9 INTRODUÇÃO A Doença do Trato Urinário Inferior dos Felinos (DTUIF) compreende as desordens que acometem o tato urinário inferior dos felinos: bexiga e uretra, causando uma inflamação vesical. As apresentações clínicas associadas à DTUIF incluem sinais clínicos característicos como: tentativas frequentes e esforço de micção, micções inapropriadas (periúria), micções dolorosas (disúria), presença de sangue na urina (hematúria) e noctúria (micção em momentos inadequados) (WESTROPP, J.L, 2007). Para Barretto et al (2009) a predisposição da DTUIF está relacionado a má nutrição, estresse, obesidade, falta de exercícios e pouca ingestão de água. Pinheiro (2009) afirma que o doente típico é geralmente macho, castrado, sedentário e obeso e geralmente apresenta a forma obstrutiva. Pitarello (2005) relaciona essa afirmativa à anatomia da uretra do gato, que é fina e estreita, enquanto as fêmeas, por terem a uretra curta e larga não são obstruídas. O diagnóstico da DTUIF é concluído realizando exames de urina, radiografia ou ultrasom abdominal, cistouretrografia e cultura de urina, e se nenhuma causa da inflamação vesical é encontrada depois de uma avaliação completa, diagnostica-se cistite idiopática felina (CIF) (WESTROPP, J.L, 2007). Osborne et al (2004) refere que as consequências da DTUIF são as disfunções da fase de armazenamento caracterizados por polaciúria, noctúria e incontinência urinária, podendo a polaciúria estar associada com a disúria, estrangúria e hematúria e distúrbios de eliminação caracterizados por retenção urinária completa e na incontinência urinária. Os quadros de DTUIF, cistite idiopática, urolitíase, obstrução uretral, tampões uretrais e estenoses uretrais são mais comumente diagnosticadas em gatos entre 1 e 10 anos de idade do que naqueles abaixo de 1 ano ou acima de 10 anos (OSBORNE et al,.2004). A DTUIF constitui um grande desafio diagnóstico e terapêutico para o clínico veterinário, devido à grande percentagem de recidivas observadas confirmado por Buffington; Chew; DiBartola (2007), que apontam uma recidiva de 45% dos gatos dentro de 6 meses após um episódio inicial de obstrução do trato urinário inferior. ANATOMIA DO TRATO URINÁRIO Segundo Corgozinho & Souza (2003), o trato urinário inferior dos felinos é formado por vesícula urinária (bexiga) e uretra. A bexiga urinária é de musculomembranosa, possuindo 10 formato de feijão, e está localizada na cavidade abdominal ventral entre a parede ventral do corpo e o cólon descendente (GETTY, 1986). Divide-se em três porções: o ápice que constitui a parte cranial, o corpo localizado entre o ápice e o colo; e o colo localizado entre as junções ureterovesicais e vesicouretral. O ápice e o corpo vesicais são constituídos de musculatura lisa, formando o músculo detrusor responsável pelo esvaziamento vesical (CORGOZINHO & SOUZA, 2003). A uretra de machos felinos é composta de quatro segmentos: pré-prostática, que se localiza entre a bexiga e a próstata; prostática, que se estendem na região da próstata, pósprostática, que se localiza da próstata até as glândulas bulbouretrais, e a peniana que fica imediatamente caudal às glândulas bulbouretrais (BIRCHARD & SHERDING, 2008) e a extremidade peniana. A musculatura lisa localizada no colo vesical e na uretra pré-prostática forma o esfíncter uretral interno, o músculo uretralis envolve a uretra prostática constituindo o esfíncter uretral externo (CORGOZINHO & SOUZA, 2003). A uretra masculina é a continuação do sistema de ductos que se origina na bexiga urinária e se abre para o exterior e realiza a função dupla de transportar a urina, assim como o sêmen e os espermatozóides (BANKS, 1992). Segundo Corgozinho & Souza (2003), o diâmetro uretral interno é de 2,4 milímetros na junção vesicouretral, 2,0 milímetros na porção pré-prostática, 1,3 