brasil arquitetura construindo uma trajetória Audrey Migliani Anticoli brasil arquitetura construindo uma trajetória Audrey Migliani Anticoli1 Orientadora: Profª. Drª. Eneida de Almeida Área de conhecimento Ciências Sociais Aplicadas Área de concentração Arquitetura e Cidade Palavras-chave Arquitetura Brasileira Cultura arquitetônica Arquitetura Contemporânea Arquitetura e Identidade Linha de Pesquisa Projeto, Produção e Representação São Paulo, 2016 Audrey Migliani Anticoli é arquiteta pela Universidade São Judas Tadeu, em 2013. Mestranda em Projeto, Produção e Representação no PGAUR-USJT, com bolsa da CAPES, PROSUP/USJT pela mesma instituição. 1 UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Pós-Graduação Stricto-Sensu em Arquitetura e Urbanismo AUDREY MIGLIANI ANTICOLI BRASIL ARQUITETURA: construindo uma trajetória Dissertação apresentada à Universidade São Judas Tadeu como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo Orientadora: Profª. Drª. Eneida de Almeida São Paulo, 2016 UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Pós-Graduação Stricto-Sensu em Arquitetura e Urbanismo AUDREY MIGLIANI ANTICOLI BRASIL ARQUITETURA: construindo uma trajetória Dissertação apresentada à Universidade São Judas Tadeu como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo Banca de defesa em 09 de setembro de 2016. Prof.ª Dr.ª Eneida de Almeida (orientadora) Prof.ª Dr.ª Marta Vieira Bogéa Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Imbronito São Paulo, 2016 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. [email protected] Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Universidade São Judas Tadeu Bibliotecária: Tathiane Marques de Assis - CRB 8/8967 Anticoli, Audrey Migliani. A543b Brasil Arquitetura: construindo uma trajetória / Audrey Migliani Anticoli. - São Paulo, 2016. 224 f.; 30 cm. Orientadora: Eneida de Almeida. Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2016. 1. Arquitetura – Brasil. 2. Arquitetura brasileira. 3. Arquitetura Moderna. I. Almeida, Eneida de. II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo. III. Título CDD 22 – 724.981 À minha família, apoiadora de todos os meus projetos. AGRADECIMENTOS A todos que colaboraram de forma direta ou indireta para a conclusão desta pesquisa, minha sincera gratidão. À CAPES, pelo apoio recebido para o desenvolvimento deste trabalho. À Universidade São Judas Tadeu, representada pela coordenadora do Programa de Pós Graduação de Arquitetura e Urbanismo: Profª. Drª. Paula de Vincenzo Fidelis Belfort Mattos, por toda confiança no desdobramento deste estudo. À minha eterna mestra e amiga, Profª. Drª. Eneida de Almeida, sou imensamente grata pelas conversas, colaboração e por todo o incentivo desde as tutorias em meu Trabalho Final de Graduação em 2013. Ao Prof. Dr. Fernando Guillermo Vázquez Ramos pelas aulas de Teorias da Arquitetura e Urbanismo no primeiro semestre e à Profª. Drª. Maria Isabel Imbronito pelas aulas de Metodologia de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Ambas as disciplinas instigaram e estimularam o progresso desta pesquisa de uma forma muito positiva. Aos comentários da Prof.ª Dr.ª Marta Vieira Bogéa e da Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Imbronito durante a banca de qualificação em março deste ano que, sem dúvida alguma, colaboraram muito com a estrutura final e conclusão do trabalho. Aos arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz pela disposição e cordialidade com as quais me receberam para nossas conversas. Ao escritório Brasil Arquitetura pela paciência na coleta e envio de todo o material de estudo. À minha família, meus pais e meu marido, por entenderem minhas ausências e sempre apoiarem minhas escolhas. Mas acima de tudo agradeço a Deus por permitir que todas essas pessoas façam parte de minha vida. LISTA DE IMAGENS Figura 01: Primeiros projetos: Paço Municipal de Cambuí, Casa Cambuí e Grisbi Indústrias Têxteis. Brasil Arquitetura com sua formação inicial: Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki. Fonte: Site oficial do escritório. Acesso em 19 junho 2016. Figura 02: A primeira sede da Baraúna na Rua Delfina, em 1986. O primeiro encarregado foi Adelino Rubio, que trabalhara no SESC Pompeia. Fonte: Página do Facebook Marcenaria Baraúna. Acesso 04 julho 2016. Figura 03: Respectivamente: Cadeiras Girafa e Frei Egídio, e o banquinho Caipira Fonte: Site oficial da marcenaria. Acesso em 19 junho 2016. Figura 04: Croquis da proposta para TGI de Francisco Fanucci. Fonte: Acervo particular de José Calazans, retirado do volume II da dissertação de Mestrado de Patrícia NAHAS, 2008, p.556. Figura 05: Croquis da proposta para TGI de Marcelo Ferraz para intervenção em um edifício histórico, em 1978. Fonte: Acervo do escritório Brasil Arquitetura, retirado do volume II da dissertação de Mestrado de Patrícia NAHAS, 2008, p. 557. Figura 06: Lina Bo Bardi com seu discípulo Marcelo Ferraz, no SESC Pompéia. Fonte: Acervo pessoal do arquiteto. Via Vitruvius. Figura 07: A imagem, retirada do Google Earth em 10 de julho de 2016, explica a localização do Museu em relação à Praça Barão do Rio Branco, marco zero da cidade, e ao Parque das Esculturas Francisco Brennand. Figura 08: Implantação em escala maior na qual é possível observar melhor a situação do entorno. Fonte: Google Earth em 10 de julho de 2016. Figura 09: O trajeto feito a partir do Cais do Sertão até o marco zero do Recife permitiu observar as características das construções com predominância da arquitetura histórica. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 10: A figura ao lado auxilia a compreender a atual situação do conjunto. Em vermelho, a Praça Barão do Rio Branco, onde está o marco zero do Recife. Em amarelo, está destacada a área total do conjunto das quais se destaca em verde o edifício já construído e em azul a edificação ainda inacabada. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 11: Render da fachada frontal em que se destaca o grande vão que possibilitará a vista para o mar. Este bloco ainda não está concluído. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 12: A placa, assinada pelo Governo Federal, informa que a obra teve inicio em 2011 e previsão de conclusão em agosto de 2013. Fonte: Acervo da autora. Fotografado em maio de 2016. Figura 13: Acima: Casa Hungria Machado (foto PB): vista externa com jardim, década de 1940. Foto: Marcel Gautherot. Abaixo: Casa Hungria Machado: janela de treliça, década de 1940. Foto: Lucio Costa. Via: Instituto Jobim, http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/48 Acesso em 27 julho 2016 Figura 14: Matrizes do piso rachado e das árvores secas, inspirações para o desenvolvimento dos cobogós que preenchem a fachada do Museu Cais do Sertão. Fonte: Memorial do Projeto via ArqBrasil. Figura 15: Implantação total do conjunto com destaca para o detalhe 01 (acima) e com uma interrupção na imagem original (a baixo), na qual aproxima-se a escala para destacar apenas o edifício em funcionamento. Em azul, está a representação do porto, contíguo ao lote. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 16: Cobogós instalados no edifício construído, parte externa e parte interna, respectivamente. Cada uma das peças mede cerca de 1,1m x 1,1m. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 17: “Praça Seca” que recebe os visitantes ou os transeuntes que desejem apenas repousar sob a sombra. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016 (acima) e corte enviado pelo escritório (abaixo). Figura 18: Um juazeiro, árvore típica da caatinga nordestina. Fonte: À esquerda, enviado pelo Institucional do Cais do Sertão (foto de Léo Caldas na inauguração do Cais em 03 de abril de 2014). À direta, acervo da autora, em maio de 2016. Figura 19: Nas imagens acima, é possível perceber como os elementos tradicionais da cultura sertaneja relacionam-se com totens tecnológicos que possibilitam maximizar a interatividade e a experiência do visitante. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 20: Layout esquemático que demonstra a organização dos sete núcleos organizadores da museografia. Fonte: Memorial do projeto via ArqBrasil. Figura 21: Espaços oferecidos ao visitante no mezanino. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 22: Corte transversal que mostra o mezanino administrativo e a treliça metálica que sustenta a cobertura. Fonte: Acervo da Brasil Arquitetura. Figura 23: Estrutura metálica vista da altura da laje que resguarda o mezanino. É possível ver os galhos secos do juazeiro, já plantado em seu canteiro. Fonte: Acervo da Brasil Arquitetura. Figura 24: Planta com a disposição dos pilares e cotas (inseridas pela autora) que auxiliam o entendimento da distribuição dos pilares. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 25: Planta aproximada (DETALHE 01) com destaque para o segundo trecho do pavilhão no qual é possível perceber sua concepção estrutural, em preto. Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura. Figura 26: A seta indica o pilar com a sobressaliência de 0,20 x 0,30 metros revestida com a mesma fôrma de concreto que as paredes internas. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 27: Planta aproximada (DETALHE 02) com destaque para o terceiro trecho do pavilhão no qual é possível perceber sua concepção estrutural, em preto. Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura. Figura 28: Escada reta com degraus metálicos e pilar de sessão circular no pavimento do mezanino. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 29: Referências ao Rio São Francisco em ambos os casos – SESC Pompeia e Cais do Sertão, onde é possível observar as semelhanças e discrepâncias formais entre eles. Ambas as fotos tiradas pela autora. A primeira em dezembro de 2014 e a segunda em maio de 2016. Figura 30: Acima, “Caipiras, Capiaus: Pau-a-Pique” em 1984 VAINER; FERRAZ, 1999, páginas 70. Abaixo, duas imagens registradas pela autora em visita técnica ao Cais do Sertão em maio de 2016. Figura 31: Na imagem, registrada pela autora em visita técnica ao Cais do Sertão em maio de 2016, é possível verificar o grau da complexidade resolvida no forro técnico com instalações a parentes. Figura 32: Fotografias tiradas pela autora em visita técnica em maio de 2016 que ilustram o espaço expositivo permeado por símbolos da temática sertaneja: utensílios do dia a dia, vestuários, acessórios para lidar com os animais, e o destaque para o mandacaru em área nobre no espaço de convivência. Figura 33: Vista frontal do conjunto que mostra a manutenção de alguns armazéns existentes (em cinza, à esquerda do desenho). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 34: Mapa do “Caminho dos Moinhos”, em escala. Fonte: FERRAZ, 2008, p. 79. Figura 35: Localização do Moinho Colonial Colognese, escolhido para abrigar o Museu do Pão e a Escola de Panificação, primeira intervenção do “Caminho dos Moinhos”, em escala. Fonte: Google Earth, acesso em 12 de julho de 2016. Figura 36: Acima: duas imagens de construções típicas dos imigrantes e imagem da rua Conselheiro. Abaixo: primeira casa de alvenaria construída pelos imigrantes; Escola Estadual de Ilópolis e Santuário São Paulo Apóstolo, respectivamente. Fonte: Google Earth, acesso em 12 de julho de 2016. Figura 37: Fotografia via satélite do entorno do museu após a construção do conjunto. Via Google Maps. Acesso em 26 julho 2016. Figura 38: Planta de cobertura, em escala. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura, com edição na imagem, feita pela autora. Figura 39: Remanescentes originais do moinho de 1910 foram expostos a céu aberto em posição estratégica, na área central entre os três blocos, como memória viva de sua história. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 40: Situação do Moinho Colognese (1910), que estava abandonado desde 1990 antes do IILA iniciar as obras de restauro. Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura. Figura 41: Obras de restauro das fachadas realizadas pelo IILA com mão de obra 100% local (acima) e moinho com as fachadas restauradas (abaixo). Fonte: (FERRAZ, 2008, pp. 24-25) Acervo do Brasil Arquitetura, respectivamente. Figura 42: Planta do moinho após intervenção. Fotos: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 43: Atual configuração do moinho na qual foram mantidas a organização espacial e o maquinário com a intenção de que em breve, o espaço volte a funcionar também como um moinho. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 44: Moinho restaurado, em funcionamento na qual é possível ver a rampa de acesso construída. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 45: Interior da bodega com mobiliário assinado pela Marcenaria Baraúna. Fotos: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 46: Edifício do moinho restaurado, em funcionamento, com a inclusão das novas janelas que, apesar de irem contra aos princípios das Cartas Patrimoniais e não indicarem as intervenções contemporâneas, não desconfiguraram seu caráter histórico. Foto: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 47: Planta do pavilhão do museu com indicação da área expositiva (1) e do auditório (2), além dos três pilares (p1, p2 e p3). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 48: Vista do edifício do museu a partir do outro lado da rua, na qual é possível perceber os pilares de concreto que eleva o bloco do nível do piso e vencem o pequeno desnível do terreno. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 49: Etapas construtivas do pavilhão que abriga o museu e o auditório. Fonte: FERRAZ, 2008, p.27. Figura 50: Vista posterior do conjunto com destaque para a cortina de veludo vermelha que protege o auditório da iluminação natural, quando necessário. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 51: Planta de estudo da escola de panificação desenvolvida à mão. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 52: Planta retangular do edifício sólido que abriga a escola de panificação com cozinha experimental (1), sala de aula teórica (2) e sanitários (3). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 53: Interiores da escola de panificação com mesa central, organizadora do espaço e diversas cadeiras Girafa desenhadas por Marcelo Ferraz, Marcelo Suziki e Lina Bo Bardi e produzidas pela Marcenaria Baraúna. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 54: Destaque para as pequenas aberturas no sótão do edifício da escola de panificação. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 55: Caixa de concreto em etapa de sua construção (à esquerda) e edifício concluído com terraço jardim executado (à esquerda). Fonte: FERRAZ, 2008, p.27. Figura 56: A “delicada” passarela que une o passado e o futuro: à direita, a passarela entre moinho e escola (1 metros de largura) e à esquerda entre escola e museu (1,76 metros de largura). A passarela que envolve três faces do edifício da escola possui 92 centímetros de largura. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 57: Croquis do projeto com destaque para o contraste respeitoso entre o existente em madeira araucária, e o novo edifício essencialmente em vidro e madeira. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 58: Síntese entre contraste e analogia com o edifício existente. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 59: Área do conjunto “existente/construído” em detalhe e em relação à cidade de Ilópolis. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 60: Os pilares em concreto armado, tijolos e treliças aparentes como elementos da arquitetura na área de convivência do SESC Pompéia. Fonte: Foto da autora, em 09 de dezembro de 2014; Destaque para os pilares mistos de concreto e madeira e para os elementos da arquitetura expositiva. Foto: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 61: Estudos da arquitetura cênica proposta pelo Brasil Arquitetura. Fonte: FERRAZ, 2008, pp. 49-51. Figura 62: A transparência ressalta o diálogo entre novo e velho. Fonte: Carlos Eduardo Comas (centro). Via ArchDaily Brasil. Acesso em 11 de dezembro de 2015; acervo do Brasil Arquitetura, respectivamente. Figura 63: Intervenção de forma análoga, nas Missões e contrastante, ainda que respeitosa, em Ilópolis. Fonte: André Marques e Silvia Raquel Chiarelli Via Vitruvius. Acesso em 11 de dezembro de 2015 e acervo Brasil Arquitetura, respectivamente. Figura 64: A Casa Román que acabou sendo demolida por conta de falhas de comunicação entre a equipe da obra e do escritório. Fonte: (FERRAZ, 2008, p.23). Figura 65: Fragmento da parede original com o desenho à base de óxido de ferro e azul anil, provavelmente desenhado por um antigo morador da Casa Román que acabou sendo demolida, hoje incorporada ao acervo do museu. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Fotos: Nelson Kon. Figura 66: O desenho encontrado na Casa Román tornou-se símbolo do projeto “Caminho dos Moinhos”, utilizado na fachada e no azulejo da bancada da Escola de Pão e, por fim, a parede original como parte do acervo do Museu do Pão. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 67: Destaque para os detalhes dos “capitéis” dos pilares projetados e construídos por Lucio Costa (1937) e pelo Brasil Arquitetura (2008). E desenho técnico do capitel (2008), abaixo. Fonte: André Marques e Silvia Raquel Chiarelli. Via Vitruvius. Acesso em 11 de dezembro de 2015 (esquerda); Foto de Nelson Kon via Acervo Brasil Arquitetura (direita); Acervo Brasil Arquitetura, abaixo. Figura 68: Planta com organização espacial que mostra o terminal urbano, o interurbano e a linha férrea e vista aérea da implantação: linha férrea (verde), rio Tamanduateí (azul), Avenida dos Estados (amarelo) e Viaduto Presidente Castelo Branco (vermelho). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura e Google Earth, respectivamente. Figura 69: Imagem área que mostra a real situação com a organização espacial composta pelo terminal urbano, o interurbano, o rio e a linha férrea. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 70: Vista para os dois lados da linha férrea a partir do edifício-ponte. Fonte: Acervo da arquiteta, em maio de 2016. Figura 71: Perspectiva isométrica da cobertura metálica que resguarda o conjunto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 72: Recortes que demostram os quatro perfis metálicos utilizados no projeto: reto, meia ferradura, junção curva e curvo. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016 e desenho enviado pelo Brasil Arquitetura Figura 73: Imagens com as vigas metálicas cobertas por telhas, também metálicas, na cor branca. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 74: Encontro entre as vigas metálicas e os pilares de seção circular, em concreto. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 75: Perspectiva isométrica que ilustra a continuidade da estrutura da cobertura metálica que vai desde o terminal de ônibus municipais (à direita) até o mezanino do terminal de ônibus intermunicipais (à esquerda). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 76: Situação do térreo, com baias dos ônibus intermunicipais (à esquerda e ao fundo), lanchonetes (ao centro), sanitários e bilheteria (à direita). Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura. Figura 77: Situação da área de espera resguardada por painel acrílico. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 78: Acesso à unidade de atendimento da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 79: Situação do térreo, com baias dos ônibus intermunicipais (à esquerda e ao fundo), lanchonetes (ao centro), sanitários e bilheteria (à direita). Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 80: Circulação vertical: escada, escadas rolantes e elevadores. Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 81: Aberturas inusitadas no Terminal Rodoviário emolduram a cidade ao seu redor. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Figura 82: Conjunto KKKK às margens do parque Beira-Rio: restauro e nova intervenção em Registro (interior de São Paulo). Foto: Nelson Kon. Acervo Brasil Arquitetura. Figura 83: Conjunto KKKK em 1995 comprovando a situação degradada da área. Fonte: CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005 p. 43. Figura 84: Modelo 3D em Sketchup que mostra a implantação. Em cima, vista frontal e embaixo, vista posterior. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 85: Prancha de estudo para o Museu da Cerâmica: terreno de formato irregular e com sete curvas de nível. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 86: Implantação com módulos de 5x5 cobertos por telhado verde. Vista de cima a construção será uma mimese à grama da parte externa do edifício. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 87: Foto da maquete desenvolvida pelo Brasil Arquitetura para ser utilizada pela equipe local na construção da “roupa de madeira” do edifício. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 88: Projeto da cobertura com posicionamento das ripas e a trama formada pelas cestarias. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 89: Detalhe interno da cobertura executada em fibras de piaçava sobre estrutura de madeira e cipó (esquerda) e estrutura na maquete enviada à mão de obra local (direita). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 90: Croquis (planta e perspectiva) do desenvolvimento das tramas, trançados e encaixes da cobertura. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura Figura 91: Abertura da paisagem da cobertura da maloca à floresta e ao Rio Negro. Foto: Daniel Ducci. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 92: Peitoris das varandas em tramas de madeira e cipó (à esquerda). Na fachada posterior, a mesma trama de madeira e cipó que protege as varandas delineia a escada (à direita). Foto: Daniel Ducci. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Fonte: Site oficial do escritório. Figura 93: A imagem mostra a relação entre o edifício novo, mais baixo, ao fundo, com coloração acinzentada e o edifício antigo, branco e como ambos relacionam-se com a praça e as áreas centenárias que foram mantidas. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 94: Fotografia que destaca a manutenção do antigo e o diálogo com o antigo nos interiores do Museu Rodin. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 95: A partir do edifício antigo é possível avistar um visitante que atravessa a passarela que conecta o novo e o velho. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 96: Um novo ângulo possibilita perceber a escala da intervenção Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 97: A nova construção encosta a antiga de maneira respeitosa e ao mesmo tempo em que reverencia o velho, enaltece o novo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 98: Fotografia da maquete do conjunto. Deste ângulo é possível perceber a proximidade entre o Museu das Missões, e a Igreja das Ruínas de São Miguel das Missões (ao fundo), três cotas acima do novo complexo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 99: A implantação do novo edifício evidencia a existência de uma malha estruturadora Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 100: Arquitetura explora a materialidade do concreto armado pigmentado em oxido de ferro em tonalidade avermelhada. À direita, a mesma materialidade dialoga com duas colunas jesuíticas retiradas de uma ruína de São Lourenço. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 101: Mapa em baixo relevo com as 30 missões distribuídas entres regiões de três países da América do Sul: Brasil, Paraguai e Argentina. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 102: Maquete do complexo cultural com destaque em vermelho para área que abrigará a “Esplanada Cívica”. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 103: No render enviado pelos arquitetos é possível identificar uma construção branca, ao fundo que é um contraponto às demais construções em concreto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 104: Ilustração do Centro de Interpretação do Pampa ainda em fase de projeto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 105: Imagens das ruínas da antiga enfermaria de Jaraguão (1880-1883), antes da intervenção do escritório. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 106: Planta que mostra como a intervenção proposta se intersecciona com o volume existente do qual foi mantido o pátio central descoberto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 107: Ilustração da parte interna do edifício em vidro, através dele é possível ver as ruínas do edifício antigo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 108: Foto do mesmo ponto de vista antes da intervenção (acima) e depois da intervenção (abaixo) Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 109: Escultura de Amílcar de Castro no Bairro Amarelo, Berlim. Fonte: FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 64. Figura 110: A imagem mostra as bases e os coroamentos dos edifícios pintados com a coloração azul, em mimese ao tom do céu em um dia de verão, quando as crianças podem brincar com água no térreo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 111: Muxarabi instalados nas sacadas e nos acessos aos edifícios do conjunto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Figura 112: Painel com azulejo cujas padronagens foram desenvolvidas pelas índias Kadiwéu, exclusivamente para serem implantadas neste projeto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. “Buscamos uma arquitetura criada a partir de profunda conexão com as bases culturais de cada lugar e protagonistas. E nem por isso podemos dizer que, ao abordar estes aspectos, ela seja regional. Não! Uma vez que as bases culturais de qualquer sociedade ou povo sejam as dimensões humanas de relacionamento e comunicação, a arquitetura será sempre universal. Universais são questões como convivência, busca de tolerância entre diferentes, busca de conforto e desenvolvimento criativo das técnicas, dos modos de viver e habitar o mundo. E é aí que transita o projeto: aí fazemos nossas escolhas e nossas leituras e interpretações. Como antropófagos, digerimos nosso alimento intelectual, espiritual e poético e apresentamos nossas proposições”. 2 Texto retirado da contracapa do livro Arquitetura Conversável de Marcelo Ferraz, publicado pela Azougue Editorial em 2011 . 2 RESUMO A pesquisa aprecia o processo de construção da identidade arquitetônica do escritório paulista Brasil Arquitetura, criado em 1979 e atualmente comandado pela dupla de arquitetos mineiros Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, com o objetivo de compreender como as referências da dupla puderam (e podem) colaborar com o amadurecimento de seus procedimentos usuais de trabalho. Tendo em vista a multiplicidade de relações que contribui para a constituição da personalidade de um indivíduo ou de uma entidade, no caso de um escritório de arquitetura, o estudo apresentará um breve panorama sobre a formação dos arquitetos na faculdade e o início dos trabalhos do escritório. A pesquisa prosegue com a busca pela comprovação da afirmação de que, apesar de tão variada, toda a obra dos arquitetos é alicerçada em três aspectos específicos: a preocupação com o contexto humano, físico e cultural no qual o edifício será inserido; a escolha pela coerência entre a materialidade e o método construtivo; e a interação entre a tradição e contemporaneidade. Na fase seguinte a investigação procura identificar como cada um desses aspectos se concretizam, a partir de uma análise calcada no estudo de um conjunto de textos e desenhos de três projetos selecionados: Museu Cais do Sertão (Pernambuco), Museu do Pão (Rio Grande do Sul) e o Terminal Rodoferroviário de Santo André (São Paulo). Palavras-chave: Arquitetura Brasileira. Cultura arquitetônica. Arquitetura Contemporânea. Arquitetura e Identidade. ANTICOLI, Audrey Migliani. Brasil Arquitetura: construindo uma trajetória. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade São Judas Tadeu. São Paulo. p. 224, 2016 ABSTRACT The research evaluates the process of architectural identity´s building of “Brasil Arquitetura”, office established in São Paulo (1979) , and currently led by double architects from Minas Gerais, Francisco Fanucci and Marcelo Ferraz, in order to understand how the references of the duo could (and still can) work with the maturation of their usual working procedures. Given the multiplicity of relationships that contribute to the formation of the personality of an individual or entity in the case of an architectural office, the study will present a brief overview of the path of architects in college and early office jobs. From there, the study continues with the search for proof of the assertion that, although so different, all the work of architects is based on three specific aspects: concern to the human, physical and cultural contexts in which the building will be inserted; the choice of coherence between materiality and the best construction method; and the conversation between tradition and contemporaneity. The check will be possible after a deep grounded analysis in the study of a single unit of texts and drawings of three projects selected: Museu Cais do Sertão (Pernambuco), Museu do Pão (Rio Grande do Sul) and Terminal Rodoferroviário of Santo André (São Paulo). Key-words: Brazilian Architecture. Architectural Culture. Contemporary architecture. Architecture and Identity. ANTICOLI, Audrey Migliani. Brasil Arquitetura: building a path. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade São Judas Tadeu. São Paulo. p. 224, 2016. INTRODUÇÃO 20 CAPÍTULO 1: Princípios e conjecturas 35 Após relato sobre o desenvolvimento da metodologia e apresentação da estrutura do trabalho na introdução desta pesquisa, o primeiro capítulo traz uma narrativa que abrange o percurso desde a formação dos atuais sócios titulares do escritório (Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz) na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP) e os estágios desenvolvidos por ambos durante a década de 1970, até a origem do Brasil Arquitetura (1979), quando Marcelo Suzuki ainda era sócio, até sua constituição atual. Ainda nesta etapa do trabalho será abordada a grande teia de inspirações formada a partir do contato com importantes arquitetos que contribuíram com a construção da identidade do escritório, como também pela aproximação com importantes áreas do conhecimento ligadas ao campo ampliado da arquitetura, como a antropologia, a sociologia e a filosofia. CAPÍTULO 2: Projetos e contexto 88 A análise projetual dos três estudos de caso selecionados será desenvolvida no segundo capítulo da pesquisa: o Cais do Sertão (Museu Luiz Gonzaga) em Recife, Pernambuco; o Museu do Pão em Ilópolis, Rio Grande do Sul e o Terminal Rodoferroviário de Santo André, em São Paulo. Nesses projetos, eleitos por se tratarem de intervenções arquitetônicas que buscam a valorizaram de seu contexto inicial e por serem reconhecidas pela técnica e materialidade com as quais foram construídas, serão avaliados: “a capacidade de olhar para o passado e o futuro” buscando a relação novo/existente na implantação; o “olhar antropológico” analisado no programa arquitetônico proposto pelos arquitetos; o “rigor técnico” com o qual foi concebido o sistema construtivo. CAPÍTULO 3: Síntese e herança 160 O terceiro capítulo tem a intenção de fazer a síntese entre as referências apresentadas no primeiro capítulo e as estratégicas projetuais identificadas nos objetos de estudo analisados no segundo capítulo do trabalho. A investigação nesta etapa da pesquisa tem o objetivo de entender a identidade do escritório para além dos desdobramentos extraídos de suas referências arquitetônicas. CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 204 210 ANEXOS (TABELAS) 1. A construção de uma trajetória – Formação na FAU 2. A construção de uma trajetória – Vida Profissional 218 220 INTRODUÇÃO O povo é sempre essencialmente livre e rico... Por quê? Porque quem possui uma cultura própria e se exprime através dela é livre e rico. Pier Paolo Pasolini. Ensaios Corsários, 1974 (em FERRAZ, 1996, p.15) Brasil Arquitetura. Escritório paulistano, atualmente liderado por dois mineiros: os arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz 3, formados pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP) na década de 1970. Ao que parece não foi por acaso a escolha de “Brasil” 4 para denominar em 1979 o escritório desses jovens arquitetos 5. Assim como não foi em vão a escolha de “Baraúna”, a árvore mais forte do sertão6, para batizar a marcenaria (e extensão do escritório) criada em 1986 e ativa até hoje onde “os arquitetos se exercitam na concepção e produção de mobiliário” 7 e objetos de design em madeira. Dessa maneira, é possível interpretar que, para os arquitetos, tanto o “Brasil” como a “Baraúna” são manifestações de um forte Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, ambos nascidos na primeira metade da década de 1950 em cidades do interior de Minas Gerais, distantes cerca de cento e cinquenta quilômetros. Aos dezenove anos de idade, ingressam no curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo. Os anos de diferença no ingresso do curso determinaram certas distinções da grade curricular e do corpo docente com que tiveram contato, o que, por conseguinte, formou indivíduos com posições e valores diferentes. Essas especificidades serão melhor esclarecidas no primeiro capítulo deste estudo. 3 Apesar de que todas as declarações (registradas e utilizadas como referência nesta pesquisa) dos arquitetos sobre a escolha do nome do escritório confirmam que o nome foi escolhido pela “dificuldade de encontrar um nome melhor”, (como foi explicado por Marcelo Ferraz em entrevista à autora desta pesquisa em 30 de novembro de 2015), entende-se que as escolhas, ainda que intuitivas, nunca se devem ao mero acaso. Elas são produto da somatória de experiências que se acumulam durante a trajetória pessoal ou profissional de um indivíduo ou instituição. 4 É importante informar que na formação original o escritório possuía três sócios: Marcelo Suzuki deixou a sociedade em 1995 e retornou em 2005 por mais alguns anos. Apesar do foco do presente estudo ser a análise dos trabalhos recentes do Brasil Arquitetura, cuja parceria envolve os atuais sócios Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, a participação de Suzuki no início da constituição do escritório será comentada no capítulo 01 desta pesquisa. 5 A explicação sobre o nome “Baraúna” está na página 40 da publicação póstuma de Lina Bo Bardi, Tempos de grossura: o design no impasse, editada pelo Instituto Lina Bo & P.M. Bardi (São Paulo) em 1994. 6 Texto de Lelé na apresentação do livro dedicado à produção do Brasil Arquitetura no qual o arquiteto narra seu ponto de vista sobre a trajetória do escritório e expressa toda sua admiração pelo percurso dos arquitetos (LELÉ em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 9). 7 20 INTRODUÇÃO desejo de ambos de trabalhar arquitetura e design a partir da cultura e da identidade brasileira. Ainda a respeito da denominação do escritório, é interessante lembrar que a maioria dos colegas de profissão opta por compor o título de suas sociedades com “Arquitetos”, e por vezes “Arquitetos Associados”, mas a escolha por “Arquitetura” não é tão recorrente. Esse fato sobressaltou aos olhos de Ole Bouman8, que entendeu essa preferência como uma expressão do anseio deles (Fanucci e Ferraz) em não serem apenas “arquitetos”; mas sim, serem “arquitetura”: o “Brasil Arquitetura”, e, para ele, essa denominação significa uma “grande reivindicação” que representa, por sua vez, toda uma disciplina arquitetônica 9. Seguindo esse raciocínio, o presente estudo segue a premissa de que o conjunto de trabalhos aqui analisados deseja (objetiva ou subjetivamente) celebrar o “Brasil” e sua “Arquitetura” – proposta essa que se destaca em relação às encontradas em outros escritórios contemporâneos –, concebendo situações que priorizam a apropriação do usuário nos espaços criados; já que é possível notar em seus edifícios uma forte relação com a “função social da arquitetura”10: representar a coletividade. Ole Bouman é arquiteto e, entre outras atividades, é diretor-fundador do Shekou Design Museum (China) e foi o moderador das apresentações de Patrick Thurston (Suíça); Kari Virtanen (Finlândia); Matti Sanaksenaho (Finlândia); e de Marcelo Ferraz (Brasil) no “13TH INTERNATIONAL ALVAR AALTO SYMPOSIUM” que aconteceu na Dinamarca em agosto de 2015. 8 A tradução livre e interpretação são da autora desta pesquisa, e se refere ao seguinte discurso de apresentação momentos antes da palestra de Marcelo Ferraz intitulada de “Roots to the tradition but antennas for the avant-garde” no “13TH INTERNATIONAL ALVAR AALTO SYMPOSIUM”, realizado em agosto de 2015 na Dinamarca”: “(...) in your office you are not architects. You are architecture. Brazil Architecture, so like a big claim it´s not just architects. It´s the whole discipline that being represented by your office (…).” Nessa ocasião, Marcelo Ferraz expôs um breve panorama sobre a Arquitetura Brasileira a partir do Movimento Antropofágico, falou de Lina Bo Bardi e de Lucio Costa, e apresentou alguns mobiliários da Baraúna e também os projetos do escritório Brasil Arquitetura: Villa Isabella, Sede do ISA, Museu do Pão, Museu Rodin, Conjunto KKKK e Praça das Artes, respectivamente nessa ordem. A palestra completa está disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OqqZRI2SDnE>. Acesso em 18 dezembro de 2015. 9 “Função social” foi um dos temas apresentados por Vilanova Artigas (1915-1985) em seu processo seletivo para se tornar professor no curso da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1984) para formalizar sua posição na carreira docente, após o afastamento imposto pela ditadura militar. De acordo com artigo 10 21 INTRODUÇÃO Partindo dessa lógica, nasceu o tema desta dissertação que tem como objetivo principal investigar quais as estratégicas utilizadas durante o desenvolvimento dos projetos e como a teia de referências trazidas pelos arquitetos em seus percursos individuais (vida pessoal, faculdade, estágios e atividades variadas) os transformou em uma dupla sólida com uma identidade consistente, e, finalmente, entender como o amadurecimento desses ideais colaborou com a construção da identidade do escritório durante as quase quatro décadas de sua história. Ao falar em “identidade”, é importante definir o conceito. Segundo o pensamento de Stuart Hall (2006) a identidade não advém apenas da própria vivência. De acordo com Hall, ela se desenvolve à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, ou seja, quanto mais um sujeito conhece o mundo (ou um determinado assunto), maiores são as suas chances de somar experiências que o determinarão como um ser único, já que sua reflexão sobre a multiplicidade de vetores e a transformação no tempo, sugere ser plausível admitir não apenas uma identidade, mas a condição plural de “identidades”: Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções (...). Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora "narrativa do eu" (...). A identidade plenamente unificada, completa, segura e “Vilanova Artigas: A função social do arquiteto” de Miguel Antonio Buzzar publicado na revista Arquitetura e Urbanismo (número 255, junho de 2015), nessa ocasião, Artigas destacou a condição da arquitetura como ‘uma arte com finalidade’ e essa seria ‘a necessidade social de a arquitetura: representar alguma coisa no campo da sociedade’. Segundo interpretação de Buzzar, “tal representação social implica justamente a possibilidade da arquitetura ser usufruída pela maioria da população e, assim, participar da melhoria das condições sociais”. Para Artigas, é responsabilidade do arquiteto “(...) participar, com a arquitetura, das mudanças sociais do mundo ocidental”. Em: ARTIGAS, Vilanova. A função social do arquiteto. São Paulo, Fundação Vilanova Artigas / Editora Nobel, 1989. Artigas foi também autor do projeto do prédio da FAU-USP, que, de acordo com o pensamento de Antônio Risério, é um edifício que “instrui a não pensar a arquitetura no vazio, mas em circunstâncias sociológicas e políticas precisas”. De acordo com o antropólogo os arquitetos do Brasil Arquitetura cresceram “(...) respirando esse ar. Incorporando mesclas de linguagem arquitetônica moderna e consciência social, socialista, num ambiente de esquerda universitária” (RISÉRIO, em FERRAZ, 2011, p. 8). A questão da “função social” na obra do Brasil Arquitetura é complexa. Por esse motivo, entende-se aqui apenas acenar a esse aspecto particular, deixando para abordá-lo de modo mais aprofundado futuramente em um artigo específico sobre o assunto. 22 INTRODUÇÃO coerente é uma fantasia. (HALL, 2006. p.13). (...). A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é "preenchida" a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. (HALL, 2006. p.39). Nesse sentido, é importante mencionar também o conceito de identidade de Proust11 (que se aproxima ao de Hall), o qual entende a síntese do “eu” como uma composição do que “fomos”, “somos” e “seremos” a partir das “escolhas que fazemos”. Parafraseando Proust, essa abordagem será feita durante o desenvolvimento da pesquisa e foi organizada da seguinte maneira: a formação dos arquitetos na FAU-USP e os estágios que cada um dos sócios tiveram a oportunidade de realizar serão apresentados na pesquisa como síntese do que “foram”; a constituição inicial do escritório até chegar à sua atual formação representarão, no desenvolvimento da pesquisa, o que “são”; a hipótese a respeito da herança arquitetônica que seus trabalhos poderão deixar às gerações futuras será apresentada no estudo como uma possibilidade de se vislumbrar o que “serão”, numa tentativa de se reconhecer as pegadas deixadas nesse percurso. Assim, a investigação aqui proposta apropria-se do conceito de “identidade” para entender a constituição de uma “identidade arquitetônica” representada por um conjunto inseparável de textos e material gráfico dos projetos realizados, e, especialmente, pela análise das obras construídas. O que se pretende discutir é o quanto o fazer e o pensar de um arquiteto é capaz de influenciar e refletir na produção de outros, de modo a entender como esses pontos de contato, essas trocas Marcel Proust (1871-1922) foi um importante escritor francês. A referência a respeito do seu conceito de identidade baseia-se na relevância da relação entre identidade e memória, como enfatiza Marilena de Souza Chaui: “Para Proust, como para alguns filósofos, a memória é a garantia da nossa própria identidade, o modo de podermos dizer ‘eu’ reunindo tudo o que fomos e fizemos a tudo que somos e fazemos”, no livro Convite à filosofia, publicado pela editora Ática (São Paulo) em 1999, p.138. 11 23 INTRODUÇÃO de experiências, (sejam as compatibilidades ou mesmo as eventuais discordâncias), são fundamentais para a constituição da identidade de alguém e/ou instituição. Interessa para a pesquisa esboçar algumas ligações entre a produção arquitetônica e as bases culturais que possam não só fundamentá-las, mas também contribuir para sua aceitação e apropriação, reforçando assim os laços entre a produção individual e os grupos sociais que com ela se defrontam ou dela usufruem. Em “Intersecções: Antropologia e Arquitectura” 12 (2009), os autores afirmam que: “tanto na antropologia quanto na arquitetura reconhecem-se tendências de apropriação mútua", referindo-se à sensibilidade inerente à atividade arquitetônica em relação aos “saberes antropológicos”, ao mesmo tempo em que, os antropólogos, por sua vez, mostraram-se “atentos observadores dos modos de fazer o espaço que a arquitetura foi desdobrando”, percebendo que essa produção segue apropriando-se da sabedoria, dos discursos e da sensibilidade antropológica, com o objetivo de encontrar “fundamentos” análogos à sua concepção do “habitar”. Dessa forma, compreendem que: (...) a introdução da antropologia na formação dos arquitetos, associada a “novas preocupações sociais” da arquitectura, ou a introdução de temas caros à antropologia no discurso arquitectónico (como aquele que faz da rua um espaço de encontro de diferenças e de constituição de uma “comunidade” de fronteiras móveis, fluidas, imprecisas, mas sempre actuantes), correspondem a uma vontade de aproximação da arquitectura à realidade urbana (social e cultural), e a uma aspiração de intervenção nesse tecido de complexidades, fazendo aproximar da vida o projecto, essa entidade abstracta de planeamento que, na sua declinação gráfica e selectiva, não é comensurável com o território de diferenças e de dialogismos que deveria alimentar sempre o O artigo “Intersecções: Antropologia e Arquitectura” foi escrito por quatro membros do corpo docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (Luís Quintais, Nuno Porto, Sandra Xavier e Paulo Providência) e publicado no número 27 da revista eletrônica mesma instituição, a “Rua Larga”, em 2009. Disponível em: http://www.uc.pt/rualarga/anteriores/27/27_22. Acesso em 18 de maio de 2016. 