ENSINO DE FILOSOFIA NA EJA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA

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ENSINO DE FILOSOFIA NA EJA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE FILOSOFIA DA ARTE
Luciele da Silva1-UDESC
Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
Neste texto objetiva-se apresentar o relato de uma experiência de ensino e aprendizagem
filosófica com uma turma do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos-EJA, em uma
escola localizada no município de São José-SC. A filosofia tornou-se disciplina do currículo
obrigatório do Ensino Médio no ano de 2008, fazendo parte também da formação dos alunos
da EJA, porém existe uma carência de materiais didáticos de filosofia específicos para essa
modalidade que considerem de fato as especificidades dos alunos jovens e adultos. Desta
forma, torna-se necessária a divulgação de práticas de ensino que promovam a troca de
saberes entre os docentes de filosofia interessados no trabalho com jovens e adultos.
Propõem-se aqui um diálogo com Paulo Freire que considera que ao ensinar o professor
mostra aos alunos à capacidade, que todos nós temos, de conhecer e intervir no mundo. Desta
forma, o aluno da EJA deve ser entendido como um ser ativo capaz de transformar a própria
realidade. A experiência em questão foi fundamentada na proposta metodológica apresentada
por Renata Aspis e Silvio Gallo (2009) que sugerem que um curso de filosofia deve prestigiar
a sensibilização, a problematização, a investigação e a conceituação. O trabalho realizado em
sala de aula procurou abordar o tema da produção e a mercantilização da arte e da cultura.
Para tanto foi utilizado como recurso didático à exibição do documentário Lixo extraordinário
(2010) que contribuiu muito para que os alunos se aproximassem do tema através da
linguagem cinematográfica. Tal experiência resultou na constatação de que os alunos
percebiam a arte como um elemento que não faz parte da vida cotidiana, ficando restrita a
lugares e posições inatingíveis e que a partir do trabalho filosófico desenvolvido houve uma
mudança nessa postura.
Palavras-chave: Ensino de filosofia. Educação de jovens e adultos. Filosofia da arte.
1
Graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria- UFSM; Especialista em Ensino de Filosofia
pela Universidade Federal de São Carlos-UFSCar e mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC. E-mail: [email protected]
ISSN 2176-1396
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Introdução
A filosofia tornou-se disciplina do currículo obrigatório do Ensino Médio no ano de
2008, após um longo período afastada da maioria das escolas brasileiras. Esse retorno foi
marcado por um processo de adaptação as necessidades formativas dos estudantes e aos
objetivos pedagógicos do Ensino Médio. De volta ao ambiente escolar a filosofia passou
também a fazer parte da formação dos alunos da Educação de Jovens e Adultos- EJA, porém
o ensino nesta modalidade conta com alguns problemas, entre eles a carência de materiais
didáticos de filosofia que considerem de fato as especificidades dos alunos jovens e adultos.
Uma das características da EJA é a flexibilidade em relação aos horários, a seleção de
conteúdos e metodologias e a própria relação entre professores e alunos. Diante disso se torna
clara a necessidade dos professores receberem uma formação específica para o trabalho nesta
modalidade, algo que não é comum nos cursos de licenciatura no Brasil, inclusive na
formação de professores de filosofia.
Neste sentido, o presente texto tem como objetivo apresentar o relato de uma
experiência de ensino e aprendizagem de filosofia da arte com uma turma da EJA, em uma
escola localizada no município de São José-SC. A experiência em questão aconteceu no
primeiro semestre de 2014 com uma turma do 1º ano do ensino médio da EJA. A turma
contava com trinta e oito alunos matriculados, mas em sala de aula cerca de vinte e cinco
alunos mantinham boa frequência.
A EJA de maneira geral sustenta altos índices de evasão que podem ser apoiados em
nos mais variados motivos. Muitos alunos fazem a matrícula demonstrando desejo em
estudar, porém a realidade de trabalhadores contribui para que muitos não consigam de fato
frequentar as aulas. No caso das mulheres esses problemas se agravam, pois muitas são
impedidas de estudar porque além do trabalho, assumem sozinhas a responsabilidade do
cuidado com os filhos e não podem deixá-los durante o período das aulas.