milímetros na altura das glândulas bulbouretrais e 0,7 milímetros na porção peniana, o que justifica a maior incidência de obstrução nesta última região. A uretra contém tecido erétil em toda a sua extensão, também contém glândulas mucosas tubulares ramificadas, as glândulas de Littré ou as glândulas uretrais, ao longo do seu comprimento (garanhões e gatos). A uretra pré-prostática, prostática e peniana são revestidas por epitélio de transição (BANKS, 1992). A resistência ao fluxo urinário é efetuada pela musculatura lisa da uretra préprostática, pela musculatura lisa e estriada da uretra prostática e pela musculatura estriada da uretra peniana (CORGOZINHO & SOUZA, 2003). 11 Figura 1: Anatomia da uretra de um felino macho Fonte: HOSTUTLER et al, 2005 HISTÓRICO O primeiro relato de DTUIF em gatos domésticos, associado à cristalúria por Kirk (1925) foi diagnosticada a mais de 60 anos e desde então, diversos pesquisadores têm tentado estabelecer a etiopatogenia dessa enfermidade (LIMA, R.E., 2008). Em 1980, Osborne sugeriu que a síndrome urológica felina (SUF) fosse considerada um sinônimo de doença do trato urinário inferior dos felinos, devido o distúrbio não se tratar de uma entidade mórbida isolada, mas de um grupo de problemas urológicos distintos (BUFFINGTON;CHEW;DIBARTOLA, 2007). Em termos de tratamento, uma das teorias mais populares nas décadas de 1960, 70 e 80 relacionava muitos casos de DTUIF às infecções bacterianas. Essa noção era reforçada pelos resultados falso-positivos in vitro da cultura associada com técnicas impróprias de colheita urinária (OSBORNE et al, 2004). EPIDEMIOLOGIA A dieta e o manejo alimentar representam fatores de risco importantes para a DTUIF (CASE et al, 1998). O risco para sinais do trato urinário inferior fica aumentado em gatos 12 alimentados exclusivamente com ração seca e com refeições fornecidas em determinados horários por dia, em comparação com a alimentação ad libitum. Em gatos com mais de 10 anos de idade, a taxa de prevalência da doença é cerca de 5% (BIRCHARD & SHERDING, 2008). Em estudo realizado, com 23 felinos no Hospital Veterinário da UFRPE apontou que 86,96% (20/23) enquadram-se no intervalo entre 0 e 5 anos e 13,04% (3/23) entre 5 ou mais anos (BARRETTO et al, 2009). O risco é muito maior em machos que em fêmeas apenas quando se considera a obstrução uretral como parte essencial do distúrbio (BUFFINGTON;CHEW;DIBARTOLA, 2007). Segundo Barretto et al (2009), em uma análise de casuística no Hospital Veterinário da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) com 23 felinos apresentando DTUIF, 31,03% eram em machos e somente 8,62% eram fêmeas. ETIOLOGIA Figura 2: Principais urólitos causadores da obstrução uretral Fonte: (CORREIA, 2011) A DTUIF pode apresentar diversas etiologias, sendo descrita de forma multifatorial, complexa e muitas vezes indeterminada. (KAUFMANN et al, 2009). Pode ocorrer associada com urólitos, microcálculos ou cristais que causam a irritação do epitélio das vias urinárias. Para haver a formação de cristais, é necessário que ocorra concentração elevada na urina de substâncias formadoras de urólitos, pH favorável e permanência dessas substâncias por tempo suficiente no trato urinário. E isso ocorre devido ao hábito felino da pouca ingestão de água, 13 formando assim, um pequeno volume urinário diário, levando-o a urinar em média uma vez ao dia (BALBINOT et al., 2006; LAZZAROTTO, 2001 apud KAUFMANN et al, 2009). Os plugs uretrais são compostos por grandes quantidades de matriz orgânica, associadas a minerais, ou por tecidos, sangue ou células infamatórias. São raramente compostos primariamente, por agregados minerais (BALBINOT et al, 2006 apud KAUFMANN et al, 2009). Uma causa muito comum de afecção do trato urinário sem obstrução é a cistite idiopática, que atinge