reações à infusão do infliximabe podem ocorrer em até 15% dos casos e, geralmente, são leves e transitórias. Podem estar relacionadas à velocidade da infusão, fato revertido com a desaceleração da mesma. O uso de anti-histamínicos e esteroides antes da infusão pode prevenir novas reações mediadas por anticorpos em infusões posteriores. Casos de anafilaxia grave ou broncoespasmo são indicações de suspensão do tratamento. Eventualmente, é possível deparar com reações de hipersensibilidade do tipo tar- 24 março/agosto 2016 Imuno& Peg dio ou do tipo lúpus, que podem ocorrer até uma semana após a aplicação da medicação e costumam exigir o tratamento com esteroides. Novas erupções de pele como psoríase ou eczema podem surgir e têm sido mais observadas com aumento crescente do uso de anti-TNF. Os efeitos idiossincrásicos parecem ser um efeito de classe e tem incidentalmente sido associados a maiores níveis de fármaco no soro. A maioria dos pacientes responde com o uso de esteroides tópicos, mas, se isso falhar, pode ser necessário trocar para outro anti-TNF ou para outra classe de medicamento. A terapia biológica, portanto, mostra grande eficácia sobretudo se usada criteriosamente. Devemos sempre atentar para os efeitos adversos associados ao uso da terapia biológica: reações infusionais (ardência local, prurido, eritema e hipersensibilidade tardia), infecções (principalmente se associado ao uso de corticoides ou imunossupressores), fenômenos de autoimunidade e, em menor grau, malignidades como o linfoma6. Peyrin-Biroulet conduziram uma metanálise que avaliou 21 estudos clínicos controlados por placebo com 5.356 pacientes em que se observou que a terapia biológica não aumentou o risco de morte, neoplasia ou infecção grave quando comparado com o placebo7. Vários estudos revelam que a terapia biológica é extremamente eficaz, as medicações mostram-se seguras nos estudos, mas precisamos de estudos mais robustos para saber dos possíveis efeitos colaterais. As principais contraindicações ao tratamento com biológicos são: doença de Crohn fibroestenosante (relativa), infecção em atividade, esclerose múltipla, insuficiência cardíaca NYHA 3 e 4 e história prévia de neoplasia maligna que não esteja curada. Por fim, a terapia biológica tem um grande potencial para tratamento das doenças inflamatórias intestinais por bloquear as vias das citocinas inflamatórias e prevenir danos estruturais das doenças inflamatórias intestinais, reduzindo o índice de cirurgias e hospitalizações. Mas devemos levar em consideração a real necessidade do uso pelos pacientes, assim como os efeitos adversos advindos e o seu alto custo. Grandes investimentos no desenvolvimento e a complexidade na manufatura desses medicamentos favorecem um custo elevado, gerando certo impacto econômico aos sistemas de saúde que disponibilizam sua distribuição8. Por esse motivo, produtos com efeito farmacológico semelhante tornam-se uma atraente opção terapêutica, na expectativa de uma prescrição mais acessível financeiramente. Essa é a proposta dos chamados biossimilares, entendendo-se que sejam produtos medicinais biológicos, similares aos de referência, já autorizados pelas Agências de Controle de Medicamentos. L Referências bibliográficas 1. Cohen D, et al. Assessment of quality of life of patients with inflammatory bowel disease residing in Southern Brazil. Arquivos de Gastroenterologia, volume 47; 285-89. 2. Zhang YZ, Li YY. Inflammatoryboweldisease: pathogenesis. World J Gastroenterol 2014; 20: 91-99, doi: 10.3748/wjg.v20.i1.91. 3. Garces S, Demengeot J, Benito-Garcia E. The immunogenicityofanti-TNF therapy in immune-mediatedinflammatorydiseases: a systematicreviewoftheliteraturewith a meta-analysis. Ann RheumDis 2013; 72: 1947-1955, doi: 10.1136/annrheumdis-2012-202220. 4. Lee LY, Sanderson JD, Irving PM. Anti-infliximabantibodies in inflammatoryboweldisease: prevalence, infusionreactions, immunosuppressionand response, a meta-analysis. Eur J GastroenterolHepatol 2012; 24: 1078-1085, doi: 10.1097/MEG.0b013e32835558cf. 5. Ordas I, et al. Therapeuticdrugmonitoringof tumor necrosisfactorantagonsits in inflammatoryboweldisease. ClinGastroenterolHepatol. 2012; 10(10): 1079-87. 6. Hoentjen F, van Bodegraven AA. Safetyofanti-tumor necrosisfactortherapy in inflammatoryboweldisease. World J Gastroenterol 2009; 15: 2067-2073, doi: 10.3748/wjg.15.2067. 7. PeyrinBiroulet L, et al. ClinGastroenterolHepat 2008; Jun; 6(6): 644-53. 