O texto em questão conta o apoio teórico de Paulo Freire, no que diz respeito à relação
entre professor e a tarefa de ensinar e de Renata Aspis e Silvio Gallo, sobre as questões
metodológicas. O objetivo aqui é, através do relato de experiência, levantar elementos para
futuros debates sobre o ensino de filosofia na EJA. Desta forma torna-se necessária a
divulgação de práticas de ensino que promovam a troca de saberes entre os docentes de
filosofia interessados no trabalho com jovens e adultos.
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Educação de jovens e adultos: um lugar de direitos
Ao refletirmos sobre o ensino na EJA é preciso considerar que por muito tempo esse
foi um campo visto como secundário pra o qual eram destinadas medidas compensatórias.
Para Haddad e Di Pierro (2000), somente na década de 1940 a EJA se firmou como um tema
de política nacional. Neste momento, um importante marco na história da educação de adultos
foi a criação da UNESCO (Organização das nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura)
em 1945, que tinha como missão denunciar as desigualdades entre países e alertar sobre o
papel da educação no processo de desenvolvimento das nações que eram chamadas
“atrasadas”. A imagem dos países que tinham altos índices de analfabetismo diante dos países
desenvolvidos motivou campanhas em favor da educação de adultos. Na ocasião da V
Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFITEA), realizada em 1997, foi
estabelecido na Declaração de Hamburgo
A educação de adultos torna-se mais que um direito: é a chave para o século XXI; é
tanto conseqüência do exercício da cidadania como condição para uma plena
participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do
desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade
entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de um
requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar
ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça. (UNESCO, 1997, p.1)
Ao longo dos anos muitas foram as iniciativas governamentais visando à educação de
pessoas jovens e adultas, porém o cenário atual parece ter começado a se configurar somente
na década de 1990 com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases- LDB/96. Neste documento
o até então chamado ensino supletivo passou a ser Educação de Jovens e Adultos, uma
modalidade educativa regular que como o próprio nome indica deveria dar ênfase ao público
ao qual se destina respeitando as suas necessidades e especificidades.
De maneira geral os alunos jovens e adultos da EJA, são oriundos de classes
populares. Os adultos, em sua maioria, são trabalhadores que não tiveram acesso à escola
durante a infância ou tiveram que interromper os estudos para trabalhar e ajudar no sustento
da família. Já os jovens possuem uma trajetória escolar que é marcada pela evasão e
repetência, que em muitos casos leva a própria escola a transferi-los para a EJA.
Desta forma, a EJA se torna uma modalidade de ensino que abarca aqueles que não
tiveram acesso à escola e aqueles que de alguma maneira não se adaptaram as exigências e ao
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perfil de bom aluno esperado pela própria escola.2 De toda maneira, os alunos que compõem
o público da EJA devem ser respeitados em seus direitos e em suas necessidades pedagógicas,
o que implica em necessidade de formação por parte dos professores e principalmente na
reflexão sobre as práticas educativas.
Ensino e aprendizagem filosóficas: apontamentos metodológicos
Com o retorno da filosofia ao currículo obrigatório do ensino médio, cabe pensar as
especificidades de seu ensino. O ensino de filosofia tem como principal função colocar o
aluno em contato com um tipo de conhecimento, com um tipo de questionamento sobre as
coisas do mundo, sobre aquilo que o afeta. Esse questionamento implica em uma postura
diante dos problemas cotidianos que ganham contornos filosóficos mediante alguns
“instrumentos” que o aluno aprende a utilizar nas aulas de filosofia, tais como: argumentação,
pensamento lógico e crítico, o trabalho com conceitos, etc.