12 24 INTRODUÇÃO ofício da arquitectura. (QUINTAIS, L.; PORTO, N.; XAVIER, S.; PROVIDÊNCIA, P., 2009) Aproximando a compreensão antropológica à condição nacional, parece oportuna a referência ao depoimento de Antonio Risério (em FERRAZ, 2011, p. 9), também antropólogo, em que observa a “disposição antropóloga no pensar e no fazer do arquiteto brasileiro” muito presente na ação projetual do Brasil Arquitetura. Risério acredita que atitudes como a inserção do grafismo desenvolvido pelas índias kadiwéu, na requalificação do Bairro Amarelo em Berlim não foram por acaso. Para ele, essa escolha sucedeu-se devido aos muitos “influxos de Darcy Ribeiro, Roberto Pino e Agostinho da Silva, tanto na sua compreensão do Brasil e das coisas do mundo quanto na sua prática arquitetônica”. Risério cita como experiências que fortalecem a relação entre arquitetura e antropologia desenvolvida pelos arquitetos do Brasil Arquitetura a parceria de Lina Bo Bardi e Roberto Pino no centro histórico de Salvador, e o entendimento entre Darcy Ribeiro e Lelé quando o antropólogo conduz o arquiteto a conhecer de perto uma cabana xavante e recebe de volta o projeto da Fundação Darcy Ribeiro (RISÉRIO em FERRAZ, 2011, p.9). Ao citar Darcy Ribeiro é fundamental mencionar sua interpretação acerca das múltiplas matrizes que compõe as particularidades da nação brasileira composta pela união entre os genes dos índios, que já estavam em nosso território, e dos estrangeiros vindos principalmente da Europa e da África. Ribeiro avalia que essas diferentes características, cada qual com sua proporção particular, colaboraram com a formação da essência da nação brasileira. Para ele, apesar de parecer contraditório, essa diversidade não tornou o povo brasileiro uma “sociedade multiétnica”, pelo contrário, as variantes foram fundamentais para a definição de uma identidade nacional (RIBEIRO, 2006, p.18). O antropólogo afirma que a existência de uma etnia nacional no Brasil, ou seja, um “povo-nação” que representa a união de 25 INTRODUÇÃO matrizes dos índios nativos, do colonizador europeu e dos escravos africanos, no entanto, não ignora as discrepâncias dessa unidade, que são consequência de “três forças diversificadoras”: a “ecológica” responsável pela constituição das tantas paisagens humanas e adaptações regionais díspares; a “econômica” determinante para a imposição de meios de produção tão diversos; e a “da imigração” que introduziu em nossa nação novos contingentes humanos, europeus, árabes e japoneses, principalmente. (RIBEIRO, 2006, p.18). Para ele, essas “forças diversificadoras” são o agente modificador cujas particularidades possibilitam que as diferentes características dos sertanejos, dos caboclos, dos crioulos, dos caipiras e tantos outros personagens representem partes específicas do país. Contudo, apesar dos estereótipos que possam, à primeira vista, destacar-se por suas disparidades, segundo o autor, a essência da nação brasileira permite que os mesmos se reconheçam como unos enxergando, em sua grande maioria, mais pontos em comum do que diferenças (RIBEIRO, 2006, p.19). A influência de Darcy Ribeiro para Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci, certamente foi amplificada por uma presença mais próxima, Isa Grinspum13, socióloga e cineasta nascida no Recife, com quem convivem cotidianamente. Na década de 1980, a pernambucana colaborou com Darcy Ribeiro, escrevendo e dirigindo o programa "Escola pela TV", exibido pela antiga Rede Manchete. Em meados da década de 1990, coordenou o "Projeto Especial Núcleo", da TVE. Ainda naquela década, concebeu e dirigiu a série de documentário “O Povo Brasileiro”, baseada em Isa Grinspum Ferraz é socióloga e cineasta que convive intensamente com a dupla do Brasil Arquitetura, não apenas porque é esposa de Marcelo Ferraz, mas principalmente por constituir uma fértil parceria em diversos trabalhos realizados. Em 1980, iniciou sua carreira como coordenadora e criadora de projetos para editoriais e televisão na Fundação Roberto Marinho, onde trabalhou por dez anos. Realizou, entre outros, “Brasil, Corpo e Alma”, “Crianças do Brasil” e “Menino, quem foi teu mestre?”, exibidos pela Rede Globo. É a diretora do documentário Marighella, que narra a história de Carlos Marighella (2012), seu tio, e autora da museografia do Museu da Língua Portuguesa (São Paulo) e do Museu Cais do Sertão (Recife). Com Lina Bo Bardi e Pierre Verger, atuou como roteirista e escreveu "Religiões Africanas no Brasil”. 13 26 INTRODUÇÃO obra de Darcy Ribeiro e exibida pelos canais GNT e TV Cultura e também as séries “Intérpretes do Brasil” e “O Valor do Amanhã”. Em depoimento para a websérie “Tão Longe, Tão Perto” (ESPAÇO HUMUS, 2014), Isa Grinspum, apropria-se de um interessante pensamento de José Miguel Wisnik de que não existe uma “Identidade Brasileira”, mas sim, uma “Entidade Brasil” que é composta por muitas identidades distintas. Grinspum concorda também com Eduardo Viveiros de Castro quando sustenta que Brasil é mais do que pluriétnico, é plurisocial, já que abrange muitas sociedades diferentes que convivem ao mesmo tempo, e muitas vezes no mesmo espaço. Ela conhece a complexidade que é falar sobre o Brasil, por ser um continente gigantesco com experiências muito diversas mesmo na sua formação socioeconômica e sociocultural (como descreve Darcy Ribeiro). Apesar de a nação reconhecer-se como brasileira (por conta da língua que nos une, e do sentimento de “ser brasileiro”), o país cujas dimensões são continentais, é tão diverso (não só regionalmente, mas no interior das regiões também, por si só muito diversas) e capaz de abrigar tantas culturas, tradições, formas de falar e de pensar, que parece estranho, em um primeiro momento, afirmar a existência de uma “entidade nacional”, como foi designada por Darcy Ribeiro, ou uma “entidade Brasil”, como nomeou José Miguel Wisnik. No entanto, essa noção torna-se compreensível quando se sabe e se aceita que a origem do povo dá-se através das mesmas matrizes oriundas da combinação de três etnias primárias (indígena, europeia e africana) cujas misturas, posteriormente, culminaram na gênese de novas matrizes (como a combinação entre mestiços, por exemplo) e também pelo fato de a língua falada ou escrita – ser sempre a mesma de norte a sul do país, apesar das variações de sotaques e algumas expressões regionais. Entendendo este conceito amplo, considera-se, neste 27 INTRODUÇÃO estudo, que “brasilidade” se refere à complexidade de matrizes que se reúne para formar a identidade nacional, a cultura brasileira. Segundo Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein em Brasil: arquiteturas após 1950 (2011), a identidade da arquitetura nacional concretiza-se, de fato, somente a partir da década de 1960. Afirmam que a ”arquitetura brasileira” pré e pós-Brasília são distintas, no entanto, as autoras indagam-se se não seria mais interessante analisar a fundo essas discrepâncias do que apenas julgá-las, ou pior ainda, negá-las. E questionam o leitor, instigandoo a responder algumas questões: “o que era, e o que passa a ser, a ‘arquitetura brasileira’, antes e depois de Brasília?” e “como outras tendências presentes num momento imediatamente anterior (...), puderam servir de instrumento para ativar a transformação da ‘brasilidade’ em arquitetura, colaborando na sua transformação?”. (BASTOS; ZEIN, 2011, p.52. O grifo é nosso). Sobre estas interrogações, as autoras ensaiam possíveis respostas: Aceitamos, como princípio, que a “identidade” é sempre uma construção interessada, e nunca um absoluto imutável. Portanto, necessariamente ela será posta em questão pelo menos uma vez a cada geração, encontrando, a cada oportunidade, respostas distintas – até porque, de fato, tudo mudou, inclusive o passado (ou, ao menos, o recorte que cada momento histórico prefere realizar sobre o passado). Não há, portanto uma essência imutável de “brasilidade”, inata, a ser revelada – mas apenas e sempre, “brasilidades”, configuradas conforme mudam os tempos e as vontades. (BASTOS; ZEIN, 2011, p.52. O grifo é nosso.) Apresentado os pontos de vista de autores de diversas áreas acerca do tema “brasilidade”, vê-se que ele não é um conceito unânime, nem tampouco permanente, mas sim um termo complexo em constante mutação. Considera-se a complexidade e a transitoriedade do tema “brasilidade”, sem abdicar de reconhecer no recorte da produção do escritório estabelecido pela pesquisa um traço de identidade profissional possível de ser associado a uma concepção de 28 INTRODUÇÃO identidade cultural ou identidade regional, visto que o estudo prioriza o vínculo entre a arquitetura e sua dimensão humana e cultural. O termo será aqui empregado com o sentido de “busca pela valorização” e maior “representação da cultura brasileira”. O mesmo raciocínio utilizado por Darcy Ribeiro para entender a construção da identidade nacional, já mencionado anteriormente, será empregado, nesta pesquisa, para compreender a formação da personalidade profissional do Brasil Arquitetura. Os textos e projetos selecionados como objetos de estudo indicam que há um cruzamento de referências, matrizes e influências. Essa intersecção de relações conforma uma teia que se estabelece no convívio profissional e por meio das afinidades que se consolidam com base em princípios e parâmetros conceituais que se repetem. Investiga-se, assim, a teia de relações presente na ação arquitetônica contemporânea do Brasil Arquitetura a partir da aparição de importantes elementos da arquitetura mundial, e, especialmente da frequente presença de três autoridades da arquitetura brasileira identificadas como influências-chave na trajetória do escritório: o “conjunto LLL”14: Lina Bo Bardi (19141992), João da Gama Filgueiras Lima, o Lelé (1932-2014) e Lucio Costa (1902-1998), descritos não por ordem hierárquica, mas sim, por razão estratégica de metodologia de pesquisa. Segundo Antônio Risério (em FERRAZ, 2011), essa prestigiosa trilogia deixa como legado à obra do Brasil Arquitetura três disposições-chaves: 1. o valor da “ressemantização” das construções, vinda da síntese entre paradoxos como o racionalismo moderno e a arquitetura vernacular, o desenho industrial e o artesanato, e a relação linabobardiana entre arquitetura e sociedade, ou seja, sua “vivência antropológica” que une o usuário ao contexto cultural no qual se insere; Termo apresentado por Antonio Risério na introdução de Arquitetura Conversável (2011), p. 13, para destacar a forte influência de Lina Bo Bardi, Lucio Costa e João Filgueiras Lima (Lelé) na produção arquitetônica do escritório Brasil Arquitetura. 14 29 INTRODUÇÃO 2. a consideração atenta à “honestidade construtiva” comumente nomeada como “rigor técnico” ou “apuro técnico”, marca registrada de Lelé; 3. o colóquio entre a “tradição e a invenção”, graças ao entusiasmo que Lucio Costa trazia tanto pela arquitetura colonial quanto pelo o modernismo brasileiro, bem como seu legado no campo do patrimônio arquitetônico. É fundamental enfatizar aqui que, após a banca de qualificação desta pesquisa, prevaleceu o entendimento de que seria essencial ampliar o leque das influências para a construção da identidade do escritório, sendo necessário mencionar: Vilanova Artigas e Le Corbusier, figuras de destaque na matriz racional e moderna da formação propagada pela FAU-USP; Joaquim Guedes, que além de ter sido docente no período de formação de Fanucci e Ferraz, foi também quem lhes apresentou Alvar Aalto (destaca-se a proximidade com Fanucci, enquanto o jovem estagiou em seu escritório); Lina Bo Bardi, quando lhes mostra a importância de direcionar o olhar para a cultura do país, além de fazê-los perceber arquitetos como Louis Kahn e Luís Barragán que, “mesmo sendo modernos e internacionais, também explicitam em suas obras a sua cultura e as suas origens” (FERRAZ, 2011, p. 30); Álvaro Siza por questões de afinidade: “(...) Também Siza (...) volta-se para a cultura artesanal, dentro de uma perspectiva industrial, de modernidade tecnológica. Estabelecem diálogos entre arquitetura e mundo natural (...)” (RISÉRIO em FERRAZ, 2011, p. 10), e tantos outros que serão apresentados durante o desenvolvimento deste trabalho. Interessa, assim, à pesquisa entender como o conjunto dessas afinidades eletivas colaborou para o amadurecimento e a construção da identidade do escritório e como elas refletem não apenas no modo de pensar/agir da dupla, mas também na produção técnica, a partir do estudo de três obras selecionadas. Convém, entretanto, esclarecer que mais do que esgotar esses 30 INTRODUÇÃO laços de afinidade, este trabalho tem a intenção de insinuar algumas convergências, registrar pontos de contato. Assim como é extenso o Brasil é extenso e complexo o trabalho do Brasil Arquitetura que, apesar de sempre levar em conta e especificidades de cada contexto (físico, cultural, socioeconômico) ou de cada programa, busca uma matriz que determina sua identidade única, repleta de menções à brasilidade e à cultura brasileira. A pesquisa propõe, então, entender como essa respeitável identidade foi se delineando e se pode ser considerada consolidada. Para atingir este objetivo, a estrutura do trabalho está organizada em três capítulos 15. O primeiro capítulo, intitulado “Princípios e conjecturas”, trará um panorama da constituição inicial do escritório em 1979, quando Marcelo Suzuki também era sócio, mas se deterá mais detalhadamente à sua atual formação, que desde 1995 vem sendo liderado pelos arquitetos mineiros – Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz –, sobre os quais faremos um breve relato de seus tempos como estudantes da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), bem como sobre os estágios que fizeram durante esse período e suas importantes parcerias paralelas que perduram até os dias de hoje, como é o caso da que mantêm com o arquiteto André Vainer. Delineando o percurso dos arquitetos, ainda nesta parte do trabalho, serão abordadas as afinidades arquitetônicas identificadas pelos arquitetos como referências elementares para Antes da banca de qualificação em 21 de março de 2016, a estrutura do trabalho estava organizada em três capítulos, sendo cada um deles dedicado à uma das três aproximações/influências identificadas por Antônio Risério como o “conjunto LLL”: Lina Bo Bardi, Lucio Costa e Lelé (em FERRAZ, 2011, p.13), onde apresentava-se o estudo de três projetos selecionados como estudo de caso. Agora, considerando os pertinentes comentários dos membros da banca, julgou-se mais apropriado organizar a pesquisa em blocos que sejam mais coerentes com o objetivo final do trabalho, que é o de entender a identidade do conjunto da obra do Brasil Arquitetura como um todo e não desmembrar as influências e as obras como recortes tão demarcados, analisados a partir de parâmetros distintos. 15 31 INTRODUÇÃO a construção da personalidade do escritório, bem como as influências do campo ampliado da arquitetura como a antropologia de Darcy Ribeiro, a partir de Isa Grinspum Ferraz, (quem pode ser lida como discípula de Ribeiro por ter trabalhado diretamente com ele, da mesma forma pela qual Ferraz é visto por sua vivência com Lina Bo Bardi). A bibliografia utilizada está alicerçada especialmente em três principais referências bibliográficas: a publicação “Francisco Fanucci Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura”, como panorama geral da produção do escritório até 2005 (ano em que o livro foi publicado pela editora paulista Cosac Naify; o livro “Arquitetura Conversável” (editado pela Azougue em 2011), que reúne artigos publicados de Marcelo Ferraz sobre assuntos diversos como: o papel do arquiteto, a cidade, os espaços culturais e a compreensão de patrimônio, temas fundamentais para compreender suas inquietações, considera-se como fonte primária os textos dos memoriais dos três projetos selecionados, além do segundo volume da pesquisa de mestrado de Patrícia Nahas, cuja relevância principal para esta pesquisa está na elaboração de fichas de estudo dos projetos, importantes16 entrevistas e depoimentos dos próprios arquitetos envolvidos. Buscou-se argumentar a respeito das possíveis aproximações e do grau de influência das referências que serão apresentadas, a partir da leitura das versões em português dos livros do crítico de arquitetura Josep Maria Montaner: “A modernidade superada: arquitetura, arte e pensamento do século XX” (2001); “Arquitetura e crítica” (2007); e “Arquitetura e crítica na América Latina” (2014). A dissertação de mestrado de Patrícia Nahas, intitulada de Brasil Arquitetura: memória e contemporaneidade. Um percurso do SESC Pompéia ao Museu o Pão (1977 – 2008), foi orientada pelo arquiteto Abílio Guerra dentro do Programa de Pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com bolsa FAPESP. A defesa ocorreu em 2008 com participação da Profª Drª Ruth Verde Zein e da Profª Drª Silvana Barbosa Rubino. Patrícia Nahas foi capaz de reunir declarações de André Vainer, Marcelo Suzuki, Emanoel Araújo, Murilo Ribeiro, Eulâmpia Reiber, Raul Pereira, peças fundamentais para o início da trajetória do Brasil Arquitetura. 16 32 INTRODUÇÃO A lógica de encadeamento da pesquisa pede que primeiro sejam estabelecidos os parâmetros das referências gerais (como será feito no capítulo um deste caderno), para então apresentar os estudos de caso. Dessa maneira, o segundo capítulo, nomeado como “Projetos e contexto”, apresentará o estudo dos três projetos eleitos como objeto de análise por representarem a aplicação dos princípios gerais a quadros específicos. As realidades concretas são aqui representadas pelos condicionantes físicos, regionais, e pela especificidade do programa arquitetônico elaborado, em cada um dos casos analisados: o Cais do Sertão Luiz Gonzaga (Recife – PE); o Museu do Pão (Ilópolis-RS); o Terminal Rodoferroviário (Santo André – SP), cuja análise terá como referência básica o conjunto de desenhos e textos presentes no site oficial do escritório sobre os projetos eleitos. Entende-se que essas três intervenções arquitetônicas reúnem os aspectos mais marcantes do percurso aqui investigado: buscam a valorização de seu contexto inicial, seja um sítio histórico, um edifício preexistente ou uma cidade; são reconhecidas pela coerência entre a técnica e a materialidade com as quais foram construídas; por fim, enaltecem os três parâmetros elementares presentes na obra do Brasil Arquitetura supramencionados. Dessa maneira, serão avaliados: 1. “a capacidade de olhar para o passado e o futuro” buscando a relação novo/existente na implantação; 2. o “olhar antropológico” analisado no programa arquitetônico proposto pelos arquitetos; 3. o “rigor técnico” com o qual foi concebido o sistema construtivo. O terceiro capítulo da pesquisa batizado como “Síntese e herança” terá a função de fazer a amarração entre as relações apresentadas nos capítulos anteriores e de compendiar o que delas ficou marcado como essência do Brasil Arquitetura e, admitindo que não sejam apenas desdobramentos de outras personalidades, identificar qual é o pensamento próprio dos sócios majoritários; qual a contribuição deles para a construção de outras 33 INTRODUÇÃO trajetórias; e quais peculiaridades contribuem para delinear na arquitetura contemporânea brasileira, ou seja, quais elementos deixarão como matriz para a constituição de novos pensamentos da nova arquitetura brasileira que será produzida nas próximas décadas. Não se tem a pretensão, com este capítulo, de prefigurar uma arquitetura futura. O que se esboça aqui é uma tentativa de registrar rastros possíveis de serem seguidos em um percurso que ainda está por vir. Ao retomar a epígrafe deste estudo, que é também a introdução do trabalho do Brasil Arquitetura em seu site oficial e está na contracapa de “Arquitetura Conversável”, a qual enfatiza a intenção dos arquitetos em encontrar uma “arquitetura criada a partir de profunda conexão com as bases culturais de cada lugar e protagonistas”, tem-se mais um argumento sobre o que se diz respeito à importância dada às “dimensões humanas” de seu trabalho. E essa dimensão humana nada mais é do que a preocupação em criar espaços usados pelo homem “real”, em contraposição ao “homem ideal” (tão presente na arquitetura moderna), do ponto de vista de atender às necessidades de cada um, ao mesmo tempo em que visa atender às necessidades de todos. 34 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Nem todas as culturas são ricas, nem todas são herdeiras diretas de grandes sedimentações. Cavocar profundamente numa civilização, a mais simples, a mais pobre, chegar até suas raízes populares, é compreender a história de um país. E um país cuja base está a cultura do povo é um país de enormes possibilidades.17 Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz são ambos nascidos na primeira metade da década de 1950 em cidades do interior de Minas Gerais, distantes cerca de cento e cinquenta quilômetros uma da outra. Aos dezenove anos de idade, mudam-se para a capital paulista para ingressar no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP). Os anos de diferença no ingresso do curso (Francisco Fanucci inicia o curso em 1971 e Marcelo Ferraz em 1974) determinou uma significativa diferença nas grades curriculares e no corpo docente, o que, por conseguinte, possibilitou a formação de dois indivíduos com vivências, posições e opiniões distintas, ainda que complementares, já que a dupla comanda há quase quatro décadas um dos escritórios mais sólidos da arquitetura contemporânea brasileira: o Brasil Arquitetura. A trajetória traçada pelo Brasil Arquitetura ao longo dos mais de 30 anos de atuação insere a obra do escritório com relativo destaque na produção arquitetônica brasileira atual. A revisão do percurso dos arquitetos mostra que os primeiros projetos estão presos ao ideário propagado na FAU no momento em que eram estudantes. Com o decorrer do tempo e após a assimilação de novas referências, o Brasil Arquitetura vai construindo uma linguagem arquitetônica própria. (NAHAS, 2010) Depois de formados, em 1979, fundam em conjunto com Marcelo Suzuki, colega de turma de Marcelo Ferraz na FAU-USP, o Brasil Arquitetura, e seus primeiros projetos são: o “Paço Municipal de Cambuí”, a “Casa Cambuí”, ambos na cidade natal de Francisco; a “Vila Operária Grisbi”, em Pirapora (MG); a “Grisbi Indústrias Texto extraído do artigo de Lina Bo Bardi: “Pequenos cacos, fiapos e restos de civilizações”. Em “A Tarde Cultural”. Salvador, Bahia , em 23 de Outubro 1993 (texto original de 1980). Apud: COSULICH, Roberta de Marchis. Lina Bo Bardi. Do Préartesanato ao Design. Disponível em: http://www.docomomobahia.org/linabobardi_50/19.pdf. Acesso 10 fevereiro 2016. 17 35 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Têxteis”, na Bahia (Figura 01). Figura 01: Primeiros projetos: Paço Municipal de Cambuí, Casa Cambuí e Grisbi Indústrias Têxteis. Brasil Arquitetura com sua formação inicial: Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki. Fonte: Site oficial do escritório. Acesso em 19 junho 2016. Em 1986, a Marcenaria Baraúna (Figura 02), em homenagem à “árvore mais forte do sertão”18, é instituída iniciando o trabalho paralelo com design de mobiliário e objetos em madeira, como uma “extensão do escritório”, conforme comentário de Lelé: A explicação sobre a opção de “Baraúna” para a nomeação da marcenaria está em: “Tempos de Grossura” (BARDI, LINA BO; INSTITUTO LINA BO E P. M. BARDI. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo, SP: Instituto Lina Bo & P.M. Bardi, 1994, p. 40). De acordo com o site oficial da marcenaria, a “Baraúna busca conciliar a qualidade na produção com um desenho contemporâneo e funcional, produzindo móveis e acessórios de linhas simples e retas, executados em madeira maciça e compensado naval. (...) Utiliza-se de processos de produção artesanal, com técnicas especiais de manuseio de madeiras com acabamentos naturais que revelam sua textura e cores”. A relação dos arquitetos com a escala do mobiliário será desenvolvida futuramente em um artigo. 18 36 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS O saudável interesse em participar intensamente de todo o processo construtivo se revela na preocupação do grupo em manter a Marcenaria Baraúna como uma extensão do escritório, no qual os arquitetos se exercitam na concepção e produção de mobiliário19. Figura 02: A primeira sede da Baraúna na Rua Delfina, em 1986. O primeiro encarregado foi Adelino Rubio, que trabalhara no SESC Pompeia. Fonte: Página do Facebook Marcenaria Baraúna. Acesso 04 julho 2016. As primeiras peças desenvolvidas pela Baraúna são consideradas até os dias atuais como emblemáticas por especialistas em design: as cadeiras Girafa e Frei Egídio, projetadas por Ferraz e Suzuki em parceira com a arquiteta Lina Bo Bardi em 1987 e o “Caipira”, que se trata de uma releitura feita por Fanucci em 1988 (Figura 03). Figura 03: Respectivamente: Cadeiras Girafa e Frei Egídio, e o banquinho Caipira Fonte: Site oficial da marcenaria. Acesso em 19 junho 2016. Trecho da apresentação de Lelé em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 9, na qual o arquiteto carioca manifesta sua admiração pela obra dos jovens arquitetos: “Hoje, decorridos cerca de vinte anos desse episódio, fico feliz ao examinar o conjunto magnífico de obras do Brasil Arquitetura [...] sempre impregnada de uma atmosfera muito brasileira”. 19 37 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Anos mais tarde, em 1995, Marcelo Suzuki deixa a sociedade de ambos os projetos (escritório e marcenaria), mas retorna ao escritório dez anos mais tarde onde permanece por mais alguns anos. Atualmente não faz parte da equipe e lidera escritório próprio, o “Marcelo Suzuki Arquitetura e Urbanismo” desde 2009, mas constantemente colabora com a dupla em projetos paralelos, especialmente naqueles que dizem respeito à arquiteta Lina Bo Bardi, já que também trabalhou com a arquiteta e é considerado um de seus discípulos. Formou-se Doutor pela FAU USP em 2010 com tese intitulada de “Lina e Lucio” e desde então é docente do IAU-São Carlos. André Vainer, mesmo sem nunca ter se associado ao escritório é também um importante colaborador desde os tempos da FAU-USP, onde formou-se arquiteto no mesmo ano de Marcelo Ferraz, quem, um mês após iniciar seu estágio nas obras do SESC Fábrica da Pompéia, indicou o amigo para também colaborar com Lina Bo Bardi. Em 1995 assinou junto ao trio do Brasil Arquitetura e à Roserval Guitarrari o projeto do “Teatro Polytheama” em Jundiaí. Devido à vasta experiência que teve com Lina Bo Bardi, é frequente também a parceria com Marcelo Ferraz em publicações, como Cidadela da Liberdade” (1999), palestras e curadoria de exposições, como aconteceu recentemente na mostra “A arquitetura política de Lina Bo Bardi” apresentada no SESC Pompéia em 2014. Atualmente Vainer é titular do escritório André Vainer Arquitetos e professor da Escola da Cidade e realizam juntos a reforma do SESC Pompeia. No decorrer do relato de pesquisa aparecerão comentários sobre as parcerias20 anteriormente descritas, no entanto, a pesquisa se A parceria entre Marcelo Ferraz e seus colegas de formação André Vainer e Marcelo Suzuki tem se repetido pelo menos uma vez em cada década, começando por 1978 no Concurso de Projetos para o Paço Municipal de Cambuí (MG), desenvolvido em equipe composta também por Marcelo Suzuki, que também particiou da Revitalização e Recuperação do Centro Histórico de Salvador (1986/1990); no projeto para a nova sede da PMSP em 1991/1992 com Suzuki e André Vainer ambos parceiros do Projeto para o Museu da Cidade, no Parque Dom Pedro em 2003. Na década de 2010, Marcelo Ferraz e André Vainer devenvolveram diversos trabalhos em celebração ao centenário de nascimento de Lina Bo Bardi, como foi o caso da exposição “A arquitetura política de Lina Bo Bardi” no SESC Pompeia em 2014. 20 38 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS deterá com maiores detalhes, na formação dos dois atuais sócios: Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, com o objetivo de compreender como a trajetória dos dois se complementou a ponto de gerar uma identidade própria, comprovada pelo conjunto de trabalho desenvolvido pelo escritório. Nascido em Cambuí, interior paulista, em 1952, Francisco Fanucci21 iniciou os estudos na FAU USP em 1971, formando-se arquiteto em 1977, na mesma turma de José Luiz Telles dos Santos, Luiz Espallargas e Ruth Verde Zein, apresentando como Trabalho de Graduação Interdisciplinar (TGI) um projeto para a Metrópole de São Paulo, que ele mesmo se refere como um “TGI coletivo”22, que perdurou por cerca de três anos, sob orientação de José Claudio Gomes, Júlio Katinsky (com quem Francisco Fanucci estagiou em 1975) e Edgar Dente. As imagens do acervo particular do colega Jose Calazans mostram etapas, provavelmente preliminares desse estudo (Figura 04). “As informações a respeito do histórico de formação do arquiteto Francisco Fanucci foram retiradas do volume II da dissertação de mestrado de Patrícia Nahas. Os dados sobre as disciplinas cursadas estão no “Anexo 3 – Formação na FAU USP: 3.1. Turma de Formandos e 3.2. Disciplinas cursadas” (pp. 605-616). Sobre o TGI, as informações foram extraídas da entrevista realizada pela arquiteta com Fanucci (pp.555-557). Os dados da vida profissional foram extraídos das informações disponíveis em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, pp.200-201. O levantamento desses dados foi reorganizado pela autora e gerou duas tabelas (Formação na FAU e Vida Profissional) desta pesquisa e incluídas nos anexos deste caderno. 21 “TGI coletivo”: Essa expressão foi utilizada pelo próprio Francisco Fanucci, em entrevista à Patrícia Nahas, para sua dissertação de mestrado em 2008. Segundo ele, o grupo era composto por José Fábio Calazans, José Rollemberg de Mello Filho (Zico) e o José Geraldo Martins de Oliveira. Em conversa com a arquiteta, explica que “(...) havia uma premissa de que uma metrópole (com as dimensões, a diversidade de sítios, de topografia, com a complexidade de suas relações internas), como São Paulo poderia (e deveria) se organizar em torno de alguma ideia de centralidade, (...). Não poderia ser um amontoado, um subproduto de fluxos ligados à produção, à conurbação de várias cidades, em que todas perdem suas características para compor um pastiche, uma maionese urbana mal misturada e cortada por autopistas sempre insuficientes para absorver os carros que, a cada dia, são mais e mais (...)”. 22 39 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Figura 04: Croquis da proposta para TGI de Francisco Fanucci. Fonte: Acervo particular de José Calazans, retirado do volume II da dissertação de Mestrado de Patrícia NAHAS, 2008, p.556. (...) Eram centenas de desenhos, mapas, textos, croquis, tudo relativamente desorganizado, como uma casa bem bagunçada, tudo devidamente espalhado sobre as mesas e as paredes. Trabalho em aberto, apontando para muitas direções. Assim foi. O Calazans tentou me convencer a continuar, a batalhar uma bolsa da FAPESP, ou outra, pra continuarmos como mestrado, talvez. Pra mim não deu, já estavam aparecendo alguns trabalhos com o Marcelo e o Suzuki, estávamos começando o nosso escritório. O Calazans continuou, isso era em 1978, e (heroicamente) apresentou seu lindo mestrado cerca de quase 30 anos depois.” (FANUCCI, em NAHAS, 2008, pp. 555-556). Talvez a opção por um trabalho final tão complexo e com tema de urbanização se deva muito à sua grade curricular, a qual incluía, diferentemente da cursada por Marcelo Ferraz, disciplinas como “Programação Visual e Arquitetura do Século XX”, “Arte e industrialização no mundo contemporâneo”, “Métodos quantitativos e análise de sistemas”, “História da técnica no Brasil”, “Capitalismo e planejamento”. Em seu primeiro ano como arquiteto, Fanucci trabalhou no escritório de Abraão Sanovicz, que também havia sido seu professor na FAU USP na cadeira de projeto de edificações, 40 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS deixando esse escritório para trabalhar com Joaquim Guedes 23, que também foi professor deles na FAU e que, apesar de ser discípulo de Vilanova Artigas, “tinha um discurso mais dissidente que falava meio solitariamente de Aalto” (FANUCCI, em NAHAS, 2008, p. 506), – provavelmente a influência de Alvar Aalto na obra do Brasil Arquitetura muito se deve a essa aproximação inicial feita por Guedes – com quem colabora até fundar o Brasil Arquitetura S/C Ltda, junto aos parceiros e sócios, os Marcelos, Ferraz e Suzuki. A partir de 1980, começa a trabalhar na empresa Eplanco Engenharia de Planejamento S/C Ltda., onde realiza diversos projetos de lojas, agências bancárias, indústrias, etc, onde fica até 1983, quando passa a se dedicar apenas aos projetos de seu escritório próprio, o Brasil Arquitetura, à Marcenaria Baraúna, aos concursos de Arquitetura e à atividade como docente – na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Braz Cubas (em Mogi das Cruzes), de 1993 a 1995, voltando a lecionar em 2002 na Escola da Cidade (São Paulo), da qual é sócio fundador e faz parte do corpo docente até hoje. Marcelo Ferraz24 nasceu em 1955 na cidade mineira de Carmo de Minas e ingressou no curso de Arquitetura e Urbanismo da Joaquim Guedes (1932-2008), cujo mérito está em ser um exímio construtor, e já em suas primeiras obras, na década de 1950 “(...) explorava com afinco o racionalismo dos espaços e da construção (...) (BELLEZA, 2008). Apesar de ser um arquiteto paulista, formado pela FAU-USP 1954, era considerado “exceção no meio da arquitetura paulistana, Guedes mantém contatos internacionais e, ao mesmo tempo, é convidado para atividades em escolas no exterior. Por isso está sempre informado - e inconformado - com discussões e teorias, nas épocas em que o sentido de sobrevivência recomenda resistência, mesmo descaso, ao estrangeiro. Essa vantagem, ou essa oposição, parece alimentar constante atrito com ideias locais e talvez acentue sua inclinação beligerante. Sua experiência profissional conta diversos planos urbanísticos além da experiência com planejamento urbano para grandes cidades” (...). Guedes está entre os que antecipam o projeto segundo esquemas críticos e avessos à arquitetura moderna, o que pode explicar, em parte, tantas características excêntricas ou pessoais de seu trabalho e sua adesão pioneira às teorias substitutas e aos arquitetos expressivos, catalogados como organicistas. (ESPALLARGAS, 2009). 23 As informações a respeito do histórico de formação do arquiteto Marcelo Ferraz foram retiradas do volume II da dissertação de mestrado de Patrícia Nahas. Os dados sobre as disciplinas cursadas estão no “Anexo 3 – Formação na FAU USP: 3.1. Turma de Formandos e 3.2. Disciplinas cursadas” (pp. 605-616). Sobre o TGI, foram extraídos da entrevista realizada pela arquiteta com Ferraz (p. 557). Os dados da vida profissional disponíveis em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, pp.200-201. O levantamento desses dados foi esquematizado pela autora desta pesquisa e gerou duas tabelas (Formação na FAU e Vida Profissional) incluídas nos anexos deste caderno. 24 41 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Universidade de São Paulo (FAU USP) em 1974, quando estudou (diferentemente de Fanucci) disciplinas como “Fundamentos Sociais da Arquitetura e Urbanismo”, “Introdução aos Estudos da População”, “Estudos dos problemas brasileiros” e “Produção Cultural e Sociedade”. Formou-se arquiteto em 1978 na mesma turma de Marcelo Aflalo, Nabil Bonduki e Raquel Rolnik, quando apresentou como Trabalho de Graduação Indisciplinar (TGI) um projeto de um Centro Gerador de Cultura implantado no edifício preexistente da antiga indústria Martins Ferreira, localizado na Lapa de Baixo. O desenho, que faz parte do acervo pessoal de Marcelo Ferraz, possivelmente junto a uma série de outros desenhos, traz uma atmosfera pueril devido à sua concepção à mão com cores intensas (Figura 05). Figura 05: Croquis da proposta para TGI de Marcelo Ferraz para intervenção em um edifício histórico, em 1978. Fonte: Acervo do escritório Brasil Arquitetura, retirado do volume II da dissertação de Mestrado de Patrícia NAHAS, 2008, p. 557. O trabalho foi orientado por Silvio Sawaya, Claudio Gomes, e Flávio Império, que “foi o orientador de fato” 25, mas é possível afirmar que sua opção por esse tema foi fortemente influenciada por seu Expressão utilizada pelo próprio Marcelo Ferraz em entrevista à Patrícia NAHAS, para sua dissertação de mestrado em 2008, falando sobre o SESC Pompéia. 25 42 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS estágio com Lina Bo Bardi na obra do Centro de Lazer Fábrica da Pompéia26, que iniciou em 1977. Fazia um ano que estava trabalhando com a Lina no SESC Pompéia – estava completamente impactado com aquele tipo de trabalho, aquele tipo de obra, foi uma coisa natural – e estava descobrindo a Lapa, descobrindo a Pompéia. 27 Em entrevista à Patrícia Nahas (2008), Marcelo Ferraz declara que há sim muito do seu aprendizado com Lina Bo Bardi no SESC Pompeia como nas passarelas que se cruzam de um lado para outro entre os blocos, mas ao mesmo tempo, há muito dos ideais da FAU, como o “traçado miesiano” com divisões espaciais e muros que não se encontram. Lembrou-se também que o Centre Georges Pompidou havia sido inaugurado há pouco e as tubulações e instalações à mostra que propôs tinham muito dessa influência (FERRAZ em NAHAS, 2008, p. 258). Ainda em 1978, vence o Concurso de Projetos para o Paço Municipal de Cambuí (cidade natal de Francisco Fanucci) com equipe formada pelos colegas José Sales Costa Filhos, Marcelo Suzuki e Tâmara Roman, que se tornou anos mais tarde, o primeiro projeto construído assinado pelo Brasil Arquitetura. Após a conclusão das obras no SESC Fábrica da Pompeia, a parceria com Lina Bo Bardi é mantida em diversos projetos nos anos posteriores: Revitalização e Recuperação do Centro Histórico de Salvador (1986-1990); Concurso Público Nacional de Projetos de Reurbanização do Vale Anhangabaú (1981); Concurso Público Nacional de Projetos para o Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de Sevilha (1991); Projeto para a Nova Sede da Prefeitura Municipal do Município de São Paulo, no Parque Dom Pedro (1992/1992). Expressão utilizada pelo próprio Marcelo FERRAZ (2008) em seu artigo “Numa velha fábrica de tambores. SESC-Pompéia comemora 25 anos”, 2008. 26 Marcelo Ferraz em entrevista à Patrícia NAHAS, para sua dissertação de mestrado em 2008. 27 43 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Participou do encontro das Cidades Patrimônio da Humanidade em Évora (Portugal), em 1989, representando Salvador. Foi conselheiro do Instituto Quadrante, (atual Instituto Lina Bo e P. M. Bardi), a convite do casal Bardi, onde foi diretor executivo responsável pela programação e produção cultural e editorial por sete anos (1994-2001). Publicou o livro “Arquitetura Rural na Sede da Mantiqueira” 1992, que lhe rendeu naquele ano o prêmio de Melhor Livro de Arte pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil de São Paulo (IAB-SP). Em 1993, concebeu e coordenou o projeto “Lina Bo Bardi”, livro e documentário sobre a obra da arquiteta. O livro recebeu prêmio pela Associação Brasileira de Tecnologia Gráfica (1993); Associação Paulista de Críticos de Artes (1993); IX Bienal de Arquitetura do Equador (1994) e teve exposição montada em diversas cidades do mundo: Lisboa, Barcelona, Londres, Milão, Paris, Viena, Delft, Helsinki, Caracas, Bogotá, Buenos Aires, Montevideo, Santiago, Chicago, Montreal, São Francisco, Cidade do México, Macau, Hong Kong, Quito, Berlim, Munique, Copenhague, Arhus e Zurique e também nas maiores cidades brasileiras: Salvador, Fortaleza, Campinas, Ribeirão Preto, Olinda, Natal, Maceió, Florianópolis, Porto Alegre, Uberlândia, Brasília, Belo Horizonte, Vitória, Londrina, Campo Grande, Caxias do Sul e Goiânia. Um ano mais tarde iniciou suas atividades como docente na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Braz Cubas em Mogi das Cruzes (SP), foi professor convidado na Universidade de Washington (Sant Louis) em 2006, e começou a ministrar aulas no curso de graduação da Escola de Cidade em São Paulo, onde atualmente faz parte do corpo docente do curso de pós-graduação “Geografia, Cidade e Arquitetura”. Ferraz também foi responsável ao longo desses anos por diversas curadorias entre outras, para as exposições: “Mies van der Rohe” e “P.M. Bardi e sua arquitetura”, ambas para a IV Bienal de 44 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Arquitetura de São Paulo (1999); “Centenário de P. M Bardi” que além de exposições culminou também em um documentário e em duas publicações (2000); “O design do impasse” e “Amilcar de Castro”, em 2001, na Pinacoteca do Estado de São Paulo; “Estudo para o Museu do Inconsciente” na exposição “Cultura Brasileira” na Casa das Rosas (2001); e “A arquitetura Política de Lina Bo Bardi” no Sesc Pompeia em comemoração ao centenário de nascimento da arquiteta em 2014. Desenvolveu também diversas atividades como participação em conferências e debates em universidades e museus do Brasil e do exterior e a publicação de artigos em revistas e jornais (A+U, Architecti, Arquitetura e Urbanismo, Projeto, Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo, Vitruvius, etc.) que foram reunidos, em 2011, na publicação Arquitetura Conversável, que traz a compilação dos textos assinados pelo arquiteto com temáticas que envolvem a ação do arquiteto, cidade, patrimônio e espaços culturais, todos temas recorrentes na obra do Brasil Arquitetura. Dessa maneira, cumprindo a missão de apresentar um breve panorama a respeito das trajetórias pessoais de Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, atuais sócios do Brasil Arquitetura, foco desta pesquisa, é possível perceber o quão rica e variada foi sua experiência profissional, abrangendo diversas atividades como o campo editorial, a expografia, a docência, etc. O Brasil Arquitetura, entidade formada a partir da união da vivência de Fanucci e Ferraz, foi vencedor de diversos concursos de projetos, teve projetos premiados, menção honrosa em concursos de projetos, participou de muitas exposições, e publicou o livro em 2005 “Francisco Fanucci Marcelo Ferraz – Brasil Arquitetura”, como retrospectiva da produção, em comemoração aos 26 anos do escritório. Atualmente, em entrevista concedida para a autora do presente estudo, declararam que há a intenção de produzir uma nova publicação com os projetos de 2005 em diante, e que provavelmente será lançado em breve. Para registrar 45 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS mais detalhes a respeito das conquistas citadas acima, foram incluídas tabelas nos anexos deste volume. Marcelo Ferraz, comunicativo é não apenas porta-voz do escritório perante o público, mas também em relação aos pares. Uma figura capaz de transitar por diversas áreas sem sentir desconforto, como a organização e curadoria de exposições, a condução e liderança de entidades como o Instituto Lina Bo e P. M. Bardi e o Programa Monumenta, além de viabilizar contatos e negociações com representantes das esferas públicas de modo a construir um diálogo favorável para a concretização de propostas e definição de programas arquitetônicos lúdicos e pertinentes. Do outro lado, está Francisco Fanucci, mais introspectivo que o seu sócio, e por sua personalidade distinta permite que Ferraz afaste-se da prancheta para buscar novos projetos e parcerias, sabendo que seu parceiro está coordenando a equipe e, acima de tudo, cuidando para que tudo permaneça sob controle. E é assim que o Brasil Arquitetura se constitui: com dois indivíduos distintos, cuja disparidade talvez seja o elemento-chave para a bem sucedida performance desse escritório. Admitindo a distinção já descrita entre as experiências vividas por Fanucci e Ferraz, serão apresentadas, a seguir, referências arquitetônicas tidas como elementares para a solidificação e consistência da obra do Brasil Arquitetura destacando, primeiramente as afinidades eletivas oriundas “conjunto LLL” (RISÉRIO, em FERRAZ, 2011, p. 13), mencionado na introdução deste trabalho, organizadas da seguinte forma: Marcelo Ferraz, principal colaborador de Lina Bo Bardi por quinze anos (1977/1992), aquele que esteve por mais tempo, e mais próximo a ela, preencheu a atmosfera do escritório Brasil Arquitetura com todos os anseios compartilhados com a arquiteta a respeito das pessoas/dos usuários, da cultura brasileira e das particularidades que cada projeto necessita: olhar antropológico. 