8. Reichert JM. Next generation and biosimilar monoclonal antibodies: essential considerations towards regulatory acceptance in Europe. February 3-4, 2011, Freiburg, Germany. MAbs 2011 ; 3(3):223-40. Imuno& março/agosto 2016 25 reumatologia Métrica na artrite reumatoide D e um lado, diferentes sintomas e sinais apresentados por indivíduos com a mesma doença; de outro, pessoas exibindo sinais e sintomas semelhantes no curso de doenças diferentes: é dessa matéria que se faz o dia a dia do reumatologista. Daí decorreu, já há muito, o estabelecimento de critérios de classificação das doenças afetas à reumatologia. Na última década, critérios relativos a artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, espondiloartrites e outras vêm sofrendo atualizações. Em regra, as modificações apontam para a ampliação da abrangência dos critérios, de modo a incluir doentes que, de outra forma, permaneceriam num limboclassificatório, carentes de diagnóstico e, portanto, do enquadramento em protocolos terapêuticos definidos. Definido o diagnóstico e instituído o tratamento, os resultados precisam ser mensurados. A variação do quadro clínico apresentado pelo indivíduo ao longo de sua doença determina a tomada de decisões sobre a manutenção ou modificação do esquema terapêutico prescrito. Essas condutas dependem, fundamentalmente, da percepção da atividade ou remissão das doenças. Na artrite reumatoide, tomada como exemplo, há várias tentativas de estabelecimento de parâmetros que sirvam a esse fim: ressonância magnética ou ultrassonografia das articulações; parâmetros clínicos como contagem das juntas dolorosas e das que mostrem evidente proliferação sinovial; avaliação global do status da doença por parte do médico e do doente; exames laboratoriais como as tradicionais provas de atividade inflamatória (VHS e PCR), biomarcadores isolados, como a titulação de anti-ccp, ou combinados, como o recente teste Vectra DA, que avalia doze marcadores biológicos – vascular cell adhesion molecule-1 (VCAM-1), epidermal growth factor (EGF), vascular endothelial growth factor (VEGF-A), interleukin 6 (IL-6), tumour necrosis factor receptor type I (TNF-R1), matrix metalloproteinase 1 (MMP-1), matrix metallo- 26 março/agosto 2016 Imuno& proteinase 3 (MMP-3), human cartilage glycoprotein-39 (YKL-40), leptin, resistin, serum amyloid A (SAA) e PCR. O grau variável de acurácia, subjetividade e custo dos parâmetros isolados acabou por tornar necessário o estabelecimento de instrumentos compostos, em que a conjugação de diferentes aspectos pudesse predizer de forma confiável o real estado da AR. Esses instrumentos consideram, com maior ou menor ênfase, o conforto do paciente, o status inflamatório, o estrutural e o funcional. Nos trials clínicos da era pré-biológicos, os padrões de avaliação de atividade de doença na AR eram os conhecidos ACR20, 50 e 70. Esse instrumento avaliava o quão funcional o paciente se encontrava (mediante resposta ao Health Assessment Questionaire – HAQ), a dor referida pelo paciente, a avaliação global do paciente sobre sua doença, a avaliação global do médico assistente sobre a doença do paciente, o número de articulações doloridas, o número de articulações aumentadas e uma prova de atividade inflamatória (VHS ou PCR). Apesar de padrão internacionalmente aceito para mensuração de atividade de doença na maioria dos trabalhos que pretendia determinar a eficácia das drogas modificadoras de doença – os DMARDs sintéticos –, esses escores permaneciam confinados aos protocolos de pesquisa, estando virtualmente ausentes da prática clínica. Nos consultórios e serviços ambulatoriais, ou não se usava qualquer critério estruturado para avaliar a evolução da AR ou eram aplicados indicadores isolados como duração da rigidez mati- nal ou o número de juntas inflamadas. Em hospitais universitários e centros de ensino da reumatologia, diferentes padrões eram usados, a depender da preferência dos profissionais e da experiência de cada serviço. Alguns eram inespecíficos, como o Short Form 36 – SF36, outros desenvolvidos para a artrite reumatoide, como o Disease Activity Scores – DAS (recomendado pela Liga Europeia Contra o Reumatismo – EULAR) e o Health Assessment Questionaire – HAQ (inicialmente desenhado para avaliação da funcionalidade/deficiência de pacientes de AR, mas utilizáveis em outras doenças) e suas variações HAQ-M, HAQ-II, HAQ-DI. Assim como os critérios de classificação, também a métrica necessitou de adaptações