Para Renata Aspis e Silvio Gallo (2009), na escola o ensino de filosofia deve ser uma
maneira de colocar os alunos em contato com a experiência filosófica. Para os autores,
a experiência é aquela coisa que, ao acontecer a alguém transforma essa pessoa, que
já não é mais a mesma. É algo que atravessa seu pensamento, suas ideias e faz com
que já não possa mais ser o mesmo. Algo se passa, toca e é aprendido de forma
transformadora. A experiência filosófica é a experiência de fazer filosofia. É isso
que queremos proporcionar aos jovens: a experiência de filosofar (ASPIS;GALLO,
2009. p.16).
Em sala de aula, o processo de aprendizagem filosófica pode acontecer de muitas
formas dependendo sempre da disposição do professor em diversificar metodologias e levar
em consideração as necessidades dos alunos. Trata-se na verdade de trabalhar com
ferramentas que o auxiliem a mostrar ao aluno características fundamentais da filosofia e que
ao mesmo tempo tem por objetivo instrumentalizar o aluno para que ele tenha autonomia
diante da filosofia.
De qualquer maneira, o ponto fundamental a necessidade de que em todos os
momentos, aluno e professor estejam dispostos à tarefa de aprender e ensinar. Cito Paulo
Freire
2
De acordo com dado divulgado pelo Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2015, no ano de 2013 foram
registradas 3.623.912 matriculas na Educação de Jovens e Adultos da rede pública.
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O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das
bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres
históricos, é a capacidade de intervirmos no mundo, conhecer o mundo. Mas,
histórico como nós, o nosso conhecimento do mundo tem historicidade. Ao ser
produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se
“dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã. Daí que seja tão fundamental
conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos abertos e aptos á
produção do conhecimento ainda não existente. Ensinar, aprender e pesquisar lidam
com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o
conhecimento já existente e o que se trabalha a produção do conhecimento ainda não
existente (FREIRE, 1996. p.31)
Ao considerarmos o processo de ensino e aprendizagem filosófica, a leitura e a escrita
cumprem um papel fundamental, desde que não sejam apresentadas como uma atividade
mecânica, mas como um desafio cognitivo. O movimento da escrita, associado à leitura, um
exercício duplo de responsabilidade de expressar o conteúdo do pensamento em uma
linguagem própria que leva o aluno a avaliar o modo como ele se expressa, fazendo-o refletir
sobre o próprio pensamento. A leitura e a escrita constituem, pois, instrumentos fundamentais
para aprender de modo significativo.
Para tanto, é preciso entender que o exercício da leitura não precisa estar
necessariamente ligado a textos. Assim como o texto existem diversas expressões artísticas
que carregam uma linguagem que pode ser decifrada através da leitura. Em sala de aula, o
aluno pode ser convidado a realizar a leitura de filme, de uma escultura, um quadro, uma
música. Esses outros meios de acesso à linguagem podem ser trabalhados em sintonia com os
textos filosóficos, contribuindo para que o aluno tenha acesso ao processo do filosofar das
mais variadas maneiras.
Metodologia para aula de filosofia
Para o trabalho filosófico o professor pode trabalhar com diversas estratégias e
recursos didáticos para tornar o conteúdo acessível aos alunos. Porém existem alguns
consensos. Um deles é o de que o trabalho filosófico é o trabalho com problemas filosóficos.
O que caracteriza esses problemas não é o simples fato de fazerem parte da história da
filosofia, mas sim de serem analisados de acordo com critérios filosóficos.
Para Mario Porta (2002) as crenças tematicamente definidas e racionalmente
fundamentadas não constituem o núcleo essencial da filosofia, mas sim os problemas e
soluções. Para o autor (2002.p.26) “a filosofia possui problemas, sendo a unidade dinâmica
desses problemas o que está na base da multiplicidade e da mudança de temas e opiniões.
Quando não há problema tampouco há filosofia”. Por isso, ensinar filosofia não é
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simplesmente mostrar o que já foi feito através da rica história da filosofia, mas dar ao aluno
instrumentos para que ele possa filosofar.
No livro Ensinar filosofia: um livro para professores (2009), Renata Aspis e Silvio
Gallo apresentam uma opção metodológica para o ensino de filosofia que é tomada aqui como
uma referência. Para os autores um curso ou uma aula de filosofia podem ser concebidos em
quatro etapas: sensibilização, problematização, investigação e conceituação.