gatos, em sua maioria, que consomem exclusivamente alimentos secos. Essa síndrome é caracterizada por polaciúria e noctúria; a urina é estéril, e a análise do sedimento não revela nenhum sinal de malignidade (BALBINOT et al, 2006 apud KAUFMANN et al, 2009). Os cristais de estruvita formam-se devido à supersaturação da urina em magnésio, amônio e fósforo, e com um pH urinário acima de 6,5 (HOUSTON, D.M., 2007). São as principais causas de afecções do trato urinário inferior dos felinos, e a formação e o desenvolvimento desses cristais ocorrem por meio de três mecanismos: a) O primeiro, com cristais de estruvita estéreis, ocorrendo devido à queda no volume e ao aumento da densidade específica urinária, secundários á baixa ingestão de água e ao consumo excessivo de alimento, resultando em obesidade e alta excreção de minerais, alguns calculogênicos, pela urina. b) O segundo mecanismo, com os cristais de estruvita induzidos por infecções, a principal hipótese é a urease microbiana, em que ocorre a hidrólise de ureia, e isso leva a alcalinização da urina, gerando uma grande quantidade de íons de fosfato e amônio, que fazem parte da composição dos cristais de estruvita. c) O terceiro mecanismo, que está ligado aos tampões uretrais, sugere-se que ele seja resultado da associação dos cristais de estruvita estéreis e dos induzidos por infecções. Este mecanismo é uma das causas mais comuns de obstrução uretral em gatos (LAZZAROTTO, 2001 apud KAUFMANN et al, 2009). 14 Figura 3: Sedimento urinário apresentando cristais de estruvita Fonte: (C. JÉSSICA 2011) Os fatores alimentares têm participação na formação dos cristais e dos urólitos de estruvita, devido à grande ingestão dietética de magnésio. O conteúdo de magnésio está relacionado com o conteúdo total de cinzas presentes nos alimentos secos, semiúmidos, mas não nos alimentos enlatados. Alimentos com baixos teores de cinzas e alto conteúdo de magnésio na dieta promovem o aparecimento de cristalúria. Outro fator negativo dos alimentos secos é que eles apresentam alto teor de fibras sendo menos digeríveis, resultando, assim, em um aumento na ingestão total de magnésio e propiciando também um maior volume fecal e maior perda de água fecal, o que pode reduzir o volume de urina. Essa redução, por sua vez, eleva a concentração de magnésio e outras substâncias calculogênicas na urina, aumentando o tempo de permanência dessas substâncias no trato urinário (GRAUER, 2001; TAVERNIC; PINTO, 1998 apud KAUFMANN et al, 2009). Outro fator muito importante na patogenia da cristalúria por estruvida é o pH da urina, pois a estruvita é muito mais solúvel em urina com pH 6,4 do que com pH 7,7. Então, se o cloreto de magnésio da dieta for utilizado para acidificar a urina, as concentrações de magnésio serão altas, mas sem a ocorrência de cristalúria e inflamação da bexiga. Por outro lado, se o óxido de magnésio ou sulfato de magnésio for adicionado á dieta, ocorrerá de forma rápida alcalinização da urina, cristalúria e inflamação. As rações comuns para gatos geralmente produzem aumento pós-prandial no pH da urina; já os gatos alimentados á vontade com rações comuns tem menos flutuações no pH urinário, e o valor médio diário do pH urinário é mais elevado do que os gatos alimentados em horários definidos. As rações secas 15 industrializadas têm em sua formulação cereais, e as dietas ricas em cereais e vegetais tendem a formar uma urina alcalina; em contrapartida, as dietas ricas em proteínas de origem animal tendem a produzir uma urina ácida (GRAUER, 2001; JUNIOR; HAGIWARA; MAMIZUCA, 1998 apud KAUFMANN et al, 2009). A obstrução uretral é a mais comumente encontrada nos machos felinos, devido ao comprimento e ao diâmetro da uretra. A maioria das obstruções é causada por tampões de muco e estruvita, os quais se alojam na uretra