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brasil arquitetura
construindo uma trajetória
Audrey Migliani Anticoli
brasil arquitetura
construindo uma trajetória
Audrey Migliani Anticoli1
Orientadora: Profª. Drª. Eneida de Almeida
Área de conhecimento
Ciências Sociais Aplicadas
Área de concentração
Arquitetura e Cidade
Palavras-chave
Arquitetura Brasileira
Cultura arquitetônica
Arquitetura Contemporânea
Arquitetura e Identidade
Linha de Pesquisa
Projeto, Produção e Representação
São Paulo, 2016
Audrey Migliani Anticoli é arquiteta pela Universidade São Judas Tadeu, em 2013. Mestranda em Projeto,
Produção e Representação no PGAUR-USJT, com bolsa da CAPES, PROSUP/USJT pela mesma instituição.
1
UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU
Pós-Graduação Stricto-Sensu em Arquitetura e Urbanismo
AUDREY MIGLIANI ANTICOLI
BRASIL ARQUITETURA:
construindo uma trajetória
Dissertação apresentada à Universidade São Judas Tadeu
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Arquitetura e Urbanismo
Orientadora: Profª. Drª. Eneida de Almeida
São Paulo, 2016
UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU
Pós-Graduação Stricto-Sensu em Arquitetura e Urbanismo
AUDREY MIGLIANI ANTICOLI
BRASIL ARQUITETURA:
construindo uma trajetória
Dissertação apresentada à Universidade São Judas Tadeu
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Arquitetura e Urbanismo
Banca de defesa em 09 de setembro de 2016.
Prof.ª Dr.ª Eneida de Almeida (orientadora)
Prof.ª Dr.ª Marta Vieira Bogéa
Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Imbronito
São Paulo, 2016
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
[email protected]
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da
Universidade São Judas Tadeu
Bibliotecária: Tathiane Marques de Assis - CRB 8/8967
Anticoli, Audrey Migliani.
A543b
Brasil Arquitetura: construindo uma trajetória / Audrey Migliani
Anticoli. - São Paulo, 2016.
224 f.; 30 cm.
Orientadora: Eneida de Almeida.
Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São
Paulo, 2016.
1. Arquitetura – Brasil. 2. Arquitetura brasileira. 3. Arquitetura Moderna. I.
Almeida, Eneida de. II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo. III. Título
CDD 22 – 724.981
À minha família, apoiadora de todos os meus projetos.
AGRADECIMENTOS
A todos que colaboraram de forma direta ou indireta para a
conclusão desta pesquisa, minha sincera gratidão.
À CAPES, pelo apoio recebido para o desenvolvimento deste trabalho.
À Universidade São Judas Tadeu, representada pela coordenadora do
Programa de Pós Graduação de Arquitetura e Urbanismo: Profª. Drª. Paula
de Vincenzo Fidelis Belfort Mattos, por toda confiança no desdobramento
deste estudo.
À minha eterna mestra e amiga, Profª. Drª. Eneida de Almeida, sou
imensamente grata pelas conversas, colaboração e por todo o incentivo
desde as tutorias em meu Trabalho Final de Graduação em 2013.
Ao Prof. Dr. Fernando Guillermo Vázquez Ramos pelas aulas de Teorias da
Arquitetura e Urbanismo no primeiro semestre e à Profª. Drª. Maria Isabel
Imbronito pelas aulas de Metodologia de Pesquisa em Arquitetura e
Urbanismo. Ambas as disciplinas instigaram e estimularam o progresso
desta pesquisa de uma forma muito positiva.
Aos comentários da Prof.ª Dr.ª Marta Vieira Bogéa e da Prof.ª Dr.ª Maria
Isabel Imbronito durante a banca de qualificação em março deste ano
que, sem dúvida alguma, colaboraram muito com a estrutura final e
conclusão do trabalho.
Aos arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz pela disposição e
cordialidade com as quais me receberam para nossas conversas.
Ao escritório Brasil Arquitetura pela paciência na coleta e envio de todo o
material de estudo.
À minha família, meus pais e meu marido, por entenderem minhas
ausências e sempre apoiarem minhas escolhas.
Mas acima de tudo agradeço a Deus por permitir que todas essas
pessoas façam parte de minha vida.
LISTA DE IMAGENS
Figura 01: Primeiros projetos: Paço Municipal de Cambuí, Casa
Cambuí e Grisbi Indústrias Têxteis. Brasil Arquitetura com sua
formação inicial: Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz e Marcelo
Suzuki. Fonte: Site oficial do escritório. Acesso em 19 junho 2016.
Figura 02: A primeira sede da Baraúna na Rua Delfina, em 1986. O
primeiro encarregado foi Adelino Rubio, que trabalhara no SESC
Pompeia. Fonte: Página do Facebook Marcenaria Baraúna. Acesso
04 julho 2016.
Figura 03: Respectivamente: Cadeiras Girafa e Frei Egídio, e o
banquinho Caipira Fonte: Site oficial da marcenaria. Acesso em 19
junho 2016.
Figura 04: Croquis da proposta para TGI de Francisco Fanucci.
Fonte: Acervo particular de José Calazans, retirado do volume II da
dissertação de Mestrado de Patrícia NAHAS, 2008, p.556.
Figura 05: Croquis da proposta para TGI de Marcelo Ferraz para
intervenção em um edifício histórico, em 1978. Fonte: Acervo do
escritório Brasil Arquitetura, retirado do volume II da dissertação de
Mestrado de Patrícia NAHAS, 2008, p. 557.
Figura 06: Lina Bo Bardi com seu discípulo Marcelo Ferraz, no SESC
Pompéia. Fonte: Acervo pessoal do arquiteto. Via Vitruvius.
Figura 07: A imagem, retirada do Google Earth em 10 de julho de
2016, explica a localização do Museu em relação à Praça Barão do
Rio Branco, marco zero da cidade, e ao Parque das Esculturas
Francisco Brennand.
Figura 08: Implantação em escala maior na qual é possível observar
melhor a situação do entorno. Fonte: Google Earth em 10 de julho
de 2016.
Figura 09: O trajeto feito a partir do Cais do Sertão até o marco zero
do Recife permitiu observar as características das construções com
predominância da arquitetura histórica. Fonte: Acervo da autora, em
maio de 2016.
Figura 10: A figura ao lado auxilia a compreender a atual situação
do conjunto. Em vermelho, a Praça Barão do Rio Branco, onde está
o marco zero do Recife. Em amarelo, está destacada a área total do
conjunto das quais se destaca em verde o edifício já construído e
em azul a edificação ainda inacabada. Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura.
Figura 11: Render da fachada frontal em que se destaca o grande
vão que possibilitará a vista para o mar. Este bloco ainda não está
concluído. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 12: A placa, assinada pelo Governo Federal, informa que a
obra teve inicio em 2011 e previsão de conclusão em agosto de
2013. Fonte: Acervo da autora. Fotografado em maio de 2016.
Figura 13: Acima: Casa Hungria Machado (foto PB): vista externa
com jardim, década de 1940. Foto: Marcel Gautherot. Abaixo: Casa
Hungria Machado: janela de treliça, década de 1940. Foto: Lucio
Costa. Via: Instituto Jobim,
http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/48 Acesso em 27
julho 2016
Figura 14: Matrizes do piso rachado e das árvores secas,
inspirações para o desenvolvimento dos cobogós que preenchem a
fachada do Museu Cais do Sertão. Fonte: Memorial do Projeto via
ArqBrasil.
Figura 15: Implantação total do conjunto com destaca para o
detalhe 01 (acima) e com uma interrupção na imagem original (a
baixo), na qual aproxima-se a escala para destacar apenas o edifício
em funcionamento. Em azul, está a representação do porto,
contíguo ao lote. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 16: Cobogós instalados no edifício construído, parte externa
e parte interna, respectivamente. Cada uma das peças mede cerca
de 1,1m x 1,1m. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Figura 17: “Praça Seca” que recebe os visitantes ou os transeuntes
que desejem apenas repousar sob a sombra. Fonte: Acervo da
autora, em maio de 2016 (acima) e corte enviado pelo escritório
(abaixo).
Figura 18: Um juazeiro, árvore típica da caatinga nordestina. Fonte:
À esquerda, enviado pelo Institucional do Cais do Sertão (foto de
Léo Caldas na inauguração do Cais em 03 de abril de 2014). À
direta, acervo da autora, em maio de 2016.
Figura 19: Nas imagens acima, é possível perceber como os
elementos tradicionais da cultura sertaneja relacionam-se com
totens tecnológicos que possibilitam maximizar a interatividade e a
experiência do visitante. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Figura 20: Layout esquemático que demonstra a organização dos
sete núcleos organizadores da museografia. Fonte: Memorial do
projeto via ArqBrasil.
Figura 21: Espaços oferecidos ao visitante no mezanino. Fonte:
Acervo da autora, em maio de 2016.
Figura 22: Corte transversal que mostra o mezanino administrativo
e a treliça metálica que sustenta a cobertura. Fonte: Acervo da
Brasil Arquitetura.
Figura 23: Estrutura metálica vista da altura da laje que resguarda o
mezanino. É possível ver os galhos secos do juazeiro, já plantado
em seu canteiro. Fonte: Acervo da Brasil Arquitetura.
Figura 24: Planta com a disposição dos pilares e cotas (inseridas
pela autora) que auxiliam o entendimento da distribuição dos
pilares. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 25: Planta aproximada (DETALHE 01) com destaque para o
segundo trecho do pavilhão no qual é possível perceber sua
concepção estrutural, em preto. Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura.
Figura 26: A seta indica o pilar com a sobressaliência de 0,20 x
0,30 metros revestida com a mesma fôrma de concreto que as
paredes internas. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Figura 27: Planta aproximada (DETALHE 02) com destaque para o
terceiro trecho do pavilhão no qual é possível perceber sua
concepção estrutural, em preto. Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura.
Figura 28: Escada reta com degraus metálicos e pilar de sessão
circular no pavimento do mezanino. Fonte: Acervo da autora, em
maio de 2016.
Figura 29: Referências ao Rio São Francisco em ambos os casos –
SESC Pompeia e Cais do Sertão, onde é possível observar as
semelhanças e discrepâncias formais entre eles. Ambas as fotos
tiradas pela autora. A primeira em dezembro de 2014 e a segunda
em maio de 2016.
Figura 30: Acima, “Caipiras, Capiaus: Pau-a-Pique” em 1984
VAINER; FERRAZ, 1999, páginas 70. Abaixo, duas imagens
registradas pela autora em visita técnica ao Cais do Sertão em maio
de 2016.
Figura 31: Na imagem, registrada pela autora em visita técnica ao
Cais do Sertão em maio de 2016, é possível verificar o grau da
complexidade resolvida no forro técnico com instalações a parentes.
Figura 32: Fotografias tiradas pela autora em visita técnica em maio
de 2016 que ilustram o espaço expositivo permeado por símbolos
da temática sertaneja: utensílios do dia a dia, vestuários, acessórios
para lidar com os animais, e o destaque para o mandacaru em área
nobre no espaço de convivência.
Figura 33: Vista frontal do conjunto que mostra a manutenção de
alguns armazéns existentes (em cinza, à esquerda do desenho).
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 34: Mapa do “Caminho dos Moinhos”, em escala. Fonte:
FERRAZ, 2008, p. 79.
Figura 35: Localização do Moinho Colonial Colognese, escolhido
para abrigar o Museu do Pão e a Escola de Panificação, primeira
intervenção do “Caminho dos Moinhos”, em escala. Fonte: Google
Earth, acesso em 12 de julho de 2016.
Figura 36: Acima: duas imagens de construções típicas dos
imigrantes e imagem da rua Conselheiro. Abaixo: primeira casa de
alvenaria construída pelos imigrantes; Escola Estadual de Ilópolis e
Santuário São Paulo Apóstolo, respectivamente. Fonte: Google
Earth, acesso em 12 de julho de 2016.
Figura 37: Fotografia via satélite do entorno do museu após a
construção do conjunto. Via Google Maps. Acesso em 26 julho
2016.
Figura 38: Planta de cobertura, em escala. Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura, com edição na imagem, feita pela autora.
Figura 39: Remanescentes originais do moinho de 1910 foram
expostos a céu aberto em posição estratégica, na área central entre
os três blocos, como memória viva de sua história. Fonte: Acervo
Brasil Arquitetura.
Figura 40: Situação do Moinho Colognese (1910), que estava
abandonado desde 1990 antes do IILA iniciar as obras de restauro.
Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura.
Figura 41: Obras de restauro das fachadas realizadas pelo IILA com
mão de obra 100% local (acima) e moinho com as fachadas
restauradas (abaixo). Fonte: (FERRAZ, 2008, pp. 24-25) Acervo do
Brasil Arquitetura, respectivamente.
Figura 42: Planta do moinho após intervenção. Fotos: Acervo Brasil
Arquitetura.
Figura 43: Atual configuração do moinho na qual foram mantidas a
organização espacial e o maquinário com a intenção de que em
breve, o espaço volte a funcionar também como um moinho. Fonte:
Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 44: Moinho restaurado, em funcionamento na qual é possível
ver a rampa de acesso construída. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 45: Interior da bodega com mobiliário assinado pela
Marcenaria Baraúna. Fotos: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 46: Edifício do moinho restaurado, em funcionamento, com a
inclusão das novas janelas que, apesar de irem contra aos
princípios das Cartas Patrimoniais e não indicarem as intervenções
contemporâneas, não desconfiguraram seu caráter histórico. Foto:
Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 47: Planta do pavilhão do museu com indicação da área
expositiva (1) e do auditório (2), além dos três pilares (p1, p2 e p3).
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 48: Vista do edifício do museu a partir do outro lado da rua,
na qual é possível perceber os pilares de concreto que eleva o bloco
do nível do piso e vencem o pequeno desnível do terreno. Fonte:
Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 49: Etapas construtivas do pavilhão que abriga o museu e o
auditório. Fonte: FERRAZ, 2008, p.27.
Figura 50: Vista posterior do conjunto com destaque para a cortina
de veludo vermelha que protege o auditório da iluminação natural,
quando necessário. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 51: Planta de estudo da escola de panificação desenvolvida
à mão. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 52: Planta retangular do edifício sólido que abriga a escola
de panificação com cozinha experimental (1), sala de aula teórica
(2) e sanitários (3). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 53: Interiores da escola de panificação com mesa central,
organizadora do espaço e diversas cadeiras Girafa desenhadas por
Marcelo Ferraz, Marcelo Suziki e Lina Bo Bardi e produzidas pela
Marcenaria Baraúna. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 54: Destaque para as pequenas aberturas no sótão do
edifício da escola de panificação. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 55: Caixa de concreto em etapa de sua construção (à
esquerda) e edifício concluído com terraço jardim executado (à
esquerda). Fonte: FERRAZ, 2008, p.27.
Figura 56: A “delicada” passarela que une o passado e o futuro: à
direita, a passarela entre moinho e escola (1 metros de largura) e à
esquerda entre escola e museu (1,76 metros de largura). A
passarela que envolve três faces do edifício da escola possui 92
centímetros de largura. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura.
Figura 57: Croquis do projeto com destaque para o contraste
respeitoso entre o existente em madeira araucária, e o novo edifício
essencialmente em vidro e madeira. Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura.
Figura 58: Síntese entre contraste e analogia com o edifício
existente. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 59: Área do conjunto “existente/construído” em detalhe e em
relação à cidade de Ilópolis. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura.
Figura 60: Os pilares em concreto armado, tijolos e treliças
aparentes como elementos da arquitetura na área de convivência
do SESC Pompéia. Fonte: Foto da autora, em 09 de dezembro de
2014; Destaque para os pilares mistos de concreto e madeira e
para os elementos da arquitetura expositiva. Foto: Nelson Kon.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 61: Estudos da arquitetura cênica proposta pelo Brasil
Arquitetura. Fonte: FERRAZ, 2008, pp. 49-51.
Figura 62: A transparência ressalta o diálogo entre novo e velho.
Fonte: Carlos Eduardo Comas (centro). Via ArchDaily Brasil. Acesso
em 11 de dezembro de 2015; acervo do Brasil Arquitetura,
respectivamente.
Figura 63: Intervenção de forma análoga, nas Missões e
contrastante, ainda que respeitosa, em Ilópolis. Fonte: André
Marques e Silvia Raquel Chiarelli Via Vitruvius. Acesso em 11 de
dezembro de 2015 e acervo Brasil Arquitetura, respectivamente.
Figura 64: A Casa Román que acabou sendo demolida por conta de
falhas de comunicação entre a equipe da obra e do escritório.
Fonte: (FERRAZ, 2008, p.23).
Figura 65: Fragmento da parede original com o desenho à base de
óxido de ferro e azul anil, provavelmente desenhado por um antigo
morador da Casa Román que acabou sendo demolida, hoje
incorporada ao acervo do museu.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Fotos:
Nelson
Kon.
Figura 66: O desenho encontrado na Casa Román tornou-se símbolo
do projeto “Caminho dos Moinhos”, utilizado na fachada e no
azulejo da bancada da Escola de Pão e, por fim, a parede original
como parte do acervo do Museu do Pão. Fotos: Nelson Kon. Fonte:
Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 67: Destaque para os detalhes dos “capitéis” dos pilares
projetados e construídos por Lucio Costa (1937) e pelo Brasil
Arquitetura (2008). E desenho técnico do capitel (2008), abaixo.
Fonte: André Marques e Silvia Raquel Chiarelli. Via Vitruvius. Acesso
em 11 de dezembro de 2015 (esquerda); Foto de Nelson Kon via
Acervo Brasil Arquitetura (direita); Acervo Brasil Arquitetura, abaixo.
Figura 68: Planta com organização espacial que mostra o terminal
urbano, o interurbano e a linha férrea e vista aérea da implantação:
linha férrea (verde), rio Tamanduateí (azul), Avenida dos Estados
(amarelo) e Viaduto Presidente Castelo Branco (vermelho). Fonte:
Acervo Brasil Arquitetura e Google Earth, respectivamente.
Figura 69: Imagem área que mostra a real situação com a
organização espacial composta pelo terminal urbano, o interurbano,
o rio e a linha férrea. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 70: Vista para os dois lados da linha férrea a partir do
edifício-ponte. Fonte: Acervo da arquiteta, em maio de 2016.
Figura 71: Perspectiva isométrica da cobertura metálica que
resguarda o conjunto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 72: Recortes que demostram os quatro perfis metálicos
utilizados no projeto: reto, meia ferradura, junção curva e curvo.
Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016 e desenho enviado pelo
Brasil Arquitetura
Figura 73: Imagens com as vigas metálicas cobertas por telhas,
também metálicas, na cor branca. Fonte: Acervo da autora, em maio
de 2016.
Figura 74: Encontro entre as vigas metálicas e os pilares de seção
circular, em concreto. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Figura 75: Perspectiva isométrica que ilustra a continuidade da
estrutura da cobertura metálica que vai desde o terminal de ônibus
municipais (à direita) até o mezanino do terminal de ônibus
intermunicipais (à esquerda). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 76: Situação do térreo, com baias dos ônibus intermunicipais
(à esquerda e ao fundo), lanchonetes (ao centro), sanitários e
bilheteria (à direita). Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura.
Figura 77: Situação da área de espera resguardada por painel
acrílico. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Figura 78: Acesso à unidade de atendimento da Secretaria de
Estado da Administração Penitenciária Coordenadoria de
Reintegração Social e Cidadania. Fonte: Acervo da autora, em maio
de 2016.
Figura 79: Situação do térreo, com baias dos ônibus intermunicipais
(à esquerda e ao fundo), lanchonetes (ao centro), sanitários e
bilheteria (à direita). Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Figura 80: Circulação vertical: escada, escadas rolantes e
elevadores. Acervo da autora, em maio de 2016.
Figura 81: Aberturas inusitadas no Terminal Rodoviário emolduram
a cidade ao seu redor. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Figura 82: Conjunto KKKK às margens do parque Beira-Rio:
restauro e nova intervenção em Registro (interior de São Paulo).
Foto: Nelson Kon. Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 83: Conjunto KKKK em 1995 comprovando a situação
degradada da área. Fonte: CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS,
2005 p. 43.
Figura 84: Modelo 3D em Sketchup que mostra a implantação. Em
cima, vista frontal e embaixo, vista posterior. Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura.
Figura 85: Prancha de estudo para o Museu da Cerâmica: terreno
de formato irregular e com sete curvas de nível. Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura.
Figura 86: Implantação com módulos de 5x5 cobertos por telhado
verde. Vista de cima a construção será uma mimese à grama da
parte externa do edifício. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 87: Foto da maquete desenvolvida pelo Brasil Arquitetura
para ser utilizada pela equipe local na construção da “roupa de
madeira” do edifício. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 88: Projeto da cobertura com posicionamento das ripas e a
trama formada pelas cestarias. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 89: Detalhe interno da cobertura executada em fibras de
piaçava sobre estrutura de madeira e cipó (esquerda) e estrutura na
maquete enviada à mão de obra local (direita). Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura.
Figura 90: Croquis (planta e perspectiva) do desenvolvimento das
tramas, trançados e encaixes da cobertura. Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura
Figura 91: Abertura da paisagem da cobertura da maloca à floresta
e ao Rio Negro. Foto: Daniel Ducci. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 92: Peitoris das varandas em tramas de madeira e cipó (à
esquerda). Na fachada posterior, a mesma trama de madeira e cipó
que protege as varandas delineia a escada (à direita). Foto: Daniel
Ducci. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Fonte: Site oficial do
escritório.
Figura 93: A imagem mostra a relação entre o edifício novo, mais
baixo, ao fundo, com coloração acinzentada e o edifício antigo,
branco e como ambos relacionam-se com a praça e as áreas
centenárias que foram mantidas. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 94: Fotografia que destaca a manutenção do antigo e o
diálogo com o antigo nos interiores do Museu Rodin. Fonte: Acervo
Brasil Arquitetura.
Figura 95: A partir do edifício antigo é possível avistar um visitante
que atravessa a passarela que conecta o novo e o velho. Fonte:
Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 96: Um novo ângulo possibilita perceber a escala da
intervenção Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 97: A nova construção encosta a antiga de maneira
respeitosa e ao mesmo tempo em que reverencia o velho, enaltece
o novo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 98: Fotografia da maquete do conjunto. Deste ângulo é
possível perceber a proximidade entre o Museu das Missões, e a
Igreja das Ruínas de São Miguel das Missões (ao fundo), três cotas
acima do novo complexo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 99: A implantação do novo edifício evidencia a existência de
uma malha estruturadora Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 100: Arquitetura explora a materialidade do concreto armado
pigmentado em oxido de ferro em tonalidade avermelhada. À
direita, a mesma materialidade dialoga com duas colunas jesuíticas
retiradas de uma ruína de São Lourenço. Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura.
Figura 101: Mapa em baixo relevo com as 30 missões distribuídas
entres regiões de três países da América do Sul: Brasil, Paraguai e
Argentina. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 102: Maquete do complexo cultural com destaque em
vermelho para área que abrigará a “Esplanada Cívica”. Fonte:
Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 103: No render enviado pelos arquitetos é possível identificar
uma construção branca, ao fundo que é um contraponto às demais
construções em concreto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 104: Ilustração do Centro de Interpretação do Pampa ainda
em fase de projeto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 105: Imagens das ruínas da antiga enfermaria de Jaraguão
(1880-1883), antes da intervenção do escritório. Fonte: Acervo
Brasil Arquitetura.
Figura 106: Planta que mostra como a intervenção proposta se
intersecciona com o volume existente do qual foi mantido o pátio
central descoberto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 107: Ilustração da parte interna do edifício em vidro, através
dele é possível ver as ruínas do edifício antigo. Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura.
Figura 108: Foto do mesmo ponto de vista antes da intervenção
(acima) e depois da intervenção (abaixo) Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura.
Figura 109: Escultura de Amílcar de Castro no Bairro Amarelo,
Berlim. Fonte: FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 64.
Figura 110: A imagem mostra as bases e os coroamentos dos
edifícios pintados com a coloração azul, em mimese ao tom do céu
em um dia de verão, quando as crianças podem brincar com água
no térreo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 111: Muxarabi instalados nas sacadas e nos acessos aos
edifícios do conjunto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Figura 112: Painel com azulejo cujas padronagens foram
desenvolvidas pelas índias Kadiwéu, exclusivamente para serem
implantadas neste projeto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
“Buscamos uma arquitetura criada a partir de profunda conexão com as
bases culturais de cada lugar e protagonistas. E nem por isso podemos
dizer que, ao abordar estes aspectos, ela seja regional. Não! Uma vez que
as bases culturais de qualquer sociedade ou povo sejam as dimensões
humanas de relacionamento e comunicação, a arquitetura será sempre
universal. Universais são questões como convivência, busca de tolerância
entre diferentes, busca de conforto e desenvolvimento criativo das
técnicas, dos modos de viver e habitar o mundo. E é aí que transita o
projeto: aí fazemos nossas escolhas e nossas leituras e interpretações.
Como antropófagos, digerimos nosso alimento intelectual, espiritual e
poético e apresentamos nossas proposições”. 2
Texto retirado da contracapa do livro Arquitetura Conversável de Marcelo Ferraz,
publicado pela Azougue Editorial em 2011 .
2
RESUMO
A pesquisa aprecia o processo de construção da identidade arquitetônica
do escritório paulista Brasil Arquitetura, criado em 1979 e atualmente
comandado pela dupla de arquitetos mineiros Francisco Fanucci e
Marcelo Ferraz, com o objetivo de compreender como as referências da
dupla puderam (e podem) colaborar com o amadurecimento de seus
procedimentos usuais de trabalho. Tendo em vista a multiplicidade de
relações que contribui para a constituição da personalidade de um
indivíduo ou de uma entidade, no caso de um escritório de arquitetura, o
estudo apresentará um breve panorama sobre a formação dos arquitetos
na faculdade e o início dos trabalhos do escritório. A pesquisa prosegue
com a busca pela comprovação da afirmação de que, apesar de tão
variada, toda a obra dos arquitetos é alicerçada em três aspectos
específicos: a preocupação com o contexto humano, físico e cultural no
qual o edifício será inserido; a escolha pela coerência entre a
materialidade e o método construtivo; e a interação entre a tradição e
contemporaneidade. Na fase seguinte a investigação procura identificar
como cada um desses aspectos se concretizam, a partir de uma análise
calcada no estudo de um conjunto de textos e desenhos de três projetos
selecionados: Museu Cais do Sertão (Pernambuco), Museu do Pão (Rio
Grande do Sul) e o Terminal Rodoferroviário de Santo André (São Paulo).
Palavras-chave: Arquitetura Brasileira. Cultura arquitetônica. Arquitetura
Contemporânea. Arquitetura e Identidade.
ANTICOLI, Audrey Migliani. Brasil Arquitetura: construindo uma trajetória.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade São Judas
Tadeu. São Paulo. p. 224, 2016
ABSTRACT
The research evaluates the process of architectural identity´s building of
“Brasil Arquitetura”, office established in São Paulo (1979) , and currently
led by double architects from Minas Gerais, Francisco Fanucci and
Marcelo Ferraz, in order to understand how the references of the duo
could (and still can) work with the maturation of their usual working
procedures. Given the multiplicity of relationships that contribute to the
formation of the personality of an individual or entity in the case of an
architectural office, the study will present a brief overview of the path of
architects in college and early office jobs. From there, the study continues
with the search for proof of the assertion that, although so different, all the
work of architects is based on three specific aspects: concern to the
human, physical and cultural contexts in which the building will be
inserted; the choice of coherence between materiality and the best
construction method; and the conversation between tradition and
contemporaneity. The check will be possible after a deep grounded
analysis in the study of a single unit of texts and drawings of three projects
selected: Museu Cais do Sertão (Pernambuco), Museu do Pão (Rio Grande
do Sul) and Terminal Rodoferroviário of Santo André (São Paulo).
Key-words: Brazilian Architecture. Architectural Culture. Contemporary
architecture. Architecture and Identity.
ANTICOLI, Audrey Migliani. Brasil Arquitetura: building a path. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade São Judas Tadeu. São
Paulo. p. 224, 2016.
INTRODUÇÃO
20
CAPÍTULO 1: Princípios e conjecturas
35
Após relato sobre o desenvolvimento da metodologia e
apresentação da estrutura do trabalho na introdução desta
pesquisa, o primeiro capítulo traz uma narrativa que abrange o
percurso desde a formação dos atuais sócios titulares do escritório
(Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz) na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP) e os estágios
desenvolvidos por ambos durante a década de 1970, até a origem
do Brasil Arquitetura (1979), quando Marcelo Suzuki ainda era
sócio, até sua constituição atual. Ainda nesta etapa do trabalho será
abordada a grande teia de inspirações formada a partir do contato
com importantes arquitetos que contribuíram com a construção da
identidade do escritório, como também pela aproximação com
importantes áreas do conhecimento ligadas ao campo ampliado da
arquitetura, como a antropologia, a sociologia e a filosofia.
CAPÍTULO 2: Projetos e contexto
88
A análise projetual dos três estudos de caso selecionados será
desenvolvida no segundo capítulo da pesquisa: o Cais do Sertão
(Museu Luiz Gonzaga) em Recife, Pernambuco; o Museu do Pão em
Ilópolis, Rio Grande do Sul e o Terminal Rodoferroviário de Santo
André, em São Paulo. Nesses projetos, eleitos por se tratarem de
intervenções arquitetônicas que buscam a valorizaram de seu
contexto inicial e por serem reconhecidas pela técnica e
materialidade com as quais foram construídas, serão avaliados: “a
capacidade de olhar para o passado e o futuro” buscando a relação
novo/existente na implantação; o “olhar antropológico” analisado
no programa arquitetônico proposto pelos arquitetos; o “rigor
técnico” com o qual foi concebido o sistema construtivo.
CAPÍTULO 3: Síntese e herança
160
O terceiro capítulo tem a intenção de fazer a síntese entre as
referências apresentadas no primeiro capítulo e as estratégicas
projetuais identificadas nos objetos de estudo analisados no
segundo capítulo do trabalho. A investigação nesta etapa da
pesquisa tem o objetivo de entender a identidade do escritório para
além dos desdobramentos extraídos de suas referências
arquitetônicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
204
210
ANEXOS (TABELAS)
1. A construção de uma trajetória – Formação na FAU
2. A construção de uma trajetória – Vida Profissional
218
220
INTRODUÇÃO
O povo é sempre essencialmente livre e rico...
Por quê? Porque quem possui uma cultura própria
e se exprime através dela é livre e rico.
Pier Paolo Pasolini. Ensaios Corsários, 1974
(em FERRAZ, 1996, p.15)
Brasil Arquitetura. Escritório paulistano, atualmente liderado por
dois mineiros: os arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz 3,
formados pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (FAU USP) na década de 1970.
Ao que parece não foi por acaso a escolha de “Brasil” 4 para
denominar em 1979 o escritório desses jovens arquitetos 5. Assim
como não foi em vão a escolha de “Baraúna”, a árvore mais forte
do sertão6, para batizar a marcenaria (e extensão do escritório)
criada em 1986 e ativa até hoje onde “os arquitetos se exercitam
na concepção e produção de mobiliário” 7 e objetos de design em
madeira.
Dessa maneira, é possível interpretar que, para os arquitetos,
tanto o “Brasil” como a “Baraúna” são manifestações de um forte
Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, ambos nascidos na primeira metade da década de
1950 em cidades do interior de Minas Gerais, distantes cerca de cento e cinquenta
quilômetros. Aos dezenove anos de idade, ingressam no curso de Arquitetura e
Urbanismo na Universidade de São Paulo. Os anos de diferença no ingresso do curso
determinaram certas distinções da grade curricular e do corpo docente com que tiveram
contato, o que, por conseguinte, formou indivíduos com posições e valores diferentes.
Essas especificidades serão melhor esclarecidas no primeiro capítulo deste estudo.
3
Apesar de que todas as declarações (registradas e utilizadas como referência nesta
pesquisa) dos arquitetos sobre a escolha do nome do escritório confirmam que o nome
foi escolhido pela “dificuldade de encontrar um nome melhor”, (como foi explicado por
Marcelo Ferraz em entrevista à autora desta pesquisa em 30 de novembro de 2015),
entende-se que as escolhas, ainda que intuitivas, nunca se devem ao mero acaso. Elas
são produto da somatória de experiências que se acumulam durante a trajetória pessoal
ou profissional de um indivíduo ou instituição.
4
É importante informar que na formação original o escritório possuía três sócios:
Marcelo Suzuki deixou a sociedade em 1995 e retornou em 2005 por mais alguns anos.
Apesar do foco do presente estudo ser a análise dos trabalhos recentes do Brasil
Arquitetura, cuja parceria envolve os atuais sócios Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, a
participação de Suzuki no início da constituição do escritório será comentada no capítulo
01 desta pesquisa.
5
A explicação sobre o nome “Baraúna” está na página 40 da publicação póstuma de
Lina Bo Bardi, Tempos de grossura: o design no impasse, editada pelo Instituto Lina Bo &
P.M. Bardi (São Paulo) em 1994.
6
Texto de Lelé na apresentação do livro dedicado à produção do Brasil Arquitetura no
qual o arquiteto narra seu ponto de vista sobre a trajetória do escritório e expressa toda
sua admiração pelo percurso dos arquitetos (LELÉ em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ;
SANTOS, 2005, p. 9).
7
20
INTRODUÇÃO
desejo de ambos de trabalhar arquitetura e design a partir da
cultura e da identidade brasileira.
Ainda a respeito da denominação do escritório, é interessante
lembrar que a maioria dos colegas de profissão opta por compor o
título de suas sociedades com “Arquitetos”, e por vezes
“Arquitetos Associados”, mas a escolha por “Arquitetura” não é tão
recorrente. Esse fato sobressaltou aos olhos de Ole Bouman8, que
entendeu essa preferência como uma expressão do anseio deles
(Fanucci e Ferraz) em não serem apenas “arquitetos”; mas sim,
serem “arquitetura”: o “Brasil Arquitetura”, e, para ele, essa
denominação
significa
uma
“grande
reivindicação”
que
representa, por sua vez, toda uma disciplina arquitetônica 9.
Seguindo esse raciocínio, o presente estudo segue a premissa de
que o conjunto de trabalhos aqui analisados deseja (objetiva ou
subjetivamente)
celebrar
o
“Brasil”
e
sua
“Arquitetura” – proposta essa que se destaca em relação às
encontradas em outros escritórios contemporâneos –, concebendo
situações que priorizam a apropriação do usuário nos espaços
criados; já que é possível notar em seus edifícios uma forte
relação com a “função social da arquitetura”10: representar a
coletividade.
Ole Bouman é arquiteto e, entre outras atividades, é diretor-fundador do Shekou Design
Museum (China) e foi o moderador das apresentações de Patrick Thurston (Suíça); Kari
Virtanen (Finlândia); Matti Sanaksenaho (Finlândia); e de Marcelo Ferraz (Brasil) no
“13TH INTERNATIONAL ALVAR AALTO SYMPOSIUM” que aconteceu na Dinamarca em
agosto de 2015.
8
A tradução livre e interpretação são da autora desta pesquisa, e se refere ao seguinte
discurso de apresentação momentos antes da palestra de Marcelo Ferraz intitulada de
“Roots to the tradition but antennas for the avant-garde” no “13TH
INTERNATIONAL ALVAR AALTO SYMPOSIUM”, realizado em agosto de 2015 na
Dinamarca”: “(...) in your office you are not architects. You are architecture. Brazil
Architecture, so like a big claim it´s not just architects. It´s the whole discipline that being
represented by your office (…).” Nessa ocasião, Marcelo Ferraz expôs um breve
panorama sobre a Arquitetura Brasileira a partir do Movimento Antropofágico, falou de
Lina Bo Bardi e de Lucio Costa, e apresentou alguns mobiliários da Baraúna e também
os projetos do escritório Brasil Arquitetura: Villa Isabella, Sede do ISA, Museu do Pão,
Museu Rodin, Conjunto KKKK e Praça das Artes, respectivamente nessa ordem. A
palestra completa está disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=OqqZRI2SDnE>. Acesso em 18 dezembro de 2015.
9
“Função social” foi um dos temas apresentados por Vilanova Artigas (1915-1985) em
seu processo seletivo para se tornar professor no curso da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (1984) para formalizar sua posição na carreira
docente, após o afastamento imposto pela ditadura militar. De acordo com artigo
10
21
INTRODUÇÃO
Partindo dessa lógica, nasceu o tema desta dissertação que tem
como objetivo principal investigar quais as estratégicas utilizadas
durante o desenvolvimento dos projetos e como a teia de
referências
trazidas
pelos
arquitetos
em
seus
percursos
individuais (vida pessoal, faculdade, estágios e atividades
variadas) os transformou em uma dupla sólida com uma
identidade
consistente,
e,
finalmente,
entender
como
o
amadurecimento desses ideais colaborou com a construção da
identidade do escritório durante as quase quatro décadas de sua
história.
Ao falar em “identidade”, é importante definir o conceito. Segundo
o pensamento de Stuart Hall (2006) a identidade não advém
apenas da própria vivência. De acordo com Hall, ela se desenvolve
à medida que os sistemas de significação e representação cultural
se multiplicam, ou seja, quanto mais um sujeito conhece o mundo
(ou um determinado assunto), maiores são as suas chances de
somar experiências que o determinarão como um ser único, já que
sua reflexão sobre a multiplicidade de vetores e a transformação
no tempo, sugere ser plausível admitir não apenas uma
identidade, mas a condição plural de “identidades”:
Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando
em diferentes direções (...). Se sentimos que temos uma
identidade unificada desde o nascimento até a morte é
apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós
mesmos ou uma confortadora "narrativa do eu" (...). A
identidade plenamente unificada, completa, segura e
“Vilanova Artigas: A função social do arquiteto” de Miguel Antonio Buzzar publicado na
revista Arquitetura e Urbanismo (número 255, junho de 2015), nessa ocasião, Artigas
destacou a condição da arquitetura como ‘uma arte com finalidade’ e essa seria ‘a
necessidade social de a arquitetura: representar alguma coisa no campo da sociedade’.
Segundo interpretação de Buzzar, “tal representação social implica justamente a
possibilidade da arquitetura ser usufruída pela maioria da população e, assim, participar
da melhoria das condições sociais”. Para Artigas, é responsabilidade do arquiteto “(...)
participar, com a arquitetura, das mudanças sociais do mundo ocidental”. Em: ARTIGAS,
Vilanova. A função social do arquiteto. São Paulo, Fundação Vilanova Artigas / Editora
Nobel, 1989. Artigas foi também autor do projeto do prédio da FAU-USP, que, de acordo
com o pensamento de Antônio Risério, é um edifício que “instrui a não pensar a
arquitetura no vazio, mas em circunstâncias sociológicas e políticas precisas”. De acordo
com o antropólogo os arquitetos do Brasil Arquitetura cresceram “(...) respirando esse ar.
Incorporando mesclas de linguagem arquitetônica moderna e consciência social,
socialista, num ambiente de esquerda universitária” (RISÉRIO, em FERRAZ, 2011, p. 8). A
questão da “função social” na obra do Brasil Arquitetura é complexa. Por esse motivo,
entende-se aqui apenas acenar a esse aspecto particular, deixando para abordá-lo de
modo mais aprofundado futuramente em um artigo específico sobre o assunto.
22
INTRODUÇÃO
coerente é uma fantasia. (HALL, 2006. p.13). (...). A
identidade surge não tanto da plenitude da identidade que
já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de
inteireza que é "preenchida" a partir de nosso exterior, pelas
formas através das quais nós imaginamos ser vistos por
outros. (HALL, 2006. p.39).
Nesse sentido, é importante mencionar também o conceito de
identidade de Proust11 (que se aproxima ao de Hall), o qual
entende a síntese do “eu” como uma composição do que “fomos”,
“somos” e “seremos” a partir das “escolhas que fazemos”.
Parafraseando Proust, essa abordagem será feita durante o
desenvolvimento da pesquisa e foi organizada da seguinte
maneira:
 a formação dos arquitetos na FAU-USP e os estágios que cada
um dos sócios tiveram a oportunidade de realizar serão
apresentados na pesquisa como síntese do que “foram”;
 a constituição inicial do escritório até chegar à sua atual
formação representarão, no desenvolvimento da pesquisa, o
que “são”;
 a hipótese a respeito da herança arquitetônica que seus
trabalhos poderão deixar às gerações futuras será apresentada
no estudo como uma possibilidade de se vislumbrar o que
“serão”, numa tentativa de se reconhecer as pegadas deixadas
nesse percurso.
Assim, a investigação aqui proposta apropria-se do conceito de
“identidade” para entender a constituição de uma “identidade
arquitetônica” representada por um conjunto inseparável de textos
e material gráfico dos projetos realizados, e, especialmente, pela
análise das obras construídas.
O que se pretende discutir é o quanto o fazer e o pensar de um
arquiteto é capaz de influenciar e refletir na produção de outros,
de modo a entender como esses pontos de contato, essas trocas
Marcel Proust (1871-1922) foi um importante escritor francês. A referência a respeito
do seu conceito de identidade baseia-se na relevância da relação entre identidade e
memória, como enfatiza Marilena de Souza Chaui: “Para Proust, como para alguns
filósofos, a memória é a garantia da nossa própria identidade, o modo de podermos dizer
‘eu’ reunindo tudo o que fomos e fizemos a tudo que somos e fazemos”, no livro Convite
à filosofia, publicado pela editora Ática (São Paulo) em 1999, p.138.
11
23
INTRODUÇÃO
de experiências, (sejam as compatibilidades ou mesmo as
eventuais discordâncias), são fundamentais para a constituição da
identidade de alguém e/ou instituição.
Interessa para a pesquisa esboçar algumas ligações entre a
produção arquitetônica e as bases culturais que possam não só
fundamentá-las, mas também contribuir para sua aceitação e
apropriação, reforçando assim os laços entre a produção
individual e os grupos sociais que com ela se defrontam ou dela
usufruem.
Em “Intersecções: Antropologia e Arquitectura” 12 (2009), os
autores afirmam que: “tanto na antropologia quanto na arquitetura
reconhecem-se tendências de apropriação mútua", referindo-se à
sensibilidade inerente à atividade arquitetônica em relação aos
“saberes antropológicos”, ao mesmo tempo em que, os
antropólogos, por sua vez, mostraram-se “atentos observadores
dos modos de fazer o espaço que a arquitetura foi desdobrando”,
percebendo que essa produção segue apropriando-se da
sabedoria, dos discursos e da sensibilidade antropológica, com o
objetivo de encontrar “fundamentos” análogos à sua concepção
do “habitar”. Dessa forma, compreendem que:
(...) a introdução da antropologia na formação dos
arquitetos, associada a “novas preocupações sociais” da
arquitectura, ou a introdução de temas caros à antropologia
no discurso arquitectónico (como aquele que faz da rua um
espaço de encontro de diferenças e de constituição de uma
“comunidade” de fronteiras móveis, fluidas, imprecisas,
mas sempre actuantes), correspondem a uma vontade de
aproximação da arquitectura à realidade urbana (social e
cultural), e a uma aspiração de intervenção nesse tecido de
complexidades, fazendo aproximar da vida o projecto, essa
entidade abstracta de planeamento que, na sua declinação
gráfica e selectiva, não é comensurável com o território de
diferenças e de dialogismos que deveria alimentar sempre o
O artigo “Intersecções: Antropologia e Arquitectura” foi escrito por quatro membros do
corpo docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (Luís
Quintais, Nuno Porto, Sandra Xavier e Paulo Providência) e publicado no número 27 da
revista eletrônica mesma instituição, a “Rua Larga”, em 2009. Disponível em:
http://www.uc.pt/rualarga/anteriores/27/27_22. Acesso em 18 de maio de 2016.
12
24
INTRODUÇÃO
ofício da arquitectura. (QUINTAIS, L.; PORTO, N.; XAVIER, S.;
PROVIDÊNCIA, P., 2009)
Aproximando a compreensão antropológica à condição nacional,
parece oportuna a referência ao depoimento de Antonio Risério
(em FERRAZ, 2011, p. 9), também antropólogo, em que observa a
“disposição antropóloga no pensar e no fazer do arquiteto
brasileiro” muito presente na ação projetual do Brasil Arquitetura.
Risério acredita que atitudes como a inserção do grafismo
desenvolvido pelas índias kadiwéu, na requalificação do Bairro
Amarelo em Berlim não foram por acaso. Para ele, essa escolha
sucedeu-se devido aos muitos “influxos de Darcy Ribeiro, Roberto
Pino e Agostinho da Silva, tanto na sua compreensão do Brasil e
das coisas do mundo quanto na sua prática arquitetônica”. Risério
cita como experiências que fortalecem a relação entre arquitetura
e antropologia desenvolvida pelos arquitetos do Brasil Arquitetura
a parceria de Lina Bo Bardi e Roberto Pino no centro histórico de
Salvador, e o entendimento entre Darcy Ribeiro e Lelé quando o
antropólogo conduz o arquiteto a conhecer de perto uma cabana
xavante e recebe de volta o projeto da Fundação Darcy Ribeiro
(RISÉRIO em FERRAZ, 2011, p.9).
Ao citar Darcy Ribeiro é fundamental mencionar sua interpretação
acerca das múltiplas matrizes que compõe as particularidades da
nação brasileira composta pela união entre os genes dos índios,
que já estavam em nosso território, e dos estrangeiros vindos
principalmente da Europa e da África. Ribeiro avalia que essas
diferentes características, cada qual com sua proporção particular,
colaboraram com a formação da essência da nação brasileira.
Para ele, apesar de parecer contraditório, essa diversidade não
tornou o povo brasileiro uma “sociedade multiétnica”, pelo
contrário, as variantes foram fundamentais para a definição de
uma identidade nacional (RIBEIRO, 2006, p.18).