Na primeira etapa o intuito é promover a sensibilização dos alunos, ou seja, promover
o interesse dos alunos para o tema escolhido para o trabalho. Esse movimento pode ser feito
através de um texto não filosófico, por exemplo, quadrinho, recorte de jornal ou revista,
fragmentos de filmes ou documentários, etc. Nesse momento o professor aproxima a filosofia
dos temas cotidianos, mostrando aos alunos que as questões filosóficas fazem parte da vida
deles.
A segunda essa etapa o momento é de problematizar o tema. Aqui é o momento de
formular questões sobre o tema. A aula deve ser fundamentada em um problema filosófico a
partir do qual os alunos devem adquirir o desejo por buscar soluções para esse problema. A
formulação do problema é central nesse processo, pois leva a etapa seguinte que promove a
investigação filosófica.
A etapa de investigação consiste no estudo de textos filosóficos previamente
selecionados pelo professor, objetivando o contato do aluno com a leitura filosófica. Aqui o
professor pode mostrar ao aluno que um mesmo tema foi abordado de maneiras diferentes por
vários filósofos ao longo da história.
E por fim a etapa de conceituação consiste em encontrar um novo sentido para os
conceitos que foram trabalhados nas etapas anteriores. Esse é o momento onde a escrita surge
como atividade necessária. A escrita é o momento de total autonomia do aluno, é onde ele
demonstra seu posicionamento, suas deficiências, suas habilidades e se mostra realmente
como estudante de filosofia.
Nesse processo a história da filosofia tem um papel fundamental, mas não central, pois
o objetivo é fazer com que os alunos adquiram autonomia para usar as ferramentas filosóficas
para que possam por sua vez filosofar. O uso do texto clássico tem aqui um papel
significativo, é através dele que os alunos têm o contato direto com o que os próprios
filósofos escreveram e podem assumir uma posição a partir da leitura que fizerem.
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Ensino de filosofia e a relação com a arte e a cultura
Quando pensamos sobre a recente obrigatoriedade do ensino de filosofia no Ensino
Médio, uma das questões que surge diz respeito ao papel da filosofia na escola. Segundo as
Orientações Curriculares Nacionais (2006), a filosofia cumpre afinal, um papel formador,
uma vez que articula noções de modo bem mais duradouro que outros saberes. A indicação é
de que a filosofia seja não só um conjunto de opiniões, mas um tipo de conhecimento que
deve servir para o aluno como um apoio para a vida. No documento encontramos:
Cabe a filosofia a capacidade de analise, de reconstrução racional e crítica, a partir
da compreensão de que tomar posições diante de textos propostos de qualquer tipo
(...) e emitir opiniões acerca deles é um pressuposto indispensável para o exercício
da cidadania. (BRASIL, 2006. p. 26)
Na posição de professores de filosofia do Ensino Médio, longe de reduzirmos o papel
da disciplina à formação do cidadão, é nossa tarefa problematizar os conteúdos indicados para
o ensino de filosofia desta etapa e um dos temas que merece nossa atenção é a filosofia da
arte. Podemos então, considerar como base para a nossa reflexão o tripé educação-artecultura. As questões que se colocam a partir daí são muitas, como por exemplo: Qual a função
da arte em nossa existência cotidiana? Quais as possibilidades da arte entanto instrumento
didático para o ensino de filosofia? Quais as dimensões da cultura? Como a arte e a cultura
podem contribuir para o processo formativo dos estudantes? Não temos condições aqui de
abordarmos todas as questões, mas consideramos válida a reflexão sobre o tema.
Sabemos que a arte faz parte da vida dos homens desde tempos remotos, temos
registros pré-históricos que comprovam que o homem atribuía ao menos uma função a arte: a
de comunicação. Com o passar dos anos a arte foi se adaptando as exigências dos homens, a
busca pelo belo, as formas, a simetria, a semelhança com a realidade, o prazer proporcionado,
são maneiras de buscar na arte a superação de alguns desejos ou limitações. No entanto,
quando buscamos relacionar a arte com a cultura, a comunicação se torna um traço essencial
que amarra essas duas esferas.