peniana. Os urólitos podem alojar-se em qualquer porção da uretra. As inflamações locais que ocorrem devido aos cálculos uretrais ou tampões podem piorar a obstrução, causando edema uretral. Traumas iatrogênicos, causados em sua maioria por cateterização, também podem causar uretrites ou inflamação do tecido periuretral, provocando compressão da uretra (GRAUER, 2001 apud KAUFMANN et al 2009). A presença de bactérias no trato urinário em gatos com DTUIF é rara, e esse fato pode estar relacionado com os mecanismos locais de defesa, que são altamente efetivos. Portanto, a perda de um ou mais desses mecanismos pode predispor o gato á cistite bacteriana. Em um estudo realizado em felinos que apresentavam DTUIF, apenas 8% deles apresentavam crescimento bacteriano, e os agentes isolados foram: Pasteurella spp, Klebsiella spp, Staphylococcus spp e Escherichia coli (JUNIOR, 2005). Outros urólitos como o oxalato de cálcio e os urólitos de urato também podem causar sinais clínicos da DTUIF. Segundo Osborne et al (2004) a hipercalcemia promove a excreção urinária de cálcio resultando na precipitação de cristais de oxalato de cálcio. A urina dos gatos com urolitíase por oxalato de cálcio é tipicamente ácida (pH urinário de 6,3 a 6,7). O pH sanguíneo e as concentrações de dióxido de carbono muitas vezes estão reduzidos (7,3) (OSBORNE et al, 2004). Isto se deve aos efeitos ácido-base sistêmicos e não ao efeito do pH urinário favorecendo a precipitação (BIRCHARD & SHERDING, 2008). A associação indireta entre acidúria, acidemia e urolitíase por oxalato de cálcio pode ocorrer pelo fato da acidemia promover a mobilização de carbonato e fósforo a partir dos ossos para tamponar os íons hidrogênio, promovendo hipercalciúria (OSBORNE et al, 2004). Fatores que contribuem para a formação de urolitíase de oxalato de cálcio incluem hipercalcemia, administração de substâncias calciuréticas (por exemplo, diurese salina, furosemida e glicocorticosteróides) (BIRCHARD & SHERDING, 2008). Raças de gatos suscetíveis a desenvolver urolitíase por oxalato de cálcio incluem: Persa, Himalayan, Ragdoll, British Shorthair, Foreign Shorthair, raças exóticas de pêlo curto, Havana Brown e Scottish Fold (BIRCHARD & SHERDING, 2008). 16 Figura 4: Oxalato de cálcio Fonte: (CÂMARA, 2011) Atualmente há evidências de que o estresse pode ter contribuição para o desenvolvimento dos sinais clínicos de DTUIF, porém, é difícil provar essa hipótese. Mesmo assim, é comum os proprietários relatarem que mudanças bruscas de manejo ambientais, viagens, introdução de novos animais ou mesmo de moradores na propriedade, participação em exposições e até mudanças climáticas podem ser consideradas situações estressantes para alguns gatos (GRAUER, 2001; JUNIOR 2005; HAGIWARA 2004 apud KAUFMANN et al, 2009). Outros fatores que também podem estar associados á DTUIF, e que muitas vezes não são investigados pelo clínico, são as anomalias do úraco (resquício de úraco e divertículo vesicouracal). A presença de algumas dessas anomalias poderias predispor a infecção urinária, principalmente por bactérias produtoras de uréase (JUNIOR, 2005; HAGIWARA, 2004; MAMIZUKA, 1998 apud KAUFMANN et al, 2009). SINAIS CLÍNICOS Os sintomas clínicos da DTUIF dependem do componente do complexo da doença presente. Felinos não obstruídos geralmente apresentam polaciúria, diúsira-estrangúria, hematúria, vocalização durante a micção e lambedura da genitália. Os proprietários também relatam que o animal urina em locais inapropriados (GRAUER, 2001 apud KAUFMANN et al, 2009). 