O antropólogo afirma que a existência de uma etnia nacional no
Brasil, ou seja, um “povo-nação” que representa a união de
25
INTRODUÇÃO
matrizes dos índios nativos, do colonizador europeu e dos
escravos africanos, no entanto, não ignora as discrepâncias dessa
unidade, que são consequência de “três forças diversificadoras”: a
“ecológica” responsável pela constituição das tantas paisagens
humanas e adaptações regionais díspares; a “econômica”
determinante para a imposição de meios de produção tão
diversos; e a “da imigração” que introduziu em nossa nação novos
contingentes
humanos,
europeus,
árabes
e
japoneses,
principalmente. (RIBEIRO, 2006, p.18). Para ele, essas “forças
diversificadoras” são o agente modificador cujas particularidades
possibilitam que as diferentes características dos sertanejos, dos
caboclos, dos crioulos, dos caipiras e tantos outros personagens
representem partes específicas do país.
Contudo, apesar dos estereótipos que possam, à primeira vista,
destacar-se por suas disparidades, segundo o autor, a essência da
nação brasileira permite que os mesmos se reconheçam como
unos enxergando, em sua grande maioria, mais pontos em comum
do que diferenças (RIBEIRO, 2006, p.19).
A influência de Darcy Ribeiro para Marcelo Ferraz e Francisco
Fanucci, certamente foi amplificada por uma presença mais
próxima, Isa Grinspum13, socióloga e cineasta nascida no Recife,
com quem convivem cotidianamente. Na década de 1980, a
pernambucana colaborou com Darcy Ribeiro, escrevendo e
dirigindo o programa "Escola pela TV", exibido pela antiga Rede
Manchete. Em meados da década de 1990, coordenou o "Projeto
Especial Núcleo", da TVE. Ainda naquela década, concebeu e
dirigiu a série de documentário “O Povo Brasileiro”, baseada em
Isa Grinspum Ferraz é socióloga e cineasta que convive intensamente com a dupla do
Brasil Arquitetura, não apenas porque é esposa de Marcelo Ferraz, mas principalmente
por constituir uma fértil parceria em diversos trabalhos realizados. Em 1980, iniciou sua
carreira como coordenadora e criadora de projetos para editoriais e televisão
na Fundação Roberto Marinho, onde trabalhou por dez anos. Realizou, entre
outros, “Brasil, Corpo e Alma”, “Crianças do Brasil” e “Menino, quem foi teu mestre?”,
exibidos pela Rede Globo. É a diretora do documentário Marighella, que narra a história
de Carlos Marighella (2012), seu tio, e autora da museografia do Museu da Língua
Portuguesa (São Paulo) e do Museu Cais do Sertão (Recife). Com Lina Bo Bardi e Pierre
Verger, atuou como roteirista e escreveu "Religiões Africanas no Brasil”.
13
26
INTRODUÇÃO
obra de Darcy Ribeiro e exibida pelos canais GNT e TV Cultura e
também as séries “Intérpretes do Brasil” e “O Valor do Amanhã”.
Em depoimento para a websérie “Tão Longe, Tão Perto” (ESPAÇO
HUMUS, 2014), Isa Grinspum, apropria-se de um interessante
pensamento de José Miguel Wisnik de que não existe uma
“Identidade Brasileira”, mas sim, uma “Entidade Brasil” que é
composta por muitas identidades distintas.
Grinspum concorda também com Eduardo Viveiros de Castro
quando sustenta que Brasil é mais do que pluriétnico, é
plurisocial, já que abrange muitas sociedades diferentes que
convivem ao mesmo tempo, e muitas vezes no mesmo espaço. Ela
conhece a complexidade que é falar sobre o Brasil, por ser um
continente gigantesco com experiências muito diversas mesmo na
sua formação socioeconômica e sociocultural (como descreve
Darcy Ribeiro).
Apesar de a nação reconhecer-se como brasileira (por conta da
língua que nos une, e do sentimento de “ser brasileiro”), o país
cujas dimensões são continentais, é tão diverso (não só
regionalmente, mas no interior das regiões também, por si só
muito diversas) e capaz de abrigar tantas culturas, tradições,
formas de falar e de pensar, que parece estranho, em um primeiro
momento, afirmar a existência de uma “entidade nacional”, como
foi designada por Darcy Ribeiro, ou uma “entidade Brasil”, como
nomeou José Miguel Wisnik.
No entanto, essa noção torna-se compreensível quando se sabe e
se aceita que a origem do povo dá-se através das mesmas
matrizes oriundas da combinação de três etnias primárias
(indígena, europeia e africana) cujas misturas, posteriormente,
culminaram na gênese de novas matrizes (como a combinação
entre mestiços, por exemplo) e também pelo fato de a língua falada ou escrita – ser sempre a mesma de norte a sul do país,
apesar das variações de sotaques e algumas expressões
regionais. Entendendo este conceito amplo, considera-se, neste
27
INTRODUÇÃO
estudo, que “brasilidade” se refere à complexidade de matrizes
que se reúne para formar a identidade nacional, a cultura
brasileira.
Segundo Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein em
Brasil: arquiteturas após 1950 (2011), a identidade da arquitetura
nacional concretiza-se, de fato, somente a partir da década de
1960. Afirmam que a ”arquitetura brasileira” pré e pós-Brasília são
distintas, no entanto, as autoras indagam-se se não seria mais
interessante analisar a fundo essas discrepâncias do que apenas
julgá-las, ou pior ainda, negá-las. E questionam o leitor, instigandoo a responder algumas questões: “o que era, e o que passa a ser,
a ‘arquitetura brasileira’, antes e depois de Brasília?” e “como
outras tendências presentes num momento imediatamente
anterior (...), puderam servir de instrumento para ativar a
transformação da ‘brasilidade’ em arquitetura, colaborando na sua
transformação?”. (BASTOS; ZEIN, 2011, p.52. O grifo é nosso).
Sobre estas interrogações, as autoras ensaiam possíveis
respostas:
Aceitamos, como princípio, que a “identidade” é sempre
uma construção interessada, e nunca um absoluto
imutável. Portanto, necessariamente ela será posta em
questão pelo menos uma vez a cada geração, encontrando,
a cada oportunidade, respostas distintas – até porque, de
fato, tudo mudou, inclusive o passado (ou, ao menos, o
recorte que cada momento histórico prefere realizar sobre o
passado). Não há, portanto uma essência imutável de
“brasilidade”, inata, a ser revelada – mas apenas e sempre,
“brasilidades”, configuradas conforme mudam os tempos e
as vontades. (BASTOS; ZEIN, 2011, p.52. O grifo é nosso.)
Apresentado os pontos de vista de autores de diversas áreas
acerca do tema “brasilidade”, vê-se que ele não é um conceito
unânime, nem tampouco permanente, mas sim um termo
complexo em constante mutação.
Considera-se a complexidade e a transitoriedade do tema
“brasilidade”, sem abdicar de reconhecer no recorte da produção
do escritório estabelecido pela pesquisa um traço de identidade
profissional possível de ser associado a uma concepção de
28
INTRODUÇÃO
identidade cultural ou identidade regional, visto que o estudo
prioriza o vínculo entre a arquitetura e sua dimensão humana e
cultural. O termo será aqui empregado com o sentido de “busca
pela valorização” e maior “representação da cultura brasileira”.
O mesmo raciocínio utilizado por Darcy Ribeiro para entender a
construção da identidade nacional, já mencionado anteriormente,
será empregado, nesta pesquisa, para compreender a formação
da personalidade profissional do Brasil Arquitetura. Os textos e
projetos selecionados como objetos de estudo indicam que há um
cruzamento
de
referências,
matrizes
e
influências.
Essa
intersecção de relações conforma uma teia que se estabelece no
convívio profissional e por meio das afinidades que se consolidam
com base em princípios e parâmetros conceituais que se repetem.
Investiga-se, assim, a teia de relações presente na ação
arquitetônica contemporânea do Brasil Arquitetura a partir da
aparição de importantes elementos da arquitetura mundial, e,
especialmente da frequente presença de três autoridades da
arquitetura brasileira identificadas como influências-chave na
trajetória do escritório: o “conjunto LLL”14: Lina Bo Bardi (19141992), João da Gama Filgueiras Lima, o Lelé (1932-2014) e Lucio
Costa (1902-1998), descritos não por ordem hierárquica, mas sim,
por razão estratégica de metodologia de pesquisa.
Segundo Antônio Risério (em FERRAZ, 2011), essa prestigiosa
trilogia deixa como legado à obra do Brasil Arquitetura três
disposições-chaves:
1. o valor da “ressemantização” das construções, vinda da síntese
entre paradoxos como o racionalismo moderno e a arquitetura
vernacular, o desenho industrial e o artesanato, e a relação
linabobardiana entre arquitetura e sociedade, ou seja,
sua
“vivência antropológica” que une o usuário ao contexto cultural no
qual se insere;
Termo apresentado por Antonio Risério na introdução de Arquitetura Conversável
(2011), p. 13, para destacar a forte influência de Lina Bo Bardi, Lucio Costa e João
Filgueiras Lima (Lelé) na produção arquitetônica do escritório Brasil Arquitetura.
14
29
INTRODUÇÃO
2. a consideração atenta à “honestidade construtiva” comumente
nomeada como “rigor técnico” ou “apuro técnico”, marca
registrada de Lelé;
3. o colóquio entre a “tradição e a invenção”, graças ao
entusiasmo que Lucio Costa trazia tanto pela arquitetura colonial
quanto pelo o modernismo brasileiro, bem como seu legado no
campo do patrimônio arquitetônico.
É fundamental enfatizar aqui que, após a banca de qualificação
desta pesquisa, prevaleceu o entendimento de que seria essencial
ampliar o leque das influências para a construção da identidade
do escritório, sendo necessário mencionar: Vilanova Artigas e Le
Corbusier, figuras de destaque na matriz racional e moderna da
formação propagada pela FAU-USP; Joaquim Guedes, que além de
ter sido docente no período de formação de Fanucci e Ferraz, foi
também quem lhes apresentou Alvar Aalto (destaca-se a
proximidade com Fanucci, enquanto o jovem estagiou em seu
escritório); Lina Bo Bardi, quando lhes mostra a importância de
direcionar o olhar para a cultura do país, além de fazê-los perceber
arquitetos como Louis Kahn e Luís Barragán que, “mesmo sendo
modernos e internacionais, também explicitam em suas obras a
sua cultura e as suas origens” (FERRAZ, 2011, p. 30); Álvaro Siza
por questões de afinidade: “(...) Também Siza (...) volta-se para a
cultura artesanal, dentro de uma perspectiva industrial, de
modernidade tecnológica. Estabelecem diálogos entre arquitetura
e mundo natural (...)” (RISÉRIO em FERRAZ, 2011, p. 10), e tantos
outros que serão apresentados durante o desenvolvimento deste
trabalho.
Interessa, assim, à pesquisa entender como o conjunto dessas
afinidades eletivas colaborou para o amadurecimento e a
construção da identidade do escritório e como elas refletem não
apenas no modo de pensar/agir da dupla, mas também na
produção técnica, a partir do estudo de três obras selecionadas.
Convém, entretanto, esclarecer que mais do que esgotar esses
30
INTRODUÇÃO
laços de afinidade, este trabalho tem a intenção de insinuar
algumas convergências, registrar pontos de contato.
Assim como é extenso o Brasil é extenso e complexo o trabalho do
Brasil Arquitetura que, apesar de sempre levar em conta e
especificidades de cada contexto (físico, cultural, socioeconômico)
ou de cada programa, busca uma matriz que determina sua
identidade única, repleta de menções à brasilidade e à cultura
brasileira.
A pesquisa propõe, então, entender como essa respeitável
identidade foi se delineando e se pode ser considerada
consolidada. Para atingir este objetivo, a estrutura do trabalho
está organizada em três capítulos 15.
O primeiro capítulo, intitulado “Princípios e conjecturas”, trará um
panorama da constituição inicial do escritório em 1979, quando
Marcelo Suzuki também era sócio, mas se deterá mais
detalhadamente à sua atual formação, que desde 1995 vem
sendo liderado pelos arquitetos mineiros – Francisco Fanucci e
Marcelo Ferraz –, sobre os quais faremos um breve relato de seus
tempos como estudantes da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo), bem como sobre os
estágios que fizeram durante esse período e suas importantes
parcerias paralelas que perduram até os dias de hoje, como é o
caso da que mantêm com o arquiteto André Vainer.
Delineando o percurso dos arquitetos, ainda nesta parte do
trabalho,
serão
abordadas
as
afinidades
arquitetônicas
identificadas pelos arquitetos como referências elementares para
Antes da banca de qualificação em 21 de março de 2016, a estrutura do trabalho
estava organizada em três capítulos, sendo cada um deles dedicado à uma das três
aproximações/influências identificadas por Antônio Risério como o “conjunto LLL”: Lina
Bo Bardi, Lucio Costa e Lelé (em FERRAZ, 2011, p.13), onde apresentava-se o estudo de
três projetos selecionados como estudo de caso. Agora, considerando os pertinentes
comentários dos membros da banca, julgou-se mais apropriado organizar a pesquisa em
blocos que sejam mais coerentes com o objetivo final do trabalho, que é o de entender a
identidade do conjunto da obra do Brasil Arquitetura como um todo e não desmembrar
as influências e as obras como recortes tão demarcados, analisados a partir de
parâmetros distintos.
15
31
INTRODUÇÃO
a construção da personalidade do escritório, bem como as
influências do campo ampliado da arquitetura como a antropologia
de Darcy Ribeiro, a partir de Isa Grinspum Ferraz, (quem pode ser
lida como discípula de Ribeiro por ter trabalhado diretamente com
ele, da mesma forma pela qual Ferraz é visto por sua vivência com
Lina Bo Bardi).
A bibliografia utilizada está alicerçada especialmente em três
principais referências bibliográficas: a publicação “Francisco
Fanucci Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura”, como panorama geral
da produção do escritório até 2005 (ano em que o livro foi
publicado pela editora paulista Cosac Naify; o livro “Arquitetura
Conversável” (editado pela Azougue em 2011), que reúne artigos
publicados de Marcelo Ferraz sobre assuntos diversos como: o
papel do arquiteto, a cidade, os espaços culturais e a
compreensão
de
patrimônio,
temas
fundamentais
para
compreender suas inquietações, considera-se como fonte primária
os textos dos memoriais dos três projetos selecionados, além do
segundo volume da pesquisa de mestrado de Patrícia Nahas, cuja
relevância principal para esta pesquisa está na elaboração de
fichas de estudo dos projetos, importantes16 entrevistas e
depoimentos dos próprios arquitetos envolvidos.
Buscou-se argumentar a respeito das possíveis aproximações e do
grau de influência das referências que serão apresentadas, a
partir da leitura das versões em português dos livros do crítico de
arquitetura Josep Maria Montaner: “A modernidade superada:
arquitetura, arte e pensamento do século XX” (2001); “Arquitetura
e crítica” (2007); e “Arquitetura e crítica na América Latina”
(2014).
A dissertação de mestrado de Patrícia Nahas, intitulada de Brasil Arquitetura: memória
e contemporaneidade. Um percurso do SESC Pompéia ao Museu o Pão (1977 – 2008),
foi orientada pelo arquiteto Abílio Guerra dentro do Programa de Pós-graduação da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, com bolsa FAPESP. A defesa ocorreu em 2008
com participação da Profª Drª Ruth Verde Zein e da Profª Drª Silvana Barbosa Rubino.
Patrícia Nahas foi capaz de reunir declarações de André Vainer, Marcelo Suzuki, Emanoel
Araújo, Murilo Ribeiro, Eulâmpia Reiber, Raul Pereira, peças fundamentais para o início
da trajetória do Brasil Arquitetura.
16
32
INTRODUÇÃO
A lógica de encadeamento da pesquisa pede que primeiro sejam
estabelecidos os parâmetros das referências gerais (como será
feito no capítulo um deste caderno), para então apresentar os
estudos de caso. Dessa maneira, o segundo capítulo, nomeado
como “Projetos e contexto”, apresentará o estudo dos três projetos
eleitos como objeto de análise por representarem a aplicação dos
princípios gerais a quadros específicos. As realidades concretas
são aqui representadas pelos condicionantes físicos, regionais, e
pela especificidade do programa arquitetônico elaborado, em cada
um dos casos analisados: o Cais do Sertão Luiz Gonzaga (Recife –
PE); o Museu do Pão (Ilópolis-RS); o Terminal Rodoferroviário
(Santo André – SP), cuja análise terá como referência básica o
conjunto de desenhos e textos presentes no site oficial do
escritório sobre os projetos eleitos. Entende-se que essas três
intervenções arquitetônicas reúnem os aspectos mais marcantes
do percurso aqui investigado: buscam a valorização de seu
contexto inicial, seja um sítio histórico, um edifício preexistente ou
uma cidade; são reconhecidas pela coerência entre a técnica e a
materialidade com as quais foram construídas; por fim, enaltecem
os três parâmetros elementares presentes na obra do Brasil
Arquitetura supramencionados. Dessa maneira, serão avaliados:
1. “a capacidade de olhar para o passado e o futuro” buscando a
relação novo/existente na implantação;
2. o “olhar antropológico” analisado no programa arquitetônico
proposto pelos arquitetos;
3. o “rigor técnico” com o qual foi concebido o sistema
construtivo.
O terceiro capítulo da pesquisa batizado como “Síntese e herança”
terá a função de fazer a amarração entre as relações
apresentadas nos capítulos anteriores e de compendiar o que
delas ficou marcado como essência do Brasil Arquitetura e,
admitindo que não sejam apenas desdobramentos de outras
personalidades, identificar qual é o pensamento próprio dos sócios
majoritários; qual a contribuição deles para a construção de outras
33
INTRODUÇÃO
trajetórias; e quais peculiaridades contribuem para delinear na
arquitetura contemporânea brasileira, ou seja, quais elementos
deixarão como matriz para a constituição de novos pensamentos
da nova arquitetura brasileira que será produzida nas próximas
décadas. Não se tem a pretensão, com este capítulo, de prefigurar
uma arquitetura futura. O que se esboça aqui é uma tentativa de
registrar rastros possíveis de serem seguidos em um percurso que
ainda está por vir.
Ao retomar a epígrafe deste estudo, que é também a introdução
do trabalho do Brasil Arquitetura em seu site oficial e está na
contracapa de “Arquitetura Conversável”, a qual enfatiza a
intenção dos arquitetos em encontrar uma “arquitetura criada a
partir de profunda conexão com as bases culturais de cada lugar e
protagonistas”, tem-se mais um argumento sobre o que se diz
respeito à importância dada às “dimensões humanas” de seu
trabalho. E essa dimensão humana nada mais é do que a
preocupação em criar espaços usados pelo homem “real”, em
contraposição ao “homem ideal” (tão presente na arquitetura
moderna), do ponto de vista de atender às necessidades de cada
um, ao mesmo tempo em que visa atender às necessidades de
todos.
34
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Nem todas as culturas são ricas, nem todas são herdeiras
diretas de grandes sedimentações. Cavocar profundamente
numa civilização, a mais simples, a mais pobre, chegar até
suas raízes populares, é compreender a história de um país.
E um país cuja base está a cultura do povo é um país de
enormes possibilidades.17
Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz são ambos nascidos na
primeira metade da década de 1950 em cidades do interior de
Minas Gerais, distantes cerca de cento e cinquenta quilômetros
uma da outra.
Aos dezenove anos de idade, mudam-se para a capital paulista
para ingressar no curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (FAU USP). Os anos de diferença no
ingresso do curso (Francisco Fanucci inicia o curso em 1971 e
Marcelo Ferraz em 1974) determinou uma significativa diferença
nas grades curriculares e no corpo docente, o que, por
conseguinte, possibilitou a formação de dois indivíduos com
vivências,
posições
e
opiniões
distintas,
ainda
que
complementares, já que a dupla comanda há quase quatro
décadas um dos escritórios mais sólidos da arquitetura
contemporânea brasileira: o Brasil Arquitetura.
A trajetória traçada pelo Brasil Arquitetura ao longo dos
mais de 30 anos de atuação insere a obra do escritório com
relativo destaque na produção arquitetônica brasileira
atual. A revisão do percurso dos arquitetos mostra que os
primeiros projetos estão presos ao ideário propagado na
FAU no momento em que eram estudantes. Com o decorrer
do tempo e após a assimilação de novas referências, o
Brasil Arquitetura vai construindo uma linguagem
arquitetônica própria. (NAHAS, 2010)
Depois de formados, em 1979, fundam em conjunto com Marcelo
Suzuki, colega de turma de Marcelo Ferraz na FAU-USP, o Brasil
Arquitetura, e seus primeiros projetos são: o “Paço Municipal de
Cambuí”, a “Casa Cambuí”, ambos na cidade natal de Francisco; a
“Vila Operária Grisbi”, em Pirapora (MG); a “Grisbi Indústrias
Texto extraído do artigo de Lina Bo Bardi: “Pequenos cacos, fiapos e restos de
civilizações”. Em “A Tarde Cultural”. Salvador, Bahia , em 23 de Outubro 1993 (texto
original de 1980). Apud: COSULICH, Roberta de Marchis. Lina Bo Bardi. Do Préartesanato ao Design. Disponível em:
http://www.docomomobahia.org/linabobardi_50/19.pdf. Acesso 10 fevereiro 2016.
17
35
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Têxteis”, na Bahia (Figura 01).
Figura 01: Primeiros projetos: Paço Municipal de Cambuí, Casa Cambuí e Grisbi
Indústrias Têxteis. Brasil Arquitetura com sua formação inicial: Francisco Fanucci,
Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki. Fonte: Site oficial do escritório.
Acesso em 19 junho 2016.
Em 1986, a Marcenaria Baraúna (Figura 02), em homenagem à
“árvore mais forte do sertão”18, é instituída iniciando o trabalho
paralelo com design de mobiliário e objetos em madeira, como
uma “extensão do escritório”, conforme comentário de Lelé:
A explicação sobre a opção de “Baraúna” para a nomeação da marcenaria está em:
“Tempos de Grossura” (BARDI, LINA BO; INSTITUTO LINA BO E P. M. BARDI. Tempos de
grossura: o design no impasse. São Paulo, SP: Instituto Lina Bo & P.M. Bardi, 1994, p.
40). De acordo com o site oficial da marcenaria, a “Baraúna busca conciliar a qualidade
na produção com um desenho contemporâneo e funcional, produzindo móveis e
acessórios de linhas simples e retas, executados em madeira maciça e compensado
naval. (...) Utiliza-se de processos de produção artesanal, com técnicas especiais de
manuseio de madeiras com acabamentos naturais que revelam sua textura e cores”. A
relação dos arquitetos com a escala do mobiliário será desenvolvida futuramente em um
artigo.
18
36
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
O saudável interesse em participar intensamente de todo o
processo construtivo se revela na preocupação do grupo em
manter a Marcenaria Baraúna como uma extensão do
escritório, no qual os arquitetos se exercitam na concepção
e produção de mobiliário19.
Figura 02: A primeira sede da Baraúna na Rua Delfina, em 1986. O primeiro
encarregado foi Adelino Rubio, que trabalhara no SESC Pompeia. Fonte:
Página do Facebook Marcenaria Baraúna. Acesso 04 julho 2016.
As primeiras peças desenvolvidas pela Baraúna são consideradas
até os dias atuais como emblemáticas por especialistas em
design: as cadeiras Girafa e Frei Egídio, projetadas por Ferraz e
Suzuki em parceira com a arquiteta Lina Bo Bardi em 1987 e o
“Caipira”, que se trata de uma releitura feita por Fanucci em 1988
(Figura 03).
Figura 03: Respectivamente: Cadeiras Girafa e Frei Egídio, e o banquinho
Caipira Fonte: Site oficial da marcenaria. Acesso em 19 junho 2016.
Trecho da apresentação de Lelé em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p.
9, na qual o arquiteto carioca manifesta sua admiração pela obra dos jovens arquitetos:
“Hoje, decorridos cerca de vinte anos desse episódio, fico feliz ao examinar o conjunto
magnífico de obras do Brasil Arquitetura [...] sempre impregnada de uma atmosfera
muito brasileira”.
19
37
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Anos mais tarde, em 1995, Marcelo Suzuki deixa a sociedade de
ambos os projetos (escritório e marcenaria), mas retorna ao
escritório dez anos mais tarde onde permanece por mais alguns
anos. Atualmente não faz parte da equipe e lidera escritório
próprio, o “Marcelo Suzuki Arquitetura e Urbanismo” desde 2009,
mas constantemente colabora com a dupla em projetos paralelos,
especialmente naqueles que dizem respeito à arquiteta Lina Bo
Bardi, já que também trabalhou com a arquiteta e é considerado
um de seus discípulos. Formou-se Doutor pela FAU USP em 2010
com tese intitulada de “Lina e Lucio” e desde então é docente do
IAU-São Carlos.
André Vainer, mesmo sem nunca ter se associado ao escritório é
também um importante colaborador desde os tempos da FAU-USP,
onde formou-se arquiteto no mesmo ano de Marcelo Ferraz, quem,
um mês após iniciar seu estágio nas obras do SESC Fábrica da
Pompéia, indicou o amigo para também colaborar com Lina Bo
Bardi. Em 1995 assinou junto ao trio do Brasil Arquitetura e à
Roserval Guitarrari o projeto do “Teatro Polytheama” em Jundiaí.
Devido à vasta experiência que teve com Lina Bo Bardi, é
frequente também a parceria com Marcelo Ferraz em publicações,
como Cidadela da Liberdade” (1999), palestras e curadoria de
exposições, como aconteceu recentemente na mostra “A
arquitetura política de Lina Bo Bardi” apresentada no SESC
Pompéia em 2014. Atualmente Vainer é titular do escritório André
Vainer Arquitetos e professor da Escola da Cidade e realizam
juntos a reforma do SESC Pompeia.
No decorrer do relato de pesquisa aparecerão comentários sobre
as parcerias20 anteriormente descritas, no entanto, a pesquisa se
A parceria entre Marcelo Ferraz e seus colegas de formação André Vainer e Marcelo
Suzuki tem se repetido pelo menos uma vez em cada década, começando por 1978 no
Concurso de Projetos para o Paço Municipal de Cambuí (MG), desenvolvido em equipe
composta também por Marcelo Suzuki, que também particiou da Revitalização e
Recuperação do Centro Histórico de Salvador (1986/1990); no projeto para a nova sede
da PMSP em 1991/1992 com Suzuki e André Vainer ambos parceiros do Projeto para o
Museu da Cidade, no Parque Dom Pedro em 2003. Na década de 2010, Marcelo Ferraz
e André Vainer devenvolveram diversos trabalhos em celebração ao centenário de
nascimento de Lina Bo Bardi, como foi o caso da exposição “A arquitetura política de
Lina Bo Bardi” no SESC Pompeia em 2014.
20
38
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
deterá com maiores detalhes, na formação dos dois atuais sócios:
Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, com o objetivo de
compreender como a trajetória dos dois se complementou a ponto
de gerar uma identidade própria, comprovada pelo conjunto de
trabalho desenvolvido pelo escritório.
Nascido em Cambuí, interior paulista, em 1952, Francisco
Fanucci21 iniciou os estudos na FAU USP em 1971, formando-se
arquiteto em 1977, na mesma turma de José Luiz Telles dos
Santos, Luiz Espallargas e Ruth Verde Zein, apresentando como
Trabalho de Graduação Interdisciplinar (TGI) um projeto para a
Metrópole de São Paulo, que ele mesmo se refere como um “TGI
coletivo”22, que perdurou por cerca de três anos, sob orientação
de José Claudio Gomes, Júlio Katinsky (com quem Francisco
Fanucci estagiou em 1975) e Edgar Dente. As imagens do acervo
particular
do
colega
Jose
Calazans
mostram
etapas,
provavelmente preliminares desse estudo (Figura 04).
“As informações a respeito do histórico de formação do arquiteto Francisco Fanucci
foram retiradas do volume II da dissertação de mestrado de Patrícia Nahas. Os dados
sobre as disciplinas cursadas estão no “Anexo 3 – Formação na FAU USP: 3.1. Turma de
Formandos e 3.2. Disciplinas cursadas” (pp. 605-616). Sobre o TGI, as informações
foram extraídas da entrevista realizada pela arquiteta com Fanucci (pp.555-557). Os
dados da vida profissional foram extraídos das informações disponíveis em CALDEIRA;
FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, pp.200-201. O levantamento desses dados foi
reorganizado pela autora e gerou duas tabelas (Formação na FAU e Vida Profissional)
desta pesquisa e incluídas nos anexos deste caderno.
21
“TGI coletivo”: Essa expressão foi utilizada pelo próprio Francisco Fanucci, em
entrevista à Patrícia Nahas, para sua dissertação de mestrado em 2008. Segundo ele, o
grupo era composto por José Fábio Calazans, José Rollemberg de Mello Filho (Zico) e o
José Geraldo Martins de Oliveira. Em conversa com a arquiteta, explica que “(...) havia
uma premissa de que uma metrópole (com as dimensões, a diversidade de sítios, de
topografia, com a complexidade de suas relações internas), como São Paulo poderia (e
deveria) se organizar em torno de alguma ideia de centralidade, (...). Não poderia ser um
amontoado, um subproduto de fluxos ligados à produção, à conurbação de várias
cidades, em que todas perdem suas características para compor um pastiche, uma
maionese urbana mal misturada e cortada por autopistas sempre insuficientes para
absorver os carros que, a cada dia, são mais e mais (...)”.
22
39
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Figura 04: Croquis da proposta para TGI de Francisco Fanucci. Fonte: Acervo
particular de José Calazans, retirado do volume II da dissertação de
Mestrado de Patrícia NAHAS, 2008, p.556.
(...) Eram centenas de desenhos, mapas, textos, croquis,
tudo relativamente desorganizado, como uma casa bem
bagunçada, tudo devidamente espalhado sobre as mesas e
as paredes. Trabalho em aberto, apontando para muitas
direções. Assim foi. O Calazans tentou me convencer a
continuar, a batalhar uma bolsa da FAPESP, ou outra, pra
continuarmos como mestrado, talvez. Pra mim não deu, já
estavam aparecendo alguns trabalhos com o Marcelo e o
Suzuki, estávamos começando o nosso escritório. O
Calazans continuou, isso era em 1978, e (heroicamente)
apresentou seu lindo mestrado cerca de quase 30 anos
depois.” (FANUCCI, em NAHAS, 2008, pp. 555-556).
Talvez a opção por um trabalho final tão complexo e com tema de
urbanização se deva muito à sua grade curricular, a qual incluía,
diferentemente da cursada por Marcelo Ferraz, disciplinas como
“Programação Visual e Arquitetura do Século XX”, “Arte e
industrialização
no
mundo
contemporâneo”,
“Métodos
quantitativos e análise de sistemas”, “História da técnica no
Brasil”, “Capitalismo e planejamento”.
Em seu primeiro ano como arquiteto, Fanucci trabalhou no
escritório de Abraão Sanovicz, que também havia sido seu
professor na FAU USP na cadeira de projeto de edificações,
40
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
deixando esse escritório para trabalhar com Joaquim Guedes 23,
que também foi professor deles na FAU e que, apesar de ser
discípulo de Vilanova Artigas, “tinha um discurso mais dissidente
que falava meio solitariamente de Aalto” (FANUCCI, em NAHAS,
2008, p. 506), – provavelmente a influência de Alvar Aalto na obra
do Brasil Arquitetura muito se deve a essa aproximação inicial
feita por Guedes – com quem colabora até fundar o Brasil
Arquitetura S/C Ltda, junto aos parceiros e sócios, os Marcelos,
Ferraz e Suzuki.
A partir de 1980, começa a trabalhar na empresa Eplanco
Engenharia de Planejamento S/C Ltda., onde realiza diversos
projetos de lojas, agências bancárias, indústrias, etc, onde fica até
1983, quando passa a se dedicar apenas aos projetos de seu
escritório próprio, o Brasil Arquitetura, à Marcenaria Baraúna, aos
concursos de Arquitetura e à atividade como docente – na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Braz
Cubas (em Mogi das Cruzes), de 1993 a 1995, voltando a lecionar
em 2002 na Escola da Cidade (São Paulo), da qual é sócio
fundador e faz parte do corpo docente até hoje.
Marcelo Ferraz24 nasceu em 1955 na cidade mineira de Carmo de
Minas e ingressou no curso de Arquitetura e Urbanismo da
Joaquim Guedes (1932-2008), cujo mérito está em ser um exímio construtor, e já em
suas primeiras obras, na década de 1950 “(...) explorava com afinco o racionalismo dos
espaços e da construção (...) (BELLEZA, 2008). Apesar de ser um arquiteto paulista,
formado pela FAU-USP 1954, era considerado “exceção no meio da arquitetura
paulistana, Guedes mantém contatos internacionais e, ao mesmo tempo, é convidado
para atividades em escolas no exterior. Por isso está sempre informado - e inconformado
- com discussões e teorias, nas épocas em que o sentido de sobrevivência recomenda
resistência, mesmo descaso, ao estrangeiro. Essa vantagem, ou essa oposição, parece
alimentar constante atrito com ideias locais e talvez acentue sua inclinação beligerante.
Sua experiência profissional conta diversos planos urbanísticos além da experiência com
planejamento urbano para grandes cidades” (...). Guedes está entre os que antecipam o
projeto segundo esquemas críticos e avessos à arquitetura moderna, o que pode
explicar, em parte, tantas características excêntricas ou pessoais de seu trabalho e sua
adesão pioneira às teorias substitutas e aos arquitetos expressivos, catalogados como
organicistas. (ESPALLARGAS, 2009).
23
As informações a respeito do histórico de formação do arquiteto Marcelo Ferraz foram
retiradas do volume II da dissertação de mestrado de Patrícia Nahas. Os dados sobre as
disciplinas cursadas estão no “Anexo 3 – Formação na FAU USP: 3.1. Turma de
Formandos e 3.2. Disciplinas cursadas” (pp. 605-616). Sobre o TGI, foram extraídos da
entrevista realizada pela arquiteta com Ferraz (p. 557). Os dados da vida profissional
disponíveis em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, pp.200-201.
O
levantamento desses dados foi esquematizado pela autora desta pesquisa e gerou duas
tabelas (Formação na FAU e Vida Profissional) incluídas nos anexos deste caderno.
24
41
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Universidade de São Paulo (FAU USP) em 1974, quando estudou
(diferentemente de Fanucci) disciplinas como “Fundamentos
Sociais da Arquitetura e Urbanismo”, “Introdução aos Estudos da
População”, “Estudos dos problemas brasileiros” e “Produção
Cultural e Sociedade”.
Formou-se arquiteto em 1978 na mesma turma de Marcelo Aflalo,
Nabil Bonduki e Raquel Rolnik, quando apresentou como Trabalho
de Graduação Indisciplinar (TGI) um projeto de um Centro Gerador
de Cultura implantado no edifício preexistente da antiga indústria
Martins Ferreira, localizado na Lapa de Baixo.
O desenho, que faz parte do acervo pessoal de Marcelo Ferraz,
possivelmente junto a uma série de outros desenhos, traz uma
atmosfera pueril devido à sua concepção à mão com cores
intensas (Figura 05).
Figura 05: Croquis da proposta para TGI de Marcelo Ferraz para intervenção
em um edifício histórico, em 1978. Fonte: Acervo do escritório Brasil
Arquitetura, retirado do volume II da dissertação de Mestrado de Patrícia
NAHAS, 2008, p. 557.
O trabalho foi orientado por Silvio Sawaya, Claudio Gomes, e Flávio
Império, que “foi o orientador de fato”
25,
mas é possível afirmar
que sua opção por esse tema foi fortemente influenciada por seu
Expressão utilizada pelo próprio Marcelo Ferraz em entrevista à Patrícia NAHAS, para
sua dissertação de mestrado em 2008, falando sobre o SESC Pompéia.
25
42
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
estágio com Lina Bo Bardi na obra do Centro de Lazer Fábrica da
Pompéia26, que iniciou em 1977.
Fazia um ano que estava trabalhando com a Lina no SESC
Pompéia – estava completamente impactado com aquele
tipo de trabalho, aquele tipo de obra, foi uma coisa natural
– e estava descobrindo a Lapa, descobrindo a Pompéia. 27
Em entrevista à Patrícia Nahas (2008), Marcelo Ferraz declara que
há sim muito do seu aprendizado com Lina Bo Bardi no SESC
Pompeia como nas passarelas que se cruzam de um lado para
outro entre os blocos, mas ao mesmo tempo, há muito dos ideais
da FAU, como o “traçado miesiano” com divisões espaciais e
muros que não se encontram. Lembrou-se também que o Centre
Georges Pompidou havia sido inaugurado há pouco e as
tubulações e instalações à mostra que propôs tinham muito dessa
influência (FERRAZ em NAHAS, 2008, p. 258).
Ainda em 1978, vence o Concurso de Projetos para o Paço
Municipal de Cambuí (cidade natal de Francisco Fanucci) com
equipe formada pelos colegas José Sales Costa Filhos, Marcelo
Suzuki e Tâmara Roman, que se tornou anos mais tarde, o
primeiro projeto construído assinado pelo Brasil Arquitetura.
Após a conclusão das obras no SESC Fábrica da Pompeia, a
parceria com Lina Bo Bardi é mantida em diversos projetos nos
anos posteriores: Revitalização e Recuperação do Centro Histórico
de Salvador (1986-1990); Concurso Público Nacional de Projetos
de Reurbanização do Vale Anhangabaú (1981); Concurso Público
Nacional de Projetos para o Pavilhão do Brasil na Exposição
Universal de Sevilha (1991); Projeto para a Nova Sede da
Prefeitura Municipal do Município de São Paulo, no Parque Dom
Pedro (1992/1992).
Expressão utilizada pelo próprio Marcelo FERRAZ (2008) em seu artigo “Numa velha
fábrica de tambores. SESC-Pompéia comemora 25 anos”, 2008.
26
Marcelo Ferraz em entrevista à Patrícia NAHAS, para sua dissertação de mestrado em
2008.
27
43
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Participou do encontro das Cidades Patrimônio da Humanidade
em Évora (Portugal), em 1989, representando Salvador.
Foi conselheiro do Instituto Quadrante, (atual Instituto Lina Bo e P.
M. Bardi), a convite do casal Bardi, onde foi diretor executivo
responsável pela programação e produção cultural e editorial por
sete anos (1994-2001).
Publicou o livro “Arquitetura Rural na Sede da Mantiqueira” 1992,
que lhe rendeu naquele ano o prêmio de Melhor Livro de Arte pelo
Instituto dos Arquitetos do Brasil de São Paulo (IAB-SP).
Em 1993, concebeu e coordenou o projeto “Lina Bo Bardi”, livro e
documentário sobre a obra da arquiteta. O livro recebeu prêmio
pela Associação Brasileira de Tecnologia
Gráfica (1993);
Associação Paulista de Críticos de Artes (1993); IX Bienal de
Arquitetura do Equador (1994) e teve exposição montada em
diversas cidades do mundo: Lisboa, Barcelona, Londres, Milão,
Paris, Viena, Delft, Helsinki, Caracas, Bogotá, Buenos Aires,
Montevideo, Santiago, Chicago, Montreal, São Francisco, Cidade
do México, Macau, Hong Kong, Quito, Berlim, Munique,
Copenhague, Arhus e Zurique e também nas maiores cidades
brasileiras: Salvador, Fortaleza, Campinas, Ribeirão Preto, Olinda,
Natal, Maceió, Florianópolis, Porto Alegre, Uberlândia, Brasília,
Belo Horizonte, Vitória, Londrina, Campo Grande, Caxias do Sul e
Goiânia.
Um ano mais tarde iniciou suas atividades como docente na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Braz
Cubas em Mogi das Cruzes (SP), foi professor convidado na
Universidade de Washington (Sant Louis) em 2006, e começou a
ministrar aulas no curso de graduação da Escola de Cidade em
São Paulo, onde atualmente faz parte do corpo docente do curso
de pós-graduação “Geografia, Cidade e Arquitetura”.
Ferraz também foi responsável ao longo desses anos por diversas
curadorias entre outras, para as exposições: “Mies van der Rohe”
e “P.M. Bardi e sua arquitetura”, ambas para a IV Bienal de
44
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Arquitetura de São Paulo (1999); “Centenário de P. M Bardi” que
além de exposições culminou também em um documentário e em
duas publicações (2000); “O design do impasse” e “Amilcar de
Castro”, em 2001, na Pinacoteca do Estado de São Paulo; “Estudo
para o Museu do Inconsciente” na exposição “Cultura Brasileira”
na Casa das Rosas (2001); e “A arquitetura Política de Lina Bo
Bardi” no Sesc Pompeia em comemoração ao centenário de
nascimento da arquiteta em 2014.
Desenvolveu também diversas atividades como participação em
conferências e debates em universidades e museus do Brasil e do
exterior e a publicação de artigos em revistas e jornais (A+U,
Architecti, Arquitetura e Urbanismo, Projeto, Folha de S. Paulo, O
Estado de São Paulo, Vitruvius, etc.) que foram reunidos, em
2011, na publicação Arquitetura Conversável, que traz a
compilação dos textos assinados pelo arquiteto com temáticas
que envolvem a ação do arquiteto, cidade, patrimônio e espaços
culturais, todos temas recorrentes na obra do Brasil Arquitetura.
Dessa maneira, cumprindo a missão de apresentar um breve
panorama a respeito das trajetórias pessoais de Francisco Fanucci
e Marcelo Ferraz, atuais sócios do Brasil Arquitetura, foco desta
pesquisa, é possível perceber o quão rica e variada foi sua
experiência profissional, abrangendo diversas atividades como o
campo editorial, a expografia, a docência, etc.
O Brasil Arquitetura, entidade formada a partir da união da
vivência de Fanucci e Ferraz, foi vencedor de diversos concursos
de projetos, teve projetos premiados, menção honrosa em
concursos de projetos, participou de muitas exposições, e publicou
o livro em 2005 “Francisco Fanucci Marcelo Ferraz – Brasil
Arquitetura”, como retrospectiva da produção, em comemoração
aos 26 anos do escritório. Atualmente, em entrevista concedida
para a autora do presente estudo, declararam que há a intenção
de produzir uma nova publicação com os projetos de 2005 em
diante, e que provavelmente será lançado em breve. Para registrar
45
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
mais detalhes a respeito das conquistas citadas acima, foram
incluídas tabelas nos anexos deste volume.
Marcelo Ferraz, comunicativo é não apenas porta-voz do escritório
perante o público, mas também em relação aos pares. Uma figura
capaz de transitar por diversas áreas sem sentir desconforto,
como a organização e curadoria de exposições, a condução e
liderança de entidades como o Instituto Lina Bo e P. M. Bardi e o
Programa Monumenta, além de viabilizar contatos e negociações
com representantes das esferas públicas de modo a construir um
diálogo favorável para a concretização de propostas e definição de
programas arquitetônicos lúdicos e pertinentes. Do outro lado,
está Francisco Fanucci, mais introspectivo que o seu sócio, e por
sua personalidade distinta permite que Ferraz afaste-se da
prancheta para buscar novos projetos e parcerias, sabendo que
seu parceiro está coordenando a equipe e, acima de tudo,
cuidando para que tudo permaneça sob controle. E é assim que o
Brasil Arquitetura se constitui: com dois indivíduos distintos, cuja
disparidade talvez seja o elemento-chave para a bem sucedida
performance desse escritório.
Admitindo a distinção já descrita entre as experiências vividas por
Fanucci e Ferraz, serão apresentadas, a seguir, referências
arquitetônicas tidas como elementares para a solidificação e
consistência
da
obra
do
Brasil
Arquitetura
destacando,
primeiramente as afinidades eletivas oriundas “conjunto LLL”
(RISÉRIO, em FERRAZ, 2011, p. 13), mencionado na introdução
deste trabalho, organizadas da seguinte forma:

Marcelo Ferraz, principal colaborador de Lina Bo Bardi por
quinze anos (1977/1992), aquele que esteve por mais tempo, e
mais próximo a ela, preencheu a atmosfera do escritório Brasil
Arquitetura com todos os anseios compartilhados com a arquiteta
a respeito das pessoas/dos usuários, da cultura brasileira e das
particularidades que cada projeto necessita: olhar antropológico.
46
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS

Francisco Fanucci traz na trajetória a vivência profissional
absorvida durante os períodos em que foi estagiário dos arquitetos
Júlio Roberto Katinsky (1975) e Abraão Sanovicz (1977/1978) e
como arquiteto, durante seu primeiro ano de formado, a
experiência do escritório do arquiteto Joaquim Guedes. De
maneira que, a união de todos esses importantes nomes da
arquitetura
brasileira
sugerem
uma
preocupação
com
o
enfrentamento das questões técnicas, construtivas, que envolvem
o exercício profissional, mais adiante confirmada com a ligação
com Lelé. A importância dada a todas as etapas do processo
construtivo, o rigor técnico, podem ser associados a essa
aprendizado comum.

Lucio Costa, a terceira personagem envolvida na trilogia LLL,
apareceu de fato como referência importante nos projetos do
Brasil Arquitetura após a maturidade de seu trabalho e aparecerá
como
referência
base
dos
projetos
de
intervenção
em
preexistências de interesse patrimonial: a capacidade de olhar
para o passado e futuro simultaneamente.
Isso posto, segundo Marcelo Ferraz, o grande aprendizado que o
convívio diário com a Lina Bo Bardi de 1978, desde as obras do
SESC Fábrica da Pompéia, até a morte da arquiteta em 1992 e,
por conseguinte, o maior legado deixado por Lina Bo Bardi para a
obra do Brasil Arquitetura foi o seu “olhar antropológico” (FERRAZ,
2011, p.70), ou seja, a aproximação entre arquitetura e cultura e a
valorização da cultura brasileira, marcas da arquitetura de Lina Bo
Bardi.