Sem comunicação não poderíamos falar em arte e cultura. A necessidade do homem
de se comunicar transformou o modo de vida e a maneira de se relacionar com os outros ao
longo dos anos. A cultura entendida como as realizações materiais e espirituais de um povo,
abarca a arte que podemos entender como a técnica e a habilidade para criação. Sem esses
dois elementos a educação não cumpriria seu papel de formar cidadãos, pois a cultura tem o
papel de fortalecer a identidade pessoal e social dos indivíduos.
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Ao longo da história a filosofia e arte influenciaram culturas e o desenvolvimento de
sociedades, sempre ligadas de alguma maneira a educação. Não deixamos de considerar as
especificidades de cada uma, mas quando pensamos no ensino de filosofia torna-se
fundamental a importância dada a elementos artísticos, como: texto, filmes, charges, música,
pintura, teatro e tantos outros. A partir do trabalho com esses elementos e a reflexão sobre a
importância deles para a nossa cultura favorecem o desenvolvimento da consciência crítica
dos estudantes e os situam também como produtores de cultura. Neste sentido, temos a
afirmação do caráter criador da filosofia, que não se contenta apenas com o dado e busca a
prática dialógica, investigativa, reflexiva diante daquilo que vemos e vivemos no mundo.
A experiência em sala de aula
No primeiro semestre de 2014 foi desenvolvido um trabalho filosófico com uma turma
do primeiro ano de Ensino Médio da EJA dentro da unidade temática de filosofia da arte, que
teve como objetivo geral analisar relação do homem com a arte e a cultura. Para isso, foi
selecionado como conteúdo principal a produção e a mercantilização da arte e da cultura. A
turma em questão era composta por alunos entre dezoito e cinquenta e quatro anos e muitos
tinham ficado alguns anos longe da escola. Muitos dos alunos da turma já tinham tido contato
com a filosofia nas etapas que correspondem aos anos finais do Ensino Fundamental 3, porém
para alguns aquele era o momento do primeiro contato com a disciplina.
Dentro dessa unidade temática quatro aulas foram destinadas a proposta de que aos
alunos que refletissem sobre o papel da arte na vida em sociedade. Com o objetivo de
sensibilizar e aproximar os alunos do tema, no momento inicial da primeira aula da unidade,
foi aberto um debate sobre o que os alunos entendiam como arte e depois foi exibido o
documentário Lixo Extraordinário (2010), que foi dirigido por Lucy Walker e retrata o
trabalho do artista plástico Vik Muniz no Aterro do Jardim Gramacho – RJ. O documentário
aborda a relação do artista, que vê o lixo como matéria prima para suas obras, com os
catadores, que veem no lixo uma forma de sustento de suas famílias. Entre outros temas a
filmagem trata da maneira como o lixo é produzido e descartado em nossa sociedade, da
relação do homem com esse lixo, da transformação do lixo em arte e da mercantilização da
arte.
3
No município de São José-SC a disciplina de filosofia também está presente no currículo dos anos finais do
Ensino Fundamental da Educação de Jovens e Adultos-EJA.
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Considerando que cada aula de filosofia tem duração de quarenta e cinco minutos,
foram utilizadas duas aulas para a apresentação do documentário. Na terceira aula foi
proposto um diálogo com os alunos proporcionando a manifestação dos alunos sobre a
maneira como os alunos descartam o lixo, a geração de trabalho e renda a partir do lixo e as
possibilidades do lixo ser transformado em arte. A partir das falas dos alunos sobre o tema, foi
proposto a questão “Qual o papel da arte na vida em sociedade ?”