e padronização entre serviços. Em 2012, o American College of Rheumatology publicou recomendações para uso clínico de medidas para avaliação de atividade de doença na artrite reumatoide (RADAM – Rheumatoid Arthritis Disease Activity Measures). Dos iniciais 63 instrumentos encontrados na literatura, o grupo de trabalho recomendou o uso dos seguintes: •• Clinical Disease Activity Index (CDAI); •• Disease Activity Score com contagem de 28 articulações (DAS28), com VHS ou PCR; •• Patient Activity Scale (PAS); •• PAS-II; •• Routine Assessment of Patient Index Data com 3 medidas (RAPID-3) e •• Simplified Disease Activity Index (SDAI). E justificou a escolha: “Espelham atividade da doença, são sensíveis a mudanças, discriminam entre estados de baixa, moderada e alta atividade de doença, são passíveis de uso na prática clínica e são aceitáveis pela maioria dos reumatologistas”. É natural haver limitações próprias das tentativas – necessariamente reducionistas – de abarcar, em poucos indicadores, a complexidade de fatores envolvidos na evolução de uma doença que envolve o ubíquo sistema imunitário. A opção pelo sacrifício da acurácia em favor da aplicabilidade dos instrumentos parece ter sido o moto das ACR20/50/70 CDAI recomendações de 2012. Uma análise da Tabela 1, que resume os aspectos considerados em cada um dos instrumentos recomendados pelo ACR (além do padrão mais antigo), torna possível perceber que os instrumentos PAS, PAS -II e RAPID-3 consideram, exclusivamente, as informações prestadas pelo paciente quanto a seu status funcional e seu conforto (dor e avaliação global), sem levar em conta evidências observáveis pelo médico ou em exames complementares. Os questionários sobre a funcionalidade do paciente, como os usados nos instrumentos citados, medem a capacidade e/ou desenvoltura na realização de tarefas do cotidiano. Padrão para avaliação de funcionalidade/deficiência, o HAQ, desenvolvido por J.F. Fies e colaboradores, e cuja versão brasileira foi validada por Ferraz MB em 1990, determina um Índice de Deficiência (ID), que decorre da avaliação de oito categorias: vestir-se e arrumarse; levantar-se; alimentar-se; andar; higiene; alcançar objetos; pegar (apreender com as mãos); outras atividades do dia a dia. No questionário, autoaplicado, o paciente indica o grau de dificuldade para a realização de cada tarefa entre as elencadas em cada uma dessas categorias: nenhuma dificuldade 0 alguma dificuldade 1 muita dificuldade 2 incapaz de realizar 3 Há, ainda, em duas categorias – andar e outras tarefas do dia a dia –, itens com questionamentos sobre a necessidade de ajuda de terceiros e do auxílio de equipamentos para facilitar as tarefas diárias. DAS28 Necessidade de aparato 1 Necessidade de ajuda de terceiros 2 Necessidade de aparato e ajuda 3 PAS PAS-II RAPID-3 SDAI Funcionalidade + + + + Dor + + + + Avaliação global – Paciente + + + + + Avaliação global – Médico + + Juntas doloridas + + + + Juntas inchadas + + + + VHS ou PCR + + + + + + Tabela 1 – Aspectos de saúde considerados pelos instrumentos métricos de atividade de doença da artrite reumatoide Imuno& março/agosto 2016 27 Na análise, entre as respostas dadas aos vários itens de cada categoria, é considerada apenas a maior pontuação (maior dificuldade). A pontuação final do HAQ é a média das maiores pontuações das oito categorias. Funcionalidade Deficiência leve 0a1 Deficiência moderada >1 a 2 Deficiência grave >2 a 3 março/agosto 2016 Imuno& 10 metacarpofalangeanas 2 cotovelos 8 interfalangeanas proximais 2 joelhos 2 interfalangeanas do polegar 2 punhos HAQ A diferença básica entre o PAS, o PAS-II e o RAPID-3 é a variação do HAQ utilizada. O PASII utiliza o HAQII (que avalia 10 atividades da vida diária, em vez das 20 originais), e o RAPID incorpora o MDHAQ (que também avalia 10 atividades e acrescenta aspectos psíquicos e do sono, história médica e 60 sintomas em revisão de sistemas). Os três consideram, ainda, uma Escala Analógica Visual (EAV) de dor e uma EAV para avaliação global da doença, ambas graduadas a cada 0,5 ponto, de 0 a 10. Uma calculadora (em Excel) para RAPID-3 pode ser encontrada em www.rheumatology.org/Practice/Clinical/Quality/RAPID3/. Há alguns inconvenientes desses questionários. O principal talvez seja a impossibilidade de discriminação entre as limitações decorrentes de atividade da doença e as consequentes a danos estruturais sequelares e, portanto, não passíveis de mitigação com a remissão do quadro