17 Em felinos machos obstruídos, os sintomas apresentados dependem do tempo de duração da obstrução. Inicialmente, a maioria dos felinos faz tentativa de urinar, anda de um lado para outro, esconde-se, mia, lambe a genitália, demonstra ansiedade, apresenta sensibilidade abdominal e o pênis pode estar exposto ou congesto. A obstrução total causa o aparecimento de sintomas característicos de azotemia pós-renal dentro de 36 a 48 horas, que induz á anorexia, vômito, desidratação, depressão, fraqueza, colapso, estupor, hipotermia acidose com hiperventilação, bradicardia e/ou morte súbita (GRAUER, 2001; BROWN, 2008 apud KAUFMANN et al, 2009). Felinos com obstrução parcial, segundo os seus proprietários apresentam várias tentativas em urinar, com eliminação de pouca urina (em gotas), e que esta tem coloração avermelhada. Os gatos permanecem por um longo período de tempo na posição de micção dentro de vasilhas sanitárias ou em lugares inapropriados, e muitas vezes o animal apresentase constipado. Neste caso, o animal lambe a genitália e mia muito alto (ALVES, 2006). DIAGNÓSTICO O diagnóstico da DTUIF baseia-se no histórico clínico, anamnese, exame físico e exames complementares (ALVES, 2006;). De acordo com Ettinger & Feldman (2004), após a identificação do paciente, os planos diagnósticos adicionais para confirmar, localizar e identificar as causas subjacentes desses quadros iniciais corresponde a seguinte sequência: a) Confirmação inicial dos sinais da DTUIF, especialmente aqueles descritos pelos proprietários; b) Localização inicial da DTUIF, como distúrbios da fase de armazenamento ou de eliminação da micção; c) Pesquisa clinica dos mecanismos fisiopatológicos mais prováveis associados com os problemas identificados como: demência comportamental; alterações anômalas congênitas; distúrbios metabólicos; nutricionais e inflamatórios e neoplasias. Antes de realizar uma avaliação radiográfica, a palpação e compressão da vesícula urinária para induzir a micção podem ser úteis para se confirmar a obstrução uretral. Mas, em felinos obstruídos que apresentarem sinais clínicos de desidratação, uremia e hipercalemia, qualquer tentativa de investigação diagnóstica deve ser adiada, priorizando a estabilização das funções vitais e o restabelecimento do fluxo urinário normal (ALVES, 2006 apud 18 KAUFMANN, 2009). As radiografias são úteis para identificar e localizar a obstrução e também verificar anormalidades do trato urinário, evitando assim, o insucesso da desobstrução (CORGOZINHO; SOUZA, 2003). Dois tipos de radiografias podem ser utilizados: as radiografias simples que identificam a existência de cálculos radiopacos na uretra e na vesícula urinária, bem como nos rins, e as radiografias contrastadas sendo efetivas na identificação de cálculos radiolucentes, ruptura uretral ou vesical, estenose uretral, divertículo uracal, neoplasias e processos inflamatórios (ALVES, 2006). A avaliação ultra-sonográfica dos gatos obstruídos apresentam a vantagem de verificar a integridade do trato urinário superior e inferior, além de diagnosticar a presença de tampões (mucoproteínas e/ou cristais, coágulos, debris) e cálculos na vesícula urinária que possam migrar para a uretra e dessa forma perpetuar a obstrução, permite também avaliar a presença de neoplasias e anomalias anatômicas. Contudo, o trajeto da uretra não é totalmente visualizado pela presença do púbis (SOUZA, 2003). Os exames laboratoriais são fundamentais para escolha da conduta terapêutica adequada dos gatos obstruídos. A urinálise realizada em gatos obstruídos pode demonstrar uma intensa hematúria, principalmente pela distensão da vesícula urinária e pelo processo inflamatório (SOUZA, 2003; LULICH et al. 1987), bem como proporciona informações importantes como o pH urinário, o grau de hematúria, presença de células inflamatórias e bactérias, presença ou não de cristais. (SOUZA, 2003). Uma amostra fresca obtida de uma bandeja limpa é satisfatória para análise básica de urina (densidade específica, pH e avaliação dos níveis protéicos). A cateterização uretral também é uma forma de coletar amostras de urina, porém, esta pode estar contaminada por bactérias provenientes dos genitais externos. A cistocentese proporciona uma amostra mais satisfatória para a análise da urina e representa uma técnica estéril para cultura bacteriana (ALVES, 2006 apud KAUFMANN et al, 2009. Em gatos que passaram por desobstrução, a análise do urólito colhido, é fundamental para detectar sua composição, com o intuito de selecionar protocolos terapêuticos que promovam a sua dissolução e prevenção (ALVES, 2006). 