Antes de procurar identificar como essas questões influenciam a
produção do escritório Brasil Arquitetura, é importante definir o
conceito:
an.tro.po.lo.gi.a sf ciência do homem no sentido mais lato,
que engloba origens, evolução, desenvolvimentos físico,
material e cultural, fisiologia, psicologia, características
raciais, costumes sociais, crenças etc. Locuções: a.
cultural a que trata do estudo da cultura do homem em
todos os seus aspectos, servindo-se, assim, de dados e
conceitos próprios de diversas outras ciências, como a
47
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
arqueologia, a etnologia, a etnografia, a linguística, a
sociologia, a economia etc.; a. física a que estuda a origem
e a evolução biológica da humanidade e as diversidades
raciais de seus subgrupos; a. social a que se ocupa do
estudo da estrutura social de sociedades iletradas; a.
urbana abordagem antropológica da organização social
urbana.28
Inicia-se assim a tentativa de compreender quais motivações
antropológicas estão presentes na arquitetura de Lina Bo Bardi. A
princípio, assinala-se a sua condição de imigrante, que lhe
possibilitava exercitar seu olhar estrangeiro, um ponto vital para o
desenvolvimento de seu interesse pela diversidade cultural:
Naturalizei-me brasileira. Quando a gente nasce, não
escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi
este lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas
vezes, é minha “Pátria de Escolha”, e eu me sinto cidadão
de todas as cidades, desde o Cariri, ao Triângulo Mineiro, às
Cidades do Interior e às da Fronteira. (BARDI; FERRAZ,
1993, p. 12)
Em seu texto “Cultura e não cultura”, republicado em “Lina por
escrito”, a arquiteta reafirma o necessário entrelaçamento entre
cultura erudita e popular:
Salvaguardar ao máximo as forças genuínas do país, (...)
procurando, acima de tudo, não diminuir ou elementarizar
os problemas, apresentando-os ao povo como um alimento
insosso e desvitalizado, não eliminar uma linguagem que é
especializada e difícil mas que existe, interpretar e avaliar
estas correntes e, sobretudo, será útil lembrar as palavras
de um filósofo da práxis, ‘não se curvem ao falar com as
massas, senhores intelectuais, endireitem as costas’29. (Em
RUBINO, 2009, pp. 89-90. O grifo é nosso).
Lina Bo Bardi sugere aqui a superação da dicotomia entre cultura
letrada e iletrada, que tende a subestimar a possibilidade de
comunicação e interação entre os diferentes estratos culturais.
Com esse discurso, Lina comprova o quanto julga importante
valorizar a cultura popular e evidencia sua multidisciplinaridade.
De acordo com o Dicionário Online Houaiss (http://houaiss.uol.com.br). Acesso em 05
janeiro 2016. O grifo é nosso.
28
Publicado originalmente em “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da
vida. Arquitetura. Pintura. Escultura. Música. Artes Visuais”. Página dominical do Diário
de Notícias (Salvador, BA), n.1, 7 de setembro de 1958. O grifo é nosso, mas destaca a
anotação de Silvana Rubino em “Lina por escrito”: “Certamente, Lina refere-se aqui a
Gramsci, embora não tenhamos encontrado a referência da citação. [N.E.]” (RUBINO,
2009, p. 90).
29
48
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Marcelo Ferraz, como um dos principais herdeiros dessa cultura
arquitetônica, declara que a inteligência de Lina Bo Bardi não a
inseria em nenhuma corrente específica “(...) e também não fez
escola, no sentido formal de projetar: [mas] espalhou sementes de
pensamento (...)” (FERRAZ, 2011, p. 60), referindo-se à
disparidade entre as questões que inquietavam a arquiteta e
aqueles motes das discussões pleiteadas pela maioria dos
arquitetos daquele período.
Apesar de compreender que Lina Bardi ainda seja uma inspiração
para dupla de arquitetos em diversos aspectos, o aspecto
fundamental da narrativa nesta etapa do trabalho está calcado no
aprendizado despertado pelo convívio com Lina Bo Bardi no que se
refere especificamente à antropologia cultural, que, se é possível
assim chamar, desdobra-se em uma “antropologia arquitetônica”.
Pode-se afirmar que estuda a verdadeira escala humana: o
usuário, a partir de uma aproximação entre a produção
arquitetônica e os aspectos ligados à multidisciplinaridade que
envolvem a ciência que estuda o homem (como a arqueologia, a
etnologia, a etnografia, a linguística, a sociologia, a economia etc.)
à procura de uma identidade nacional, uma arquitetura que extrai
elementos essenciais da investigação da cultura popular.
Marcelo (FERRAZ, 2011, p. 60), recorda que a arquiteta direcionou
o “olhar para o pobre e rico Nordeste em sua criatividade e
habilidade populares; para o alegre e triste mundo caipira da
Paulistânia” e também foi responsável por apontar a “força das
diversas culturas trazidas pelos imigrantes e migrantes à
metrópole São Paulo”, o que comprova o entendimento de que a
produção arquitetônica deve ser inseparável das raízes culturais
de cada região. Uma busca pela aproximação entre arte e vida
cotidiana.
Em entrevista para a dissertação de mestrado de Patrícia Nahas
(2008), Francisco Fanucci declarou que, apesar de ter tido poucas
experiências diretas com Lina Bo Bardi, os debates que ocorriam
49
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
no ambiente de trabalho compartilhado entre Ferraz e ela, era
vivido também no escritório e na Baraúna, já que Marcelo Ferraz,
de certa maneira, trazia essas discussões para os projetos do
Brasil Arquitetura. Segundo palavras do arquiteto, Lina Bardi
colocou na pauta dos debates dos então jovens arquitetos uma
ação “muito mais universalizante”, o que lhes proporcionou
observar a arquitetura a partir de um campo ampliado; do mesmo
modo, os fez perceber a importância da cultura arquitetônica para
além das técnicas construtivas, - ainda que essas questões sejam
fundamentais também para Lina -, admitindo que é preciso atentar
também para a relação do que é proposto com o ambiente
existente: ambiente físico, social, econômico e cultural. Sua
contribuição essencial é assim sintetizada:
(...) O olhar que ela tinha para o Brasil, talvez pela
abrangência e desprendimento, nos possibilitava um foco
muito mais agudo sobre o que era a complexidade do
Brasil. Eu acho que isso foi importante para nós, era uma
forma diferente de fazer coisas. Um olhar especialmente
dedicado à vida que transcorre na arquitetura, mais do que
à arquitetura como design e construção (...). (FANUCCI em
NAHAS, 2008, p. 505)
A experiência de Marcelo Ferraz, porém, foi diferente. Em
entrevista presencial à autora desta pesquisa, realizada em 30 de
novembro de 2015 na sede do Brasil Arquitetura, o arquiteto
explicou uma frase dita em um vídeo divulgado pelo site
“Arq!Bacana” em que dizia “A FAU me formou e a Lina me
deformou”. A expressão “deformou” foi utilizada como metáfora da
desconstrução de uma forma de agir e pensar que ocorreu graças
à sua longa convivência com a arquiteta. Segundo ele, sua
experiência com Lina Bo Bardi foi uma segunda formação,
paralela, contudo, tão importante quanto a que teve em seus anos
na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São
Paulo. (Figura 06).
50
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Figura 06: Lina Bo Bardi com seu
discípulo Marcelo Ferraz, no
SESC Pompéia. Fonte: Acervo
pessoal do arquiteto.
Via Vitruvius.
Durante a mesma entrevista para a autora desta pesquisa, Ferraz
descreveu essa equivalência afirmando que houve um “encontro
muito forte entre a formação da FAU e a formação com a Lina”,
apesar de enxergar semelhanças, com que a Escola Paulista 30,
como a rigorosidade com a qual tratava a estrutura indissociandoa da concepção formal, por exemplo, muito presente nas salas de
aula da FAU, e Lina Bardi tratam seus projetos, descreve o ponto
que acredita ser mais distinto entre as duas “escolas” de sua
formação:
(...) na FAU tinha um pouco de regras e de modelos e a Lina
odiava modelos. É por isso que eu falo que ela me
deformou, ela não admitia modelos de jeito nenhum e eu
acho que isso foi uma coisa boa, se libertar de qualquer
modelo: não existe modelo, cada projeto é um projeto novo
e as coisas vão chegar em função do que você começa a
trabalhar intelectualmente em cima, e em cima daquele
novo tema, do novo desafio. E é nesse sentido que eu digo
que deformou (FERRAZ, em entrevista para este estudo, em
novembro de 2015).
Todos esses anos de convívio diário – no caso de Ferraz – e
colaboração esporádica – de Fanucci – asseguraram à dupla uma
Nos primórdios da Arquitetura Moderna Brasileira, um grupo liderado por Lucio Costa e
outros arquitetos da ENBA (Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro) como Oscar
Niemeyer, Jorge Moreira e Affonso Eduardo Reidy, entre outros formou a chamada
“Escola Carioca”. (RUBINO, Silvana. “O pai-fundador da arquitetura moderna brasileira
faz cem anos”. Disponível em:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.003/3245. Acesso 24
setembro 2015) Em São Paulo, nasceu a “Escola Paulista” em oposição à proposta dos
cariocas, que evidenciava as formas plásticas. Sob liderança de Vilanova Artigas, o grupo
dos arquitetos paulistas, em um segundo momento determinou o chamado ‘brutalismo
paulista’ a partir do seu engajamento ideológico ao comunismo de Artigas. In: LUCCAS,
Luís Henrique Haas. “Arquitetura moderna e brasileira: o constructo de Lucio Costa como
sustentação (1)”.
30
51
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
identidade singular no contexto da arquitetura contemporânea
brasileira.
Ferraz foi, de fato, o responsável por assimilar a metodologia de
trabalho da arquiteta, sempre preocupada o contexto humano no
qual seus projetos se inserem, e em traduzir essa compreensão ao
âmbito de trabalho do Brasil Arquitetura, já que Francisco Fanucci
possuiu apenas de duas ações concretas de parceria profissional
com Lina Bo Bardi (nos projetos para o Concurso Público Nacional
de Projetos na Reurbanização do Vale do Anhangabaú, em 1981,
e, dez anos mais tarde, no Concurso Público Nacional de Projetos
para o Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de Sevilha dez
anos mais tarde).
A propósito do tema da relação entre arquitetura e antropologia,
Risério (em FERRAZ, 2011, p.8) articula essa associação à
experiência de formação dos arquitetos do Brasil Arquitetura,
mencionando a dupla ascendência: Lina e Artigas.
(Lina) apresentava uma visão de cultura popular não como
“folclore”, mas como cultura. Com isso, Lina detonava
ortodoxias. Ao mesmo tempo, reforçava Artigas,
consolidando em seus jovens colaboradores uma visão
social da arquitetura. Mas com uma grande diferença que
Artigas não desenvolvera. Uma espécie de vivência
antropológica do espaço do fazer arquitetural. (RISÉRIO em
FERRAZ, 2011, p.8)
A arquiteta chegou ao nosso país onde “encontrou o território
idôneo para viver e para realizar sua utopia” (MONTANER, 2001, p.
12) em 1946, juntamente com seu esposo Pietro Maria Bardi 31,
O arquiteto italiano Pietro Maria Bardi (1900-1999), esposo de Lina Bo, era
considerado um intelectual de grande influência na Itália. Em 1931, antes de conhecer
Lina, organizou com características provocativas a “Segunda Mostra Italiana de
Arquitetura Racional”, colaborando muito com a consolidação do espaço dos então
jovens arquitetos modernos na Itália fascista. Foi um ativo editor, crítico e jornalista,
destaca-se sua experiência com a revista “Quadrante”, fundada por ele em 1933 e que
”tornou-se um dos principais vetores do debate moderno” (ANELLI, 2015). Ainda em
1933 participou do IV CIAM e, “ao levar Le Corbusier para conferências em Roma e
Milão, em 1934, consolidou-se como uma referência na militância moderna. Atuação que
despertaria a atenção de Lina Bo, quatorze anos mais jovem. Desde que chegou ao
Brasil, em 1946, dedicou-se à função de crítico de arte e arquitetura e de diretor de
museu. (LAGO em PORTO, 2010, p. 28). Foi responsável pela vinda do casal ao Brasil, e,
por sua credibilidade no meio intelectual, artístico e cultural da época, foi recebido no
IAB-RJ (Instituto dos Arquitetos do Brasil do Rio de Janeiro), onde conheceu grandes
nomes da arquitetura e da arte brasileira como Lucio Costa, Oscar Niemeyer, os irmãos
Roberto, Athos Bulcão, Burle Marx, Portinari, Landucci, Marcos Jaimovitch entre outros. O
casal optou por estabelecer residência em São Paulo para atender ao pedido Assis
Chateaubriand para que o Professor Bardi criasse e dirigisse o Museu de Arte de São
31
52
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
com quem Lina Bo Bardi, segundo Renato Aneli em artigo
publicado no caderno “Ilustríssima” do jornal Folha de São Paulo
em 10 de maio de 2015, sempre desenvolveu um diálogo
“complementar, não antagônico”. Anelli, atual diretor do Institulo
Lina Bo e P. M. Bardi, conta que o casal se conheceu em 1943,
quando Lina Bo estava ainda no início de sua carreira “enquanto
Pietro já apresentava uma longa trajetória pautada na defesa da
arte e da arquitetura modernas”.
Em 1947 o casal Bardi começa a “acompanhar as diretrizes do
ICOM (sigla para o nome em inglês do Conselho Internacional de
Museus), que propunham museus como espaços voltados à
formação de público e artistas” (ANELLI, 2015) e se muda para
São Paulo devido ao convite feito por Assis Chateaubriand para
que P. M. Bardi criasse e dirigisse o Museu de Arte em São Paulo.
Lina, então, projeta a adaptação de um edifício na rua Sete de
Abril, a primeira sede do MASP. Assim o Museu de Arte de São
Paulo foi criado seguindo o programa proposto pelo ICOM, com o
MoMA de Nova York como referência, e “entendendo a enorme
potencialidade do rápido crescimento econômico e populacional
de São Paulo no pós-guerra” (ANELLI, 2015).
De acordo com Anelli essa condição foi tão fundamental para a
concretização do MASP, que seria mais correto entendê-lo “como
fulcro de um projeto de ação cultural modernizadora do casal
Bardi, que se estendeu à arquitetura, design, teatro, moda,
publicidade, edição e ensino”. Já naturalizada 32 brasileira, projeta
e constrói, em 1951, a sua residência em São Paulo, a Casa de
Vidro, no Morumbi, onde o casal estabelece residência até anos
mais tarde, mudarem-se a para Bahia onde Lina Bo faz uma
Paulo (MASP). Lina foi a autora da adaptação da primeira sede do museu na Rua Sete de
Abril em 1947, e posteriormente a responsável pela construção do segundo (e atual)
edifício do Museu. De acordo com Renato (ANELLI, 2015), em sua “biblioteca pessoal,
livros essenciais do pensamento brasileiro apresentam anotações e destaques que
alimentaram a transformação do casal nas décadas que viveram no Brasil.
Uma curiosidade: Lina Bo Bardi chegou ao Brasil em 1946 e naturalizou-se brasileira
em 1949, ou seja, Lina viveu no Brasil como imigrante durante cinco anos até
naturalizar-se, exatamente o mesmo tempo regular que um estudante de arquitetura
precisa para graduar-se como arquiteto e urbanista no Brasil.
32
53
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
intensa imersão na cultura brasileira com destaque para a
valorização
da
cultura
popular
nordestina.
Em
“Tensão
moderno/popular em Lina Bo Bardi: nexos de arquitetura (1)” 33
(2003), Eduardo Pierrotti Rossetti avalia essa relação de Lina Bo
Bardi com a cultura popular e como ela se reflete em sua
arquitetura. De acordo com o autor, as experiências da arquiteta
com esse universo popular possibilitaram-na perceber diversas
referências “a serem pensadas como elementos figurativos,
transformáveis ou relacionáveis aos paradigmas modernos (...)”.
(...) Para tanto, seu deslocamento para Salvador e o
convívio com o povo do Nordeste foi extremante
significativo, fornecendo novos índices e evidências para
Lina empreender um processo e consolidar uma
perspectiva de trabalho. A experiência no Nordeste é para
Lina Bo Bardi um ponto de inflexão entre valores, escalas e
plasticidades (...) (ROSSETTI, 2003)
Segundo a própria arquiteta em depoimento para o documentário
lançado junto à primeira edição do livro “Lina Bo Bardi”, e dirigido
por Aurélio Michiles, em 1993, sua mudança para a Bahia que,
obviamente foi muito influenciada pelos convites de trabalho para
atuar em Salvador, ocorreu devido a Lina Bo ter enxergado no
estado do Nordeste características que não encontrava nas duas
grandes metrópoles do sudeste brasileiro (Rio de Janeiro e São
Paulo). Para ela, a população nordestina traz uma “pureza interior
maior diante da arte e da cultura”; e que “há uma curiosidade
mais genuína”: seguindo sua inclinação antropológica, encontrou
33 O
artigo de Eduardo (ROSSETI, 2003) está disponível em
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.032/717. Acesso 09 fevereiro
2016. Nele, o autor completa sua linha de pensamento afirmando que “Os valores
plásticos dos materiais empregados são organizados pela arquiteta como referências
para a construção do projeto e de seu discurso. (...). Não é uma escolha feita a partir do
material em si. É uma escolha relacional, tratando-se de um raciocínio eminentemente
moderno. A experiência com a cultura popular é entendida por ela como exemplo de
simplificação de processos. Seu procedimento de uso, fusão e justaposição dos
materiais, também se torna análogo à cultura popular brasileira por seu modo de cruzar
as referências locais e externas livremente; em dialogar simultaneamente com sistemas
e sentidos da tradição e com os materiais disponíveis. Isso explica, em parte, a liberdade
de Lina Bo Bardi poder usar formas deslizantes de aço para erguer uma empena e abrir
as janelas-buraco e vedá-las com treliças; ou ainda juntar um pano de alvenaria com
uma calha de seixos rolados e uma rua de paralelepípedo, ou usar um deck de madeira
(...)”.
54
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
nessa “gente” “possibilidades imensas” e partiu em busca de
desbravá-las.
Essa imersão na ciência que estuda o homem, como é definida a
antropologia pelo dicionário Houaiss, é notada e enfatizada pelo
crítico catalão Josep Maria Montaner que afirma: “toda obra de
Lina Bo Bardi estabelece uma ação de corpo a corpo com a
realidade” (2001, p. 12). De acordo com o crítico, Lina Bo Bardi foi
capaz de aproveitar plenamente sua criatividade de maneira a
ultrapassar qualquer limite da arte moderna, sem comprometer
suas crenças fundamentais.
Se a arquitetura moderna era anti-histórica, ela conseguiu
realizar obras onde a modernidade e a tradição não eram
antagônicas. Se a arte moderna era intelectual,
internacional e resistente ao gosto estabelecido e às
convenções, no Brasil foram possíveis uma arquitetura e
uma arte moderna enraizadas na experiência da arte
popular, negra e indígena, rigorosamente distintas do
folclorismo, do populismo e da nostalgia. (MONTANER,
2001, pp. 12-13)
Como dito anteriormente, a influência de Lina Bo na obra do Brasil
Arquitetura, especialmente no início de sua trajetória profissional,
abrangeu diversos aspectos. No entanto, ao analisar a produção
mais madura e reconhecida do escritório, é possível avaliar que o
conjunto do aprendizado deixado pela arquiteta tem um ponto
fundamental: projetar uma arquitetura dirigida a um Homem
Real/Particular, não a um Homem Ideal/Universal 34, como fazia o
Movimento Moderno. A arquiteta atribuía a todas as coisas, de
grande ou pequena escala, um olhar atento para a cultura popular
e a valorização de uma identidade brasileira.
O entrelaçamento do popular com o erudito pôde ser comprovado
quando, em 1963, implantou e dirigiu o Museu de Arte Popular da
O movimento moderno baseava-se na racionalização da arquitetura. Os espaços eram
pensados para serem reproduzidos de forma funcional e replicados; para o cálculo
desses espaços, utilizavam-se as medidas de um homem ideal. Nessa época surgiu o
Modulor, idealizado pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier, uma releitura do homem
vitruviano também seguindo as proporções áureas, porém, adequado aos números da
sequência de Fibonacci e que se adequa proporcionalmente às unidades do sistema
métrico e do sistema de polegadas. É considerado universal, pois não considera as
variantes que envolvem o indivíduo.
34
55
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Bahia (MAP), como uma extensão do Museu de Arte Moderna da
Bahia
(MAMB),
no
Solar
do
Unhão,
em
Salvador.
A
institucionalização da cultura popular é estabelecida com as
exposições “Artistas do Nordeste” e “Civilização do Nordeste” na
inauguração e também com a proposição de oficinas de formação
destinadas ao público infanto-juvenil.
Segundo Silvana Rubino (2008) em seu texto “Gramsci no Museu,
ou a arte popular no Solar do Unhão, Salvador, 1963-4”, Lina Bo
Bardi era uma entusiasta de Antonio Gramsci e tematizava,
inspirada nele, noções de popular e nacional em suas exposições.
Segundo ela, a intenção do Museu de Arte Popular da Bahia não
era propiciar a arte-lazer, mas documentar e expor o trabalho
popular (RUBINO, 2008). A iniciativa perdurou até o Golpe Militar
de 1964, quando o MAP foi extinto, restando apenas o MAMB, que
recebeu nova direção.
Pensar no homem, na sociedade, nos modos de vida, discutir a
respeito da interação entre arquitetura e cultura. Essa foi a
contribuição de Lina não apenas para os jovens Francisco e
Marcelo, mas para a sociedade, por meio de suas obras que se
mantêm tão vivas como quando foram concebidas. Especialmente
no período em que se dedicou à divulgação da cultura no (e do)
nordeste brasileiro.
Lamentando o aniquilamento da iniciativa que culminou na
extinção do Museu de Arte Popular da Bahia (MAP), Caetano
Veloso35, um dos líderes do Movimento Tropicalista, que se
manifestou especialmente na música, declarou em trecho do
documentário lançado com a primeira edição do livro “Lina Bo
Bardi” (1993), descreve a importância de “Dona Lina”, como os
baianos respeitosamente a chamavam, para seu Estado,
afirmando que a “cultuavam”, frisando a forte aceitação da
Caetano Veloso, ícone da música brasileira, é “uma das figuras mais importantes da
cultura brasileira e é tão múltiplo quanto sua obra. Para além do trabalho musical, ele é
antes de tudo um pensador do Brasil. Política, sociologia, arte: nenhum assunto está
longe de seu campo de interesse”. Trecho da apresentação de seu livro “Antropofagia”
editado pela Companhia das Letras, cuja primeira edição data de 2012.
35
56
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
população com seu trabalho, principalmente pela difusão e
valorização da cultura popular. O músico e pensador recorda que
ele e seus irmãos, iam ao Campo Grande especialmente para “ver
Dona Lina passar do Hotel da Bahia para o Teatro Castro Alves”,
onde ficava o Museu de Arte Moderna da Bahia, mantido pela
arquiteta. As palavras de um dos ícones da cultura popular
brasileira comprovam o quanto a população local não apenas
identificou-se com a proposta da arquiteta, mas também como a
admiravam, com certo deslumbramento por sua figura.
No Catálogo, a Exposição Inaugural36 (1963) do Museu de Arte
Popular do Unhão em Salvador é nomeada de “Nordeste”, mas,
segundo a própria Lina Bo Bardi “deveria chamar-se ‘Civilização do
Nordeste’”, porque, segundo ela, “(...) Civilização é o aspecto
prático da cultura, é a vida dos homens em todos os instantes (...)”
(em RUBINO, 2009, p. 116). Em oposição aos triviais acervos de
outros museus, essa exposição trouxe uma coleção de objetos
utilitários do dia-a-dia, que correspondem a mapeamentos
etnográficos como estudos da cultura material daquela região.
O objetivo de “Nordeste” era enaltecer todos os detalhes do
trabalho artesanal: iluminação, utensílios de cozinha, roupas de
cama e vestimentas, brinquedos, mobiliários e até mesmo as
armas foram apresentadas como objetos de estudo a respeito
daquela civilização em questão.
Cada objeto risca o limite do “nada”, da miséria. Esse limite
e a contínua e martelada presença do “útil” e “necessário”
é que constituem o valor desta produção, sua poética das
coisas humanas não gratuitas, não criadas pela mera
fantasia. É neste sentido de moderna realidade que
apresentamos criticamente esta exposição. (em RUBINO,
2009, p. 117)
De acordo com o artigo publicado na inauguração da exposição,
ela se manifesta em tom de denúncia: “Acusação dum mundo que
não quer renunciar à condição humana apesar do esquecimento e
da indiferença”. (em RUBINO, 2009, p. 118)
A reprodução do texto original está em “Lina por escrito”, organizado por Silvana
Rubino e editado pela Cosac Naify em 2009, páginas 116 a 118.
36
57
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Concomitantemente à criação do Museu de Arte Popular da Bahia,
durante a década de 1960, surgia uma importante afinidade entre
Lina Bo Bardi e o cineasta Glauber Rocha, “figura fundamental na
consolidação dessa nova cultura híbrida que brotava em Salvador
nos anos 60” (GRINOVER, 2009), nascida por dois interesses em
comum: a filosofia “gramsciniana” e da cultura italiana. Juntos,
“encontraram as aproximações estéticas, políticas e processuais”
através do contato com a cultura popular nordestina em suas
obras. Esse é o mote do artigo “Lina Bo Bardi e Glauber Rocha:
diálogos para uma filosofia da ‘práxis’” apresentado por Marina
Grinover no DOCOMOMO Bahia de 2009 no evento: “50 Anos de
Lina Bo Bardi na Encruzilhada da Bahia e do Nordeste”.
A semente de uma ”Nova Civilização”, como escreveu Lina
Bo Bardi, estava lançada. Glauber Rocha e Paulo Gil Soares,
na obra de Mario Cravo Jr., no teatro de Othon Bastos e
Antônio Pitanga, a Bahia de Jorge Amado e Dorival Caymmi
tinha entrado para uma nova era e a cultura nacional ganho
outros pólos produtivos. As bases da corrente baiana da
Tropicália foram fundadas neste projeto educativo e
estético e espraiaram outros diálogos no Brasil. (GRINOVER,
2009).
Segundo Marina Grinover (2009), Rocha conheceu “Dona Lina”
através das aulas que frequentava na Universidade Federal da
Bahia, também era aluno de teatro no Castro Alves e colaborou
com a arquiteta na exposição “Bahia” em paralelo à V Bienal em
1959 no Ibirapuera quando expôs utensílios, objetos de uso
cotidiano, religioso, além de extensa documentação fotográfica
seguindo o mesmo mote antropológico.
O movimento do Cinema Novo propunha uma “(...) revisão critica
do cinema Brasileiro” (Glauber Rocha escreveu um texto com esse
título, inclusive), a partir da criação de um cinema nacional
equivalente às grandes produções mundiais. Sobre o início dessa
experiência:
A consciência de que o papel da arte é também educativo e
político tomou força e fundamentou a montagem de Deus e
o Diabo, inaugurando o cinema épico de Glauber Rocha. Foi
no set de filmagem que Glauber Rocha compreendeu o que
pode ser o cinema brasileiro, sua vocação de agente
transformador onde a partir do filme possa se passar para a
58
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
ação. As filmagens foram acompanhadas de perto por Lina
Bo Bardi que vivenciou estas experiências criativas do set.
(GRINOVER, 2009)
No mesmo artigo, Marina Grinover relata que, nesse mesmo
período, paralelamente, Lina Bo Bardi escrevia e editava uma
coluna semanal aos domingos “Crônicas de arte e cultura” no
jornal “Diário de Notícias de Salvador”, em que deixava de lado as
questões sobre a “construção cultural político-estratégica dos
museus e atividades didáticas”. No jornal, Lina destacava
assuntos do cotidiano cultural 37, não só da capital baiana como de
todo o Brasil enquanto Glauber Rocha escrevia “em tom de alerta
para as novas iniciativas que falassem de um país pobre e criativo
(...) colocando a importância de um olhar sobre a cultura local e
não só na produção europeia ou americana” numa coluna sobre
cinema e arte no mesmo jornal de Salvador.
Após o golpe militar de 1964, os discursos de ambos tomaram
novos rumos “O papel ’educativo’ que os criativos Museus de D.
Lina e os filmes épicos de Glauber teriam num primeiro momento
como pólos fundadores de uma outra estética, agora precisavam
tomar o caráter político de luta”. (GRINOVER, 2009)
De acordo com o pensamento de Néstor García Canclini em
“Culturas híbridas” (1989)38, moderno e popular são dois
conceitos opostos que corriqueiramente são ligados ao culto e ao
ordinário, respectivamente. Uma das hipóteses de Canclini é que a
união das disciplinas da antropologia, da sociologia, da
Segundo Grinover (2009): “Nos tempos da construção de Brasília, Lina Bo Bardi faz
ressoar na província baiana o debate “universal” sobre a capital nacional; sobre os
avanços tecnológicos (escreveu sobre a ida do homem a Lua, sobre industrialização e
arte); sobre educação e museus; sobre o crescimento urbano, sobre a burguesia
conservadora de Salvador; sobre valores populares simples e belos. Sempre num tom
articulado e salpicado de toques satíricos demonstrando domínio dos temas e dos
contextos, revelando claramente seu projeto para uma nova cultura urbana, uma
transformação estética e comportamental. Um campo de debate para a arte moderna e a
cultura brasileira posta à altura das transformações sociais que tanto desejava, uma
articulação temática que revelava novamente a força da influência de Antônio Gramsci e
seus últimos parceiros italianos”.
37
O texto original: “Culturas Hídridas: Estratlegias para Entrar y Salir de la Modernidad”,
de Néstor García Canclini, foi publicado em 1989, mas a versão utilizada no presente
estudo foi a sua primeira edição (1997) traduzida para o português: “CANCLINI, Néstor
García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade . Tradução de
Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997.”
38
59
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
comunicação e da história, poderia gerar um novo modo de
produção que substituiria o modo tradicional, proporcionando a
cada nação um modo mais heterogêneo de entender sua cultura.
Com o MAP da Bahia, a arquiteta foi capaz de extrapolar a escala
convencional de valores que determinam a superioridade do
erudito e subverter o significado dessas relações, valorizando a
cultura popular especialmente do nordeste.
Zeuler Lima, pesquisador de sua obra, em artigo “Cem anos de
Lina Bo Bardi, arquiteta-antropóloga” para a Revista Carta Capital
(2014), também confirma o entrelaçamento entre arquitetura e
antropologia ao afirmar que a arquiteta “olhava o espaço não
como os arquitetos geralmente definem, que é um espaço vazio
cartesiano geométrico, mas como os antropólogos definem, que é
o espaço vivido”.
Após sua primeira fase na Bahia, Lina Bo Bardi volta a São Paulo e
em 1977 inicia as obras do SESC Pompéia, oportunidade que lhe
possibilitou utilizar todo seu conhecimento sobre as dinâmicas de
uso a apropriação de equipamentos coletivos de caráter cultural,
em prol da criação de espaços democráticos e igualitários. De
acordo com o mesmo artigo, depois de sua inauguração, a
arquiteta tem a oportunidade de voltar à Bahia (entre 1986 e
1990) para fazer uma série de projetos como a Casa do Benin,
Casa do Olodum e Ladeira da Misericórdia, todos parte de um
plano geral de recuperação do centro histórico de Salvador, nos
quais pôde levar “ao máximo sua experiência como arquitetaantropóloga, (...), investigando e vivenciando intensamente a
cultura popular baiana e afro-brasileira” (LIMA, 2014).
Para finalizar os comentários sobre a competência de Lina Bo
sobre o tema, um depoimento de um dos maiores antropólogos e
militantes pela educação que o Brasil já teve, Darcy Ribeiro,
confirma a admiração pelo legado deixado por Lina Bo Bardi. No
programa Roda Viva, da TV Cultura em 17 de abril de 1995, expôs
a sua apreciação a respeito da genialidade da arquiteta:
60
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
(...) Eu vi o velho Edgar Santos, um reitor luminoso, que fez
um reitorado na Bahia trazendo cultura europeia, trazendo
a cultura erudita mais avançada para a Bahia. E que teve a
coragem de levar para a Bahia também a mulher mais
admirável que andou por São Paulo, Lina Bo Bardi. Lina é
gênio. Hoje o mundo está descobrindo a Lina, e há
exposição da Lina no mundo inteiro. Foi quem fez o Museu
de Arte Moderna aqui, ela com o velho [Pietro Maria] Bardi
[esposo de Lina]. Então, eu vi o ambiente criado por Edgar
[Albuquerque Graeff, arquiteto], por Lina, em que surge
Glauber [Rocha], Gilberto [Gil], Caetano, [Maria] Betânia,
Gal [Costa]. São umas pessoas lindas… (O grifo é nosso).
Em depoimento para Tempos de grossura: design do impasse
Darcy Ribeiro comenta o desejo de Lina Bo Bardi de que existisse
uma indústria capaz de valorizar “as habilidades que estão na
mão do povo”:
Lina queria que o Brasil tivesse uma indústria a partir das
habilidades que estão na mão do povo, do olhar da gente
com originalidade. Poderíamos reinventar os talheres de
comer, os pratos, a camisa de vestir, o sapato. Havia toda
uma possibilidade de que o mundo fosse refeito. O mundo
do consumo como alguma coisa que tivesse ressonância
em nosso coração (RIBEIRO em BARDI, 1994).
A citação acima comprova a proximidade do pensamento de Darcy
Ribeiro com o tema da publicação de Lina Bo Bardi (1994), cuja
atenção vislumbra um projeto de industrialização que se
alimentasse da vitalidade da cultura popular. Ribeiro conclui sua
declaração afirmando que “Lina era uma pessoa que ajudava a
pensar nesse rumo, uma prosperidade que fosse de todos, uma
beleza que fosse alcançável, atingível” (RIBEIRO em BARDI, 1994).
Conhecendo todo esse percurso linabobardiano, Marcelo Ferraz
sentiu-se seguro em afirmar que a antropologia foi o mote
essencial no “fazer arquitetônico de Lina”. Segundo ele, tratava-se
de uma “antropologia intuitiva” (FERRAZ, 2011, p. 52). E
complementa afirmando que os quinze anos de parceria com Lina
Bo, foram fundamentais para que os então jovens arquitetos
passassem a valorizar as múltiplas disciplinas com as quais a
arquitetura dialoga. Dentre elas, destaca a antropologia:
61
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
(...) a pensar a arquitetura dentro de um espectro mais
amplo, onde a história e a antropologia, a diversidade
cultural e os avanços tecnológicos tinham lugar, sem
preferências apriorísticas e sem exclusões ou preconceitos
(...). Buscamos em Lina sua capacidade de atuar em
múltiplas disciplinas, sem se submeter ao tempo linear,
histórico, e nem às limitações geográficas. (RISÉRIO em
FERRAZ, 2011, p.30)
Assim, apreendida a lição, Ferraz e Fanucci, definem a arquitetura
como uma arte que se situa: “(...) entre a obscura zona do
fenômeno e a zona da organização e escolha deliberada dos
conhecimentos” (...). Para os líderes do Brasil Arquitetura, ela [a
arquitetura] “(...) talvez mais que outras formas de comunicação,
possui o poder de unir expressões intelectuais e intuitivas,
objetivas e subjetivas, de transformar o modo de viver”. (FERRAZ,
2011, p. 24).
É sabido também que a ação arquitetônica de Lina Bo Bardi vai
além de sua capacidade de colocar o usuário em primeiro plano.
Como já foi explanado anteriormente, ela também acreditava que
a arquitetura de um edifício não poderia ser separada de seu
esqueleto estrutural. Em seu poema “O mestre construtor”
enaltece essa associação: “(...) a estrutura de um edifício é
elevada ao nível da poesia, como parte da estética. Não há
nenhuma diferença. Um arquiteto deve projetar a estrutura como
projeta arquitetura (...)” (BARDI em PORTO, 2010, p.51), basta
observar a necessidade de entendimento com o engenheiro
Figueiredo Ferraz para definir a solução do vão do MASP, ou
mesmo sua parceria respeitosa e profícua com Lelé, personagem
destacada para tratar a respeito dessa característica também
muito presente nas obras do Brasil Arquitetura, admitindo ser o
conhecimento técnico-construtivo um dos pontos fortes de sua
atuação.
No presente trabalho, a trajetória acadêmica de Francisco Fanucci,
desde o início envolvida com disciplinas e docentes ligados à
materialidade dos edifícios, foi vinculada às características
encontradas na obra de Lelé, por considerar a técnica como
62
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
elemento central e por tratar com bastante rigor todo o
detalhamento construtivo em seus projetos.
Lelé – João da Gama Filgueiras Lima – formou-se arquiteto em
195539 no Rio de Janeiro e era respeitado por ser considerado um
arquiteto completo, pois concebia o edifício desde sua idealização
inicial até a conclusão de sua obra. Apropriando-se das palavras
de Ana Luiza Nobre, pode-se deduzir a “característica que melhor
define o trabalho de Lelé: sua insistência em pensar a arquitetura
como processo” (em PORTO, 2010, p. 45).
O contato com o trabalho de Lelé instiga todo arquiteto a
sonhar, criar e realizar algo útil para a sociedade. Em um
país com as dimensões e as carências do Brasil, Lelé nos
apresenta as soluções da construção pré-fabricada, seriada,
da mais alta tecnologia, aliada à mais sofisticada
simplicidade, com as quais poderíamos, em largos passos,
alcançar um patamar superior em termos de qualidade e
conforto na vida de nossas cidades. (FERRAZ em
LATORRACA, 2000)
Em entrevista40 concedida a Haroldo Pinheiro (presidente do
Conselho de Arquitetura e Urbanismo), Lelé descreveu o que
considera que seja a função do arquiteto:
O arquiteto é um construtor. O arquiteto é esse
coordenador. O arquiteto, dentro dessa minha concepção,
(...), é esse profissional generalista que vai fazer a
integração de muitas informações, vai criar um diálogo
entre os vários especialistas, vai saber falar a língua de
De acordo com a tese de doutorado defendida em 2010 por Ana Gabriella Lima
Guimarães, “A obra de João Filgueiras Lima no Contexto da Cultura Arquitetônica
Contemporânea”, o arquiteto que nasceu no Rio de Janeiro em 1932, dois anos após
formar-se arquiteto pela Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro deixou sua
cidade para colaborar com a construção de Brasília: “(...) Designado pelo IAPB (Instituto
de Aposentadoria e Pensões dos Bancários) como arquiteto-construtor dos primeiros
blocos de apartamentos da superquadra 108 Sul, ele operou de modo decisivo no
gerenciamento das obras mediante aplicação de procedimentos racionalizados que
viabilizou a conclusão das obras para a nova capital. (...) Em 1962 colaborou com Oscar
Niemeyer como secretário executivo do CEPLAN (Centro de Planejamento da
Universidade de Brasília), destinado a elaborar e fixar padrões para os edifícios da
Universidade conforme as normas urbanísticas de Lucio Costa, além de orientar e
conduzir os cursos da recém-criada faculdade de arquitetura. O CEPLAN introduziu um
novo ritmo de trabalho em Brasília, baseado nos conceitos de agilidade construtiva e
economia de pré-fabricação, preocupação difundida em diversas partes do mundo”
(GUIMARÃES, 2010, pp. 01-02).
39
A entrevista foi realizada com exclusividade para o CAU/BR em outubro de 2012.
Nessa ocasião também estavam entrevistando Lelé o arquiteto e professor Hugo
Segawa, o consultor e coordenador editorial Vicente Wissenbach e a jornalista Ledy
Valporto. Para assistir ao vídeo com a entrevista completa, acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=G_GvEj1VyFg (parte 01) e
https://www.youtube.com/watch?v=zr1pGQu9jRw (parte 02). Acesso em 27 janeiro
2016.
40
63
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
cada um e vai estabelecer essa ação coordenada. É isso
que eu acho que é o arquiteto. Ou eu estou enganado?
Segundo declaração do arquiteto em entrevista a Marcelo Ferraz e
Roberto Pino (em LATORRACA, 2000) o ponto crucial para o
desenvolvimento de sua trajetória, nesse caminho ligado às
tecnologias construtivas, deu-se devido às grandes dificuldades
encontradas e à precariedade enfrentada durante o curto prazo
que lhe fora dado para conclusão das obras no período em que
era responsável pela execução dos projetos de Oscar Niemeyer em
Brasília41, quando as construções deveriam ser edificadas da
maneira mais racional e eficiente possível.
O sucesso foi alcançado após muita dedicação e estudo do jovem
arquiteto que, na época, tinha apenas 25 anos de idade. Segundo
texto de Ana Luiza Nobre “João Filgueiras Lima – arquitetura no
limite” publicado em “Olhares. Visões sobre a obra de João
Filgueiras Lima” (2010) o “próprio Lelé costuma lembrar que não
havia sequer água ou eletricidade no canteiro”; ele foi responsável
por “projetar e construir, em pouco mais de dois anos, uma
pequena cidade para alojar cerca de 2.500 operários dentro do
precário canteiro da nova capital” (em PORTO, 2010, pp.37-38).
Talvez o clima típico da região da nova capital brasileira tenha
despertado o interesse de Lelé, alguns anos mais tarde, quando
começou a desenvolver seus estudos de conforto térmico e
ventilação natural (em PORTO, 2010, p. 16).
Admitindo a complexidade que envolve a obra de Lelé, é possível
afirmar que sua arquitetura transmite uma profunda conexão com
o contexto socioeconômico no qual se insere, respeitando sempre
as condições físicas e temporais de cada lugar (em PORTO, 2010,
p. 67) e conforme a conclusão do texto “O mestre-construtor” de
Em “O Lelé na UnB (ou o Lelé da UnB)” de Andrey Rosenthal Schlee: “Coube a Lelé
atuar diretamente no canteiro da 108, realizando, com muita dificuldade, de tudo um
pouco. ‘Fui lá para construir e não para projetar. Tive que desenvolver meus
conhecimentos técnicos, pois, naquela época, não havia nem como me comunicar com o
Rio. Se não tivesse adquirido certa base técnica e estudado bastante construção não
teria conseguido fazer nada’” (em PORTO, 2010, p. 150).
41
64
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Yopanan Rebello e Maria D’Azevedo (em PORTO, 2010, p. 71),
todas essas peculiaridades tornam-no um modelo a ser estudado:
A obra de Lelé é, assim, um repertório vivo por apropriar
sem reservas como objeto de estudo nas escolas de
arquitetura e urbanismo do Brasil – e também no exterior –
servindo como fonte de investigação sobre a atuação do
arquiteto, no campo da produção industrial da atualidade,
aos moldes do que o foram no passado Nervi e os grandes
mestres da Bauhaus.
Segundo Hugo Segawa e Ana Gabriella Lima Guimarães “a relação
entre arquitetura e tecnologia é parte de suas preocupações, mas
não é a essência do problema. A inovação técnica é um recurso de
superação de desafios arcaicos (...)” (em PORTO, 2010, p. 98. O
grifo é nosso.) tão presentes na construção civil contemporânea
desde sempre.
Desse modo, define-se como parâmetro a ser investigado na obra
do Brasil Arquitetura, como influência essencial vinda do contato
próximo que os arquitetos tiveram com Lelé, o “apuro técnico”
(FERRAZ in LATORRACA, 2000, p. 9), ou seja, o “rigor técnico” (em
FERRAZ, 2011).
De acordo com a visão de Martin Heidegger apresentada em seu
texto: “Habitar, construir, pensar”, no qual Heidegger afirma que
“(...) a essência do construir é deixar habitar (...)” e também que
“(...) a construção realiza sua essência ao edificar lugares por meio
da reunião de seus espaços (...), e completa afiançando que “(...)
Somente se formos capazes de habitar poderemos construir”,
Baseando-se nessas afirmativas, Marcelo Ferraz, em seu texto
“Ação Arquitetônica”, certifica que “pensar arquitetura a partir da
compreensão fenomenológica e como fato cultural” (FERRAZ,
2011, p.30) é uma ferramenta muito importante para a ação
arquitetônica do Brasil Arquitetura. E, ao mesmo tempo, Francisco
Fanucci reafirma esse ponto na publicação dedicada à obra da
dupla editada pela Cosac Naify, quando interpreta o mesmo texto
de Heidegger:
65
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Ele [Heidegger] diz que no alemão antigo a origem da
palavra “habitar” é a mesma de “construir” e que indo mais
para trás, nos primórdios da língua e da comunicação
humana, “construir” é a mesma coisa que “ser”. Habitar é
um aprendizado permanente da humanidade, e o arquiteto,
de certa maneira, é um ajudante nessa tarefa. A primeira
noção de abrigo que o homem teve foi pegar uma pele de
animal e se proteger individualmente do frio, da intempérie.
Quando ele pegou a pele ou qualquer outro material e
abrigou mais de uma pessoa, começou a fazer arquitetura.
E nunca vai parar de fazer. Esse é talvez o sentido essencial
da arquitetura (CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS,
2005, p. 178).
Foi em 1986, ano em que colaborou com Lina Bo Bardi 42 nos
projetos de recuperação da Ladeira da Misericórdia e da Casa do
Benin, em Salvador, que Lelé, conheceu os jovens aprendizes de
Lina, dentre eles, Marcelo Ferraz 43. Nessa ocasião, o arquiteto
ficou encarregado de executar a concepção linabobardiana. Sobre
a colaboração do arquiteto carioca, Marcelo Ferraz qualificou em
entrevista para a autora desta pesquisa que a experiência foi
extraordinária, e lamentou o fato dessa parceria ter sido pouco
conhecida. O arquiteto conta que na ocasião as construções
(especialmente do século XIX) estavam entrando em ruínas. As
paredes espessas estavam ocas e os assoalhos começando a
desmoronar e descreve a solução encontrada por Lelé:
Segundo texto “Herói desconhecido” de autoria de André Aranha Corrêa do Lago
publicado em “Olhares. Visões sobre a obra de João Filgueiras Lima”, organizado por
Cláudia Estrela Porto e editado pela Editora UnB em 2010, apesar de tantos grandes
nomes da arquitetura paulista, como Paulo Mendes da Rocha e Joaquim Guedes, ambos
discípulos de Vilanova Artigas, “A grande figura de São Paulo que marcou Lelé, contudo,
é Lina Bo Bardi, com quem desenvolveu um projeto no Pelourinho, em Salvador, nos
anos 1970/1980. A arquiteta, nascida e formada na Itália, que imigrou para o Brasil
Após a Segunda Guerra com seu marido, o influente crítico e também arquiteto Pietro
Maria Bardi (...)” (em PORTO, 2010, p. 28). Neste mesmo artigo, André Aranha Corrêa do
Lago afirma que “Lelé descobre Lina Bo Bardi a importância de absorver outras
influências do que a da primeira geração de arquitetos modernistas brasileiros. Graças a
ela, conhece a obra do engenheiro-arquiteto italiano Pier Luigi Nervi e também as
possibilidades de utilização da arquitetura contemporânea na restauração respeitosa,
porém ousada, de bairros históricos” (em PORTO, 2010, pp.32-33).