inflamatório. A mesma limitação se aplica a qualquer um dos questionários sobre funcionalidade, inclusive os inespecíficos, como o SF-36. A limitação desses instrumentos, antes de descartar sua utilidade, aponta para a impropriedade de seu uso como único instrumento de determinação do status da AR. Não lhes toma, no entanto, a valiosa capacidade de contribuir para uma avaliação confiável, se considerados no bojo de métricas combinadas. Prestam-se, ainda, como instrumentos complementares de extrema importância para a programação do manejo da AR, especialmente não farmacológica, e para a mitigação do impacto na qualidade de vida dos doentes. Os outros três instrumentos recomendados pelo ACR não consideram o status funcional. Em vez disso, introduzem outros parâmetros. No CDAI e SDAI, a avaliação global referida pelo paciente é associada à avaliação global feita pelo médico. Já no DAS28, embora não haja a avaliação global do médico, há em comum com os dois anteriores a contagem de articulações dolorosas e proliferadas, além de, como o SDAI, considerar uma prova de atividade inflamatória tradicional de fácil obtenção e de baixo custo – Velocidade de Hemossedimentação ou Proteína C Reativa. O DAS28 foi desenvolvido a partir do DAS original, quase uma década depois, com o propósito de simplificar e popularizar o uso do instrumento. Nessa versão simplificada, são avaliadas pelo médico 28 articulações: 28 2 ombros Um vídeo com instruções de como examinar as articulações citadas pode ser encontrado em http://www.das-score.nl/das28/en/difference -between-the-das-and-das28/how-to-measure-the-das28/instructionvideos.html. Entram no cálculo do índice DAS28: •• Número de articulações inchadas (dentre as 28) – JI •• Número de articulações doloridas (dentre as 28) – JD •• Avaliação global da doença pelo paciente (escala analógica visual de 0 a 100, sendo 0= nenhuma atividade e 100= extremamente ativa) – EAV •• Uma prova de atividade inflamatória (pode ser usado VHS ou PCR)* *É importante lembrar que, uma vez escolhido – VHS ou PCR – o mesmo parâmetro deve ser utilizado em todas as avaliações de um determinado paciente. Obtidos os números acima descritos, há que se fazer o seguinte cálculo: DAS28 = 0,56*(JD28) + 0,28*(JI28) + 0,70*Ln(VHS) + 0,014*EAV Como cálculo não costuma estar entre os hobbies prediletos dos médicos, uma planilha de cálculo programada ou uma calculadora on -line são úteis. Calculadoras para esse fim podem ser obtidas ou usadas gratuitamente em sítios como www.das-score.nl e www.das28.nl. O CDAI computa as mesmas 28 articulações do DAS28 quanto a inchaço e a dor, a avaliação global do paciente sobre sua doença numa escala analógica visual de 0 a 10, dividida a cada 0,5 ponto. Não considera exames laboratoriais, mas acrescenta uma avaliação global sobre a doença do paciente, na visão do médico – também com uma EAV no mesmo formato. O cálculo é mais intuitivo: a soma dos quatro parâmetros, numa escala de 0 a 76. O SDAI usa o mesmo formato do CDAI e acrescenta o valor da proteína C reativa – PCR (em mg/dL) variando de 0 a 10. A escala passa a ser de 0 a 86. Esses três instrumentos também apresentam limitações. Assim como toda avaliação em que é solicitado ao paciente que determine o grau de dor em alguma articulação (ou grau global de dor), doenças coexistentes – tais como neuropatias e fibromialgia – são capazes de alterar a percepção da dor. Esse aumento pode enviesar a avaliação, subestimando ou, mais comumente, superestimando a atividade da doença. Como ressaltado nas justificativas das recomendações pelo ACR em 2012, uma característica comum aos seis instrumentos é a capacidade de discriminação entre estados de atividade de doença – remissão, atividade leve, moderada e alta. A Tabela 2 mostra uma relação entre os scores numéricos e em nível de atividade da AR. Desde que a estratégia Treat-to-Target foi recomendada pelo American College of Rheumatology (ACR), ficou evidente a necessidade de métrica eficaz para atividade de doença na AR. Dessa percepção depende a definição dos objetivos terapêuticos e, por consequência, as decisões sobre o manejo da doença. Se é evidente que, apesar de amplamente aceitos, os instrumentos compostos recomendados em 2012 são limitados – já que deixam de fora indicadores mais acurados, como a ressonância magnética e a ultrassonografia e usam exames laboratoriais menos confiáveis como o VHS e o PCR –, é compreensível, e mesmo defensável, que a acurácia