46 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Francisco Fanucci traz na trajetória a vivência profissional absorvida durante os períodos em que foi estagiário dos arquitetos Júlio Roberto Katinsky (1975) e Abraão Sanovicz (1977/1978) e como arquiteto, durante seu primeiro ano de formado, a experiência do escritório do arquiteto Joaquim Guedes. De maneira que, a união de todos esses importantes nomes da arquitetura brasileira sugerem uma preocupação com o enfrentamento das questões técnicas, construtivas, que envolvem o exercício profissional, mais adiante confirmada com a ligação com Lelé. A importância dada a todas as etapas do processo construtivo, o rigor técnico, podem ser associados a essa aprendizado comum. Lucio Costa, a terceira personagem envolvida na trilogia LLL, apareceu de fato como referência importante nos projetos do Brasil Arquitetura após a maturidade de seu trabalho e aparecerá como referência base dos projetos de intervenção em preexistências de interesse patrimonial: a capacidade de olhar para o passado e futuro simultaneamente. Isso posto, segundo Marcelo Ferraz, o grande aprendizado que o convívio diário com a Lina Bo Bardi de 1978, desde as obras do SESC Fábrica da Pompéia, até a morte da arquiteta em 1992 e, por conseguinte, o maior legado deixado por Lina Bo Bardi para a obra do Brasil Arquitetura foi o seu “olhar antropológico” (FERRAZ, 2011, p.70), ou seja, a aproximação entre arquitetura e cultura e a valorização da cultura brasileira, marcas da arquitetura de Lina Bo Bardi. Antes de procurar identificar como essas questões influenciam a produção do escritório Brasil Arquitetura, é importante definir o conceito: an.tro.po.lo.gi.a sf ciência do homem no sentido mais lato, que engloba origens, evolução, desenvolvimentos físico, material e cultural, fisiologia, psicologia, características raciais, costumes sociais, crenças etc. Locuções: a. cultural a que trata do estudo da cultura do homem em todos os seus aspectos, servindo-se, assim, de dados e conceitos próprios de diversas outras ciências, como a 47 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS arqueologia, a etnologia, a etnografia, a linguística, a sociologia, a economia etc.; a. física a que estuda a origem e a evolução biológica da humanidade e as diversidades raciais de seus subgrupos; a. social a que se ocupa do estudo da estrutura social de sociedades iletradas; a. urbana abordagem antropológica da organização social urbana.28 Inicia-se assim a tentativa de compreender quais motivações antropológicas estão presentes na arquitetura de Lina Bo Bardi. A princípio, assinala-se a sua condição de imigrante, que lhe possibilitava exercitar seu olhar estrangeiro, um ponto vital para o desenvolvimento de seu interesse pela diversidade cultural: Naturalizei-me brasileira. Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi este lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha “Pátria de Escolha”, e eu me sinto cidadão de todas as cidades, desde o Cariri, ao Triângulo Mineiro, às Cidades do Interior e às da Fronteira. (BARDI; FERRAZ, 1993, p. 12) Em seu texto “Cultura e não cultura”, republicado em “Lina por escrito”, a arquiteta reafirma o necessário entrelaçamento entre cultura erudita e popular: Salvaguardar ao máximo as forças genuínas do país, (...) procurando, acima de tudo, não diminuir ou elementarizar os problemas, apresentando-os ao povo como um alimento insosso e desvitalizado, não eliminar uma linguagem que é especializada e difícil mas que existe, interpretar e avaliar estas correntes e, sobretudo, será útil lembrar as palavras de um filósofo da práxis, ‘não se curvem ao falar com as massas, senhores intelectuais, endireitem as costas’29. (Em RUBINO, 2009, pp. 89-90. O grifo é nosso). Lina Bo Bardi sugere aqui a superação da dicotomia entre cultura letrada e iletrada, que tende a subestimar a possibilidade de comunicação e interação entre os diferentes estratos culturais. Com esse discurso, Lina comprova o quanto julga importante valorizar a cultura popular e evidencia sua multidisciplinaridade. De acordo com o Dicionário Online Houaiss (http://houaiss.uol.com.br). Acesso em 05 janeiro 2016. O grifo é nosso. 28 Publicado originalmente em “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da vida. Arquitetura. Pintura. Escultura. Música. Artes Visuais”. Página dominical do Diário de Notícias (Salvador, BA), n.1, 7 de setembro de 1958. O grifo é nosso, mas destaca a anotação de Silvana Rubino em “Lina por escrito”: “Certamente, Lina refere-se aqui a Gramsci, embora não tenhamos encontrado a referência da citação. [N.E.]” (RUBINO, 2009, p. 90). 29 48 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Marcelo Ferraz, como um dos principais herdeiros dessa cultura arquitetônica, declara que a inteligência de Lina Bo Bardi não a inseria em nenhuma corrente específica “(...) e também não fez escola, no sentido formal de projetar: [mas] espalhou sementes de pensamento (...)” (FERRAZ, 2011, p. 60), referindo-se à disparidade entre as questões que inquietavam a arquiteta e aqueles motes das discussões pleiteadas pela maioria dos arquitetos daquele período. Apesar de compreender que Lina Bardi ainda seja uma inspiração para dupla de arquitetos em diversos aspectos, o aspecto fundamental da narrativa nesta etapa do trabalho está calcado no aprendizado despertado pelo convívio com Lina Bo Bardi no que se refere especificamente à antropologia cultural, que, se é possível assim chamar, desdobra-se em uma “antropologia arquitetônica”. Pode-se afirmar que estuda a verdadeira escala humana: o usuário, a partir de uma aproximação entre a produção arquitetônica e os aspectos ligados à multidisciplinaridade que envolvem a ciência que estuda o homem (como a arqueologia, a etnologia, a etnografia, a linguística, a sociologia, a economia etc.) à procura de uma identidade nacional, uma arquitetura que extrai elementos essenciais da investigação da cultura popular. Marcelo (FERRAZ, 2011, p. 60), recorda que a arquiteta direcionou o “olhar para o pobre e rico Nordeste em sua criatividade e habilidade populares; para o alegre e triste mundo caipira da Paulistânia” e também foi responsável por apontar a “força das diversas culturas trazidas pelos imigrantes e migrantes à metrópole São Paulo”, o que comprova o entendimento de que a produção arquitetônica deve ser inseparável das raízes culturais de cada região. Uma busca pela aproximação entre arte e vida cotidiana. Em entrevista para a dissertação de mestrado de Patrícia Nahas (2008), Francisco Fanucci declarou que, apesar de ter tido poucas experiências diretas com Lina Bo Bardi, os debates que ocorriam 49 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS no ambiente de trabalho compartilhado entre Ferraz e ela, era vivido também no escritório e na Baraúna, já que Marcelo Ferraz, de certa maneira, trazia essas discussões para os projetos do Brasil Arquitetura. Segundo palavras do arquiteto, Lina Bardi colocou na pauta dos debates dos então jovens arquitetos uma ação “muito mais universalizante”, o que lhes proporcionou observar a arquitetura a partir de um campo ampliado; do mesmo modo, os fez perceber a importância da cultura arquitetônica para além das técnicas construtivas, - ainda que essas questões sejam fundamentais também para Lina -, admitindo que é preciso atentar também para a relação do que é proposto com o ambiente existente: ambiente físico, social, econômico e cultural. Sua contribuição essencial é assim sintetizada: (...) O olhar que ela tinha para o Brasil, talvez pela abrangência e desprendimento, nos possibilitava um foco muito mais agudo sobre o que era a complexidade do Brasil. Eu acho que isso foi importante para nós, era uma forma diferente de fazer coisas. Um olhar especialmente dedicado à vida que transcorre na arquitetura, mais do que à arquitetura como design e construção (...). (FANUCCI em NAHAS, 2008, p. 505) A experiência de Marcelo Ferraz, porém, foi diferente. Em entrevista presencial à autora desta pesquisa, realizada em 30 de novembro de 2015 na sede do Brasil Arquitetura, o arquiteto explicou uma frase dita em um vídeo divulgado pelo site “Arq!Bacana” em que dizia “A FAU me formou e a Lina me deformou”. A expressão “deformou” foi utilizada como metáfora da desconstrução de uma forma de agir e pensar que ocorreu graças à sua longa convivência com a arquiteta. Segundo ele, sua experiência com Lina Bo Bardi foi uma segunda formação, paralela, contudo, tão importante quanto a que teve em seus anos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo. (Figura 06). 50 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Figura 06: Lina Bo Bardi com seu discípulo Marcelo Ferraz, no SESC Pompéia. Fonte: Acervo pessoal do arquiteto. Via Vitruvius. Durante a mesma entrevista para a autora desta pesquisa, Ferraz descreveu essa equivalência afirmando que houve um “encontro muito forte entre a formação da FAU e a formação com a Lina”, apesar de enxergar semelhanças, com que a Escola Paulista 30, como a rigorosidade com a qual tratava a estrutura indissociandoa da concepção formal, por exemplo, muito presente nas salas de aula da FAU, e Lina Bardi tratam seus projetos, descreve o ponto que acredita ser mais distinto entre as duas “escolas” de sua formação: (...) na FAU tinha um pouco de regras e de modelos e a Lina odiava modelos. É por isso que eu falo que ela me deformou, ela não admitia modelos de jeito nenhum e eu acho que isso foi uma coisa boa, se libertar de qualquer modelo: não existe modelo, cada projeto é um projeto novo e as coisas vão chegar em função do que você começa a trabalhar intelectualmente em cima, e em cima daquele novo tema, do novo desafio. E é nesse sentido que eu digo que deformou (FERRAZ, em entrevista para este estudo, em novembro de 2015). Todos esses anos de convívio diário – no caso de Ferraz – e colaboração esporádica – de Fanucci – asseguraram à dupla uma Nos primórdios da Arquitetura Moderna Brasileira, um grupo liderado por Lucio Costa e outros arquitetos da ENBA (Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro) como Oscar Niemeyer, Jorge Moreira e Affonso Eduardo Reidy, entre outros formou a chamada “Escola Carioca”. (RUBINO, Silvana. “O pai-fundador da arquitetura moderna brasileira faz cem anos”. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.003/3245. Acesso 24 setembro 2015) Em São Paulo, nasceu a “Escola Paulista” em oposição à proposta dos cariocas, que evidenciava as formas plásticas. Sob liderança de Vilanova Artigas, o grupo dos arquitetos paulistas, em um segundo momento determinou o chamado ‘brutalismo paulista’ a partir do seu engajamento ideológico ao comunismo de Artigas. In: LUCCAS, Luís Henrique Haas. “Arquitetura moderna e brasileira: o constructo de Lucio Costa como sustentação (1)”. 30 51 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS identidade singular no contexto da arquitetura contemporânea brasileira. Ferraz foi, de fato, o responsável por assimilar a metodologia de trabalho da arquiteta, sempre preocupada o contexto humano no qual seus projetos se inserem, e em traduzir essa compreensão ao âmbito de trabalho do Brasil Arquitetura, já que Francisco Fanucci possuiu apenas de duas ações concretas de parceria profissional com Lina Bo Bardi (nos projetos para o Concurso Público Nacional de Projetos na Reurbanização do Vale do Anhangabaú, em 1981, e, dez anos mais tarde, no Concurso Público Nacional de Projetos para o Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de Sevilha dez anos mais tarde). A propósito do tema da relação entre arquitetura e antropologia, Risério (em FERRAZ, 2011, p.8) articula essa associação à experiência de formação dos arquitetos do Brasil Arquitetura, mencionando a dupla ascendência: Lina e Artigas. (Lina) apresentava uma visão de cultura popular não como “folclore”, mas como cultura. Com isso, Lina detonava ortodoxias. Ao mesmo tempo, reforçava Artigas, consolidando em seus jovens colaboradores uma visão social da arquitetura. Mas com uma grande diferença que Artigas não desenvolvera. Uma espécie de vivência antropológica do espaço do fazer arquitetural. (RISÉRIO em FERRAZ, 2011, p.8) A arquiteta chegou ao nosso país onde “encontrou o território idôneo para viver e para realizar sua utopia” (MONTANER, 2001, p. 12) em 1946, juntamente com seu esposo Pietro Maria Bardi 31, O arquiteto italiano Pietro Maria Bardi (1900-1999), esposo de Lina Bo, era considerado um intelectual de grande influência na Itália. Em 1931, antes de conhecer Lina, organizou com características provocativas a “Segunda Mostra Italiana de Arquitetura Racional”, colaborando muito com a consolidação do espaço dos então jovens arquitetos modernos na Itália fascista. Foi um ativo editor, crítico e jornalista, destaca-se sua experiência com a revista “Quadrante”, fundada por ele em 1933 e que ”tornou-se um dos principais vetores do debate moderno” (ANELLI, 2015). Ainda em 1933 participou do IV CIAM e, “ao levar Le Corbusier para conferências em Roma e Milão, em 1934, consolidou-se como uma referência na militância moderna. Atuação que despertaria a atenção de Lina Bo, quatorze anos mais jovem. Desde que chegou ao Brasil, em 1946, dedicou-se à função de crítico de arte e arquitetura e de diretor de museu. (LAGO em PORTO, 2010, p. 28). Foi responsável pela vinda do casal ao Brasil, e, por sua credibilidade no meio intelectual, artístico e cultural da época, foi recebido no IAB-RJ (Instituto dos Arquitetos do Brasil do Rio de Janeiro), onde conheceu grandes nomes da arquitetura e da arte brasileira como Lucio Costa, Oscar Niemeyer, os irmãos Roberto, Athos Bulcão, Burle Marx, Portinari, Landucci, Marcos Jaimovitch entre outros. O casal optou por estabelecer residência em São Paulo para atender ao pedido Assis Chateaubriand para que o Professor Bardi criasse e dirigisse o Museu de Arte de São 31 52 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS com quem Lina Bo Bardi, segundo Renato Aneli em artigo publicado no caderno “Ilustríssima” do jornal Folha de São Paulo em 10 de maio de 2015, sempre desenvolveu um diálogo “complementar, não antagônico”. Anelli, atual diretor do Institulo Lina Bo e P. M. Bardi, conta que o casal se conheceu em 1943, quando Lina Bo estava ainda no início de sua carreira “enquanto Pietro já apresentava uma longa trajetória pautada na defesa da arte e da arquitetura modernas”. Em 1947 o casal Bardi começa a “acompanhar as diretrizes do ICOM (sigla para o nome em inglês do Conselho Internacional de Museus), que propunham museus como espaços voltados à formação de público e artistas” (ANELLI, 2015) e se muda para São Paulo devido ao convite feito por Assis Chateaubriand para que P. M. Bardi criasse e dirigisse o Museu de Arte em São Paulo. Lina, então, projeta a adaptação de um edifício na rua Sete de Abril, a primeira sede do MASP. Assim o Museu de Arte de São Paulo foi criado seguindo o programa proposto pelo ICOM, com o MoMA de Nova York como referência, e “entendendo a enorme potencialidade do rápido crescimento econômico e populacional de São Paulo no pós-guerra” (ANELLI, 2015). De acordo com Anelli essa condição foi tão fundamental para a concretização do MASP, que seria mais correto entendê-lo “como fulcro de um projeto de ação cultural modernizadora do casal Bardi, que se estendeu à arquitetura, design, teatro, moda, publicidade, edição e ensino”. Já naturalizada 32 brasileira, projeta e constrói, em 1951, a sua residência em São Paulo, a Casa de Vidro, no Morumbi, onde o casal estabelece residência até anos mais tarde, mudarem-se a para Bahia onde Lina Bo faz uma Paulo (MASP). Lina foi a autora da adaptação da primeira sede do museu na Rua Sete de Abril em 1947, e posteriormente a responsável pela construção do segundo (e atual) edifício do Museu. De acordo com Renato (ANELLI, 2015), em sua “biblioteca pessoal, livros essenciais do pensamento brasileiro apresentam anotações e destaques que alimentaram a transformação do casal nas décadas que viveram no Brasil. Uma curiosidade: Lina Bo Bardi chegou ao Brasil em 1946 e naturalizou-se brasileira em 1949, ou seja, Lina viveu no Brasil como imigrante durante cinco anos até naturalizar-se, exatamente o mesmo tempo regular que um estudante de arquitetura precisa para graduar-se como arquiteto e urbanista no Brasil. 32 53 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS intensa imersão na cultura brasileira com destaque para a valorização da cultura popular nordestina. Em “Tensão moderno/popular em Lina Bo Bardi: nexos de arquitetura (1)” 33 (2003), Eduardo Pierrotti Rossetti avalia essa relação de Lina Bo Bardi com a cultura popular e como ela se reflete em sua arquitetura. De acordo com o autor, as experiências da arquiteta com esse universo popular possibilitaram-na perceber diversas referências “a serem pensadas como elementos figurativos, transformáveis ou relacionáveis aos paradigmas modernos (...)”. (...) Para tanto, seu deslocamento para Salvador e o convívio com o povo do Nordeste foi extremante significativo, fornecendo novos índices e evidências para Lina empreender um processo e consolidar uma perspectiva de trabalho. A experiência no Nordeste é para Lina Bo Bardi um ponto de inflexão entre valores, escalas e plasticidades (...) (ROSSETTI, 2003) Segundo a própria arquiteta em depoimento para o documentário lançado junto à primeira edição do livro “Lina Bo Bardi”, e dirigido por Aurélio Michiles, em 1993, sua mudança para a Bahia que, obviamente foi muito influenciada pelos convites de trabalho para atuar em Salvador, ocorreu devido a Lina Bo ter enxergado no estado do Nordeste características que não encontrava nas duas grandes metrópoles do sudeste brasileiro (Rio de Janeiro e São Paulo). Para ela, a população nordestina traz uma “pureza interior maior diante da arte e da cultura”; e que “há uma curiosidade mais genuína”: seguindo sua inclinação antropológica, encontrou 33 O artigo de Eduardo (ROSSETI, 2003) está disponível em http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.032/717. Acesso 09 fevereiro 2016. Nele, o autor completa sua linha de pensamento afirmando que “Os valores plásticos dos materiais empregados são organizados pela arquiteta como referências para a construção do projeto e de seu discurso. (...). Não é uma escolha feita a partir do material em si. É uma escolha relacional, tratando-se de um raciocínio eminentemente moderno. A experiência com a cultura popular é entendida por ela como exemplo de simplificação de processos. Seu procedimento de uso, fusão e justaposição dos materiais, também se torna análogo à cultura popular brasileira por seu modo de cruzar as referências locais e externas livremente; em dialogar simultaneamente com sistemas e sentidos da tradição e com os materiais disponíveis. Isso explica, em parte, a liberdade de Lina Bo Bardi poder usar formas deslizantes de aço para erguer uma empena e abrir as janelas-buraco e vedá-las com treliças; ou ainda juntar um pano de alvenaria com uma calha de seixos rolados e uma rua de paralelepípedo, ou usar um deck de madeira (...)”. 54 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS nessa “gente” “possibilidades imensas” e partiu em busca de desbravá-las. Essa imersão na ciência que estuda o homem, como é definida a antropologia pelo dicionário Houaiss, é notada e enfatizada pelo crítico catalão Josep Maria Montaner que afirma: “toda obra de Lina Bo Bardi estabelece uma ação de corpo a corpo com a realidade” (2001, p. 12). De acordo com o crítico, Lina Bo Bardi foi capaz de aproveitar plenamente sua criatividade de maneira a ultrapassar qualquer limite da arte moderna, sem comprometer suas crenças fundamentais. Se a arquitetura moderna era anti-histórica, ela conseguiu realizar obras onde a modernidade e a tradição não eram antagônicas. Se a arte moderna era intelectual, internacional e resistente ao gosto estabelecido e às convenções, no Brasil foram possíveis uma arquitetura e uma arte moderna enraizadas na experiência da arte popular, negra e indígena, rigorosamente distintas do folclorismo, do populismo e da nostalgia. (MONTANER, 2001, pp. 12-13) Como dito anteriormente, a influência de Lina Bo na obra do Brasil Arquitetura, especialmente no início de sua trajetória profissional, abrangeu diversos aspectos. No entanto, ao analisar a produção mais madura e reconhecida do escritório, é possível avaliar que o conjunto do aprendizado deixado pela arquiteta tem um ponto fundamental: projetar uma arquitetura dirigida a um Homem Real/Particular, não a um Homem Ideal/Universal 34, como fazia o Movimento Moderno. A arquiteta atribuía a todas as coisas, de grande ou pequena escala, um olhar atento para a cultura popular e a valorização de uma identidade brasileira. O entrelaçamento do popular com o erudito pôde ser comprovado quando, em 1963, implantou e dirigiu o Museu de Arte Popular da O movimento moderno baseava-se na racionalização da arquitetura. Os espaços eram pensados para serem reproduzidos de forma funcional e replicados; para o cálculo desses espaços, utilizavam-se as medidas de um homem ideal. Nessa época surgiu o Modulor, idealizado pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier, uma releitura do homem vitruviano também seguindo as proporções áureas, porém, adequado aos números da sequência de Fibonacci e que se adequa proporcionalmente às unidades do sistema métrico e do sistema de polegadas. É considerado universal, pois não considera as variantes que envolvem o indivíduo. 34 55 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Bahia (MAP), como uma extensão do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAMB), no Solar do Unhão, em Salvador. A institucionalização da cultura popular é estabelecida com as exposições “Artistas do Nordeste” e “Civilização do Nordeste” na inauguração e também com a proposição de oficinas de formação destinadas ao público infanto-juvenil. Segundo Silvana Rubino (2008) em seu texto “Gramsci no Museu, ou a arte popular no Solar do Unhão, Salvador, 1963-4”, Lina Bo Bardi era uma entusiasta de Antonio Gramsci e tematizava, inspirada nele, noções de popular e nacional em suas exposições. Segundo ela, a intenção do Museu de Arte Popular da Bahia não era propiciar a arte-lazer, mas documentar e expor o trabalho popular (RUBINO, 2008). A iniciativa perdurou até o Golpe Militar de 1964, quando o MAP foi extinto, restando apenas o MAMB, que recebeu nova direção. Pensar no homem, na sociedade, nos modos de vida, discutir a respeito da interação entre arquitetura e cultura. Essa foi a contribuição de Lina não apenas para os jovens Francisco e Marcelo, mas para a sociedade, por meio de suas obras que se mantêm tão vivas como quando foram concebidas. Especialmente no período em que se dedicou à divulgação da cultura no (e do) nordeste brasileiro. Lamentando o aniquilamento da iniciativa que culminou na extinção do Museu de Arte Popular da Bahia (MAP), Caetano Veloso35, um dos líderes do Movimento Tropicalista, que se manifestou especialmente na música, declarou em trecho do documentário lançado com a primeira edição do livro “Lina Bo Bardi” (1993), descreve a importância de “Dona Lina”, como os baianos respeitosamente a chamavam, para seu Estado, afirmando que a “cultuavam”, frisando a forte aceitação da Caetano Veloso, ícone da música brasileira, é “uma das figuras mais importantes da cultura brasileira e é tão múltiplo quanto sua obra. Para além do trabalho musical, ele é antes de tudo um pensador do Brasil. Política, sociologia, arte: nenhum assunto está longe de seu campo de interesse”. Trecho da apresentação de seu livro “Antropofagia” editado pela Companhia das Letras, cuja primeira edição data de 2012. 35 56 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS população com seu trabalho, principalmente pela difusão e valorização da cultura popular. O músico e pensador recorda que ele e seus irmãos, iam ao Campo Grande especialmente para “ver Dona Lina passar do Hotel da Bahia para o Teatro Castro Alves”, onde ficava o Museu de Arte Moderna da Bahia, mantido pela arquiteta. As palavras de um dos ícones da cultura popular brasileira comprovam o quanto a população local não apenas identificou-se com a proposta da arquiteta, mas também como a admiravam, com certo deslumbramento por sua figura. No Catálogo, a Exposição Inaugural36 (1963) do Museu de Arte Popular do Unhão em Salvador é nomeada de “Nordeste”, mas, segundo a própria Lina Bo Bardi “deveria chamar-se ‘Civilização do Nordeste’”, porque, segundo ela, “(...) Civilização é o aspecto prático da cultura, é a vida dos homens em todos os instantes (...)” (em RUBINO, 2009, p. 116). Em oposição aos triviais acervos de outros museus, essa exposição trouxe uma coleção de objetos utilitários do dia-a-dia, que correspondem a mapeamentos etnográficos como estudos da cultura material daquela região. O objetivo de “Nordeste” era enaltecer todos os detalhes do trabalho artesanal: iluminação, utensílios de cozinha, roupas de cama e vestimentas, brinquedos, mobiliários e até mesmo as armas foram apresentadas como objetos de estudo a respeito daquela civilização em questão. Cada objeto risca o limite do “nada”, da miséria. Esse limite e a contínua e martelada presença do “útil” e “necessário” é que constituem o valor desta produção, sua poética das coisas humanas não gratuitas, não criadas pela mera fantasia. É neste sentido de moderna realidade que apresentamos criticamente esta exposição. (em RUBINO, 2009, p. 117) De acordo com o artigo publicado na inauguração da exposição, ela se manifesta em tom de denúncia: “Acusação dum mundo que não quer renunciar à condição humana apesar do esquecimento e da indiferença”. (em RUBINO, 2009, p. 118) A reprodução do texto original está em “Lina por escrito”, organizado por Silvana Rubino e editado pela Cosac Naify em 2009, páginas 116 a 118. 36 57 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Concomitantemente à criação do Museu de Arte Popular da Bahia, durante a década de 1960, surgia uma importante afinidade entre Lina Bo Bardi e o cineasta Glauber Rocha, “figura fundamental na consolidação dessa nova cultura híbrida que brotava em Salvador nos anos 60” (GRINOVER, 2009), nascida por dois interesses em comum: a filosofia “gramsciniana” e da cultura italiana. Juntos, “encontraram as aproximações estéticas, políticas e processuais” através do contato com a cultura popular nordestina em suas obras. Esse é o mote do artigo “Lina Bo Bardi e Glauber Rocha: diálogos para uma filosofia da ‘práxis’” apresentado por Marina Grinover no DOCOMOMO Bahia de 2009 no evento: “50 Anos de Lina Bo Bardi na Encruzilhada da Bahia e do Nordeste”. A semente de uma ”Nova Civilização”, como escreveu Lina Bo Bardi, estava lançada. Glauber Rocha e Paulo Gil Soares, na obra de Mario Cravo Jr., no teatro de Othon Bastos e Antônio Pitanga, a Bahia de Jorge Amado e Dorival Caymmi tinha entrado para uma nova era e a cultura nacional ganho outros pólos produtivos. As bases da corrente baiana da Tropicália foram fundadas neste projeto educativo e estético e espraiaram outros diálogos no Brasil. (GRINOVER, 2009). Segundo Marina Grinover (2009), Rocha conheceu “Dona Lina” através das aulas que frequentava na Universidade Federal da Bahia, também era aluno de teatro no Castro Alves e colaborou com a arquiteta na exposição “Bahia” em paralelo à V Bienal em 1959 no Ibirapuera quando expôs utensílios, objetos de uso cotidiano, religioso, além de extensa documentação fotográfica seguindo o mesmo mote antropológico. O movimento do Cinema Novo propunha uma “(...) revisão critica do cinema Brasileiro” (Glauber Rocha escreveu um texto com esse título, inclusive), a partir da criação de um cinema nacional equivalente às grandes produções mundiais. Sobre o início dessa experiência: A consciência de que o papel da arte é também educativo e político tomou força e fundamentou a montagem de Deus e o Diabo, inaugurando o cinema épico de Glauber Rocha. Foi no set de filmagem que Glauber Rocha compreendeu o que pode ser o cinema brasileiro, sua vocação de agente transformador onde a partir do filme possa se passar para a 58 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS ação. As filmagens foram acompanhadas de perto por Lina Bo Bardi que vivenciou estas experiências criativas do set. (GRINOVER, 2009) No mesmo artigo, Marina Grinover relata que, nesse mesmo período, paralelamente, Lina Bo Bardi escrevia e editava uma coluna semanal aos domingos “Crônicas de arte e cultura” no jornal “Diário de Notícias de Salvador”, em que deixava de lado as questões sobre a “construção cultural político-estratégica dos museus e atividades didáticas”. No jornal, Lina destacava assuntos do cotidiano cultural 37, não só da capital baiana como de todo o Brasil enquanto Glauber Rocha escrevia “em tom de alerta para as novas iniciativas que falassem de um país pobre e criativo (...) colocando a importância de um olhar sobre a cultura local e não só na produção europeia ou americana” numa coluna sobre cinema e arte no mesmo jornal de Salvador. Após o golpe militar de 1964, os discursos de ambos tomaram novos rumos “O papel ’educativo’ que os criativos Museus de D. Lina e os filmes épicos de Glauber teriam num primeiro momento como pólos fundadores de uma outra estética, agora precisavam tomar o caráter político de luta”. (GRINOVER, 2009) De acordo com o pensamento de Néstor García Canclini em “Culturas híbridas” (1989)38, moderno e popular são dois conceitos opostos que corriqueiramente são ligados ao culto e ao ordinário, respectivamente. Uma das hipóteses de Canclini é que a união das disciplinas da antropologia, da sociologia, da Segundo Grinover (2009): “Nos tempos da construção de Brasília, Lina Bo Bardi faz ressoar na província baiana o debate “universal” sobre a capital nacional; sobre os avanços tecnológicos (escreveu sobre a ida do homem a Lua, sobre industrialização e arte); sobre educação e museus; sobre o crescimento urbano, sobre a burguesia conservadora de Salvador; sobre valores populares simples e belos. Sempre num tom articulado e salpicado de toques satíricos demonstrando domínio dos temas e dos contextos, revelando claramente seu projeto para uma nova cultura urbana, uma transformação estética e comportamental. Um campo de debate para a arte moderna e a cultura brasileira posta à altura das transformações sociais que tanto desejava, uma articulação temática que revelava novamente a força da influência de Antônio Gramsci e seus últimos parceiros italianos”. 37 O texto original: “Culturas Hídridas: Estratlegias para Entrar y Salir de la Modernidad”, de Néstor García Canclini, foi publicado em 1989, mas a versão utilizada no presente estudo foi a sua primeira edição (1997) traduzida para o português: “CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade . Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997.” 38 59 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS comunicação e da história, poderia gerar um novo modo de produção que substituiria o modo tradicional, proporcionando a cada nação um modo mais heterogêneo de entender sua cultura. Com o MAP da Bahia, a arquiteta foi capaz de extrapolar a escala convencional de valores que determinam a superioridade do erudito e subverter o significado dessas relações, valorizando a cultura popular especialmente do nordeste. Zeuler Lima, pesquisador de sua obra, em artigo “Cem anos de Lina Bo Bardi, arquiteta-antropóloga” para a Revista Carta Capital (2014), também confirma o entrelaçamento entre arquitetura e antropologia ao afirmar que a arquiteta “olhava o espaço não como os arquitetos geralmente definem, que é um espaço vazio cartesiano geométrico, mas como os antropólogos definem, que é o espaço vivido”. Após sua primeira fase na Bahia, Lina Bo Bardi volta a São Paulo e em 1977 inicia as obras do SESC Pompéia, oportunidade que lhe possibilitou utilizar todo seu conhecimento sobre as dinâmicas de uso a apropriação de equipamentos coletivos de caráter cultural, em prol da criação de espaços democráticos e igualitários. De acordo com o mesmo artigo, depois de sua inauguração, a arquiteta tem a oportunidade de voltar à Bahia (entre 1986 e 1990) para fazer uma série de projetos como a Casa do Benin, Casa do Olodum e Ladeira da Misericórdia, todos parte de um plano geral de recuperação do centro histórico de Salvador, nos quais pôde levar “ao máximo sua experiência como arquitetaantropóloga, (...), investigando e vivenciando intensamente a cultura popular baiana e afro-brasileira” (LIMA, 2014). Para finalizar os comentários sobre a competência de Lina Bo sobre o tema, um depoimento de um dos maiores antropólogos e militantes pela educação que o Brasil já teve, Darcy Ribeiro, confirma a admiração pelo legado deixado por Lina Bo Bardi. No programa Roda Viva, da TV Cultura em 17 de abril de 1995, expôs a sua apreciação a respeito da genialidade da arquiteta: 60 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS (...) Eu vi o velho Edgar Santos, um reitor luminoso, que fez um reitorado na Bahia trazendo cultura europeia, trazendo a cultura erudita mais avançada para a Bahia. E que teve a coragem de levar para a Bahia também a mulher mais admirável que andou por São Paulo, Lina Bo Bardi. Lina é gênio. Hoje o mundo está descobrindo a Lina, e há exposição da Lina no mundo inteiro. Foi quem fez o Museu de Arte Moderna aqui, ela com o velho [Pietro Maria] Bardi [esposo de Lina]. Então, eu vi o ambiente criado por Edgar [Albuquerque Graeff, arquiteto], por Lina, em que surge Glauber [Rocha], Gilberto [Gil], Caetano, [Maria] Betânia, Gal [Costa]. São umas pessoas lindas… (O grifo é nosso). Em depoimento para Tempos de grossura: design do impasse Darcy Ribeiro comenta o desejo de Lina Bo Bardi de que existisse uma indústria capaz de valorizar “as habilidades que estão na mão do povo”: Lina queria que o Brasil tivesse uma indústria a partir das habilidades que estão na mão do povo, do olhar da gente com originalidade. Poderíamos reinventar os talheres de comer, os pratos, a camisa de vestir, o sapato. Havia toda uma possibilidade de que o mundo fosse refeito. O mundo do consumo como alguma coisa que tivesse ressonância em nosso coração (RIBEIRO em BARDI, 1994). A citação acima comprova a proximidade do pensamento de Darcy Ribeiro com o tema da publicação de Lina Bo Bardi (1994), cuja atenção vislumbra um projeto de industrialização que se alimentasse da vitalidade da cultura popular. Ribeiro conclui sua declaração afirmando que “Lina era uma pessoa que ajudava a pensar nesse rumo, uma prosperidade que fosse de todos, uma beleza que fosse alcançável, atingível” (RIBEIRO em BARDI, 1994). Conhecendo todo esse percurso linabobardiano, Marcelo Ferraz sentiu-se seguro em afirmar que a antropologia foi o mote essencial no “fazer arquitetônico de Lina”. Segundo ele, tratava-se de uma “antropologia intuitiva” (FERRAZ, 2011, p. 52). E complementa afirmando que os quinze anos de parceria com Lina Bo, foram fundamentais para que os então jovens arquitetos passassem a valorizar as múltiplas disciplinas com as quais a arquitetura dialoga. Dentre elas, destaca a antropologia: 61 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS (...) a pensar a arquitetura dentro de um espectro mais amplo, onde a história e a antropologia, a diversidade cultural e os avanços tecnológicos tinham lugar, sem preferências apriorísticas e sem exclusões ou preconceitos (...). Buscamos em Lina sua capacidade de atuar em múltiplas disciplinas, sem se submeter ao tempo linear, histórico, e nem às limitações geográficas. (RISÉRIO em FERRAZ, 2011, p.30) Assim, apreendida a lição, Ferraz e Fanucci, definem a arquitetura como uma arte que se situa: “(...) entre a obscura zona do fenômeno e a zona da organização e escolha deliberada dos conhecimentos” (...). Para os líderes do Brasil Arquitetura, ela [a arquitetura] “(...) talvez mais que outras formas de comunicação, possui o poder de unir expressões intelectuais e intuitivas, objetivas e subjetivas, de transformar o modo de viver”. (FERRAZ, 2011, p. 24). É sabido também que a ação arquitetônica de Lina Bo Bardi vai além de sua capacidade de colocar o usuário em primeiro plano. Como já foi explanado anteriormente, ela também acreditava que a arquitetura de um edifício não poderia ser separada de seu esqueleto estrutural. Em seu poema “O mestre construtor” enaltece essa associação: “(...) a estrutura de um edifício é elevada ao nível da poesia, como parte da estética. Não há nenhuma diferença. Um arquiteto deve projetar a estrutura como projeta arquitetura (...)” (BARDI em PORTO, 2010, p.51), basta observar a necessidade de entendimento com o engenheiro Figueiredo Ferraz para definir a solução do vão do MASP, ou mesmo sua parceria respeitosa e profícua com Lelé, personagem destacada para tratar a respeito dessa característica também muito presente nas obras do Brasil Arquitetura, admitindo ser o conhecimento técnico-construtivo um dos pontos fortes de sua atuação. No presente trabalho, a trajetória acadêmica de Francisco Fanucci, desde o início envolvida com disciplinas e docentes ligados à materialidade dos edifícios, foi vinculada às características encontradas na obra de Lelé, por considerar a técnica como 62 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS elemento central e por tratar com bastante rigor todo o detalhamento construtivo em seus projetos. Lelé – João da Gama Filgueiras Lima – formou-se arquiteto em 195539 no Rio de Janeiro e era respeitado por ser considerado um arquiteto completo, pois concebia o edifício desde sua idealização inicial até a conclusão de sua obra. Apropriando-se das palavras de Ana Luiza Nobre, pode-se deduzir a “característica que melhor define o trabalho de Lelé: sua insistência em pensar a arquitetura como processo” (em PORTO, 2010, p. 45). O contato com o trabalho de Lelé instiga todo arquiteto a sonhar, criar e realizar algo útil para a sociedade. Em um país com as dimensões e as carências do Brasil, Lelé nos apresenta as soluções da construção pré-fabricada, seriada, da mais alta tecnologia, aliada à mais sofisticada simplicidade, com as quais poderíamos, em largos passos, alcançar um patamar superior em termos de qualidade e conforto na vida de nossas cidades. (FERRAZ em LATORRACA, 2000) Em entrevista40 concedida a Haroldo Pinheiro (presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo), Lelé descreveu o que considera que seja a função do arquiteto: O arquiteto é um construtor. O arquiteto é esse coordenador. O arquiteto, dentro dessa minha concepção, (...), é esse profissional generalista que vai fazer a integração de muitas informações, vai criar um diálogo entre os vários especialistas, vai saber falar a língua de De acordo com a tese de doutorado defendida em 2010 por Ana Gabriella Lima Guimarães, “A obra de João Filgueiras Lima no Contexto da Cultura Arquitetônica Contemporânea”, o arquiteto que nasceu no Rio de Janeiro em 1932, dois anos após formar-se arquiteto pela Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro deixou sua cidade para colaborar com a construção de Brasília: “(...) Designado pelo IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários) como arquiteto-construtor dos primeiros blocos de apartamentos da superquadra 108 Sul, ele operou de modo decisivo no gerenciamento das obras mediante aplicação de procedimentos racionalizados que viabilizou a conclusão das obras para a nova capital. (...) Em 1962 colaborou com Oscar Niemeyer como secretário executivo do CEPLAN (Centro de Planejamento da Universidade de Brasília), destinado a elaborar e fixar padrões para os edifícios da Universidade conforme as normas urbanísticas de Lucio Costa, além de orientar e conduzir os cursos da recém-criada faculdade de arquitetura. O CEPLAN introduziu um novo ritmo de trabalho em Brasília, baseado nos conceitos de agilidade construtiva e economia de pré-fabricação, preocupação difundida em diversas partes do mundo” (GUIMARÃES, 2010, pp. 01-02). 39 A entrevista foi realizada com exclusividade para o CAU/BR em outubro de 2012. Nessa ocasião também estavam entrevistando Lelé o arquiteto e professor Hugo Segawa, o consultor e coordenador editorial Vicente Wissenbach e a jornalista Ledy Valporto. Para assistir ao vídeo com a entrevista completa, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=G_GvEj1VyFg (parte 01) e https://www.youtube.com/watch?v=zr1pGQu9jRw (parte 02). Acesso em 27 janeiro 2016. 40 63 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS cada um e vai estabelecer essa ação coordenada. É isso que eu acho que é o arquiteto. Ou eu estou enganado? Segundo declaração do arquiteto em entrevista a Marcelo Ferraz e Roberto Pino (em LATORRACA, 2000) o ponto crucial para o desenvolvimento de sua trajetória, nesse caminho ligado às tecnologias construtivas, deu-se devido às grandes dificuldades encontradas e à precariedade enfrentada durante o curto prazo que lhe fora dado para conclusão das obras no período em que era responsável pela execução dos projetos de Oscar Niemeyer em Brasília41, quando as construções deveriam ser edificadas da maneira mais racional e eficiente possível. O sucesso foi alcançado após muita dedicação e estudo do jovem arquiteto que, na época, tinha apenas 25 anos de idade. Segundo texto de Ana Luiza Nobre “João Filgueiras Lima – arquitetura no limite” publicado em “Olhares. Visões sobre a obra de João Filgueiras Lima” (2010) o “próprio Lelé costuma lembrar que não havia sequer água ou eletricidade no canteiro”; ele foi responsável por “projetar e construir, em pouco mais de dois anos, uma pequena cidade para alojar cerca de 2.500 operários dentro do precário canteiro da nova capital” (em PORTO, 2010, pp.37-38). Talvez o clima típico da região da nova capital brasileira tenha despertado o interesse de Lelé, alguns anos mais tarde, quando começou a desenvolver seus estudos de conforto térmico e ventilação natural (em PORTO, 2010, p. 16). Admitindo a complexidade que envolve a obra de Lelé, é possível afirmar que sua arquitetura transmite uma profunda conexão com o contexto socioeconômico no qual se insere, respeitando sempre as condições físicas e temporais de cada lugar (em PORTO, 2010, p. 67) e conforme a conclusão do texto “O mestre-construtor” de Em “O Lelé na UnB (ou o Lelé da UnB)” de Andrey Rosenthal Schlee: “Coube a Lelé atuar diretamente no canteiro da 108, realizando, com muita dificuldade, de tudo um pouco. ‘Fui lá para construir e não para projetar. Tive que desenvolver meus conhecimentos técnicos, pois, naquela época, não havia nem como me comunicar com o Rio. Se não tivesse adquirido certa base técnica e estudado bastante construção não teria conseguido fazer nada’” (em PORTO, 2010, p. 150). 41 64 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Yopanan Rebello e Maria D’Azevedo (em PORTO, 2010, p. 71), todas essas peculiaridades tornam-no um modelo a ser estudado: A obra de Lelé é, assim, um repertório vivo por apropriar sem reservas como objeto de estudo nas escolas de arquitetura e urbanismo do Brasil – e também no exterior – servindo como fonte de investigação sobre a atuação do arquiteto, no campo da produção industrial da atualidade, aos moldes do que o foram no passado Nervi e os grandes mestres da Bauhaus. Segundo Hugo Segawa e Ana Gabriella Lima Guimarães “a relação entre arquitetura e tecnologia é parte de suas preocupações, mas não é a essência do problema. A inovação técnica é um recurso de superação de desafios arcaicos (...)” (em PORTO, 2010, p. 98. O grifo é nosso.) tão presentes na construção civil contemporânea desde sempre. Desse modo, define-se como parâmetro a ser investigado na obra do Brasil Arquitetura, como influência essencial vinda do contato próximo que os arquitetos tiveram com Lelé, o “apuro técnico” (FERRAZ in LATORRACA, 2000, p. 9), ou seja, o “rigor técnico” (em FERRAZ, 2011). De acordo com a visão de Martin Heidegger apresentada em seu texto: “Habitar, construir, pensar”, no qual Heidegger afirma que “(...) a essência do construir é deixar habitar (...)” e também que “(...) a construção realiza sua essência ao edificar lugares por meio da reunião de seus espaços (...), e completa afiançando que “(...) Somente se formos capazes de habitar poderemos construir”, Baseando-se nessas afirmativas, Marcelo Ferraz, em seu texto “Ação Arquitetônica”, certifica que “pensar arquitetura a partir da compreensão fenomenológica e como fato cultural” (FERRAZ, 2011, p.30) é uma ferramenta muito importante para a ação arquitetônica do Brasil Arquitetura. E, ao mesmo tempo, Francisco Fanucci reafirma esse ponto na publicação dedicada à obra da dupla editada pela Cosac Naify, quando interpreta o mesmo texto de Heidegger: 65 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Ele [Heidegger] diz que no alemão antigo a origem da palavra “habitar” é a mesma de “construir” e que indo mais para trás, nos primórdios da língua e da comunicação humana, “construir” é a mesma coisa que “ser”. Habitar é um aprendizado permanente da humanidade, e o arquiteto, de certa maneira, é um ajudante nessa tarefa. A primeira noção de abrigo que o homem teve foi pegar uma pele de animal e se proteger individualmente do frio, da intempérie. Quando ele pegou a pele ou qualquer outro material e abrigou mais de uma pessoa, começou a fazer arquitetura. E nunca vai parar de fazer. Esse é talvez o sentido essencial da arquitetura (CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 178). Foi em 1986, ano em que colaborou com Lina Bo Bardi 42 nos projetos de recuperação da Ladeira da Misericórdia e da Casa do Benin, em Salvador, que Lelé, conheceu os jovens aprendizes de Lina, dentre eles, Marcelo Ferraz 43. Nessa ocasião, o arquiteto ficou encarregado de executar a concepção linabobardiana. Sobre a colaboração do arquiteto carioca, Marcelo Ferraz qualificou em entrevista para a autora desta pesquisa que a experiência foi extraordinária, e lamentou o fato dessa parceria ter sido pouco conhecida. O arquiteto conta que na ocasião as construções (especialmente do século XIX) estavam entrando em ruínas. As paredes espessas estavam ocas e os assoalhos começando a desmoronar e descreve a solução encontrada por Lelé: Segundo texto “Herói desconhecido” de autoria de André Aranha Corrêa do Lago publicado em “Olhares. Visões sobre a obra de João Filgueiras Lima”, organizado por Cláudia Estrela Porto e editado pela Editora UnB em 2010, apesar de tantos grandes nomes da arquitetura paulista, como Paulo Mendes da Rocha e Joaquim Guedes, ambos discípulos de Vilanova Artigas, “A grande figura de São Paulo que marcou Lelé, contudo, é Lina Bo Bardi, com quem desenvolveu um projeto no Pelourinho, em Salvador, nos anos 1970/1980. A arquiteta, nascida e formada na Itália, que imigrou para o Brasil Após a Segunda Guerra com seu marido, o influente crítico e também arquiteto Pietro Maria Bardi (...)” (em PORTO, 2010, p. 28). Neste mesmo artigo, André Aranha Corrêa do Lago afirma que “Lelé descobre Lina Bo Bardi a importância de absorver outras influências do que a da primeira geração de arquitetos modernistas brasileiros. Graças a ela, conhece a obra do engenheiro-arquiteto italiano Pier Luigi Nervi e também as possibilidades de utilização da arquitetura contemporânea na restauração respeitosa, porém ousada, de bairros históricos” (em PORTO, 2010, pp.32-33). 