42
De acordo com os arquitetos em entrevista para a autora deste estudo em 30 de
novembro de 2015, na ocasião o outro jovem arquiteto que colaborava com Lina Bo
Bardi era Marcelo Suzuki, que foi sócio do Brasil Arquitetura por muitos anos. Francisco
Fanucci, apesar de não ter trabalhado diretamente no projeto da Ladeira e da Casa de
Benin, sempre acompanhou as discussões propostas por Lina diretamente da sede
escritório do Brasil Arquitetura em São Paulo, podendo-se concluir que as discussões
com Lelé também eram motivo de debates entre os jovens arquitetos.
43
66
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
(...) o Lelé desenvolveu umas peças que eram umas caixas
de concreto que viriam a funcionar como lajes. As caixas
ficavam afastadas umas das outras, justamente para se
concretar as “viguinhas” diretamente no tabuleiro. Essas
vigas apoiavam nas paredes grossas, e ao mesmo tempo
em que elas se apoiavam nessas paredes por compressão,
elas travavam as paredes. Todas as paredes de divisão das
casas e dos quartos tal, eram todas pré-moldadas de
concreto, parafusadas, encaixadas umas nas outras
fazendo um zig-zag. Era uma coisa genial!
Quatorze anos mais tarde, Marcelo Ferraz, como coordenador
editorial do livro João Filgueiras Lima, Lelé (2000), produzido pelo
Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, descreveu o que ele acredita que
possa representar uma experiência de qualquer arquiteto com
uma figura como Lelé:
(Lelé) Talvez seja, na atualidade, o arquiteto que mais longe
levou as propostas do Movimento Moderno de fazer uma
arquitetura que possa mudar o mundo para melhor.
(FERRAZ, em LATORRACA, 2000)
Cinco anos após a declaração escrita por Marcelo Ferraz no livro
dedicado à sua obra, Lelé foi convidado para assumir a autoria de
uma das duas apresentações da publicação sobre a produção do
Brasil Arquitetura (CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005).
Nessa ocasião manifestou sua admiração por seus trabalhos
construídos dizendo que dezenove anos após seu primeiro
contato, “(...) fico feliz ao examinar o conjunto magnífico de obras
do Brasil Arquitetura que (...) tem uma expressão atual e brasileira,
pois, interpreta com clareza o conceito cultural e socioeconômico
do país (...)” (Lelé em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS,
2005, p. 9). Nessa ocasião, Lelé insere a obra do Brasil
Arquitetura dentro da corrente regionalista:
(...) Se é regionalista, não é porque se fecha a influências
externas, mas simplesmente porque as absorve, as digere e
as transforma segundo uma visão que respeita nossa
memória (...). (Lelé em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ;
SANTOS, 2005, p.9. O grifo é nosso).
É importante definir o conceito do regionalismo, que originalmente
foi proposto por Kenneth Frampton em seu ensaio “Prospects for a
Critical Regionalism”, publicado em “Perspecta: The Architectural
Journal” (1983, pp. 147-162). De acordo com Frampton, trata-se
de uma vertente arquitetônica que faz a síntese entre “natureza e
67
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
tecnologia”44 em oposição ao Estilo Internacional. Essa corrente,
diz respeito à construção da identidade e da fenomenologia do
lugar; o arquiteto que a segue “é capaz de condensar o potencial
artístico da região [em que atua] e, ao mesmo tempo, de
reinterpretar as influências culturais vindas de fora” (Em NESBITT,
2006, p.504).
Para o crítico, é fundamental à arquitetura regionalista “o
aproveitamento das habilidades artesanais e materiais locais,
além de uma receptividade à luz e ao clima da região. (...)
Frampton critica, por exemplo, a ubiquidade do ar-condicionado,
responsável pela exportação de um modelo convencional de
arquitetura para todo o planeta.” (Em NESBITT, 2006, p.503). Mais
uma vez, essa aproximação vai ao encontro do pensamento de
Lelé na mesma entrevista45 mencionada acima. Nessa ocasião,
afirmou que um projeto sustentável é aquele que pensa na
insolação antes de cogitar a instalação de um equipamento como
ar-condicionado, que alcança as condições de conforto ambiental
à custa de maior consumo energético e, por conseguinte, maiores
gastos de energia não renovável. Afinal, sustentabilidade é um
termo vago. Para Lelé, “(...) sustentabilidade em arquitetura é um
bom projeto (...)”. Dessa maneira, o regionalismo também propõe
um projeto racional, funcional e que deve levar em conta a escolha
de técnicas e materiais construtivos ideais a cada situação. Podese dizer, assim, que o regionalismo é uma das formas encontradas
por Lelé para manifestar seu apuro técnico. Reconhecer na
produção do Brasil Arquitetura essa mesma característica é uma
constatação de que compartilha essa mesma preocupação.
“Distinção estabelecida por Paul Ricoeur entre cultura (um fenômeno local e
particular) e civilização universal dominante, como uma oposição entre natureza e
tecnologia. O regionalismo crítico busca fazer uma crítica arquitetônica de ambos os
conceitos.” (NESBITT, 2006, p.504).
44
Realizada com exclusividade para o CAU/BR em outubro de 2012 por Haroldo Ribeiro
(presidente do CAU), Hugo Segawa, Vicente Wissenbach e a Ledy Valporto. Vídeos
disponíveis em: https://www.youtube.com/watch?v=G_GvEj1VyFg (parte 01) e
https://www.youtube.com/watch?v=zr1pGQu9jRw (parte 02). Acesso em 27 janeiro
2016.
45
68
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
De acordo com Nesbitt (2006, p. 503), Frampton propõe “como
alternativa uma arquitetura autêntica baseada em dois aspectos
essenciais da disciplina: a consciência do lugar e a tectônica, a
intenção é reconstruir as bases da arquitetura sem prescrever
uma estratégia exclusiva”. Essa será a chave do estudo que
pretende investigar a influência de Lelé na obra do Brasil
Arquitetura, encontrar coerência e adequação entre os dois
condicionantes: o lugar, a partir de suas características específicas
físicas e ambientais; e os elementos culturais compostos pelos
recursos naturais com auxílio da tecnologia disponível.
A epígrafe de Paul Ricoeur46, presente no ensaio de Frampton
(1983) considera medíocre a “cultura de consumo básica”, aponta
também que essa é a maior dificuldade enfrentada pelos “países
que emergem do subdesenvolvimento” 47.
Partindo-se do pressuposto de que uma “cultura de consumo
básica” massifica o pensamento de uma nação, o que, por
consequência, reforça o estereótipo de sua cultura, entende-se
que a arquitetura como expressão da linguagem compatibilizada
com a consciência política de um povo, tem a função social de
reverter essa estandardização, primando pela identidade cultural
desse povo.
O termo regionalismo crítico não pretende denotar o
vernacular como algo produzido espontaneamente pela
ação conjunta do clima, da cultura, do mito e do artesanato,
mas, ao contrário, identificar as “escolas” regionais
recentes cujo objetivo é representar e atender, em um
sentido crítico, as populações específicas em que se
inserem. Um tal regionalismo depende, por definição, de
uma associação entre a consciência política de uma
sociedade e a profissão de arquiteto. 48
Paul Ricoeur é autor da tese de que “uma ‘cultura mundial’ híbrida somente se tornará
uma realidade por meios da fertilização recíproca entre uma cultura de raízes locais, por
um lado, e uma ‘civilização universal’, por outro”. NESBITT (2006, p. 505).
46
Termos sublinhados como aparecem na tradução de NESBITT (2006). No escrito de
Paul Ricoeur (“Universal Civilization and National Cultures”, History and Truth. Evanston,
Illinois: Northwestern University Press, 1961, pp. 276-283, publicado em KRAMPTON,
Kenneth. Prospects for a Critical Regionalism. Em Perspecta, vol. 20, 1983, pp. 147-162)
são usados os termos em inglês: “elementar culture”, “basic consumer culture”’ e
“nations just rising from underdevelopment”.
47
Originalmente em FRAMPTON (1983, p. 148). Para o presente estudo foi utilizada a
tradução de NESBITT (2006, p. 505).
48
69
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
No texto de Frampton (1983) estão enumerados alguns arquitetos
atuantes no período que se preocupam em projetar de acordo com
o “espírito do lugar”. Suas obras expressam “a vontade de
pertencer a um ambiente” (ZEIN, 2001, p. 75). Dentre os nomes
da lista estão Alvar Aalto, Louis Kahn, Álvaro Siza, Luís Barragán,
Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Richard Neutra, Rudolph Schindler,
Vittorio Gregotti, Jorn Utzon, Mario Botta, Sverre Fehn, Carlos
Scarpa e Tadao Ando.
Para dar expressão arquitetônica a esse regionalismo é
necessário que haja construções – de preferência muitas
construções– em uma mesma época. Somente assim, a
expressão pode ser suficientemente geral, variada e
poderosa para ser capaz de capturar a imaginação das
pessoas e proporcionar um clima amistoso durante um
tempo suficientemente longo para que uma nova escola de
arquitetura se desenvolva. 49
Assim, pode-se entender que o trabalho do Brasil Arquitetura não
se limita à uma repetição de protótipos como acontecia nos
primórdios da arquitetura moderna brasileira, muito influenciada,
a principio pelo modelo proposto pelo Estilo Internacional do qual
se destacam o uso de pilotis, brises, cores puras, concreto
armado, aço e vidro, por exemplo; e também em nada se parece
com o que acontece atualmente nos grandes conjuntos
habitacionais de alto padrão que buscam inspiração no estilo
neoclássico, como demonstração de status social elevado e que
se distribuem pelas cidades brasileiras como carimbos que se
multiplicam quase que naturalmente; mas, pelo contrário, é um
manifesto que se apresenta como o oposto de todos esses
conceitos. A obra do Brasil Arquitetura leva em conta o usuário, o
entorno e as questões que os envolvem, por isso é possível
descrevê-la como uma arquitetura que considera a cultura.
A arquitetura como produção cultural é um fenômeno complexo
porque absorve os contextos físicos e sociais, concebendo
espaços que devem levar em conta as especificidades para cada
lugar. Lelé acredita que cada projeto requer uma representação
49
Idem.
70
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
gráfica e uma especificação técnica exclusiva para atender a todas
as suas necessidades e não entende essa preocupação como um
diferencial do seu modo de trabalho. Para ele, o detalhamento é a
única maneira de assegurar a “racionalidade construtiva” e a
“resolução do problema” (GUIMARÃES, 2010, p.72):
A arquitetura continua sendo uma forma de integrar
tecnologias, mas é preciso que os sistemas construtivos
sejam bem integrados. Você não está produzindo uma
grande arquitetura se você tem uma soma de tecnologias
altamente sofisticadas não integradas. Eu acho que a nossa
tecnologia tupiniquim, (...) propõe uma integração de
técnicas que estão ao nosso dispor para serem usadas
corretamente. (...) Tudo tem que ser dimensionado com
precisão para efeito de ajuste das peças, pois as estruturas
metálicas, a rigor, aceitam espaçamentos na ordem de dois
a três milímetros. Se você não especifica isso bem no
projeto vai dar com os burros n’água, pois nada vai
encaixar. (Em GUIMARÃES, 2010, p. 72)50
Segundo consta na dissertação de mestrado de André Marques
(2012), “A obra do arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé: projeto,
técnica e racionalização”, no decorrer de sua vida profissional,
Lelé foi responsável por coordenar algumas unidades de produção
de
componentes
arquitetônicos:
RENURB
(Companhia
de
Renovação Urbana de Salvador); Fábrica de Escolas em Abadiânia
(GO) e no Rio de Janeiro (RJ); Fábrica de Equipamentos Urbanos no
Rio de Janeiro e em Brasília; FAEC (Fábrica de Equipamentos
Comunitários) em Salvador e em Ribeirão Preto; CIAC (Centro
Integrado de Apoio à Criança), em diversos estados do país; CTRS
(Centro de Tecnologia da Rede Sarah), em Salvador; e IBH
(Instituto Brasileiro do Habitat) também na capital baiana.
(MARQUES, 2012, p. 58). O fato de tantos governos em regiões e
períodos distintos confiarem na competência profissional de João
Filgueiras Lima como coordenador de projetos de tal notabilidade
como os citados acima apenas reforça a autoridade que o
arquiteto-construtor possuía em coerência com sua exatidão
construtiva, sua capacidade de lidar com as adversidades
O trecho apresentado está na página número 72 na tese de doutorado de Ana
Gabriella Lima Guimarães (2010), e segundo a autora é proveniente de entrevista
realizada pela autora com o arquiteto Lelé em 24 de outubro de 2007, em Salvador.
50
71
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
encontradas durante a obra, como a limitação técnica dos
profissionais da construção civil do país, e também sua habilidade
em arquitetar sistemas relativamente simples e econômicos,
aliados aos recursos locais disponíveis.
Apesar de tratar melhor a respeito desse assunto em artigo que
será desenvolvido posteriormente, é conveniente vincular o pleno
funcionamento da Marcenaria Baraúna à importância que Lelé
dava ao detalhamento do projeto. O arquiteto carioca não apenas
se preocupava em desenhar todos os pormenores e equipamentos
dos edifícios como também trabalhava com o design de
ventiladores, móveis e luminárias, por exemplo, (em PORTO, 2010,
p. 19), e também planejava o transporte de cada peça 51 que eram
pensadas e produzidas exclusivamente para cada edifício, atitude
que auxiliava muito à agilidade e eficiência da execução obra. Da
mesma forma, as peças e os móveis executados em madeira são
sempre adequadas ao layout da construção contemporânea, às
suas atuais necessidades e dimensões.
Na visão de Lelé, o ato de projetar não constitui um
processo de criação individual e puramente intuitivo, o qual
possa manter-se desarticulado com os vários níveis de
conhecimento e competência técnica demandada à
exequibilidade do objeto arquitetônico. Nesse sentido, a
arquitetura enquanto linguagem e profissão prática exige
que o arquiteto, autor e detalhista do projeto, tenha uma
compreensão geral do processo, estando apto a conceber e
controlar todos os detalhes da construção e a construção
de todos os detalhes. (GUIMARÃES, 2010, p.67)
Além de cuidar para que os materiais, as técnicas e os sistemas
empregados sejam os mais apropriados possíveis, sua arquitetura
consiste em uma síntese entre “função” e “forma” determinando a
resposta mais coerente para solucionar as necessidades do
programa solicitado.
Lelé preocupava-se em produzir peças estruturais que tivessem o peso ideal para
serem carregadas pelos funcionários; e também pensava em toda logística do transporte
das peças para que a obra gerasse a menor quantidade possível de resíduos: “As peças
pré-fabricadas pesavam menos de 100 quilos, e poderiam ser transportadas por apenas
dois operáios”. Em artigo de Hugo Segawa e Ana Gabriella Lima Guimarães op. cit,
página 90.
51
72
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
A arquitetura de Lelé nasce a partir de bases conceituais
que permitem à forma incorporar a funcionalidade sem
dobrar-se a ela. A estreita vinculação do repertório formal
com o conteúdo programático e, ao mesmo tempo, a
necessidade de transcendê-lo, faz com que suas obras
mantenham uma qualidade objetual intacta ainda quando o
programa é reformulado. Na visão de alguns arquitetos
contemporâneos, a tríade – ‘programa, tecnologia e forma’
– constitui aspectos que se articulam mutualmente ao
longo do processo projetual. O repertório de estruturas
formais não se manifesta deliberadamente por uma
questão de gosto pessoal do arquiteto, mas como a síntese
daquilo que, a partir do emprego de uma tecnologia
apropriada (materiais, técnicas, sistemas e meios de
produção) e do conceito de programa aberto (flexível quanto
às possibilidades de uso), seja capaz de definir os limites
físicos da construção, o caráter representativo funcional do
objeto arquitetônico, a organização espacial e uma
composição tectônica coerente no que se refere ao
pontencial poético e a racionalidade técno-construtiva da
arquitetura. (GUIMARÃES, 2010, p.43)
É importante esclarecer que não se considera como “apuro
técnico”, nos projetos estudados no próximo capítulo, apenas a
lógica estrutural dos projetos, apesar de ser importante requisito
nesta análise. Como dito anteriormente, em concordância com a
compreensão de Lelé, uma boa arquitetura é aquela que
considera
desde
sua
concepção
parâmetros
como
o
aproveitamento correto da iluminação e ventilação naturais, e é
também aquela que preza pela escolha do material mais
adequado para determinada solução.
Por ser um indivíduo tão complexo e simples ao mesmo tempo, e,
obviamente por ter deixado como herança à arquitetura brasileira
uma obra tão excepcional, Lelé conquistou até mesmo a
admiração do mestre Lucio Costa que em 1994 declarou: “O Lelé
é o arquiteto que eu gostaria de ter sido” (PORTO, 2010, p. 10).
Marcelo Ferraz relatou em sua publicação (2011) que na época da
FAU tinham “Lucio Costa à distância: o arquiteto do plano piloto de
Brasília e alguém que militou no patrimônio histórico, mas sem
uma presença forte” (FERRAZ, 2011, p. 40), provavelmente essa
lacuna deve-se às discrepâncias entre a Escola Paulista e a Escola
73
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Carioca52. Enfatiza a ausência do estudo da obra de Lucio Costa
durante a graduação:
(...) no tempo da FAU tínhamos Lucio Costa à distância: o
arquiteto do plano piloto de Brasília e alguém que militou no
patrimônio histórico, mas sem uma presença forte. Eu me
lembro de quando o livro dele – Sobre arquitetura – foi
lançado na FAU. Foi uma disputa para tê-lo. Se por um lado
tínhamos essa vontade de conhecê-lo, os professores não
davam a devida importância. Então, de certa maneira, caia
no vazio. (...) Eu acho que faltou Lucio Costa e foi
justamente nos anos de nossa formação. Faltou muito Lucio
Costa (...). (FERRAZ, 2011, p. 40-42. O grifo é nosso).
Para a dupla Fanucci-Ferraz, de acordo com depoimento de
Marcelo Ferraz (2011) Lucio foi apresentado aos jovens arquitetos
por Lina Bo Bardi, e, de acordo com seu depoimento:
(...) Começamos então a descobrir Lucio Costa na prática do
projeto, quando tivemos que olhar o país. Lina fez isso, foi
muito forte para nos alertar sobre Lucio Costa. Ela tinha um
enorme respeito por ele. Achava ele um dos pilares, figura
central, não só pela teoria arquitetônica, mas da própria
arquitetura brasileira. Aquele que olhou para o passado e
para o futuro simultaneamente. (FERRAZ, 2011, p. 41. O
grifo é nosso).
Marcelo Ferraz dá indicações precisas de como se configura esse
aprendizado: “Lina nos ajudou a redescobrir o Brasil e nos religou
aos pioneiros como Lucio Costa, Alcides da Rocha Miranda e
outros da vanguarda brasileira” (FERRAZ, 2011, p. 30).
Assim, a característica do arquiteto e urbanista em contemplar ao
mesmo tempo a tradição e a vanguarda da arquitetura brasileira
será um dos pontos a averiguar na narrativa estabelecida a partir
da análise dos três estudos de caso no capítulo a seguir.
No que se refere ao enfoque ligado à relação entre passado e
presente, considera-se fundamental recorrer ao conceito de
“intervenção arquitetônica” do crítico catalão, Ignasi de SolàMorales (2006), que será retomado mais adiante, ainda neste
capítulo, ao construir uma narrativa que aborda o vínculo entre o
projeto contemporâneo e a preexistência de interesse histórico e
arquitetônico nas intervenções dessa natureza realizadas pelo
Brasil Arquitetura. Destaca-se que nessa produção, os autores do
52
Ver nota de rodapé número 14.
74
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
projeto procuram continuamente identificar, preservar e valorizar
importantes símbolos da cultura, da arquitetura e da história do
lugar, seja na intervenção em um edifício preexistente ou na
inserção de um equipamento em uma estrutura já estabelecida.
O primeiro projeto relacionado à intervenção em preexistência
data de 1995, trata-se do Teatro Polytheama53 em Jundiaí, interior
do Estado de São Paulo. Tudo começou em 1986, com uma
equipe composta pelos arquitetos André Vainer e Marcelo Ferraz,
coordenada pela arquiteta Lina Bo Bardi. A ocasião representou
para Ferraz a primeira grande oportunidade de conhecer os
princípios inscritos na Carta de Veneza 54. De lá para cá, projetos
com esse viés continuam como parte importante do trabalho do
Brasil Arquitetura.
Ao definir sua “ação estratégica na área do patrimônio”, Marcelo
Ferraz usa o termo “memória do futuro” (FERRAZ, 2011 p. 158),
referindo-se ao critério usado pelo escritório quando propõe
intervenções em preexistências, especialmente quando precisam
eleger o que deve ser poupado e o que deve ser esquecido. Para
eles essa ação determina que as referências da arquitetura do
passado
devem
ser preservadas
quando
forem
registros
relevantes de um período determinado ou de um “fato humano” 55
(FERRAZ, 2011, p. 158); ou também quando puderem servir de
modelo (ou inspiração) para as gerações seguintes. Segundo
palavras de Marcelo Ferraz, o único passado que os interessa é o
O edifício foi vencedor do Prêmio “Rino Levi” de Arquitetura, Prêmio Categoria “Obra
Construída” pelo IAB/SP em 1996. Também do Grande Prêmio de Reabilitação na 11ª
Bienal Internacional de Arquitetura de Quito, em 1998. E finalista na 1ª Bienal IberoAmericana de Madrid, no mesmo ano.
53
Avalia-se que os princípios indicados por Marcelo Ferraz estejam presentes no Artigo
5º da Carta de Veneza (1964), no qual se afirma que “A conservação dos monumentos é
sempre favorecida pela sua adaptação a uma função útil à sociedade”; no Artigo 7º em
que se sustenta que “O monumento é inseparável da história de que é testemunho e do
meio em que se situa”; também no Artigo 13º no qual se esclarece que “Os acréscimos
só poderão ser tolerados na medida em que respeitarem todas as partes interessantes
do edifício, seu esquema tradicional, o equilíbrio da sua composição e as suas relações
com o meio ambiente”. Fonte: http://portal.iphan.gov.br. Acesso 24 setembro 2015.
54
Entende-se como “fato humano” a preocupação com a cultura de um povo específico:
o olhar antropológico, que expressa o sentido de “pertencimento” por parte da
sociedade. Marcelo Ferraz acredita que “o arquiteto deve ter a capacidade de entender
uma situação não só física, mas socioeconômica de um espaço, de um bairro ou de uma
comunidade. Deve conversar com as pessoas e tirar daí a sua resposta, o projeto.”
(FERRAZ, 2011, p. 163).
55
75
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
“vivo” e enquanto este “servir de alimento” para o processo de
criação do escritório (FERRAZ, 2011, pp. 158-159).
De acordo com essa perspectiva, a função da preservação de
patrimônio
histórico
é
educar;
ajudar
a
compreender
a
complexidade das cidades; dar referência do melhor da produção
da Arquitetura Brasileira.
Assim, a ação do arquiteto deve sempre levar em conta a cidade,
que pressupõe uma noção complexa de patrimônio em constante
mutação: “(...) não é preciso destruir a cidade velha e construir
uma nova: elas andam paralelamente (...)” (FERRAZ, 2001, p.
162), mas é preciso sim, reconhecer aquilo que se seleciona como
memória
viva,
em
contraposição
ao
que
se
relega
ao
esquecimento. Trata-se sempre de uma avaliação crítica, que
expõe necessariamente critérios e justificativas nas quais que se
baseiam.
Do mesmo modo que se estabelece como premissa um equilíbrio
entre a permanência e a transformação, desaprova-se a
reconstrução, especialmente de ruínas, por não estabelecer
diferença entre o material original e os elementos novos de
recomposição.
O fato de reiterar Bo Bardi e Costa como referências
fundamentais, não impede que Ferraz reflita acerca da diferença
essencial entre as duas contribuições:
Lucio Costa olhava muito mais para o passado glorioso, o
passado colonial, das grandes fazendas, da arquitetura
religiosa, aquela coisa mais oficial, enquanto Lina ousava
olhar também para as pequenas coisas, a arquitetura
vernacular, a arquitetura popular. (FERRAZ, 2011, p. 41).
Lucio Costa participou da criação o SPHAN56 – Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1937. Sua presença
foi determinante para a análise e tombamento do patrimônio
arquitetônico brasileiro, a definição de critérios e normas de
Que anos mais tarde recebeu a nomeação pela de IPHAN, Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional a qual perdura até hoje.
56
76
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
classificação e também os parâmetros de intervenção em centros
históricos (FERRAZ, 2011, p. 44). A esse propósito, os critérios de
intervenção em São Miguel são assim expostos por Lúcio Costa:
“Com efeito, não se pode pensar em reconstruir São Miguel ou
mesmo recompor qualquer de suas partes; os trabalhos deverão
limitar-se, tão somente, a consolidar e conservar” (CARRILHO,
2006). À proposição do museu, antecede um cuidadoso
levantamento das estruturas remanescentes.
Marcelo Ferraz, em 2003, seguiu um rumo parecido quando
assumiu o cargo de Coordenador Geral do Programa Monumenta 57
(Programa de Preservação do Patrimônio Histórico Urbano), onde
permaneceu até 2004. Sua fala a seguir, aproxima o seu
pensamento ao de Lucio Costa no que diz respeito à conveniência
de se articular a fundamentação teórica à prática de projeto, ou
seja, de se entender os princípios como dispositivos de controle do
processo projetual:
Mas mesmo lá [no Ministério], eu me sentia de certa
maneira incomodado com o distanciamento de projeto. (...).
Eu achava que as questões de patrimônio não deveriam ser
tratadas somente com normas, decretos ou diretrizes, seja
lá o que for. A prática projetual e a busca de qualidade no
projeto são fundamentais. (WISNIK, 2001)
Yves Bruand, em seu texto “Lucio Costa: o homem e a obra” (em
NOBRE, 2004, p. 14), diz que Costa, apesar de ter iniciado sua
prática profissional durante o movimento neocolonial brasileiro, foi
extremamente eficaz em contornar este caminho e começar a
trilhar em direção ao movimento moderno, especialmente pelos
novos materiais de construção que passou a empregar junto aos
materiais tradicionais da arquitetura colonial brasileira como a
madeira, a pedra e a telha canal, por exemplo. Ainda de acordo
com Bruand, mesmo quando se apropriava de um “vocabulário
decorativo emprestado ao passado, [como aconteceu em alguns
de seus projetos para casas], eram, sob muitos aspectos,
57Informação
extraída da sessão “Cultura” do site do Jornal “O Estado de São Paulo”,
http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,arquiteto-assume-programamonumenta,20030110p3185. Acessado em 14 novembro 2014.
77
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
inovadoras quanto à articulação da planta e ao tratamento das
massas”. (BRUAND em NOBRE, 2004, p. 14)
De acordo com o também crítico e arquiteto catalão Josep Maria
Montaner, a obra de Dr. Lucio58 é célebre pela síntese entre
modernidade e tradição dos elementos constituintes da cultura
brasileira: “foi um dos primeiros em reclamar esse valor central da
expressão arquitetônica; uma expressão que deve surgir do
próprio vigor geométrico e tecnológico da arquitetura moderna”
(MONTANER, 2001, p. 92). Mais de uma década depois, Montaner
volta a enfatizar essa importância no pioneirismo de Lucio Costa,
afirmando que ele foi autor de diversos textos “sempre polêmicos
e heterodoxos”, que orientam o modo de fazer moderno a partir da
nova tecnologia e das novas formas, mas levando em
consideração a arquitetura brasileira da época colonial e da
“reinterpretação de conceitos básicos da cultura beaux-arts, como
o de ‘caráter’” (MONTANER, 2014, pp. 55-56).
Assim, a capacidade “olhar para passado e para o futuro
simultaneamente” (FERRAZ, 2011, p. 26), destacada não se trata
de um paradoxo, mas sim uma acuidade peculiar do exercício
crítico e profissional de Lucio Costa.
Marcelo Ferraz, municiado pelas estratégias adotadas por Lina Bo
Bardi e Lucio Costa, indica que as soluções propostas devem estar
vinculadas a determinadas motivações:
(...) Cada caso é um caso que tem que ser analisado... O
que derrubar? Derrubar metade? Conservar a outra? Enfim,
quais as escolhas que você está fazendo. Na arquitetura o
tempo todo você está fazendo escolhas. Cada vez que a
gente faz uma escolha uma nova realidade é colocada. A
arquitetura é uma coisa absolutamente dinâmica e que
pode alterar completamente a realidade. Por isso essa
dificuldade de se formar critérios e parâmetros rígidos.
Porque os parâmetros são móveis, são relativos (FERRAZ,
2011, p. 162).
Lucio Costa é comumente chamado de Dr. Lucio em diversos artigos sobre sua obra.
Acredita-se que começou a ser chamado assim respeitosamente, mas que, com o passar
do tempo o respeito transformou-se em carinho e gratidão pelo legado deixado à
arquitetura brasileira. No texto de apresentação da publicação “Lucio Costa: um modo de
ser moderno”, por exemplo: “Para além da esfera estritamente acadêmica, acolhemos
valiosos depoimentos de companheiros de geração que partilharam da convivência com
‘Dr. Lucio’, como lhe chamavam os mais próximos” (NOBRE, 2004, p. 8)
58
78
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Quando declarou: “O novo era o velho, e só faltava desnudá-lo.”
(FERRAZ, 2011, p. 25), é provável que, Marcelo Ferraz tenha se
referido,
à
necessidade
de
se
examinar
os
elementos
estruturantes da arquitetura ao analisar o que deve ser mantido e
preservado, isto é, ao se eliminar os excessos, os arquitetos
devem ser capazes de identificar e manter apenas os elementos
que realmente têm valor arquitetônico, histórico e cultural.
Essa compreensão aproxima-se à de Solà-Morales segundo a qual
é inadequado se pretender instituir um código de regras gerais
que possa ser replicado e utilizado em quaisquer projetos.
Uma das primeiras questões levantadas por Solá-Morales referese à relação existente entre a nova proposta e a arquitetura
preexistente. Segundo o crítico ela é “um fenômeno que muda de
acordo com os valores culturais atribuídos tanto ao significado da
arquitetura histórica como às intenções da nova intervenção”
(SOLÀ-MORALES, in NESBITT, 2006, p. 33).
Desse modo, esclarece que todo projeto de intervenção não
apenas estabelece uma aproximação formal (e espacial) entre o
novo objeto e o contexto existente, mas, especialmente, elabora
uma interpretação do material histórico sobre o qual incide. É
nessa perspectiva que o autor assinala o equívoco de se pretender
estabelecer uma doutrina permanente, ou mesmo uma definição
científica para a “intervenção arquitetônica”. Essas colocações
vêm de encontro com a própria compreensão do fazer
arquitetônico como um campo disciplinar cujos princípios e regras
correspondem necessariamente a hipóteses de validade relativa,
uma vez que são formuladas a partir de uma situação específica, e
muito dependem das variantes e especificidades do lugar, do
programa e dos usuários.
Ao analisar as diferentes posturas que se apresentam no
transcorrer do tempo, Solà-Morales comenta que nas décadas de
1920 e 30 prevalecia uma tendência a se estabelecer uma
relação de contraste entre o “velho” e o “novo”. Para exemplificar
79
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
essa conduta, menciona projetos urbanos das décadas de 1920,
como o de Mies van der Rohe para a Alexaderplatz (1921), ou o
Plan Voisin de Le Corbusier (1925), que se valem das técnicas de
fotomontagem para acentuar os contrastes entre a antiga e a nova
arquitetura. De acordo com o autor, essa relação de contraste vem
sido defendida desde a primeira Carta de Atenas (1931), cuja
diretriz afirma a necessidade de projetar novas edificações com
simplicidade tanto geométrica quanto tecnológica, com a
diferenciação dos novos materiais. Dois anos mais tarde, a Carta
de Atenas elaborada no âmbito do Congresso Internacional de
Arquitetura Moderna (CIAM) reafirma a “impossibilidade de aceitar
o pastiche histórico e busca apoio no Zeitgeist 59 para justificar a
sua exigência de que as novas intervenções em áreas históricas
utilizassem a linguagem da arquitetura do momento” (SOLÀ–
MORALES, in NESBITT, 2006, p. 258).
O autor enfatiza, entretanto, que atualmente esse contraste entre
“antigo” e “novo”, antes proposto como princípio estético
dominante em sintonia com a afirmação do Movimento Moderno,
apresenta-se hoje a partir de uma nova e mais complexa relação
entre a arquitetura contemporânea e a do passado, que se
exprime pela aproximação analógica entre ambas. Assinala que
essa nova postura, difunde-se a partir dos anos 1960, em
concomitância com a revisão crítica do racionalismo modernista,
com base na aplicação de conceitos tipológicos e no compromisso
de se elaborar o projeto contemporâneo alinhado com a releitura
das leis internas de organização do espaço e em diálogo com o
contexto existente.
Zeitgeist é um conceito introduzido em meados do século XVII. “O termo alemão para
‘espírito (Geist) do tempo (Zeit)’ refere-se ao clima moral, cultural e intelectual
característico de uma determinada era. Configura, deste modo, o ethos de um grupo
social e de suas futuras gerações, as quais compartilham uma mesma visão de mundo.
Essa perspectiva coloca ênfase sobre o pensamento predominante em um momento
específico da história”. Em: “Dialogando com noções de modernidade e pósmodernidade: o design e o espírito do tempo”, artigo escrito por Patrícia Amorim para a
Universidade Federal de Pernambuco. Disponível em:
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/r0297-1.pdf. Acesso em
04 fevereiro 2016.
59
80
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
A partir da compreensão do crítico catalão e das narrativas
referentes às afinidades estabelecidas no âmbito da cultura
arquitetônica nacional, propõe-se discorrer, sobretudo, nos três
projetos eleitos como estudo de caso, adotando-o com chave de
leitura fundamental, buscando avaliar as categorias indicadas pelo
autor: “contraste” e “analogia” entre a solução proposta e o legado
do passado com que se confronta.
Dessa forma serão apresentadas as características principais
analisadas nos três objetos de estudo no próximo capítulo. Mesmo
sabendo que não será possível tratar com a mesma atenção as
demais referências arquitetônicas identificadas nos projetos
arquitetônicos do Brasil Arquitetura,
acredita-se que seja
pertinente mencioná-las.
No decorrer das páginas de “Arquitetura Conversável” (2011) e
em entrevista à autora desta pesquisa, Marcelo Ferraz e Francisco
Fanucci indicam outros importantes nomes – ainda não citados –
que influenciaram a construção da identidade do escritório. O
breve panorama que será apresentado representa apenas um
esboço da complexidade presente na obra do Brasil Arquitetura.
Para fazer jus a ela, será necessário desenvolver artigos paralelos
cada um sobre um dos nomes que serão tratados a seguir.
Após quase quatro décadas de atividades, o Brasil Arquitetura
reconhece obviamente a importância dos modernos da FAU como
Vilanova Artigas, Le Corbusier e Mies van der Rohe, especialmente
nos primeiros anos do escritório, além do finlandês Alvar Aalto,
evidenciado por Joaquim Guedes 60 durante o curso de graduação,
mas especialmente através da experiência que Francisco Fanucci
teve durante o período em que trabalhou em seu escritório no seu
primeiro ano de formado.
Conforme relata o artigo de Gilberto Belleza (2008) formou-se arquiteto pela FAU USP
em 1954 e no início de sua carreia era possível identificar influência das linhas de
Artigas e de Le Corbusier. No entanto o projeto para o Instituto de Matemática da USP
(1963) é um marco de sua transição para uma nova fase de sua carreia com inspirações
na produção aaltiana. Em 1967, solidifica esta influência em seu projeto para a
residência Perseu Pereira quando “se utiliza da fôrma de maneira bastante racional, sem
perda do rigor lógico quanto à sua organização e construção, conforme a definição do júri
que lhe outorgou o Prêmio Rino Levi, conferido pelo IAB-SP” (BELLEZA, 2015).
60
81
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Aalto propagou a arquitetura orgânica e empírica (MONTANER,
1999, p. 76). Ele foi o líder dos arquitetos nórdicos no
desdobramento da arquitetura do americano Frank Lloyd Wright
sendo responsável tanto pela manifestação da natureza como
metáfora de sua arquitetura, como definitivamente, pela relação
da intervenção arquitetônica em relação ao lugar no qual será
inserida (MONTANER, 1999, pp.34-35).
Desde o pós-guerra, em 1945, passa a desenvolver uma
arquitetura ligada à simplicidade da arquitetura vernácula da
Finlândia, seu país de origem, ao mesmo tempo em que começa a
questionar a ortogonalidade do funcionalismo (COHEN, 2013, p.
361). Contrariando o Estilo Internacional, para Aalto, cada projeto
é único e não pode ser estereotipado.
Na arquitetura, o objetivo da padronização não é produzir
tipos, e sim, criar variedade e riqueza que possam, em uma
situação ideal, ser comparadas com a ilimitada capacidade
da natureza para gerar variação. (AALTO em COHEN, 2013,
p.361)
E, dentre as autoridades contemporâneas, que, assim como Aalto
rejeitam-se a estereotipar suas soluções e a não considerar o
contexto (ou a atmosfera) adjacente à nova intervenção que será
implantada, estão o português Álvaro Siza e o suíço Peter Zumthor.
Sobre Álvaro Siza, Vittorio Gregotti, arquiteto e crítico italiano,
acredita que seu grande sucesso e reconhecimento internacional
como arquiteto se deva ao fato dele ser o oposto ao que está em
voga atualmente, um mundo que “crê em uma arquitetura que
representa o terreno em que a arquitetura se enraíza”.
(...) representar algo totalmente diferente, neuroticamente
isolado, tenazmente afetuoso, duramente tímido,
desinteressado da acumulação do capital comunicativo de
massa, poeticamente interessado na economia da
expressão (...) (GREGOTTI em SIZA, 2012, p. 11).
Siza acredita que o principal elemento para tornar-se um bom
arquiteto é o “exercício da observação”. Para ele, “quanto mais
observamos, tanto mais clara surgirá a essência do objeto. E esta
consolidar-se-á como conhecimento vago, instintivo (SIZA, 2012,
82
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
p.128).
Para o português, o desenho é mais do que uma “linguagem
autônoma”, para ele, desenhar é procurar “por meio da escrita do
desenho uma série de ressonâncias que progressivamente
funcionem como parte de um todo (...)“. Segundo Gregotti, os
desenhos devem manter “a identidade das razões da sua origem
contextual” (GREGOTTI em SIZA, 2012, p. 12-13). No entanto,
também devem traduzir com clareza a organização das
sequências e dos percursos.
Rafael Moneo (2008, p.185) o descreve como uma “figura
poliédrica”, e afirma que “é o mais genuíno representante de uma
arquitetura que é entendida como continuidade do que foram o
pensamento e os princípios do movimento moderno”, assegurando
que a obra de Siza pode ser considerada como “a quintessência
desse movimento”, ao mesmo tempo em que o avalia como “o
máximo representante da arquitetura engajada com o popular,
com a construção tradicional”. Acredita que “(...) para ele o fazer
arquitetônico não se produz a partir da tábula rasa (...)” (MONEO,
2008, p.191):
É como se na obra de Siza descobríssemos o mais
essencial, aquilo que caracteriza o fenômeno arquitetônico
com mais força. Nela a arquitetura em estado puro se
transforma sempre em protagonista. (MONEO, 2008,
p.158).
Segundo Marcelo (FERRAZ, 2011), além de introduzir Lucio Costa
como referência e de intermediar a experiência esporádica,
contudo, muito estimada, com o arquiteto Lelé na ocasião do
projeto da Ladeira da Misericórdia que fazia parte do plano de
revitalização e recuperação do Centro Histórico da Bahia (19861990), Lina Bo Bardi também apresentou à dupla arquiteturas
internacionais até então pouco comentados no Brasil naquele
período como a Revista Mimar (com arquitetura do oriente editada
por Aga Khan), o holandês Aldo van Eyck, os alemães Bruno Taut,
Peter Behrens e Hans Poelzig. Também Geoffrey Bawa, arquiteto
do Sri Lanka e o indiano Charles Correa.
83
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
Quando passaram a olhar atentamente para a cultura brasileira,
perceberam que pelo mundo, muitos outros arquitetos também
possuem essa aptidão e que, muitas vezes, é essa capacidade
que os tornaram ícones da arquitetura em seus países. É o caso
de Luis Barragán, Louis Kahn, Sverre Fehn e Geoffrey Bawa que,
segundo Marcelo Ferraz (2011, p. 30), fazem parte da terceira
geração61 do moderno.
Seguindo a tradição brasileira, nós também ‘comemos e
tentamos digerir’ essa variedade de influências em nosso
trabalho. Convivência tem sido a palavra chave para
explicar isso, convivência entre tempos – passado e futuro
–, técnicas – alta e baixa, e materiais –, todos, sem
preconceito (FERRAZ, 2011, p. 30. O grifo é nosso).
Louis Kahn desenvolveu uma arquitetura única que revolucionou
os “mecanismos tipológicos”, pois defendia “o valor universal e
repetitivo das formas, recriação dos significados simbólicos de
cada forma geométrica” e também recorria aos “sistemas
acadêmicos de articulação dos edifícios”,
como simetria,
axialialidade, hierarquia, etc. (MONTANER, 1999, pp.130-131).
Assim como Álvaro Siza, Kahn entende que a arquitetura só pode
ser apreendida através da interpretação direta (ou da observação,
como dito por Siza), através de desenhos realizados em viagens ou
do estudo de ícones da arquitetura, como os monumentos
históricos, por exemplo. Segundo Montaner (1999, p. 78) “a crise
do funcionalismo teve como um dos principais protagonistas
autores como Louis Kahn”, também o considera como último
arquiteto moderno (1999, p. 31). Seria possível afirmar que, com
essa colocação, o crítico catalão está se referindo à Kahn como o
arquiteto da transição entre o modernismo e o pós-modernismo? O
fato é que ao publicar “Function” e discutir noções de “significado
e intenção”, “usos da história” e “representação formal”
Segundo Josep Maria Montaner (1999), Lina Bo Bardi também faz parte desta 3ª
geração, junto a nomes como Louis Kahn, Jorn Utzoon, Denys Lasdun, Aldo van Eyck,
Luis Barragán e Fernando Távora (p. 12), e inclui Lucio Costa na geração posterior a de
Le Corbusier (p. 32),
61
84
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
estabeleceu o núcleo das questões debatidas pelos pósmodernistas das décadas de 1970-80. (KAHN, 2012)
Da mesma forma que Lucio Costa, Kahn “tenta manter vivo os
conceitos da tradição acadêmica dentro da nova tradição
moderna” (MONTANER, 1999, p. 100) e foi o único americano a
participar do X CIAM em Otterlo, mostrando forte interesse no
debate proposto pelos jovens do Team X, pelos quais era muito
admirado.
Para o americano, não há legado maior que um edifício pode
deixar do que servir à instituição do homem, quer seja esse
edifício público ou privado (KAHN, 2012, p.21). Também concorda
que o edifício proposto deve sempre considerar “a influência do
que o rodeia”, ou seja, sempre prestar atenção na relação do novo
com o seu entorno.
Peter Zumthor é um arquiteto suíço e a maioria de seus trabalhos
está localizada na porção alemã da Suíça. Segundo Montaner
(1999, p. 190), sua arquitetura tenta “desvendar novas formas
baseadas na simplicidade, no jogo de escalas, nas formas cúbicas
e no uso estrito e repetitivo dos materiais”.
Zumthor afirma que aquilo que o toca quando passeia por um
parque, por exemplo, é toda a informação que o rodeia: as
pessoas, o ar, os ruídos, os sons, as cores, a presença dos
materiais, as texturas e as formas, mas esclarece que as formas
que o interessam são aquelas que “consegue entender”,
enfatizando sua crença de que as formas devem ser simples
(ZUMTHOR, 2006, p. 17). É essa a atmosfera que ele busca
transpassar aos usuários de suas obras, para ele a atmosfera “é
uma categoria da estética” (EHLERT em ZUMTHOR, 2006, p. 7).
Essa visão fenomenológica presente no pensamento de Zumthor
aproxima-se ao de Heidegger, que como citado anteriormente
nesta etapa do trabalho tanto instiga Francisco Fanucci, segundo o
qual habitar indica “ser trazido à paz de um abrigo”, (...)
“permanecer pacificado na liberdade de um pertencimento,
85
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
resguardar cada coisa em sua essência” (HEIDEGGER em BOGEA
2013).
Resguardar é, em sentido próprio, algo positivo e acontece
quando deixamos alguma coisa entregue de antemão ao
seu vigor de essência, quando devolvemos, de maneira
própria, alguma coisa ao abrigo de sua essência, seguindo a
correspondência com a palavra libertar (freien): libertar para
a paz de um abrigo.(...) O traço fundamental do habitar é
esse resguardo (HEIDEGGER em BOGEA 2013).
Assim, seu raciocínio e metodologia projetual o levou a
desenvolver nove pontos fundamentais para a criação de
atmosferas: “o corpo da arquitetura”; “a consonância dos
materiais”; “o som do espaço”; “a temperatura do espaço”; “as
coisas que me rodeiam”; “entre a serenidade e a sedução”; “a
tensão entre interior e exterior”; “degraus de intimidade”; e, por
fim “a luz sobre as coisas”. Todos estes aspectos são
instrumentos que o auxiliam a conceber espaços que o motivam a
partir de três enfoques principais: “a arquitetura como espaço
envolvente”, a sensação de “harmonia” e a “forma bonita”
(ZUMTHOR, 2006).