19 TRATAMENTO O tratamento para felinos não obstruídos dependerá dos sintomas apresentados. Animais que apresentam disúria-estrangúria e hematúria podem não desenvolver sintomas dentro de 5 a 7 dias a partir do primeiro exame, mesmo o tratamento sendo instituído ou não. A maioria dos gatos são tratados com antibióticos e desaparecendo os sinais clínicos estabelece-se uma relação causa-efeito (GRAUER, 2001). Quando os resultados da urinálise apresentarem uma urina alcalina com cristalúria por estruvita institui-se uma dieta rica em umidade, altamente energética com proteína em torno de 40% com o objetivo de acidificar o pH urinário. Deve-se também baixar o consumo de magnésio (0,04%) e adicionar cloreto de sódio objetivando a estimulação da ingestão de água, aumentando consequentemente a diurese. Essa dieta promove uma dissolução dos cálculos de estruvita, em torno de 36 dias, devendo ser mantida durante mais 30 dias após confirmação da dissolução pela radiografia (LAZZAROTTO, 2001 apud KAUFMANN et al, 2009). A utilização de cloreto de amônio, metionina ou ácido ascórbico podem ajudar na dissolução ou de forma preventiva em urólitos de estruvita ou plugs uretrais. Deve-se cuidar com a utilização de acidificantes por muito tempo, pois pode gerar acidose metabólica, hipocalemia, disfunção renal, desmineralização óssea e formação de urólitos de cálcio (BELONE, 2002). Em gatos com urolitíase por estruvita e com infecção bacteriana no trato urinário, a utilização de antibióticos deve ser mediante a cultura de urina e resultados dos testes de sensibilidade, devendo ser mantido durante todo o período que os cálculos estiverem sendo dissolvidos (GRAUER, 2001; BELONE, 2002). Alguns medicamentos como antibióticos (orbifloxacina), tranquilizantes (amitriptilina), anticolinérgicos, antiespasmódicos e antiinflamatórios (meloxican) são utilizados no tratamento da cistite idiopática em gatos, porém ainda não foi confirmada a eficácia desses agentes. A amitriptilina devido ao seu efeito calmante, também pode ser indicada para o tratamento de afecções idiopáticas em gatos, na dose de 5 a 10mg/gato 1 vez ao dia (GRAUER, 2001). Gatos que apresentem urocistólitos deverão passar por procedimentos de retirada através da uroidropropulsão ou sonda uretral. Quando da presença de urólitos de oxalato de cálcio e de urato de amônio, a remoção é cirúrgica (OSBORNE et al., 2004; BROWN, 2008). Quando da presença de obstrução uretral, deve-se avaliar grau e duração da obstrução, considerando que em obstruções totais, quando não diagnosticado, o animal vem a óbito em 20 72 horas (PEIXOTO et al., 1997 apud KAUFMANN et al,.2009). Os procedimentos iniciais buscam diminuir a pressão intrauretral através da cistocentese de emergência (ALVES, 2006). Segundo Corgozinho e Souza (2003) deve-se realizar uma massagem suave na uretra peniana, seguida por uma compressão na vesícula urinária, o que leva a retração do prepúcio e exposição do pênis, podendo ser detectado o material obstrutor. Essa massagem deve ser realizada de forma cautelosa prevenindo um trauma iatrogênico na vesícula urinária. A próxima etapa consiste na desobstrução através da passagem de uma sonda uretral. Após a introdução do cateter é injetado uma solução de Ringer com Lactato com o intuito de dissolver o material