42 De acordo com os arquitetos em entrevista para a autora deste estudo em 30 de novembro de 2015, na ocasião o outro jovem arquiteto que colaborava com Lina Bo Bardi era Marcelo Suzuki, que foi sócio do Brasil Arquitetura por muitos anos. Francisco Fanucci, apesar de não ter trabalhado diretamente no projeto da Ladeira e da Casa de Benin, sempre acompanhou as discussões propostas por Lina diretamente da sede escritório do Brasil Arquitetura em São Paulo, podendo-se concluir que as discussões com Lelé também eram motivo de debates entre os jovens arquitetos. 43 66 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS (...) o Lelé desenvolveu umas peças que eram umas caixas de concreto que viriam a funcionar como lajes. As caixas ficavam afastadas umas das outras, justamente para se concretar as “viguinhas” diretamente no tabuleiro. Essas vigas apoiavam nas paredes grossas, e ao mesmo tempo em que elas se apoiavam nessas paredes por compressão, elas travavam as paredes. Todas as paredes de divisão das casas e dos quartos tal, eram todas pré-moldadas de concreto, parafusadas, encaixadas umas nas outras fazendo um zig-zag. Era uma coisa genial! Quatorze anos mais tarde, Marcelo Ferraz, como coordenador editorial do livro João Filgueiras Lima, Lelé (2000), produzido pelo Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, descreveu o que ele acredita que possa representar uma experiência de qualquer arquiteto com uma figura como Lelé: (Lelé) Talvez seja, na atualidade, o arquiteto que mais longe levou as propostas do Movimento Moderno de fazer uma arquitetura que possa mudar o mundo para melhor. (FERRAZ, em LATORRACA, 2000) Cinco anos após a declaração escrita por Marcelo Ferraz no livro dedicado à sua obra, Lelé foi convidado para assumir a autoria de uma das duas apresentações da publicação sobre a produção do Brasil Arquitetura (CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005). Nessa ocasião manifestou sua admiração por seus trabalhos construídos dizendo que dezenove anos após seu primeiro contato, “(...) fico feliz ao examinar o conjunto magnífico de obras do Brasil Arquitetura que (...) tem uma expressão atual e brasileira, pois, interpreta com clareza o conceito cultural e socioeconômico do país (...)” (Lelé em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 9). Nessa ocasião, Lelé insere a obra do Brasil Arquitetura dentro da corrente regionalista: (...) Se é regionalista, não é porque se fecha a influências externas, mas simplesmente porque as absorve, as digere e as transforma segundo uma visão que respeita nossa memória (...). (Lelé em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p.9. O grifo é nosso). É importante definir o conceito do regionalismo, que originalmente foi proposto por Kenneth Frampton em seu ensaio “Prospects for a Critical Regionalism”, publicado em “Perspecta: The Architectural Journal” (1983, pp. 147-162). De acordo com Frampton, trata-se de uma vertente arquitetônica que faz a síntese entre “natureza e 67 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS tecnologia”44 em oposição ao Estilo Internacional. Essa corrente, diz respeito à construção da identidade e da fenomenologia do lugar; o arquiteto que a segue “é capaz de condensar o potencial artístico da região [em que atua] e, ao mesmo tempo, de reinterpretar as influências culturais vindas de fora” (Em NESBITT, 2006, p.504). Para o crítico, é fundamental à arquitetura regionalista “o aproveitamento das habilidades artesanais e materiais locais, além de uma receptividade à luz e ao clima da região. (...) Frampton critica, por exemplo, a ubiquidade do ar-condicionado, responsável pela exportação de um modelo convencional de arquitetura para todo o planeta.” (Em NESBITT, 2006, p.503). Mais uma vez, essa aproximação vai ao encontro do pensamento de Lelé na mesma entrevista45 mencionada acima. Nessa ocasião, afirmou que um projeto sustentável é aquele que pensa na insolação antes de cogitar a instalação de um equipamento como ar-condicionado, que alcança as condições de conforto ambiental à custa de maior consumo energético e, por conseguinte, maiores gastos de energia não renovável. Afinal, sustentabilidade é um termo vago. Para Lelé, “(...) sustentabilidade em arquitetura é um bom projeto (...)”. Dessa maneira, o regionalismo também propõe um projeto racional, funcional e que deve levar em conta a escolha de técnicas e materiais construtivos ideais a cada situação. Podese dizer, assim, que o regionalismo é uma das formas encontradas por Lelé para manifestar seu apuro técnico. Reconhecer na produção do Brasil Arquitetura essa mesma característica é uma constatação de que compartilha essa mesma preocupação. “Distinção estabelecida por Paul Ricoeur entre cultura (um fenômeno local e particular) e civilização universal dominante, como uma oposição entre natureza e tecnologia. O regionalismo crítico busca fazer uma crítica arquitetônica de ambos os conceitos.” (NESBITT, 2006, p.504). 44 Realizada com exclusividade para o CAU/BR em outubro de 2012 por Haroldo Ribeiro (presidente do CAU), Hugo Segawa, Vicente Wissenbach e a Ledy Valporto. Vídeos disponíveis em: https://www.youtube.com/watch?v=G_GvEj1VyFg (parte 01) e https://www.youtube.com/watch?v=zr1pGQu9jRw (parte 02). Acesso em 27 janeiro 2016. 45 68 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS De acordo com Nesbitt (2006, p. 503), Frampton propõe “como alternativa uma arquitetura autêntica baseada em dois aspectos essenciais da disciplina: a consciência do lugar e a tectônica, a intenção é reconstruir as bases da arquitetura sem prescrever uma estratégia exclusiva”. Essa será a chave do estudo que pretende investigar a influência de Lelé na obra do Brasil Arquitetura, encontrar coerência e adequação entre os dois condicionantes: o lugar, a partir de suas características específicas físicas e ambientais; e os elementos culturais compostos pelos recursos naturais com auxílio da tecnologia disponível. A epígrafe de Paul Ricoeur46, presente no ensaio de Frampton (1983) considera medíocre a “cultura de consumo básica”, aponta também que essa é a maior dificuldade enfrentada pelos “países que emergem do subdesenvolvimento” 47. Partindo-se do pressuposto de que uma “cultura de consumo básica” massifica o pensamento de uma nação, o que, por consequência, reforça o estereótipo de sua cultura, entende-se que a arquitetura como expressão da linguagem compatibilizada com a consciência política de um povo, tem a função social de reverter essa estandardização, primando pela identidade cultural desse povo. O termo regionalismo crítico não pretende denotar o vernacular como algo produzido espontaneamente pela ação conjunta do clima, da cultura, do mito e do artesanato, mas, ao contrário, identificar as “escolas” regionais recentes cujo objetivo é representar e atender, em um sentido crítico, as populações específicas em que se inserem. Um tal regionalismo depende, por definição, de uma associação entre a consciência política de uma sociedade e a profissão de arquiteto. 48 Paul Ricoeur é autor da tese de que “uma ‘cultura mundial’ híbrida somente se tornará uma realidade por meios da fertilização recíproca entre uma cultura de raízes locais, por um lado, e uma ‘civilização universal’, por outro”. NESBITT (2006, p. 505). 46 Termos sublinhados como aparecem na tradução de NESBITT (2006). No escrito de Paul Ricoeur (“Universal Civilization and National Cultures”, History and Truth. Evanston, Illinois: Northwestern University Press, 1961, pp. 276-283, publicado em KRAMPTON, Kenneth. Prospects for a Critical Regionalism. Em Perspecta, vol. 20, 1983, pp. 147-162) são usados os termos em inglês: “elementar culture”, “basic consumer culture”’ e “nations just rising from underdevelopment”. 47 Originalmente em FRAMPTON (1983, p. 148). Para o presente estudo foi utilizada a tradução de NESBITT (2006, p. 505). 48 69 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS No texto de Frampton (1983) estão enumerados alguns arquitetos atuantes no período que se preocupam em projetar de acordo com o “espírito do lugar”. Suas obras expressam “a vontade de pertencer a um ambiente” (ZEIN, 2001, p. 75). Dentre os nomes da lista estão Alvar Aalto, Louis Kahn, Álvaro Siza, Luís Barragán, Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Richard Neutra, Rudolph Schindler, Vittorio Gregotti, Jorn Utzon, Mario Botta, Sverre Fehn, Carlos Scarpa e Tadao Ando. Para dar expressão arquitetônica a esse regionalismo é necessário que haja construções – de preferência muitas construções– em uma mesma época. Somente assim, a expressão pode ser suficientemente geral, variada e poderosa para ser capaz de capturar a imaginação das pessoas e proporcionar um clima amistoso durante um tempo suficientemente longo para que uma nova escola de arquitetura se desenvolva. 49 Assim, pode-se entender que o trabalho do Brasil Arquitetura não se limita à uma repetição de protótipos como acontecia nos primórdios da arquitetura moderna brasileira, muito influenciada, a principio pelo modelo proposto pelo Estilo Internacional do qual se destacam o uso de pilotis, brises, cores puras, concreto armado, aço e vidro, por exemplo; e também em nada se parece com o que acontece atualmente nos grandes conjuntos habitacionais de alto padrão que buscam inspiração no estilo neoclássico, como demonstração de status social elevado e que se distribuem pelas cidades brasileiras como carimbos que se multiplicam quase que naturalmente; mas, pelo contrário, é um manifesto que se apresenta como o oposto de todos esses conceitos. A obra do Brasil Arquitetura leva em conta o usuário, o entorno e as questões que os envolvem, por isso é possível descrevê-la como uma arquitetura que considera a cultura. A arquitetura como produção cultural é um fenômeno complexo porque absorve os contextos físicos e sociais, concebendo espaços que devem levar em conta as especificidades para cada lugar. Lelé acredita que cada projeto requer uma representação 49 Idem. 70 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS gráfica e uma especificação técnica exclusiva para atender a todas as suas necessidades e não entende essa preocupação como um diferencial do seu modo de trabalho. Para ele, o detalhamento é a única maneira de assegurar a “racionalidade construtiva” e a “resolução do problema” (GUIMARÃES, 2010, p.72): A arquitetura continua sendo uma forma de integrar tecnologias, mas é preciso que os sistemas construtivos sejam bem integrados. Você não está produzindo uma grande arquitetura se você tem uma soma de tecnologias altamente sofisticadas não integradas. Eu acho que a nossa tecnologia tupiniquim, (...) propõe uma integração de técnicas que estão ao nosso dispor para serem usadas corretamente. (...) Tudo tem que ser dimensionado com precisão para efeito de ajuste das peças, pois as estruturas metálicas, a rigor, aceitam espaçamentos na ordem de dois a três milímetros. Se você não especifica isso bem no projeto vai dar com os burros n’água, pois nada vai encaixar. (Em GUIMARÃES, 2010, p. 72)50 Segundo consta na dissertação de mestrado de André Marques (2012), “A obra do arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé: projeto, técnica e racionalização”, no decorrer de sua vida profissional, Lelé foi responsável por coordenar algumas unidades de produção de componentes arquitetônicos: RENURB (Companhia de Renovação Urbana de Salvador); Fábrica de Escolas em Abadiânia (GO) e no Rio de Janeiro (RJ); Fábrica de Equipamentos Urbanos no Rio de Janeiro e em Brasília; FAEC (Fábrica de Equipamentos Comunitários) em Salvador e em Ribeirão Preto; CIAC (Centro Integrado de Apoio à Criança), em diversos estados do país; CTRS (Centro de Tecnologia da Rede Sarah), em Salvador; e IBH (Instituto Brasileiro do Habitat) também na capital baiana. (MARQUES, 2012, p. 58). O fato de tantos governos em regiões e períodos distintos confiarem na competência profissional de João Filgueiras Lima como coordenador de projetos de tal notabilidade como os citados acima apenas reforça a autoridade que o arquiteto-construtor possuía em coerência com sua exatidão construtiva, sua capacidade de lidar com as adversidades O trecho apresentado está na página número 72 na tese de doutorado de Ana Gabriella Lima Guimarães (2010), e segundo a autora é proveniente de entrevista realizada pela autora com o arquiteto Lelé em 24 de outubro de 2007, em Salvador. 50 71 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS encontradas durante a obra, como a limitação técnica dos profissionais da construção civil do país, e também sua habilidade em arquitetar sistemas relativamente simples e econômicos, aliados aos recursos locais disponíveis. Apesar de tratar melhor a respeito desse assunto em artigo que será desenvolvido posteriormente, é conveniente vincular o pleno funcionamento da Marcenaria Baraúna à importância que Lelé dava ao detalhamento do projeto. O arquiteto carioca não apenas se preocupava em desenhar todos os pormenores e equipamentos dos edifícios como também trabalhava com o design de ventiladores, móveis e luminárias, por exemplo, (em PORTO, 2010, p. 19), e também planejava o transporte de cada peça 51 que eram pensadas e produzidas exclusivamente para cada edifício, atitude que auxiliava muito à agilidade e eficiência da execução obra. Da mesma forma, as peças e os móveis executados em madeira são sempre adequadas ao layout da construção contemporânea, às suas atuais necessidades e dimensões. Na visão de Lelé, o ato de projetar não constitui um processo de criação individual e puramente intuitivo, o qual possa manter-se desarticulado com os vários níveis de conhecimento e competência técnica demandada à exequibilidade do objeto arquitetônico. Nesse sentido, a arquitetura enquanto linguagem e profissão prática exige que o arquiteto, autor e detalhista do projeto, tenha uma compreensão geral do processo, estando apto a conceber e controlar todos os detalhes da construção e a construção de todos os detalhes. (GUIMARÃES, 2010, p.67) Além de cuidar para que os materiais, as técnicas e os sistemas empregados sejam os mais apropriados possíveis, sua arquitetura consiste em uma síntese entre “função” e “forma” determinando a resposta mais coerente para solucionar as necessidades do programa solicitado. Lelé preocupava-se em produzir peças estruturais que tivessem o peso ideal para serem carregadas pelos funcionários; e também pensava em toda logística do transporte das peças para que a obra gerasse a menor quantidade possível de resíduos: “As peças pré-fabricadas pesavam menos de 100 quilos, e poderiam ser transportadas por apenas dois operáios”. Em artigo de Hugo Segawa e Ana Gabriella Lima Guimarães op. cit, página 90. 51 72 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS A arquitetura de Lelé nasce a partir de bases conceituais que permitem à forma incorporar a funcionalidade sem dobrar-se a ela. A estreita vinculação do repertório formal com o conteúdo programático e, ao mesmo tempo, a necessidade de transcendê-lo, faz com que suas obras mantenham uma qualidade objetual intacta ainda quando o programa é reformulado. Na visão de alguns arquitetos contemporâneos, a tríade – ‘programa, tecnologia e forma’ – constitui aspectos que se articulam mutualmente ao longo do processo projetual. O repertório de estruturas formais não se manifesta deliberadamente por uma questão de gosto pessoal do arquiteto, mas como a síntese daquilo que, a partir do emprego de uma tecnologia apropriada (materiais, técnicas, sistemas e meios de produção) e do conceito de programa aberto (flexível quanto às possibilidades de uso), seja capaz de definir os limites físicos da construção, o caráter representativo funcional do objeto arquitetônico, a organização espacial e uma composição tectônica coerente no que se refere ao pontencial poético e a racionalidade técno-construtiva da arquitetura. (GUIMARÃES, 2010, p.43) É importante esclarecer que não se considera como “apuro técnico”, nos projetos estudados no próximo capítulo, apenas a lógica estrutural dos projetos, apesar de ser importante requisito nesta análise. Como dito anteriormente, em concordância com a compreensão de Lelé, uma boa arquitetura é aquela que considera desde sua concepção parâmetros como o aproveitamento correto da iluminação e ventilação naturais, e é também aquela que preza pela escolha do material mais adequado para determinada solução. Por ser um indivíduo tão complexo e simples ao mesmo tempo, e, obviamente por ter deixado como herança à arquitetura brasileira uma obra tão excepcional, Lelé conquistou até mesmo a admiração do mestre Lucio Costa que em 1994 declarou: “O Lelé é o arquiteto que eu gostaria de ter sido” (PORTO, 2010, p. 10). Marcelo Ferraz relatou em sua publicação (2011) que na época da FAU tinham “Lucio Costa à distância: o arquiteto do plano piloto de Brasília e alguém que militou no patrimônio histórico, mas sem uma presença forte” (FERRAZ, 2011, p. 40), provavelmente essa lacuna deve-se às discrepâncias entre a Escola Paulista e a Escola 73 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Carioca52. Enfatiza a ausência do estudo da obra de Lucio Costa durante a graduação: (...) no tempo da FAU tínhamos Lucio Costa à distância: o arquiteto do plano piloto de Brasília e alguém que militou no patrimônio histórico, mas sem uma presença forte. Eu me lembro de quando o livro dele – Sobre arquitetura – foi lançado na FAU. Foi uma disputa para tê-lo. Se por um lado tínhamos essa vontade de conhecê-lo, os professores não davam a devida importância. Então, de certa maneira, caia no vazio. (...) Eu acho que faltou Lucio Costa e foi justamente nos anos de nossa formação. Faltou muito Lucio Costa (...). (FERRAZ, 2011, p. 40-42. O grifo é nosso). Para a dupla Fanucci-Ferraz, de acordo com depoimento de Marcelo Ferraz (2011) Lucio foi apresentado aos jovens arquitetos por Lina Bo Bardi, e, de acordo com seu depoimento: (...) Começamos então a descobrir Lucio Costa na prática do projeto, quando tivemos que olhar o país. Lina fez isso, foi muito forte para nos alertar sobre Lucio Costa. Ela tinha um enorme respeito por ele. Achava ele um dos pilares, figura central, não só pela teoria arquitetônica, mas da própria arquitetura brasileira. Aquele que olhou para o passado e para o futuro simultaneamente. (FERRAZ, 2011, p. 41. O grifo é nosso). Marcelo Ferraz dá indicações precisas de como se configura esse aprendizado: “Lina nos ajudou a redescobrir o Brasil e nos religou aos pioneiros como Lucio Costa, Alcides da Rocha Miranda e outros da vanguarda brasileira” (FERRAZ, 2011, p. 30). Assim, a característica do arquiteto e urbanista em contemplar ao mesmo tempo a tradição e a vanguarda da arquitetura brasileira será um dos pontos a averiguar na narrativa estabelecida a partir da análise dos três estudos de caso no capítulo a seguir. No que se refere ao enfoque ligado à relação entre passado e presente, considera-se fundamental recorrer ao conceito de “intervenção arquitetônica” do crítico catalão, Ignasi de SolàMorales (2006), que será retomado mais adiante, ainda neste capítulo, ao construir uma narrativa que aborda o vínculo entre o projeto contemporâneo e a preexistência de interesse histórico e arquitetônico nas intervenções dessa natureza realizadas pelo Brasil Arquitetura. Destaca-se que nessa produção, os autores do 52 Ver nota de rodapé número 14. 74 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS projeto procuram continuamente identificar, preservar e valorizar importantes símbolos da cultura, da arquitetura e da história do lugar, seja na intervenção em um edifício preexistente ou na inserção de um equipamento em uma estrutura já estabelecida. O primeiro projeto relacionado à intervenção em preexistência data de 1995, trata-se do Teatro Polytheama53 em Jundiaí, interior do Estado de São Paulo. Tudo começou em 1986, com uma equipe composta pelos arquitetos André Vainer e Marcelo Ferraz, coordenada pela arquiteta Lina Bo Bardi. A ocasião representou para Ferraz a primeira grande oportunidade de conhecer os princípios inscritos na Carta de Veneza 54. De lá para cá, projetos com esse viés continuam como parte importante do trabalho do Brasil Arquitetura. Ao definir sua “ação estratégica na área do patrimônio”, Marcelo Ferraz usa o termo “memória do futuro” (FERRAZ, 2011 p. 158), referindo-se ao critério usado pelo escritório quando propõe intervenções em preexistências, especialmente quando precisam eleger o que deve ser poupado e o que deve ser esquecido. Para eles essa ação determina que as referências da arquitetura do passado devem ser preservadas quando forem registros relevantes de um período determinado ou de um “fato humano” 55 (FERRAZ, 2011, p. 158); ou também quando puderem servir de modelo (ou inspiração) para as gerações seguintes. Segundo palavras de Marcelo Ferraz, o único passado que os interessa é o O edifício foi vencedor do Prêmio “Rino Levi” de Arquitetura, Prêmio Categoria “Obra Construída” pelo IAB/SP em 1996. Também do Grande Prêmio de Reabilitação na 11ª Bienal Internacional de Arquitetura de Quito, em 1998. E finalista na 1ª Bienal IberoAmericana de Madrid, no mesmo ano. 53 Avalia-se que os princípios indicados por Marcelo Ferraz estejam presentes no Artigo 5º da Carta de Veneza (1964), no qual se afirma que “A conservação dos monumentos é sempre favorecida pela sua adaptação a uma função útil à sociedade”; no Artigo 7º em que se sustenta que “O monumento é inseparável da história de que é testemunho e do meio em que se situa”; também no Artigo 13º no qual se esclarece que “Os acréscimos só poderão ser tolerados na medida em que respeitarem todas as partes interessantes do edifício, seu esquema tradicional, o equilíbrio da sua composição e as suas relações com o meio ambiente”. Fonte: http://portal.iphan.gov.br. Acesso 24 setembro 2015. 54 Entende-se como “fato humano” a preocupação com a cultura de um povo específico: o olhar antropológico, que expressa o sentido de “pertencimento” por parte da sociedade. Marcelo Ferraz acredita que “o arquiteto deve ter a capacidade de entender uma situação não só física, mas socioeconômica de um espaço, de um bairro ou de uma comunidade. Deve conversar com as pessoas e tirar daí a sua resposta, o projeto.” (FERRAZ, 2011, p. 163). 55 75 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS “vivo” e enquanto este “servir de alimento” para o processo de criação do escritório (FERRAZ, 2011, pp. 158-159). De acordo com essa perspectiva, a função da preservação de patrimônio histórico é educar; ajudar a compreender a complexidade das cidades; dar referência do melhor da produção da Arquitetura Brasileira. Assim, a ação do arquiteto deve sempre levar em conta a cidade, que pressupõe uma noção complexa de patrimônio em constante mutação: “(...) não é preciso destruir a cidade velha e construir uma nova: elas andam paralelamente (...)” (FERRAZ, 2001, p. 162), mas é preciso sim, reconhecer aquilo que se seleciona como memória viva, em contraposição ao que se relega ao esquecimento. Trata-se sempre de uma avaliação crítica, que expõe necessariamente critérios e justificativas nas quais que se baseiam. Do mesmo modo que se estabelece como premissa um equilíbrio entre a permanência e a transformação, desaprova-se a reconstrução, especialmente de ruínas, por não estabelecer diferença entre o material original e os elementos novos de recomposição. O fato de reiterar Bo Bardi e Costa como referências fundamentais, não impede que Ferraz reflita acerca da diferença essencial entre as duas contribuições: Lucio Costa olhava muito mais para o passado glorioso, o passado colonial, das grandes fazendas, da arquitetura religiosa, aquela coisa mais oficial, enquanto Lina ousava olhar também para as pequenas coisas, a arquitetura vernacular, a arquitetura popular. (FERRAZ, 2011, p. 41). Lucio Costa participou da criação o SPHAN56 – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1937. Sua presença foi determinante para a análise e tombamento do patrimônio arquitetônico brasileiro, a definição de critérios e normas de Que anos mais tarde recebeu a nomeação pela de IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a qual perdura até hoje. 56 76 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS classificação e também os parâmetros de intervenção em centros históricos (FERRAZ, 2011, p. 44). A esse propósito, os critérios de intervenção em São Miguel são assim expostos por Lúcio Costa: “Com efeito, não se pode pensar em reconstruir São Miguel ou mesmo recompor qualquer de suas partes; os trabalhos deverão limitar-se, tão somente, a consolidar e conservar” (CARRILHO, 2006). À proposição do museu, antecede um cuidadoso levantamento das estruturas remanescentes. Marcelo Ferraz, em 2003, seguiu um rumo parecido quando assumiu o cargo de Coordenador Geral do Programa Monumenta 57 (Programa de Preservação do Patrimônio Histórico Urbano), onde permaneceu até 2004. Sua fala a seguir, aproxima o seu pensamento ao de Lucio Costa no que diz respeito à conveniência de se articular a fundamentação teórica à prática de projeto, ou seja, de se entender os princípios como dispositivos de controle do processo projetual: Mas mesmo lá [no Ministério], eu me sentia de certa maneira incomodado com o distanciamento de projeto. (...). Eu achava que as questões de patrimônio não deveriam ser tratadas somente com normas, decretos ou diretrizes, seja lá o que for. A prática projetual e a busca de qualidade no projeto são fundamentais. (WISNIK, 2001) Yves Bruand, em seu texto “Lucio Costa: o homem e a obra” (em NOBRE, 2004, p. 14), diz que Costa, apesar de ter iniciado sua prática profissional durante o movimento neocolonial brasileiro, foi extremamente eficaz em contornar este caminho e começar a trilhar em direção ao movimento moderno, especialmente pelos novos materiais de construção que passou a empregar junto aos materiais tradicionais da arquitetura colonial brasileira como a madeira, a pedra e a telha canal, por exemplo. Ainda de acordo com Bruand, mesmo quando se apropriava de um “vocabulário decorativo emprestado ao passado, [como aconteceu em alguns de seus projetos para casas], eram, sob muitos aspectos, 57Informação extraída da sessão “Cultura” do site do Jornal “O Estado de São Paulo”, http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,arquiteto-assume-programamonumenta,20030110p3185. Acessado em 14 novembro 2014. 77 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS inovadoras quanto à articulação da planta e ao tratamento das massas”. (BRUAND em NOBRE, 2004, p. 14) De acordo com o também crítico e arquiteto catalão Josep Maria Montaner, a obra de Dr. Lucio58 é célebre pela síntese entre modernidade e tradição dos elementos constituintes da cultura brasileira: “foi um dos primeiros em reclamar esse valor central da expressão arquitetônica; uma expressão que deve surgir do próprio vigor geométrico e tecnológico da arquitetura moderna” (MONTANER, 2001, p. 92). Mais de uma década depois, Montaner volta a enfatizar essa importância no pioneirismo de Lucio Costa, afirmando que ele foi autor de diversos textos “sempre polêmicos e heterodoxos”, que orientam o modo de fazer moderno a partir da nova tecnologia e das novas formas, mas levando em consideração a arquitetura brasileira da época colonial e da “reinterpretação de conceitos básicos da cultura beaux-arts, como o de ‘caráter’” (MONTANER, 2014, pp. 55-56). Assim, a capacidade “olhar para passado e para o futuro simultaneamente” (FERRAZ, 2011, p. 26), destacada não se trata de um paradoxo, mas sim uma acuidade peculiar do exercício crítico e profissional de Lucio Costa. Marcelo Ferraz, municiado pelas estratégias adotadas por Lina Bo Bardi e Lucio Costa, indica que as soluções propostas devem estar vinculadas a determinadas motivações: (...) Cada caso é um caso que tem que ser analisado... O que derrubar? Derrubar metade? Conservar a outra? Enfim, quais as escolhas que você está fazendo. Na arquitetura o tempo todo você está fazendo escolhas. Cada vez que a gente faz uma escolha uma nova realidade é colocada. A arquitetura é uma coisa absolutamente dinâmica e que pode alterar completamente a realidade. Por isso essa dificuldade de se formar critérios e parâmetros rígidos. Porque os parâmetros são móveis, são relativos (FERRAZ, 2011, p. 162). Lucio Costa é comumente chamado de Dr. Lucio em diversos artigos sobre sua obra. Acredita-se que começou a ser chamado assim respeitosamente, mas que, com o passar do tempo o respeito transformou-se em carinho e gratidão pelo legado deixado à arquitetura brasileira. No texto de apresentação da publicação “Lucio Costa: um modo de ser moderno”, por exemplo: “Para além da esfera estritamente acadêmica, acolhemos valiosos depoimentos de companheiros de geração que partilharam da convivência com ‘Dr. Lucio’, como lhe chamavam os mais próximos” (NOBRE, 2004, p. 8) 58 78 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Quando declarou: “O novo era o velho, e só faltava desnudá-lo.” (FERRAZ, 2011, p. 25), é provável que, Marcelo Ferraz tenha se referido, à necessidade de se examinar os elementos estruturantes da arquitetura ao analisar o que deve ser mantido e preservado, isto é, ao se eliminar os excessos, os arquitetos devem ser capazes de identificar e manter apenas os elementos que realmente têm valor arquitetônico, histórico e cultural. Essa compreensão aproxima-se à de Solà-Morales segundo a qual é inadequado se pretender instituir um código de regras gerais que possa ser replicado e utilizado em quaisquer projetos. Uma das primeiras questões levantadas por Solá-Morales referese à relação existente entre a nova proposta e a arquitetura preexistente. Segundo o crítico ela é “um fenômeno que muda de acordo com os valores culturais atribuídos tanto ao significado da arquitetura histórica como às intenções da nova intervenção” (SOLÀ-MORALES, in NESBITT, 2006, p. 33). Desse modo, esclarece que todo projeto de intervenção não apenas estabelece uma aproximação formal (e espacial) entre o novo objeto e o contexto existente, mas, especialmente, elabora uma interpretação do material histórico sobre o qual incide. É nessa perspectiva que o autor assinala o equívoco de se pretender estabelecer uma doutrina permanente, ou mesmo uma definição científica para a “intervenção arquitetônica”. Essas colocações vêm de encontro com a própria compreensão do fazer arquitetônico como um campo disciplinar cujos princípios e regras correspondem necessariamente a hipóteses de validade relativa, uma vez que são formuladas a partir de uma situação específica, e muito dependem das variantes e especificidades do lugar, do programa e dos usuários. Ao analisar as diferentes posturas que se apresentam no transcorrer do tempo, Solà-Morales comenta que nas décadas de 1920 e 30 prevalecia uma tendência a se estabelecer uma relação de contraste entre o “velho” e o “novo”. Para exemplificar 79 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS essa conduta, menciona projetos urbanos das décadas de 1920, como o de Mies van der Rohe para a Alexaderplatz (1921), ou o Plan Voisin de Le Corbusier (1925), que se valem das técnicas de fotomontagem para acentuar os contrastes entre a antiga e a nova arquitetura. De acordo com o autor, essa relação de contraste vem sido defendida desde a primeira Carta de Atenas (1931), cuja diretriz afirma a necessidade de projetar novas edificações com simplicidade tanto geométrica quanto tecnológica, com a diferenciação dos novos materiais. Dois anos mais tarde, a Carta de Atenas elaborada no âmbito do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) reafirma a “impossibilidade de aceitar o pastiche histórico e busca apoio no Zeitgeist 59 para justificar a sua exigência de que as novas intervenções em áreas históricas utilizassem a linguagem da arquitetura do momento” (SOLÀ– MORALES, in NESBITT, 2006, p. 258). O autor enfatiza, entretanto, que atualmente esse contraste entre “antigo” e “novo”, antes proposto como princípio estético dominante em sintonia com a afirmação do Movimento Moderno, apresenta-se hoje a partir de uma nova e mais complexa relação entre a arquitetura contemporânea e a do passado, que se exprime pela aproximação analógica entre ambas. Assinala que essa nova postura, difunde-se a partir dos anos 1960, em concomitância com a revisão crítica do racionalismo modernista, com base na aplicação de conceitos tipológicos e no compromisso de se elaborar o projeto contemporâneo alinhado com a releitura das leis internas de organização do espaço e em diálogo com o contexto existente. Zeitgeist é um conceito introduzido em meados do século XVII. “O termo alemão para ‘espírito (Geist) do tempo (Zeit)’ refere-se ao clima moral, cultural e intelectual característico de uma determinada era. Configura, deste modo, o ethos de um grupo social e de suas futuras gerações, as quais compartilham uma mesma visão de mundo. Essa perspectiva coloca ênfase sobre o pensamento predominante em um momento específico da história”. Em: “Dialogando com noções de modernidade e pósmodernidade: o design e o espírito do tempo”, artigo escrito por Patrícia Amorim para a Universidade Federal de Pernambuco. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/r0297-1.pdf. Acesso em 04 fevereiro 2016. 59 80 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS A partir da compreensão do crítico catalão e das narrativas referentes às afinidades estabelecidas no âmbito da cultura arquitetônica nacional, propõe-se discorrer, sobretudo, nos três projetos eleitos como estudo de caso, adotando-o com chave de leitura fundamental, buscando avaliar as categorias indicadas pelo autor: “contraste” e “analogia” entre a solução proposta e o legado do passado com que se confronta. Dessa forma serão apresentadas as características principais analisadas nos três objetos de estudo no próximo capítulo. Mesmo sabendo que não será possível tratar com a mesma atenção as demais referências arquitetônicas identificadas nos projetos arquitetônicos do Brasil Arquitetura, acredita-se que seja pertinente mencioná-las. No decorrer das páginas de “Arquitetura Conversável” (2011) e em entrevista à autora desta pesquisa, Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci indicam outros importantes nomes – ainda não citados – que influenciaram a construção da identidade do escritório. O breve panorama que será apresentado representa apenas um esboço da complexidade presente na obra do Brasil Arquitetura. Para fazer jus a ela, será necessário desenvolver artigos paralelos cada um sobre um dos nomes que serão tratados a seguir. Após quase quatro décadas de atividades, o Brasil Arquitetura reconhece obviamente a importância dos modernos da FAU como Vilanova Artigas, Le Corbusier e Mies van der Rohe, especialmente nos primeiros anos do escritório, além do finlandês Alvar Aalto, evidenciado por Joaquim Guedes 60 durante o curso de graduação, mas especialmente através da experiência que Francisco Fanucci teve durante o período em que trabalhou em seu escritório no seu primeiro ano de formado. Conforme relata o artigo de Gilberto Belleza (2008) formou-se arquiteto pela FAU USP em 1954 e no início de sua carreia era possível identificar influência das linhas de Artigas e de Le Corbusier. No entanto o projeto para o Instituto de Matemática da USP (1963) é um marco de sua transição para uma nova fase de sua carreia com inspirações na produção aaltiana. Em 1967, solidifica esta influência em seu projeto para a residência Perseu Pereira quando “se utiliza da fôrma de maneira bastante racional, sem perda do rigor lógico quanto à sua organização e construção, conforme a definição do júri que lhe outorgou o Prêmio Rino Levi, conferido pelo IAB-SP” (BELLEZA, 2015). 60 81 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Aalto propagou a arquitetura orgânica e empírica (MONTANER, 1999, p. 76). Ele foi o líder dos arquitetos nórdicos no desdobramento da arquitetura do americano Frank Lloyd Wright sendo responsável tanto pela manifestação da natureza como metáfora de sua arquitetura, como definitivamente, pela relação da intervenção arquitetônica em relação ao lugar no qual será inserida (MONTANER, 1999, pp.34-35). Desde o pós-guerra, em 1945, passa a desenvolver uma arquitetura ligada à simplicidade da arquitetura vernácula da Finlândia, seu país de origem, ao mesmo tempo em que começa a questionar a ortogonalidade do funcionalismo (COHEN, 2013, p. 361). Contrariando o Estilo Internacional, para Aalto, cada projeto é único e não pode ser estereotipado. Na arquitetura, o objetivo da padronização não é produzir tipos, e sim, criar variedade e riqueza que possam, em uma situação ideal, ser comparadas com a ilimitada capacidade da natureza para gerar variação. (AALTO em COHEN, 2013, p.361) E, dentre as autoridades contemporâneas, que, assim como Aalto rejeitam-se a estereotipar suas soluções e a não considerar o contexto (ou a atmosfera) adjacente à nova intervenção que será implantada, estão o português Álvaro Siza e o suíço Peter Zumthor. Sobre Álvaro Siza, Vittorio Gregotti, arquiteto e crítico italiano, acredita que seu grande sucesso e reconhecimento internacional como arquiteto se deva ao fato dele ser o oposto ao que está em voga atualmente, um mundo que “crê em uma arquitetura que representa o terreno em que a arquitetura se enraíza”. (...) representar algo totalmente diferente, neuroticamente isolado, tenazmente afetuoso, duramente tímido, desinteressado da acumulação do capital comunicativo de massa, poeticamente interessado na economia da expressão (...) (GREGOTTI em SIZA, 2012, p. 11). Siza acredita que o principal elemento para tornar-se um bom arquiteto é o “exercício da observação”. Para ele, “quanto mais observamos, tanto mais clara surgirá a essência do objeto. E esta consolidar-se-á como conhecimento vago, instintivo (SIZA, 2012, 82 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS p.128). Para o português, o desenho é mais do que uma “linguagem autônoma”, para ele, desenhar é procurar “por meio da escrita do desenho uma série de ressonâncias que progressivamente funcionem como parte de um todo (...)“. Segundo Gregotti, os desenhos devem manter “a identidade das razões da sua origem contextual” (GREGOTTI em SIZA, 2012, p. 12-13). No entanto, também devem traduzir com clareza a organização das sequências e dos percursos. Rafael Moneo (2008, p.185) o descreve como uma “figura poliédrica”, e afirma que “é o mais genuíno representante de uma arquitetura que é entendida como continuidade do que foram o pensamento e os princípios do movimento moderno”, assegurando que a obra de Siza pode ser considerada como “a quintessência desse movimento”, ao mesmo tempo em que o avalia como “o máximo representante da arquitetura engajada com o popular, com a construção tradicional”. Acredita que “(...) para ele o fazer arquitetônico não se produz a partir da tábula rasa (...)” (MONEO, 2008, p.191): É como se na obra de Siza descobríssemos o mais essencial, aquilo que caracteriza o fenômeno arquitetônico com mais força. Nela a arquitetura em estado puro se transforma sempre em protagonista. (MONEO, 2008, p.158). Segundo Marcelo (FERRAZ, 2011), além de introduzir Lucio Costa como referência e de intermediar a experiência esporádica, contudo, muito estimada, com o arquiteto Lelé na ocasião do projeto da Ladeira da Misericórdia que fazia parte do plano de revitalização e recuperação do Centro Histórico da Bahia (19861990), Lina Bo Bardi também apresentou à dupla arquiteturas internacionais até então pouco comentados no Brasil naquele período como a Revista Mimar (com arquitetura do oriente editada por Aga Khan), o holandês Aldo van Eyck, os alemães Bruno Taut, Peter Behrens e Hans Poelzig. Também Geoffrey Bawa, arquiteto do Sri Lanka e o indiano Charles Correa. 83 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS Quando passaram a olhar atentamente para a cultura brasileira, perceberam que pelo mundo, muitos outros arquitetos também possuem essa aptidão e que, muitas vezes, é essa capacidade que os tornaram ícones da arquitetura em seus países. É o caso de Luis Barragán, Louis Kahn, Sverre Fehn e Geoffrey Bawa que, segundo Marcelo Ferraz (2011, p. 30), fazem parte da terceira geração61 do moderno. Seguindo a tradição brasileira, nós também ‘comemos e tentamos digerir’ essa variedade de influências em nosso trabalho. Convivência tem sido a palavra chave para explicar isso, convivência entre tempos – passado e futuro –, técnicas – alta e baixa, e materiais –, todos, sem preconceito (FERRAZ, 2011, p. 30. O grifo é nosso). Louis Kahn desenvolveu uma arquitetura única que revolucionou os “mecanismos tipológicos”, pois defendia “o valor universal e repetitivo das formas, recriação dos significados simbólicos de cada forma geométrica” e também recorria aos “sistemas acadêmicos de articulação dos edifícios”, como simetria, axialialidade, hierarquia, etc. (MONTANER, 1999, pp.130-131). Assim como Álvaro Siza, Kahn entende que a arquitetura só pode ser apreendida através da interpretação direta (ou da observação, como dito por Siza), através de desenhos realizados em viagens ou do estudo de ícones da arquitetura, como os monumentos históricos, por exemplo. Segundo Montaner (1999, p. 78) “a crise do funcionalismo teve como um dos principais protagonistas autores como Louis Kahn”, também o considera como último arquiteto moderno (1999, p. 31). Seria possível afirmar que, com essa colocação, o crítico catalão está se referindo à Kahn como o arquiteto da transição entre o modernismo e o pós-modernismo? O fato é que ao publicar “Function” e discutir noções de “significado e intenção”, “usos da história” e “representação formal” Segundo Josep Maria Montaner (1999), Lina Bo Bardi também faz parte desta 3ª geração, junto a nomes como Louis Kahn, Jorn Utzoon, Denys Lasdun, Aldo van Eyck, Luis Barragán e Fernando Távora (p. 12), e inclui Lucio Costa na geração posterior a de Le Corbusier (p. 32), 61 84 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS estabeleceu o núcleo das questões debatidas pelos pósmodernistas das décadas de 1970-80. (KAHN, 2012) Da mesma forma que Lucio Costa, Kahn “tenta manter vivo os conceitos da tradição acadêmica dentro da nova tradição moderna” (MONTANER, 1999, p. 100) e foi o único americano a participar do X CIAM em Otterlo, mostrando forte interesse no debate proposto pelos jovens do Team X, pelos quais era muito admirado. Para o americano, não há legado maior que um edifício pode deixar do que servir à instituição do homem, quer seja esse edifício público ou privado (KAHN, 2012, p.21). Também concorda que o edifício proposto deve sempre considerar “a influência do que o rodeia”, ou seja, sempre prestar atenção na relação do novo com o seu entorno. Peter Zumthor é um arquiteto suíço e a maioria de seus trabalhos está localizada na porção alemã da Suíça. Segundo Montaner (1999, p. 190), sua arquitetura tenta “desvendar novas formas baseadas na simplicidade, no jogo de escalas, nas formas cúbicas e no uso estrito e repetitivo dos materiais”. Zumthor afirma que aquilo que o toca quando passeia por um parque, por exemplo, é toda a informação que o rodeia: as pessoas, o ar, os ruídos, os sons, as cores, a presença dos materiais, as texturas e as formas, mas esclarece que as formas que o interessam são aquelas que “consegue entender”, enfatizando sua crença de que as formas devem ser simples (ZUMTHOR, 2006, p. 17). É essa a atmosfera que ele busca transpassar aos usuários de suas obras, para ele a atmosfera “é uma categoria da estética” (EHLERT em ZUMTHOR, 2006, p. 7). Essa visão fenomenológica presente no pensamento de Zumthor aproxima-se ao de Heidegger, que como citado anteriormente nesta etapa do trabalho tanto instiga Francisco Fanucci, segundo o qual habitar indica “ser trazido à paz de um abrigo”, (...) “permanecer pacificado na liberdade de um pertencimento, 85 PRINCÍPIOS E CONJECTURAS resguardar cada coisa em sua essência” (HEIDEGGER em BOGEA 2013). Resguardar é, em sentido próprio, algo positivo e acontece quando deixamos alguma coisa entregue de antemão ao seu vigor de essência, quando devolvemos, de maneira própria, alguma coisa ao abrigo de sua essência, seguindo a correspondência com a palavra libertar (freien): libertar para a paz de um abrigo.