Para contribuir com a problematização foi feita a leitura de um fragmento da obra A
necessidade da arte escrita pelo filósofo Ernest Fischer que expressa
Toda arte é condicionada pelo seu tempo e representa a humanidade em consonância
com as idéias e aspirações, as necessidades e as esperanças de uma situação histór
ica particular. Mas, ao mesmo tempo, a arte supera esta limitação e, de dentro do
momento histórico, cria também um momento de humanidade que promete
constância no desenvolvimento [...]. A arte é necessária para que o homem se torne
capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a arte também é necessária em virtude da
magia que lhe é inerente. ( FISCHER, 1977. p.17)
O fragmento foi lido individualmente e depois foi feita a leitura para a turma
acompanhada de uma contextualização histórica sobre o momento em que a obra foi escrita.
Considerando que filosofia pressupõe criação, isso implica em exercício de escrita, portanto
foi proposto os alunos se posicionassem a respeito daquilo que entenderam da leitura e que
em casa, eles escrevessem um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema buscando
responder a questão proposta.
Na aula seguinte, foi proposto que os alunos trocassem os textos entre eles para que
fosse feita a analise da posição dos colegas a respeito do tema. Desta forma eles perceberam
que uma mesma questão pode ser respondida de maneiras diferentes e que todas podem estar
corretas dependendo da maneira como o aluno argumentou e expôs a sua posição sobre o
tema. Considerando as atividades realizadas nas quatro aulas, os alunos foram avaliados pela
participação nos debates e discussões propostos e pelo exercício de escrita, onde eles puderam
se posicionar de maneira mais clara e incisiva.
Considerações finais
Podemos considerar, de forma bastante genérica, um objetivo para a filosofia que se
manteve através dos tempos, a saber, o de estimular a reflexão e nos orientar sobre os
questionamentos, sobre as dúvidas que se apresentam em nosso cotidiano e principalmente a
tomar cuidado com as certezas, como já alertava o filósofo Sócrates. Esse objetivo é bastante
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audacioso, mas se manteve coerente e necessário através do pensamento de filósofos de todos
os períodos marcantes na história da filosofia, de maneiras diferentes.
Ao final das atividades propostas no trabalho com a unidade temática foi possível
perceber que os alunos acreditavam que a arte estava restrita a lugares inacessíveis para eles,
como museus, galerias, exposições. Após a exibição do documentário os alunos perceberam
que a arte faz parte do nosso cotidiano, porém muitas vezes ela só é considerada arte se além
do valor artístico ela possuir um valor monetário. Esse valor de mercado é resultado de uma
construção social e nesse sentido faz parte de nossa cultura, assim como a própria obra de
arte.
A utilização do documentário como recurso didático contribuiu sobremaneira para que
os alunos se conectassem com o tema através da linguagem cinematográfica. Durante os
momentos de discussões foi possível perceber a troca de saberes entre alunos de diferentes
gerações. Desta forma, fica nítido que a troca de experiências entre os alunos jovens e adultos
da EJA pode contribuir para a aprendizagem em filosofia, assim como nas demais disciplinas.
REFERÊNCIAS
ASPIS, Renata Lima; GALLO, Sílvio. Ensinar Filosofia: um livro para professores. São
Paulo: Atta Mídia e Educação, 2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Orientações Curriculares Para o Ensino Médio.
Ciências Humanas e suas tecnologias. Conhecimentos de Filosofia. Ministério da Educação.
Secretaria de Educação Básica. Brasília, DF, 2006.
FISCHER, Enerst. A necessidade da arte. Trad. Leandro Konder. Rio de Janeiro: Zahar,
1977.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
HADDAD, Sérgio; DI PIERRO, Maria Clara. Aprendizagem de jovens e adultos: avaliação
da década de Educação para Todos. São Paulo: SEADE, São Paulo em Perspectiva, vol. 14, n.
1, p. 29-40, jan/mar. 2000.
PORTA, Mario. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo
filosófico. São Paulo: Loyola, 2002.
UNESCO. Declaração de Hamburgo e Agenda para o Futuro. Conferência Internacional de
Educação de Adultos. Hamburgo, Alemanha, 1997.
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WALKER, Lucy; HARLEY, Karen; JARDIM, João. Lixo Extraodinário. Reino Unido/
Brasil, 2010, 99 min, cor
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