(...) a arquitetura é feita para nós a utilizarmos. (...) Acho
que essa também é a tarefa mais nobre da arquitetura, o
fato de ela ser uma arte para ser utilizada, mas o mais belo
é quando as coisas se encontram, quando se harmonizam,
formam um todo. O lugar, a utilização e a forma. A forma
remete para o lugar, o lugar é este e a utilização é esta.
(ZUMTHOR, 2006, p. 69).
No capítulo a seguir, serão analisados três projetos selecionados:
o Museu Cais do Sertão, em homenagem à Luiz Gonzaga no
Recife (PE), o Museu do Pão em Ilópolis (RS) e o Terminal
Rodoferroviário em Santo André (SP). Nas três situações serão
investigadas
as
características
mencionadas
nas
páginas
anteriores: o olhar antropológico de Lina Bo Bardi; o rigor técnico
de Lelé; a capacidade de olhar para o passado e para o futuro
(Lucio Costa); a racionalidade do traçado de Artigas e Le Corbusier,
representando os anos de formação na FAU e os primeiros anos
do Brasil Arquitetura; a simplicidade vernácula de Alvar Aalto; o
poder imaginativo de Álvaro Siza;
86
o respeito aos conceitos
PRINCÍPIOS E CONJECTURAS
acadêmicos (como simetria e hierarquia) de Louis Kahn; e a
criação das atmosferas nos edifícios propostos de Peter Zumthor.
87
PROJETOS E CONTEXTO
Imaginar significa recordar aquilo que a memória escreveu
dentro de nós e colocá-la em confronto com as exigências e
as condições, mas também elevar as exigências e as
condições ao nível da sua real complexidade, e por fim,
restituí-las na simplicidade oblíqua do projeto.
(GREGOTTI, em SIZA, 2012, p. 13).
Admitindo que toda restrição pode ser considerada uma
precipitação, mas com o objetivo de melhor organizar a estrutura
analítica para entender algumas das motivações projetuais, e
buscar compreender a quais memórias os líderes do Brasil
Arquitetura recorrem quando se deparam com a folha em branco,
foram selecionados três projetos como objeto de estudo nos quais
será observado de que modo respondem às questões referentes
aos parâmetros indicados abaixo:
1. Implantação: como é feita a relação do novo com o existente?;
2. Programa arquitetônico: o que o edifício pode proporcionar aos
usuários?
3. Técnica construtiva: quais técnicas e materiais construtivos
foram aplicados no projeto?
A partir desse encadeamento lógico, que visa o cumprimento do
objetivo elementar deste estudo que é o de analisar, no conjunto
de três obras eleitas como representantes da produção de quase
quatro décadas do escritório paulistano Brasil Arquitetura, a
constância das três características, entendidas como principais,
presentes no conjunto da produção do escritório e apresentadas
no primeiro capítulo deste estudo: o olhar antropológico (de Lina
Bo Bardi); o rigor técnico (de Lelé) e a capacidade de olhar para o
passado e para o futuro simultaneamente (de Lucio Costa). A
análise será direcionada para a compreensão da coerência com a
exatidão construtiva, a maneira com a qual lidam com as
adversidades durante as obras e também a desenvoltura em
arquitetar sistemas relativamente simples e econômicos, aliados
aos recursos disponíveis e singularidades de cada lugar.
Serão apresentadas, a seguir, as análises a respeito do Museu
Cais do Sertão Luiz Gonzaga (2009/xxxx); do Museu do Pão (200588
PROJETOS E CONTEXTO
2008); e do Terminal Rodoferroviário (1998/1999), distribuídos
por três regiões do Brasil, já que estão no Recife (PE), Ilópolis (RS)
e Santo André (SP), respectivamente.
Cais do Sertão Luiz Gonzaga (2009/xxxx) – Recife, PE
autores: francisco fanucci, marcelo ferraz e pedro del guerra
colaboradores: anne dieterich, anselmo turazzi, beatriz marques, cícero ferraz
cruz, fabiana fernandes paiva, felipe zene, fred meyer, gabriel grinspum, gabriel
mendonça, luciana dornellas, victor gurgel, andré carvalho, júlio tarragó e laura
ferraz
projeto curatorial e direção de criação: isa grinspum ferraz
concepção conceitual: antônio risério
área: 7000 m2
Vivo minha vida aprendendo sem parar, às vezes dói, às
vezes encanta. Nunca me lembro de, num pedaço de tarde
ter aprendido tanto. O Brasil precisa ver este Centro de
Lazer, que é uma árvore para fazer dele semente.
(Texto escrito por Darcy Ribeiro no livro de visitas do SESC
POMPÉIA em 17 de abril de 1983, disponível na contracapa
do livro “Cidadela da Liberdade”, que fala sobre o projeto e
construção do conjunto. O grifo é nosso).
Localizado na avenida Alfredo Lisboa, em área que pertence à
porção histórica do Recife, em frente ao Parque das Esculturas
Francisco Brennand e apenas a quatrocentos metros de distância
do marco zero da cidade (Praça Barão do Rio Branco), separados
pelo grande galpão que abriga o complexo do Centro de
Artesanato do Pernambuco, encontra-se o conjunto arquitetônico
do Cais do Sertão (Figura 07).
89
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 07: A imagem, retirada do Google Earth
em 10 de julho de 2016, explica a localização
do Museu em relação à Praça Barão do Rio
Branco, marco zero da cidade, e ao Parque das
Esculturas Francisco Brennand.
Com o objetivo de ter uma visão mais panorâmica do entorno
urbano, utilizou-se além do material enviado pelo escritório, a
imagem área do Google Earth, em 10 de julho de 2016, ainda que
esse registro não mostre nem o esqueleto da segunda edificação
(Figura 08).
Figura 08: Implantação em escala maior na qual é possível observar melhor
a situação do entorno. Fonte: Google Earth em 10 de julho de 2016.
A imagem aérea evidencia a maior existência de coberturas com
telhas cerâmicas e uma morfologia de lotes que seguem a malha
tradicional, características típicas de uma área com edificações
históricas. No lado oposto da avenida Alfredo Lisboa, as
edificações datam do século XIX e do início do século XX, e, apesar
do bloco em funcionamento seguir tanto as proporções quanto o
tipo de cobertura que os demais galpões mantidos, o conjunto
90
PROJETOS E CONTEXTO
proposto, contemporâneo, apresenta-se como um contraste em
relação às demais construções do entorno que também são
predominantemente de uso cultural: Museu a céu aberto, Caixa
Cultural, Marco Zero, Sinagoga Kahal Zur Israel, Embaixada dos
Bonecos Gigantes, Arquivo Judaico de Pernambuco, Torre
Malakoff, Paço do Frevo e o Centro de Artesanato do Pernambuco
(Figura 09).
Figura 09: O trajeto
feito a partir do Cais do
Sertão até o marco zero
do Recife permitiu
observar as
características das
construções com
predominância da
arquitetura histórica.
Fonte: Acervo da
autora, em maio de
2016.
91
PROJETOS E CONTEXTO
A figura 10 auxilia a melhor compreensão a respeito do atual
contexto do conjunto, com localização dos blocos e situação do
que está construído e o que está “a construir”. O terreno
disponível está envolto por um retângulo amarelo, e dentro dele há
o retângulo azul (com o galpão construído) e o verde (cuja
construção está paralisada). A circunferência em vermelho indica
o marco zero da cidade, e comprova a proximidade do Cais do
Sertão.
Figura 10: A figura ao lado auxilia a compreender a atual situação do
conjunto. Em vermelho, a Praça Barão do Rio Branco, onde está o marco
zero do Recife. Em amarelo, está destacada a área total do conjunto das
quais se destaca em verde o edifício já construído e em azul a edificação
ainda inacabada. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Ao identificar nessa intervenção uma importante comunicação
entre a tradição do entorno e a contemporaneidade do edifício
proposto, julgou-se necessário recorrer ao entendimento do crítico
Solà Morales, que, conforme comentado no capítulo anterior,
entende a relação de contraste como uma estratégia comum na
primeira metade do século XX, reportada nas Cartas de Atenas
(especialmente na de 1933, uma vez que a de 1931, associada ao
pensamento do campo da restauração, defende a noção de
ambiência ao recomendar os princípios de intervenção nos bairros
históricos), cuja diretriz afirma a necessidade de projetar novas
edificações em áreas históricas seguindo a utilização da
linguagem
arquitetônica
92
do
momento,
evidenciando
a
PROJETOS E CONTEXTO
diferenciação dos novos materiais e a negação ao pastiche
histórico, e coerente com o espírito e valores do próprio tempo em
que a intervenção é feita (SOLÀ–MORALES, in NESBITT, 2006, p.
258).
Com
relação
a
essa
discussão,
mostra-se
oportuno
o
entendimento de Marta Bogéa (2015) acerca da acuidade do traço
profissional, aplicado aqui ao projeto museográfico, que ecoa o
modus vivendi característico do lugar:
Arquitetura entendida não apenas como meio técnico de
configuração formal para atender a uma demanda, mas
como elemento reorganizador da vivência nos lugares. Para
realizar essa reorganização constrói o programa como
possibilidade para uma vida desejável a partir das
possibilidades do que lá está.
Somente ao realizar a visita técnica, em maio de 2016, é que a
autora da pesquisa pôde notar que a fachada com os cobogós –
elementos marcantes para a identidade do edifício, identificados
como o símbolo do projeto. Ainda não está pronta, pelo contrário, o
que se encontra, ao visitar o conjunto, são apenas cortinas de
concreto com laje em projeção para a fixação dos elementos
vazados, deixando espaço para a instalação dos aparelhos de arcondicionado, que serão posteriormente encobertos pela camada
externa constituída pelos cobogós (Figura 11).
Figura 11: Render da fachada frontal em que se destaca o grande vão que
possibilitará a vista para o mar. Este bloco ainda não está concluído. Fonte:
Acervo Brasil Arquitetura.
93
PROJETOS E CONTEXTO
A obra deveria estar concluída em agosto de 2013, três anos
depois e o conjunto ainda não está completo. Somente um dos
dois edifícios está em atividade, como mostra a figura 12. O bloco
em construção abrigará auditório, cafeteria, restaurante e salas de
aula.
Figura 12: A placa, assinada pelo Governo Federal, informa que a obra teve
inicio em 2011 e previsão de conclusão em agosto de 2013.
Fonte: Acervo da autora. Fotografado em maio de 2016.
É sabido que foi doutor Lucio Costa quem reintroduziu os
muxarabi, artefato de origem árabe-islâmica, na arquitetura
moderna brasileira quando faz uma revisitação histórica às
técnicas construtivas do período colonial (Figura 13).
94
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 13: Acima:
Casa Hungria
Machado (foto PB):
vista externa com
jardim, década de
1940. Foto: Marcel
Gautherot. Abaixo:
Casa Hungria
Machado: janela de
treliça, década de
1940. Foto: Lucio
Costa. Via: Instituto
Jobim,
http://www.jobim.org
/lucio/handle/2010.
3/48 Acesso em 27
julho 2016
Os muxarabis possibilitam maior aproveitamento da iluminação e
ventilação natural sem prejudicar a privacidade requerida aos
ambientes internos. São versáteis porque é possível controlar os
níveis de incidência (de luz ou de calor) através traçado
95
PROJETOS E CONTEXTO
proveniente das ripas de madeira (ou mais abertos ou mais
fechados).
Com as mesmas vantagens, foram criados, na década de 1920,
os elementos vazados em concreto, e mais tarde, em vidro e
posteriormente em blocos cerâmicos esmaltados, popularmente
conhecidos como “cobogós”, muito mais utilizados atualmente por
serem elementos modulares, produzidos em série, ainda que de
forma artesanal.
Conhecendo toda a história e a importância desse elemento, o
Brasil Arquitetura propõe para o segundo volume (ainda não
edificado) uma fachada preenchida por cobogós que muito tem a
ver com as questões físicas e sociais da região na qual se insere,
pelas vantagens de iluminação e ventilação descritas acima.
Conceberam o desenho das peças com uma representação
impregnada de simbologias vinculadas às raízes locais, a partir da
matriz do desenho formado pelos galhos das árvores e das
fissuras presentes na terra seca. O processo de concepção do
traçado dos cobogós está representado na figura 14.
Figura 14: Matrizes do piso rachado e das árvores secas, inspirações para
o desenvolvimento dos cobogós que preenchem a fachada do Museu Cais
do Sertão. Fonte: Memorial do Projeto via ArqBrasil.
Os 2,2 mil cobogós que preenchem as duas fachadas do edifício
ainda não concluído, conforme esclarece Marcelo Ferraz em sua
explicação sobre o projeto, foram selecionados por três fatores: o
cultural, pelo fato de corresponder a um elemento peculiar da
96
PROJETOS E CONTEXTO
arquitetura tradicional nordestina; o estético, pois aproveitaram o
traçado para fazer uma referência à paisagem do sertão; e o
funcional,
já
que
os
elementos
vazados
protegem
os
equipamentos de ar-condicionado que precisam ficar no lado
externo do edifício.
O edifício ainda não construído, à primeira vista parece muito mais
interessante, do ponto de vista estético, especialmente pelo uso
dos cobogós e pela condição de sua implantação: um bloco
suspenso que amplia a vista da paisagem e, ao mesmo tempo,
emoldura a visão do mar para quem percorre a avenida Alfredo
Lisboa,
- possibilitando um panorama semelhante àquele
desvendado pelo vazio do MASP, de Lina Bo Bardi - para o porto.
No entanto, como não há previsão da conclusão total do edifício, a
análise que será apresentada a seguir se deterá ao edifício que
está pronto, em atividade atualmente. O desenho enviado pelo
escritório em janeiro de 2016 é parcial e se limita a mostrar a
posição central do edifício em relação ao eixo transversal da
calçada, como pode ser visto na figura 15.
Figura 15: Implantação total do conjunto com destaca para o detalhe 01
(acima) e com uma interrupção na imagem original (a baixo), na qual aproximase a escala para destacar apenas o edifício em funcionamento. Em azul, está a
representação do porto, contíguo ao lote. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
97
PROJETOS E CONTEXTO
No bloco edificado estão instaladas dezesseis diferentes modelos
do elemento vazado e, mesmo em pequena quantidade, é possível
perceber o efeito estético que as fachadas principais (Figura 16).
Figura 16: Cobogós instalados no edifício construído, parte externa e parte
interna, respectivamente. Cada uma das peças mede cerca de 1,1m x 1,1m.
Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Os visitantes iniciam seu percurso na praça seca cujos lados
medem vinte e cinco metros de comprimento por vinte metros de
largura, onde está plantado o grande juazeiro, árvore símbolo da
caatinga nordestina, inserido dentro de um cilindro de concreto
com doze metros de diâmetros e que possui bancos em toda a sua
circunferência para acomodar os visitantes ou os transeuntes do
entorno (Figura 17).
Figura 17: “Praça Seca” que recebe os visitantes ou os transeuntes que
desejem apenas repousar sob a sombra. Fonte: Acervo da autora, em maio
de 2016 (acima) e corte enviado pelo escritório (abaixo).
98
PROJETOS E CONTEXTO
Além de ser uma forte referência do lugar, a árvore contribuirá
para dar as boas vindas e preparar o visitante para a atmosfera
que enfrentará no interior do museu. Segundo depoimento de
Francisco Fanucci em entrevista concedida à revista “Contraste”,
número 01 (2013, p.46), as folhagens do juazeiro variam de
acordo com a estação do ano e, consequentemente, os níveis de
incidência solar também transformam-se
dessa maneira,
permitem mais ou menos vento, mais ou menos calor e também
mais ou menos sombra, como canta Luiz Gonzaga:
(...) vai estar naquele lugar, ao longo do ano, como uma
medição do tempo. Isso é como trazer alguma coisa do
sertão de uma forma muito mais rica. Nós poderíamos ter o
juazeiro como lembrança, uma foto, e pronto, estava feito.
Não estava feito... (Em Revista Contraste, n. 01, 2013, pp.
41-72).
Assim, a abertura de formato circular que mede 12 metros de
diâmetro e 1,70 metros de altura, equivalente à laje interna do
edifício, feita para abrigar e permitir que o juazeiro possa crescer
livremente e dar boas vindas aos visitantes. As mudanças
previstas por Francisco Fanucci puderam ser confirmadas na visita
técnica realizada em maio de 2016, como pode ser percebida a
comparação à configuração da árvore em sua inauguração em 03
de abril de 2014 (Figura 18).
Figura 18: Um juazeiro, árvore típica da caatinga nordestina. Fonte: À
esquerda, enviado pelo Institucional do Cais do Sertão (foto de Léo Caldas na
inauguração do Cais em 03 de abril de 2014). À direta, acervo da autora, em
maio de 2016.
Passando pelo juazeiro, o usuário, ao adentrar o pavilhão
construído, que mede 85 metros de comprimento por 20 metros
de largura, o visitante chega à recepção, que tem pé-direito duplo
99
PROJETOS E CONTEXTO
e um acervo de vestimentas alegóricas utilizadas pelo “rei do
baião”, onde está também a bilheteria e guarda-volumes.
Logo após atravessar essa parte do museu, o visitante se depara
com um mar de informações a respeito da cultura nordestina e da
vida do rei do baião, com instalações interativas, como o “Jogo da
Seca”, totens eletrônicos e salas como: o Sertão Mundo, a Casa do
Transtempo, Sala do Imbalança, a Sala de Poesia, o Túnel do
Capeta, o Túnel das Origens (Figura 19).
Figura 19: Nas imagens acima, é possível perceber como os elementos
tradicionais da cultura sertaneja relacionam-se com totens tecnológicos que
possibilitam maximizar a interatividade e a experiência do visitante.
Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Segundo Evelise Grunow, em seu artigo “Sertão no Cais” na revista
Projeto Design nº 414 (setembro de 2014), a curadoria é dividida
em sete núcleos – Ocupar, Viver, Trabalhar, Cantar, Criar, Crer e
Migrar – estão organizados a partir da biografia de Luiz Gonzaga
“para
falar
de
forma
poética
sobre
contemporaneidade do sertão” (Figura 20).
100
a
história
e
a
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 20: Layout esquemático que demonstra a organização dos sete núcleos
organizadores da museografia. Fonte: Memorial do projeto via ArqBrasil.
No mezanino, o visitante pode conhecer a discografia de Luiz
Gonzaga, a biblioteca sertaneja, participar do karaokê sertanejo, e
aproveitar a sala com instrumentos musicais (Figura 21).
Figura 21: Espaços oferecidos ao visitante no mezanino.
Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
O bloco predominantemente horizontal tem cobertura de telhas
metálicas termoacústicas sustentada por uma treliça metálica cuja
cumeeira está há aproximadamente 14 metros do piso, e mede
3,40 metros de altura. Acima da recepção há um mezanino
sustentado por uma laje nervurada em concreto armado que mede
1,70 metros de altura (Figura 22).
Figura 22: Corte transversal
que mostra o mezanino
administrativo e a treliça
metálica que sustenta a
cobertura. Fonte: Acervo da
Brasil Arquitetura.
101
PROJETOS E CONTEXTO
O esqueleto estrutural que sustenta a cobertura de treliças
metálicas e é feito com pilares de perfil H, também metálicos
(Figura 23).
Figura 23: Estrutura metálica vista da altura da laje que resguarda o
mezanino. É possível ver os galhos secos do juazeiro, já plantado em seu
canteiro. Fonte: Acervo da Brasil Arquitetura.
No pavimento térreo, são trinta e seis pilares estruturais em
concreto dispostos como segue (Figura 24):
Figura 24: Planta com a disposição dos pilares e cotas (inseridas pela
autora) que auxiliam o entendimento da distribuição dos pilares.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
- na primeira porção do edifício, onde está localizada a recepção
do museu, e que segue até os primeiros 10 metros do
comprimento total do pavilhão, há seis peças, três de cada lado,
com formato retangular 0,50 x 0,20 metros e estão camufladas
dentro das paredes.
102
PROJETOS E CONTEXTO
- o segundo trecho do pavilhão, onde o pé-direito é mais alto com
9,7 metros de altura, inicia-se a partir dos primeiros dez metros e
se estende até metade do edifício (Figura 25).
DETALHE 01
Figura 25: Planta aproximada (DETALHE 01) com destaque para o segundo
trecho do pavilhão no qual é possível perceber sua concepção estrutural, em
preto. Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura.
Neste trecho os pilares em concreto, ao todo dez pilares, cinco de
cada lado, em formato de “T”, com medida 0,50 x 0,20 metros,
porém com uma sobressaliência de 0,20 x 0,30 revestida com a
mesma fôrma de concreto do restante das paredes (Figura 26).
Seguem uma malha estrutura que os colocam a 4,55 metros de
distância um do outro.
103
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 26: A seta indica o pilar com a
sobressaliência de 0,20 x 0,30 metros
revestida com a mesma fôrma de
concreto que as paredes internas. Fonte:
Acervo da autora, em maio de 2016.
- nos últimos quarenta e seis metros do comprimento do pavilhão,
são vinte pilares de concreto (dez de cada lado). Eles são
retangulares e medem 0,40 x 0,20 metros. Estão dispostos a 4,8
metros de distância no sentido longitudinal, e 20 metros
transversalmente (Figura 27).
DETALHE 02
Figura 27: Planta aproximada (DETALHE 02) com destaque para o terceiro
trecho do pavilhão no qual é possível perceber sua concepção estrutural,
em preto. Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura.
Uma escada reta, que possui três patamares, cujos degraus são
metálicos e ficam engastados na parede, conferindo suavidade,
104
PROJETOS E CONTEXTO
conduz o visitante até o piso superior, onde os pilares, também em
concreto, possuem seção circular (Figura 28).
Figura 28: Escada reta com degraus metálicos e pilar de sessão circular no
pavimento do mezanino. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
A respeito do artigo (BRENDLE E VIEIRA, 2012) comentado no
início desta análise, não há como ignorar a atenção da arquiteta
Lina Bo Bardi ao conjunto fabril preexistente e a decisão de
conservá-lo para transformá-lo no SESC Pompéia, que, muito
embora apresentasse uma séria restrição de área para a
acomodação dos setores esportivos, devido à existência do
córrego Águas Pretas, foi mantido como parte do conjunto
industrial, optando, ao invés disso, por verticalizar os edifícios
novos e uni-los por meio de passarelas suspensas. Se por um lado,
serão enfatizadas as afinidades de postura, por outro, cabe aqui
assinalar essa divergência de postura na obra do museu do Brasil
Arquitetura.
Nas palavras de Ferraz (2011, p. 122), os trabalhos de Dona Lina
são “todos tão generosamente dedicados ao povo brasileiro” que
não poderiam deixar de ser referência para uma homenagem ao
rei do baião, Luiz Gonzaga (1912-1989), uma das mais completas,
importantes e inventivas figuras da música popular brasileira.
Dessa forma, impregnados por essa essência, ele e seu sócio
Fanucci, cumpriram o papel que lhes foi confiado de instituir um
museu dedicado às culturas sertanejas em Pernambuco: o Museu
Cais do Sertão Luiz Gonzaga.
105
PROJETOS E CONTEXTO
Ambas as propostas (SESC Pompéia e Cais do Sertão) tratam da
reutilização de um edifício, ou parte dele, anexo a uma nova
construção, contígua. No caso do projeto do Cais do Sertão, parte
das construções do complexo do porto do Recife foi aproveitada e
transformada, em dois galpões para uso cultural, assim como o
projeto para o SESC que “teve como premissa básica recuperar e
manter a velha fábrica intervindo através de uma perspectiva
contemporânea” (VAINER; FERRAZ, 1999, p.26) com o objetivo de
adequar-se ao novo uso, o cultural.
Além dessa característica de relacionar novo e velho (tradicional e
moderno) com novo uso, é possível identificar entre eles
semelhanças ligadas à temática das exposições de cunho popular
e também referências à cultura nordestina, como acontece na
menção feita ao rio São Francisco em ambos os casos.
Nos dois espaços, um espelho d´água de traçado sinuoso aparece
como elemento espacial em tributo ao rio. Há “pontes” criadas
(em pedra, no SESC e em vidro temperado no CAIS) para que os
visitantes possam transpassar de um lado para o outro sem
dificuldade.
No projeto de Lina o rio se configura com um rebaixo no piso de
pedra goiás, definindo o traçado sinuoso do espelho d´água cujo
fundo é preenchido com seixos rolados. O que ocorre no “velho
Chico” do Brasil Arquitetura é o revestimento do fundo do rio, mais
homogêneo, aparentemente revestido com uma mistura de
cimento e seixos, além de possuir uma demarcação na borda
definindo um arremate na junção, pela figura 29, demonstra ser
alguns centímetros mais profundo do que a versão de Lina Bo.
106
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 29: Referências ao Rio São Francisco em ambos os casos – SESC
Pompeia e Cais do Sertão, onde é possível observar as semelhanças e
discrepâncias formais entre eles. Ambas as fotos tiradas pela autora. A
primeira em dezembro de 2014 e a segunda em maio de 2016.
A menção é significativa, pois nos dois edifícios o Velho Chico
(como é afetivamente conhecido) foi implantado em área nobre:
na área de convivência dos visitantes. É importante lembrar que o
rio é um bem valioso para os cinco estados pelo qual passa: Minas
Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, percorrendo mais
de 500 municípios. Economicamente, há trechos navegáveis além
de ser fundamental para a irrigação de plantações e para pesca.
Também na figura acima é possível perceber outra característica
diferente entre os dois casos, observando-se que as duas imagens
foram feitas no período vespertino: o aproveitamento da
iluminação natural. Enquanto Lina aproveita-se do perfil dos sheds
da cobertura existente no edifício industrial ampliando ainda mais
a iluminação zenital com fileiras de telhas de vidro, o projeto do
Brasil Arquitetura vale-se da utilização da iluminação artificial,
provavelmente por conta da tipologia do edifício que não permite
prever iluminação zenital.
Porém, há muitas analogias presentes neste projeto, e talvez a
mais forte delas seja referente à museografia que muito se
107
PROJETOS E CONTEXTO
inspirou nas estratégias de Lina Bo Bardi, especialmente na
utilizada por ela para a exposição “Caipiras, Capiaus: Pau-a-Pique”
(1984) cujo mérito foi o de recriar ambientes da vida rural do
interior de São Paulo e de Minas Gerais construindo a casa de
pau-a-pique, a venda, o paiol e a capela, todos equipados
internamente com forno a lenha e alambiques (Figura 30).
Figura 30: Acima, “Caipiras, Capiaus: Pau-a-Pique” em 1984 VAINER;
FERRAZ, 1999, páginas 70. Abaixo, duas imagens registradas pela autora
em visita técnica ao Cais do Sertão em maio de 2016.
108
PROJETOS E CONTEXTO
No Museu Cais do Sertão, as toras de madeira pintadas com cores
diversas estão engastadas no chão e suspensas por cabos de aço
presos no forro técnico, que fica cerca de 12 metros distante do
piso do pavimento térreo, aparente junto às treliças da estrutura
metálica, ao sistema de iluminação natural, aos canos de
hidráulica e ao sistema de ar condicionado, que está presente em
todos os ambientes do museu (Figura 31).
Figura 31: Na imagem, registrada pela autora em visita técnica ao Cais do
Sertão em maio de 2016, é possível verificar o grau da complexidade
resolvida no forro técnico com instalações a parentes.
Outra analogia entre o Museu Cais do Sertão e a obra de Lina Bo
Bardi, especialmente o SESC Pompéia, é a relação sem conflitos
entre o tradicional e o moderno, aqui entendido como
contemporâneo.
A tradição nordestina está presente na museografia cujos
elementos-chaves da organização espacial são os objetos
pessoais do Rei do Baião (como as suas vestes), de produção
essencialmente artesanal, além de algumas peças produzidas
artesanalmente, especialmente para o museu (GRUNOW, 2014)
(Figura 32).
109
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 32: Fotografias tiradas pela autora em visita técnica em maio de
2016 que ilustram o espaço expositivo permeado por símbolos da temática
sertaneja: utensílios do dia a dia, vestuários, acessórios para lidar com os
animais, e o destaque para o mandacaru em área nobre no espaço de
convivência.
Antes de finalizar essa análise da intervenção, é necessário expor
uma polêmica em torno da construção do Cais do Sertão
relacionada à opção pela demolição do Armazém 10 do conjunto
de edificações do Porto do Recife (Figura 33).
110
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 33: Vista frontal do conjunto que mostra a manutenção de alguns
armazéns existentes (em cinza, à esquerda do desenho).
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Maria de Betânia Uchôa Cavalcanti Brendle e Natália Miranda
Vieira, em artigo intitulado de “Cais do Sertão Luiz Gonzaga no
Porto Novo do Recife Destruição travestida em ação de
conservação” (2012), publicado na revista Arquitextos, apesar da
demolição do armazém 10 ter sido autorizada pelo IPHAN-PE e
pela Operação Urbana Porto Novo, reputam a atitude como
“inconsequente”, já que segundo as autoras “a teoria moderna de
conservação descarta a demolição arbitrária de edificações com
potencial de restauração (...)”. Afirmam ainda que:
Os antigos armazéns do Porto do Recife representam não
uma expressão arquitetônica isolada, mas uma composição
espacial de um conjunto ambiental que absorvendo as
atividades e práticas socioculturais conferiram a identidade
portuária ao Bairro do Recife, portal marítimo da cidade do
Recife. (BRENDLE E VIEIRA, 2012).
No artigo, as autoras defendem que a nova construção é uma
arquitetura de qualidade, mas utilizam uma citação da especialista
em patrimônio arquitetônico Beatriz Kühl em “Restauração hoje:
método, projeto e criatividade”, de publicação na Revista de
História da Arquitetura e Urbanismo “Desígnio” (2006, n.6, 19-34),
para fortalecer seus pontos de vista: ”não se justifica a alteração
de um conjunto de qualidade para fazer arquitetura, ainda que
boa arquitetura”.
Fatores burocráticos, assim como questões econômicas devem
estar entre os principais motivos para a demora na conclusão da
obra, pois é sabida a dificuldade que os arquitetos brasileiros têm
em efetivar seus projetos em parceria com o poder público,
especialmente na atual conjuntura política e econômica, que
111
PROJETOS E CONTEXTO
compromete ainda mais a gestão e a construção de obras públicas
de grande escala, como é o caso do Museu Cais do Sertão. Outro
possível motivo plausível poderia ser a falta de apropriação por
parte da população que vive na porção central da cidade de
Recife. Será por conta da proporção do empreendimento? Seria
conveniente decifrar essas questões em outra oportunidade, com
o objetivo de aprofundar essa investigação.
Após a análise do projeto, e das analogias referentes ao projeto do
SESC Pompéia (de Lina Bo Bardi), foi possível concluir que a
concepção programática, que organiza toda a atmosfera espacial,
leva em conta o “olhar antropológico”, das quais se destacam: a
recepção é tratada como espaço de “Acolhimento”; seguido pelo
espaço “A coroa é o chapéu, o cetro é a sanfona” onde os objetos
pessoais de Luiz Gonzaga ficam pendurados, como se “flutuassem
em uma grande vitrine”. Depois, o espaço térreo de forma elíptico
abriga a sala “Útero: o sertão é o mundo” que se trata de uma sala
de espetáculos na qual são exibidas produções multimídias; o
“Armazém” é a grande área onde está a homenagem ao rio São
Francisco. Nela estão organizados os sete territórios temáticos que
representam as principais dimensões da vida no sertão.
Também respeita e refere-se, à cultura da região e também porque
preocupa com a melhor apropriação do espaço por parte dos
usuários, possibilitando a eles aprendizado e cultura de forma
interativa, fazendo com que o visitante sinta-se parte daquele
contexto. É possível afirmar que segue o “rigor técnico” por
adequar a estrutura às necessidades que cada espaço requer,
apesar de não haver uma malha regular, de ela não ser o mote do
edifício, e, com exceção do sistema da treliça da cobertura, estar
em sua grande parte, escondida.
Talvez o melhor aproveitamento da iluminação e ventilação natural
fosse mais condizentes com o que estamos estudando nesta
dissertação de mestrado, no entanto, é compreensível que um
espaço cultural com um acervo permanente tão grande de
112
PROJETOS E CONTEXTO
utensílios, objetos e vestuários históricos precise de um controle
mais rígido especialmente das temperaturas. Sobre a intervenção
proposta, acredita-se que seja pertinente, pois, ao mesmo tempo
em que enaltece o contemporâneo, em contraste com as
edificações antigas contíguas, demostra respeito pelos galpões
quando mantém suas proporções e sua cobertura em duas águas.
Dessa maneira é possível dizer que o edifício tem a “capacidade
de olhar para o passado e para o futuro simultaneamente”,
completando a trilogia de características que se buscou analisar.
Museu do Pão e Escola de Panificação (2005-2008) - Ilópolis, RS
autores: francisco fanucci, marcelo ferraz e anselmo turazzi
colaboradores: anne dieterich, carol silva moreira, cícero ferraz cruz, fabiana
fernandes paiva, gabriel rodrigues grinspum, joão grinspum ferraz, luciana
dornellas, pedro del guerra, victor gurgel e vinícius spira
área: 530 m2
prêmios: prêmio rodrigo melo franco de andrade 2008 - categoria preservação
de bens móveis e imóveis/ finalista no world architecture festival 2008,
barcelona, espanha/ prêmio rino levi ex aequo iab-sp 2008
Eu defenderei até a morte o novo por causa do antigo. E até
a vida o antigo por causa do novo. O antigo que foi novo é
tão novo como o mais novo. Augusto de Campos – Verso,
reverso, contraverso (em FERRAZ, 2008, p. 15)
Dos três trabalhos selecionados como objeto de estudo deste
trabalho, o projeto para o Museu do Pão foi o único que não foi
visitado. Dessa maneira, a estratégia da análise recorrerá aos
desenhos técnicos (enviados pelo escritório), publicações que se
referem ao projeto e aos relatos dos próprios arquitetos com o
objetivo de detectar as “ações estratégicas na área do patrimônio
histórico” (FERRAZ, 201, p. 158).
O Museu do Pão faz parte do projeto “Caminho dos Moinhos”, com
patrocínio da multinacional Nestlé, que envolve seis moinhos de
quatro municípios do Vale do Taquari na Serra Gaúcha, todos
originalmente construídos em madeira com o objetivo de permitir
uma vida autossustentável às famílias italianas recém-imigradas. A
proposta é da Associação dos Amigos dos Moinhos do Alto do Vale
113
PROJETOS E CONTEXTO
do Taquari, junto a outras entidades – públicas e privadas – para
impulsionar uma nova rota turística e cultural.
De acordo com a publicação oficial do projeto (FERRAZ, 2008, pp.
80-94), a iniciativa de proporcionar aos moinhos uma “nova vida”
foi da professora e ambientalista Judith Cortesão (2000) e, desde
então, enquanto o Moinho Castaman (1947) em Arvorezinha, e o
Moinho Marca (1950) em Putinga, ainda aguardam ser
restaurados para voltarem às atividades, o Moinho Dallé (1919)
em Antagorda e o Moinho Vicenzi (1930) em Anta Gorda não
aguardaram o restauro para reativar o funcionamento. Os dois
moinhos já restaurados e em pleno funcionamento são o Moinho
Fachinetto (1947) em Arvorezinha e o Moinho Colognese (1910)
em Ilópolis (Figura 34).
Figura 34: Mapa do “Caminho dos Moinhos”, em escala.
Fonte: FERRAZ, 2008, p. 79.
114
PROJETOS E CONTEXTO
Ilópolis é um município com aproximadamente 4.200 habitantes 62
que fica a cerca de 190 quilômetros de Porto Alegre. O moinho
ilopolitano é o mais antigo (1910) dos moinhos que fazem parte
da rota dos “caminhos” e foi o escolhido para abrigar o Museu do
Pão e a Escola de Panificação (Figura 35).
Figura 35: Localização do Moinho Colonial Colognese, escolhido para abrigar
o Museu do Pão e a Escola de Panificação, primeira intervenção do
“Caminho dos Moinhos”, em escala.
Fonte: Google Earth, acesso em 12 de julho de 2016.
Localizado na esquina entre a via principal da cidade (rua Sete de
Abril) e a rua Padre José da Silva Koling, o antigo moinho
relacionava-se com seu entorno cuja a arquitetura possui alguns
exemplares históricos como os remanescentes das casas
construídas pelos imigrantes italianos, mas em geral é modesta,
popular e sem requintes, mas demostra um vasto saber
construtivo especialmente em técnicas de carpintaria por ser
caracterizada por edifícios que se espelham na cultura de origem
desses imigrantes italianos, em sua maioria. (Figura 36).
Valor indicado como população estimada em 2015, de acordo com o site do IBGE,
acessado em 12 de julho de 2016. Para consultar estimativas da população acesse o
link http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2015/estimativa_tcu
.shtm.
62
115
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 36: Acima: duas imagens de construções típicas dos imigrantes e imagem da
rua Conselheiro. Abaixo: primeira casa de alvenaria construída pelos
imigrantes; Escola Estadual de Ilópolis e Santuário São Paulo Apóstolo,
respectivamente. Fonte: Google Earth, acesso em 12 de julho de 2016.
Segundo Marcelo Ferraz, a recuperação do moinho, cujo
tombamento é em nível municipal, aconteceu graças ao convênio
entre o IILA63, que foi responsável pelo restauro das fachadas, e a
12ª Superintendência Regional do IPHAN, a partir de projeto
elaborado pela Universidade de Caxias do Sul.
Conforme mostra a imagem a seguir o conjunto, composto pelos
três edifícios (moinho, museu e escola), implantado na paisagem
existente, a intervenção seguiu a ótica da construção do moinho:
encarando a “cultura como algo que vai da tradição à invenção”, o
que significa que buscou “preservar o que de melhor criamos e
construímos em história (...) e apostar no novo, porque ele é
ingrediente fundamental de afirmação e de transformação de
nossas comunidades e do conjunto da sociedade” (FERRAZ, 2008,
p. 16). E teve como objetivo principal trazer de volta seus
elementos e funções originais e reincorporá-los à vida cotidiana de
Ilópolis. (FERRAZ, 2008, p. 18) (Figura 37).
IILA é a sigla do Istituto Italo-Latino Americano, que tem como objetivo desenvolver e
coordenar a investigação e documentação sobre os problemas, conquistas e
perspectivas dos países membros nos parâmetros: culturais, científicos, econômicos,
técnicos e sociais; propagar nos países membros os resultados de tal investigação e
documentação; e localizar em função desses resultados, as possibilidades concretas de
intercâmbio, de assistência mútua e de uma ação comum ou concertada nas áreas
mencionadas. Fonte: http://www.iila.org/. Acessado em 19 agosto 2015.
63
116
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 37: Fotografia via satélite do entorno do museu após a construção
do conjunto. Via Google Maps. Acesso em 26 julho 2016.
Conforme a compreensão de Marta Bogéa em seu artigo “Brasil
Arquitetura: Uma partilha das distâncias, construindo convívios”
publicado no periódico “Arquitextos” (159.01, agosto de 2013),
não é o monumento em si que interessa à intervenção, mas sim o
conjunto que, depois de construído demonstra forte vínculo aos
usos e costumes arraigados.
(...) o edifício, motivo desse restauro, é visto no contexto no
qual se insere, um conjunto edificado em cidades próximas
que se relacionam como fios de uma mesma trama. Ao
invés de isolá-lo como monumento, aqui se reconhece o
conjunto, e o circuito do qual faz parte (BOGÉA, 2013).
É possível confirmar a integração entre os edifícios indicada pelas
linhas em vermelho, abaixo (Figura 38).
117
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 38: Planta de cobertura, em escala.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura, com edição na imagem, feita pela autora.
O percurso que interliga diretamente os blocos 2 e 3 (museu e
escola) e o 3 e 1 (escola e moinho) é feito através de duas
delicadas passarelas elevadas do nível do piso e sustentadas por
pilares executados na mesma madeira que a cobertura da
passarela e que o traçado tramado presentes nos guarda-corpos,
estabelecendo um ponto-chave da articulação do conjunto, que
assegura a “integridade de cada edifício associada ao intervalo
entre os blocos” (BOGÉA, 2013)
Na porção central do lote, entre os três blocos, foram posicionados
a céu aberto carretéis do antigo moinho como representante vivo
de sua história, apesar dessa escolha expor os equipamentos
remanescentes do moinho original às intempéries, lembra o gesto
de Lina Bo Bardi quando optou por incluir no pátio do Solar do
Unhão, em Salvador, alguns vestígios de engrenagens lá
encontradas (Figura 39).
118
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 39: Remanescentes originais do moinho de 1910 foram expostos a céu
aberto em posição estratégica, na área central entre os três blocos, como
memória viva de sua história. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
As soluções como a passarela, os elementos remanescentes e os
materiais eleitos, fizeram com que os três edifícios, embora com
arquiteturas tão distintas, conformem um conjunto com uma única
identidade.
1) O edifício primeiro, o moinho, que estivera abandonado desde
1990 (BOGÉA, 2013), se trata de uma construção de planta
retangular que mede onze metros de largura por quinze metros de
comprimento; e tem quatro pavimentos incluindo sótão e porão. As
fachadas originais são construídas com tábuas de madeira
araucária que medem 7 metros de comprimento, assentadas sem
emendas. A cobertura é feita com telhas metálicas, caimento de
duas águas e possui mansardas, que, de acordo com o Dicionário
Visual de Arquitetura, são aquele tipo de telhado que “apresenta,
de cada lado, uma parte inferior mais íngreme, cuja parte superior
tem menor altura” (CHING, 2006, p. 250), para iluminar o sótão.
O moinho estava inserido em área abandonada e rodeado por
vegetação local que não demonstrava sinais de que estava sendo
cuidada. Assim, antes da construção dos novos blocos (museu e
escola), mostrou-se necessário fazer uma limpeza, criaram-se
percursos com o objetivo de permitir a circulação e acesso por
dentro do lote a todas as entradas disponíveis (Figura 40).
119
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 40: Situação do Moinho Colognese (1910), que estava abandonado
desde 1990 antes do IILA iniciar as obras de restauro.
Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura.
A araucária não foi utilizada somente como matéria prima das
fachadas, mas também dos elementos estruturais e dos
ornamentos.
O
restauro
das
fachadas
de
madeira
foi
responsabilidade do IILA (Istituto Italo-Latino Americano) com mão
de obra 100% local sob supervisão de profissionais especializados
do instituto italiano, e manteve as alterações pelas quais o edifício
passou durante as últimas décadas, as advindas de uma reforma
cuja modificação principal foi a inserção de um salão e de uma
varanda, no pavimento térreo (Figura 41). Durante a reforma do
restante do edifício, as peças em madeira que não poderiam ser
restauradas foram substituídas.
120
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 41: Obras de restauro das fachadas realizadas pelo IILA com mão de
obra 100% local (acima) e moinho com as fachadas restauradas (abaixo).
Fonte: (FERRAZ, 2008, pp. 24-25) Acervo do Brasil Arquitetura,
respectivamente.
Atualmente, após a intervenção, o programa do moinho é
composto por dois usos elementares: o acervo de maquinários do
antigo moinho (1) e a bodega (2) (Figura 42).
121
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 42: Planta do moinho após intervenção.
Fotos: Acervo Brasil Arquitetura.
O acervo de maquinários do antigo moinho está no porão do
moinho, composto pelas peças originais expostas, mantendo a
organização espacial original com a intenção de que em breve
volte a funcionar como um moinho. No restante do espaço está a
bodega com cafeteria e padaria disponíveis aos visitantes (Figura
43).
Figura 43: Atual configuração do moinho na qual foram mantidas a
organização espacial e o maquinário com a intenção de que em breve, o
espaço volte a funcionar também como um moinho.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
122
PROJETOS E CONTEXTO
Foi acrescentada uma rampa de acesso, construída em tijolo e
guarda-corpo metálico (Figura 44).
Figura 44: Moinho restaurado, em funcionamento na qual é possível ver a
rampa de acesso construída. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A rampa de acesso tem a função de conduzir os visitantes até a
bodega (2), cujo mobiliário, assinado pela Marcenaria Baraúna,
inclui diversas cadeiras Girafa, desenhadas por Ferraz, Marcelo
Suzuki e Lina Bo Bardi (Figura 45).
Figura 45: Interior da bodega com mobiliário assinado pela Marcenaria
Baraúna. Fotos: Acervo Brasil Arquitetura.
123
PROJETOS E CONTEXTO
A grande maioria de portas e janelas foi refeita com madeiras
novas, muitas vezes respeitando o desenho e posicionamento
originais (NAHAS, 2008, p. 408). No entanto, segundo entrevista
realizada pela autora deste estudo no escritório do Brasil
Arquitetura em 30 de novembro de 2015, o espaço da bodega,
originalmente era usado como depósito de sacaria, e por isso,
escuro, para que se tornasse habitável e confortável aos visitantes
e aos funcionários, foi necessário pensar em novas aberturas.
Em entrevista à autora desta pesquisa, Marcelo Ferraz relatou o
dilema enfrentado pelo escritório para solucionar a questão de
criar uma nova abertura em um edifício histórico. Ferraz descreveu
a situação: “(...) não sabíamos se colocaríamos blindex, vidro puro,
uma janela moderna (...)”.
A decisão foi tomada após visita técnica à obra na qual os
arquitetos observaram que todas janelas existentes estavam
sendo refeitas, pois estavam em péssimo estado de conservação
da madeira das esquadrias originais. Resolveram, então, incluir
mais cinco janelas naquele espaço, não sendo possível identificar
quais são as janelas que seguem a posição original, e quais foram
incluídas, apesar de que essa atitude contrarie os princípios
largamente defendidos no campo da restauração, e confirmados
pelas Cartas Patrimoniais, de que os novos elementos devem se
distinguir dos originais para que assim, as modificações estejam
demarcadas como traços da intervenção contemporânea.