tenha sido sacrificada em favor da aplicabilidade: os seis instrumentos tem baixo custo e demandam um tempo de aplicação perfeitaAtividade de doença Remissão mente aceitável para uso na prática clínica. O RADAM-2012 acrescentou às justificativas para a escolha das ferramentas métricas: “A incorporação dessas medidas validadas de atividade de doença (…) facilitará a adesão aos guidelines para tratamento da AR e proverá os instrumentos necessários para a estratégia Treat-to-target”. Em resumo: •• É necessário o monitoramento da atividade de doença na artrite reumatoide. Isso faz parte do ponto mais relevante da atual estratégia de manejo da AR – Treat to Target: a Tight Control. •• Entre os vários instrumentos compostos para medir a atividade da doença, o grupo de trabalho do ACR recomenda seis. Embora haja limitações, a relação entre custo e acurácia é favorável à escolha. •• É necessária a compreensão de fatores de subestimação ou superestimação da atividade da AR, decorrente da aplicação dos instrumentos propostos em paciente com comorbidades •• A adoção desses instrumentos facilita a adesão dos médicos assistentes aos protocolos de manejo da AR. L CDAI DAS28 PAS < 2,8 <2,6 PAS-II RAPID-3 SDAI <2,5 <1 < 3,3 Leve >2,8 a 10 2,6 a 3,2 2,5 a 3,7 1a2 >3,3 a <11 Moderada >10 a 22 >3,1 a 5,1 3,71 a <8 2a4 11 a < 26 >22 > 5,1 >8 >4 >26 Alta Tabela 2 Leitura sugerida: 1. Para Recomendações do ACR 2012: JACLYN ANDERSON e col. RADAM – Rheumatoid Arthritis Disease Activity Measures:American College of Rheumatology Recommendations for Use in Clinical Practice. 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Para RAPID3/MDHAQ, HAQ e HAQII: • Theodore Pincus, MD. The Science of MDHAQ/RAPID3 Scores: Do patient self-reports provide valid data for evidence-based care in rheumatology practice? The Rheumatologist, December 2011. (http://www.the-rheumatologist.org/details/article/1421273/The_Science_of_MDHAQRAPID3_Scores.html) • Jaclyn Anderson e col. Converting modified health assessment questionnaire (HAQ), multidimensional HAQ, and HAQII scores into original HAQ scores using models developed with a large cohort of rheumatoid arthritis patients. Arthritis Care & Research Volume 62, Issue 10, pages 1481–1488, October 2010. • Frederick Wolfe e col. Development and validation of the health assessment questionnaire II: A revised version of the health assessment questionnaire Arthritis & RheumatismVolume 50, Issue 10, pages 3296–3305, October 2004. 7. Para comparação DAS28, CDAI e SDAI: Fernando M. Martins e col. DAS28, CDAI and SDAI cut-offs do not translate the same information: results from the Rheumatic Diseases Portuguese Register Reuma.pt Rheumatology (2015) 54 (2): 286-291 first published online August 29, 2014. 8. Para interpretação de vários instrumentos métricos em AR: JACLYN K. ANDERSON Measures of Rheumatoid Arthritis Disease Activity: Patient (PtGA) and Provider (PrGA) Global Assessment of Disease Activity, Disease Activity Score (DAS) and Disease Activity Score With 28-Joint Counts (DAS28), Simplified Disease Activity Index (SDAI), Clinical Disease Activity Index (CDAI), Patient Activity Score (PAS) and Patient Activity Score-II (PASII), Routine Assessment of Patient Index Data (RAPID), Rheumatoid Arthritis Disease Activity Index (RADAI) and Rheumatoid Arthritis Disease Activity Index-5 (RADAI-5), Chronic Arthritis Systemic Index (CASI), Patient-Based Disease Activity Score With ESR (PDAS1) and Patient-Based Disease Activity Score Without ESR (PDAS2), and Mean Overall Index for Rheumatoid Arthritis (MOI-RA). Arthritis Care & Research Vol. 63, No. S11, November 2011, pp S14 –S36. Imuno& março/agosto 2016 29 paciente em foco O tratamento multidisciplinar das doenças reumáticas O portador de doença reumática tem a seu favor não apenas os mais modernos medicamentos, mas também tratamentos coadjuvantes, que passam pela nutrição e reabilitação física e que ajudam, e muito, a convivência com a doença Por Lourdes Rodrigues M PhotoStock édicos, nutricionistas, fisiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, todos são unânimes ao dizer que o diagnóstico precoce da doença reumática é fundamental para o tratamento adequado e assim diminuir as sequelas, tornando o mais normal possível o dia a dia do paciente. Nem sempre o diagnóstico é fácil de ser feito, pois, nas mais de 100 doenças 30 março/agosto 2016 Imuno& reumáticas registradas, muitas têm sintomas parecidos com os de outras