obstrutor ou empurrá-lo para o interior da vesícula urinária. Após a desobstrução o gato deve permanecer sondado durante 24 a 48 horas, com a utilização do colar elisabetano e associações de antibióticos de amplo espectro para reduzir a incidência de infecção urinária. Quando retirado o cateter deve-se avaliar a infecção bacteriana através da colheita de amostras de urina para análise e cultura. Havendo confirmação deve-se utilizar antibioticoterapia durante 10 dias (CORGOZINHO; SOUZA, 2003). Segundo Alves (2006), quando o tratamento terapêutico não apresenta sucesso, é indicado o tratamento cirúrgico podendo ser dividido três técnicas: Quadro 1:Técnicas de uretrostomia e suas principais indicações Técnica Cirúrgica Uretrostomia perineal Indicação Gatos machos portadores de lesões irreversíveis na mucosa da uretra peniana e gatos com obstrução recorrente Uretrostomia pré púbica Obstruções graves na uretra e processos de estenose Uretrostomia sub púbica Quando processo obstrutivo se localiza na uretra caudal e quando há estenose recidivante por uretrostomia perineal Fonte: (ALVES, 2006) 21 PREVENÇÃO Segundo Birchard & Sherding (2008), a prevenção da recidiva de DTUIF está relacionada com: a) Ambiente: enriquecimento ambiental através de atividades estimuladoras com brinquedos, janelas acessíveis para olhar o lado externo e áreas seguras distante de outros animais e pessoas. b) Ingestão de alimentos e água: A diluição urinária pode reduzir o conteúdo de substâncias nocivas na urina. Realização de transição de ração desidratada para alimento enlatado ou adição de líquido (água, caldo ou suco de atum) à ração; Acesso à água fresca o tempo todo – vários gatos preferem água corrente, ao invés de água parada. 22 1. RELATO DE CASO Foi atendido na Clínica Veterinária Essencial Vet em Ponta Grossa, no dia 15 de abril de 2013, um felino de nome Napoleão, raça Persa, macho, 4 anos de idade, pesando 4,800Kg. Segundo relatos do proprietário o animal estava quieto, vomitando, constipado apresentava dificuldade em urinar, estava sem apetite e isolado. 1.1 Sinais Físicos Durante o exame físico verificou-se que o gato apresentava bexiga repleta, muita dor á palpação abdominal, abdômen extremamente rígido, hipotermia, mucosas congestas e vocalização. Durante a auscultação o animal apresentou taquicardia e taquipnéia. O tempo de perfusão capilar era menor que dois segundos. Figura 5: Felino com hematúria devido á obstrução uretral Fonte: (MOSQUÉRA, 2010) 23 1.2 Diagnóstico O animal passou por exames de uréia, creatinina e hemograma completo para a pesquisa de uma obstrução uretral concomitante com uma infecção urinária. Foram realizados também exames de ultrassonografia, observando a bexiga extremamente repleta. Foi realizada a sondagem do animal através de um cateter uretral e repetido o exame, no qual foi detectado então a presença de cristais na bexiga e a parede distendida. Figura 6: Bexiga de um felino obstruído Fonte: (MOSQUÉRA, 2010) Quadro 2: Bioquímicos do paciente Bioquímico Resultado Valores de Referência Cão Gato Creatinina 1,6 mg/dl 0,5 a 1,5 0,8 a 1,8 Uréia 45,0 mg/dl 21,0 a 60,0 20,0 a 30,0 Fonte: O autor 24 Quadro 3: Hemograma do paciente Eritrograma Resultado Valores de referência Cão Gato Eritrócitos (milhões/mm3) 8,85 5,5 a 8,5 5 a 9,5 Hematócrito (%) 43 37 a 55 28 a 45 Hemoglobina (g/dl) 14,7 12 a 18 9 a 15 VGM 48,8 65 a 78 39 a 55 CHGM 34,1 30 a 36,5 30 a 36 Proteína Plasmática (g/dl) 8,0 6, 0 a 8,0 5,8 a 7,8 Leucócitos totais 7000 6.000 a 17.000 5.500 a 19.500 Neutrófilos segmentados 5.670 3.000 a 11.000 2.500 a 12.500 Neutrofilos bastonetes 0 0 a 300 0 a 300 metamielócitos 0 0 0 Mielócitos 0 0 0 Linfócitos 1050 1.000 a 4.500 1.500 a 7.000 Monócitos 0 0 a 800 0 a 850 Eosinófios 280 0 a 1.250 100 a 750 Basófilos 0 Raros Raros Plaquetas