Além de considerar a inserção de novas aberturas positivas para o
novo uso, e acreditar que o que interessa aos arquitetos é o
“espaço vivido”, Ferraz, em entrevista à autora da pesquisa,
justificou
a
postura
assumida
recorrendo
às
tantas
transformações pelas quais o edifício de 1910 sofreu durante os
quase 100 anos que separaram sua construção da intervenção do
Brasil Arquitetura: “(...) mudaram a posição da escada interna,
lugares das janelas, alteraram o lugar do quarto e também o da
cozinha (...)” (Figura 46).
124
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 46: Edifício do moinho restaurado, em funcionamento, com a inclusão
das novas janelas que, apesar de irem contra aos princípios das Cartas
Patrimoniais e não indicarem as intervenções contemporâneas, não
desconfiguraram seu caráter histórico.
Foto: Acervo Brasil Arquitetura.
Dessa maneira, o novo moinho apresenta-se aos visitantes como
um espaço de convivência, de interação e de tributo à história do
pão, do edifício e da cidade de Ilópolis.
2) O edifício do museu, mote da intervenção, abriga em seus 140
metros quadrados a sala de exposições (1), que conformam o
museu, propriamente dito e um pequeno auditório (2) com
capacidade para 28 pessoas, aos fundos (Figura 47). Foi
construído paralelamente em relação ao edifício que abriga o
antigo moinho.
125
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 47: Planta
do pavilhão do
museu com
indicação da área
expositiva (1) e do
auditório (2), além
dos três pilares
(p1, p2 e p3).
Fonte: Acervo
Brasil Arquitetura.
O pavilhão da galeria-museu, que mede 6,30 metros de largura
por 22 metros de comprimento, está solto do chão, apoiado sob
dez estacas de concreto com alturas que variam de 15 a 75
centímetros, que, por sua vez, estão sob platôs de concreto, para
vencer o pequeno desnível dessa porção do terreno (Figura 48).
.
Figura 48: Vista do edifício do museu a partir do outro lado da rua, na qual
é possível perceber os pilares de concreto que eleva o bloco do nível do
piso e vencem o pequeno desnível do terreno.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
126
PROJETOS E CONTEXTO
A estrutura foi pensada como a Casa Dominó (1914 e 1917), de
Le
Corbusier,
sistema
em
que
pilares e fundações em concreto
as
lajes
planas,
armado assegurando
com
uma
hierarquia racional entre esses elementos e, racionalizando
também toda a sua construção, para que apenas três colunas de
concreto (P1, P2 e P3), sendo parte delas executadas em madeira,
sustentassem o bloco. Dessa maneira, os detalhes dos encaixes e
suportes do moinho antigo também seriam valorizados. As fôrmas
do concreto foram utilizadas como para remeter aos formatos das
tábuas da madeira araucária utilizadas
originalmente na
construção do moinho (Figura 49).
Figura 49: Etapas construtivas do pavilhão que abriga o museu e o auditório.
Fonte: FERRAZ, 2008, p.27.
Fechado por vidros e painéis de madeira que deslizam pela
fachada, esse edifício é o único transparente do conjunto,
provavelmente essa opção se deve para ser possível observar de
dentro do museu a presença de elementos que representam o
127
PROJETOS E CONTEXTO
passado (moinho) e o futuro (escola). O auditório, aos fundos, é
separado da área expositiva por uma cortina de veludo vermelha,
idêntica à utilizada nos fundos do bloco, para resguardar o
auditório da luz solar, quando necessário (Figura 50).
Figura 50: Vista posterior do conjunto com destaque para a cortina de veludo
vermelha que protege o auditório da iluminação natural, quando necessário.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
3) O terceiro edifício, que completa a trilogia com o legado,
apresenta aos visitantes e à população local uma possibilidade de
futuro: a escola de panificação (Figura 51), que foi implantada
perpendicularmente em relação ao prédio do museu.
Figura 51: Planta de estudo da escola de panificação desenvolvida à mão.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
128
PROJETOS E CONTEXTO
O bloco opaco, em oposição à transparência do edifício do museu,
com planta retangular mede 6,20 metros quadrados de quadrado
por 24 metros de comprimento.
Suas aberturas são discretas, incluídas nas laterais e nas porções
superiores, assegurando a iluminação necessária para um
ambiente de ensino e aprendizagem, além de efeito de luz e
sombra muito agradável. No piso térreo estão a grande cozinhaescola, a sala de aula teórica e os espaços servidores, como os
sanitários (Figura 52).
Figura 52: Planta retangular do edifício sólido que abriga a escola de
panificação com cozinha experimental (1), sala de aula teórica (2) e
sanitários (3). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Na cozinha-escola, uma grande mesa é o centro do espaço
incentivando a convivência coletiva, ao invés de dividir os alunos
em pequenos blocos. Em uma das extremidades, uma fileira com
diversas pias, e do lado oposto, nichos que provavelmente estão
preenchidos com fogões, atualmente (Figura 53).
Figura 53: Interiores da
escola de panificação com
mesa central, organizadora
do espaço e diversas
cadeiras Girafa desenhadas
por Marcelo Ferraz, Marcelo
Suziki e Lina Bo Bardi e
produzidas pela Marcenaria
Baraúna.
Fonte:
Acervo
Brasil
Arquitetura.
129
PROJETOS E CONTEXTO
Aproveitando o desnível do terreno, há um porão técnico, onde
ficam as tubulações e demais instalações de fácil acesso para
manutenções necessárias. Nesse pavimento, há pequenas
aberturas quadradas que medem 0,30 x 0,30 metros que estão
dispostas com intervalos dos mesmos 30 centímetros (Figura 54).
Figura 54: Destaque para as pequenas aberturas no sótão do edifício da
escola de panificação. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Trata-se de uma caixa de concreto, e, dessa maneira, possui uma
estrutura do perímetro contínua na qual os pilares comparecem
somente no espaço interno.
As aberturas superiores da laje plana, também em concreto,
possuem 45 centímetros de largura. Elas foram calculadas
conforme o limite suportado pela laje da cobertura e são ritmadas,
podendo ser consideradas como contínuas, pois pela imagem é
possível verificar que a distância entre elas é muito pequena.
130
PROJETOS E CONTEXTO
Acima da laje há um terraço-jardim (Figura 55).
Figura 55: Caixa de concreto em etapa de sua construção (à esquerda) e edifício
concluído com terraço jardim executado (à esquerda). Fonte: FERRAZ, 2008, p.27.
Três faces do edifício da escola são envoltas por um passadiço
que liga à edificação ao Museu do Pão e ao Moinho, construído
com a mesma madeira tramada que foi utilizada nas passarelas,
reforçando a identidade visual do conjunto (Figura 56).
Figura 56: A “delicada” passarela que une o passado e o futuro: à direita, a
passarela entre moinho e escola (1 metros de largura) e à esquerda entre
escola e museu (1,76 metros de largura). A passarela que envolve três
faces do edifício da escola possui 92 centímetros de largura.
Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A passarela foi concebida com a mesma madeira com a qual foi
executado o restauro do edifício do moinho. O guarda-corpo, cuja
altura mede 70 centímetros, configura-se com um gradil de cujas
madeiras dispostas diagonalmente de lados opostos conformam
um trançado que se assemelha a algumas formas arquitetônicas e
de peitoris recorrentes na região.
Com exceção do trecho que conecta o moinho e a escola, todo o
percurso da passarela é coberto e sua cobertura é sustentada por
131
PROJETOS E CONTEXTO
pilares de concreto em madeira. As terças, caibros e ripas também
são em madeira e sustentam a cobertura que, provavelmente, é
feita com policarbonato reto (na porção que a passarela é mais
larga) e em duas águas, ainda que com pouca inclinação, no
restante do percurso coberto.
Apesar de apresentarem configurações díspares, ao serem
analisados isoladamente, especialmente por representarem
tempos distintos, os três volumes, que completam o conjunto da
intervenção, conformam uma unidade. O novo é respeitoso com o
antigo, inserindo-se no contexto de forma delicada.
Para atingir esse nível de comunicação entre os prédios, os
arquitetos tiraram proveito da transparência do vidro, “soluções
técnicas consagradas, materiais da região, referências da cultura
imigrante, seguindo o mote de respeito à história do trabalho e ao
patrimônio histórico, como fato humano” (FERRAZ, 2008, p. 19)
(Figura 57).
Figura 57: Croquis do projeto com destaque para o contraste respeitoso
entre o existente em madeira araucária, e o novo edifício essencialmente
em vidro e madeira. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Dessa maneira, o novo edifício solto do chão, assim como o antigo,
porém, transparente em oposição a ele, nasce com o objetivo de
afirmar o “documento arquitetônico, técnico e cultural do
passado” (FERRAZ em NAHAS, 2008, pp. 536-538) (Figura 58).
132
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 58: Síntese entre contraste e analogia com o edifício existente.
Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Em mesmo artigo publicado no “Arquitextos”, ressalta a
importância do edifício antigo para a constituição do “novo
conjunto”. Assim, o novo revive o antigo, que por sua vez,
complementa o uso dos dois novos prédios construídos para
abrigar o Museu do Pão e a Escola de Confeiteiros. Como bem
observou
a
autora,
dois
programas
arquitetônicos
com
necessidades díspares: um museu e uma escola.
Retomar antigos edifícios recuperando-os e destinando-os
como museus é fato hoje corriqueiro, centros culturais e
museus surgindo a cada momento para alimentar a
indústria cultural. O que de certo modo os mantêm numa
esfera de atenção e contemplação. A presença da escola
aqui dá outro sentido a essa ação: cria um fato novo que
investe naquilo que justifica colocar novamente os moinhos
em funcionamento: o uso da farinha que eles podem
produzir, inserida num processo social re-valorizado pela
Escola de Confeiteiros. (BOGÉA, 2013)
Os programas, apesar de diferentes, colaboram com a valorização
do conjunto e o recolocam no presente valorizando o passado da
região e projetando o futuro: “E então, como tríade, o projeto
constitui um precioso sentido: recupera o edifico de origem (o
moinho), reconhece seu valor (através do museu) e viabiliza a
possibilidade de constituir futuro (através da escola)” (BOGÉA,
2013) (Figura 59).
133
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 59: Área do conjunto “existente/construído” em detalhe e em relação
à cidade de Ilópolis. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
E, nesse ponto, se aproxima da abordagem descrita por Lucio
Costa: alinha passado e presente e, ao mesmo tempo, olha para a
memória do passado e para o legado que o presente poderá deixar
ao futuro dessa pequena cidade.
Aproxima-se também da ação de Lina Bo Bardi, por considerar a
população, já que, além de utilizar mão de obra 100% local
durante a construção (ainda que sob supervisão técnica), oferece
empregos e qualificação a toda a população local, que, por sua
vez, se sente feliz por poder acolher aos visitantes e prestar
serviços à comunidade local.
Nunca vi tanta gente, ou equipes de diferentes
áreas/capacitação trabalharem sincronizadas. Parecia
véspera de inauguração. Duas mulheres simpáticas
limpando os vidros, outro senhor na parte mais alta da
escada, três senhores instalando o ar condicionado, um
senhor e um menino na instalação elétrica, dois rapazes no
restauro, quatro senhores nos jardins e limpeza, três
rapazes na colocação dos caixilhos e acabamentos na
escola; motorista de caminhão e outro de retroescavadeira,
mais a equipe de equipamentos do moinho – são três: o
vizinho do moinho, Sr. Forti (Índio), o Sr. Olímpio na
coordenação, o engenheiro Alex, ansioso. Muitas ligações
telefônicas e muitos contatos. Curiosos, vários!!! Vários
mesmo, que delícia! Algo acontece!! Relato de Ismael
Rosset aos arquitetos sobre o andamento da obra (em
FERRAZ, 2008, p. 25)
Lina Bo Bardi aparece quase que como um lembrete, na
museografia, ou, como a própria arquiteta prefere denominar:
“arquitetura expositiva”, ou “cênica” (FERRAZ, 2011, p. 126), do
Museu do Pão, também assinada pelo Brasil Arquitetura. Assim
134
PROJETOS E CONTEXTO
como Lina fez na área de convivência do SESC Pompéia, os
arquitetos
apropriaram-se
da
arquitetura
como
elementos
expositivos: os componentes estruturais, os fechamentos, o
controle de luz/sombra, os passadiços, os materiais construtivos e
de revestimento, os suportes para exposição, as próprias peças
expostas, como as ferramentas da culinária, os documentos e as
fotografias coletadas na região, tudo funciona como “’documento’
histórico que agora volta a funcionar” (Figura 60) (FERRAZ, 2008,
p. 19).
Figura 60: Os pilares em concreto armado, tijolos e treliças aparentes como
elementos da arquitetura na área de convivência do SESC Pompéia. Fonte:
Foto da autora, em 09 de dezembro de 2014; Destaque para os pilares mistos
de concreto e madeira e para os elementos da arquitetura expositiva. Foto:
Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A “visão democrática e inovadora” de Lina Bo Bardi pode ser
encontrada em sua postura em criar museus “como centro de
encontros” de pessoas de diferentes culturas, classes sociais e
faixa etária. Em depoimento, Marcelo Ferraz, relata que ela
costumava dizer que “esse nosso [museu], deveria chamar-se
Centro, Movimento, Escola...” (FERRAZ, 2011, p. 124).
O partido do projeto cênico de Lina Bo Bardi era sempre o de fazer
“algo que pudesse intrigar, tendo ao mesmo tempo forte
ressonância no ‘coração’ do visitante”. (FERRAZ, 2011, p. 128)
Assim como no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAMB), de onde
Lina Bo Bardi parte do zero, no Museu do Pão (Figura 61):
135
PROJETOS E CONTEXTO
a arquitetura e museografia já nascem juntas, fundindo-se
numa só expressão. O conjunto do pequeno museu/oficina
constitui a primeira “peça” desse mesmo museu:
arquitetura profundamente tocada e contaminada pela
presença física e simbólica do Velho Moinho Colognese.
(FERRAZ, 2008, p. 20)
Figura 61: Estudos da arquitetura cênica proposta pelo Brasil Arquitetura.
Fonte: FERRAZ, 2008, pp. 49-51.
Apesar de tantos atributos que identifica nos projetos de
arquitetura cênica de Lina Bo Bardi, Marcelo Ferraz admite que o
episódio que preservou em sua memória como reminiscência mais
admirável foi “quando da chegada a Salvador das obras do Museu
de Arte de São Paulo emprestadas ao MAMB, Lina resolveu expor
o ‘Colegial’, de Van Gogh, e ‘As Meninas’, de Renoir, ao ar livre em
uma das mais populares e belas praças de Salvador, o Campo
Grande”. Embora não fique claro, se na ocasião foram expostas as
pinturas originais ou réplicas, essa lembrança de Marcelo Ferraz
demonstra um gesto de “quem lutou a vida toda para tirar dos
pedestais inacessíveis o melhor da arte produzida pela
humanidade para mostrá-la democraticamente a todos” (2011,
p.131).
A síntese do pensamento sobre arquitetura expositiva da arquiteta
pode ser percebida na citação encontrada no artigo “Os espaços
expositivos de Lina Bardi”, escrito por Marcelo Ferraz:
136
PROJETOS E CONTEXTO
Tirar do Museu o ar de Igreja que exclui os iniciados, tirar
dos quadros a ‘aura’ para apresentar a obra de arte como
um ‘trabalho’ altamente qualificado, mas trabalho;
apresentá-lo de modo que possa ser compreendido pelos
não iniciados, tão diferentes dos elegantes visitantes dos
grandes museus tradicionais, cujas ‘auras’ são sempre
conservadas, mesmo nos arranjos modernos. (FERRAZ,
2011, p. 131)
Cerca de 300 quilômetros separam as cidades São Miguel das
Missões e Ilópolis, ambas no estado do Rio Grande do Sul. Nelas
localizam-se o Museu das Missões (1937), que recentemente
passou a chamar-se “Pavilhão Lucio Costa”, de Lucio Costa e o
Museu do Pão (2005/2008), do Brasil Arquitetura. Ambos
estabelecem um diálogo com o sítio envoltório e as edificações
existentes, e apropriam-se dos materiais remanescentes para a
construção dos novos edifícios.
Assim como Lucio Costa nas Missões, o Brasil Arquitetura em
Ilópolis destaca sua disposição em considerar a memória e o
atual. Concomitantemente fez perceber a importância e os
atributos intrínsecos nas ruínas existentes.
Elegeu-se como referência complementar para essa análise o
artigo cuja autoria é de Carlos Eduardo Dias Comas intitulado de
“Simples abrigo, límpida ruína, modernidade real: O Museu das
Missões de Lucio Costa” publicado no livro “A segunda idade do
Vidro – Transparência e Sombra na Arquitetura Moderna do Cone
Sul Americano – 1930/1970” cuja referência bibliográfica central
advém dos relatórios sobre as Missões de 23.12.1937 64.
Lucio não cogita da restauração estilística de Viollet le Duc,
implicando o completamento da edificação no estilo
original. (...) Mas Lucio tampouco assume a atitude de um
Ruskin, para quem o passado era intocável e só era
moralmente legítimo retardar sua morte por uma
manutenção não obstrutiva. Atualizando, alinha-se com os
princípios defendidos na Carta de Atenas de 1931 e na
Carta Italiana do Restauro, de 1932, redigida por Gustavo
Giovanonni a partir da restauração histórica científica
endossada no começo do século XX por Camilo Boito,
contrário ao fatalismo de Ruskin e à ação fantasiosa de
Viollet-le-Duc. (MARQUES; COMAS, 2007, p. 53).
Segundo COMAS (2007), os relatórios completos sobre as Missões, de 23.12.1937,
podem ser encontrados integralmente em PESSOA, José (org.). Lucio Costa. Documentos
de trabalho. Rio de Janeiro: IPHAN, 1999, pp. 21-42.
64
137
PROJETOS E CONTEXTO
O novo edifício de Lucio, cujo sistema construtivo mistura a
arquitrave com paredes portantes, foi executado com elementos
construtivos novos e materiais achados nas ruínas e vedado por
painéis de vidro transparentes (Figura 62), solução também
encontrada pelos arquitetos mineiros do Brasil Arquitetura.
Figura 62: A transparência ressalta o diálogo entre novo e velho.
Fonte: Carlos Eduardo Comas (centro). Via ArchDaily Brasil. Acesso em 11
de dezembro de 2015; acervo do Brasil Arquitetura, respectivamente.
Assim como o conjunto de Lucio, a proposta do Brasil Arquitetura,
ao mesmo tempo colabora com o diálogo entre a utilidade,
manutenção e reutilização de ruínas, síntese entre contraste e
analogia entre o novo e o existente, transparência, opacidade.
É possível admitir que o primeiro, de Lucio Costa, tangencia o
conceito de “analogia” enquanto o segundo, do Brasil Arquitetura,
como dito anteriormente, apresenta-se como um “contraste” em
relação à preexistência. Essa conclusão condiz com o pensamento
do crítico Solà-Morales que afirmou (Figura 63):
Figura 63: Intervenção de forma análoga, nas Missões e contrastante,
ainda que respeitosa, em Ilópolis. Fonte: André Marques e Silvia Raquel
Chiarelli Via Vitruvius. Acesso em 11 de dezembro de 2015 e acervo Brasil
Arquitetura, respectivamente.
138
PROJETOS E CONTEXTO
Os efeitos do contraste permanecem válidos em projetos
recentes de intervenção apenas enquanto vestígio da
poética do movimento moderno em alguns arquitetos de
hoje, ou então, como de praxe, como uma das muitas
figuras retóricas usadas na nova e mais complexa relação
entre a sensibilidade contemporânea e a arquitetura do
passado. (SOLÀ-MORALES In: NESBITT, 2006, p. 258)
No entanto, ambos seguem o mote da cultura local como
patrimônio a ser respeitado e preservado, ao mesmo tempo em
que apostam na valorização do novo objeto como restaurador do
uso por parte da comunidade e como resultado, da ativação e
transformação das comunidades que os cercam. Para Marcelo
Ferraz, “essa dialética permanente entre tradição e invenção,
somada à nossa abertura crítica [foram utilizadas] para assimilar e
recriar linguagens e informações produzidas em outros cantos do
planeta é um traço central da cultura brasileira.” (FERRAZ, 2008,
p. 18).
É possível verificar semelhança na abordagem de Lucio Costa e do
Brasil Arquitetura também a respeito da escolha sobre o que deve
ser preservado e o que deve ser esquecido. Dr. Lucio, em seu
Museu das Missões (atual Pavilhão Lucio Costa), por exemplo,
decidiu manter uma coluna inteira encontrada nas ruínas de São
Miguel das Missões, porém, optou por não tratá-la como destaque,
mantendo-a quase que como ‘camuflada’ em meio às novas
colunas edificadas com as peças encontradas entre as ruínas do
sítio histórico.
No caso do Brasil Arquitetura, houve um dilema sobre a
preservação ou não da casa Román (anexa ao moinho Colognese)
por conta da parede interna da sala cujo antigo morador,
provavelmente uma criança, deixou um registro com tinta à base
de óxido de ferro e azul anil (Figura 64).
139
PROJETOS E CONTEXTO
_ Figura 64: A Casa Román que acabou sendo demolida por conta de falhas
de comunicação entre a equipe da obra e do escritório.
Fonte: (FERRAZ, 2008, p.23).
Infelizmente, as discussões sobre a preservação da edificação por
parte dos arquitetos se prolongaram um pouco e a construção
acabou por ser demolida, restando apenas aquela parede com o
desenho que hoje faz parte do museu (Figura 65).
Figura 65:
Fragmento da
parede original com
o desenho à base
de óxido de ferro e
azul anil,
provavelmente
desenhado por um
antigo morador da
Casa Román que
acabou sendo
demolida, hoje
incorporada ao
acervo do museu.
Fotos: Nelson Kon.
Fonte: Acervo Brasil
Arquitetura.
140
PROJETOS E CONTEXTO
Francisco e Fanucci consideraram que o desenho tinha uma
expressividade tão forte, que propuseram que fosse adotado como
uma logomarca do projeto “Caminho dos Moinhos”, e isso de fato
aconteceu. Para os arquitetos, ele remete à “ancestralidade” e foi
utilizado não apenas como um carimbo em uma parede externa,
como também em diversos pontos, como ocorreu no azulejo da
bancada da Escola de Pão. A parede original encontra-se exposta
no museu como parte da história do Alto do Vale do Taquari
(Figura 66).
Figura 66: O desenho encontrado na Casa Román tornou-se símbolo
do projeto “Caminho dos Moinhos”, utilizado na fachada e no azulejo
da bancada da Escola de Pão e, por fim, a parede original como parte
do acervo do Museu do Pão. Fotos: Nelson Kon.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
141
PROJETOS E CONTEXTO
Também é possível estabelecer uma analogia entre os capitéis:
jônico, no caso do Museu das Missões de Lucio Costa, e
“contemporâneo” – se é que se pode chamá-lo dessa maneira –
no projeto do Museu do Pão em Ilópolis, quando os arquitetos do
Brasil Arquitetura demonstram intensa atenção ao detalhamento e
aos acabamentos construtivos.
O capitel é executado com uma chapa superior de 1,20 metros de
diâmetro, três ripas de ipê que medem 8 x 8 centímetros, e na
porção inferior, uma chapa de 5mm “veste a madeira”, e se liga ao
cintar com estribos, e às grapas até alcançarem a coluna de
concreto de seção circular com 0,30 centímetros de diâmetro
(Figura 67).
Figura 67: Destaque para os detalhes dos “capitéis” dos pilares projetados e
construídos por Lucio Costa (1937) e pelo Brasil Arquitetura (2008). E
desenho técnico do capitel (2008), abaixo. Fonte: André Marques e Silvia
Raquel Chiarelli. Via Vitruvius. Acesso em 11 de dezembro de 2015
(esquerda); Foto de Nelson Kon via Acervo Brasil Arquitetura (direita); Acervo
Brasil Arquitetura, abaixo.
142
PROJETOS E CONTEXTO
Após a análise do projeto é possível concluir que a “ação
estratégica na área do patrimônio histórico” (FERRAZ, 2011) tem
uma característica fundamental que diz respeito à seleção sobre o
que deve ser preservado ou esquecido na área onde a intervenção
será inserida, sempre levando em consideração o espaço vivido e
a apropriação do espaço por parte dos usuários. Essa
preocupação é evidente quando permitem que a construção seja
feita pela população local, advertem o desejo de disponibilizar
“Pão de todos os tipos, e para todos!” (FANUCCI; FERRAZ em
FERRAZ, 2008, p. 19)”. E é nesse ponto, que demostram sua
preocupação com o “olhar antropológico”, assim como quando
enaltecem o moinho, o museu e a escola, tratando-os com a
mesma hierarquia no conjunto, comprovam sua “capacidade de
olhar para o passado e para o futuro simultaneamente”.
O “rigor técnico” está presente na cuidadosa escolha dos
materiais que transmite a sensação de diálogo fluído entre os três
blocos, que, apesar de distintos, emitem uma identidade visual
muito forte. Toda essa preocupação com a escolha leva em conta
o valor que o objeto tem para a memória cultural do lugar ou de
um contexto mais amplo, como sua importância para a história da
arquitetura, por exemplo.
Terminal Rodoferroviário (1998/1999) – Santo André, SP
autores: francisco fanucci e marcelo ferraz
colaboradores: anderson freitas, carmem ávilla, carlos ferrata, maurício imenes
e pedro barros
área: 9313 m2
prêmio: iab-sp 1998 - vencedor na categoria "obra construída"
[...] a estrutura de um edifício é elevada ao nível da poesia,
como parte da estética. Não há nenhuma diferença. Um
arquiteto deve projetar a estrutura como projetava
arquitetura,
no
sentido
doméstico da palavra.
Lina Bo Bardi65
O poema de Lina Bo Bardi foi utilizado para abrir o texto “O mestre-construtor” escrito
por Yopanan Conrado Pereira Rebello e Maria Amélia Devitte Ferreira D’Azevedo Leite
publicado em “Olhares. Visões sobre a obra de João Filgueiras Lima” organizado por
Cláudia Estrela Porto e editado pela Editora UnB em 2010, página 51.
65
143
PROJETOS E CONTEXTO
Julgou-se fundamental eleger um estudo de caso que pudesse
servir como amostragem a respeito da ação projetual do Brasil
Arquitetura em projetos de infraestrutura urbana, e, apesar de
admitir que qualquer tipo de construção relaciona-se com a
cidade, é impossível negar a importância de um equipamento de
mobilidade urbana.
Dessa maneira, apesar de ser um projeto mais antigo, quando
comparado aos dois outros estudos de caso selecionados para
esta pesquisa, o Terminal Rodoviário para o município de Santo
André, implantado em área de quase 25 mil metros quadrados
será o terceiro projeto analisado como objeto deste estudo.
A intervenção, da mesma forma que nos outros dois projetos
analisados acima, relaciona-se a uma preexistência, no entanto,
para esse projeto especificamente, trataremos como contexto
existente não um edifício ou um lote adjacente, mas sim toda a
malha viária e urbana de seu entorno.
Segundo relato sobre o histórico da região, descrito por Cecília
Rodrigues dos Santos (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2008, p.
66), o desenvolvimento não apenas de Santo André, mas, de todos
os municípios do “chamado ABC”: São Bernardo e São Caetano
deve muito à localização estratégica do rio Tamanduateí entre a
cidade de São Paulo e o Porto de Santos.
Trilha para mulas e pedestres, com trechos de transporte
fluvial, esse primeiro caminho é substituído definitivamente
pela ferrovia no fim do século XIX. As linhas estenderam-se
a certa distância do sinuoso leito do rio, buscando terrenos
mais secos. (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2008, p. 66)
Ainda de acordo com a pesquisa de Santos (2008, p. 66), foi em
meados do século XX que o modelo de transporte ferroviário
começou a predominar no Estado de São Paulo e com ele, os
serviços de terraplenagem se tornaram ainda mais sofisticados
nessa época. Dessa forma, tirou-se proveito da nova tecnologia
para retificar o então sinuoso traçado do rio Tamanduateí e para
aterrar suas várzeas.
144
PROJETOS E CONTEXTO
Em Santo André, a tradição das indústrias preferirem localizar-se
às margens da ferrovia foi mantida, conformando um eixo
rodoviário, (a partir da Avenida dos Estados), paralelo à linha do
trem e ao rio canalizado que atraiu cada vez mais fábricas e,
consequentemente, repeliu a inserção de habitação, comércio e
serviços (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2008, p. 66).
A partir dos anos 1990 a atividade fabril do ABC começa a
declinar, o que culminou no abandono de muitas indústrias que
passaram a buscar custos de operação mais reduzidos em zonas
industriais emergentes, e, por conseguinte, muitos galpões foram
abandonados. Assim, o poder público do município tirou proveito
da nova situação e iniciou uma tentativa de “redefinir o perfil
econômico e funcional da região”.
Foi quando nesse momento que surgiu a oportunidade de
construção do Terminal Rodoviário Santo André que faz parte do
programa de melhorias proposto pela Prefeitura de Santo André
em 1999: o “Eixo Tamanduateí”, “através do qual se pretendia
redesenhar a infraestrutura e o ambiente construído, introduzindo
como funções centrais do novo eixo terciário”. O intento deveria
aproximar do nó viário existente novas construções destinadas a
moradias, comércio, serviços e também opções de lazer (em
FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2008, p. 66) com o objetivo principal
de proporcionar uma nova vida à região (Figura 68).
145
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 68: Planta com organização espacial que mostra o terminal
urbano, o interurbano e a linha férrea e vista aérea da implantação:
linha férrea (verde), rio Tamanduateí (azul), Avenida dos Estados
(amarelo) e Viaduto Presidente Castelo Branco (vermelho). Fonte:
Acervo Brasil Arquitetura e Google Earth, respectivamente.
E é nesse contexto existente que o Terminal se insere:
considerando as necessidades da cidade no presente naquele
tempo, contudo, ponderando acerca das possíveis modificações
futuras e à nova herança que o conjunto poderá oferecer à cidade,
por passar a se preocupar com a apropriação completa do espaço
por parte do usuário.
Assim, além do “olhar antropológico” e da “capacidade de olhar
para o passado e para o futuro”, a busca pelo “rigor técnico”, ou
146
PROJETOS E CONTEXTO
seja, a análise a respeito da estratégia de escolha do método e
dos materiais construtivos, se foi adequada, em relação às
dimensões, tipologias e especialmente, às especificidades do
lugar no qual o objeto será inserido será verificada.
Segundo o arquiteto Lelé, em texto para a apresentação da
publicação dedicada à obra do Brasil Arquitetura em 2005, “a
leitura das técnicas construtivas empregadas é sempre clara em
cada obra, ficando evidente que nunca foram improvisadas para
corrigir problemas, mas, sim, criteriosamente selecionadas desde
o início do processo de criação”. Para ele, essa característica tem
se aprimorado com o amadurecimento do escritório e é possível
notar, a cada novo projeto, a harmonia entre elas e o partido
adotado (LELÉ em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p.
9).
Francisco Fanucci enfatiza a observação colocada por Lelé
afirmando que a preocupação em adequar à técnica às
singularidades exigidas por cada projeto “é uma relação com a
cultura e com os dados, com os elementos do lugar (...)”
adaptando o uso dos elementos ao local. Os elementos, por sua
vez, são escolhidos por serem considerados os mais adequados
em termos de “custos ou de aplicabilidade” de cada caso
específico (FERRAZ em NAHAS, 2008, p. 515).
A implementação do Terminal Rodoferroviário de Santo André foi
coordenada pela Empresa Pública de Transportes de Santo André
(EPT) e contou com o auxílio dos engenheiros Jorge Zaven
Kurkdjian e Fábio Oyamada para consultoria e cálculo estrutural,
respectivamente.
Os arquitetos descrevem o projeto discorrendo acerca da memória
afetiva, ao pensar no uso elementar de um equipamento de
grande infraestrutura urbana como é uma rodoviária. Para eles: “a
palavra ‘rodoviária’ traz uma triste lembrança da solidão da
espera, do desconforto, do estar provisório, de passagem (...) ”e
não deve oferecer “(...) o simples chegar e partir, mais ainda
147
PROJETOS E CONTEXTO
quando construída próxima de um ‘nó-urbano’, já que o Terminal
localiza-se entre o viaduto Presidente Castelo Branco, a linha
férrea que liga Rio Grande da Serra ao Brás (Linha 10 – Turquesa
da CPTM), a via expressa (avenida dos Estados) e o rio
Tamanduateí (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 68) (Figura
69).
Figura 69: Imagem área que mostra a real situação com a organização
espacial composta pelo terminal urbano, o interurbano, o rio e a linha
férrea. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Uma estrutura que atenderá ao terminal rodoviário
intermunicipal, à ferrovia de trens rápidos em implantação
(CPTM), ao terminal de ônibus urbano e ao transeunte que,
à pé, poderá cruzar os vários obstáculos com conforto,
abrigado, desfrutando a paisagem industrial dura e bela.
(FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 68).
Na opinião de Cecília Rodrigues dos Santos, a concepção do Brasil
Arquitetura “extrapola a encomenda [da Prefeitura Municipal de
Santo André] e inverte o eixo inicialmente proposto para o
desenvolvimento da nova rodoviária”, que fica paralela aos trilhos.
148
PROJETOS E CONTEXTO
Procurou-se criar uma passarela de pedestres cuja cobertura
transpusesse a linha do trem e alcançasse as duas novas
estações rodoviárias: a dos ônibus urbanos, com linhas municipais
e o terminal intermunicipal, como um “edifício-ponte” que conecta
duas áreas da cidade e uma rua de pedestres que oferece
infraestrutura para a instalação do comércio (Figura 70).
Figura 70: Vista para os dois lados da linha férrea a partir do edifício-ponte.
Fonte: Acervo da arquiteta, em maio de 2016.
O “edifício ponte” ou “edifício rua”, premiado pelo IAB/SP em
1998, tem área construída total de 10.566 metros quadrados e
tira partido da área de implantação que abrange mais de 230 mil
metros quadrados. Nasceu com um forte desejo dos arquitetos em
entregar à cidade um equipamento que fosse aliado dela e de
seus
usuários:
“(...)
Um
equipamento
urbano
de
porte
metropolitano, uma intervenção pontual, que se irradia em
contágios múltiplos de melhoria e conforto na cidade em que
vivemos: esta é a rodoferroviária de Santo André”.
Cecília Rodrigues dos Santos avalia a intervenção declarando que
o projeto foi além do que era esperado pela Prefeitura Municipal
de Santo André e o valoriza por ter se tornado um elemento
integrador não apenas entre os usuários da CPTM (Companhia de
Transporte
Metropolitano)
e
os
passageiros
das
linhas
intermunicipais, como também para os pedestres que circulam
pela região:
Optaram pelo uso da estrutura metálica por sua rapidez de
execução e por ser a solução mais simples para enfrentar o
problema das diferentes alturas a serem transpostas sobre a
149
PROJETOS E CONTEXTO
rodoviária e a via férrea, cujo tráfego não poderia ser interrompido
(Figura 71).
Figura 71: Perspectiva isométrica da cobertura metálica que resguarda o
conjunto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
O artigo de Nanci Corbioli “Obra premiada cria opções de
transporte e ajuda a revitalizar região industrial” publicado na
edição número 250 (2000), do periódico “Projeto Design” (pp. 4651) assinala que a opção por parte dos arquitetos da
“superestrutura metálica aparente” como resposta às diferentes
alturas a serem transportadas na linha térrea foi muito apropriada,
pois tirou proveito de toda a plasticidade do material.
De acordo com declaração de Francisco Fanucci “o catálogo de
perfilados brasileiros para construção civil não é tão variado como
o inglês, por exemplo”. Assim, para viabilizar a estrutura, foi
necessário criar quatro perfis estruturais básicos – uma meia
ferradura, uma curva, uma reta e uma junção curva – fixados por
parafusos, especificamente para ela. Esses módulos são de fácil
produção, transporte e montagem (Figura 72).
150
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 72: Recortes que demostram os quatro perfis metálicos utilizados no
projeto: reto, meia ferradura, junção curva e curvo. Fonte: Acervo da autora,
em maio de 2016 e desenho enviado pelo Brasil Arquitetura
Os quatro perfis distribuídos pelo edifício se configuram da
seguinte forma:
1. Meia ferradura que vencem 3,80 metros de vão vertical e
10,30 metros de vão horizontal, e possuem 30 centímetros de
altura.
2. Curvo, cujo raio mede 14 metros, possui 7,40 metros de
comprimento e 40 centímetros de altura.
3. Reto com 7,60 metros de comprimento e 35 centímetros de
altura.
4. Junção Curva com raio de 1,80 metros e 30 centímetros de
altura.
Acima dos perfis estruturais está a cobertura com caimento em
151
PROJETOS E CONTEXTO
uma água e inclinação de 30% preenchida com telhas metálicas
brancas (Figura 73).
Figura 73: Imagens com as vigas metálicas cobertas por telhas, também
metálicas, na cor branca. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Os pilares que sustentam a grande estrutura da cobertura
metálica são executados em concreto de seção circular. Eles estão
posicionados a cada 8 metros no sentido transversal e 15 metros
no sentido longitudinal e fundem-se à estrutura metálica através
de perfis “I” pré-fabricados (Figura 74).
Figura 74: Encontro entre as vigas metálicas e os pilares de seção circular,
em concreto. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
A grande passarela-corredor, que interliga a rodoviária ao terminal
de ônibus municipal, também estruturada em aço possui 320
metros de extensão por 9 metros de largura. A mesma estrutura
desce ao nível inferior, passando pelas escadas rolantes e se
estende para resguardar também a plataforma de embarque dos
ônibus intermunicipais (Figura 75).
152
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 75: Perspectiva isométrica que ilustra a continuidade da estrutura da
cobertura metálica que vai desde o terminal de ônibus municipais (à direita) até
o mezanino do terminal de ônibus intermunicipais (à esquerda).
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Graças à passarela, que abriga as funções de comércio no nível
superior, o piso inferior ficou livre para atender às necessidades
básicas
do
equipamento:
plataformas
de
embarque
e
desembarque, salas de espera, bilheterias, guarda-volumes,
guichês de informações e sanitários (2005, p. 66) (Figura 76).
Figura 76: Situação do térreo, com baias dos ônibus intermunicipais (à
esquerda e ao fundo), lanchonetes (ao centro), sanitários e bilheteria (à
direita). Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura.
O terminal de ônibus intermunicipais possui 8 baias de ônibus que
ficam estrategicamente localizadas próximas à bilheteria, praça de
alimentação e aos sanitários, porém, permanecem resguardadas
por um painel acrílico com objetivo de diminuir ruídos e fumaça na
área de espera (Figura 77).
153
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 77: Situação da área de espera resguardada por painel acrílico.
Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Futuramente o número de baias poderá aumentar, graças ao
espaço disponível nas laterais. Além disso, imaginando o aumento
da demanda nos anos seguintes e a apropriação do espaço por
parte da população, o projeto contemplou também a especificação
de boxes comerciais em aço inoxidável na parte superior do
terminal com 15 metros quadrados cada um e diversos pontos de
água e luz, onde atualmente funciona uma unidade de
atendimento
da
Secretaria
de
Estado
da
Administração
Penitenciária - Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania
(Figura 78).
154
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 78: Acesso à unidade de atendimento da Secretaria de Estado da
Administração Penitenciária Coordenadoria de Reintegração Social e
Cidadania. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Segundo artigo já mencionado da revista “Projeto Design” número
250, sabendo do alto tráfego diário de usuários, foram previstos
em projeto 12 baias de ônibus municipais, com espaço para
outras quatro que podem vir a ser necessárias no futuro. A
informação do texto na época da inauguração descreve a rotina do
terminal: “Da rodoviária (...) partem diariamente 212 ônibus, o que
significa movimento de 1.300 pessoas por dia ou cerca de 50 mil
por mês entre passageiros e acompanhantes” (Figura 79).
155
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 79: Situação do térreo, com baias dos ônibus intermunicipais (à
esquerda e ao fundo), lanchonetes (ao centro), sanitários e bilheteria (à
direita). Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
Para atender à demanda diária dos passageiros de ambos os
terminais rodoviários, da CPTM, e dos pedestres que o utilizam
como passarela para transpor o viaduto, que não possui faixa de
pedestres, no interior do conjunto, os usos se interligam facilmente
graças à configuração da circulação vertical, que pode ser feita
pelo uso combinado de elevadores, escadas rolantes e escadas
(Figura 80).
156
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 80: Circulação vertical: escada, escadas rolantes e elevadores.
Acervo da autora, em maio de 2016.
Ao mesmo tempo em que esses recortes permitem observar, no
presente, a configuração da cidade (passado) vislumbrando um
futuro melhor para ela, destacando aquela “capacidade de olhar
para o passado e para o futuro” a qual atribuímos como referência
a Lucio Costa, eles asseguram a sensação de leveza das peças
estruturais, característica recorrente na obra de Lelé, que não se
contentava apenas com o peso real da estrutura, mas também
com a sensação a transmitida (Figura 81).
157
PROJETOS E CONTEXTO
Figura 81: Aberturas inusitadas no Terminal Rodoviário emolduram a cidade
ao seu redor. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016.
De acordo com depoimento de Marcelo Ferraz para a autora dessa
dissertação, o desejo de Lelé era extinguir a precariedade e a
metodologia arcaica presente nos canteiros de obra brasileiros,
proporcionando uma forma de fazer arquitetura cujo ponto vital
está na pré-fabricação das peças e montagem na obra. No
entanto, sua pré-fabricação vai além de uma padronização pura.
Cada peça era desenvolvida exclusivamente para se adequar à
necessidade de cada obra, quer seja no que diz respeito às
dimensões do edifício, quer seja em relação à topografia do
terreno.
Segundo Ferraz, a visita dele e de Francisco Fanucci à fábrica e ao
escritório do arquiteto na Bahia, foi uma experiência única na qual
entenderam o verdadeiro sentido da arquitetura. Para ele, Lelé
não tinha a preocupação em construir uma arquitetura para durar
500 anos, pelo contrário, o objetivo dele era resolver o problema
emergencial, por isso a solução deveria ser tão racional, rápida e
econômica, porque quando a necessidade mudar, a arquitetura
deve ser transformada também. E, ao mesmo tempo em que
considera isso incrível, admite que o Brasil Arquitetura trabalha
158
PROJETOS E CONTEXTO
diferente nesse ponto, pois ainda procuram fazer uma arquitetura
acreditando que ela possa ser um legado às gerações futuras, que
ela deva durar, assim como foi pensado o Terminal Rodoferroviário
de Santo André, que, por prever a expansão, pretende deixar uma
herança para o futuro.
Para a estudiosa da área do patrimônio arquitetônico, Cecília
Rodrigues dos Santos, o “edifício-rua” concebido transformou o
complexo nó-urbano do entorno e sua diversidade de usuários,
funções
e
fluxos:
“passou
a
desempenhar,
funcional
e
simbolicamente, o papel do novo foco da centralidade urbana para
a cidade de Santo André”. Afirma que graças à sua clareza
arquitetônica, estabelece-se à contramão dos tradicionais projetos
de “rodoviárias tristes e fechadas que se tornam focos de
degradação das regiões onde se situam”, pois “o edifício veio a se
tornar elemento de integração e importante marco referencial na
paisagem”.
159
SÍNTESE E HERANÇA
Ao vocabulário crítico, a palavra percursor é indispensável,
mas indispensável também é tentar purificá-la de toda
conotação polêmica ou de rivalidade. O fato é que cada
escritor cria seus precursores. Seu trabalho modifica nossa
concepção do passado, como há de modificar o futuro.
(Jorge Luís Borges, Kafka e seus precursores)
Apesar de encontrar importantes referências arquitetônicas na
estratégia projetual do Brasil Arquitetura, tanto nos princípios (no
primeiro capítulo) quando na prática (no segundo capítulo), com o
objetivo de delinear a troca de experiências a partir das influências
recebidas, no entanto, seria injusto não enfatizar também os
traços autorais no percurso que está sendo definido, já que, por
exercerem com maturidade a profissão, foram capazes de
decodificar os estímulos que receberam durante toda sua carreira
e de manifestá-los de forma única. Dessa maneira puderam a
estabelecer e solidificar, durante as quase quatro décadas de
existência, sua própria identidade.
Desde o início, um ponto fora da curva: optaram por instituir a
sede do escritório fora do eixo da Vila Buarque, ou, mais
especificamente, da rua General Jardim (que começa na praça da
República, passa por baixo do Minhocão e se entende até
encontrar a avenida Higienópolis), na porção central paulistana.
O IAB-SP (Instituto dos Arquitetos do Brasil de São Paulo), cuja
sede também fica na General Jardim desde sua inauguração em
1953, onde Vilanova Artigas mantinha seu escritório enquanto
vivo, registra cerca de 250 arquitetos com endereço de trabalho
na via ou aos arredores dela, entre eles: Paulo Mendes da Rocha,
Apiacás, MMBB, Piratininga, SIAA, Corsi e Hirano, Nietsche, Metro,
Una e Andrade Morettin (CORREA, 2013).
Segundo
dados
do
Instituto,
estão
ali
empreendimentos
específicos como as editoras Cosac Naify e Romano Guerra, a
livraria Bookstore, a revista Projeto e o Vitruvius. Além disso,
fotógrafos
especializados
como
Nelson
cenógrafos, ilustradores e a Escola da Cidade.
160
Kon,
designers,
SÍNTESE E HERANÇA
Talvez a predileção pela Vila Madalena deva-se à sua localização
próxima à USP, ou quiçá pelo fato de que na década de 1970
(mesmo período no qual os sócios frequentavam a Universidade
de São Paulo), representava uma opção barata para moradia de
estudantes. É possível também que tenham optado por manter o
escritório e a Baraúna na Vila Madalena (na época, pouco
escolhida pelos escritórios de arquitetura) porque perceberam que
o bairro, apesar de nobre, é muito eclético com atrações culturais
e de lazer que enaltecem sua diversidade/universalidade. Uma
localização condizente com o propósito do Brasil Arquitetura de
criar
espaços
baseados
nas
dimensões
humanas
de
relacionamento e comunicação: “uma arquitetura universal com
conexão com as bases culturais de cada lugar”, conforme
descreve a epígrafe de seu site oficial, cartão de visita do
escritório.