doenças. E se no tempo de nossos avós ter doença reumática (o popular reumatismo) era sinônimo de incapacidade para realizar até as mais simples tarefas, hoje já não é mais assim. “Nos últimos 15 anos, novas medicações vieram para melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, diz o reumatologista Ari Radu Halpern, responsável pelo ambulatório de doenças da coluna do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Halpern destaca o papel fundamental, no tratamento, de profissionais das áreas de nutrição, fisioterapia, fisiatria, psicologia, terapia ocupacional. “Cada doença reumática tem sua especificidade. No caso da gota, a dieta tem parte importante no tratamento; para osteoporose e artrose, a atividade física orientada, visando ao fortalecimento muscular, ajuda muito; para artrite reumatoide, a fisioterapia é muito importante, bem como a terapia ocupacional.” A dieta, salienta Halpern, ajuda principalmente na obtenção/manutenção do peso ideal para evitar a sobrecarga nas articulações. “No caso da atividade física, ela ajuda não só na melhora do quadro da doença como também pode prevenir algumas doenças, caso da osteoporose.” Terapia ocupacional A reabilitação de pacientes reumáticos visa a prevenção/disfunção, restauração e/ou manutenção da função e diminuição da dor. São especialmente beneficiados os portadores de artrite reumatoide, osteoartrose, fibromialgia, artrite idiopática juvenil e esclerodermia. “A dor é um aspecto central do quadro desses pacientes, que tem como consequência limitações nas atividades diárias e perdas de papéis ocupacionais. O terapeuta ocupacional busca a melhora do desempenho funcional e o resgate das atividades significativas dessas pessoas por meio de tecnologias de assistência, que podem facilitar o desempenho de tarefas diárias, além de técnicas de alívio de dor, melhora de funções motoras, prevenção e melhora de deformidades, assim como adequações na rotina ocupacional”, explica Mariana Ribeiro Marques Ferreira, terapeuta ocupacional do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (SP) na área de reumatologia. Segundo Mariana, as órteses têm papel importante nas intervenções de terapia ocupacional com esses pacientes, na medida em que podem, por meio do posicionamento e do alinhamento articular, diminuir quadros de dor, prevenir deformidades e corrigir aquelas ainda não instaladas, além de melhorar o desempenho funcional com as órteses de uso diurno. “Outro tipo de tecnologia muito utilizada na prática da terapia ocupacional são as tecnologias assistivas, que são tecnologias de apoio que proporcionam ou ampliam habilidades para a realização de atividades, como engrossadores ou dispositivos de substituição de preensão que podem ser utilizados em talheres ou utensílios de cuidados pessoais, por exemplo. Essas tecnologias vão desde tecnologias de baixo custo até mesmo tecnologias de alta complexidade, com sistemas de inteligência e robótica.” A profissional completa dizendo que um paciente com boa adesão ao tratamento, tanto do uso de órteses e tecnologias assistivas quanto da realização das orientações de proteção articular e de exercícios específicos para a recuperação motora, pode melhorar sua capacidade de realização de atividades diárias de maneira satisfatória, o que evita a piora do quadro álgico. “Também possibilita a sua consciência corporal e sua percepção de movimentos e atividades prazerosas, permitindo entender e conviver com a dor crônica e melhorando assim sua qualidade de vida.” Doenças reumáticas em qualquer idade E se engana quem pensa que doenças reumáticas atingem apenas as pessoas mais velhas, embora muitas das condições tachadas de reumáticas sejam, na verdade, associadas a doenças degenerativas, como o desgaste das cartilagens, o enfraquecimento muscular e a perda de massa óssea. A população infantil pode ser acometida por doenças como febre reumática, artrite idiopática juvenil e vasculites, entre outras. “A osteoartrite é mais comum em pessoas acima dos 55 anos. Já o lúpus e a espondilite anquilosante atingem jovens entre 20 e 30 anos, e a artrite, entre os 40 e 50 anos”, explica Dawton Torigoe, presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia. O médico diz ainda que o acompanhamento psicológico é muito importante nas doenças reumáticas sistêmicas crônicas como artrite, gota e lúpus. “Junto com as doenças mais graves e incapacitantes vêm a ansiedade e a depressão, tornando o psicólogo um