(...) O traço fundamental do habitar é esse resguardo (HEIDEGGER em BOGEA 2013). Assim, seu raciocínio e metodologia projetual o levou a desenvolver nove pontos fundamentais para a criação de atmosferas: “o corpo da arquitetura”; “a consonância dos materiais”; “o som do espaço”; “a temperatura do espaço”; “as coisas que me rodeiam”; “entre a serenidade e a sedução”; “a tensão entre interior e exterior”; “degraus de intimidade”; e, por fim “a luz sobre as coisas”. Todos estes aspectos são instrumentos que o auxiliam a conceber espaços que o motivam a partir de três enfoques principais: “a arquitetura como espaço envolvente”, a sensação de “harmonia” e a “forma bonita” (ZUMTHOR, 2006). (...) a arquitetura é feita para nós a utilizarmos. (...) Acho que essa também é a tarefa mais nobre da arquitetura, o fato de ela ser uma arte para ser utilizada, mas o mais belo é quando as coisas se encontram, quando se harmonizam, formam um todo. O lugar, a utilização e a forma. A forma remete para o lugar, o lugar é este e a utilização é esta. (ZUMTHOR, 2006, p. 69). No capítulo a seguir, serão analisados três projetos selecionados: o Museu Cais do Sertão, em homenagem à Luiz Gonzaga no Recife (PE), o Museu do Pão em Ilópolis (RS) e o Terminal Rodoferroviário em Santo André (SP). Nas três situações serão investigadas as características mencionadas nas páginas anteriores: o olhar antropológico de Lina Bo Bardi; o rigor técnico de Lelé; a capacidade de olhar para o passado e para o futuro (Lucio Costa); a racionalidade do traçado de Artigas e Le Corbusier, representando os anos de formação na FAU e os primeiros anos do Brasil Arquitetura; a simplicidade vernácula de Alvar Aalto; o poder imaginativo de Álvaro Siza; 86 o respeito aos conceitos PRINCÍPIOS E CONJECTURAS acadêmicos (como simetria e hierarquia) de Louis Kahn; e a criação das atmosferas nos edifícios propostos de Peter Zumthor. 87 PROJETOS E CONTEXTO Imaginar significa recordar aquilo que a memória escreveu dentro de nós e colocá-la em confronto com as exigências e as condições, mas também elevar as exigências e as condições ao nível da sua real complexidade, e por fim, restituí-las na simplicidade oblíqua do projeto. (GREGOTTI, em SIZA, 2012, p. 13). Admitindo que toda restrição pode ser considerada uma precipitação, mas com o objetivo de melhor organizar a estrutura analítica para entender algumas das motivações projetuais, e buscar compreender a quais memórias os líderes do Brasil Arquitetura recorrem quando se deparam com a folha em branco, foram selecionados três projetos como objeto de estudo nos quais será observado de que modo respondem às questões referentes aos parâmetros indicados abaixo: 1. Implantação: como é feita a relação do novo com o existente?; 2. Programa arquitetônico: o que o edifício pode proporcionar aos usuários? 3. Técnica construtiva: quais técnicas e materiais construtivos foram aplicados no projeto? A partir desse encadeamento lógico, que visa o cumprimento do objetivo elementar deste estudo que é o de analisar, no conjunto de três obras eleitas como representantes da produção de quase quatro décadas do escritório paulistano Brasil Arquitetura, a constância das três características, entendidas como principais, presentes no conjunto da produção do escritório e apresentadas no primeiro capítulo deste estudo: o olhar antropológico (de Lina Bo Bardi); o rigor técnico (de Lelé) e a capacidade de olhar para o passado e para o futuro simultaneamente (de Lucio Costa). A análise será direcionada para a compreensão da coerência com a exatidão construtiva, a maneira com a qual lidam com as adversidades durante as obras e também a desenvoltura em arquitetar sistemas relativamente simples e econômicos, aliados aos recursos disponíveis e singularidades de cada lugar. Serão apresentadas, a seguir, as análises a respeito do Museu Cais do Sertão Luiz Gonzaga (2009/xxxx); do Museu do Pão (200588 PROJETOS E CONTEXTO 2008); e do Terminal Rodoferroviário (1998/1999), distribuídos por três regiões do Brasil, já que estão no Recife (PE), Ilópolis (RS) e Santo André (SP), respectivamente. Cais do Sertão Luiz Gonzaga (2009/xxxx) – Recife, PE autores: francisco fanucci, marcelo ferraz e pedro del guerra colaboradores: anne dieterich, anselmo turazzi, beatriz marques, cícero ferraz cruz, fabiana fernandes paiva, felipe zene, fred meyer, gabriel grinspum, gabriel mendonça, luciana dornellas, victor gurgel, andré carvalho, júlio tarragó e laura ferraz projeto curatorial e direção de criação: isa grinspum ferraz concepção conceitual: antônio risério área: 7000 m2 Vivo minha vida aprendendo sem parar, às vezes dói, às vezes encanta. Nunca me lembro de, num pedaço de tarde ter aprendido tanto. O Brasil precisa ver este Centro de Lazer, que é uma árvore para fazer dele semente. (Texto escrito por Darcy Ribeiro no livro de visitas do SESC POMPÉIA em 17 de abril de 1983, disponível na contracapa do livro “Cidadela da Liberdade”, que fala sobre o projeto e construção do conjunto. O grifo é nosso). Localizado na avenida Alfredo Lisboa, em área que pertence à porção histórica do Recife, em frente ao Parque das Esculturas Francisco Brennand e apenas a quatrocentos metros de distância do marco zero da cidade (Praça Barão do Rio Branco), separados pelo grande galpão que abriga o complexo do Centro de Artesanato do Pernambuco, encontra-se o conjunto arquitetônico do Cais do Sertão (Figura 07). 89 PROJETOS E CONTEXTO Figura 07: A imagem, retirada do Google Earth em 10 de julho de 2016, explica a localização do Museu em relação à Praça Barão do Rio Branco, marco zero da cidade, e ao Parque das Esculturas Francisco Brennand. Com o objetivo de ter uma visão mais panorâmica do entorno urbano, utilizou-se além do material enviado pelo escritório, a imagem área do Google Earth, em 10 de julho de 2016, ainda que esse registro não mostre nem o esqueleto da segunda edificação (Figura 08). Figura 08: Implantação em escala maior na qual é possível observar melhor a situação do entorno. Fonte: Google Earth em 10 de julho de 2016. A imagem aérea evidencia a maior existência de coberturas com telhas cerâmicas e uma morfologia de lotes que seguem a malha tradicional, características típicas de uma área com edificações históricas. No lado oposto da avenida Alfredo Lisboa, as edificações datam do século XIX e do início do século XX, e, apesar do bloco em funcionamento seguir tanto as proporções quanto o tipo de cobertura que os demais galpões mantidos, o conjunto 90 PROJETOS E CONTEXTO proposto, contemporâneo, apresenta-se como um contraste em relação às demais construções do entorno que também são predominantemente de uso cultural: Museu a céu aberto, Caixa Cultural, Marco Zero, Sinagoga Kahal Zur Israel, Embaixada dos Bonecos Gigantes, Arquivo Judaico de Pernambuco, Torre Malakoff, Paço do Frevo e o Centro de Artesanato do Pernambuco (Figura 09). Figura 09: O trajeto feito a partir do Cais do Sertão até o marco zero do Recife permitiu observar as características das construções com predominância da arquitetura histórica. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. 91 PROJETOS E CONTEXTO A figura 10 auxilia a melhor compreensão a respeito do atual contexto do conjunto, com localização dos blocos e situação do que está construído e o que está “a construir”. O terreno disponível está envolto por um retângulo amarelo, e dentro dele há o retângulo azul (com o galpão construído) e o verde (cuja construção está paralisada). A circunferência em vermelho indica o marco zero da cidade, e comprova a proximidade do Cais do Sertão. Figura 10: A figura ao lado auxilia a compreender a atual situação do conjunto. Em vermelho, a Praça Barão do Rio Branco, onde está o marco zero do Recife. Em amarelo, está destacada a área total do conjunto das quais se destaca em verde o edifício já construído e em azul a edificação ainda inacabada. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Ao identificar nessa intervenção uma importante comunicação entre a tradição do entorno e a contemporaneidade do edifício proposto, julgou-se necessário recorrer ao entendimento do crítico Solà Morales, que, conforme comentado no capítulo anterior, entende a relação de contraste como uma estratégia comum na primeira metade do século XX, reportada nas Cartas de Atenas (especialmente na de 1933, uma vez que a de 1931, associada ao pensamento do campo da restauração, defende a noção de ambiência ao recomendar os princípios de intervenção nos bairros históricos), cuja diretriz afirma a necessidade de projetar novas edificações em áreas históricas seguindo a utilização da linguagem arquitetônica 92 do momento, evidenciando a PROJETOS E CONTEXTO diferenciação dos novos materiais e a negação ao pastiche histórico, e coerente com o espírito e valores do próprio tempo em que a intervenção é feita (SOLÀ–MORALES, in NESBITT, 2006, p. 258). Com relação a essa discussão, mostra-se oportuno o entendimento de Marta Bogéa (2015) acerca da acuidade do traço profissional, aplicado aqui ao projeto museográfico, que ecoa o modus vivendi característico do lugar: Arquitetura entendida não apenas como meio técnico de configuração formal para atender a uma demanda, mas como elemento reorganizador da vivência nos lugares. Para realizar essa reorganização constrói o programa como possibilidade para uma vida desejável a partir das possibilidades do que lá está. Somente ao realizar a visita técnica, em maio de 2016, é que a autora da pesquisa pôde notar que a fachada com os cobogós – elementos marcantes para a identidade do edifício, identificados como o símbolo do projeto. Ainda não está pronta, pelo contrário, o que se encontra, ao visitar o conjunto, são apenas cortinas de concreto com laje em projeção para a fixação dos elementos vazados, deixando espaço para a instalação dos aparelhos de arcondicionado, que serão posteriormente encobertos pela camada externa constituída pelos cobogós (Figura 11). Figura 11: Render da fachada frontal em que se destaca o grande vão que possibilitará a vista para o mar. Este bloco ainda não está concluído. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 93 PROJETOS E CONTEXTO A obra deveria estar concluída em agosto de 2013, três anos depois e o conjunto ainda não está completo. Somente um dos dois edifícios está em atividade, como mostra a figura 12. O bloco em construção abrigará auditório, cafeteria, restaurante e salas de aula. Figura 12: A placa, assinada pelo Governo Federal, informa que a obra teve inicio em 2011 e previsão de conclusão em agosto de 2013. Fonte: Acervo da autora. Fotografado em maio de 2016. É sabido que foi doutor Lucio Costa quem reintroduziu os muxarabi, artefato de origem árabe-islâmica, na arquitetura moderna brasileira quando faz uma revisitação histórica às técnicas construtivas do período colonial (Figura 13). 94 PROJETOS E CONTEXTO Figura 13: Acima: Casa Hungria Machado (foto PB): vista externa com jardim, década de 1940. Foto: Marcel Gautherot. Abaixo: Casa Hungria Machado: janela de treliça, década de 1940. Foto: Lucio Costa. Via: Instituto Jobim, http://www.jobim.org /lucio/handle/2010. 3/48 Acesso em 27 julho 2016 Os muxarabis possibilitam maior aproveitamento da iluminação e ventilação natural sem prejudicar a privacidade requerida aos ambientes internos. São versáteis porque é possível controlar os níveis de incidência (de luz ou de calor) através traçado 95 PROJETOS E CONTEXTO proveniente das ripas de madeira (ou mais abertos ou mais fechados). Com as mesmas vantagens, foram criados, na década de 1920, os elementos vazados em concreto, e mais tarde, em vidro e posteriormente em blocos cerâmicos esmaltados, popularmente conhecidos como “cobogós”, muito mais utilizados atualmente por serem elementos modulares, produzidos em série, ainda que de forma artesanal. Conhecendo toda a história e a importância desse elemento, o Brasil Arquitetura propõe para o segundo volume (ainda não edificado) uma fachada preenchida por cobogós que muito tem a ver com as questões físicas e sociais da região na qual se insere, pelas vantagens de iluminação e ventilação descritas acima. Conceberam o desenho das peças com uma representação impregnada de simbologias vinculadas às raízes locais, a partir da matriz do desenho formado pelos galhos das árvores e das fissuras presentes na terra seca. O processo de concepção do traçado dos cobogós está representado na figura 14. Figura 14: Matrizes do piso rachado e das árvores secas, inspirações para o desenvolvimento dos cobogós que preenchem a fachada do Museu Cais do Sertão. Fonte: Memorial do Projeto via ArqBrasil. Os 2,2 mil cobogós que preenchem as duas fachadas do edifício ainda não concluído, conforme esclarece Marcelo Ferraz em sua explicação sobre o projeto, foram selecionados por três fatores: o cultural, pelo fato de corresponder a um elemento peculiar da 96 PROJETOS E CONTEXTO arquitetura tradicional nordestina; o estético, pois aproveitaram o traçado para fazer uma referência à paisagem do sertão; e o funcional, já que os elementos vazados protegem os equipamentos de ar-condicionado que precisam ficar no lado externo do edifício. O edifício ainda não construído, à primeira vista parece muito mais interessante, do ponto de vista estético, especialmente pelo uso dos cobogós e pela condição de sua implantação: um bloco suspenso que amplia a vista da paisagem e, ao mesmo tempo, emoldura a visão do mar para quem percorre a avenida Alfredo Lisboa, - possibilitando um panorama semelhante àquele desvendado pelo vazio do MASP, de Lina Bo Bardi - para o porto. No entanto, como não há previsão da conclusão total do edifício, a análise que será apresentada a seguir se deterá ao edifício que está pronto, em atividade atualmente. O desenho enviado pelo escritório em janeiro de 2016 é parcial e se limita a mostrar a posição central do edifício em relação ao eixo transversal da calçada, como pode ser visto na figura 15. Figura 15: Implantação total do conjunto com destaca para o detalhe 01 (acima) e com uma interrupção na imagem original (a baixo), na qual aproximase a escala para destacar apenas o edifício em funcionamento. Em azul, está a representação do porto, contíguo ao lote. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 97 PROJETOS E CONTEXTO No bloco edificado estão instaladas dezesseis diferentes modelos do elemento vazado e, mesmo em pequena quantidade, é possível perceber o efeito estético que as fachadas principais (Figura 16). Figura 16: Cobogós instalados no edifício construído, parte externa e parte interna, respectivamente. Cada uma das peças mede cerca de 1,1m x 1,1m. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Os visitantes iniciam seu percurso na praça seca cujos lados medem vinte e cinco metros de comprimento por vinte metros de largura, onde está plantado o grande juazeiro, árvore símbolo da caatinga nordestina, inserido dentro de um cilindro de concreto com doze metros de diâmetros e que possui bancos em toda a sua circunferência para acomodar os visitantes ou os transeuntes do entorno (Figura 17). Figura 17: “Praça Seca” que recebe os visitantes ou os transeuntes que desejem apenas repousar sob a sombra. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016 (acima) e corte enviado pelo escritório (abaixo). 98 PROJETOS E CONTEXTO Além de ser uma forte referência do lugar, a árvore contribuirá para dar as boas vindas e preparar o visitante para a atmosfera que enfrentará no interior do museu. Segundo depoimento de Francisco Fanucci em entrevista concedida à revista “Contraste”, número 01 (2013, p.46), as folhagens do juazeiro variam de acordo com a estação do ano e, consequentemente, os níveis de incidência solar também transformam-se dessa maneira, permitem mais ou menos vento, mais ou menos calor e também mais ou menos sombra, como canta Luiz Gonzaga: (...) vai estar naquele lugar, ao longo do ano, como uma medição do tempo. Isso é como trazer alguma coisa do sertão de uma forma muito mais rica. Nós poderíamos ter o juazeiro como lembrança, uma foto, e pronto, estava feito. Não estava feito... (Em Revista Contraste, n. 01, 2013, pp. 41-72). Assim, a abertura de formato circular que mede 12 metros de diâmetro e 1,70 metros de altura, equivalente à laje interna do edifício, feita para abrigar e permitir que o juazeiro possa crescer livremente e dar boas vindas aos visitantes. As mudanças previstas por Francisco Fanucci puderam ser confirmadas na visita técnica realizada em maio de 2016, como pode ser percebida a comparação à configuração da árvore em sua inauguração em 03 de abril de 2014 (Figura 18). Figura 18: Um juazeiro, árvore típica da caatinga nordestina. Fonte: À esquerda, enviado pelo Institucional do Cais do Sertão (foto de Léo Caldas na inauguração do Cais em 03 de abril de 2014). À direta, acervo da autora, em maio de 2016. Passando pelo juazeiro, o usuário, ao adentrar o pavilhão construído, que mede 85 metros de comprimento por 20 metros de largura, o visitante chega à recepção, que tem pé-direito duplo 99 PROJETOS E CONTEXTO e um acervo de vestimentas alegóricas utilizadas pelo “rei do baião”, onde está também a bilheteria e guarda-volumes. Logo após atravessar essa parte do museu, o visitante se depara com um mar de informações a respeito da cultura nordestina e da vida do rei do baião, com instalações interativas, como o “Jogo da Seca”, totens eletrônicos e salas como: o Sertão Mundo, a Casa do Transtempo, Sala do Imbalança, a Sala de Poesia, o Túnel do Capeta, o Túnel das Origens (Figura 19). Figura 19: Nas imagens acima, é possível perceber como os elementos tradicionais da cultura sertaneja relacionam-se com totens tecnológicos que possibilitam maximizar a interatividade e a experiência do visitante. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Segundo Evelise Grunow, em seu artigo “Sertão no Cais” na revista Projeto Design nº 414 (setembro de 2014), a curadoria é dividida em sete núcleos – Ocupar, Viver, Trabalhar, Cantar, Criar, Crer e Migrar – estão organizados a partir da biografia de Luiz Gonzaga “para falar de forma poética sobre contemporaneidade do sertão” (Figura 20). 100 a história e a PROJETOS E CONTEXTO Figura 20: Layout esquemático que demonstra a organização dos sete núcleos organizadores da museografia. Fonte: Memorial do projeto via ArqBrasil. No mezanino, o visitante pode conhecer a discografia de Luiz Gonzaga, a biblioteca sertaneja, participar do karaokê sertanejo, e aproveitar a sala com instrumentos musicais (Figura 21). Figura 21: Espaços oferecidos ao visitante no mezanino. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. O bloco predominantemente horizontal tem cobertura de telhas metálicas termoacústicas sustentada por uma treliça metálica cuja cumeeira está há aproximadamente 14 metros do piso, e mede 3,40 metros de altura. Acima da recepção há um mezanino sustentado por uma laje nervurada em concreto armado que mede 1,70 metros de altura (Figura 22). Figura 22: Corte transversal que mostra o mezanino administrativo e a treliça metálica que sustenta a cobertura. Fonte: Acervo da Brasil Arquitetura. 101 PROJETOS E CONTEXTO O esqueleto estrutural que sustenta a cobertura de treliças metálicas e é feito com pilares de perfil H, também metálicos (Figura 23). Figura 23: Estrutura metálica vista da altura da laje que resguarda o mezanino. É possível ver os galhos secos do juazeiro, já plantado em seu canteiro. Fonte: Acervo da Brasil Arquitetura. No pavimento térreo, são trinta e seis pilares estruturais em concreto dispostos como segue (Figura 24): Figura 24: Planta com a disposição dos pilares e cotas (inseridas pela autora) que auxiliam o entendimento da distribuição dos pilares. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. - na primeira porção do edifício, onde está localizada a recepção do museu, e que segue até os primeiros 10 metros do comprimento total do pavilhão, há seis peças, três de cada lado, com formato retangular 0,50 x 0,20 metros e estão camufladas dentro das paredes. 102 PROJETOS E CONTEXTO - o segundo trecho do pavilhão, onde o pé-direito é mais alto com 9,7 metros de altura, inicia-se a partir dos primeiros dez metros e se estende até metade do edifício (Figura 25). DETALHE 01 Figura 25: Planta aproximada (DETALHE 01) com destaque para o segundo trecho do pavilhão no qual é possível perceber sua concepção estrutural, em preto. Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura. Neste trecho os pilares em concreto, ao todo dez pilares, cinco de cada lado, em formato de “T”, com medida 0,50 x 0,20 metros, porém com uma sobressaliência de 0,20 x 0,30 revestida com a mesma fôrma de concreto do restante das paredes (Figura 26). Seguem uma malha estrutura que os colocam a 4,55 metros de distância um do outro. 103 PROJETOS E CONTEXTO Figura 26: A seta indica o pilar com a sobressaliência de 0,20 x 0,30 metros revestida com a mesma fôrma de concreto que as paredes internas. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. - nos últimos quarenta e seis metros do comprimento do pavilhão, são vinte pilares de concreto (dez de cada lado). Eles são retangulares e medem 0,40 x 0,20 metros. Estão dispostos a 4,8 metros de distância no sentido longitudinal, e 20 metros transversalmente (Figura 27). DETALHE 02 Figura 27: Planta aproximada (DETALHE 02) com destaque para o terceiro trecho do pavilhão no qual é possível perceber sua concepção estrutural, em preto. Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura. Uma escada reta, que possui três patamares, cujos degraus são metálicos e ficam engastados na parede, conferindo suavidade, 104 PROJETOS E CONTEXTO conduz o visitante até o piso superior, onde os pilares, também em concreto, possuem seção circular (Figura 28). Figura 28: Escada reta com degraus metálicos e pilar de sessão circular no pavimento do mezanino. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. A respeito do artigo (BRENDLE E VIEIRA, 2012) comentado no início desta análise, não há como ignorar a atenção da arquiteta Lina Bo Bardi ao conjunto fabril preexistente e a decisão de conservá-lo para transformá-lo no SESC Pompéia, que, muito embora apresentasse uma séria restrição de área para a acomodação dos setores esportivos, devido à existência do córrego Águas Pretas, foi mantido como parte do conjunto industrial, optando, ao invés disso, por verticalizar os edifícios novos e uni-los por meio de passarelas suspensas. Se por um lado, serão enfatizadas as afinidades de postura, por outro, cabe aqui assinalar essa divergência de postura na obra do museu do Brasil Arquitetura. Nas palavras de Ferraz (2011, p. 122), os trabalhos de Dona Lina são “todos tão generosamente dedicados ao povo brasileiro” que não poderiam deixar de ser referência para uma homenagem ao rei do baião, Luiz Gonzaga (1912-1989), uma das mais completas, importantes e inventivas figuras da música popular brasileira. Dessa forma, impregnados por essa essência, ele e seu sócio Fanucci, cumpriram o papel que lhes foi confiado de instituir um museu dedicado às culturas sertanejas em Pernambuco: o Museu Cais do Sertão Luiz Gonzaga. 105 PROJETOS E CONTEXTO Ambas as propostas (SESC Pompéia e Cais do Sertão) tratam da reutilização de um edifício, ou parte dele, anexo a uma nova construção, contígua. No caso do projeto do Cais do Sertão, parte das construções do complexo do porto do Recife foi aproveitada e transformada, em dois galpões para uso cultural, assim como o projeto para o SESC que “teve como premissa básica recuperar e manter a velha fábrica intervindo através de uma perspectiva contemporânea” (VAINER; FERRAZ, 1999, p.26) com o objetivo de adequar-se ao novo uso, o cultural. Além dessa característica de relacionar novo e velho (tradicional e moderno) com novo uso, é possível identificar entre eles semelhanças ligadas à temática das exposições de cunho popular e também referências à cultura nordestina, como acontece na menção feita ao rio São Francisco em ambos os casos. Nos dois espaços, um espelho d´água de traçado sinuoso aparece como elemento espacial em tributo ao rio. Há “pontes” criadas (em pedra, no SESC e em vidro temperado no CAIS) para que os visitantes possam transpassar de um lado para o outro sem dificuldade. No projeto de Lina o rio se configura com um rebaixo no piso de pedra goiás, definindo o traçado sinuoso do espelho d´água cujo fundo é preenchido com seixos rolados. O que ocorre no “velho Chico” do Brasil Arquitetura é o revestimento do fundo do rio, mais homogêneo, aparentemente revestido com uma mistura de cimento e seixos, além de possuir uma demarcação na borda definindo um arremate na junção, pela figura 29, demonstra ser alguns centímetros mais profundo do que a versão de Lina Bo. 106 PROJETOS E CONTEXTO Figura 29: Referências ao Rio São Francisco em ambos os casos – SESC Pompeia e Cais do Sertão, onde é possível observar as semelhanças e discrepâncias formais entre eles. Ambas as fotos tiradas pela autora. A primeira em dezembro de 2014 e a segunda em maio de 2016. A menção é significativa, pois nos dois edifícios o Velho Chico (como é afetivamente conhecido) foi implantado em área nobre: na área de convivência dos visitantes. É importante lembrar que o rio é um bem valioso para os cinco estados pelo qual passa: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, percorrendo mais de 500 municípios. Economicamente, há trechos navegáveis além de ser fundamental para a irrigação de plantações e para pesca. Também na figura acima é possível perceber outra característica diferente entre os dois casos, observando-se que as duas imagens foram feitas no período vespertino: o aproveitamento da iluminação natural. Enquanto Lina aproveita-se do perfil dos sheds da cobertura existente no edifício industrial ampliando ainda mais a iluminação zenital com fileiras de telhas de vidro, o projeto do Brasil Arquitetura vale-se da utilização da iluminação artificial, provavelmente por conta da tipologia do edifício que não permite prever iluminação zenital. Porém, há muitas analogias presentes neste projeto, e talvez a mais forte delas seja referente à museografia que muito se 107 PROJETOS E CONTEXTO inspirou nas estratégias de Lina Bo Bardi, especialmente na utilizada por ela para a exposição “Caipiras, Capiaus: Pau-a-Pique” (1984) cujo mérito foi o de recriar ambientes da vida rural do interior de São Paulo e de Minas Gerais construindo a casa de pau-a-pique, a venda, o paiol e a capela, todos equipados internamente com forno a lenha e alambiques (Figura 30). Figura 30: Acima, “Caipiras, Capiaus: Pau-a-Pique” em 1984 VAINER; FERRAZ, 1999, páginas 70. Abaixo, duas imagens registradas pela autora em visita técnica ao Cais do Sertão em maio de 2016. 108 PROJETOS E CONTEXTO No Museu Cais do Sertão, as toras de madeira pintadas com cores diversas estão engastadas no chão e suspensas por cabos de aço presos no forro técnico, que fica cerca de 12 metros distante do piso do pavimento térreo, aparente junto às treliças da estrutura metálica, ao sistema de iluminação natural, aos canos de hidráulica e ao sistema de ar condicionado, que está presente em todos os ambientes do museu (Figura 31). Figura 31: Na imagem, registrada pela autora em visita técnica ao Cais do Sertão em maio de 2016, é possível verificar o grau da complexidade resolvida no forro técnico com instalações a parentes. Outra analogia entre o Museu Cais do Sertão e a obra de Lina Bo Bardi, especialmente o SESC Pompéia, é a relação sem conflitos entre o tradicional e o moderno, aqui entendido como contemporâneo. A tradição nordestina está presente na museografia cujos elementos-chaves da organização espacial são os objetos pessoais do Rei do Baião (como as suas vestes), de produção essencialmente artesanal, além de algumas peças produzidas artesanalmente, especialmente para o museu (GRUNOW, 2014) (Figura 32). 109 PROJETOS E CONTEXTO Figura 32: Fotografias tiradas pela autora em visita técnica em maio de 2016 que ilustram o espaço expositivo permeado por símbolos da temática sertaneja: utensílios do dia a dia, vestuários, acessórios para lidar com os animais, e o destaque para o mandacaru em área nobre no espaço de convivência. Antes de finalizar essa análise da intervenção, é necessário expor uma polêmica em torno da construção do Cais do Sertão relacionada à opção pela demolição do Armazém 10 do conjunto de edificações do Porto do Recife (Figura 33). 110 PROJETOS E CONTEXTO Figura 33: Vista frontal do conjunto que mostra a manutenção de alguns armazéns existentes (em cinza, à esquerda do desenho). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Maria de Betânia Uchôa Cavalcanti Brendle e Natália Miranda Vieira, em artigo intitulado de “Cais do Sertão Luiz Gonzaga no Porto Novo do Recife Destruição travestida em ação de conservação” (2012), publicado na revista Arquitextos, apesar da demolição do armazém 10 ter sido autorizada pelo IPHAN-PE e pela Operação Urbana Porto Novo, reputam a atitude como “inconsequente”, já que segundo as autoras “a teoria moderna de conservação descarta a demolição arbitrária de edificações com potencial de restauração (...)”. Afirmam ainda que: Os antigos armazéns do Porto do Recife representam não uma expressão arquitetônica isolada, mas uma composição espacial de um conjunto ambiental que absorvendo as atividades e práticas socioculturais conferiram a identidade portuária ao Bairro do Recife, portal marítimo da cidade do Recife. (BRENDLE E VIEIRA, 2012). No artigo, as autoras defendem que a nova construção é uma arquitetura de qualidade, mas utilizam uma citação da especialista em patrimônio arquitetônico Beatriz Kühl em “Restauração hoje: método, projeto e criatividade”, de publicação na Revista de História da Arquitetura e Urbanismo “Desígnio” (2006, n.6, 19-34), para fortalecer seus pontos de vista: ”não se justifica a alteração de um conjunto de qualidade para fazer arquitetura, ainda que boa arquitetura”. Fatores burocráticos, assim como questões econômicas devem estar entre os principais motivos para a demora na conclusão da obra, pois é sabida a dificuldade que os arquitetos brasileiros têm em efetivar seus projetos em parceria com o poder público, especialmente na atual conjuntura política e econômica, que 111 PROJETOS E CONTEXTO compromete ainda mais a gestão e a construção de obras públicas de grande escala, como é o caso do Museu Cais do Sertão. Outro possível motivo plausível poderia ser a falta de apropriação por parte da população que vive na porção central da cidade de Recife. Será por conta da proporção do empreendimento? Seria conveniente decifrar essas questões em outra oportunidade, com o objetivo de aprofundar essa investigação. Após a análise do projeto, e das analogias referentes ao projeto do SESC Pompéia (de Lina Bo Bardi), foi possível concluir que a concepção programática, que organiza toda a atmosfera espacial, leva em conta o “olhar antropológico”, das quais se destacam: a recepção é tratada como espaço de “Acolhimento”; seguido pelo espaço “A coroa é o chapéu, o cetro é a sanfona” onde os objetos pessoais de Luiz Gonzaga ficam pendurados, como se “flutuassem em uma grande vitrine”. Depois, o espaço térreo de forma elíptico abriga a sala “Útero: o sertão é o mundo” que se trata de uma sala de espetáculos na qual são exibidas produções multimídias; o “Armazém” é a grande área onde está a homenagem ao rio São Francisco. Nela estão organizados os sete territórios temáticos que representam as principais dimensões da vida no sertão. Também respeita e refere-se, à cultura da região e também porque preocupa com a melhor apropriação do espaço por parte dos usuários, possibilitando a eles aprendizado e cultura de forma interativa, fazendo com que o visitante sinta-se parte daquele contexto. É possível afirmar que segue o “rigor técnico” por adequar a estrutura às necessidades que cada espaço requer, apesar de não haver uma malha regular, de ela não ser o mote do edifício, e, com exceção do sistema da treliça da cobertura, estar em sua grande parte, escondida. Talvez o melhor aproveitamento da iluminação e ventilação natural fosse mais condizentes com o que estamos estudando nesta dissertação de mestrado, no entanto, é compreensível que um espaço cultural com um acervo permanente tão grande de 112 PROJETOS E CONTEXTO utensílios, objetos e vestuários históricos precise de um controle mais rígido especialmente das temperaturas. Sobre a intervenção proposta, acredita-se que seja pertinente, pois, ao mesmo tempo em que enaltece o contemporâneo, em contraste com as edificações antigas contíguas, demostra respeito pelos galpões quando mantém suas proporções e sua cobertura em duas águas. Dessa maneira é possível dizer que o edifício tem a “capacidade de olhar para o passado e para o futuro simultaneamente”, completando a trilogia de características que se buscou analisar. Museu do Pão e Escola de Panificação (2005-2008) - Ilópolis, RS autores: francisco fanucci, marcelo ferraz e anselmo turazzi colaboradores: anne dieterich, carol silva moreira, cícero ferraz cruz, fabiana fernandes paiva, gabriel rodrigues grinspum, joão grinspum ferraz, luciana dornellas, pedro del guerra, victor gurgel e vinícius spira área: 530 m2 prêmios: prêmio rodrigo melo franco de andrade 2008 - categoria preservação de bens móveis e imóveis/ finalista no world architecture festival 2008, barcelona, espanha/ prêmio rino levi ex aequo iab-sp 2008 Eu defenderei até a morte o novo por causa do antigo. E até a vida o antigo por causa do novo. O antigo que foi novo é tão novo como o mais novo. Augusto de Campos – Verso, reverso, contraverso (em FERRAZ, 2008, p. 15) Dos três trabalhos selecionados como objeto de estudo deste trabalho, o projeto para o Museu do Pão foi o único que não foi visitado. Dessa maneira, a estratégia da análise recorrerá aos desenhos técnicos (enviados pelo escritório), publicações que se referem ao projeto e aos relatos dos próprios arquitetos com o objetivo de detectar as “ações estratégicas na área do patrimônio histórico” (FERRAZ, 201, p. 158). O Museu do Pão faz parte do projeto “Caminho dos Moinhos”, com patrocínio da multinacional Nestlé, que envolve seis moinhos de quatro municípios do Vale do Taquari na Serra Gaúcha, todos originalmente construídos em madeira com o objetivo de permitir uma vida autossustentável às famílias italianas recém-imigradas. A proposta é da Associação dos Amigos dos Moinhos do Alto do Vale 113 PROJETOS E CONTEXTO do Taquari, junto a outras entidades – públicas e privadas – para impulsionar uma nova rota turística e cultural. De acordo com a publicação oficial do projeto (FERRAZ, 2008, pp. 80-94), a iniciativa de proporcionar aos moinhos uma “nova vida” foi da professora e ambientalista Judith Cortesão (2000) e, desde então, enquanto o Moinho Castaman (1947) em Arvorezinha, e o Moinho Marca (1950) em Putinga, ainda aguardam ser restaurados para voltarem às atividades, o Moinho Dallé (1919) em Antagorda e o Moinho Vicenzi (1930) em Anta Gorda não aguardaram o restauro para reativar o funcionamento. Os dois moinhos já restaurados e em pleno funcionamento são o Moinho Fachinetto (1947) em Arvorezinha e o Moinho Colognese (1910) em Ilópolis (Figura 34). Figura 34: Mapa do “Caminho dos Moinhos”, em escala. Fonte: FERRAZ, 2008, p. 79. 114 PROJETOS E CONTEXTO Ilópolis é um município com aproximadamente 4.200 habitantes 62 que fica a cerca de 190 quilômetros de Porto Alegre. O moinho ilopolitano é o mais antigo (1910) dos moinhos que fazem parte da rota dos “caminhos” e foi o escolhido para abrigar o Museu do Pão e a Escola de Panificação (Figura 35). Figura 35: Localização do Moinho Colonial Colognese, escolhido para abrigar o Museu do Pão e a Escola de Panificação, primeira intervenção do “Caminho dos Moinhos”, em escala. Fonte: Google Earth, acesso em 12 de julho de 2016. Localizado na esquina entre a via principal da cidade (rua Sete de Abril) e a rua Padre José da Silva Koling, o antigo moinho relacionava-se com seu entorno cuja a arquitetura possui alguns exemplares históricos como os remanescentes das casas construídas pelos imigrantes italianos, mas em geral é modesta, popular e sem requintes, mas demostra um vasto saber construtivo especialmente em técnicas de carpintaria por ser caracterizada por edifícios que se espelham na cultura de origem desses imigrantes italianos, em sua maioria. (Figura 36). Valor indicado como população estimada em 2015, de acordo com o site do IBGE, acessado em 12 de julho de 2016. Para consultar estimativas da população acesse o link http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2015/estimativa_tcu .shtm. 62 115 PROJETOS E CONTEXTO Figura 36: Acima: duas imagens de construções típicas dos imigrantes e imagem da rua Conselheiro. Abaixo: primeira casa de alvenaria construída pelos imigrantes; Escola Estadual de Ilópolis e Santuário São Paulo Apóstolo, respectivamente. Fonte: Google Earth, acesso em 12 de julho de 2016. Segundo Marcelo Ferraz, a recuperação do moinho, cujo tombamento é em nível municipal, aconteceu graças ao convênio entre o IILA63, que foi responsável pelo restauro das fachadas, e a 12ª Superintendência Regional do IPHAN, a partir de projeto elaborado pela Universidade de Caxias do Sul. Conforme mostra a imagem a seguir o conjunto, composto pelos três edifícios (moinho, museu e escola), implantado na paisagem existente, a intervenção seguiu a ótica da construção do moinho: encarando a “cultura como algo que vai da tradição à invenção”, o que significa que buscou “preservar o que de melhor criamos e construímos em história (...) e apostar no novo, porque ele é ingrediente fundamental de afirmação e de transformação de nossas comunidades e do conjunto da sociedade” (FERRAZ, 2008, p. 16). E teve como objetivo principal trazer de volta seus elementos e funções originais e reincorporá-los à vida cotidiana de Ilópolis. (FERRAZ, 2008, p. 18) (Figura 37). IILA é a sigla do Istituto Italo-Latino Americano, que tem como objetivo desenvolver e coordenar a investigação e documentação sobre os problemas, conquistas e perspectivas dos países membros nos parâmetros: culturais, científicos, econômicos, técnicos e sociais; propagar nos países membros os resultados de tal investigação e documentação; e localizar em função desses resultados, as possibilidades concretas de intercâmbio, de assistência mútua e de uma ação comum ou concertada nas áreas mencionadas. Fonte: http://www.iila.org/. Acessado em 19 agosto 2015. 63 116 PROJETOS E CONTEXTO Figura 37: Fotografia via satélite do entorno do museu após a construção do conjunto. Via Google Maps. Acesso em 26 julho 2016. Conforme a compreensão de Marta Bogéa em seu artigo “Brasil Arquitetura: Uma partilha das distâncias, construindo convívios” publicado no periódico “Arquitextos” (159.01, agosto de 2013), não é o monumento em si que interessa à intervenção, mas sim o conjunto que, depois de construído demonstra forte vínculo aos usos e costumes arraigados. (...) o edifício, motivo desse restauro, é visto no contexto no qual se insere, um conjunto edificado em cidades próximas que se relacionam como fios de uma mesma trama. Ao invés de isolá-lo como monumento, aqui se reconhece o conjunto, e o circuito do qual faz parte (BOGÉA, 2013). É possível confirmar a integração entre os edifícios indicada pelas linhas em vermelho, abaixo (Figura 38). 117 PROJETOS E CONTEXTO Figura 38: Planta de cobertura, em escala. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura, com edição na imagem, feita pela autora. O percurso que interliga diretamente os blocos 2 e 3 (museu e escola) e o 3 e 1 (escola e moinho) é feito através de duas delicadas passarelas elevadas do nível do piso e sustentadas por pilares executados na mesma madeira que a cobertura da passarela e que o traçado tramado presentes nos guarda-corpos, estabelecendo um ponto-chave da articulação do conjunto, que assegura a “integridade de cada edifício associada ao intervalo entre os blocos” (BOGÉA, 2013) Na porção central do lote, entre os três blocos, foram posicionados a céu aberto carretéis do antigo moinho como representante vivo de sua história, apesar dessa escolha expor os equipamentos remanescentes do moinho original às intempéries, lembra o gesto de Lina Bo Bardi quando optou por incluir no pátio do Solar do Unhão, em Salvador, alguns vestígios de engrenagens lá encontradas (Figura 39). 118 PROJETOS E CONTEXTO Figura 39: Remanescentes originais do moinho de 1910 foram expostos a céu aberto em posição estratégica, na área central entre os três blocos, como memória viva de sua história. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. As soluções como a passarela, os elementos remanescentes e os materiais eleitos, fizeram com que os três edifícios, embora com arquiteturas tão distintas, conformem um conjunto com uma única identidade. 1) O edifício primeiro, o moinho, que estivera abandonado desde 1990 (BOGÉA, 2013), se trata de uma construção de planta retangular que mede onze metros de largura por quinze metros de comprimento; e tem quatro pavimentos incluindo sótão e porão. As fachadas originais são construídas com tábuas de madeira araucária que medem 7 metros de comprimento, assentadas sem emendas. A cobertura é feita com telhas metálicas, caimento de duas águas e possui mansardas, que, de acordo com o Dicionário Visual de Arquitetura, são aquele tipo de telhado que “apresenta, de cada lado, uma parte inferior mais íngreme, cuja parte superior tem menor altura” (CHING, 2006, p. 250), para iluminar o sótão. O moinho estava inserido em área abandonada e rodeado por vegetação local que não demonstrava sinais de que estava sendo cuidada. Assim, antes da construção dos novos blocos (museu e escola), mostrou-se necessário fazer uma limpeza, criaram-se percursos com o objetivo de permitir a circulação e acesso por dentro do lote a todas as entradas disponíveis (Figura 40). 119 PROJETOS E CONTEXTO Figura 40: Situação do Moinho Colognese (1910), que estava abandonado desde 1990 antes do IILA iniciar as obras de restauro. Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura. A araucária não foi utilizada somente como matéria prima das fachadas, mas também dos elementos estruturais e dos ornamentos. O restauro das fachadas de madeira foi responsabilidade do IILA (Istituto Italo-Latino Americano) com mão de obra 100% local sob supervisão de profissionais especializados do instituto italiano, e manteve as alterações pelas quais o edifício passou durante as últimas décadas, as advindas de uma reforma cuja modificação principal foi a inserção de um salão e de uma varanda, no pavimento térreo (Figura 41). Durante a reforma do restante do edifício, as peças em madeira que não poderiam ser restauradas foram substituídas. 120 PROJETOS E CONTEXTO Figura 41: Obras de restauro das fachadas realizadas pelo IILA com mão de obra 100% local (acima) e moinho com as fachadas restauradas (abaixo). Fonte: (FERRAZ, 2008, pp. 24-25) Acervo do Brasil Arquitetura, respectivamente. Atualmente, após a intervenção, o programa do moinho é composto por dois usos elementares: o acervo de maquinários do antigo moinho (1) e a bodega (2) (Figura 42). 121 PROJETOS E CONTEXTO Figura 42: Planta do moinho após intervenção. Fotos: Acervo Brasil Arquitetura. O acervo de maquinários do antigo moinho está no porão do moinho, composto pelas peças originais expostas, mantendo a organização espacial original com a intenção de que em breve volte a funcionar como um moinho. No restante do espaço está a bodega com cafeteria e padaria disponíveis aos visitantes (Figura 43). Figura 43: Atual configuração do moinho na qual foram mantidas a organização espacial e o maquinário com a intenção de que em breve, o espaço volte a funcionar também como um moinho. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 122 PROJETOS E CONTEXTO Foi acrescentada uma rampa de acesso, construída em tijolo e guarda-corpo metálico (Figura 44). Figura 44: Moinho restaurado, em funcionamento na qual é possível ver a rampa de acesso construída. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A rampa de acesso tem a função de conduzir os visitantes até a bodega (2), cujo mobiliário, assinado pela Marcenaria Baraúna, inclui diversas cadeiras Girafa, desenhadas por Ferraz, Marcelo Suzuki e Lina Bo Bardi (Figura 45). Figura 45: Interior da bodega com mobiliário assinado pela Marcenaria Baraúna. Fotos: Acervo Brasil Arquitetura. 