Agregados 200.000 a 500.000 200.000 a 600.000 Leucograma Plaquetários Fonte: O autor 25 1.3 Tratamento Devido á gravidade do caso, o paciente permaneceu internado na Clínica Veterinária Essencial Vet, recebendo fluidoterapia Ringer com lactato. Após o animal ser estabilizado foi realizado um protocolo intravenoso composto de Cloridrato de ranitidina como protetor da mucosa gástrica (0,2mg/Kg) na dose de 0,38ml duas vezes ao dia, Butilbrometo de escopolamina (0,2mg/Kg) na dose de 0,05 ml duas vezes ao dia, Meloxican 0,2% como antiinflamatório (0,1mg/Kg) na dose de 0,24ml uma vez ao dia, Tramadol para o controle da dor (2mg/Kg) na dose de 0,19ml duas vezes ao dia e como antibioticoterapia utilizou-se a Enrofloxacina 5% (2.5mg/Kg) na dose de 0,24 ml duas vezes ao dia. O animal permaneceu sondado durante dois dias, quando retirado o cateter o animal voltou a obstruir. Em conversa com o proprietário, o mesmo optou então pelo método cirúrgico de uretrostomia acompanhada de penectomia. O animal passou bem durante o procedimento cirúrgico e foi encaminhado para casa. Como tratamento paliativo foi utilizado a ração urinary da Royal Canin, Amitriptilina na dose de 25mg/kg sendo administrado ¼ de comprimido a cada 12 horas durante 30 dias e o incentivo ao animal de beber água através da utilização de fontes, bebedouros ou tanques de água. O animal apresentou várias recidivas, devido ao estreitamento da uretra, e devido ao método cirúrgico utilizado o animal começou a apresentar cistites recorrentes, onde então era realizada a passagem de um cateter uretral e administração de antibióticos e antiinflamatórios. Figura 7: Cistocentese Fonte: (RILLO, 2008) 26 Figura 8: Passagem de sonda uretral em felinos Fonte: (RILLO, 2008) 27 CONCLUSÃO Os felinos acometidos pela DTUIF manifestam diferentes sintomas relacionados ao comprometimento das vias urinárias inferiores. A análise das bibliografias consultadas permite concluir que a DTUIF acomete tanto machos quanto fêmeas, e a obstrução uretral acomete mais frequentemente animais do sexo masculino devido a distribuição anatômica da uretra, por isto representa a forma mais preocupante devido seus sintomas clínicos, podendo levar a uma insuficiência renal crônica, atraindo a atenção dos proprietários os quais percebem a necessidade de um atendimento emergencial perante o caso. Conforme relatado por Alves (2006) a principal forma de diagnóstico é composto de anamnese, exame físico e exames complementares (ultrassom, raio-x) fato este comprovado no relato de caso. O tratamento do animal só é realizado através da análise dos sinais clínicos e confirmação do diagnóstico, levando em consideração os diferentes tratamentos mediante uma obstrução uretral ou uma cistite intersticial (GRAUER, 2001). Conforme relatos de Grauer (2001) o medicamento de escolha perante uma cistite intersticial é a Orbifloxacina, caso este não confirmado, pois no paciente foi utilizado Enrofloxacina por um período de 7 dias. Já em casos de obstrução uretral o tratamento cirúrgico foi o mesmo citado pelo autor Alves (2006), juntamente com a utilização da amitriptilina como tranquilizante (Grauer, 2001). No entanto, mesmo após o tratamento medicamentoso e cirúrgico, o animal apresentou várias recidivas. 28 REFERÊNCIAS ALVES, A.M.Tratamento clínico e cirúrgico de obstrução uretral em doença do trato urinário inferior de felinos. Out. 2006. p.01-32. (Pós-Graduação Lato Sensu em Clínica médica e cirúrgica em pequenos animais). UCB, Rio de Janeiro. BALBINOT, Z.P. et al. Distúrbio urinário do trato urinário inferior dos felinos: caracterização de prevalência e estudo de caso-controle em felinos no período de 1994 a 2004. Depto de Veterinária. Universidade Federal de Viçosa. Viçosa – MG: 2006. BANKS, J.M. 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