Desde a formação do escritório em 1979, a trajetória percorrida
engloba uma grande variedade de trabalhos tanto pela natureza
programática, quanto pela escala de atuação. Não obstante a
diversidade de situações e propostas com que se defrontam em
sua atividade profissional, é possível reconhecer uma identidade
própria adquirida através da síntese entre a formação assimilada
nos anos de graduação na FAU-USP e a relação estabelecida com
as afinidades eletivas que atuaram com grande influência na
construção da essência do Brasil Arquitetura.
Marta Bogéa explica que, como ocorreu no caso do Museu do Pão
em Ilópolis, o Brasil Arquitetura anseia que seus projetos sejam
continuamente um “fato agregador” afirma ainda que, esperam
que esse fato possa transformar positivamente a realidade do
lugar no qual a intervenção será inserida. A arquiteta avalia essa
ambição como uma preocupação rara atualmente: “(...) uma
arquitetura que não se reconhece pela forma, por uma recorrência
histriônica e exuberante de design”, mas sim é reconhecida por
seu caráter ético. (BOGEA, 2013).
161
SÍNTESE E HERANÇA
Assinala ainda uma compreensão significativa do período de
graduação em arquitetura, em que a presença de Artigas era
marcante. Com suas palavras, Marta Bogéa assinala a assimilação
do aprendizado do professor, mas também uma superação dada
pela consistência de uma ação cultural mais ampla, que vai além
do desenho, da pesquisa formal.
Uma arquitetura que se sabe inserida como fato de cultura
e almeja constituir uma base material para um habitar
poético, e para tanto não atende apenas demandas e as
materializa, constrói projetos, no sentido mais amplo da
palavra, constrói desígnios, mantendo a tradição proposta
por Artigas. E ao construí-los se distancia dessa mesma
tradição ao fazê-lo atentamente ao território tanto material
quanto cultural a partir do qual se materializará (BOGÉA,
2013). O grifo é nosso.
A decodificação das referências estabeleceu uma identidade que
se destaca em relação à produção brasileira contemporânea,
especialmente no que diz respeito à metodologia que compreende
sua ação arquitetônica, das quais seis estratégias projetuais serão
ressaltadas nas próximas páginas: a “prática política do projeto”; a
“comunicação”; o “discernimento”; a “responsabilidade”; a
“substancialidade”; e a “brasilidade”.
Com o objetivo de destacar os atributos (e não os projetos), o
argumento a respeito desses sete artifícios será desenvolvido a
partir de sete projetos selecionados para ilustrar a recorrência dos
parâmetros pontuais, respectivamente: Intervenção em Registro
(Registro /SP); Museu da Cerâmica (Arvorezinha/RS) e o Instituto
Socioambiental (São Gabriel da Cachoeira/AM); Museu Rodin
(Salvador/ BA); Museu das Missões (São Miguel das Missões/RS);
Centro de Interpretação do Pampa (Jaraguão/RS); e o Bairro
Amarelo (Berlim/Alemanha).
1) Prática Política do Projeto
Em entrevista concedida à editora Simone Sayegh, originalmente
publicada na revista AU – Arquitetura e Urbanismo em janeiro de
2005, e que faz parte da compilação de textos Arquitetura
Conversável (2011, pp. 83-89), Marcelo Ferraz é contundente ao
afirmar que muitos dos projetos de revitalização de prédios
162
SÍNTESE E HERANÇA
históricos dos quais participam por todo o país devem-se à
“prática política do projeto” (FERRAZ, 2011, p. 85) exercitada pelo
escritório.
De acordo com o arquiteto, as oportunidades surgem graças à
iniciativa da equipe do Brasil Arquitetura em antever um projeto
em potencial, realizar os estudos preliminares e apresentar uma
primeira proposta ao cliente com a intenção de fazê-lo perceber a
necessidade do projeto. Essa postura é muito particular, pois os
arquitetos não apenas atuam na concepção do programa
arquitetônico, mas também assessoram na capitalização de verba
e promovem todo o trabalho necessário para concretização e
construção do edifício.
Dessa forma, é possível afirmar que o escritório não precisa filtrar
ou recusar nenhum tipo de trabalho, no entanto, segundo palavras
do arquiteto: “(...) de uma forma ou outra, estamos sempre
dirigindo nossas energias para nossas preferências, mesmo que
não deliberadamente” (FERRAZ, 2011, p.31).
Em mesma entrevista, ao ser questionado sobre a falta de
oportunidade de trabalho da qual muitos arquitetos brasileiros
lamentam, apesar de concordar com a escassez, cada vez maior,
de trabalho de arquitetura, enfatiza ainda mais o mérito da desse
modo de trabalhar tão frequente ao Brasil Arquitetura, que
assegura mais liberdade e mais trabalho como solução desse
problema (FERRAZ, 2011, p.87).
Como exemplo dessa metodologia, Ferraz cita o Memorial da
Imigração Japonesa em Registro (interior de São Paulo), que
recebeu o Prêmio IAB/SP na categoria “Revitalização de Edifícios”,
em 2002: “(...) Ninguém encomendou o projeto. Nós fizemos um
estudo, aprovamos no CONDEPHAAT e fomos até o prefeito”.
Segundo análise de Cecília Rodrigues dos Santos, a prioridade do
projeto de recuperação do conjunto, bastante deteriorado, cuja
área total contabiliza mais de 150 mil metros quadrados, foi a
“restauração
e
recuperação
163
de
um
patrimônio
histórico
SÍNTESE E HERANÇA
reconhecido por tombamento estadual, cujo remanescente físico é
depositário da história do município e da origem de grande parte
de sua população” (em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS,
2005 p. 42).
Além do Memorial de Imigração Japonesa, as construções
existentes na área foram restauradas conformando um grande
complexo, o Conjunto KKKK, que envolve teatro, memorial, áreas
de exposição e convivência, salas de aula, restaurante, mercado
municipal, praça e o parque Beira-Rio com 2 quilômetros de
extensão, cujo objetivo principal é o de recuperação das margens
do rio e controle de novas enchentes (Figura 82).
Figura 82: Conjunto KKKK às margens do parque Beira-Rio: restauro e nova
intervenção em Registro (interior de São Paulo). Foto: Nelson Kon.
Acervo Brasil Arquitetura.
Cecília Rodrigues dos Santos destaca um aspecto importante: “a
articulação desse patrimônio revitalizado com sua paisagem
histórica e ambiental, relacionando-o com a cidade de Registro e
com o rio Ribeira de Iguape”. Essa ação possibilitou ao município
um projeto mais amplo, bem como a integração entre
conjunto/cidade por meio do projeto da “praça para o mercado, do
desenho de eixos de comunicação e fluxo, ações que se somam
164
SÍNTESE E HERANÇA
para recuperar a relação histórica da cidade com seu rio (...)” (em
CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005 p. 42) (Figura 83).
Figura 83: Conjunto KKKK em 1995 comprovando a situação degradada da
área. Fonte: CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005 p. 43.
Os arquitetos comemoram o resultado, afirmando que a partir da
iniciativa que traz como ponto elementar o estabelecimento de
uma nova relação entre a cidade e o rio Ribeira de Iguape, com
resgate e a revisão histórica da cidade feita a partir de um
espaço/documento, no qual a convivência é o núcleo central do
equipamento (em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005 p.
49).
Fanucci e Ferraz acreditam que graças à iniciativa “(...) Registro
que era uma cidade feia e degradada, reconquistou a relação
sadia com o rio Ribeira de Iguape (...)” (FERRAZ, 2011, p. 85) e
estabeleceu uma nova integração entre a população e o espaço.
As reflexões a respeito desta prática desenvolvida pelo Brasil
Arquitetura propõem uma interrogação aos colegas arquitetos
contemporâneos e às gerações futuras: “Estaria eu fazendo a
minha parte?” e “Como posso, então, contribuir de fato para a
melhoria de minhas cidades?”.
2) Comunicação
Para conceber uma relação plena entre o contexto (físico, social,
econômico) e o estabelecimento do programa é necessário um
165
SÍNTESE E HERANÇA
grande esforço multidisciplinar que envolve habilidades que vão
além das necessárias para a construção de um edifício.
É fundamental esclarecer, nesta etapa do trabalho, que o termo
“programa” está aqui utilizado no sentido mais amplo da palavra.
Segundo palavras do próprio arquiteto: “(...) Entendemos por
programa a mais abrangente e profunda demanda humana, seja
no âmbito da vida íntima, individual, seja na vida em coletividade,
pública”. Para a equipe do Brasil Arquitetura, o programa envolve
uma “(...) tomada de consciência do significado ou da identidade
do lugar – do lugar enquanto sítio habitado” (FERRAZ, 2011, p.91).
Seguindo essa perspectiva, quando for projetar, o arquiteto deve
buscar empatia em relação aos usuários e para isso é preciso
entender sua rotina e suas necessidades: ser médico e paciente
ao conceber um hospital; aluno e professor quando pensar uma
escola; funcionário e cliente ao desenhar espaços corporativos e
comerciais; adulto e criança ao imaginar uma praça; e assim por
diante.
O arquiteto deve ter a capacidade de entender uma
situação não só física, mas socioeconômica de um espaço,
de um bairro ou de uma comunidade. Deve conversar com
as pessoas e tirar daí a sua resposta, o projeto. Deve
devolver uma coisa de acordo com esta realidade
percebida. (...) Às vezes há uma demanda empírica ou
subjacente à realidade imediata, que ninguém tinha
pensado. (...). O importante para o arquiteto é ver além
delas (...) (FERRAZ, 2011, p.164).
Em seus projetos é frequente a busca pelo aprofundamento da
ideia do programa, além do que é solicitado explicitamente pelo
cliente, que pode ser público ou privado. Na verdade, o trabalho
proposto pela equipe do escritório busca “(...) agregar ao conceito
de programa o uso ou a vida que se dará no futuro espaço a ser
construído” (FERRAZ, 2011, p.91).
Apesar de essa ser uma característica recorrente na obra do Brasil
Arquitetura desde o início de sua trajetória, ela não acontece
automaticamente, e, provavelmente por isso a experiência dessa
forma de trabalhar é tão rica, pois envolve diversidade e
166
SÍNTESE E HERANÇA
originalidade em diferentes situações e demandas. A prática de
“construir programas” é interessante porque “(...) extrapola o ato
de
projetar,
stricto
sensu.
Sonhamos
e
projetamos
os
comportamentos futuros daqueles que utilizarão os espaços, que
fruirão dos espaços (...)” (FERRAZ, 2011, p. 31).
O edifício deve comunicar-se com o usuário, que, por sua vez, deve
sentir-se à vontade a apropriar-se do espaço concebido. Em
palavras de Marcelo Ferraz: “arquitetura é comunicação” (FERRAZ,
2011, p.164), por sua capacidade, talvez maior até que nas outras
formas de comunicação, de unir “expressões intelectuais e
intuitivas, objetivas e subjetivas”, e no caso dos projetos do Brasil
Arquitetura, a ação arquitetônica, apesar de fundamentada na
criação é sempre “vigiada de perto, muito de perto, pela
responsabilidade civil e social” (FERRAZ, 2011, p.24).
Já que os projetos são uma forte “ferramenta de interferência na
vida das pessoas” (FERRAZ, 2011, p.188) essa mediação deve ser
feita como uma “prática social”, com muita cautela. E, por isso
requer uma reflexão que considere o “diálogo com o entorno deve
existir sempre, seja para criar harmonia, seja para criar tensão ou
conflitos, negação (...)” (FERRAZ, 2011, p.188).
Gosto muito do termo “prática social”. Meus colegas de
trabalho e eu não conseguimos vestir a camisa daquele
arquiteto que fica na prancheta, cultivando as “coisas
geniais do desenho” (...) A prática social no caso é dada,
você sempre buscando as relações com todos agentes que
interferem no projeto; a política, no sentido mais nobre da
palavra, principalmente com aquele que vai utilizar o
projeto. (FERRAZ, 2011, p.170).
De certa forma, esse modus operandi funciona também como um
instrumento que auxilia a vencer o dilema do “papel em branco”,
vivenciado por todos aqueles profissionais que trabalham com a
criação. Ao pensar no “por onde começar?”, muitas vezes se tem a
resposta após entender o contexto (histórico, físico, social e
econômico) no qual o objeto será inserido.
Isso ocorreu no projeto ainda embrionário para o Museu da
Cerâmica em Arvorezinha, cidade que pertence ao “Caminho dos
167
SÍNTESE E HERANÇA
Moinhos” e próxima a Ilópolis, que abriga o Museu do Pão sobre o
qual se discorreu no segundo capítulo deste estudo.
De acordo com entrevista concedida à autora desta pesquisa,
Marcelo Ferraz narrou o processo criativo pelo qual passou até
chegar a sua primeira proposta para o Museu da Cerâmica (Figura
84).
Figura 84: Modelo 3D em Sketchup que mostra a implantação. Em cima, vista
frontal e embaixo, vista posterior. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Durante a entrevista o arquiteto mostrou-se bastante empolgado
por descobrir o partido que será adotado na concepção do projeto:
“Matei a charada agora, estou super entusiasmado!”, admite o
arquiteto.
Segundo Ferraz, inspirado na modulação rígida com a qual os
tijolos cerâmicos são feitos, o edifício seguirá modulação e será
edificado com blocos cerâmicos. A partir da definição da
modulação, o restante das decisões foi se encaixando porque,
conforme opinião de Marcelo quando se está focado em
solucionar uma demanda, as respostas começam a vir em série,
como se comprovassem que o encadeamento lógico do raciocínio
é adequado. Assim, a modulação surge como um recurso de
processo, que nunca é “arbitrário”, e, para o Brasil Arquitetura,
sempre deve estar fortemente ligado ao contexto existente.
Seu terreno de formato irregular e com sete curvas de nível
distintas possui quase 1,2 mil metros quadrados (com 25 metros
168
SÍNTESE E HERANÇA
de frente e pouco mais que 30 metros de fundos) e está inserido
dentro de uma fábrica de cerâmica (Figura 85).
Figura 85: Prancha de estudo para o Museu da Cerâmica: terreno de formato
irregular e com sete curvas de nível. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Implantado em toda a extensão do terreno, o prédio aproveita os
desníveis para criar no subsolo, entrâncias e reentrâncias
aproveitando da forma mais natural, com o mínimo de
intervenções no contexto físico que é o terreno disponível.
Para consagrar toda a atmosfera da fábrica e assegurar que a
mesma estará refletida no novo edifício proposto, o Museu da
Cerâmica será o “Museu dos Tijolos”, de acordo com depoimento
de Marcelo Ferraz em entrevista. Os tijolos serão os protagonistas
do projeto e trabalharão como elementos estruturadores e
integradores e aparecerão de forma direta e indireta.
169
SÍNTESE E HERANÇA
Como os tijolos de cerâmica seguem uma modulação fixa, pensouse que essa rigidez deveria repetir-se na organização espacial da
planta. Definiu-se, então, uma malha modulada cuja base são
quadrados de 5 metros de lado (Figura 86).
Figura 86: Implantação com módulos de 5x5 cobertos por telhado verde.
Vista de cima a construção será uma mimese à grama da parte externa do
edifício. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A proposta do projeto até o momento é reafirmar a materialidade
do tijolo, combinando-a com o processo de concretagem, de
maneira a conferir uma textura singular ao edifício. Pensam em
colocar os tijolos dentro de fôrmas para que os dois elementos –
concreto e tijolo – formem uma camada única e envolva as
paredes e a estrutura, criando uma atmosfera espacial repleta de
apelos tanto visuais quanto sensoriais onde se destacarão as
características dos blocos cerâmicos.
Serão executadas, também, colunas de tijolos que, seguindo
raciocínio do arquiteto, em entrevista, serão intencionalmente
desalinhadas, com o intuito de chamar atenção para elas de
maneira que o visitante possa perceber os tijolos, em destaque.
170
SÍNTESE E HERANÇA
Distribuído em dois pavimentos o programa possui áreas de
exposições permanentes e temporárias, recepção e auditório para
48 pessoas no térreo.
Desta forma, o projeto do Museu da Cerâmica utilizado como
analogia ao atributo da “comunicação” recorrente na obra do
Brasil Arquitetura demostra como o diálogo entre usuários e
atmosfera (contexto) com os quais a intervenção deverá
relacionar-se junto à concepção inicial das propostas; no mesmo
momento em que são definidos os caminhos que serão
percorridos.
É possível identificar essa característica comunicativa também no
projeto para o projeto do Instituto Socioambiental (ISA), que
contou com uma inovação muito simples: aproveitar a sabedoria
popular dos indígenas, para quem o edifício está sendo construído
em São Gabriel da Cachoeira (AM) que também apresenta
aspectos importantes sobre a relação com os contextos físico,
cultural e econômico do lugar.
Francisco Fanucci, em entrevista para a autora desse estudo
afirmou que a atuação do escritório sempre parte da tentativa de
compreender, da forma mais profunda possível, as condições do
lugar. Na opinião do arquiteto, o caso do ISA é particularmente
interessante porque foi uma experiência inédita para o escritório já
que as paredes de alvenaria e os elementos em concreto foram
calculados no escritório em São Paulo, mas a estrutura, ou o
“esqueleto de madeira” que funciona como uma cobertura como
chamou o arquiteto parte da construção foi executada pelos
próprios índios locais. Para que a construção corresse como
planejado, foi necessário por parte do escritório, um aprendizado
extra no que diz respeito à representação gráfica. Precisaram
aprender mais sobre a lógica construtiva que estavam propondo,
para então construir uma maquete da mesma maneira como os
construtores locais deveriam executar a cobertura em São Gabriel
da Cachoeira (Figura 87).
171
SÍNTESE E HERANÇA
Figura 87: Foto da maquete desenvolvida pelo Brasil Arquitetura para ser
utilizada pela equipe local na construção da “roupa de madeira” do
edifício. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Como seria utilizada para execução da obra, a maquete precisava
ser rica nos detalhes. Desse modo, o modelo produzido mostrava
não apenas a parte externa do edifício, mas também todo o núcleo
de alvenaria e os forros de cestaria. A região tem uma diversidade
muito grande de cestarias e foi um grande aprendizado para a
equipe do escritório.
Você tem muitas etnias naquela região, muitas mesmo, e
etnias que tem compreensões muito diferentes, do mundo,
cosmogonias e tal, e cada um têm a sua maneira, vamos
dizer assim, sua arquitetura, sua maneira de enfrentar diaa-dia, cestarias próprias, cerâmica, maneira de habitar,
sabe? São muito variadas! E no caso da construção em
madeira foi uma família que resolveu e assumiu construir lá
porque eles já haviam construído outras coisas que a gente
viu lá na cidade e tal.
Com área total de mil e oitenta e três metros quadrados, a maloca
foi construída para acolher os encontros anuais de vinte e dois
povos indígenas da região que dividem a mesma área de reserva.
A união de povos diferentes sob o mesmo abrigo representa a
importância do trabalho coletivo para as culturas locais.
Insere-se naturalmente às margens do Rio Negro com a forma
orgânica da cobertura e com o uso da madeira como revestimento
das fachadas.
172
SÍNTESE E HERANÇA
A paisagem do exterior incide no interior do recinto, especialmente
no último pavimento, graças à utilização de vidro nas vedações.
O projeto teve como ponto de partida um “gesto racionalista”
(CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p.84), trata-se de
um cubo de alvenaria pintado de branco, que, de acordo com
memorial de projeto, mede 16 metros de comprimento de cada
lado e possui gabarito de 3 pavimentos de altura (Figura 88).
Figura 88: Projeto da cobertura com posicionamento das ripas e a trama
formada pelas cestarias. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A partir do arquivo com o desenho do projeto em AutoCAD
disponível no site oficial do escritório, é possível observar a
inserção de uma circunferência (cobertura) cujo diâmetro coincide
com a medida do lado do quadrado (volume do edifício). Caberia
investigar em um artigo futuro a relação vitruviana entre o
quadrado e a circunferência e propor uma discussão acerca do
simbolismo dessas duas formas para os indígenas: o círculo como
elemento
divino/natural
e
o
quadrado
como
elemento
terrestre/construído. Esse estudo não se deterá na análise
aprofundada desses aspectos, pois seu objetivo principal é
entender a utilização da inovação na produção do escritório.
O elemento principal da “maloca” (em CALDEIRA; FANUCCI;
FERRAZ; SANTOS, 2005, p.84) é a cobertura côncava que se
apresenta como uma oca indígena, coberta por fibras de piaçava
sobre estrutura de madeira e cipó, e vence um vão correspondente
173
SÍNTESE E HERANÇA
aos dezesseis metros de lado do quadrado da planta (Figura 89).
Figura 89: Detalhe interno da cobertura executada em fibras de piaçava
sobre estrutura de madeira e cipó (esquerda) e estrutura na maquete
enviada à mão de obra local (direita). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Ela está sustentada por dez pilares de seção circular com quinze
centímetros de diâmetro cada um. Esses dez pilares conformam
um segundo círculo com dez metros de diâmetro.
Os vinte caibros da cobertura estão posicionados a cerca de
quinze centímetros de distância um do outro. Pelos caibros,
distribuem-se as diversas terças (Figura 90) que se articulam.
Figura 90: Croquis (planta e perspectiva) do desenvolvimento das tramas,
trançados e encaixes da cobertura. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A cumeeira mede cinco metros e vinte e sete centímetros de
altura. A proposta segue os métodos construtivos tradicionais, os
materiais e a mão de obra disponíveis no local, opção que
favorece a economia, a rapidez, a integração ambiental-cultural e
apropriação total do novo espaço da instituição por parte da
comunidade.
174
SÍNTESE E HERANÇA
O memorial do projeto descreve o programa arquitetônico da
seguinte maneira: salão multiuso (trabalho, exposições, telão para
projeções e conferências), biblioteca, copa e sanitários no
pavimento térreo. No primeiro pavimento seis acomodações para
pesquisadores permanentes ou visitantes. No último piso estão a
sala de reuniões, a cozinha coletiva, sanitários e sala de baterias
que ocupam um terço da área desse pavimento. Sua cobertura foi
executada em lajes de concreto capazes de sustentar as placas de
captação de luz solar que gera energia suficiente para a
iluminação e o funcionamento dos computadores. Os outros dois
terços da área são destinados à área de convivência com
“redário”. Essa grande área de estar tira proveito da vista
panorâmica do Rio Negro (Figura 91).
Figura 91: Abertura da paisagem da cobertura da maloca à floresta e ao
Rio Negro. Foto: Daniel Ducci. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Quando se considera soluções que privilegiam a adequação ao
contexto deve-se atentar também para que as escolhas
possibilitem maior conforto ambiental a partir das condições
proporcionadas pelo lugar.
Nesse projeto as estratégias a esse respeito aparecem no
emprego de tramas de madeira e cipó que resguardam as
varandas por todo o perímetro do edifício. Na fachada posterior, a
mesma estratégia é utilizada como elemento plástico quando
175
SÍNTESE E HERANÇA
delineia a escada (Figura 92).
Figura 92: Peitoris das varandas em tramas de madeira e cipó (à esquerda). Na
fachada posterior, a mesma trama de madeira e cipó que protege as
varandas delineia a escada (à direita). Foto: Daniel Ducci. Fonte: Acervo
Brasil Arquitetura. Fonte: Site oficial do escritório.
Ao ponderar acerca dessa prática, tão importante para o escritório,
ficam aos escritórios contemporâneos, e também aos futuros
arquitetos, as indagações: “Estaria eu, como arquiteto, construtor
de espaços, buscando promover a relação entre o meu edifício e
todo o entorno circundante?”; “Como poderia aprimorar meu
processo de criação para encontrar soluções contundentes que
possam ir além da concepção formal ou funcional do edifício?”;
“Que mensagem eu estou comunicando para a sociedade no qual
meu projeto será inserido?”.
3) Discernimento
Como indicado no primeiro capítulo deste volume, a “ação
estratégica na área do patrimônio” (FERRAZ, 2011 p. 158) do
Brasil Arquitetura, apesar de municiada pelos princípios adotados
por Lina Bo Bardi e Lucio Costa, indica que as soluções propostas
devem estar vinculadas a determinadas motivações.
Quando questionados sobre qual o raciocínio utilizado por eles ao
decidir o que será mantido e o que será relegado em seus projetos
de
intervenção
em
patrimônio,
afirmam
que
seguem
frequentemente a máxima de que “cada caso é um caso”,
especialmente por entenderem a arquitetura como uma atividade
absolutamente dinâmica e que deve levar em conta a realidade
existente naquele momento específico em que precisam tomar
uma decisão, sendo, para eles, incoerente, preestabelecer
176
SÍNTESE E HERANÇA
parâmetros e critérios padronizados (FERRAZ, 2011, p. 162). “(...)
Cada vez que a gente faz uma escolha uma nova realidade é
colocada. A arquitetura é absolutamente dinâmica o que pode
alterar completamente a realidade. Por isso essa dificuldade de se
formar critérios e parâmetros rígidos (...)” (FERRAZ, 2011, p. 162).
A legislação é necessária porque é ela que define as áreas
de interesse. Mas ela não consegue formular critérios de
intervenção (...) os critérios são voláteis, variam não só com
o objeto, mas com o tempo (...). As regras, as leis, são
importantes para a definição dos valores mais perenes do
patrimônio. Mais elas têm que ser encaradas, a cada
momento, à luz da atualidade, da contemporaneidade.
Essas regras e leis não podem ser tomadas de uma
maneira absoluta senão corremos o risco de um
‘congelamento’ dos espaços do patrimônio histórico.
(FERRAZ, 2011, p. 182)
Assim, não é possível, para eles, estabelecer um raciocínio único
sobre o que deve ser mantido ou demolido, ou que tipo de material
ou técnica construtiva utilizar. A opinião deles é a de que “(...) fazer
arquitetura também é demolir”. (FERRAZ, 2011, p.104)
Acredita-se que toda edificação seja uma intervenção em
preexistência, que pode ser um edifício antigo ou uma cidade, por
exemplo, mas cada caso dirá como a intervenção deve preservar
ou esquecer. Para eles não existe um modelo único a ser seguido:
“Cada cidade, com sua história, sua geografia física e humana,
suas características e originalidades, aponta saídas e soluções
diferenciadas para seus problemas urbanos” (FERRAZ, 2011,
p.105), contudo, consideram a cidade como patrimônio histórico e
acreditam que é necessária muita prudência em relação a ela:
“(...) porque representa o documento de uma época. Mas, atenção:
um documento congelado no tempo perde seu sentido de existir”.
(FERRAZ, 2011, p.102)
Ora, só nos interessa o passado de pedra, barro, cal,
madeira, ferro e tinta – o passado ‘construído’ – se
pudermos torná-lo vivo, útil, atual, necessário na
contemporaneidade para além de sua função documental.
E mais, se ele servir de espelho, de referência a um futuro
por construção. (FERRAZ, 2011, p.158)
177
SÍNTESE E HERANÇA
Como objeto de estudo desse parâmetro, optou-se pelo Museu
Rodin, inaugurado em Salvador. Trata-se de um antigo palacete
residencial que deveria, então, transformar seu uso e adequar-se
às necessidades de um museu de arte, bem como ao
cumprimento de uma série de exigências por parte da matriz
francesa (Figura 93).
Figura 93: A imagem mostra a relação entre o edifício novo, mais baixo, ao
fundo, com coloração acinzentada e o edifício antigo, branco e como ambos
relacionam-se com a praça e as áreas centenárias que foram mantidas.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A primeira delas era a necessidade de encontrar uma sede que
pudesse ter significado cultural para a cidade e que atendesse a
todos os requisitos técnicos necessários para acolher as cerca de
setenta peças originais em gesso, parte do acervo do museu em
Paris (em FANUCCI; FERRAZ, SANTOS, 2005, p. 98).
Assim, o escolhido foi o centenário Palacete Comendador
Catharino (1912), em estilo eclético, e com ele duas novas
reivindicações: o edifício complementar a ser construído deveria
se apresentar de forma harmoniosa, sem gerar ruídos ou
contrastes com o edifício centenário; e todas das árvores
plantadas no terreno deveriam ser mantidas.
Determinar um novo uso ao antigo palacete foi basilar para
permitir a ele uma nova vida. Na opinião de Marcelo Ferraz,
178
SÍNTESE E HERANÇA
quando uma edificação ou um conjunto de edificações não possui
mais uso, ela não precisa ser conservada: “(...) Se não é um
documento, um grande testemunho da construção ou de alguma
técnica arquitetônica, não tem porque ser conservada (...)”
(FERRAZ, 2011, p.162).
Segundo os arquitetos, os maiores embates sobre a intervenção
no prédio existente diziam respeito às paredes internas que não
poderiam ser completamente desconfiguradas, mantendo a
memória de um exemplar da arquitetura eclética (com valor
documental para a Bahia), mas ao mesmo tempo era necessário
criar ambientes mais amplos para possibilitar a circulação
confortável dos visitantes e, até mesmo, uma museografia mais
interessante com espaços comunicáveis entre si. Foi então que,
após muita discussão, optaram por demolir as paredes internas do
segundo pavimento, e por preservarem os batentes possibilitando
aos visitantes entenderem qual era a dinâmica espacial do edifício
original do qual foram mantidas também as marcas no piso e as
divisões no teto (FERRAZ, 2011, p.168) (Figura 94).
Figura 94: Fotografia que destaca a manutenção do antigo e o diálogo com o
antigo nos interiores do Museu Rodin. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
179
SÍNTESE E HERANÇA
Outro ponto que causou divergências foi sobre a pintura do
palacete. Ao invés de se preocuparem em retratá-lo com as
tonalidades escolhidas na época de sua construção e não correr o
risco de criar simulacros decidiu-se pintá-lo todo na cor branca, de
maneira a conferir à história uma mesma textura: “(...) é uma
leitura atual de algo passado, mas ele ainda está aí. Nós [do Brasil
Arquitetura] somos contra o saudosismo puro. Saudade, só do
futuro” (FERRAZ, 2011, p.168).
A arquiteta historiadora Cecília Rodrigues dos Santos entende que
a principal estrutura criada para demostrar a continuidade entre o
novo e o velho é “representada por uma passarela de concreto
protendido, sem pilares de apoio com 3m de altura” (Figura 95).
Figura 95: A partir do edifício antigo é possível avistar um visitante que
atravessa a passarela que conecta o novo e o velho.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
180
SÍNTESE E HERANÇA
De acordo com sua análise, a “passarela alcança a discreta caixa
cega de concreto aparente, passa por trás de um anteparo de
treliça de madeira (...), olha para o interior da caixa e acaba numa
escada lateral externa”. (em FANUCCI; FERRAZ, SANTOS, 2005, p.
98) (Figura 96).
Figura 96: Um novo ângulo possibilita perceber a escala da intervenção
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Cecília Rodrigues dos Santos considera que a intervenção é
harmônica e atendeu a todas as exigências que foram a ele
propostas: a primeira era a manutenção das árvores plantadas no
181
SÍNTESE E HERANÇA
jardim existente; a segunda indicava a necessidade de o novo
edifício respeitar a escala do prédio histórico existente, mesmo
devendo ser construído manifestando o caráter contemporâneo da
materialidade, das soluções físicas e da continuidade e fluidez
(2005, p. 98) (Figura 97).
Figura 97: A nova construção encosta a antiga de maneira respeitosa e ao
mesmo tempo em que reverencia o velho, enaltece o novo.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A imagem acima permite perceber como é sutil a transição entre
os tempos (passado e presente) construída para a inserção do
182
SÍNTESE E HERANÇA
elevador, necessários para atender à nova demanda. Trata-se de
um bloco de concreto “encravado” na porção posterior do antigo
palacete no qual foi inserida uma espécie de pele de placas de
madeira apoiada em seis traves metálicas.
A
respeito
desse
item
identificado
acredita-se
que
o
questionamento sugerido é o de “Estamos dando vida à nossa
cidade?”; “Como valorizar o nosso patrimônio a ponto dele não se
tornar desnecessário?” “Não seria pertinente projetar edifícios
visando à possibilidade de seu uso para as gerações futuras?”.
4) Responsabilidade
O quarto procedimento identificado como frequente no modo de
trabalhar do escritório Brasil Arquitetura é a ciência pela
responsabilidade intrínseca na atividade do arquiteto: a ética em
relação às consequências de suas propostas.
Há séculos os edifícios (ou refúgios) são construídos como abrigo
com a finalidade de durar o maior tempo possível, embora
admitam que essa tendência pode mudar com o passar das
próximas décadas devido à eminente necessidade de construção
de “arquiteturas de urgência”, como eram as intervenções feitas
por Lelé nos Centros de Comunidade – postos de saúde, pequenas
escolas, pontos de atendimento, lavanderias, etc – nas favelas no
Rio de Janeiro.
Em entrevista à autora desta pesquisa, Marcelo Ferraz afirmou
que, para Lelé, a arquitetura tinha um caráter emergencial; ritmo
de
arquitetura
de
socorro;
de
ocupação.
Ele
construía
equipamentos de melhoria das condições de habitabilidade nas
favelas não por acreditar que as favelas deveriam durar para
sempre, muito pelo contrário, mas propunha assistência para
atender às necessidades momentâneas daquela população, que
não pode ser esquecida.
E nesse ponto sim, o pensamento da equipe do Brasil Arquitetura
se equipara ao do arquiteto carioca. Para eles, apesar de ter um
compromisso com os clientes (seja ele público ou privado), há de
183
SÍNTESE E HERANÇA
preocupar também com a dívida do arquiteto em relação às
cidades, às comunidades como um todo: “Nós trabalhamos
mesmo é para a cidade, para a sociedade, para a comunidade.
Nisso eu estou com Alvar Aalto: ‘O arquiteto é um servidor da
sociedade’”. (FERRAZ, 2011, p. 181)
A ética presente na produção do Brasil Arquitetura, muito tem a
ver com o legado que procuram deixar à população local que se
envolve na ação após a conclusão do edifício, como ocorreu no
Museu do Pão em Ilópolis que gerou empregos diretos e indiretos
advindos das necessidades do museu, da escola e também dos
empreendimentos do entorno, fomentados pelo turismo no local.
Não há como afirmar com certeza, mas esse provavelmente
também será o resultado do Museu das Missões, em São Miguel
das Missões (RS) sobre o qual, em entrevista à autora desse
ensaio, Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz falaram com muito
contentamento a respeito de um novo projeto, em fase de
conclusão, que segundo eles “(...) talvez seja o de maior
reponsabilidade que nós já lidamos aqui no escritório”. Não
apenas pela dimensão do projeto que, em área pode ser
comparado ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), de Lina Bo
Bardi, mas principalmente pela grandeza da proposta, que não
está apenas nos 8,5 mil metros quadrados de área total do
complexo cultural em São Miguel das Missões (RS), mas sim o fato
dele estar tão próximo às ruínas de São Miguel e ao Pavilhão Lucio
Costa (1937) antigo Museu das Missões. O memorial de projeto
evidencia o entendimento da necessidade desse diálogo.
Depois da intervenção de Lucio Costa no sítio histórico de
São Miguel das Missões, com seu assertivo projeto e
construção do museu (hoje Pavilhão Lucio Costa), fica muito
claro que qualquer nova intervenção deve seguir as
diretrizes – explícitas e subjetivas – de respeito e
conformidade com o bem que se quer preservar, seja do
ponto de vista físico – ruínas, muros, pedras e o próprio
museu -, seja do ponto de vista do que se imagina ter sido a
epopeia das missões guaranis do século XVIII, justamente a
partir destes elementos remanescentes na paisagem.
184
SÍNTESE E HERANÇA
Dessa forma, além da responsabilidade física de inserir um edifício
vizinho à intervenção de Lucio Costa– atual Pavilhão Lucio Costa e próximo às ruínas das missões, preocupam-se em retornar
atividades que abriguem toda a população próxima a ele.
Nesse caso, a relação com a preexistência não se dá com uma
construção adjacente, mas sim em relação ao urbanismo e à
história do sítio de implantação. Marcelo Ferraz, na mesma
entrevista
concedida
à
autora,
explica
o
tamanho
da
responsabilidade: “(...) Tudo nesse conjunto está dentro do sítio
histórico, ou seja, a gente tem ali um espelho muito forte”,
referindo-se ao diálogo que o novo edifício deverá estabelecer com
a edificação projetada por Lucio Costa em 1937 (Figura 98).
Figura 98: Fotografia da maquete do conjunto. Deste ângulo é possível
perceber a proximidade entre o Museu das Missões, e a Igreja das Ruínas de
São Miguel das Missões (ao fundo), três cotas acima do novo complexo.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Declararam à autora deste estudo que, após muita pesquisa sobre
as missões, chegaram numa malha, um “grid”, que se repetiria
nas ocupações indígenas de colonização espanhola. Conformaram
assim um retângulo cujo lado maior media 33 metros e o lado
menor media 16,5 metros de comprimento. Dessa forma,
definiram o módulo estruturador do projeto. Por vezes utilizado por
inteiro, ora o módulo era dividido pela metade, mas sempre com o
185
SÍNTESE E HERANÇA
objetivo de dialogar e de remeter ao urbanismo do assentamento
missioneiro (Figura 99).
Figura 99: A implantação do novo edifício evidencia a existência de uma malha
estruturadora Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Um projeto de intervenção no sítio histórico deve levar em
conta justamente essa dicotomia hoje existente entre a
força do patrimônio construído e a cidade de hoje à sua
volta. Deve considerar as necessidades atuais da vida
socioeconômica de uma comunidade de base agrícola, com
a particularidade de levar em seu “coração” uma riqueza
cultural enorme. (Memorial de projeto enviado pelo
escritório)
Outra responsabilidade presente nesta intervenção trata da suave
inserção da materialidade no contexto existente. Ao visitar o sítio
de implantação do novo projeto, os arquitetos , sensíveis ao
entorno, observaram a coloração do céu, da vegetação e as
pedras grés de cor vermelha por todos os lados, já que em seu
entorno próximo estão o pavilhão construído por Lucio Costa e as
ruínas da igreja de São Miguel das Missões, ambos com a
tonalidade avermelhada. Desse modo, outra relação estava
estabelecida, uma conversa entre os materiais selecionados para
edificar a intervenção.
No memorial do projeto disponibilizado pela equipe do escritório, o
concreto com tonalidade avermelhado seria a solução, pois a
pedra não daria conta das vigas que suportariam os vãos
propostos: “o concreto armado pigmentado em oxido de ferro,
criando um continuum tectônico interessante de respeito ao
patrimônio construído, sem sobreposição, mas também sem
submissão” (Figura 100).
186
SÍNTESE E HERANÇA
Figura 100: Arquitetura explora a materialidade do concreto armado
pigmentado em oxido de ferro em tonalidade avermelhada. À direita, a mesma
materialidade dialoga com duas colunas jesuíticas retiradas de uma ruína de
São Lourenço. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Os autores admitem, em entrevista, a influência da arquitetura
kahniana no conjunto edificado composto por diversos blocos,
cobertos e sem cobertura que se integram ou dissociam conforme
necessidade do programa de atividades, o qual segundo memorial,
foi proposto em conjunto com o IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional) e o município de São Miguel das
Missões.
Essa separação e proximidade entre os volumes permite, também
de acordo com o texto do memorial, uma liberdade maior para
cada área do programa que inclui usos pautados especialmente
nas ideias de acolhimento e de convivência. Segundo o texto: “(...)
essas atividades serão alocadas em um conjunto arquitetônico
com construções novas ’unidas e separadas‘ entre si; (...)”, mas
também com proximidade colaborativa de vizinhanças quando
necessária a integração, à imagem de uma cidadela.
Ocupando duas quadras cortadas pela Rua São Nicolau, o
novo conjunto será articulado por uma grande – e longa –
praça em seu miolo. Esta praça, circundada pelos edifícios
vermelhos em concreto e pedra, trará, mesmo que
longínqua, a memória dos claustros e pátios dos colégios
jesuítas. De um lado, em uma das quadras, alocaremos a
Secretaria de Turismo, o novo CTN (preservando o “rancho
crioulo” octogonal), e do outro, o novo museu, o IPHAN, o
IBRAM, os auditórios e as áreas de apoio, além de reservas
técnicas. O “frente-a-frente” destes dois polos – um mais
ligado à vida local e outro mais aberto às visitações
turísticas – deverá criar uma tensão sadia no nível de suas
programações, em função das mesclas de usos de seus
espaços e serviços que serão compartilhados (Memorial de
projeto enviado pelo escritório).
187
SÍNTESE E HERANÇA
Sobre a responsabilidade civil, todos os ambientes previstos
auxiliarão a contar e a valorizar a história das 30 missões do
Brasil,
da
Argentina
e
também
do
Paraguai.
Essa
multinacionalidade estará representada através de um mapa
executado no mesmo concreto de cor avermelhada onde estarão
representadas todas as missões em baixo relevo (Figura 101).
Figura 101: Mapa em baixo relevo com as 30 missões distribuídas entres
regiões de três países da América do Sul: Brasil, Paraguai e Argentina. Fonte:
Acervo Brasil Arquitetura.
Reafirmando a responsabilidade presente no projeto além das
áreas expositivas e administrativas será construída a “Casa M’ Biá
Guarani”, que tem o objetivo de abrigar os índios Guaranis de
passagem pela cidade; e a “Esplanada Cívica” que poderá abrigar
diversas atividades abertas à comunidade e festividades da
região: está prevista para nessa área, uma exposição a céu aberto
de objetos (reais ou réplicas), formando um caminho que
representará a saga das Missões (Figura 102).
188
SÍNTESE E HERANÇA
Figura 102: Maquete do complexo cultural com destaque em vermelho para
área que abrigará a “Esplanada Cívica”.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Dois elementos presentes no sítio de São Miguel das Missões
serão restaurados: o “Rancho Crioulo” e o “Restaurante do
Parque”. O primeiro possui uma grande simbologia para a
população local e trata-se da recuperação de uma construção
octogonal em madeira, na nova implantação estará em uma das
extremidades da praça. Pintado em cal, criará uma dicotomia com
o vermelho do concreto e das pedras nos edifícios em volta e
abrigará reuniões, aulas e pequenas apresentações comunitárias
(Figura 103).
Figura 103: No render enviado pelos arquitetos é possível identificar uma
construção branca, ao fundo que é um contraponto às demais construções
em concreto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
189
SÍNTESE E HERANÇA
O restaurante estará instalado em um edifício de madeira que
atualmente é sede da Secretaria de Turismo, mas voltará ao seu
uso primeiro. Parte de sua alvenaria será demolida para que o
restaurante se abra ao bosque.
Houve outras solicitações por parte do IPHAN e da Prefeitura
Municipal. Segundo o memorial, foram elas:
- Recuperação da pequena e pioneira igreja da cidade, com a
construção de um novo acesso e um pátio / adro em sua frente.
- Marcação do entorno do parque / sítio histórico com asfalto
vermelho nas ruas que o cercam.
- Implantação de um novo sistema de iluminação com a retirada
dos postes e enterramento da fiação na esplanada cívica.
- Retirada da cerca de arame que contorna o parque onde for
possível, mantendo o fechamento somente em áreas de apoio e
serviços.
- Retirada de algumas árvores do eixo frontal do conjunto jesuíta e
da cerca vegetal. Como linha geral, devem evitar as arbustivas de
toda espécie para deixar sempre aberta a vista ao nível do
caminhante.
- A avenida Boaventura Braga deverá ser priorizada para
estacionamento de ônibus e automóveis por ser a via principal de
chegada ao Parque Histórico.
Essa propriedade presente no trabalho do Brasil Arquitetura
evidencia a consciência da civilidade de que qualquer nova
intervenção (não importando a escala dela) na cidade deve ter.
Cada arquiteto quer fazer o seu predinho (ou predião), sua
fachadinha de loja, deixar sua marca (ou sujeira),
parecendo ignorar que está fazendo um pedaço da cidade,
sem se dar conta de que sua intervenção, por menor que
seja, faz parte de um organismo vivo e complexo. Vivemos o
“jejum” da cultura arquitetônica. Não só dos arquitetos,
mas de toda a sociedade brasileira. Por isso temos as
cidades que temos. (FERRAZ, 2011, p. 80)
190
SÍNTESE E HERANÇA
Entende-se, que a esse respeito, deva-se sempre averiguar quais
os efeitos que o trabalho dos arquitetos contemporâneos têm
gerado às cidades a ponto de entender com qual responsabilidade
estão projetando; com quais objetivos. Estão tratando seus
projetos como cúmplices das cidades? Ou apenas buscando
destacar seu edifício considerado como um artefato isolado?
5) Substancialidade
Aqui, preferiu-se utilizar o termo “substancialidade” como alusão à
publicação “O substantivo e o adjetivo”, de Jorge Wilheim (1976),
na qual o autor, referindo-se ao urbanismo considera o
“substantivo” como sendo o básico, e o “adjetivo” como o
acessório.
Por interpretar a preocupação com a materialidade como
básico/fundamental, na produção do Brasil Arquitetura como
notória.
Jorge Preciado (professor assistente da Universidade Simón
Bolívar, Caracas) em seu texto “O traço e a pegada. Sobre o
trabalho de Marcelo Ferraz”, traduzido por Laura Janina
Hosiasson, (em FERRAZ, 2011, p.233-235) afirma que a produção
do Brasil Arquitetura, especialmente sua expertise em trabalhar
com superfícies de concreto, não é apenas um tributo aos
arquitetos modernos brasileiros, mas sim, resultado de um
exercício acertado praticado sempre com muita técnica (PRECIADO
em FERRAZ, 2011, p.233).
O professor venezuelano interpreta essa característica como
sendo um caminho para confirmar a importância da estética
durante os experimentos criação do espaço vivido.
Dessa maneira, a meticulosidade com a qual ele [o Brasil
Arquitetura] pretende deixar uma mostra viva do processo
construtivo, permite-lhe estabelecer uma série de relações
táteis e visuais (...). Ao mesmo tempo, é fascinante observar
como sensualidade própria do brasileiro adota um material
tão “brutal” como o concreto para exprimir a inata vocação
de transformar qualquer objeto num veículo de
sensualidade e até de sexualidade (PRECIADO em FERRAZ,
2011, p.234).