123 PROJETOS E CONTEXTO A grande maioria de portas e janelas foi refeita com madeiras novas, muitas vezes respeitando o desenho e posicionamento originais (NAHAS, 2008, p. 408). No entanto, segundo entrevista realizada pela autora deste estudo no escritório do Brasil Arquitetura em 30 de novembro de 2015, o espaço da bodega, originalmente era usado como depósito de sacaria, e por isso, escuro, para que se tornasse habitável e confortável aos visitantes e aos funcionários, foi necessário pensar em novas aberturas. Em entrevista à autora desta pesquisa, Marcelo Ferraz relatou o dilema enfrentado pelo escritório para solucionar a questão de criar uma nova abertura em um edifício histórico. Ferraz descreveu a situação: “(...) não sabíamos se colocaríamos blindex, vidro puro, uma janela moderna (...)”. A decisão foi tomada após visita técnica à obra na qual os arquitetos observaram que todas janelas existentes estavam sendo refeitas, pois estavam em péssimo estado de conservação da madeira das esquadrias originais. Resolveram, então, incluir mais cinco janelas naquele espaço, não sendo possível identificar quais são as janelas que seguem a posição original, e quais foram incluídas, apesar de que essa atitude contrarie os princípios largamente defendidos no campo da restauração, e confirmados pelas Cartas Patrimoniais, de que os novos elementos devem se distinguir dos originais para que assim, as modificações estejam demarcadas como traços da intervenção contemporânea. Além de considerar a inserção de novas aberturas positivas para o novo uso, e acreditar que o que interessa aos arquitetos é o “espaço vivido”, Ferraz, em entrevista à autora da pesquisa, justificou a postura assumida recorrendo às tantas transformações pelas quais o edifício de 1910 sofreu durante os quase 100 anos que separaram sua construção da intervenção do Brasil Arquitetura: “(...) mudaram a posição da escada interna, lugares das janelas, alteraram o lugar do quarto e também o da cozinha (...)” (Figura 46). 124 PROJETOS E CONTEXTO Figura 46: Edifício do moinho restaurado, em funcionamento, com a inclusão das novas janelas que, apesar de irem contra aos princípios das Cartas Patrimoniais e não indicarem as intervenções contemporâneas, não desconfiguraram seu caráter histórico. Foto: Acervo Brasil Arquitetura. Dessa maneira, o novo moinho apresenta-se aos visitantes como um espaço de convivência, de interação e de tributo à história do pão, do edifício e da cidade de Ilópolis. 2) O edifício do museu, mote da intervenção, abriga em seus 140 metros quadrados a sala de exposições (1), que conformam o museu, propriamente dito e um pequeno auditório (2) com capacidade para 28 pessoas, aos fundos (Figura 47). Foi construído paralelamente em relação ao edifício que abriga o antigo moinho. 125 PROJETOS E CONTEXTO Figura 47: Planta do pavilhão do museu com indicação da área expositiva (1) e do auditório (2), além dos três pilares (p1, p2 e p3). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. O pavilhão da galeria-museu, que mede 6,30 metros de largura por 22 metros de comprimento, está solto do chão, apoiado sob dez estacas de concreto com alturas que variam de 15 a 75 centímetros, que, por sua vez, estão sob platôs de concreto, para vencer o pequeno desnível dessa porção do terreno (Figura 48). . Figura 48: Vista do edifício do museu a partir do outro lado da rua, na qual é possível perceber os pilares de concreto que eleva o bloco do nível do piso e vencem o pequeno desnível do terreno. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 126 PROJETOS E CONTEXTO A estrutura foi pensada como a Casa Dominó (1914 e 1917), de Le Corbusier, sistema em que pilares e fundações em concreto as lajes planas, armado assegurando com uma hierarquia racional entre esses elementos e, racionalizando também toda a sua construção, para que apenas três colunas de concreto (P1, P2 e P3), sendo parte delas executadas em madeira, sustentassem o bloco. Dessa maneira, os detalhes dos encaixes e suportes do moinho antigo também seriam valorizados. As fôrmas do concreto foram utilizadas como para remeter aos formatos das tábuas da madeira araucária utilizadas originalmente na construção do moinho (Figura 49). Figura 49: Etapas construtivas do pavilhão que abriga o museu e o auditório. Fonte: FERRAZ, 2008, p.27. Fechado por vidros e painéis de madeira que deslizam pela fachada, esse edifício é o único transparente do conjunto, provavelmente essa opção se deve para ser possível observar de dentro do museu a presença de elementos que representam o 127 PROJETOS E CONTEXTO passado (moinho) e o futuro (escola). O auditório, aos fundos, é separado da área expositiva por uma cortina de veludo vermelha, idêntica à utilizada nos fundos do bloco, para resguardar o auditório da luz solar, quando necessário (Figura 50). Figura 50: Vista posterior do conjunto com destaque para a cortina de veludo vermelha que protege o auditório da iluminação natural, quando necessário. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 3) O terceiro edifício, que completa a trilogia com o legado, apresenta aos visitantes e à população local uma possibilidade de futuro: a escola de panificação (Figura 51), que foi implantada perpendicularmente em relação ao prédio do museu. Figura 51: Planta de estudo da escola de panificação desenvolvida à mão. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 128 PROJETOS E CONTEXTO O bloco opaco, em oposição à transparência do edifício do museu, com planta retangular mede 6,20 metros quadrados de quadrado por 24 metros de comprimento. Suas aberturas são discretas, incluídas nas laterais e nas porções superiores, assegurando a iluminação necessária para um ambiente de ensino e aprendizagem, além de efeito de luz e sombra muito agradável. No piso térreo estão a grande cozinhaescola, a sala de aula teórica e os espaços servidores, como os sanitários (Figura 52). Figura 52: Planta retangular do edifício sólido que abriga a escola de panificação com cozinha experimental (1), sala de aula teórica (2) e sanitários (3). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Na cozinha-escola, uma grande mesa é o centro do espaço incentivando a convivência coletiva, ao invés de dividir os alunos em pequenos blocos. Em uma das extremidades, uma fileira com diversas pias, e do lado oposto, nichos que provavelmente estão preenchidos com fogões, atualmente (Figura 53). Figura 53: Interiores da escola de panificação com mesa central, organizadora do espaço e diversas cadeiras Girafa desenhadas por Marcelo Ferraz, Marcelo Suziki e Lina Bo Bardi e produzidas pela Marcenaria Baraúna. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 129 PROJETOS E CONTEXTO Aproveitando o desnível do terreno, há um porão técnico, onde ficam as tubulações e demais instalações de fácil acesso para manutenções necessárias. Nesse pavimento, há pequenas aberturas quadradas que medem 0,30 x 0,30 metros que estão dispostas com intervalos dos mesmos 30 centímetros (Figura 54). Figura 54: Destaque para as pequenas aberturas no sótão do edifício da escola de panificação. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Trata-se de uma caixa de concreto, e, dessa maneira, possui uma estrutura do perímetro contínua na qual os pilares comparecem somente no espaço interno. As aberturas superiores da laje plana, também em concreto, possuem 45 centímetros de largura. Elas foram calculadas conforme o limite suportado pela laje da cobertura e são ritmadas, podendo ser consideradas como contínuas, pois pela imagem é possível verificar que a distância entre elas é muito pequena. 130 PROJETOS E CONTEXTO Acima da laje há um terraço-jardim (Figura 55). Figura 55: Caixa de concreto em etapa de sua construção (à esquerda) e edifício concluído com terraço jardim executado (à esquerda). Fonte: FERRAZ, 2008, p.27. Três faces do edifício da escola são envoltas por um passadiço que liga à edificação ao Museu do Pão e ao Moinho, construído com a mesma madeira tramada que foi utilizada nas passarelas, reforçando a identidade visual do conjunto (Figura 56). Figura 56: A “delicada” passarela que une o passado e o futuro: à direita, a passarela entre moinho e escola (1 metros de largura) e à esquerda entre escola e museu (1,76 metros de largura). A passarela que envolve três faces do edifício da escola possui 92 centímetros de largura. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A passarela foi concebida com a mesma madeira com a qual foi executado o restauro do edifício do moinho. O guarda-corpo, cuja altura mede 70 centímetros, configura-se com um gradil de cujas madeiras dispostas diagonalmente de lados opostos conformam um trançado que se assemelha a algumas formas arquitetônicas e de peitoris recorrentes na região. Com exceção do trecho que conecta o moinho e a escola, todo o percurso da passarela é coberto e sua cobertura é sustentada por 131 PROJETOS E CONTEXTO pilares de concreto em madeira. As terças, caibros e ripas também são em madeira e sustentam a cobertura que, provavelmente, é feita com policarbonato reto (na porção que a passarela é mais larga) e em duas águas, ainda que com pouca inclinação, no restante do percurso coberto. Apesar de apresentarem configurações díspares, ao serem analisados isoladamente, especialmente por representarem tempos distintos, os três volumes, que completam o conjunto da intervenção, conformam uma unidade. O novo é respeitoso com o antigo, inserindo-se no contexto de forma delicada. Para atingir esse nível de comunicação entre os prédios, os arquitetos tiraram proveito da transparência do vidro, “soluções técnicas consagradas, materiais da região, referências da cultura imigrante, seguindo o mote de respeito à história do trabalho e ao patrimônio histórico, como fato humano” (FERRAZ, 2008, p. 19) (Figura 57). Figura 57: Croquis do projeto com destaque para o contraste respeitoso entre o existente em madeira araucária, e o novo edifício essencialmente em vidro e madeira. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Dessa maneira, o novo edifício solto do chão, assim como o antigo, porém, transparente em oposição a ele, nasce com o objetivo de afirmar o “documento arquitetônico, técnico e cultural do passado” (FERRAZ em NAHAS, 2008, pp. 536-538) (Figura 58). 132 PROJETOS E CONTEXTO Figura 58: Síntese entre contraste e analogia com o edifício existente. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Em mesmo artigo publicado no “Arquitextos”, ressalta a importância do edifício antigo para a constituição do “novo conjunto”. Assim, o novo revive o antigo, que por sua vez, complementa o uso dos dois novos prédios construídos para abrigar o Museu do Pão e a Escola de Confeiteiros. Como bem observou a autora, dois programas arquitetônicos com necessidades díspares: um museu e uma escola. Retomar antigos edifícios recuperando-os e destinando-os como museus é fato hoje corriqueiro, centros culturais e museus surgindo a cada momento para alimentar a indústria cultural. O que de certo modo os mantêm numa esfera de atenção e contemplação. A presença da escola aqui dá outro sentido a essa ação: cria um fato novo que investe naquilo que justifica colocar novamente os moinhos em funcionamento: o uso da farinha que eles podem produzir, inserida num processo social re-valorizado pela Escola de Confeiteiros. (BOGÉA, 2013) Os programas, apesar de diferentes, colaboram com a valorização do conjunto e o recolocam no presente valorizando o passado da região e projetando o futuro: “E então, como tríade, o projeto constitui um precioso sentido: recupera o edifico de origem (o moinho), reconhece seu valor (através do museu) e viabiliza a possibilidade de constituir futuro (através da escola)” (BOGÉA, 2013) (Figura 59). 133 PROJETOS E CONTEXTO Figura 59: Área do conjunto “existente/construído” em detalhe e em relação à cidade de Ilópolis. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. E, nesse ponto, se aproxima da abordagem descrita por Lucio Costa: alinha passado e presente e, ao mesmo tempo, olha para a memória do passado e para o legado que o presente poderá deixar ao futuro dessa pequena cidade. Aproxima-se também da ação de Lina Bo Bardi, por considerar a população, já que, além de utilizar mão de obra 100% local durante a construção (ainda que sob supervisão técnica), oferece empregos e qualificação a toda a população local, que, por sua vez, se sente feliz por poder acolher aos visitantes e prestar serviços à comunidade local. Nunca vi tanta gente, ou equipes de diferentes áreas/capacitação trabalharem sincronizadas. Parecia véspera de inauguração. Duas mulheres simpáticas limpando os vidros, outro senhor na parte mais alta da escada, três senhores instalando o ar condicionado, um senhor e um menino na instalação elétrica, dois rapazes no restauro, quatro senhores nos jardins e limpeza, três rapazes na colocação dos caixilhos e acabamentos na escola; motorista de caminhão e outro de retroescavadeira, mais a equipe de equipamentos do moinho – são três: o vizinho do moinho, Sr. Forti (Índio), o Sr. Olímpio na coordenação, o engenheiro Alex, ansioso. Muitas ligações telefônicas e muitos contatos. Curiosos, vários!!! Vários mesmo, que delícia! Algo acontece!! Relato de Ismael Rosset aos arquitetos sobre o andamento da obra (em FERRAZ, 2008, p. 25) Lina Bo Bardi aparece quase que como um lembrete, na museografia, ou, como a própria arquiteta prefere denominar: “arquitetura expositiva”, ou “cênica” (FERRAZ, 2011, p. 126), do Museu do Pão, também assinada pelo Brasil Arquitetura. Assim 134 PROJETOS E CONTEXTO como Lina fez na área de convivência do SESC Pompéia, os arquitetos apropriaram-se da arquitetura como elementos expositivos: os componentes estruturais, os fechamentos, o controle de luz/sombra, os passadiços, os materiais construtivos e de revestimento, os suportes para exposição, as próprias peças expostas, como as ferramentas da culinária, os documentos e as fotografias coletadas na região, tudo funciona como “’documento’ histórico que agora volta a funcionar” (Figura 60) (FERRAZ, 2008, p. 19). Figura 60: Os pilares em concreto armado, tijolos e treliças aparentes como elementos da arquitetura na área de convivência do SESC Pompéia. Fonte: Foto da autora, em 09 de dezembro de 2014; Destaque para os pilares mistos de concreto e madeira e para os elementos da arquitetura expositiva. Foto: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A “visão democrática e inovadora” de Lina Bo Bardi pode ser encontrada em sua postura em criar museus “como centro de encontros” de pessoas de diferentes culturas, classes sociais e faixa etária. Em depoimento, Marcelo Ferraz, relata que ela costumava dizer que “esse nosso [museu], deveria chamar-se Centro, Movimento, Escola...” (FERRAZ, 2011, p. 124). O partido do projeto cênico de Lina Bo Bardi era sempre o de fazer “algo que pudesse intrigar, tendo ao mesmo tempo forte ressonância no ‘coração’ do visitante”. (FERRAZ, 2011, p. 128) Assim como no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAMB), de onde Lina Bo Bardi parte do zero, no Museu do Pão (Figura 61): 135 PROJETOS E CONTEXTO a arquitetura e museografia já nascem juntas, fundindo-se numa só expressão. O conjunto do pequeno museu/oficina constitui a primeira “peça” desse mesmo museu: arquitetura profundamente tocada e contaminada pela presença física e simbólica do Velho Moinho Colognese. (FERRAZ, 2008, p. 20) Figura 61: Estudos da arquitetura cênica proposta pelo Brasil Arquitetura. Fonte: FERRAZ, 2008, pp. 49-51. Apesar de tantos atributos que identifica nos projetos de arquitetura cênica de Lina Bo Bardi, Marcelo Ferraz admite que o episódio que preservou em sua memória como reminiscência mais admirável foi “quando da chegada a Salvador das obras do Museu de Arte de São Paulo emprestadas ao MAMB, Lina resolveu expor o ‘Colegial’, de Van Gogh, e ‘As Meninas’, de Renoir, ao ar livre em uma das mais populares e belas praças de Salvador, o Campo Grande”. Embora não fique claro, se na ocasião foram expostas as pinturas originais ou réplicas, essa lembrança de Marcelo Ferraz demonstra um gesto de “quem lutou a vida toda para tirar dos pedestais inacessíveis o melhor da arte produzida pela humanidade para mostrá-la democraticamente a todos” (2011, p.131). A síntese do pensamento sobre arquitetura expositiva da arquiteta pode ser percebida na citação encontrada no artigo “Os espaços expositivos de Lina Bardi”, escrito por Marcelo Ferraz: 136 PROJETOS E CONTEXTO Tirar do Museu o ar de Igreja que exclui os iniciados, tirar dos quadros a ‘aura’ para apresentar a obra de arte como um ‘trabalho’ altamente qualificado, mas trabalho; apresentá-lo de modo que possa ser compreendido pelos não iniciados, tão diferentes dos elegantes visitantes dos grandes museus tradicionais, cujas ‘auras’ são sempre conservadas, mesmo nos arranjos modernos. (FERRAZ, 2011, p. 131) Cerca de 300 quilômetros separam as cidades São Miguel das Missões e Ilópolis, ambas no estado do Rio Grande do Sul. Nelas localizam-se o Museu das Missões (1937), que recentemente passou a chamar-se “Pavilhão Lucio Costa”, de Lucio Costa e o Museu do Pão (2005/2008), do Brasil Arquitetura. Ambos estabelecem um diálogo com o sítio envoltório e as edificações existentes, e apropriam-se dos materiais remanescentes para a construção dos novos edifícios. Assim como Lucio Costa nas Missões, o Brasil Arquitetura em Ilópolis destaca sua disposição em considerar a memória e o atual. Concomitantemente fez perceber a importância e os atributos intrínsecos nas ruínas existentes. Elegeu-se como referência complementar para essa análise o artigo cuja autoria é de Carlos Eduardo Dias Comas intitulado de “Simples abrigo, límpida ruína, modernidade real: O Museu das Missões de Lucio Costa” publicado no livro “A segunda idade do Vidro – Transparência e Sombra na Arquitetura Moderna do Cone Sul Americano – 1930/1970” cuja referência bibliográfica central advém dos relatórios sobre as Missões de 23.12.1937 64. Lucio não cogita da restauração estilística de Viollet le Duc, implicando o completamento da edificação no estilo original. (...) Mas Lucio tampouco assume a atitude de um Ruskin, para quem o passado era intocável e só era moralmente legítimo retardar sua morte por uma manutenção não obstrutiva. Atualizando, alinha-se com os princípios defendidos na Carta de Atenas de 1931 e na Carta Italiana do Restauro, de 1932, redigida por Gustavo Giovanonni a partir da restauração histórica científica endossada no começo do século XX por Camilo Boito, contrário ao fatalismo de Ruskin e à ação fantasiosa de Viollet-le-Duc. (MARQUES; COMAS, 2007, p. 53). Segundo COMAS (2007), os relatórios completos sobre as Missões, de 23.12.1937, podem ser encontrados integralmente em PESSOA, José (org.). Lucio Costa. Documentos de trabalho. Rio de Janeiro: IPHAN, 1999, pp. 21-42. 64 137 PROJETOS E CONTEXTO O novo edifício de Lucio, cujo sistema construtivo mistura a arquitrave com paredes portantes, foi executado com elementos construtivos novos e materiais achados nas ruínas e vedado por painéis de vidro transparentes (Figura 62), solução também encontrada pelos arquitetos mineiros do Brasil Arquitetura. Figura 62: A transparência ressalta o diálogo entre novo e velho. Fonte: Carlos Eduardo Comas (centro). Via ArchDaily Brasil. Acesso em 11 de dezembro de 2015; acervo do Brasil Arquitetura, respectivamente. Assim como o conjunto de Lucio, a proposta do Brasil Arquitetura, ao mesmo tempo colabora com o diálogo entre a utilidade, manutenção e reutilização de ruínas, síntese entre contraste e analogia entre o novo e o existente, transparência, opacidade. É possível admitir que o primeiro, de Lucio Costa, tangencia o conceito de “analogia” enquanto o segundo, do Brasil Arquitetura, como dito anteriormente, apresenta-se como um “contraste” em relação à preexistência. Essa conclusão condiz com o pensamento do crítico Solà-Morales que afirmou (Figura 63): Figura 63: Intervenção de forma análoga, nas Missões e contrastante, ainda que respeitosa, em Ilópolis. Fonte: André Marques e Silvia Raquel Chiarelli Via Vitruvius. Acesso em 11 de dezembro de 2015 e acervo Brasil Arquitetura, respectivamente. 138 PROJETOS E CONTEXTO Os efeitos do contraste permanecem válidos em projetos recentes de intervenção apenas enquanto vestígio da poética do movimento moderno em alguns arquitetos de hoje, ou então, como de praxe, como uma das muitas figuras retóricas usadas na nova e mais complexa relação entre a sensibilidade contemporânea e a arquitetura do passado. (SOLÀ-MORALES In: NESBITT, 2006, p. 258) No entanto, ambos seguem o mote da cultura local como patrimônio a ser respeitado e preservado, ao mesmo tempo em que apostam na valorização do novo objeto como restaurador do uso por parte da comunidade e como resultado, da ativação e transformação das comunidades que os cercam. Para Marcelo Ferraz, “essa dialética permanente entre tradição e invenção, somada à nossa abertura crítica [foram utilizadas] para assimilar e recriar linguagens e informações produzidas em outros cantos do planeta é um traço central da cultura brasileira.” (FERRAZ, 2008, p. 18). É possível verificar semelhança na abordagem de Lucio Costa e do Brasil Arquitetura também a respeito da escolha sobre o que deve ser preservado e o que deve ser esquecido. Dr. Lucio, em seu Museu das Missões (atual Pavilhão Lucio Costa), por exemplo, decidiu manter uma coluna inteira encontrada nas ruínas de São Miguel das Missões, porém, optou por não tratá-la como destaque, mantendo-a quase que como ‘camuflada’ em meio às novas colunas edificadas com as peças encontradas entre as ruínas do sítio histórico. No caso do Brasil Arquitetura, houve um dilema sobre a preservação ou não da casa Román (anexa ao moinho Colognese) por conta da parede interna da sala cujo antigo morador, provavelmente uma criança, deixou um registro com tinta à base de óxido de ferro e azul anil (Figura 64). 139 PROJETOS E CONTEXTO _ Figura 64: A Casa Román que acabou sendo demolida por conta de falhas de comunicação entre a equipe da obra e do escritório. Fonte: (FERRAZ, 2008, p.23). Infelizmente, as discussões sobre a preservação da edificação por parte dos arquitetos se prolongaram um pouco e a construção acabou por ser demolida, restando apenas aquela parede com o desenho que hoje faz parte do museu (Figura 65). Figura 65: Fragmento da parede original com o desenho à base de óxido de ferro e azul anil, provavelmente desenhado por um antigo morador da Casa Román que acabou sendo demolida, hoje incorporada ao acervo do museu. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 140 PROJETOS E CONTEXTO Francisco e Fanucci consideraram que o desenho tinha uma expressividade tão forte, que propuseram que fosse adotado como uma logomarca do projeto “Caminho dos Moinhos”, e isso de fato aconteceu. Para os arquitetos, ele remete à “ancestralidade” e foi utilizado não apenas como um carimbo em uma parede externa, como também em diversos pontos, como ocorreu no azulejo da bancada da Escola de Pão. A parede original encontra-se exposta no museu como parte da história do Alto do Vale do Taquari (Figura 66). Figura 66: O desenho encontrado na Casa Román tornou-se símbolo do projeto “Caminho dos Moinhos”, utilizado na fachada e no azulejo da bancada da Escola de Pão e, por fim, a parede original como parte do acervo do Museu do Pão. Fotos: Nelson Kon. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 141 PROJETOS E CONTEXTO Também é possível estabelecer uma analogia entre os capitéis: jônico, no caso do Museu das Missões de Lucio Costa, e “contemporâneo” – se é que se pode chamá-lo dessa maneira – no projeto do Museu do Pão em Ilópolis, quando os arquitetos do Brasil Arquitetura demonstram intensa atenção ao detalhamento e aos acabamentos construtivos. O capitel é executado com uma chapa superior de 1,20 metros de diâmetro, três ripas de ipê que medem 8 x 8 centímetros, e na porção inferior, uma chapa de 5mm “veste a madeira”, e se liga ao cintar com estribos, e às grapas até alcançarem a coluna de concreto de seção circular com 0,30 centímetros de diâmetro (Figura 67). Figura 67: Destaque para os detalhes dos “capitéis” dos pilares projetados e construídos por Lucio Costa (1937) e pelo Brasil Arquitetura (2008). E desenho técnico do capitel (2008), abaixo. Fonte: André Marques e Silvia Raquel Chiarelli. Via Vitruvius. Acesso em 11 de dezembro de 2015 (esquerda); Foto de Nelson Kon via Acervo Brasil Arquitetura (direita); Acervo Brasil Arquitetura, abaixo. 142 PROJETOS E CONTEXTO Após a análise do projeto é possível concluir que a “ação estratégica na área do patrimônio histórico” (FERRAZ, 2011) tem uma característica fundamental que diz respeito à seleção sobre o que deve ser preservado ou esquecido na área onde a intervenção será inserida, sempre levando em consideração o espaço vivido e a apropriação do espaço por parte dos usuários. Essa preocupação é evidente quando permitem que a construção seja feita pela população local, advertem o desejo de disponibilizar “Pão de todos os tipos, e para todos!” (FANUCCI; FERRAZ em FERRAZ, 2008, p. 19)”. E é nesse ponto, que demostram sua preocupação com o “olhar antropológico”, assim como quando enaltecem o moinho, o museu e a escola, tratando-os com a mesma hierarquia no conjunto, comprovam sua “capacidade de olhar para o passado e para o futuro simultaneamente”. O “rigor técnico” está presente na cuidadosa escolha dos materiais que transmite a sensação de diálogo fluído entre os três blocos, que, apesar de distintos, emitem uma identidade visual muito forte. Toda essa preocupação com a escolha leva em conta o valor que o objeto tem para a memória cultural do lugar ou de um contexto mais amplo, como sua importância para a história da arquitetura, por exemplo. Terminal Rodoferroviário (1998/1999) – Santo André, SP autores: francisco fanucci e marcelo ferraz colaboradores: anderson freitas, carmem ávilla, carlos ferrata, maurício imenes e pedro barros área: 9313 m2 prêmio: iab-sp 1998 - vencedor na categoria "obra construída" [...] a estrutura de um edifício é elevada ao nível da poesia, como parte da estética. Não há nenhuma diferença. Um arquiteto deve projetar a estrutura como projetava arquitetura, no sentido doméstico da palavra. Lina Bo Bardi65 O poema de Lina Bo Bardi foi utilizado para abrir o texto “O mestre-construtor” escrito por Yopanan Conrado Pereira Rebello e Maria Amélia Devitte Ferreira D’Azevedo Leite publicado em “Olhares. Visões sobre a obra de João Filgueiras Lima” organizado por Cláudia Estrela Porto e editado pela Editora UnB em 2010, página 51. 65 143 PROJETOS E CONTEXTO Julgou-se fundamental eleger um estudo de caso que pudesse servir como amostragem a respeito da ação projetual do Brasil Arquitetura em projetos de infraestrutura urbana, e, apesar de admitir que qualquer tipo de construção relaciona-se com a cidade, é impossível negar a importância de um equipamento de mobilidade urbana. Dessa maneira, apesar de ser um projeto mais antigo, quando comparado aos dois outros estudos de caso selecionados para esta pesquisa, o Terminal Rodoviário para o município de Santo André, implantado em área de quase 25 mil metros quadrados será o terceiro projeto analisado como objeto deste estudo. A intervenção, da mesma forma que nos outros dois projetos analisados acima, relaciona-se a uma preexistência, no entanto, para esse projeto especificamente, trataremos como contexto existente não um edifício ou um lote adjacente, mas sim toda a malha viária e urbana de seu entorno. Segundo relato sobre o histórico da região, descrito por Cecília Rodrigues dos Santos (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2008, p. 66), o desenvolvimento não apenas de Santo André, mas, de todos os municípios do “chamado ABC”: São Bernardo e São Caetano deve muito à localização estratégica do rio Tamanduateí entre a cidade de São Paulo e o Porto de Santos. Trilha para mulas e pedestres, com trechos de transporte fluvial, esse primeiro caminho é substituído definitivamente pela ferrovia no fim do século XIX. As linhas estenderam-se a certa distância do sinuoso leito do rio, buscando terrenos mais secos. (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2008, p. 66) Ainda de acordo com a pesquisa de Santos (2008, p. 66), foi em meados do século XX que o modelo de transporte ferroviário começou a predominar no Estado de São Paulo e com ele, os serviços de terraplenagem se tornaram ainda mais sofisticados nessa época. Dessa forma, tirou-se proveito da nova tecnologia para retificar o então sinuoso traçado do rio Tamanduateí e para aterrar suas várzeas. 144 PROJETOS E CONTEXTO Em Santo André, a tradição das indústrias preferirem localizar-se às margens da ferrovia foi mantida, conformando um eixo rodoviário, (a partir da Avenida dos Estados), paralelo à linha do trem e ao rio canalizado que atraiu cada vez mais fábricas e, consequentemente, repeliu a inserção de habitação, comércio e serviços (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2008, p. 66). A partir dos anos 1990 a atividade fabril do ABC começa a declinar, o que culminou no abandono de muitas indústrias que passaram a buscar custos de operação mais reduzidos em zonas industriais emergentes, e, por conseguinte, muitos galpões foram abandonados. Assim, o poder público do município tirou proveito da nova situação e iniciou uma tentativa de “redefinir o perfil econômico e funcional da região”. Foi quando nesse momento que surgiu a oportunidade de construção do Terminal Rodoviário Santo André que faz parte do programa de melhorias proposto pela Prefeitura de Santo André em 1999: o “Eixo Tamanduateí”, “através do qual se pretendia redesenhar a infraestrutura e o ambiente construído, introduzindo como funções centrais do novo eixo terciário”. O intento deveria aproximar do nó viário existente novas construções destinadas a moradias, comércio, serviços e também opções de lazer (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2008, p. 66) com o objetivo principal de proporcionar uma nova vida à região (Figura 68). 145 PROJETOS E CONTEXTO Figura 68: Planta com organização espacial que mostra o terminal urbano, o interurbano e a linha férrea e vista aérea da implantação: linha férrea (verde), rio Tamanduateí (azul), Avenida dos Estados (amarelo) e Viaduto Presidente Castelo Branco (vermelho). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura e Google Earth, respectivamente. E é nesse contexto existente que o Terminal se insere: considerando as necessidades da cidade no presente naquele tempo, contudo, ponderando acerca das possíveis modificações futuras e à nova herança que o conjunto poderá oferecer à cidade, por passar a se preocupar com a apropriação completa do espaço por parte do usuário. Assim, além do “olhar antropológico” e da “capacidade de olhar para o passado e para o futuro”, a busca pelo “rigor técnico”, ou 146 PROJETOS E CONTEXTO seja, a análise a respeito da estratégia de escolha do método e dos materiais construtivos, se foi adequada, em relação às dimensões, tipologias e especialmente, às especificidades do lugar no qual o objeto será inserido será verificada. Segundo o arquiteto Lelé, em texto para a apresentação da publicação dedicada à obra do Brasil Arquitetura em 2005, “a leitura das técnicas construtivas empregadas é sempre clara em cada obra, ficando evidente que nunca foram improvisadas para corrigir problemas, mas, sim, criteriosamente selecionadas desde o início do processo de criação”. Para ele, essa característica tem se aprimorado com o amadurecimento do escritório e é possível notar, a cada novo projeto, a harmonia entre elas e o partido adotado (LELÉ em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 9). Francisco Fanucci enfatiza a observação colocada por Lelé afirmando que a preocupação em adequar à técnica às singularidades exigidas por cada projeto “é uma relação com a cultura e com os dados, com os elementos do lugar (...)” adaptando o uso dos elementos ao local. Os elementos, por sua vez, são escolhidos por serem considerados os mais adequados em termos de “custos ou de aplicabilidade” de cada caso específico (FERRAZ em NAHAS, 2008, p. 515). A implementação do Terminal Rodoferroviário de Santo André foi coordenada pela Empresa Pública de Transportes de Santo André (EPT) e contou com o auxílio dos engenheiros Jorge Zaven Kurkdjian e Fábio Oyamada para consultoria e cálculo estrutural, respectivamente. Os arquitetos descrevem o projeto discorrendo acerca da memória afetiva, ao pensar no uso elementar de um equipamento de grande infraestrutura urbana como é uma rodoviária. Para eles: “a palavra ‘rodoviária’ traz uma triste lembrança da solidão da espera, do desconforto, do estar provisório, de passagem (...) ”e não deve oferecer “(...) o simples chegar e partir, mais ainda 147 PROJETOS E CONTEXTO quando construída próxima de um ‘nó-urbano’, já que o Terminal localiza-se entre o viaduto Presidente Castelo Branco, a linha férrea que liga Rio Grande da Serra ao Brás (Linha 10 – Turquesa da CPTM), a via expressa (avenida dos Estados) e o rio Tamanduateí (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 68) (Figura 69). Figura 69: Imagem área que mostra a real situação com a organização espacial composta pelo terminal urbano, o interurbano, o rio e a linha férrea. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Uma estrutura que atenderá ao terminal rodoviário intermunicipal, à ferrovia de trens rápidos em implantação (CPTM), ao terminal de ônibus urbano e ao transeunte que, à pé, poderá cruzar os vários obstáculos com conforto, abrigado, desfrutando a paisagem industrial dura e bela. (FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 68). Na opinião de Cecília Rodrigues dos Santos, a concepção do Brasil Arquitetura “extrapola a encomenda [da Prefeitura Municipal de Santo André] e inverte o eixo inicialmente proposto para o desenvolvimento da nova rodoviária”, que fica paralela aos trilhos. 148 PROJETOS E CONTEXTO Procurou-se criar uma passarela de pedestres cuja cobertura transpusesse a linha do trem e alcançasse as duas novas estações rodoviárias: a dos ônibus urbanos, com linhas municipais e o terminal intermunicipal, como um “edifício-ponte” que conecta duas áreas da cidade e uma rua de pedestres que oferece infraestrutura para a instalação do comércio (Figura 70). Figura 70: Vista para os dois lados da linha férrea a partir do edifício-ponte. Fonte: Acervo da arquiteta, em maio de 2016. O “edifício ponte” ou “edifício rua”, premiado pelo IAB/SP em 1998, tem área construída total de 10.566 metros quadrados e tira partido da área de implantação que abrange mais de 230 mil metros quadrados. Nasceu com um forte desejo dos arquitetos em entregar à cidade um equipamento que fosse aliado dela e de seus usuários: “(...) Um equipamento urbano de porte metropolitano, uma intervenção pontual, que se irradia em contágios múltiplos de melhoria e conforto na cidade em que vivemos: esta é a rodoferroviária de Santo André”. Cecília Rodrigues dos Santos avalia a intervenção declarando que o projeto foi além do que era esperado pela Prefeitura Municipal de Santo André e o valoriza por ter se tornado um elemento integrador não apenas entre os usuários da CPTM (Companhia de Transporte Metropolitano) e os passageiros das linhas intermunicipais, como também para os pedestres que circulam pela região: Optaram pelo uso da estrutura metálica por sua rapidez de execução e por ser a solução mais simples para enfrentar o problema das diferentes alturas a serem transpostas sobre a 149 PROJETOS E CONTEXTO rodoviária e a via férrea, cujo tráfego não poderia ser interrompido (Figura 71). Figura 71: Perspectiva isométrica da cobertura metálica que resguarda o conjunto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. O artigo de Nanci Corbioli “Obra premiada cria opções de transporte e ajuda a revitalizar região industrial” publicado na edição número 250 (2000), do periódico “Projeto Design” (pp. 4651) assinala que a opção por parte dos arquitetos da “superestrutura metálica aparente” como resposta às diferentes alturas a serem transportadas na linha térrea foi muito apropriada, pois tirou proveito de toda a plasticidade do material. De acordo com declaração de Francisco Fanucci “o catálogo de perfilados brasileiros para construção civil não é tão variado como o inglês, por exemplo”. Assim, para viabilizar a estrutura, foi necessário criar quatro perfis estruturais básicos – uma meia ferradura, uma curva, uma reta e uma junção curva – fixados por parafusos, especificamente para ela. Esses módulos são de fácil produção, transporte e montagem (Figura 72). 150 PROJETOS E CONTEXTO Figura 72: Recortes que demostram os quatro perfis metálicos utilizados no projeto: reto, meia ferradura, junção curva e curvo. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016 e desenho enviado pelo Brasil Arquitetura Os quatro perfis distribuídos pelo edifício se configuram da seguinte forma: 1. Meia ferradura que vencem 3,80 metros de vão vertical e 10,30 metros de vão horizontal, e possuem 30 centímetros de altura. 2. Curvo, cujo raio mede 14 metros, possui 7,40 metros de comprimento e 40 centímetros de altura. 3. Reto com 7,60 metros de comprimento e 35 centímetros de altura. 4. Junção Curva com raio de 1,80 metros e 30 centímetros de altura. Acima dos perfis estruturais está a cobertura com caimento em 151 PROJETOS E CONTEXTO uma água e inclinação de 30% preenchida com telhas metálicas brancas (Figura 73). Figura 73: Imagens com as vigas metálicas cobertas por telhas, também metálicas, na cor branca. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Os pilares que sustentam a grande estrutura da cobertura metálica são executados em concreto de seção circular. Eles estão posicionados a cada 8 metros no sentido transversal e 15 metros no sentido longitudinal e fundem-se à estrutura metálica através de perfis “I” pré-fabricados (Figura 74). Figura 74: Encontro entre as vigas metálicas e os pilares de seção circular, em concreto. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. A grande passarela-corredor, que interliga a rodoviária ao terminal de ônibus municipal, também estruturada em aço possui 320 metros de extensão por 9 metros de largura. A mesma estrutura desce ao nível inferior, passando pelas escadas rolantes e se estende para resguardar também a plataforma de embarque dos ônibus intermunicipais (Figura 75). 152 PROJETOS E CONTEXTO Figura 75: Perspectiva isométrica que ilustra a continuidade da estrutura da cobertura metálica que vai desde o terminal de ônibus municipais (à direita) até o mezanino do terminal de ônibus intermunicipais (à esquerda). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Graças à passarela, que abriga as funções de comércio no nível superior, o piso inferior ficou livre para atender às necessidades básicas do equipamento: plataformas de embarque e desembarque, salas de espera, bilheterias, guarda-volumes, guichês de informações e sanitários (2005, p. 66) (Figura 76). Figura 76: Situação do térreo, com baias dos ônibus intermunicipais (à esquerda e ao fundo), lanchonetes (ao centro), sanitários e bilheteria (à direita). Fonte: Acervo do Brasil Arquitetura. O terminal de ônibus intermunicipais possui 8 baias de ônibus que ficam estrategicamente localizadas próximas à bilheteria, praça de alimentação e aos sanitários, porém, permanecem resguardadas por um painel acrílico com objetivo de diminuir ruídos e fumaça na área de espera (Figura 77). 153 PROJETOS E CONTEXTO Figura 77: Situação da área de espera resguardada por painel acrílico. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Futuramente o número de baias poderá aumentar, graças ao espaço disponível nas laterais. Além disso, imaginando o aumento da demanda nos anos seguintes e a apropriação do espaço por parte da população, o projeto contemplou também a especificação de boxes comerciais em aço inoxidável na parte superior do terminal com 15 metros quadrados cada um e diversos pontos de água e luz, onde atualmente funciona uma unidade de atendimento da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária - Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania (Figura 78). 154 PROJETOS E CONTEXTO Figura 78: Acesso à unidade de atendimento da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Segundo artigo já mencionado da revista “Projeto Design” número 250, sabendo do alto tráfego diário de usuários, foram previstos em projeto 12 baias de ônibus municipais, com espaço para outras quatro que podem vir a ser necessárias no futuro. A informação do texto na época da inauguração descreve a rotina do terminal: “Da rodoviária (...) partem diariamente 212 ônibus, o que significa movimento de 1.300 pessoas por dia ou cerca de 50 mil por mês entre passageiros e acompanhantes” (Figura 79). 155 PROJETOS E CONTEXTO Figura 79: Situação do térreo, com baias dos ônibus intermunicipais (à esquerda e ao fundo), lanchonetes (ao centro), sanitários e bilheteria (à direita). Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. Para atender à demanda diária dos passageiros de ambos os terminais rodoviários, da CPTM, e dos pedestres que o utilizam como passarela para transpor o viaduto, que não possui faixa de pedestres, no interior do conjunto, os usos se interligam facilmente graças à configuração da circulação vertical, que pode ser feita pelo uso combinado de elevadores, escadas rolantes e escadas (Figura 80). 156 PROJETOS E CONTEXTO Figura 80: Circulação vertical: escada, escadas rolantes e elevadores. Acervo da autora, em maio de 2016. Ao mesmo tempo em que esses recortes permitem observar, no presente, a configuração da cidade (passado) vislumbrando um futuro melhor para ela, destacando aquela “capacidade de olhar para o passado e para o futuro” a qual atribuímos como referência a Lucio Costa, eles asseguram a sensação de leveza das peças estruturais, característica recorrente na obra de Lelé, que não se contentava apenas com o peso real da estrutura, mas também com a sensação a transmitida (Figura 81). 157 PROJETOS E CONTEXTO Figura 81: Aberturas inusitadas no Terminal Rodoviário emolduram a cidade ao seu redor. Fonte: Acervo da autora, em maio de 2016. De acordo com depoimento de Marcelo Ferraz para a autora dessa dissertação, o desejo de Lelé era extinguir a precariedade e a metodologia arcaica presente nos canteiros de obra brasileiros, proporcionando uma forma de fazer arquitetura cujo ponto vital está na pré-fabricação das peças e montagem na obra. No entanto, sua pré-fabricação vai além de uma padronização pura. Cada peça era desenvolvida exclusivamente para se adequar à necessidade de cada obra, quer seja no que diz respeito às dimensões do edifício, quer seja em relação à topografia do terreno. Segundo Ferraz, a visita dele e de Francisco Fanucci à fábrica e ao escritório do arquiteto na Bahia, foi uma experiência única na qual entenderam o verdadeiro sentido da arquitetura. Para ele, Lelé não tinha a preocupação em construir uma arquitetura para durar 500 anos, pelo contrário, o objetivo dele era resolver o problema emergencial, por isso a solução deveria ser tão racional, rápida e econômica, porque quando a necessidade mudar, a arquitetura deve ser transformada também. E, ao mesmo tempo em que considera isso incrível, admite que o Brasil Arquitetura trabalha 158 PROJETOS E CONTEXTO diferente nesse ponto, pois ainda procuram fazer uma arquitetura acreditando que ela possa ser um legado às gerações futuras, que ela deva durar, assim como foi pensado o Terminal Rodoferroviário de Santo André, que, por prever a expansão, pretende deixar uma herança para o futuro. Para a estudiosa da área do patrimônio arquitetônico, Cecília Rodrigues dos Santos, o “edifício-rua” concebido transformou o complexo nó-urbano do entorno e sua diversidade de usuários, funções e fluxos: “passou a desempenhar, funcional e simbolicamente, o papel do novo foco da centralidade urbana para a cidade de Santo André”. Afirma que graças à sua clareza arquitetônica, estabelece-se à contramão dos tradicionais projetos de “rodoviárias tristes e fechadas que se tornam focos de degradação das regiões onde se situam”, pois “o edifício veio a se tornar elemento de integração e importante marco referencial na paisagem”. 159 SÍNTESE E HERANÇA Ao vocabulário crítico, a palavra percursor é indispensável, mas indispensável também é tentar purificá-la de toda conotação polêmica ou de rivalidade. O fato é que cada escritor cria seus precursores. Seu trabalho modifica nossa concepção do passado, como há de modificar o futuro. (Jorge Luís Borges, Kafka e seus precursores) Apesar de encontrar importantes referências arquitetônicas na estratégia projetual do Brasil Arquitetura, tanto nos princípios (no primeiro capítulo) quando na prática (no segundo capítulo), com o objetivo de delinear a troca de experiências a partir das influências recebidas, no entanto, seria injusto não enfatizar também os traços autorais no percurso que está sendo definido, já que, por exercerem com maturidade a profissão, foram capazes de decodificar os estímulos que receberam durante toda sua carreira e de manifestá-los de forma única. Dessa maneira puderam a estabelecer e solidificar, durante as quase quatro décadas de existência, sua própria identidade. Desde o início, um ponto fora da curva: optaram por instituir a sede do escritório fora do eixo da Vila Buarque, ou, mais especificamente, da rua General Jardim (que começa na praça da República, passa por baixo do Minhocão e se entende até encontrar a avenida Higienópolis), na porção central paulistana. O IAB-SP (Instituto dos Arquitetos do Brasil de São Paulo), cuja sede também fica na General Jardim desde sua inauguração em 1953, onde Vilanova Artigas mantinha seu escritório enquanto vivo, registra cerca de 250 arquitetos com endereço de trabalho na via ou aos arredores dela, entre eles: Paulo Mendes da Rocha, Apiacás, MMBB, Piratininga, SIAA, Corsi e Hirano, Nietsche, Metro, Una e Andrade Morettin (CORREA, 2013). Segundo dados do Instituto, estão ali empreendimentos específicos como as editoras Cosac Naify e Romano Guerra, a livraria Bookstore, a revista Projeto e o Vitruvius. Além disso, fotógrafos especializados como Nelson cenógrafos, ilustradores e a Escola da Cidade. 