importante aliado no tratamento desses pacientes. Algumas doenças são intimamente ligadas e pioram diante de quadros de ansiedade e depressão, como a fibromialgia. Assim, é preciso ver o paciente como um todo”, afirma Torigoe. E os médicos insistem: quanto mais cedo é feito o diagnóstico, mais chance o paciente reumático tem de ter uma vida melhor. Mas nem sempre o diagnóstico é feito logo. “Muitas vezes, as pessoas ignoram os sintomas ou procuram o especialista errado, retardando o diagnóstico e o tratamento”, diz Torigoe. Os números impressionam: 1% da população sofre com artrite e 0,5% com espondilite anquilosante, e pelo menos 5% das mulheres entre 40 e 50 anos sofrem com artrite. Mas o diagnóstico tem sido um problema, Outro tipo de tecnologia muito utilizada na prática da terapia ocupacional são as tecnologias assistivas, que proporcionam habilidades para a realização de atividades, como engrossadores ou dispositivos de substituição de preensão que podem ser utilizados em talheres Imuno& março/agosto 2016 31 pois nem todo clínico tem preparo para identificar logo a doença reumática. A Sociedade Paulista de Reumatologia tem promovido alguns cursos de capacitação de profissionais clínicos e está discutindo a realização de outros, inclusive em postos de saúde. Os direitos dos pacientes Defender os direitos dos pacientes (direito ao tratamento, direito aos medicamentos, direito à prática de uma atividade física, entre outros) é a principal missão da Associação Nacional de Grupos de Pacientes Reumáticos (Anapar), que tem sua sede em Uberlândia (MG) e conta, atualmente, com 19 grupos associados de todo o país, que dependem de patrocínio para a sua manutenção. “Queremos que mais grupos se formem para informar e conscientizar sobre a gravidade das doenças reumáticas, que provocam o afastamento do trabalho, entre outros transtornos”, diz Nilma Rodrigues de Oliveira, presidente da Anapar e da Associação dos Reumáticos de Uberlândia e Região (Arur). Segundo Nilma, o Arur, por exemplo, atende cerca de 200 pessoas por dia, com fisioterapia, psicoterapia, nutricionista, pintura, entre outras atividades. Nilma diz ainda que falta apoio do governo para melhor informar e tratar o paciente reumático. “Não existem, por exemplo, campanhas de diagnóstico precoce como acontece com o câncer de mama. O paciente vive à mercê da sorte para que tenha o diagnóstico correto da doença.” Nesse sentido, a Anapar tem mantido reuniões com representantes do Ministério da Previdência Social para estudar maneiras de alertar a população para essas doenças, para seu diagnóstico precoce e tratamento adequado. “Se tivéssemos um atendimento mais efetivo a essa população, em vez de serem aposentados por invalidez, esses doentes poderiam ser capacitados para exercer outras atividades, pois o intelecto não é atingido. Sem contar que, na rede pública, o tempo de espera para uma consulta com o reumatologista pode demorar até três anos”, conta a presidente da Anapar. “Por isso, incentivamos a formação de grupos de apoio e damos orientações para a busca de patrocínio, como a lei de utilidade pública federal.” O importante papel da nutrição Sabemos que uma alimentação saudável, adequada em nutrientes e com equilíbrio quantitativo no consumo dos alimentos, proporciona bem-estar físico, mental e emocional, protege o organismo de várias doenças, além de auxiliar no tratamento de outras tantas. No caso dos portadores de doenças reumáticas, muitos deles podem ser beneficiados. Segundo Karin Klack, nutricionista da Divisão de Nutrição e Dietética e do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas, “as dores nas juntas (articulações) e as inflamações no caso do lúpus e da artrite 32 março/agosto 2016 Imuno& reumatoide, bem como o desgaste ósseo (osteoporose), o acúmulo de ácido úrico sanguíneo causando a gota e sintomas gastrointestinais provenientes da esclerose sistêmica, podem ser atenuados/tratados com a alimentação adequada e indicada por um profissional especializado”. No caso do lúpus eritematoso sistêmico e da artrite reumatoide, a alimentação equilibrada proporciona uma adequação do peso corporal, sendo mantido nas pessoas eutróficas e reduzindo-o em caso de sobrepeso ou obesidade, fazendo com que haja alívio na sobrecarga das articulações. “Para isso, é recomendada uma alimentação moderada em carboidratos (arroz, pães, farinhas, massas, doces) para a perda de peso; restrita em gorduras ruins como a das frituras, carnes