191
SÍNTESE E HERANÇA
Preciado diz que o objetivo do escritório é “reestabelecer, desse
modo, a relação entre a cultura e a memória dos lugares” e
entende que os arquitetos do Brasil Arquitetura consideram os
dois conceitos, “cultura” e “memória”, como uma medida única, e
completa afirmando que sua tarefa não se reduz à conjura de uma
resistência.
Para ele,
os arquitetos querem
abusar das
possibilidades propostas pelas regras impostas para, delas, tirar o
maior proveito. Ou seja, trata-se da tarefa de alguém que “brinca”
a partir dos limites, com uma estratégia que procura “socavar” de
modo inteligente a visão unívoca de uma compreensão do
arquitetônico como uma simples operação mercantil (em FERRAZ,
2011, p. 235).
A materialidade, ou a substancialidade está, de fato, presente em
todos os projetos do Brasil Arquitetura, por exemplo, no Museu das
Missões, a materialidade do novo conjunto está exposta no
concreto
pigmentado
em
oxido
de
ferro
em
tonalidade
avermelhada como analogia às cores das ruínas da Igreja
contígua, e a textura branca é utilizada para destacar os
elementos preexistentes, da mesma forma que o concreto do
Museu Rodin representa o novo e o edifício antigo também é
pintado de branco. O Museu da Cerâmica apropria-se do material
escolhido: tijolo cerâmico não apenas para definir as cores, mais
do que isso, a materialidade gerou a organização espacial, criada
a partir da padronização de uma malha estruturadora inspirada na
modulação dos tijolos.
Para representar o parâmetro da “substancialidade” presente na
obra do Brasil Arquitetura elegeu-se o Centro de Interpretação do
Pampa, cujo tema central, de acordo com o memorial do projeto “é
a singularidade da paisagem física e humana do que se chama
‘Pampa’, no quadro da experiência brasileira”.
Localizado no município do Jaraguão, extremo sudeste do Rio
Grande do Sul, o projeto de cunho cultural explora ao máximo a
materialidade das ruínas preexistentes. Entre edificação nova e a
192
SÍNTESE E HERANÇA
existente somam-se quase 2 mil metros quadrados, sendo desses,
870 metros quadrados de construção nova (Figura 104).
Figura 104: Ilustração do Centro de Interpretação do Pampa ainda em fase de
projeto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A
intervenção
recuperará
e
aproveitará
as
construções
remanescentes de uma antiga enfermaria (1880-1883) em estilo
neoclássico destinada a atender oficiais e praças do exército local,
e que anos mais tarde, segundo André da Gama Lima no memorial
de projeto, foi utilizada como prisão política no período da Ditadura
Militar. Atualmente encontra-se em estado de ruínas e é
considerada Patrimônio Histórico do Estado do Rio Grande do Sul
(Figura 105).
Figura 105:
Imagens das
ruínas da
antiga
enfermaria de
Jaraguão
(1880-1883),
antes da
intervenção
do escritório.
Fonte: Acervo
Brasil
Arquitetura.
193
SÍNTESE E HERANÇA
No novo prédio cuja planta é um quadrado de 45 metros de lado
com pátio central que é um “quase quadrado” semiaberto que
conforma 35 metros de comprimento dentro do quadrado maior
(Figura 106).
Figura 106: Planta que mostra como a intervenção proposta se
intersecciona com o volume existente do qual foi mantido o pátio central
descoberto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A
nova
arquitetura,
contemporâneo,
apesar
mesmo
de
seu
aproveitando
as
traçado
bastante
propriedades
do
concreto e semelhando-se às das pedras das ruínas, e a
transparência do vidro, que respeitosamente apresenta-se no
interior da preexistência, transformando passado e presente em
uma única construção em pedra, concreto e vidro no qual os dois
tempos estão bem advertidos, ao mesmo tempo em que, graças à
materialidade proposta, são cúmplices à história do lugar no qual
se inserem (Figura 107).
194
SÍNTESE E HERANÇA
Figura 107: Ilustração da parte interna do edifício em vidro, através dele é
possível ver as ruínas do edifício antigo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A materialidade que ora é evidenciada, ora recatada, está sempre
presente. A preferência, desde os primeiros projetos até a
maturidade alcançada após os 37 anos da formação do escritório,
pelo emprego do concreto não apenas na ossatura estrutural, mas
como material estrutural que desempenha também o papel de
vedação, os fez aprender todas as suas possibilidades, permitindolhes usá-lo com excelência sabendo qual a melhor forma
necessária para cada projeto. Mais do que explorar o material
como textura de um edifício, a materialidade demostra-se
completamente controlada na relação entre o material e a técnica
escolhida, que, de acordo com a premissa já apresentada
anteriormente, também segue o critério de que “cada caso é um
caso”.
Dessa forma, a pergunta que este entendimento deixa a quem
interpreta com atenção a obra do Brasil Arquitetura pode ser
assim formulada: “Meus projetos consideram a materialidade do
edifício proposto, relacionada ao entorno, como substantivo ou
como adjetivo?”
195
SÍNTESE E HERANÇA
6) Brasilidade
Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz são arquitetos mineiros
erradicados em São Paulo desde a década de 1970, quando
vieram estudar Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São
Paulo.
Após formados, elegeram “Brasil” como nome do seu novo
escritório. Em entrevista para a autora desta pesquisa, Ferraz
relutou em concordar que o nome não foi uma escolha devida a
mero acaso. Segundo seu depoimento, quando o nome foi
escolhido eles tinham apenas um projeto construído e não havia
ambição de produzir pelo país inteiro, muito menos pretensão de
construir no exterior, mas admitiu que a vontade de relacionar a
produção do escritório como uma essência brasileira esteve em
sua gênese.
Na época o João Gilberto lançou o disco “Brasil”, que era
um disco dele com uma coletânea do Caetano [Veloso] e do
[Gilberto] Gil e nós, desde aquela época adorávamos o João
Gilberto. Então, pensamos: ”Poxa! Se o João Gilberto botou
‘Brasil’, então vamos botar também!” Aí colocamos o nome,
um pouco pretensioso, se pensar bem hoje, mas a gente
era jovem e jovem não tem muita crítica. Eu me lembro até
que um professor da FAU ficou até bravo dizendo que
ninguém pode se apropriar, dizia que não poderíamos
colocar o nome ‘Brasil Arquitetura’, mas tudo bem, a gente
assume. E coincidentemente a gente começou a projetar
pelo Brasil todo. Mas eu acho que isso também tem a ver
com o fato da gente sempre ser muito ligado na cultura
brasileira como um todo, sabe? Líamos Darcy Ribeiro,
Gilberto Freyre, a própria Lina [Bo Bardi], que era uma
pessoa que tinha uma ligação com a cultura brasileira,
falava muito da importância do Brasil para o mundo, e isso
sim, isso sim nos influenciou muito. Então o “Brasil” veio
forte.
Da mesma forma, Francisco Fanucci (em FANUCCI; FERRAZ;
SANTOS, 2005, p. 180) adverte que a história brasileira é
eurocentrista e que esse modo de ver direciona, sem com que se
perceba, o olhar à uma arquitetura que não pertence à realidade –
tanto estética quanto econômica – nacional. Para o arquiteto, a
realidade brasileira é mais específica, sobretudo no que se refere
aos custos dos projetos.
196
SÍNTESE E HERANÇA
(...) nós brasileiros temos nossos próprios valores históricos
e influências, e somos fruto de uma mistura singular e
original de povos, que deve ser vista, lida e compreendida
com parâmetros e instrumentos teóricos também originais.
Esta é a bandeira intelectual dos nossos primeiros
modernos; na história da arquitetura e das artes no Brasil, a
busca de autoconhecimento sempre teve um especial
significado. (FERRAZ, 2011, p.27).
Marcelo Ferraz, apesar de se considerar atento às experiências
internacionais assegura que gosta muito de lidar com a cultura
brasileira, e de “apreciar a maneira brasileira de estar no mundo”,
que é a “matéria-prima” do trabalho do Brasil Arquitetura (FERRAZ,
2011, p. 85).
Para entender a brasilidade na obra do Brasil Arquitetura, utiliza-se
como exemplo o projeto para o Bairro Amarelo em Berlim. Pode
parecer estranho, em um primeiro momento, eleger uma
construção na Alemanha para dissertar a respeito da brasilidade,
no
entanto,
julgou-se
apropriado
justamente
por
essa
particularidade.
O escritório foi convidado a participar de um concurso público
internacional com uma proposta de recuperação para um bairro
na capital alemão. Após muitas tentativas, chegaram à conclusão
de que o diferencial deles nessa disputa seria exatamente a sua
essência, e foi ela quem os fez vencer o concurso em 1997
(FERRAZ, 2011, p. 83).
Esse momento foi muito especial, pois tivemos que fazer
um balanço de nossa produção e desenvolvemos uma
solução muito própria, brasileira até. O que me levou a
pensar que uma ideia local se torna internacional desde
que funcione. E foi exatamente isso o eu aconteceu
(FERRAZ, 2011, p. 85).
De acordo com análise de Cecília Rodrigues dos Santos, a
requalificação do Bairro Amarelo em Berlim, que foi premiada
como Projeto Global na Expo 2000 em Hannover, poderia chamarse
também
“revitalização,
recuperação,
recaracterização,
remodelação, repaginação e até de reforma” (em FANUCCI;
FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 52), pois atende a todas essas formas
de trabalho (Figura 108).
197
SÍNTESE E HERANÇA
Figura 108: Foto do mesmo ponto de vista antes da intervenção (acima) e
depois da intervenção (abaixo) Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
A área do Bairro Amarelo (Gelbes Viertel) localiza-se no centro do
bairro Hellersdorf na antiga Berlim Oriental e os dados expostos
por Cecília Rodrigues dos Santos (2005, p. 52) afirmam que o
conjunto tem 3.200 apartamentos e abriga cerca de 12 mil
pessoas.
Dentre as 56 propostas enviadas por escritórios de arquitetura de
toda a América Latina, a vencedora foi proposta pelo Brasil
Arquitetura cujo mote central era “a retomada de maneira clara o
discurso que vem pautando a obra do escritório desde o início”. De
acordo com o estudo de Cecília Rodrigues dos Santos, a proposta
vencedora reuniu “frases e citações da arquitetura, da história e
da cultura brasileiras nos seus diferentes tempos e matizes,
inclusive o popular e o vernacular”. A arquiteta descreve o projeto
a partir de quatro ideias estruturadoras básicas:
1) Os quatro acessos principais ao bairro foram sinalizados com
praças retangulares que medem 15 metros x 40 metros. Em cada
um desses acessos seria instalada uma obra de arte de quatro
importantes escultores brasileiros: Frans Krajcberg, Miguel Santos
e Siron Franco e Amilcar de Castro (Figura 109).
198
SÍNTESE E HERANÇA
Figura 109: Escultura de Amilcar de Castro no Bairro Amarelo, Berlim.
Fonte: (FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 64).
2) Os edifícios deixaram a tonalidade cinzenta inicial e
receberam uma pintura branca, remetendo à cal leitosa aplicada
sobre as paredes coloniais da América. Dois barrados: um no
térreo e outro no coroamento de cada um dos blocos foram
pintados com tinta pigmentada nas cores azul-ultramar, rosa ou
amarelo. As três cores foram escolhidas como conexão à
arquitetura vernacular e ao artesanato dos países latinoamericanos (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 52) (Figura
110).
199
SÍNTESE E HERANÇA
Figura 110: A imagem mostra as bases e os coroamentos dos edifícios
pintados com a coloração azul, em mimese ao tom do céu em um dia de
verão, quando as crianças podem brincar com água no térreo.
Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
3) Como memória à tradição moura enraizada na península
ibérica, assumindo a intensa relação com Lucio Costa, foram
instalados painéis de muxarabi de madeira tramada que eram
utilizados desde o período colonial com o objetivo de controlar a
luminosidade sem prejudicar a privacidade nos interiores dos
edifícios (Figura 111).
200
SÍNTESE E HERANÇA
Figura 111: Muxarabi instalados nas sacadas e nos acessos aos edifícios do
conjunto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Além de substituir todos os peitoris dos terraços, marcando
e ritmando as fachadas, os muxarabis estão presentes nas
entradas dos blocos, nos acessos das escadas e nas
passagens entre blocos, nestes últimos como forros
rebaixados que avançam para fora do balanço. (SANTOS em
FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 52).
4) As paredes internas, resguardadas pelos muxarabi são
revestidas com outro elemento recorrente na arquitetura moura: o
azulejo. Neste caso, porém, os desenhos foram produzidos pelas
índias da aldeia Kadiwéu, que habitam a fronteira entre o Mato
Grosso do Sul e Paraguai. Foi realizado um concurso entre elas e
as artes vencedoras com padronagens gráficas exclusivas foram
aplicadas no conjunto arquitetônico do Bairro Amarelo (Figura
112).
201
SÍNTESE E HERANÇA
Figura 112: Painel com azulejo cujas padronagens foram desenvolvidas
pelas índias Kadiwéu, exclusivamente para serem implantadas neste
projeto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura.
Os pátios internos e os caminhos sinuosos foram pavimentados
com mosaico português; a opção por massas de vegetação
irregulares, de densidade variada, lembrando as formas livres das
matas nativas americanas, e a presença constante da água em
forma de pequenas cachoeiras, riachos e espelhos, colaboram
com a construção da identidade proposta ao espaço.
Assim sendo, espera-se que as gerações futuras sejam capazes de
assimilar a riqueza da cultura na fusão local/popular/vernacular
do país e procurarem diferentes formas de inseri-la em suas
arquiteturas colaborando com uma grande teia de identidade
multifacetada e complexa.
Após a análise dos seis atributos identificados nas páginas
anteriores foi possível entender que a identidade do escritório
Brasil Arquitetura constitui-se da teia de relações pode ser
configurada pelo desdobramento dos 3 parâmetros iniciais (“o
olhar antropológico”, o “rigor técnico” e a “capacidade de olhar
para o passado e para o futuro simultaneamente”) em 6 temas
que representam procedimentos técnicos, práticas operativas não
202
SÍNTESE E HERANÇA
dissociadas da crítica, da preocupação ética, da responsabilidade
social e de um enraizamento cultural descritos acima, que por sua
vez poderiam ser divididos em tantos outros atributos geradores
de uma personalidade tão complexa e única a que se formou
durante a trajetória do Brasil Arquitetura.
Embora
outras
importantes
influências
identificadas
e
enumeradas no primeiro capítulo deste caderno tenham sido
consideradas fundamentais para a construção da identidade do
Brasil Arquitetura, elas não foram aprofundadas como mereciam
durante o desenvolvimento do trabalho, pois, antes de enveredar
por um caminho como esse, sem dúvida mais complexo, preferiuse dedicar a maior parte da pesquisa ao forte interesse em
aprofundar o conhecimento da produção do escritório a partir de
raízes brasileiras, o que não tornaria possível, pelo tempo
disponível, ampliar o estudo referente a nomes como Le Corbusier,
Alvar Aalto, Louis Kahn, Álvaro Siza e Peter Zumthor. O interesse
nesses cruzamentos é intenso e provavelmente serão estudados
futuramente em uma nova pesquisa.
203
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Arquitetura como meio e não como fim em si mesmo, que
só pode ambicionar agir assim se puder com muito rigor e
competência enfrentar seu próprio domínio. Como um
grande músico que nos faz ouvir só a musica nos
permitindo esquecer a necessária técnica que a faz ecoar.
O Brasil Arquitetura se vale desse domínio sobre um saber
específico para fazê-lo suavemente ecoar além de sua
materialidade, o faz para poder habitar. (BOGEA, 2013)
Conforme afirmou-se na introdução desta dissertação, assim como
é extenso o Brasil é extensa e complexa a obra do Brasil
Arquitetura, que vai desde projetos de uso público como museus,
praças e escolas, até projetos de uso privado, haja vista o número
significativo de residências unifamiliares em seu portfolio; também
é fundamental mencionar as diversas escalas de trabalho que
podem variar bruscamente entre um terminal rodoviário a um
banco de praça.
Com o objetivo de decifrar a origem dessa identidade, recorreu-se
às experiências vividas pelas personagens principais desse
panorama, os atuais sócios titulares do escritório Francisco
Fanucci e Marcelo Ferraz, de modo a entender suas motivações
por todo o percurso trilhado por eles, e como essas motivações
amadureceram junto aos trabalhos desenvolvidos pelo escritório.
Tendo em vista a grande variedade, já mencionada, que abrange a
obra do escritório, desde o início da formatação deste projeto de
pesquisa, foi necessária muita cautela em relação à escolha dos
projetos selecionados como objetos de estudo eleitos para
contribuírem
especialmente,
com
às
a
análise
afinidades
dos
aspectos
eletivas
relacionados,
identificadas
como
elementares na obra do Brasil Arquitetura: o “olhar antropológico”;
o “rigor técnico”; e a “capacidade de olhar para o passado e para o
futuro simultaneamente”.
Ao prosseguir com o roteiro delimitado para este estudo foi
possível observar que o Brasil Arquitetura demonstra sempre a
preocupação de que as estratégias a serem seguidas dialoguem
com o contexto no qual se insere seja contextualizando a
materialidade com o entorno, seja respeitando ao máximo o
desenho original do terreno, seja adaptando seus edifícios aos
204
CONSIDERAÇÕES FINAIS
aspectos culturais através do uso dos materiais, técnicas e até
pela opção da mão de obra para a construção de um edifício; ou
ainda no que se diz respeito a um mote específico quando a
atmosfera da arquitetura (através de aspectos simbólicos) e da
museografia combinam-se e complementam-se, já que nascem
juntas como uma concepção única.
Dessa
maneira,
os
projetos
selecionados
neste
estudo
representam uma amostra da complexidade da obra completa do
Brasil Arquitetura, na qual, segundo Jorge Preciado, é possível
verificar que o autor identifica constantemente “traços e pegadas”
na obra do Brasil Arquitetura, sempre utilizando a técnica de forma
muito “sofisticada” e a responsabilidade com a qual transformam
os programas arquitetônicos (PRECIADO em FERRAZ, 2011,
p.235).
Ao estudá-los mais profundamente também foi perceptível que,
apesar de sempre levarem em conta as particularidades e
especificidades de cada contexto (físico, cultural, socioeconômico),
a relação entre método e materiais construtivos e a importância
dada a cada programa, apresentam uma matriz que determina
sua identidade própria. De tal modo, o partido desta pesquisa foi o
de encontrar um vocabulário recorrente, com características
próprias, que pudesse demarcar traços dessa identidade aqui
colocada.
Os arquitetos do Brasil Arquitetura encaixam-se entre aqueles que
enxergam a arquitetura como uma síntese entre arte, técnica e
poesia (FERRAZ, 2011, p.90). De certa maneira, negam aquela
“inovação” relacionada às altas tecnologias em voga na
atualidade, na qual grandes estruturas complexas são projetadas
no que conforma uma espécie de “concurso de formas” ou
“concursos de egos”. Enfim, essa é uma discussão paralela, no
entanto, considerou-se interessante pontuá-la para demonstrar
uma importante discrepância do modo de ver no Brasil Arquitetura
em relação a outros nomes da arquitetura contemporânea. Neste
205
CONSIDERAÇÕES FINAIS
momento, é preciso também destacar que a “inovação” presente
na obra do Brasil Arquitetura não é a mesma existente na maioria
das mega arquiteturas produzidas atualmente. Em depoimento,
Marcelo Ferraz declara que, para eles, “a forma é um resultado, e
não um ponto de partida”. (FERRAZ, 2011, p.171).
Para os arquitetos, a inovação na arquitetura é uma “construção e
experimentação constante (...)” (FERRAZ, 2011, p.88). No entanto,
em entrevista para a autora desta pesquisa, o arquiteto concorda
que essa busca – a de sempre fugir de um lugar comum quando
começam a projetar –, e também a recusa por trabalhar seguindo
modelos prontos, são formas de sempre inovar em seus projetos.
Esse desejo pelo novo pode estar pautado no programa
arquitetônico, na interação com as demais condicionantes do
lugar ou até mesmo na maneira com a qual o escritório define as
equipes que atuarão na condução de suas obras.
Em entrevista para a autora deste estudo, Marcelo Ferraz compara
o projeto a um roteiro cinematográfico. A filmagem é a construção
do executivo que traz ao diretor novas informações que por vezes
carecem alterar o roteiro inicial, assim como o executivo pode
modificar o projeto original. Contudo, se o roteiro inicial tiver bem
elaborado, ele se sustentará até o final do filme, assim como se o
projeto inicial tiver uma “ideia forte” a ser defendida, ele poderá
ser levado até a conclusão da obra.
O modo de pensar a “inovação” presente no cotidiano do escritório
do Brasil Arquitetura recupera modos operativos de Lina Bo Bardi,
e até mesmo do próprio Lelé, reelaborados pelo escritório paulista
para se adaptarem às novas condições hodiernas. Buscam tecer
uma ligação de uma forma diferente; resolver uma situação de um
modo diferente do recorrente. Trazer o novo ao ordinário é sempre
uma inovação.
Notou-se também a importância dada ao “convívio”. De acordo
com a arquiteta Marta Bogéa (2013), “Conviver significa poder se
encantar pela diferença, um convívio entre iguais é no mínimo
206
CONSIDERAÇÕES FINAIS
previsível. E fazer conviver pulsos diferentes parece ser um dos
difíceis desafios desse escritório”.
Tornou-se ainda evidente a grande motivação por traz da
estratégia projetual do Brasil Arquitetura: a relação com as
cidades. Entende-se que a metodologia aplicada à pesquisa foi
fundamental para reconhecer os pontos de inflexão, que poderão,
por sua vez, instigar gerações futuras de arquitetos a pensar/fazer
uma arquitetura mais condizente com o seu tempo, relacionada ao
contexto e preocupada com a cidade na qual estará inserida.
Assim sendo, durante o desenvolvimento da pesquisa, alguns
atributos frequentes ressaltaram-se, dos quais o trabalho destaca
seis: “prática política do projeto”, comunicação, discernimento,
responsabilidade, substancialidade e brasilidade.
À compreensão do modo com o qual enxergam a relação do
edifício, de qualquer escala, e a cidade, permite compreender o
que os leva a preocuparem-se com o contexto e como ele é
fundamental para a definição do partido arquitetônico, do
programa proposto e das técnicas e materiais que nele serão
aplicados.
Consequentemente, torna-se evidente tangenciar essa tendência
aos seis atributos identificados em sua obra, afinal, à prática
política do projeto, que tira partido das necessidades enxergadas
nas cidades e propõe melhorias; a comunicação refere-se à
capacidade da arquitetura em traduzir as reais necessidades dos
cidadãos (ponto mais importante das cidades), em forma de
programa; o discernimento como o ato de ponderar a respeito das
atuais necessidades das cidades considerando o que deve ser
mantido e o que não mais a representa; a responsabilidade, termo
que mais se aplica diretamente às cidades, esclarece o
entendimento dos arquitetos de que arquitetura é um bem durável
e deve preocupar-se com o legado que o empreendimento
construído deixará tanto à morfologia urbana quanto à população
local; a substancialidade representa a materialidade presente em
207
CONSIDERAÇÕES FINAIS
todas as obras do escritório, de modo que, mais uma vez, é um
termo que se relaciona diretamente as cidades nas quais os
projetos serão implantados; e por fim, a brasilidade, que é a
característica de valorizar a cultura local, seja ela nacional ou
regional.
Durante o mergulho realizado na obra do Brasil Arquitetura,
realizado nos últimos vinte e quatro meses tornou-se muito claro
que há muito ainda para desbravar sobre ela.
Alguns dos temas tratados neste caderno serão retomados em
uma oportunidade futura. Dentre eles, destacam-se a função
social na obra do Brasil Arquitetura, retomando com maior
intensidade, a relação de Artigas com os estudantes da FAU-USP; a
relação
com
a
escala
do
mobiliário
investigando
mais
profundamente a relação entre a marcenaria Baraúna e design; a
museografia e as estratégias de concepção dos espaços
expográficos; ao especular, durante a pesquisa a influência de
Lina Bo Bardi desde o estágio de Marcelo Ferraz, surgiu o desejo
de compreender melhor a parceria profissional até os dias de hoje
entre Ferraz e outros dois colegas daquele mesmo período do
SESC Pompéia: Marcelo Suzuki e André Vainer. Seguindo esse
raciocínio, julga-se importante também explorar com mais afinco a
influência de Joaquim Guedes, com quem Francisco Fanucci
trabalhou em seu primeiro ano como arquiteto, e possivelmente
tecer uma análise entre as semelhanças e discrepâncias entre a
sede do Instituto Socioambiental do Brasil Arquitetura e o projeto
de Guedes em Caraíba. O que faz lembrar também a necessidade
de intensificar os estudos acerca da influência aaltiana na obra do
Brasil Arquitetura, bem como produzir um estudo específico,
focado no projeto e na construção da Praça das Artes, em São
Paulo, projeto tão importante para a requalificação da porção
central da cidade.
Como foi dito desde o início deste estudo, não era seu objetivo
dissertar sobre a obra completa do escritório, mas sim estabelecer
208
CONSIDERAÇÕES FINAIS
parâmetros a partir de projetos eleitos como estudo de caso.
Quem sabe este trabalho possa contribuir com estudantes de
arquitetura que demonstrem interesse em uma aproximação
inicial com a obra dos arquitetos, bem como àqueles que
compartilham o ponto de vista de que a arquitetura deve
relacionar-se com as bases culturais de cada lugar por reunir
diversos pensadores multidisciplinares relacionando-os ao tema
da arquitetura através de uma compilação de dados e fontes
diversas.
209
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Lina por escrito: Textos escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo:
Cosac Naify, 2009, pp. 116-118.
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Cosac Naify, 2006, pp.254-263.
TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO
MIGLIANI, Audrey (2013). Escola Modelo: uma discussão sobre a
influência do espaço arquitetônico no aprendizado durante a
segunda infância. TFG (Trabalho Final de Graduação). São Paulo.
Universidade São Judas Tadeu.
DISSERTAÇÕES DE MESTRADO
MARQUES, André F. R. (2012). A obra do arquiteto João Filgueiras
Lima, Lelé: projeto, técnica e racionalização.
Dissertação
(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). São Paulo. Pós-graduação
da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
NAHAS, Patrícia Viceconti (2008). Brasil Arquitetura: memória e
contemporaneidade. Um percurso do Sesc Pompéia ao Museu o
Pão (1977 – 2008) , vol. II. Dissertação (Mestrado em Arquitetura
e Urbanismo). São Paulo. Pós-graduação da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
TESES DE DOUTORADO
ALMEIDA, Eneida de (2009). O “construir no construído” na
produção contemporânea: relações entre teoria e prática. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade de São
Paulo.
GUIMARÃES, Ana Gabriella Lima (2010). A obra de João Filgueiras
Lima no Contexto da Cultura Arquitetônica Contemporânea. Tese
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Paulo.
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Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=iuoaixwaq6w> (parte 1);
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<https://www.youtube.com/watch?v=0g9YUagdCZU> (parte 3);
<https://www.youtube.com/watch?v=tiQnp6y7odc> (parte 4).
ESPAÇO HUMUS, Tão Longe, Tão Perto – Isa Grimspum. Disponível
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<http://espacohumus.com/isa-grispum-e-entidade-brasil>,
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VAINER, André; FERRAZ, Marcelo: A Arquitetura Política de Lina Bo
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SÍTIOS DE INTERNET VISITADOS
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<http://www.brasilarquitetura.com>. Acessado constantemente.
Site oficial da Marcenaria Baraúna.
<http://www.barauna.com.br>. Acessado constantemente.
Memorial do Projeto Cais do Sertão.
<http://www.arqbrasil.arq.br/_arq/brasil_arq/brasil_arquitetura.ht
m#cais>. Acessado em 29/11/2014.
Entrevista de Darcy Ribeiro à Roda Viva, na TV Cultura em 17 de
abril de 1995. Texto completo da entrevista disponível em:
<http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/63/entrevistados/darcy_
ribeiro_1995.htm>. Acesso 09 fevereiro 2016.
Cartas Patrimoniais. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E
ARTÍSTICO NACIONAL/MINISTÉRIO DA CULTURA. Disponível em:
<www.iphan.br>.
217
ANEXOS
1. A CONSTRUÇÃO DE UMA TRAJETÓRIA – FORMAÇÃO NA FAU
FRANCISCO FANUCCI
MARCELO FERRAZ
PERÍODO:
1971/1977 (7 anos)
Feres Lourenço Khoury, José Luiz Telles
Dos Santos, Luis Espallargas Gimenez,
FORMA-SE COM:
Ruth Verde Zein, Wilson Ribeiro Dos
Santos Junior.
- Física I, II, III e IV
- Programação visual
- Fundamentos sociais da arquitetura e
do urbanismo II
- Arte e Industrialização no mundo
contemporâneo
- Técnica do emprego de materiais
- Projeto Básico IV
- Projeto básico desenho industrial
- Introdução ao projeto de edifícios
- Introdução à arquitetura do século XX
- Programação visual e a arquitetura no
século XX
- História da técnica no Brasil
- História da arquitetura contemporânea
DISCIPLINAS
- O lazer na grande cidade
CURSADAS
- Projeto arquitetônico e industrialização
APENAS POR
- Projeto de sistemas de produto de
UM DELES:
programação visual
- Comunicação visual na arquitetura
tradicional
- Introdução a técnicas de construção II
- Métodos quantitativos e análise de
sistemas
- Arquitetura nos proj. de obras
destinadas à apropriação
- Capitalismo e planejamento
- Estudos de urbanização III
- Sistemas construtivos I
- A praça como arquitetura
- Introdução às artes gráficas
- Evolução no equipamento da habitação
- Projeto de sistemas ambientais urbanos
de desenho industrial
Estuda duas vezes Arquitetura projeto
executivo, Projeto de sistemas
ambientais urbanos de desenho
industrial
Não estuda:
-Meios de expressão e representação do
OUTRAS
programa
INFORMAÇÕES: -Meios de expressão e representação do
desenho
- Arquitetura introdução ao projeto
- Introdução ao planejamento
- Arte e indústria no mundo
contemporâneo
- Geometria descritiva I
218
1974/1978 (5 anos)
Marcelo Aflalo, Nabil
Georges Bonduki, Raquel
Rolnik.
- Educação Física
- Fundamentos sociais da
arquitetura e urbanismo I e
II
- Estuda Física III e IV e
Física (acústica
arquitetônica
- Trabalhos interdisciplinar
de projeto I
- Estudo da linguagem visual
- Técnica de emprego de
materiais
- Introdução à tecnologia
das construções II
- Introdução aos estudos
urbanos II
- Introdução aos estudos da
população
- Estudo dos problemas
brasileiros I e II
- Espaço urbano
- Projeto de sistemas
simples do produto
- Produção cultural e das
construções II
- Produção cultural e
sociedade
- Arquitetura nos projetos de
obras destinados a
apropriação de recursos
naturais
Estuda duas vezes
Saneamento III, Mecânica
dos solos e fundações e
Estudos da urbanização III
Não estuda:
- Resistência dos materiais e
estabilidade das
construções
ANEXOS
- Programação visual e arquitetura no
século
- Arquitetura projeto básico
- Programação do projeto do produto
- Teoria da fabricação do planejamento
ao concreto
- Introdução à arquitetura no século XX
- Estudos da urbanização III
- Sistemas estruturais II
- Metodologia II
- Produção e projeto do espaço urbano
- Conforto ambiental III
- História da paisagem brasileira
- Planejamento Regional Introdução a tecnologia da construção II
- Habitabilidade dos edifícios
- Paisagismo introdução
- Arquitetos paulistas
- Geometria aplicada ao desenho industrial I e II
- Projeto de Arquitetura
- Fundamentos sociais da arquitetura e do urbanismo I
- Introdução à arquitetura I e II
- Trabalho de graduação interdisciplinar.
- Introdução aos estudos de urbanização I e II
- Planejamento Setorial
- Hidráulica III
DISCIPLINAS
- Saneamento III
CURSADAS
- História da técnica na arquitetura e no urbanismo
PELOS DOIS:
- Topografia I
- Cálculo diferencial I e II
- Estatística e tec, matemáticas de planejamento
- Planejamento urbano
- Projetos de sistemas ambientais de desenho industrial e de
programação
- Industrialização na construção
- Estudo dos problemas brasileiros I e II
1978: Intervenção em um
edifício histórico – Centro
TGI – Trabalho
Gerador de Cultura a ser
de Graduação
1977: Projeto para Metrópole São Paulo
implantado no edifício
Interdisciplinar:
da antiga Indústria Martins
Ferreira, na Lapa de Baixo
FONTE: Levantamento realizado a partir do registro de frequência e notas dos alunos a
cada ano. Fonte: Acervo do Serviço de Graduação – Seção de Alunos, cedido pela chefe do
departamento Sra. Magali Baroni Cambussu. (Em: NAHAS, 2008, pp. 605-616)
219
ANEXOS
2. A CONSTRUÇÃO DE UMA TRAJETÓRIA – VIDA PROFISSIONAL
FRANCISCO FANUCCI
MARCELO FERRAZ
Nascimento
Formação
Estágios
1978
1979
Década de
1980
1981
1985
1986
Década de
1990
Nasce a 03 de abril de 1952,
em Cambuí, MG.
1971/1977 - Cursa
arquitetura na FAU USP
1975 - Estagio com o
arquiteto Júlio Roberto
Katinsky.
1977/1978 - Trabalha no
escritório do arquiteto
Abraão Sanovicz.
Nasce a 29 de agosto de 1955, em
Carmo de Minas, MG.
1974/1978 - Cursa arquitetura na FAU
USP
1977- Inicia estágio, com Lina Bo Bardi,
nas obras do SESC Fábrica da Pompéia.
Gradua-se em arquitetura, passando a
colaborar com Lina Bo Bardi em todos
os seus projetos, até sua morte em
1992.
Trabalha no escritório do
1º lugar no concurso de projetos para o
arquiteto Joaquim Guedes.
Paço Municipal de Cambuí - MG, em
equipe formada com os arquitetos José
Sales Costa Filho, Marcelo Suzuki e
Tâmara Roman.
Fundam o escritório Brasil Arquitetura S/C Ltda., com o arquiteto
Marcelo Suzuki, onde realizam projetos para os mais diversos fins.
1986 -1990 - Realiza com os arquitetos
1980 -1983 - Trabalha na
Lina Bo Bardi e Marcelo Suzuki, projetos
empresa Eplanco Engenharia
de revitalização e recuperação do Centro
de Planejamento S/C Ltda.,
Histórico de Salvador - Bahia.
onde realiza diversos
1989 - Participa em Évora, Portugal, do
projetos de lojas, agências
encontro das Cidades Patrimônio da
bancárias, indústrias, etc.
Humanidade representando Salvador,
Bahia.
Participam da equipe do arq. Lina Bo Bardi no Concurso Público
Nacional de Projetos Reurbanização do Vale do Anhangabaú, São Paulo.
1º lugar no concurso de projetos para a Câmara de Vereadores e Centro
Cultural de Varginha, MG (Brasil Arquitetura e arq. Eneida C. Ferraz
Cruz).
Fundam a Marcenaria Baraúna com o arquiteto Marcelo Suzuki,
iniciando trabalhos de design de mobiliário e objetos de madeira.
1991: Torna-se conselheiro do Instituto
Quadrante, atual Instituto Lina Bo e P.M.
1993/1995 - Exerce
Bardi, a convite do casal Bardi.
atividade didática como
1991/1992 - Realiza, com os arquitetos
professor da disciplina de
Lina Bo Bardi, André Vainer e Marcelo
Projeto no curso de
Suzuki, o projeto para a nova sede da
Arquitetura da Faculdade de Prefeitura do Município de São Paulo, no
Arquitetura e Urbanismo da
Parque Dom Pedro II.
Universidade Braz Cubas,
1992/1998 - Publica o livro “Arquitetura
Mogi das Cruzes, SP.
Rural na Serra da Mantiqueira” “Melhor Livro de Arte” Premiação Anual
1999 - Membro do Conselho do IAB - SP (1992).
Curador da IV Bienal
Lançamento do livro e exposição
Internacional de Arquitetura
fotográfica em São Paulo, Belo
de São Paulo.
Horizonte, Rio de Janeiro, Lisboa, Milão,
Barcelona, Delft, Londres e Cidade do
México.
220
ANEXOS
1991
1993
1994
1997/1998
1997
1993 /2000 - Concebe e coordena o
“Projeto Lina Bo Bardi” - livro,
documentário em vídeo tape e
exposição sobre a obra do arquiteto.
Premiações do livro: “Excelência
Gráfica”.
1993 - Associação Brasileira de
Tecnologia Gráfica:
“Melhor Livro de Arte”;
1993 - Associação Paulista de Críticos
de Artes. “Melhor Livro de Arquitetura”;
1994 - IX Bienal de Arquitetura do
Equador.
Turnê internacional da exposição:
Lisboa, Barcelona, Londres, Milão, Paris,
Viena, Delft, Bolzano, Helsinki, Caracas,
Bogotá, Buenos Aires, Montevideo,
Santiago, Chicago, Montreal, São
Francisco, Cidade do México, Macau,
Hong Kong, Quito, Berlim, Munique,
Copenhague, Arhus e Zurich.
Turnê brasileira da exposição: Salvador,
Fortaleza, Campinas, Ribeirão Preto,
Olinda, Natal, Maceió, Florianópolis,
Porto Alegre, Uberlândia, Brasília, Belo
Horizonte, Vitória, Londrina, Campo
Grande, Caxias do Sul e Goiânia.
1994 - Exerce atividade didática como
professor da disciplina de Projeto no
curso de Arquitetura da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Bráz Cubas, Mogi das
Cruzes, SP.
1994/2001 - Diretor Executivo
(programação e produção cultural e
editorial) do Instituto Lina Bo e P.M.
Bardi.
1999
- Realiza a curadoria das exposições
“Mies van der Rohe” e “P.M. Bardi e a
Arquitetura”, na IV Bienal Internacional
de Arquitetura de São Paulo.
- Projeta e realiza o monumento em
homenagem a Carlos Marighella após
30 anos de sua morte – São Paulo.
Participa da equipe do arq. Lina Bo Bardi no Concurso Público Nacional
de Projetos para o Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de Sevilha.
-Premiado na “II Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo”, com
o projeto “Fábrica Grisbi Nordeste S/A” (Brasil Arquitetura).
1º lugar no concurso de projetos para a Faculdade de Odontologia da
Universidade Braz Cubas, Mogi das Cruzes, SP, com os arquitetos
Marcelo Carvalho Ferraz e Guilherme Paoliello.
1 º lugar no concurso internacional do projeto para recaracterização do
Bairro Amarelo, em Hellersdorff, Berlim. Inaugurado em junho de 1998.
Prêmio IAB/SP na categoria “Obra Construída – Melhor Projeto 1996”,
221
ANEXOS
1998
1999
Década de
2000
pelo Teatro Polytheama de Jundiaí.
Prêmio “Rino Levi de Arquitetura” do IAB/SP pelo Teatro Polythema de
Jundiaí.
1º lugar no concurso “Art Work de Hotéis e Restaurantes” pelo projeto
“Restaurante do Benin” em Salvador, BA.
Representa o Brasil como finalista na “I Bienal Ibero Americana de
Madri” com o projeto Teatro Polytheama de Jundiaí.
“Grande Prêmio de Reabilitação” na “XI Bienal Internacional de
Arquitetura de Quito” pelo Teatro Polytheama de Jundiaí.
Prêmio IAB/SP – categoria “Edificações Projeto – Melhor Projeto 1998”,
pelo Terminal Rodoferroviário de Santo André.
2000 - Concebe e coordena o projeto
“Centenário de P.M. Bardi” com a
realização de 4 exposições, MASP,
Museu Lasar Segall, Memorial da
América Latina e Pinacoteca do
Estado de São Paulo – 1
documentário em VT e 2 livros.
2001
2002
- Realiza a curadoria das exposições
- Exerce atividade didática
“O Design no Impasse” e “Amilcar de
como professor da disciplina de
Castro” na Pinacoteca do Estado de
Projeto do curso de Arquitetura
São Paulo.
da Escola da Cidade – São
- Participa da exposição “Cultura
Paulo, da qual é associado
Brasileira” na Casa das Rosas, com o
fundador.
trabalho “Estudo para o Museu do
Inconsciente”.
2007
2002
- Realizou conferências e
- Realiza a curadoria da exposição
participou de debates em
“Amilcar de Castro” dentro do
escolas e universidades
programa “Diálogos” no “Santander
(FAU/USP, FAU/Mackenzie,
Cultural de Porto Alegre”.
Escola de Engenharia de São
- Realiza a curadoria da exposição de
Carlos - Depto. Arq., Escola
inauguração do “Espaço Cultural
Panamericana de Arte,
BM&F”, São Paulo.
Faculdade de Arquitetura PUC
2003 Realiza, com os arquitetos
Campinas, Faculdade de
André Vainer e Marcelo Suzuki, o
Arquitetura FAAP, Colégio de
projeto para O Museu da Cidade, no
Arquitetos de Berlin/
Parque Dom Pedro II, São Paulo
Alemanha, Faculdade de
2003/ 2004 Coordena o “Programa
Arquitetura de Blumenau, etc.)
Monumenta” (Ministério da Cultura)
- Painelista no Seminário “A
para recuperação dos sítios históricos
Floresta e o Polo Noveleiro no
urbanos em todo o país.
Amazonas”
2006 - Exerce atividade didática
- Conferencista no II Encontro
como professor convidado “Ruth and
de Arquitetura em Aço (IAB –
Norman Moore Visiting professor” da
São Carlos).
Universidade de Washington, em Sant
Louis, EUA.
- Publicou artigos em revistas e
jornais (A+U, Architecti, Arquitetura e
Urbanismo, Projeto, Folha de S. Paulo,
O Estado de São Paulo, etc).
- Realizou conferências e participou
de debates em Universidades e
222
ANEXOS
Museus do Brasil e exterior.
- Realizou viagens de estudo a
diversos países da Europa, África,
América do Norte, Ásia, América do
Sul e Brasil.
2000
2002
2003
2005
2006
2007
Década de
- Menção Honrosa no concurso para projeto do Monumento aos
Migrantes e Imigrantes no Estado de São Paulo.
- Menção Honrosa IAB/SP – categoria “Arquitetura de Interiores”, pelo
projeto cenográfico do módulo “Arte Afro Brasileira” da mostra “Brasil
500 Anos Artes Visuais”.
- Participa da exposição sobre arquitetura brasileira na Universidade de
Delft – Holanda com os projetos KKKK e Rodoviária de Santo André.
- Participa da Bienal de Iberoamericana de Santiago – Chile com o
projeto KKKK
- Participa da Bienal de Quito – Equador com o projeto KKKK.
- Prêmio IAB/SP – categoria “Revitalização de Edifícios – Melhor Projeto
2002”, pelo Conjunto KKKK em Registro – SP.
Exposição retrospectiva em sala especial como arquiteto convidado na V
Bienal Internacional de Arquitetura e Design de São Paulo.
- Menção honrosa no concurso do projeto para a Sinagoga Temblo Beth
El, São Paulo, SP.
- 1° lugar no concurso internacional de projeto para residência
unifamiliar localizada no litoral de Hanko, Finlândia. (Villa Isabella)
- Publicam o livro Francisco Fanucci Marcelo Ferraz – Brasil Arquitetura,
com a retrospectiva dos vinte e seis anos de trabalho do escritório.
- Destaque no concurso de projeto para o Paço Municipal de Hortôlandia
– SP
- Exposição retrospectiva do Trabalho do Escritório Brasil Arquitetura:
. na Universidade de Washington, em Sant Louis –EUA .
. na Escola da Cidade, São Paulo – SP .
- 2º lugar na categoria Recuperación y puesta en valor, obras de más de
1.000 m² do “Premio Iberoamericano a la mejor intervención en obras
que involucren el patrimônio edificado”, organizado conjuntamente pelo
Centro Internacional para la Conservación del Patrimonio – CICoP
Argentina – e pela Sociedad Central de Arquitectos, com o projeto para o
Museu Rodin Bahia – BA..
- 1º lugar na categoria Intervención en el Patrimonio Edificado do
Concurso Panamericano BAQ/2006 da Bienal de Arquitetura de Quito/
Equador, com o projeto para o Museu Rodin Bahia – BA.
- 1º lugar na categoria Obra Executada – Patrimônio da Mostra
Competitiva de Arquitetos da 5ª Bienal de Arquitetura de Brasília/ DF
com o projeto para o Museu Rodin Bahia – BA.
- 1º lugar Ex Aequo na categoria Obra Executada – Edifício Comercial/
Institucional da Mostra Competitiva de Arquitetos da 5ª Bienal de
Arquitetura de Brasília/ DF com o projeto para a Escola Jardim Santo
André.
- Menção Honrosa na categoria “Trabalhos Escritos modalidade
publicações” na Premiação IAB-SP 2006, pelo livro Francisco Fanucci e
Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura.
- Finalista da Segunda Competição Internacional de Arquitetura de
habitações sustentáveis Living Steel
- 1º lugar no concurso de projetos para o novo centro comunitário
Shalom e Sinagoga em São Paulo – SP.
Apresentou exposição de projetos Lecionou na Washington University
223
ANEXOS
2010
selecionados no Tokyo Art
em Saint Louis, USA, em 2006,
Museum (2008), Centro
como professor convidado. Curador
Universitário Maria Antonia
de exposições sobre Lina Bo Bardi
(2009), Museo Andersen, Roma
como Arquitetura Política de Lina Bo
(2009), Casartac, Turim (2010),
Bardi (2014). E em 2015 participou
Ensa Paris-Malaquais, Paris
do Alvar Aalto Symposium, na
(2010) e Bienal Panamericana
Finlândia.
de Quito, Quito (2010).
FONTE: A maioria dos dados está em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005,
pp.200-201. Outros estão nas páginas do Volume II da dissertação de mestrado de
Patrícia Nahas (2008) e os demais são frutos de acompanhamento por parte da autora
deste estudo.
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