160 Kon, designers, SÍNTESE E HERANÇA Talvez a predileção pela Vila Madalena deva-se à sua localização próxima à USP, ou quiçá pelo fato de que na década de 1970 (mesmo período no qual os sócios frequentavam a Universidade de São Paulo), representava uma opção barata para moradia de estudantes. É possível também que tenham optado por manter o escritório e a Baraúna na Vila Madalena (na época, pouco escolhida pelos escritórios de arquitetura) porque perceberam que o bairro, apesar de nobre, é muito eclético com atrações culturais e de lazer que enaltecem sua diversidade/universalidade. Uma localização condizente com o propósito do Brasil Arquitetura de criar espaços baseados nas dimensões humanas de relacionamento e comunicação: “uma arquitetura universal com conexão com as bases culturais de cada lugar”, conforme descreve a epígrafe de seu site oficial, cartão de visita do escritório. Desde a formação do escritório em 1979, a trajetória percorrida engloba uma grande variedade de trabalhos tanto pela natureza programática, quanto pela escala de atuação. Não obstante a diversidade de situações e propostas com que se defrontam em sua atividade profissional, é possível reconhecer uma identidade própria adquirida através da síntese entre a formação assimilada nos anos de graduação na FAU-USP e a relação estabelecida com as afinidades eletivas que atuaram com grande influência na construção da essência do Brasil Arquitetura. Marta Bogéa explica que, como ocorreu no caso do Museu do Pão em Ilópolis, o Brasil Arquitetura anseia que seus projetos sejam continuamente um “fato agregador” afirma ainda que, esperam que esse fato possa transformar positivamente a realidade do lugar no qual a intervenção será inserida. A arquiteta avalia essa ambição como uma preocupação rara atualmente: “(...) uma arquitetura que não se reconhece pela forma, por uma recorrência histriônica e exuberante de design”, mas sim é reconhecida por seu caráter ético. (BOGEA, 2013). 161 SÍNTESE E HERANÇA Assinala ainda uma compreensão significativa do período de graduação em arquitetura, em que a presença de Artigas era marcante. Com suas palavras, Marta Bogéa assinala a assimilação do aprendizado do professor, mas também uma superação dada pela consistência de uma ação cultural mais ampla, que vai além do desenho, da pesquisa formal. Uma arquitetura que se sabe inserida como fato de cultura e almeja constituir uma base material para um habitar poético, e para tanto não atende apenas demandas e as materializa, constrói projetos, no sentido mais amplo da palavra, constrói desígnios, mantendo a tradição proposta por Artigas. E ao construí-los se distancia dessa mesma tradição ao fazê-lo atentamente ao território tanto material quanto cultural a partir do qual se materializará (BOGÉA, 2013). O grifo é nosso. A decodificação das referências estabeleceu uma identidade que se destaca em relação à produção brasileira contemporânea, especialmente no que diz respeito à metodologia que compreende sua ação arquitetônica, das quais seis estratégias projetuais serão ressaltadas nas próximas páginas: a “prática política do projeto”; a “comunicação”; o “discernimento”; a “responsabilidade”; a “substancialidade”; e a “brasilidade”. Com o objetivo de destacar os atributos (e não os projetos), o argumento a respeito desses sete artifícios será desenvolvido a partir de sete projetos selecionados para ilustrar a recorrência dos parâmetros pontuais, respectivamente: Intervenção em Registro (Registro /SP); Museu da Cerâmica (Arvorezinha/RS) e o Instituto Socioambiental (São Gabriel da Cachoeira/AM); Museu Rodin (Salvador/ BA); Museu das Missões (São Miguel das Missões/RS); Centro de Interpretação do Pampa (Jaraguão/RS); e o Bairro Amarelo (Berlim/Alemanha). 1) Prática Política do Projeto Em entrevista concedida à editora Simone Sayegh, originalmente publicada na revista AU – Arquitetura e Urbanismo em janeiro de 2005, e que faz parte da compilação de textos Arquitetura Conversável (2011, pp. 83-89), Marcelo Ferraz é contundente ao afirmar que muitos dos projetos de revitalização de prédios 162 SÍNTESE E HERANÇA históricos dos quais participam por todo o país devem-se à “prática política do projeto” (FERRAZ, 2011, p. 85) exercitada pelo escritório. De acordo com o arquiteto, as oportunidades surgem graças à iniciativa da equipe do Brasil Arquitetura em antever um projeto em potencial, realizar os estudos preliminares e apresentar uma primeira proposta ao cliente com a intenção de fazê-lo perceber a necessidade do projeto. Essa postura é muito particular, pois os arquitetos não apenas atuam na concepção do programa arquitetônico, mas também assessoram na capitalização de verba e promovem todo o trabalho necessário para concretização e construção do edifício. Dessa forma, é possível afirmar que o escritório não precisa filtrar ou recusar nenhum tipo de trabalho, no entanto, segundo palavras do arquiteto: “(...) de uma forma ou outra, estamos sempre dirigindo nossas energias para nossas preferências, mesmo que não deliberadamente” (FERRAZ, 2011, p.31). Em mesma entrevista, ao ser questionado sobre a falta de oportunidade de trabalho da qual muitos arquitetos brasileiros lamentam, apesar de concordar com a escassez, cada vez maior, de trabalho de arquitetura, enfatiza ainda mais o mérito da desse modo de trabalhar tão frequente ao Brasil Arquitetura, que assegura mais liberdade e mais trabalho como solução desse problema (FERRAZ, 2011, p.87). Como exemplo dessa metodologia, Ferraz cita o Memorial da Imigração Japonesa em Registro (interior de São Paulo), que recebeu o Prêmio IAB/SP na categoria “Revitalização de Edifícios”, em 2002: “(...) Ninguém encomendou o projeto. Nós fizemos um estudo, aprovamos no CONDEPHAAT e fomos até o prefeito”. Segundo análise de Cecília Rodrigues dos Santos, a prioridade do projeto de recuperação do conjunto, bastante deteriorado, cuja área total contabiliza mais de 150 mil metros quadrados, foi a “restauração e recuperação 163 de um patrimônio histórico SÍNTESE E HERANÇA reconhecido por tombamento estadual, cujo remanescente físico é depositário da história do município e da origem de grande parte de sua população” (em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005 p. 42). Além do Memorial de Imigração Japonesa, as construções existentes na área foram restauradas conformando um grande complexo, o Conjunto KKKK, que envolve teatro, memorial, áreas de exposição e convivência, salas de aula, restaurante, mercado municipal, praça e o parque Beira-Rio com 2 quilômetros de extensão, cujo objetivo principal é o de recuperação das margens do rio e controle de novas enchentes (Figura 82). Figura 82: Conjunto KKKK às margens do parque Beira-Rio: restauro e nova intervenção em Registro (interior de São Paulo). Foto: Nelson Kon. Acervo Brasil Arquitetura. Cecília Rodrigues dos Santos destaca um aspecto importante: “a articulação desse patrimônio revitalizado com sua paisagem histórica e ambiental, relacionando-o com a cidade de Registro e com o rio Ribeira de Iguape”. Essa ação possibilitou ao município um projeto mais amplo, bem como a integração entre conjunto/cidade por meio do projeto da “praça para o mercado, do desenho de eixos de comunicação e fluxo, ações que se somam 164 SÍNTESE E HERANÇA para recuperar a relação histórica da cidade com seu rio (...)” (em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005 p. 42) (Figura 83). Figura 83: Conjunto KKKK em 1995 comprovando a situação degradada da área. Fonte: CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005 p. 43. Os arquitetos comemoram o resultado, afirmando que a partir da iniciativa que traz como ponto elementar o estabelecimento de uma nova relação entre a cidade e o rio Ribeira de Iguape, com resgate e a revisão histórica da cidade feita a partir de um espaço/documento, no qual a convivência é o núcleo central do equipamento (em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005 p. 49). Fanucci e Ferraz acreditam que graças à iniciativa “(...) Registro que era uma cidade feia e degradada, reconquistou a relação sadia com o rio Ribeira de Iguape (...)” (FERRAZ, 2011, p. 85) e estabeleceu uma nova integração entre a população e o espaço. As reflexões a respeito desta prática desenvolvida pelo Brasil Arquitetura propõem uma interrogação aos colegas arquitetos contemporâneos e às gerações futuras: “Estaria eu fazendo a minha parte?” e “Como posso, então, contribuir de fato para a melhoria de minhas cidades?”. 2) Comunicação Para conceber uma relação plena entre o contexto (físico, social, econômico) e o estabelecimento do programa é necessário um 165 SÍNTESE E HERANÇA grande esforço multidisciplinar que envolve habilidades que vão além das necessárias para a construção de um edifício. É fundamental esclarecer, nesta etapa do trabalho, que o termo “programa” está aqui utilizado no sentido mais amplo da palavra. Segundo palavras do próprio arquiteto: “(...) Entendemos por programa a mais abrangente e profunda demanda humana, seja no âmbito da vida íntima, individual, seja na vida em coletividade, pública”. Para a equipe do Brasil Arquitetura, o programa envolve uma “(...) tomada de consciência do significado ou da identidade do lugar – do lugar enquanto sítio habitado” (FERRAZ, 2011, p.91). Seguindo essa perspectiva, quando for projetar, o arquiteto deve buscar empatia em relação aos usuários e para isso é preciso entender sua rotina e suas necessidades: ser médico e paciente ao conceber um hospital; aluno e professor quando pensar uma escola; funcionário e cliente ao desenhar espaços corporativos e comerciais; adulto e criança ao imaginar uma praça; e assim por diante. O arquiteto deve ter a capacidade de entender uma situação não só física, mas socioeconômica de um espaço, de um bairro ou de uma comunidade. Deve conversar com as pessoas e tirar daí a sua resposta, o projeto. Deve devolver uma coisa de acordo com esta realidade percebida. (...) Às vezes há uma demanda empírica ou subjacente à realidade imediata, que ninguém tinha pensado. (...). O importante para o arquiteto é ver além delas (...) (FERRAZ, 2011, p.164). Em seus projetos é frequente a busca pelo aprofundamento da ideia do programa, além do que é solicitado explicitamente pelo cliente, que pode ser público ou privado. Na verdade, o trabalho proposto pela equipe do escritório busca “(...) agregar ao conceito de programa o uso ou a vida que se dará no futuro espaço a ser construído” (FERRAZ, 2011, p.91). Apesar de essa ser uma característica recorrente na obra do Brasil Arquitetura desde o início de sua trajetória, ela não acontece automaticamente, e, provavelmente por isso a experiência dessa forma de trabalhar é tão rica, pois envolve diversidade e 166 SÍNTESE E HERANÇA originalidade em diferentes situações e demandas. A prática de “construir programas” é interessante porque “(...) extrapola o ato de projetar, stricto sensu. Sonhamos e projetamos os comportamentos futuros daqueles que utilizarão os espaços, que fruirão dos espaços (...)” (FERRAZ, 2011, p. 31). O edifício deve comunicar-se com o usuário, que, por sua vez, deve sentir-se à vontade a apropriar-se do espaço concebido. Em palavras de Marcelo Ferraz: “arquitetura é comunicação” (FERRAZ, 2011, p.164), por sua capacidade, talvez maior até que nas outras formas de comunicação, de unir “expressões intelectuais e intuitivas, objetivas e subjetivas”, e no caso dos projetos do Brasil Arquitetura, a ação arquitetônica, apesar de fundamentada na criação é sempre “vigiada de perto, muito de perto, pela responsabilidade civil e social” (FERRAZ, 2011, p.24). Já que os projetos são uma forte “ferramenta de interferência na vida das pessoas” (FERRAZ, 2011, p.188) essa mediação deve ser feita como uma “prática social”, com muita cautela. E, por isso requer uma reflexão que considere o “diálogo com o entorno deve existir sempre, seja para criar harmonia, seja para criar tensão ou conflitos, negação (...)” (FERRAZ, 2011, p.188). Gosto muito do termo “prática social”. Meus colegas de trabalho e eu não conseguimos vestir a camisa daquele arquiteto que fica na prancheta, cultivando as “coisas geniais do desenho” (...) A prática social no caso é dada, você sempre buscando as relações com todos agentes que interferem no projeto; a política, no sentido mais nobre da palavra, principalmente com aquele que vai utilizar o projeto. (FERRAZ, 2011, p.170). De certa forma, esse modus operandi funciona também como um instrumento que auxilia a vencer o dilema do “papel em branco”, vivenciado por todos aqueles profissionais que trabalham com a criação. Ao pensar no “por onde começar?”, muitas vezes se tem a resposta após entender o contexto (histórico, físico, social e econômico) no qual o objeto será inserido. Isso ocorreu no projeto ainda embrionário para o Museu da Cerâmica em Arvorezinha, cidade que pertence ao “Caminho dos 167 SÍNTESE E HERANÇA Moinhos” e próxima a Ilópolis, que abriga o Museu do Pão sobre o qual se discorreu no segundo capítulo deste estudo. De acordo com entrevista concedida à autora desta pesquisa, Marcelo Ferraz narrou o processo criativo pelo qual passou até chegar a sua primeira proposta para o Museu da Cerâmica (Figura 84). Figura 84: Modelo 3D em Sketchup que mostra a implantação. Em cima, vista frontal e embaixo, vista posterior. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Durante a entrevista o arquiteto mostrou-se bastante empolgado por descobrir o partido que será adotado na concepção do projeto: “Matei a charada agora, estou super entusiasmado!”, admite o arquiteto. Segundo Ferraz, inspirado na modulação rígida com a qual os tijolos cerâmicos são feitos, o edifício seguirá modulação e será edificado com blocos cerâmicos. A partir da definição da modulação, o restante das decisões foi se encaixando porque, conforme opinião de Marcelo quando se está focado em solucionar uma demanda, as respostas começam a vir em série, como se comprovassem que o encadeamento lógico do raciocínio é adequado. Assim, a modulação surge como um recurso de processo, que nunca é “arbitrário”, e, para o Brasil Arquitetura, sempre deve estar fortemente ligado ao contexto existente. Seu terreno de formato irregular e com sete curvas de nível distintas possui quase 1,2 mil metros quadrados (com 25 metros 168 SÍNTESE E HERANÇA de frente e pouco mais que 30 metros de fundos) e está inserido dentro de uma fábrica de cerâmica (Figura 85). Figura 85: Prancha de estudo para o Museu da Cerâmica: terreno de formato irregular e com sete curvas de nível. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Implantado em toda a extensão do terreno, o prédio aproveita os desníveis para criar no subsolo, entrâncias e reentrâncias aproveitando da forma mais natural, com o mínimo de intervenções no contexto físico que é o terreno disponível. Para consagrar toda a atmosfera da fábrica e assegurar que a mesma estará refletida no novo edifício proposto, o Museu da Cerâmica será o “Museu dos Tijolos”, de acordo com depoimento de Marcelo Ferraz em entrevista. Os tijolos serão os protagonistas do projeto e trabalharão como elementos estruturadores e integradores e aparecerão de forma direta e indireta. 169 SÍNTESE E HERANÇA Como os tijolos de cerâmica seguem uma modulação fixa, pensouse que essa rigidez deveria repetir-se na organização espacial da planta. Definiu-se, então, uma malha modulada cuja base são quadrados de 5 metros de lado (Figura 86). Figura 86: Implantação com módulos de 5x5 cobertos por telhado verde. Vista de cima a construção será uma mimese à grama da parte externa do edifício. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A proposta do projeto até o momento é reafirmar a materialidade do tijolo, combinando-a com o processo de concretagem, de maneira a conferir uma textura singular ao edifício. Pensam em colocar os tijolos dentro de fôrmas para que os dois elementos – concreto e tijolo – formem uma camada única e envolva as paredes e a estrutura, criando uma atmosfera espacial repleta de apelos tanto visuais quanto sensoriais onde se destacarão as características dos blocos cerâmicos. Serão executadas, também, colunas de tijolos que, seguindo raciocínio do arquiteto, em entrevista, serão intencionalmente desalinhadas, com o intuito de chamar atenção para elas de maneira que o visitante possa perceber os tijolos, em destaque. 170 SÍNTESE E HERANÇA Distribuído em dois pavimentos o programa possui áreas de exposições permanentes e temporárias, recepção e auditório para 48 pessoas no térreo. Desta forma, o projeto do Museu da Cerâmica utilizado como analogia ao atributo da “comunicação” recorrente na obra do Brasil Arquitetura demostra como o diálogo entre usuários e atmosfera (contexto) com os quais a intervenção deverá relacionar-se junto à concepção inicial das propostas; no mesmo momento em que são definidos os caminhos que serão percorridos. É possível identificar essa característica comunicativa também no projeto para o projeto do Instituto Socioambiental (ISA), que contou com uma inovação muito simples: aproveitar a sabedoria popular dos indígenas, para quem o edifício está sendo construído em São Gabriel da Cachoeira (AM) que também apresenta aspectos importantes sobre a relação com os contextos físico, cultural e econômico do lugar. Francisco Fanucci, em entrevista para a autora desse estudo afirmou que a atuação do escritório sempre parte da tentativa de compreender, da forma mais profunda possível, as condições do lugar. Na opinião do arquiteto, o caso do ISA é particularmente interessante porque foi uma experiência inédita para o escritório já que as paredes de alvenaria e os elementos em concreto foram calculados no escritório em São Paulo, mas a estrutura, ou o “esqueleto de madeira” que funciona como uma cobertura como chamou o arquiteto parte da construção foi executada pelos próprios índios locais. Para que a construção corresse como planejado, foi necessário por parte do escritório, um aprendizado extra no que diz respeito à representação gráfica. Precisaram aprender mais sobre a lógica construtiva que estavam propondo, para então construir uma maquete da mesma maneira como os construtores locais deveriam executar a cobertura em São Gabriel da Cachoeira (Figura 87). 171 SÍNTESE E HERANÇA Figura 87: Foto da maquete desenvolvida pelo Brasil Arquitetura para ser utilizada pela equipe local na construção da “roupa de madeira” do edifício. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Como seria utilizada para execução da obra, a maquete precisava ser rica nos detalhes. Desse modo, o modelo produzido mostrava não apenas a parte externa do edifício, mas também todo o núcleo de alvenaria e os forros de cestaria. A região tem uma diversidade muito grande de cestarias e foi um grande aprendizado para a equipe do escritório. Você tem muitas etnias naquela região, muitas mesmo, e etnias que tem compreensões muito diferentes, do mundo, cosmogonias e tal, e cada um têm a sua maneira, vamos dizer assim, sua arquitetura, sua maneira de enfrentar diaa-dia, cestarias próprias, cerâmica, maneira de habitar, sabe? São muito variadas! E no caso da construção em madeira foi uma família que resolveu e assumiu construir lá porque eles já haviam construído outras coisas que a gente viu lá na cidade e tal. Com área total de mil e oitenta e três metros quadrados, a maloca foi construída para acolher os encontros anuais de vinte e dois povos indígenas da região que dividem a mesma área de reserva. A união de povos diferentes sob o mesmo abrigo representa a importância do trabalho coletivo para as culturas locais. Insere-se naturalmente às margens do Rio Negro com a forma orgânica da cobertura e com o uso da madeira como revestimento das fachadas. 172 SÍNTESE E HERANÇA A paisagem do exterior incide no interior do recinto, especialmente no último pavimento, graças à utilização de vidro nas vedações. O projeto teve como ponto de partida um “gesto racionalista” (CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p.84), trata-se de um cubo de alvenaria pintado de branco, que, de acordo com memorial de projeto, mede 16 metros de comprimento de cada lado e possui gabarito de 3 pavimentos de altura (Figura 88). Figura 88: Projeto da cobertura com posicionamento das ripas e a trama formada pelas cestarias. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A partir do arquivo com o desenho do projeto em AutoCAD disponível no site oficial do escritório, é possível observar a inserção de uma circunferência (cobertura) cujo diâmetro coincide com a medida do lado do quadrado (volume do edifício). Caberia investigar em um artigo futuro a relação vitruviana entre o quadrado e a circunferência e propor uma discussão acerca do simbolismo dessas duas formas para os indígenas: o círculo como elemento divino/natural e o quadrado como elemento terrestre/construído. Esse estudo não se deterá na análise aprofundada desses aspectos, pois seu objetivo principal é entender a utilização da inovação na produção do escritório. O elemento principal da “maloca” (em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p.84) é a cobertura côncava que se apresenta como uma oca indígena, coberta por fibras de piaçava sobre estrutura de madeira e cipó, e vence um vão correspondente 173 SÍNTESE E HERANÇA aos dezesseis metros de lado do quadrado da planta (Figura 89). Figura 89: Detalhe interno da cobertura executada em fibras de piaçava sobre estrutura de madeira e cipó (esquerda) e estrutura na maquete enviada à mão de obra local (direita). Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Ela está sustentada por dez pilares de seção circular com quinze centímetros de diâmetro cada um. Esses dez pilares conformam um segundo círculo com dez metros de diâmetro. Os vinte caibros da cobertura estão posicionados a cerca de quinze centímetros de distância um do outro. Pelos caibros, distribuem-se as diversas terças (Figura 90) que se articulam. Figura 90: Croquis (planta e perspectiva) do desenvolvimento das tramas, trançados e encaixes da cobertura. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A cumeeira mede cinco metros e vinte e sete centímetros de altura. A proposta segue os métodos construtivos tradicionais, os materiais e a mão de obra disponíveis no local, opção que favorece a economia, a rapidez, a integração ambiental-cultural e apropriação total do novo espaço da instituição por parte da comunidade. 174 SÍNTESE E HERANÇA O memorial do projeto descreve o programa arquitetônico da seguinte maneira: salão multiuso (trabalho, exposições, telão para projeções e conferências), biblioteca, copa e sanitários no pavimento térreo. No primeiro pavimento seis acomodações para pesquisadores permanentes ou visitantes. No último piso estão a sala de reuniões, a cozinha coletiva, sanitários e sala de baterias que ocupam um terço da área desse pavimento. Sua cobertura foi executada em lajes de concreto capazes de sustentar as placas de captação de luz solar que gera energia suficiente para a iluminação e o funcionamento dos computadores. Os outros dois terços da área são destinados à área de convivência com “redário”. Essa grande área de estar tira proveito da vista panorâmica do Rio Negro (Figura 91). Figura 91: Abertura da paisagem da cobertura da maloca à floresta e ao Rio Negro. Foto: Daniel Ducci. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Quando se considera soluções que privilegiam a adequação ao contexto deve-se atentar também para que as escolhas possibilitem maior conforto ambiental a partir das condições proporcionadas pelo lugar. Nesse projeto as estratégias a esse respeito aparecem no emprego de tramas de madeira e cipó que resguardam as varandas por todo o perímetro do edifício. Na fachada posterior, a mesma estratégia é utilizada como elemento plástico quando 175 SÍNTESE E HERANÇA delineia a escada (Figura 92). Figura 92: Peitoris das varandas em tramas de madeira e cipó (à esquerda). Na fachada posterior, a mesma trama de madeira e cipó que protege as varandas delineia a escada (à direita). Foto: Daniel Ducci. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Fonte: Site oficial do escritório. Ao ponderar acerca dessa prática, tão importante para o escritório, ficam aos escritórios contemporâneos, e também aos futuros arquitetos, as indagações: “Estaria eu, como arquiteto, construtor de espaços, buscando promover a relação entre o meu edifício e todo o entorno circundante?”; “Como poderia aprimorar meu processo de criação para encontrar soluções contundentes que possam ir além da concepção formal ou funcional do edifício?”; “Que mensagem eu estou comunicando para a sociedade no qual meu projeto será inserido?”. 3) Discernimento Como indicado no primeiro capítulo deste volume, a “ação estratégica na área do patrimônio” (FERRAZ, 2011 p. 158) do Brasil Arquitetura, apesar de municiada pelos princípios adotados por Lina Bo Bardi e Lucio Costa, indica que as soluções propostas devem estar vinculadas a determinadas motivações. Quando questionados sobre qual o raciocínio utilizado por eles ao decidir o que será mantido e o que será relegado em seus projetos de intervenção em patrimônio, afirmam que seguem frequentemente a máxima de que “cada caso é um caso”, especialmente por entenderem a arquitetura como uma atividade absolutamente dinâmica e que deve levar em conta a realidade existente naquele momento específico em que precisam tomar uma decisão, sendo, para eles, incoerente, preestabelecer 176 SÍNTESE E HERANÇA parâmetros e critérios padronizados (FERRAZ, 2011, p. 162). “(...) Cada vez que a gente faz uma escolha uma nova realidade é colocada. A arquitetura é absolutamente dinâmica o que pode alterar completamente a realidade. Por isso essa dificuldade de se formar critérios e parâmetros rígidos (...)” (FERRAZ, 2011, p. 162). A legislação é necessária porque é ela que define as áreas de interesse. Mas ela não consegue formular critérios de intervenção (...) os critérios são voláteis, variam não só com o objeto, mas com o tempo (...). As regras, as leis, são importantes para a definição dos valores mais perenes do patrimônio. Mais elas têm que ser encaradas, a cada momento, à luz da atualidade, da contemporaneidade. Essas regras e leis não podem ser tomadas de uma maneira absoluta senão corremos o risco de um ‘congelamento’ dos espaços do patrimônio histórico. (FERRAZ, 2011, p. 182) Assim, não é possível, para eles, estabelecer um raciocínio único sobre o que deve ser mantido ou demolido, ou que tipo de material ou técnica construtiva utilizar. A opinião deles é a de que “(...) fazer arquitetura também é demolir”. (FERRAZ, 2011, p.104) Acredita-se que toda edificação seja uma intervenção em preexistência, que pode ser um edifício antigo ou uma cidade, por exemplo, mas cada caso dirá como a intervenção deve preservar ou esquecer. Para eles não existe um modelo único a ser seguido: “Cada cidade, com sua história, sua geografia física e humana, suas características e originalidades, aponta saídas e soluções diferenciadas para seus problemas urbanos” (FERRAZ, 2011, p.105), contudo, consideram a cidade como patrimônio histórico e acreditam que é necessária muita prudência em relação a ela: “(...) porque representa o documento de uma época. Mas, atenção: um documento congelado no tempo perde seu sentido de existir”. (FERRAZ, 2011, p.102) Ora, só nos interessa o passado de pedra, barro, cal, madeira, ferro e tinta – o passado ‘construído’ – se pudermos torná-lo vivo, útil, atual, necessário na contemporaneidade para além de sua função documental. E mais, se ele servir de espelho, de referência a um futuro por construção. (FERRAZ, 2011, p.158) 177 SÍNTESE E HERANÇA Como objeto de estudo desse parâmetro, optou-se pelo Museu Rodin, inaugurado em Salvador. Trata-se de um antigo palacete residencial que deveria, então, transformar seu uso e adequar-se às necessidades de um museu de arte, bem como ao cumprimento de uma série de exigências por parte da matriz francesa (Figura 93). Figura 93: A imagem mostra a relação entre o edifício novo, mais baixo, ao fundo, com coloração acinzentada e o edifício antigo, branco e como ambos relacionam-se com a praça e as áreas centenárias que foram mantidas. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A primeira delas era a necessidade de encontrar uma sede que pudesse ter significado cultural para a cidade e que atendesse a todos os requisitos técnicos necessários para acolher as cerca de setenta peças originais em gesso, parte do acervo do museu em Paris (em FANUCCI; FERRAZ, SANTOS, 2005, p. 98). Assim, o escolhido foi o centenário Palacete Comendador Catharino (1912), em estilo eclético, e com ele duas novas reivindicações: o edifício complementar a ser construído deveria se apresentar de forma harmoniosa, sem gerar ruídos ou contrastes com o edifício centenário; e todas das árvores plantadas no terreno deveriam ser mantidas. Determinar um novo uso ao antigo palacete foi basilar para permitir a ele uma nova vida. Na opinião de Marcelo Ferraz, 178 SÍNTESE E HERANÇA quando uma edificação ou um conjunto de edificações não possui mais uso, ela não precisa ser conservada: “(...) Se não é um documento, um grande testemunho da construção ou de alguma técnica arquitetônica, não tem porque ser conservada (...)” (FERRAZ, 2011, p.162). Segundo os arquitetos, os maiores embates sobre a intervenção no prédio existente diziam respeito às paredes internas que não poderiam ser completamente desconfiguradas, mantendo a memória de um exemplar da arquitetura eclética (com valor documental para a Bahia), mas ao mesmo tempo era necessário criar ambientes mais amplos para possibilitar a circulação confortável dos visitantes e, até mesmo, uma museografia mais interessante com espaços comunicáveis entre si. Foi então que, após muita discussão, optaram por demolir as paredes internas do segundo pavimento, e por preservarem os batentes possibilitando aos visitantes entenderem qual era a dinâmica espacial do edifício original do qual foram mantidas também as marcas no piso e as divisões no teto (FERRAZ, 2011, p.168) (Figura 94). Figura 94: Fotografia que destaca a manutenção do antigo e o diálogo com o antigo nos interiores do Museu Rodin. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 179 SÍNTESE E HERANÇA Outro ponto que causou divergências foi sobre a pintura do palacete. Ao invés de se preocuparem em retratá-lo com as tonalidades escolhidas na época de sua construção e não correr o risco de criar simulacros decidiu-se pintá-lo todo na cor branca, de maneira a conferir à história uma mesma textura: “(...) é uma leitura atual de algo passado, mas ele ainda está aí. Nós [do Brasil Arquitetura] somos contra o saudosismo puro. Saudade, só do futuro” (FERRAZ, 2011, p.168). A arquiteta historiadora Cecília Rodrigues dos Santos entende que a principal estrutura criada para demostrar a continuidade entre o novo e o velho é “representada por uma passarela de concreto protendido, sem pilares de apoio com 3m de altura” (Figura 95). Figura 95: A partir do edifício antigo é possível avistar um visitante que atravessa a passarela que conecta o novo e o velho. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 180 SÍNTESE E HERANÇA De acordo com sua análise, a “passarela alcança a discreta caixa cega de concreto aparente, passa por trás de um anteparo de treliça de madeira (...), olha para o interior da caixa e acaba numa escada lateral externa”. (em FANUCCI; FERRAZ, SANTOS, 2005, p. 98) (Figura 96). Figura 96: Um novo ângulo possibilita perceber a escala da intervenção Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Cecília Rodrigues dos Santos considera que a intervenção é harmônica e atendeu a todas as exigências que foram a ele propostas: a primeira era a manutenção das árvores plantadas no 181 SÍNTESE E HERANÇA jardim existente; a segunda indicava a necessidade de o novo edifício respeitar a escala do prédio histórico existente, mesmo devendo ser construído manifestando o caráter contemporâneo da materialidade, das soluções físicas e da continuidade e fluidez (2005, p. 98) (Figura 97). Figura 97: A nova construção encosta a antiga de maneira respeitosa e ao mesmo tempo em que reverencia o velho, enaltece o novo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A imagem acima permite perceber como é sutil a transição entre os tempos (passado e presente) construída para a inserção do 182 SÍNTESE E HERANÇA elevador, necessários para atender à nova demanda. Trata-se de um bloco de concreto “encravado” na porção posterior do antigo palacete no qual foi inserida uma espécie de pele de placas de madeira apoiada em seis traves metálicas. A respeito desse item identificado acredita-se que o questionamento sugerido é o de “Estamos dando vida à nossa cidade?”; “Como valorizar o nosso patrimônio a ponto dele não se tornar desnecessário?” “Não seria pertinente projetar edifícios visando à possibilidade de seu uso para as gerações futuras?”. 4) Responsabilidade O quarto procedimento identificado como frequente no modo de trabalhar do escritório Brasil Arquitetura é a ciência pela responsabilidade intrínseca na atividade do arquiteto: a ética em relação às consequências de suas propostas. Há séculos os edifícios (ou refúgios) são construídos como abrigo com a finalidade de durar o maior tempo possível, embora admitam que essa tendência pode mudar com o passar das próximas décadas devido à eminente necessidade de construção de “arquiteturas de urgência”, como eram as intervenções feitas por Lelé nos Centros de Comunidade – postos de saúde, pequenas escolas, pontos de atendimento, lavanderias, etc – nas favelas no Rio de Janeiro. Em entrevista à autora desta pesquisa, Marcelo Ferraz afirmou que, para Lelé, a arquitetura tinha um caráter emergencial; ritmo de arquitetura de socorro; de ocupação. Ele construía equipamentos de melhoria das condições de habitabilidade nas favelas não por acreditar que as favelas deveriam durar para sempre, muito pelo contrário, mas propunha assistência para atender às necessidades momentâneas daquela população, que não pode ser esquecida. E nesse ponto sim, o pensamento da equipe do Brasil Arquitetura se equipara ao do arquiteto carioca. Para eles, apesar de ter um compromisso com os clientes (seja ele público ou privado), há de 183 SÍNTESE E HERANÇA preocupar também com a dívida do arquiteto em relação às cidades, às comunidades como um todo: “Nós trabalhamos mesmo é para a cidade, para a sociedade, para a comunidade. Nisso eu estou com Alvar Aalto: ‘O arquiteto é um servidor da sociedade’”. (FERRAZ, 2011, p. 181) A ética presente na produção do Brasil Arquitetura, muito tem a ver com o legado que procuram deixar à população local que se envolve na ação após a conclusão do edifício, como ocorreu no Museu do Pão em Ilópolis que gerou empregos diretos e indiretos advindos das necessidades do museu, da escola e também dos empreendimentos do entorno, fomentados pelo turismo no local. Não há como afirmar com certeza, mas esse provavelmente também será o resultado do Museu das Missões, em São Miguel das Missões (RS) sobre o qual, em entrevista à autora desse ensaio, Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz falaram com muito contentamento a respeito de um novo projeto, em fase de conclusão, que segundo eles “(...) talvez seja o de maior reponsabilidade que nós já lidamos aqui no escritório”. Não apenas pela dimensão do projeto que, em área pode ser comparado ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), de Lina Bo Bardi, mas principalmente pela grandeza da proposta, que não está apenas nos 8,5 mil metros quadrados de área total do complexo cultural em São Miguel das Missões (RS), mas sim o fato dele estar tão próximo às ruínas de São Miguel e ao Pavilhão Lucio Costa (1937) antigo Museu das Missões. O memorial de projeto evidencia o entendimento da necessidade desse diálogo. Depois da intervenção de Lucio Costa no sítio histórico de São Miguel das Missões, com seu assertivo projeto e construção do museu (hoje Pavilhão Lucio Costa), fica muito claro que qualquer nova intervenção deve seguir as diretrizes – explícitas e subjetivas – de respeito e conformidade com o bem que se quer preservar, seja do ponto de vista físico – ruínas, muros, pedras e o próprio museu -, seja do ponto de vista do que se imagina ter sido a epopeia das missões guaranis do século XVIII, justamente a partir destes elementos remanescentes na paisagem. 184 SÍNTESE E HERANÇA Dessa forma, além da responsabilidade física de inserir um edifício vizinho à intervenção de Lucio Costa– atual Pavilhão Lucio Costa e próximo às ruínas das missões, preocupam-se em retornar atividades que abriguem toda a população próxima a ele. Nesse caso, a relação com a preexistência não se dá com uma construção adjacente, mas sim em relação ao urbanismo e à história do sítio de implantação. Marcelo Ferraz, na mesma entrevista concedida à autora, explica o tamanho da responsabilidade: “(...) Tudo nesse conjunto está dentro do sítio histórico, ou seja, a gente tem ali um espelho muito forte”, referindo-se ao diálogo que o novo edifício deverá estabelecer com a edificação projetada por Lucio Costa em 1937 (Figura 98). Figura 98: Fotografia da maquete do conjunto. Deste ângulo é possível perceber a proximidade entre o Museu das Missões, e a Igreja das Ruínas de São Miguel das Missões (ao fundo), três cotas acima do novo complexo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Declararam à autora deste estudo que, após muita pesquisa sobre as missões, chegaram numa malha, um “grid”, que se repetiria nas ocupações indígenas de colonização espanhola. Conformaram assim um retângulo cujo lado maior media 33 metros e o lado menor media 16,5 metros de comprimento. Dessa forma, definiram o módulo estruturador do projeto. Por vezes utilizado por inteiro, ora o módulo era dividido pela metade, mas sempre com o 185 SÍNTESE E HERANÇA objetivo de dialogar e de remeter ao urbanismo do assentamento missioneiro (Figura 99). Figura 99: A implantação do novo edifício evidencia a existência de uma malha estruturadora Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Um projeto de intervenção no sítio histórico deve levar em conta justamente essa dicotomia hoje existente entre a força do patrimônio construído e a cidade de hoje à sua volta. Deve considerar as necessidades atuais da vida socioeconômica de uma comunidade de base agrícola, com a particularidade de levar em seu “coração” uma riqueza cultural enorme. (Memorial de projeto enviado pelo escritório) Outra responsabilidade presente nesta intervenção trata da suave inserção da materialidade no contexto existente. Ao visitar o sítio de implantação do novo projeto, os arquitetos , sensíveis ao entorno, observaram a coloração do céu, da vegetação e as pedras grés de cor vermelha por todos os lados, já que em seu entorno próximo estão o pavilhão construído por Lucio Costa e as ruínas da igreja de São Miguel das Missões, ambos com a tonalidade avermelhada. Desse modo, outra relação estava estabelecida, uma conversa entre os materiais selecionados para edificar a intervenção. No memorial do projeto disponibilizado pela equipe do escritório, o concreto com tonalidade avermelhado seria a solução, pois a pedra não daria conta das vigas que suportariam os vãos propostos: “o concreto armado pigmentado em oxido de ferro, criando um continuum tectônico interessante de respeito ao patrimônio construído, sem sobreposição, mas também sem submissão” (Figura 100). 186 SÍNTESE E HERANÇA Figura 100: Arquitetura explora a materialidade do concreto armado pigmentado em oxido de ferro em tonalidade avermelhada. À direita, a mesma materialidade dialoga com duas colunas jesuíticas retiradas de uma ruína de São Lourenço. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Os autores admitem, em entrevista, a influência da arquitetura kahniana no conjunto edificado composto por diversos blocos, cobertos e sem cobertura que se integram ou dissociam conforme necessidade do programa de atividades, o qual segundo memorial, foi proposto em conjunto com o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e o município de São Miguel das Missões. Essa separação e proximidade entre os volumes permite, também de acordo com o texto do memorial, uma liberdade maior para cada área do programa que inclui usos pautados especialmente nas ideias de acolhimento e de convivência. Segundo o texto: “(...) essas atividades serão alocadas em um conjunto arquitetônico com construções novas ’unidas e separadas‘ entre si; (...)”, mas também com proximidade colaborativa de vizinhanças quando necessária a integração, à imagem de uma cidadela. Ocupando duas quadras cortadas pela Rua São Nicolau, o novo conjunto será articulado por uma grande – e longa – praça em seu miolo. Esta praça, circundada pelos edifícios vermelhos em concreto e pedra, trará, mesmo que longínqua, a memória dos claustros e pátios dos colégios jesuítas. De um lado, em uma das quadras, alocaremos a Secretaria de Turismo, o novo CTN (preservando o “rancho crioulo” octogonal), e do outro, o novo museu, o IPHAN, o IBRAM, os auditórios e as áreas de apoio, além de reservas técnicas. O “frente-a-frente” destes dois polos – um mais ligado à vida local e outro mais aberto às visitações turísticas – deverá criar uma tensão sadia no nível de suas programações, em função das mesclas de usos de seus espaços e serviços que serão compartilhados (Memorial de projeto enviado pelo escritório). 187 SÍNTESE E HERANÇA Sobre a responsabilidade civil, todos os ambientes previstos auxiliarão a contar e a valorizar a história das 30 missões do Brasil, da Argentina e também do Paraguai. Essa multinacionalidade estará representada através de um mapa executado no mesmo concreto de cor avermelhada onde estarão representadas todas as missões em baixo relevo (Figura 101). Figura 101: Mapa em baixo relevo com as 30 missões distribuídas entres regiões de três países da América do Sul: Brasil, Paraguai e Argentina. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Reafirmando a responsabilidade presente no projeto além das áreas expositivas e administrativas será construída a “Casa M’ Biá Guarani”, que tem o objetivo de abrigar os índios Guaranis de passagem pela cidade; e a “Esplanada Cívica” que poderá abrigar diversas atividades abertas à comunidade e festividades da região: está prevista para nessa área, uma exposição a céu aberto de objetos (reais ou réplicas), formando um caminho que representará a saga das Missões (Figura 102). 188 SÍNTESE E HERANÇA Figura 102: Maquete do complexo cultural com destaque em vermelho para área que abrigará a “Esplanada Cívica”. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Dois elementos presentes no sítio de São Miguel das Missões serão restaurados: o “Rancho Crioulo” e o “Restaurante do Parque”. O primeiro possui uma grande simbologia para a população local e trata-se da recuperação de uma construção octogonal em madeira, na nova implantação estará em uma das extremidades da praça. Pintado em cal, criará uma dicotomia com o vermelho do concreto e das pedras nos edifícios em volta e abrigará reuniões, aulas e pequenas apresentações comunitárias (Figura 103). Figura 103: No render enviado pelos arquitetos é possível identificar uma construção branca, ao fundo que é um contraponto às demais construções em concreto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 189 SÍNTESE E HERANÇA O restaurante estará instalado em um edifício de madeira que atualmente é sede da Secretaria de Turismo, mas voltará ao seu uso primeiro. Parte de sua alvenaria será demolida para que o restaurante se abra ao bosque. Houve outras solicitações por parte do IPHAN e da Prefeitura Municipal. Segundo o memorial, foram elas: - Recuperação da pequena e pioneira igreja da cidade, com a construção de um novo acesso e um pátio / adro em sua frente. - Marcação do entorno do parque / sítio histórico com asfalto vermelho nas ruas que o cercam. - Implantação de um novo sistema de iluminação com a retirada dos postes e enterramento da fiação na esplanada cívica. - Retirada da cerca de arame que contorna o parque onde for possível, mantendo o fechamento somente em áreas de apoio e serviços. - Retirada de algumas árvores do eixo frontal do conjunto jesuíta e da cerca vegetal. Como linha geral, devem evitar as arbustivas de toda espécie para deixar sempre aberta a vista ao nível do caminhante. - A avenida Boaventura Braga deverá ser priorizada para estacionamento de ônibus e automóveis por ser a via principal de chegada ao Parque Histórico. Essa propriedade presente no trabalho do Brasil Arquitetura evidencia a consciência da civilidade de que qualquer nova intervenção (não importando a escala dela) na cidade deve ter. Cada arquiteto quer fazer o seu predinho (ou predião), sua fachadinha de loja, deixar sua marca (ou sujeira), parecendo ignorar que está fazendo um pedaço da cidade, sem se dar conta de que sua intervenção, por menor que seja, faz parte de um organismo vivo e complexo. Vivemos o “jejum” da cultura arquitetônica. Não só dos arquitetos, mas de toda a sociedade brasileira. Por isso temos as cidades que temos. (FERRAZ, 2011, p. 80) 190 SÍNTESE E HERANÇA Entende-se, que a esse respeito, deva-se sempre averiguar quais os efeitos que o trabalho dos arquitetos contemporâneos têm gerado às cidades a ponto de entender com qual responsabilidade estão projetando; com quais objetivos. Estão tratando seus projetos como cúmplices das cidades? Ou apenas buscando destacar seu edifício considerado como um artefato isolado? 