gordas, linguiça, salsicha, bacon, presunto, mortadela, salame, queijos gordurosos, sorvetes e doces cremosos, fast-food, maionese, salgados e salgadinhos de pacote para não agravar o estado inflamatório e o risco cardiovascular, além da redução do sal (sódio), para evitar os edemas (inchaços) e a hipertensão arterial”, explica Karin. Devem ser evitados os alimentos fontes de ômega 6, pois desempenham um papel agravante do estado inflamatório, podendo causar uma destruição progressiva da cartilagem e do osso, principalmente na artrite reumatoide. Essa gordura foi implicada no aparecimento da proteinúria e edema na síndrome nefrótica (possível complicação do lúpus). Ela é encontrada no óleo de milho, de girassol, de algodão, de açafrão e na semente de papoula. Entre os hábitos saudáveis, substituir os temperos industrializados pelos naturais (ervas aromáticas e especiarias), consumir gorduras boas, anti-inflamatórias e que aumentem a proteção cardiovascular, como abacate, azeite, oleaginosas (castanha-do-pará, amêndoas, avelã, pistache, nozes), e principalmente aumentar o consumo de peixes como atum, sardinha, salmão, arenque, bacalhau (dessalgado), linguado e pescada – grelhados, assados ou cozidos. Devem ser consumidos alimentos fontes de vitamina A, E e selênio, por melhorarem o sistema imune protegendo o organismo contra infecções e por reduzirem a atividade inflamatória. A vitamina E também tem papel significante na redução da dor em pacientes com artrite. As principais fontes desses nutrientes são: couve-flor, brócolis, repolho, espinafre, couve, cenoura, tomate, abóbora, mamão, manga, leite (de preferência desnatado), castanhas, nozes, avelã, amêndoa e cereais integrais, principalmente a chia e a linhaça. Karin recomenda ainda uma boa higienização e conservação dos alimentos, além do hábito de uma mastigação adequada e tranquilidade na hora de se alimentar. A nutricionista faz um alerta: “Muito cuidado com o consumo de bebidas alcoólicas, pois elas podem tanto potencializar como minimizar os efeitos dos medicamentos que você toma, podendo causar vários efeitos indesejáveis e perigosos”. L Imuno& março/agosto 2016 33 acontece Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros e outros eventos. São Paulo recebe encontro de reumatologia avançada ll Entre os dias 12 e 14 de maio, a capital paulista será palco do XXII Encontro de Reumatologia Avançada – o ERA 2016. O evento será realizado no Hotel Tivoli Mofarrej. O ERA já é um evento tradicional da Sociedade Paulista de Reumatologia (SPR) e considerado uma das atividades científicas mais importantes da especialidade. Palestrantes internacionais e nacionais de renome fazem parte da programação científica montada pela Diretorias Científica e Organizadora. A proposta, segundo Eduardo Borba, presidente da SPR, é fazer com que os participantes do ERA aprimorem seus conhecimentos em temas atuais da especialidade, conheça os principais avanços em diagnósticos e terapias, assim como suas implicações na prática reumatológica, e esclarecem dúvidas com eminentes professores convidados. Outras informações e inscrições podem ser obtidas no endereço http://www.eventus.com.br/era2016/inscricoes.html Congresso Brasileiro de Reumatologia será em Brasília ll Entre os dias 24 e 27 de agosto, a capital federal será palco XXXIII Congresso Brasileiro de Reumatologia - Brasília 2016, uma realização da Sociedade Brasileira de Reumatologia. A presidente do Congresso, Licia Maria Henrique da Mota, destaca a relevância do evento para a atualização científica, o aprimoramento intelectual, assim como o compartilhamento de experiências na área. “O Brasília-2016 terá como tema Reumatologia e Arte, inspirando-se no conceito de que a Ciência e a Arte completam-se, constituindo vertentes necessárias da atividade intelectual”, destaca a presidente. “Apoiando-se na tradição dos grandes eventos que nos antecederam, mantivemos a estrutura científica dos congressos, que tanto tem agradado aos reumatologistas, mas incluímos diversas inovações, para tornar as discussões mais dinâmicas e práticas: múltiplas oficinas, cursos e workshops; enfoque nas produções científicas nacionais, com temas livres apresentados de forma horizontal durante a grade; diversas sessões polêmicas e discussões de casos clínicos, entre muitas outras novidades. ” Mais informações podem ser obtidas no endereço http://sbr2016.com.br/inscricoes-informacoes-gerais/ 34 março/agosto 2016 Imuno&