5) Substancialidade Aqui, preferiu-se utilizar o termo “substancialidade” como alusão à publicação “O substantivo e o adjetivo”, de Jorge Wilheim (1976), na qual o autor, referindo-se ao urbanismo considera o “substantivo” como sendo o básico, e o “adjetivo” como o acessório. Por interpretar a preocupação com a materialidade como básico/fundamental, na produção do Brasil Arquitetura como notória. Jorge Preciado (professor assistente da Universidade Simón Bolívar, Caracas) em seu texto “O traço e a pegada. Sobre o trabalho de Marcelo Ferraz”, traduzido por Laura Janina Hosiasson, (em FERRAZ, 2011, p.233-235) afirma que a produção do Brasil Arquitetura, especialmente sua expertise em trabalhar com superfícies de concreto, não é apenas um tributo aos arquitetos modernos brasileiros, mas sim, resultado de um exercício acertado praticado sempre com muita técnica (PRECIADO em FERRAZ, 2011, p.233). O professor venezuelano interpreta essa característica como sendo um caminho para confirmar a importância da estética durante os experimentos criação do espaço vivido. Dessa maneira, a meticulosidade com a qual ele [o Brasil Arquitetura] pretende deixar uma mostra viva do processo construtivo, permite-lhe estabelecer uma série de relações táteis e visuais (...). Ao mesmo tempo, é fascinante observar como sensualidade própria do brasileiro adota um material tão “brutal” como o concreto para exprimir a inata vocação de transformar qualquer objeto num veículo de sensualidade e até de sexualidade (PRECIADO em FERRAZ, 2011, p.234). 191 SÍNTESE E HERANÇA Preciado diz que o objetivo do escritório é “reestabelecer, desse modo, a relação entre a cultura e a memória dos lugares” e entende que os arquitetos do Brasil Arquitetura consideram os dois conceitos, “cultura” e “memória”, como uma medida única, e completa afirmando que sua tarefa não se reduz à conjura de uma resistência. Para ele, os arquitetos querem abusar das possibilidades propostas pelas regras impostas para, delas, tirar o maior proveito. Ou seja, trata-se da tarefa de alguém que “brinca” a partir dos limites, com uma estratégia que procura “socavar” de modo inteligente a visão unívoca de uma compreensão do arquitetônico como uma simples operação mercantil (em FERRAZ, 2011, p. 235). A materialidade, ou a substancialidade está, de fato, presente em todos os projetos do Brasil Arquitetura, por exemplo, no Museu das Missões, a materialidade do novo conjunto está exposta no concreto pigmentado em oxido de ferro em tonalidade avermelhada como analogia às cores das ruínas da Igreja contígua, e a textura branca é utilizada para destacar os elementos preexistentes, da mesma forma que o concreto do Museu Rodin representa o novo e o edifício antigo também é pintado de branco. O Museu da Cerâmica apropria-se do material escolhido: tijolo cerâmico não apenas para definir as cores, mais do que isso, a materialidade gerou a organização espacial, criada a partir da padronização de uma malha estruturadora inspirada na modulação dos tijolos. Para representar o parâmetro da “substancialidade” presente na obra do Brasil Arquitetura elegeu-se o Centro de Interpretação do Pampa, cujo tema central, de acordo com o memorial do projeto “é a singularidade da paisagem física e humana do que se chama ‘Pampa’, no quadro da experiência brasileira”. Localizado no município do Jaraguão, extremo sudeste do Rio Grande do Sul, o projeto de cunho cultural explora ao máximo a materialidade das ruínas preexistentes. Entre edificação nova e a 192 SÍNTESE E HERANÇA existente somam-se quase 2 mil metros quadrados, sendo desses, 870 metros quadrados de construção nova (Figura 104). Figura 104: Ilustração do Centro de Interpretação do Pampa ainda em fase de projeto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A intervenção recuperará e aproveitará as construções remanescentes de uma antiga enfermaria (1880-1883) em estilo neoclássico destinada a atender oficiais e praças do exército local, e que anos mais tarde, segundo André da Gama Lima no memorial de projeto, foi utilizada como prisão política no período da Ditadura Militar. Atualmente encontra-se em estado de ruínas e é considerada Patrimônio Histórico do Estado do Rio Grande do Sul (Figura 105). Figura 105: Imagens das ruínas da antiga enfermaria de Jaraguão (1880-1883), antes da intervenção do escritório. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 193 SÍNTESE E HERANÇA No novo prédio cuja planta é um quadrado de 45 metros de lado com pátio central que é um “quase quadrado” semiaberto que conforma 35 metros de comprimento dentro do quadrado maior (Figura 106). Figura 106: Planta que mostra como a intervenção proposta se intersecciona com o volume existente do qual foi mantido o pátio central descoberto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A nova arquitetura, contemporâneo, apesar mesmo de seu aproveitando as traçado bastante propriedades do concreto e semelhando-se às das pedras das ruínas, e a transparência do vidro, que respeitosamente apresenta-se no interior da preexistência, transformando passado e presente em uma única construção em pedra, concreto e vidro no qual os dois tempos estão bem advertidos, ao mesmo tempo em que, graças à materialidade proposta, são cúmplices à história do lugar no qual se inserem (Figura 107). 194 SÍNTESE E HERANÇA Figura 107: Ilustração da parte interna do edifício em vidro, através dele é possível ver as ruínas do edifício antigo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A materialidade que ora é evidenciada, ora recatada, está sempre presente. A preferência, desde os primeiros projetos até a maturidade alcançada após os 37 anos da formação do escritório, pelo emprego do concreto não apenas na ossatura estrutural, mas como material estrutural que desempenha também o papel de vedação, os fez aprender todas as suas possibilidades, permitindolhes usá-lo com excelência sabendo qual a melhor forma necessária para cada projeto. Mais do que explorar o material como textura de um edifício, a materialidade demostra-se completamente controlada na relação entre o material e a técnica escolhida, que, de acordo com a premissa já apresentada anteriormente, também segue o critério de que “cada caso é um caso”. Dessa forma, a pergunta que este entendimento deixa a quem interpreta com atenção a obra do Brasil Arquitetura pode ser assim formulada: “Meus projetos consideram a materialidade do edifício proposto, relacionada ao entorno, como substantivo ou como adjetivo?” 195 SÍNTESE E HERANÇA 6) Brasilidade Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz são arquitetos mineiros erradicados em São Paulo desde a década de 1970, quando vieram estudar Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo. Após formados, elegeram “Brasil” como nome do seu novo escritório. Em entrevista para a autora desta pesquisa, Ferraz relutou em concordar que o nome não foi uma escolha devida a mero acaso. Segundo seu depoimento, quando o nome foi escolhido eles tinham apenas um projeto construído e não havia ambição de produzir pelo país inteiro, muito menos pretensão de construir no exterior, mas admitiu que a vontade de relacionar a produção do escritório como uma essência brasileira esteve em sua gênese. Na época o João Gilberto lançou o disco “Brasil”, que era um disco dele com uma coletânea do Caetano [Veloso] e do [Gilberto] Gil e nós, desde aquela época adorávamos o João Gilberto. Então, pensamos: ”Poxa! Se o João Gilberto botou ‘Brasil’, então vamos botar também!” Aí colocamos o nome, um pouco pretensioso, se pensar bem hoje, mas a gente era jovem e jovem não tem muita crítica. Eu me lembro até que um professor da FAU ficou até bravo dizendo que ninguém pode se apropriar, dizia que não poderíamos colocar o nome ‘Brasil Arquitetura’, mas tudo bem, a gente assume. E coincidentemente a gente começou a projetar pelo Brasil todo. Mas eu acho que isso também tem a ver com o fato da gente sempre ser muito ligado na cultura brasileira como um todo, sabe? Líamos Darcy Ribeiro, Gilberto Freyre, a própria Lina [Bo Bardi], que era uma pessoa que tinha uma ligação com a cultura brasileira, falava muito da importância do Brasil para o mundo, e isso sim, isso sim nos influenciou muito. Então o “Brasil” veio forte. Da mesma forma, Francisco Fanucci (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 180) adverte que a história brasileira é eurocentrista e que esse modo de ver direciona, sem com que se perceba, o olhar à uma arquitetura que não pertence à realidade – tanto estética quanto econômica – nacional. Para o arquiteto, a realidade brasileira é mais específica, sobretudo no que se refere aos custos dos projetos. 196 SÍNTESE E HERANÇA (...) nós brasileiros temos nossos próprios valores históricos e influências, e somos fruto de uma mistura singular e original de povos, que deve ser vista, lida e compreendida com parâmetros e instrumentos teóricos também originais. Esta é a bandeira intelectual dos nossos primeiros modernos; na história da arquitetura e das artes no Brasil, a busca de autoconhecimento sempre teve um especial significado. (FERRAZ, 2011, p.27). Marcelo Ferraz, apesar de se considerar atento às experiências internacionais assegura que gosta muito de lidar com a cultura brasileira, e de “apreciar a maneira brasileira de estar no mundo”, que é a “matéria-prima” do trabalho do Brasil Arquitetura (FERRAZ, 2011, p. 85). Para entender a brasilidade na obra do Brasil Arquitetura, utiliza-se como exemplo o projeto para o Bairro Amarelo em Berlim. Pode parecer estranho, em um primeiro momento, eleger uma construção na Alemanha para dissertar a respeito da brasilidade, no entanto, julgou-se apropriado justamente por essa particularidade. O escritório foi convidado a participar de um concurso público internacional com uma proposta de recuperação para um bairro na capital alemão. Após muitas tentativas, chegaram à conclusão de que o diferencial deles nessa disputa seria exatamente a sua essência, e foi ela quem os fez vencer o concurso em 1997 (FERRAZ, 2011, p. 83). Esse momento foi muito especial, pois tivemos que fazer um balanço de nossa produção e desenvolvemos uma solução muito própria, brasileira até. O que me levou a pensar que uma ideia local se torna internacional desde que funcione. E foi exatamente isso o eu aconteceu (FERRAZ, 2011, p. 85). De acordo com análise de Cecília Rodrigues dos Santos, a requalificação do Bairro Amarelo em Berlim, que foi premiada como Projeto Global na Expo 2000 em Hannover, poderia chamarse também “revitalização, recuperação, recaracterização, remodelação, repaginação e até de reforma” (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 52), pois atende a todas essas formas de trabalho (Figura 108). 197 SÍNTESE E HERANÇA Figura 108: Foto do mesmo ponto de vista antes da intervenção (acima) e depois da intervenção (abaixo) Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. A área do Bairro Amarelo (Gelbes Viertel) localiza-se no centro do bairro Hellersdorf na antiga Berlim Oriental e os dados expostos por Cecília Rodrigues dos Santos (2005, p. 52) afirmam que o conjunto tem 3.200 apartamentos e abriga cerca de 12 mil pessoas. Dentre as 56 propostas enviadas por escritórios de arquitetura de toda a América Latina, a vencedora foi proposta pelo Brasil Arquitetura cujo mote central era “a retomada de maneira clara o discurso que vem pautando a obra do escritório desde o início”. De acordo com o estudo de Cecília Rodrigues dos Santos, a proposta vencedora reuniu “frases e citações da arquitetura, da história e da cultura brasileiras nos seus diferentes tempos e matizes, inclusive o popular e o vernacular”. A arquiteta descreve o projeto a partir de quatro ideias estruturadoras básicas: 1) Os quatro acessos principais ao bairro foram sinalizados com praças retangulares que medem 15 metros x 40 metros. Em cada um desses acessos seria instalada uma obra de arte de quatro importantes escultores brasileiros: Frans Krajcberg, Miguel Santos e Siron Franco e Amilcar de Castro (Figura 109). 198 SÍNTESE E HERANÇA Figura 109: Escultura de Amilcar de Castro no Bairro Amarelo, Berlim. Fonte: (FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 64). 2) Os edifícios deixaram a tonalidade cinzenta inicial e receberam uma pintura branca, remetendo à cal leitosa aplicada sobre as paredes coloniais da América. Dois barrados: um no térreo e outro no coroamento de cada um dos blocos foram pintados com tinta pigmentada nas cores azul-ultramar, rosa ou amarelo. As três cores foram escolhidas como conexão à arquitetura vernacular e ao artesanato dos países latinoamericanos (em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 52) (Figura 110). 199 SÍNTESE E HERANÇA Figura 110: A imagem mostra as bases e os coroamentos dos edifícios pintados com a coloração azul, em mimese ao tom do céu em um dia de verão, quando as crianças podem brincar com água no térreo. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. 3) Como memória à tradição moura enraizada na península ibérica, assumindo a intensa relação com Lucio Costa, foram instalados painéis de muxarabi de madeira tramada que eram utilizados desde o período colonial com o objetivo de controlar a luminosidade sem prejudicar a privacidade nos interiores dos edifícios (Figura 111). 200 SÍNTESE E HERANÇA Figura 111: Muxarabi instalados nas sacadas e nos acessos aos edifícios do conjunto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Além de substituir todos os peitoris dos terraços, marcando e ritmando as fachadas, os muxarabis estão presentes nas entradas dos blocos, nos acessos das escadas e nas passagens entre blocos, nestes últimos como forros rebaixados que avançam para fora do balanço. (SANTOS em FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, p. 52). 4) As paredes internas, resguardadas pelos muxarabi são revestidas com outro elemento recorrente na arquitetura moura: o azulejo. Neste caso, porém, os desenhos foram produzidos pelas índias da aldeia Kadiwéu, que habitam a fronteira entre o Mato Grosso do Sul e Paraguai. Foi realizado um concurso entre elas e as artes vencedoras com padronagens gráficas exclusivas foram aplicadas no conjunto arquitetônico do Bairro Amarelo (Figura 112). 201 SÍNTESE E HERANÇA Figura 112: Painel com azulejo cujas padronagens foram desenvolvidas pelas índias Kadiwéu, exclusivamente para serem implantadas neste projeto. Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Os pátios internos e os caminhos sinuosos foram pavimentados com mosaico português; a opção por massas de vegetação irregulares, de densidade variada, lembrando as formas livres das matas nativas americanas, e a presença constante da água em forma de pequenas cachoeiras, riachos e espelhos, colaboram com a construção da identidade proposta ao espaço. Assim sendo, espera-se que as gerações futuras sejam capazes de assimilar a riqueza da cultura na fusão local/popular/vernacular do país e procurarem diferentes formas de inseri-la em suas arquiteturas colaborando com uma grande teia de identidade multifacetada e complexa. Após a análise dos seis atributos identificados nas páginas anteriores foi possível entender que a identidade do escritório Brasil Arquitetura constitui-se da teia de relações pode ser configurada pelo desdobramento dos 3 parâmetros iniciais (“o olhar antropológico”, o “rigor técnico” e a “capacidade de olhar para o passado e para o futuro simultaneamente”) em 6 temas que representam procedimentos técnicos, práticas operativas não 202 SÍNTESE E HERANÇA dissociadas da crítica, da preocupação ética, da responsabilidade social e de um enraizamento cultural descritos acima, que por sua vez poderiam ser divididos em tantos outros atributos geradores de uma personalidade tão complexa e única a que se formou durante a trajetória do Brasil Arquitetura. Embora outras importantes influências identificadas e enumeradas no primeiro capítulo deste caderno tenham sido consideradas fundamentais para a construção da identidade do Brasil Arquitetura, elas não foram aprofundadas como mereciam durante o desenvolvimento do trabalho, pois, antes de enveredar por um caminho como esse, sem dúvida mais complexo, preferiuse dedicar a maior parte da pesquisa ao forte interesse em aprofundar o conhecimento da produção do escritório a partir de raízes brasileiras, o que não tornaria possível, pelo tempo disponível, ampliar o estudo referente a nomes como Le Corbusier, Alvar Aalto, Louis Kahn, Álvaro Siza e Peter Zumthor. O interesse nesses cruzamentos é intenso e provavelmente serão estudados futuramente em uma nova pesquisa. 203 CONSIDERAÇÕES FINAIS Arquitetura como meio e não como fim em si mesmo, que só pode ambicionar agir assim se puder com muito rigor e competência enfrentar seu próprio domínio. Como um grande músico que nos faz ouvir só a musica nos permitindo esquecer a necessária técnica que a faz ecoar. O Brasil Arquitetura se vale desse domínio sobre um saber específico para fazê-lo suavemente ecoar além de sua materialidade, o faz para poder habitar. (BOGEA, 2013) Conforme afirmou-se na introdução desta dissertação, assim como é extenso o Brasil é extensa e complexa a obra do Brasil Arquitetura, que vai desde projetos de uso público como museus, praças e escolas, até projetos de uso privado, haja vista o número significativo de residências unifamiliares em seu portfolio; também é fundamental mencionar as diversas escalas de trabalho que podem variar bruscamente entre um terminal rodoviário a um banco de praça. Com o objetivo de decifrar a origem dessa identidade, recorreu-se às experiências vividas pelas personagens principais desse panorama, os atuais sócios titulares do escritório Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, de modo a entender suas motivações por todo o percurso trilhado por eles, e como essas motivações amadureceram junto aos trabalhos desenvolvidos pelo escritório. Tendo em vista a grande variedade, já mencionada, que abrange a obra do escritório, desde o início da formatação deste projeto de pesquisa, foi necessária muita cautela em relação à escolha dos projetos selecionados como objetos de estudo eleitos para contribuírem especialmente, com às a análise afinidades dos aspectos eletivas relacionados, identificadas como elementares na obra do Brasil Arquitetura: o “olhar antropológico”; o “rigor técnico”; e a “capacidade de olhar para o passado e para o futuro simultaneamente”. Ao prosseguir com o roteiro delimitado para este estudo foi possível observar que o Brasil Arquitetura demonstra sempre a preocupação de que as estratégias a serem seguidas dialoguem com o contexto no qual se insere seja contextualizando a materialidade com o entorno, seja respeitando ao máximo o desenho original do terreno, seja adaptando seus edifícios aos 204 CONSIDERAÇÕES FINAIS aspectos culturais através do uso dos materiais, técnicas e até pela opção da mão de obra para a construção de um edifício; ou ainda no que se diz respeito a um mote específico quando a atmosfera da arquitetura (através de aspectos simbólicos) e da museografia combinam-se e complementam-se, já que nascem juntas como uma concepção única. Dessa maneira, os projetos selecionados neste estudo representam uma amostra da complexidade da obra completa do Brasil Arquitetura, na qual, segundo Jorge Preciado, é possível verificar que o autor identifica constantemente “traços e pegadas” na obra do Brasil Arquitetura, sempre utilizando a técnica de forma muito “sofisticada” e a responsabilidade com a qual transformam os programas arquitetônicos (PRECIADO em FERRAZ, 2011, p.235). Ao estudá-los mais profundamente também foi perceptível que, apesar de sempre levarem em conta as particularidades e especificidades de cada contexto (físico, cultural, socioeconômico), a relação entre método e materiais construtivos e a importância dada a cada programa, apresentam uma matriz que determina sua identidade própria. De tal modo, o partido desta pesquisa foi o de encontrar um vocabulário recorrente, com características próprias, que pudesse demarcar traços dessa identidade aqui colocada. Os arquitetos do Brasil Arquitetura encaixam-se entre aqueles que enxergam a arquitetura como uma síntese entre arte, técnica e poesia (FERRAZ, 2011, p.90). De certa maneira, negam aquela “inovação” relacionada às altas tecnologias em voga na atualidade, na qual grandes estruturas complexas são projetadas no que conforma uma espécie de “concurso de formas” ou “concursos de egos”. Enfim, essa é uma discussão paralela, no entanto, considerou-se interessante pontuá-la para demonstrar uma importante discrepância do modo de ver no Brasil Arquitetura em relação a outros nomes da arquitetura contemporânea. Neste 205 CONSIDERAÇÕES FINAIS momento, é preciso também destacar que a “inovação” presente na obra do Brasil Arquitetura não é a mesma existente na maioria das mega arquiteturas produzidas atualmente. Em depoimento, Marcelo Ferraz declara que, para eles, “a forma é um resultado, e não um ponto de partida”. (FERRAZ, 2011, p.171). Para os arquitetos, a inovação na arquitetura é uma “construção e experimentação constante (...)” (FERRAZ, 2011, p.88). No entanto, em entrevista para a autora desta pesquisa, o arquiteto concorda que essa busca – a de sempre fugir de um lugar comum quando começam a projetar –, e também a recusa por trabalhar seguindo modelos prontos, são formas de sempre inovar em seus projetos. Esse desejo pelo novo pode estar pautado no programa arquitetônico, na interação com as demais condicionantes do lugar ou até mesmo na maneira com a qual o escritório define as equipes que atuarão na condução de suas obras. Em entrevista para a autora deste estudo, Marcelo Ferraz compara o projeto a um roteiro cinematográfico. A filmagem é a construção do executivo que traz ao diretor novas informações que por vezes carecem alterar o roteiro inicial, assim como o executivo pode modificar o projeto original. Contudo, se o roteiro inicial tiver bem elaborado, ele se sustentará até o final do filme, assim como se o projeto inicial tiver uma “ideia forte” a ser defendida, ele poderá ser levado até a conclusão da obra. O modo de pensar a “inovação” presente no cotidiano do escritório do Brasil Arquitetura recupera modos operativos de Lina Bo Bardi, e até mesmo do próprio Lelé, reelaborados pelo escritório paulista para se adaptarem às novas condições hodiernas. Buscam tecer uma ligação de uma forma diferente; resolver uma situação de um modo diferente do recorrente. Trazer o novo ao ordinário é sempre uma inovação. Notou-se também a importância dada ao “convívio”. De acordo com a arquiteta Marta Bogéa (2013), “Conviver significa poder se encantar pela diferença, um convívio entre iguais é no mínimo 206 CONSIDERAÇÕES FINAIS previsível. E fazer conviver pulsos diferentes parece ser um dos difíceis desafios desse escritório”. Tornou-se ainda evidente a grande motivação por traz da estratégia projetual do Brasil Arquitetura: a relação com as cidades. Entende-se que a metodologia aplicada à pesquisa foi fundamental para reconhecer os pontos de inflexão, que poderão, por sua vez, instigar gerações futuras de arquitetos a pensar/fazer uma arquitetura mais condizente com o seu tempo, relacionada ao contexto e preocupada com a cidade na qual estará inserida. Assim sendo, durante o desenvolvimento da pesquisa, alguns atributos frequentes ressaltaram-se, dos quais o trabalho destaca seis: “prática política do projeto”, comunicação, discernimento, responsabilidade, substancialidade e brasilidade. À compreensão do modo com o qual enxergam a relação do edifício, de qualquer escala, e a cidade, permite compreender o que os leva a preocuparem-se com o contexto e como ele é fundamental para a definição do partido arquitetônico, do programa proposto e das técnicas e materiais que nele serão aplicados. Consequentemente, torna-se evidente tangenciar essa tendência aos seis atributos identificados em sua obra, afinal, à prática política do projeto, que tira partido das necessidades enxergadas nas cidades e propõe melhorias; a comunicação refere-se à capacidade da arquitetura em traduzir as reais necessidades dos cidadãos (ponto mais importante das cidades), em forma de programa; o discernimento como o ato de ponderar a respeito das atuais necessidades das cidades considerando o que deve ser mantido e o que não mais a representa; a responsabilidade, termo que mais se aplica diretamente às cidades, esclarece o entendimento dos arquitetos de que arquitetura é um bem durável e deve preocupar-se com o legado que o empreendimento construído deixará tanto à morfologia urbana quanto à população local; a substancialidade representa a materialidade presente em 207 CONSIDERAÇÕES FINAIS todas as obras do escritório, de modo que, mais uma vez, é um termo que se relaciona diretamente as cidades nas quais os projetos serão implantados; e por fim, a brasilidade, que é a característica de valorizar a cultura local, seja ela nacional ou regional. Durante o mergulho realizado na obra do Brasil Arquitetura, realizado nos últimos vinte e quatro meses tornou-se muito claro que há muito ainda para desbravar sobre ela. Alguns dos temas tratados neste caderno serão retomados em uma oportunidade futura. Dentre eles, destacam-se a função social na obra do Brasil Arquitetura, retomando com maior intensidade, a relação de Artigas com os estudantes da FAU-USP; a relação com a escala do mobiliário investigando mais profundamente a relação entre a marcenaria Baraúna e design; a museografia e as estratégias de concepção dos espaços expográficos; ao especular, durante a pesquisa a influência de Lina Bo Bardi desde o estágio de Marcelo Ferraz, surgiu o desejo de compreender melhor a parceria profissional até os dias de hoje entre Ferraz e outros dois colegas daquele mesmo período do SESC Pompéia: Marcelo Suzuki e André Vainer. Seguindo esse raciocínio, julga-se importante também explorar com mais afinco a influência de Joaquim Guedes, com quem Francisco Fanucci trabalhou em seu primeiro ano como arquiteto, e possivelmente tecer uma análise entre as semelhanças e discrepâncias entre a sede do Instituto Socioambiental do Brasil Arquitetura e o projeto de Guedes em Caraíba. O que faz lembrar também a necessidade de intensificar os estudos acerca da influência aaltiana na obra do Brasil Arquitetura, bem como produzir um estudo específico, focado no projeto e na construção da Praça das Artes, em São Paulo, projeto tão importante para a requalificação da porção central da cidade. Como foi dito desde o início deste estudo, não era seu objetivo dissertar sobre a obra completa do escritório, mas sim estabelecer 208 CONSIDERAÇÕES FINAIS parâmetros a partir de projetos eleitos como estudo de caso. Quem sabe este trabalho possa contribuir com estudantes de arquitetura que demonstrem interesse em uma aproximação inicial com a obra dos arquitetos, bem como àqueles que compartilham o ponto de vista de que a arquitetura deve relacionar-se com as bases culturais de cada lugar por reunir diversos pensadores multidisciplinares relacionando-os ao tema da arquitetura através de uma compilação de dados e fontes diversas. 209 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Tradução Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos, 2009. ARTIGAS, Vilanova. A função social do arquiteto. São Paulo, Fundação Vilanova Artigas / Editora Nobel, 1989. BARDI, Lina Bo; FERRAZ, Marcelo Carvalho. Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. BARDI, LINA BO; INSTITUTO LINA BO E P. M. BARDI. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo, SP: Instituto Lina Bo & P.M. Bardi, 1994. BASTOS, Maria Alice Junqueira; ZEIN, Ruth Verde. 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Disponível em: <http://espacohumus.com/isa-grispum-e-entidade-brasil>, outubro de 2014. Acesso em 08 de julho de 2016. VAINER, André; FERRAZ, Marcelo: A Arquitetura Política de Lina Bo Bardi, 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=81J6zTe17Ws> SÍTIOS DE INTERNET VISITADOS Site oficial do escritório Brasil Arquitetura. <http://www.brasilarquitetura.com>. Acessado constantemente. Site oficial da Marcenaria Baraúna. <http://www.barauna.com.br>. Acessado constantemente. Memorial do Projeto Cais do Sertão. <http://www.arqbrasil.arq.br/_arq/brasil_arq/brasil_arquitetura.ht m#cais>. Acessado em 29/11/2014. Entrevista de Darcy Ribeiro à Roda Viva, na TV Cultura em 17 de abril de 1995. Texto completo da entrevista disponível em: <http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/63/entrevistados/darcy_ ribeiro_1995.htm>. Acesso 09 fevereiro 2016. Cartas Patrimoniais. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL/MINISTÉRIO DA CULTURA. Disponível em: <www.iphan.br>. 217 ANEXOS 1. A CONSTRUÇÃO DE UMA TRAJETÓRIA – FORMAÇÃO NA FAU FRANCISCO FANUCCI MARCELO FERRAZ PERÍODO: 1971/1977 (7 anos) Feres Lourenço Khoury, José Luiz Telles Dos Santos, Luis Espallargas Gimenez, FORMA-SE COM: Ruth Verde Zein, Wilson Ribeiro Dos Santos Junior. - Física I, II, III e IV - Programação visual - Fundamentos sociais da arquitetura e do urbanismo II - Arte e Industrialização no mundo contemporâneo - Técnica do emprego de materiais - Projeto Básico IV - Projeto básico desenho industrial - Introdução ao projeto de edifícios - Introdução à arquitetura do século XX - Programação visual e a arquitetura no século XX - História da técnica no Brasil - História da arquitetura contemporânea DISCIPLINAS - O lazer na grande cidade CURSADAS - Projeto arquitetônico e industrialização APENAS POR - Projeto de sistemas de produto de UM DELES: programação visual - Comunicação visual na arquitetura tradicional - Introdução a técnicas de construção II - Métodos quantitativos e análise de sistemas - Arquitetura nos proj. de obras destinadas à apropriação - Capitalismo e planejamento - Estudos de urbanização III - Sistemas construtivos I - A praça como arquitetura - Introdução às artes gráficas - Evolução no equipamento da habitação - Projeto de sistemas ambientais urbanos de desenho industrial Estuda duas vezes Arquitetura projeto executivo, Projeto de sistemas ambientais urbanos de desenho industrial Não estuda: -Meios de expressão e representação do OUTRAS programa INFORMAÇÕES: -Meios de expressão e representação do desenho - Arquitetura introdução ao projeto - Introdução ao planejamento - Arte e indústria no mundo contemporâneo - Geometria descritiva I 218 1974/1978 (5 anos) Marcelo Aflalo, Nabil Georges Bonduki, Raquel Rolnik. - Educação Física - Fundamentos sociais da arquitetura e urbanismo I e II - Estuda Física III e IV e Física (acústica arquitetônica - Trabalhos interdisciplinar de projeto I - Estudo da linguagem visual - Técnica de emprego de materiais - Introdução à tecnologia das construções II - Introdução aos estudos urbanos II - Introdução aos estudos da população - Estudo dos problemas brasileiros I e II - Espaço urbano - Projeto de sistemas simples do produto - Produção cultural e das construções II - Produção cultural e sociedade - Arquitetura nos projetos de obras destinados a apropriação de recursos naturais Estuda duas vezes Saneamento III, Mecânica dos solos e fundações e Estudos da urbanização III Não estuda: - Resistência dos materiais e estabilidade das construções ANEXOS - Programação visual e arquitetura no século - Arquitetura projeto básico - Programação do projeto do produto - Teoria da fabricação do planejamento ao concreto - Introdução à arquitetura no século XX - Estudos da urbanização III - Sistemas estruturais II - Metodologia II - Produção e projeto do espaço urbano - Conforto ambiental III - História da paisagem brasileira - Planejamento Regional Introdução a tecnologia da construção II - Habitabilidade dos edifícios - Paisagismo introdução - Arquitetos paulistas - Geometria aplicada ao desenho industrial I e II - Projeto de Arquitetura - Fundamentos sociais da arquitetura e do urbanismo I - Introdução à arquitetura I e II - Trabalho de graduação interdisciplinar. - Introdução aos estudos de urbanização I e II - Planejamento Setorial - Hidráulica III DISCIPLINAS - Saneamento III CURSADAS - História da técnica na arquitetura e no urbanismo PELOS DOIS: - Topografia I - Cálculo diferencial I e II - Estatística e tec, matemáticas de planejamento - Planejamento urbano - Projetos de sistemas ambientais de desenho industrial e de programação - Industrialização na construção - Estudo dos problemas brasileiros I e II 1978: Intervenção em um edifício histórico – Centro TGI – Trabalho Gerador de Cultura a ser de Graduação 1977: Projeto para Metrópole São Paulo implantado no edifício Interdisciplinar: da antiga Indústria Martins Ferreira, na Lapa de Baixo FONTE: Levantamento realizado a partir do registro de frequência e notas dos alunos a cada ano. Fonte: Acervo do Serviço de Graduação – Seção de Alunos, cedido pela chefe do departamento Sra. Magali Baroni Cambussu. (Em: NAHAS, 2008, pp. 605-616) 219 ANEXOS 2. A CONSTRUÇÃO DE UMA TRAJETÓRIA – VIDA PROFISSIONAL FRANCISCO FANUCCI MARCELO FERRAZ Nascimento Formação Estágios 1978 1979 Década de 1980 1981 1985 1986 Década de 1990 Nasce a 03 de abril de 1952, em Cambuí, MG. 1971/1977 - Cursa arquitetura na FAU USP 1975 - Estagio com o arquiteto Júlio Roberto Katinsky. 1977/1978 - Trabalha no escritório do arquiteto Abraão Sanovicz. Nasce a 29 de agosto de 1955, em Carmo de Minas, MG. 1974/1978 - Cursa arquitetura na FAU USP 1977- Inicia estágio, com Lina Bo Bardi, nas obras do SESC Fábrica da Pompéia. Gradua-se em arquitetura, passando a colaborar com Lina Bo Bardi em todos os seus projetos, até sua morte em 1992. Trabalha no escritório do 1º lugar no concurso de projetos para o arquiteto Joaquim Guedes. Paço Municipal de Cambuí - MG, em equipe formada com os arquitetos José Sales Costa Filho, Marcelo Suzuki e Tâmara Roman. Fundam o escritório Brasil Arquitetura S/C Ltda., com o arquiteto Marcelo Suzuki, onde realizam projetos para os mais diversos fins. 1986 -1990 - Realiza com os arquitetos 1980 -1983 - Trabalha na Lina Bo Bardi e Marcelo Suzuki, projetos empresa Eplanco Engenharia de revitalização e recuperação do Centro de Planejamento S/C Ltda., Histórico de Salvador - Bahia. onde realiza diversos 1989 - Participa em Évora, Portugal, do projetos de lojas, agências encontro das Cidades Patrimônio da bancárias, indústrias, etc. Humanidade representando Salvador, Bahia. Participam da equipe do arq. Lina Bo Bardi no Concurso Público Nacional de Projetos Reurbanização do Vale do Anhangabaú, São Paulo. 1º lugar no concurso de projetos para a Câmara de Vereadores e Centro Cultural de Varginha, MG (Brasil Arquitetura e arq. Eneida C. Ferraz Cruz). Fundam a Marcenaria Baraúna com o arquiteto Marcelo Suzuki, iniciando trabalhos de design de mobiliário e objetos de madeira. 1991: Torna-se conselheiro do Instituto Quadrante, atual Instituto Lina Bo e P.M. 1993/1995 - Exerce Bardi, a convite do casal Bardi. atividade didática como 1991/1992 - Realiza, com os arquitetos professor da disciplina de Lina Bo Bardi, André Vainer e Marcelo Projeto no curso de Suzuki, o projeto para a nova sede da Arquitetura da Faculdade de Prefeitura do Município de São Paulo, no Arquitetura e Urbanismo da Parque Dom Pedro II. Universidade Braz Cubas, 1992/1998 - Publica o livro “Arquitetura Mogi das Cruzes, SP. Rural na Serra da Mantiqueira” “Melhor Livro de Arte” Premiação Anual 1999 - Membro do Conselho do IAB - SP (1992). Curador da IV Bienal Lançamento do livro e exposição Internacional de Arquitetura fotográfica em São Paulo, Belo de São Paulo. Horizonte, Rio de Janeiro, Lisboa, Milão, Barcelona, Delft, Londres e Cidade do México. 220 ANEXOS 1991 1993 1994 1997/1998 1997 1993 /2000 - Concebe e coordena o “Projeto Lina Bo Bardi” - livro, documentário em vídeo tape e exposição sobre a obra do arquiteto. Premiações do livro: “Excelência Gráfica”. 1993 - Associação Brasileira de Tecnologia Gráfica: “Melhor Livro de Arte”; 1993 - Associação Paulista de Críticos de Artes. “Melhor Livro de Arquitetura”; 1994 - IX Bienal de Arquitetura do Equador. Turnê internacional da exposição: Lisboa, Barcelona, Londres, Milão, Paris, Viena, Delft, Bolzano, Helsinki, Caracas, Bogotá, Buenos Aires, Montevideo, Santiago, Chicago, Montreal, São Francisco, Cidade do México, Macau, Hong Kong, Quito, Berlim, Munique, Copenhague, Arhus e Zurich. Turnê brasileira da exposição: Salvador, Fortaleza, Campinas, Ribeirão Preto, Olinda, Natal, Maceió, Florianópolis, Porto Alegre, Uberlândia, Brasília, Belo Horizonte, Vitória, Londrina, Campo Grande, Caxias do Sul e Goiânia. 1994 - Exerce atividade didática como professor da disciplina de Projeto no curso de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Bráz Cubas, Mogi das Cruzes, SP. 1994/2001 - Diretor Executivo (programação e produção cultural e editorial) do Instituto Lina Bo e P.M. Bardi. 1999 - Realiza a curadoria das exposições “Mies van der Rohe” e “P.M. Bardi e a Arquitetura”, na IV Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. - Projeta e realiza o monumento em homenagem a Carlos Marighella após 30 anos de sua morte – São Paulo. Participa da equipe do arq. Lina Bo Bardi no Concurso Público Nacional de Projetos para o Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de Sevilha. -Premiado na “II Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo”, com o projeto “Fábrica Grisbi Nordeste S/A” (Brasil Arquitetura). 1º lugar no concurso de projetos para a Faculdade de Odontologia da Universidade Braz Cubas, Mogi das Cruzes, SP, com os arquitetos Marcelo Carvalho Ferraz e Guilherme Paoliello. 1 º lugar no concurso internacional do projeto para recaracterização do Bairro Amarelo, em Hellersdorff, Berlim. Inaugurado em junho de 1998. Prêmio IAB/SP na categoria “Obra Construída – Melhor Projeto 1996”, 221 ANEXOS 1998 1999 Década de 2000 pelo Teatro Polytheama de Jundiaí. Prêmio “Rino Levi de Arquitetura” do IAB/SP pelo Teatro Polythema de Jundiaí. 1º lugar no concurso “Art Work de Hotéis e Restaurantes” pelo projeto “Restaurante do Benin” em Salvador, BA. Representa o Brasil como finalista na “I Bienal Ibero Americana de Madri” com o projeto Teatro Polytheama de Jundiaí. “Grande Prêmio de Reabilitação” na “XI Bienal Internacional de Arquitetura de Quito” pelo Teatro Polytheama de Jundiaí. Prêmio IAB/SP – categoria “Edificações Projeto – Melhor Projeto 1998”, pelo Terminal Rodoferroviário de Santo André. 2000 - Concebe e coordena o projeto “Centenário de P.M. Bardi” com a realização de 4 exposições, MASP, Museu Lasar Segall, Memorial da América Latina e Pinacoteca do Estado de São Paulo – 1 documentário em VT e 2 livros. 2001 2002 - Realiza a curadoria das exposições - Exerce atividade didática “O Design no Impasse” e “Amilcar de como professor da disciplina de Castro” na Pinacoteca do Estado de Projeto do curso de Arquitetura São Paulo. da Escola da Cidade – São - Participa da exposição “Cultura Paulo, da qual é associado Brasileira” na Casa das Rosas, com o fundador. trabalho “Estudo para o Museu do Inconsciente”. 2007 2002 - Realizou conferências e - Realiza a curadoria da exposição participou de debates em “Amilcar de Castro” dentro do escolas e universidades programa “Diálogos” no “Santander (FAU/USP, FAU/Mackenzie, Cultural de Porto Alegre”. Escola de Engenharia de São - Realiza a curadoria da exposição de Carlos - Depto. Arq., Escola inauguração do “Espaço Cultural Panamericana de Arte, BM&F”, São Paulo. Faculdade de Arquitetura PUC 2003 Realiza, com os arquitetos Campinas, Faculdade de André Vainer e Marcelo Suzuki, o Arquitetura FAAP, Colégio de projeto para O Museu da Cidade, no Arquitetos de Berlin/ Parque Dom Pedro II, São Paulo Alemanha, Faculdade de 2003/ 2004 Coordena o “Programa Arquitetura de Blumenau, etc.) Monumenta” (Ministério da Cultura) - Painelista no Seminário “A para recuperação dos sítios históricos Floresta e o Polo Noveleiro no urbanos em todo o país. Amazonas” 2006 - Exerce atividade didática - Conferencista no II Encontro como professor convidado “Ruth and de Arquitetura em Aço (IAB – Norman Moore Visiting professor” da São Carlos). Universidade de Washington, em Sant Louis, EUA. - Publicou artigos em revistas e jornais (A+U, Architecti, Arquitetura e Urbanismo, Projeto, Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo, etc). - Realizou conferências e participou de debates em Universidades e 222 ANEXOS Museus do Brasil e exterior. - Realizou viagens de estudo a diversos países da Europa, África, América do Norte, Ásia, América do Sul e Brasil. 2000 2002 2003 2005 2006 2007 Década de - Menção Honrosa no concurso para projeto do Monumento aos Migrantes e Imigrantes no Estado de São Paulo. - Menção Honrosa IAB/SP – categoria “Arquitetura de Interiores”, pelo projeto cenográfico do módulo “Arte Afro Brasileira” da mostra “Brasil 500 Anos Artes Visuais”. - Participa da exposição sobre arquitetura brasileira na Universidade de Delft – Holanda com os projetos KKKK e Rodoviária de Santo André. - Participa da Bienal de Iberoamericana de Santiago – Chile com o projeto KKKK - Participa da Bienal de Quito – Equador com o projeto KKKK. - Prêmio IAB/SP – categoria “Revitalização de Edifícios – Melhor Projeto 2002”, pelo Conjunto KKKK em Registro – SP. Exposição retrospectiva em sala especial como arquiteto convidado na V Bienal Internacional de Arquitetura e Design de São Paulo. - Menção honrosa no concurso do projeto para a Sinagoga Temblo Beth El, São Paulo, SP. - 1° lugar no concurso internacional de projeto para residência unifamiliar localizada no litoral de Hanko, Finlândia. (Villa Isabella) - Publicam o livro Francisco Fanucci Marcelo Ferraz – Brasil Arquitetura, com a retrospectiva dos vinte e seis anos de trabalho do escritório. - Destaque no concurso de projeto para o Paço Municipal de Hortôlandia – SP - Exposição retrospectiva do Trabalho do Escritório Brasil Arquitetura: . na Universidade de Washington, em Sant Louis –EUA . . na Escola da Cidade, São Paulo – SP . - 2º lugar na categoria Recuperación y puesta en valor, obras de más de 1.000 m² do “Premio Iberoamericano a la mejor intervención en obras que involucren el patrimônio edificado”, organizado conjuntamente pelo Centro Internacional para la Conservación del Patrimonio – CICoP Argentina – e pela Sociedad Central de Arquitectos, com o projeto para o Museu Rodin Bahia – BA.. - 1º lugar na categoria Intervención en el Patrimonio Edificado do Concurso Panamericano BAQ/2006 da Bienal de Arquitetura de Quito/ Equador, com o projeto para o Museu Rodin Bahia – BA. - 1º lugar na categoria Obra Executada – Patrimônio da Mostra Competitiva de Arquitetos da 5ª Bienal de Arquitetura de Brasília/ DF com o projeto para o Museu Rodin Bahia – BA. - 1º lugar Ex Aequo na categoria Obra Executada – Edifício Comercial/ Institucional da Mostra Competitiva de Arquitetos da 5ª Bienal de Arquitetura de Brasília/ DF com o projeto para a Escola Jardim Santo André. - Menção Honrosa na categoria “Trabalhos Escritos modalidade publicações” na Premiação IAB-SP 2006, pelo livro Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura. - Finalista da Segunda Competição Internacional de Arquitetura de habitações sustentáveis Living Steel - 1º lugar no concurso de projetos para o novo centro comunitário Shalom e Sinagoga em São Paulo – SP. Apresentou exposição de projetos Lecionou na Washington University 223 ANEXOS 2010 selecionados no Tokyo Art em Saint Louis, USA, em 2006, Museum (2008), Centro como professor convidado. Curador Universitário Maria Antonia de exposições sobre Lina Bo Bardi (2009), Museo Andersen, Roma como Arquitetura Política de Lina Bo (2009), Casartac, Turim (2010), Bardi (2014). E em 2015 participou Ensa Paris-Malaquais, Paris do Alvar Aalto Symposium, na (2010) e Bienal Panamericana Finlândia. de Quito, Quito (2010). FONTE: A maioria dos dados está em CALDEIRA; FANUCCI; FERRAZ; SANTOS, 2005, pp.200-201. Outros estão nas páginas do Volume II da dissertação de mestrado de Patrícia Nahas (2008) e os demais são frutos de acompanhamento por parte da autora deste estudo. 224