Questões ambientais contemporâneas, uma contribuição ao debate Ester Limonad Programa de Pós-Graduação em Ordenamento Territorial e Ambiental Universidade Federal Fluminense Nossa meta é apresentar alguns elementos constituintes da problemática ambiental contemporânea que entendemos serem relevantes para a compreensão e reflexão da sociedade contemporânea bem como para o avanço da prática de planejamento ambiental urbano e regional. Trata-se, de refletir sobre 1) o fim da chamada “natureza natural”; 2) os interesses envolvidos hoje na preservação e conservação da natureza; 3) a ambigüidade e modismo do termo sustentabilidade; 4) o caráter da escassez dos recursos naturais; 5) o caráter geopolítico da apropriação e gestão dos recursos naturais. Enfim, trata-se de situar alguns parâmetros a serem considerados na implementação de ações e de propostas que visem promover o desenvolvimento local e regional em termos econômicos e sociais, sem descuidar da problemática ambiental. Neste sentido estruturamos nossas considerações a partir de cada um dos tópicos acima listados. 1) o fim da chamada “natureza natural” O fim da “natureza natural” não é uma novidade, Marx e Engels (1976:46 – nossa tradução), em sua crítica a Feuerbach, afirmam que “a natureza que precedeu a história humana, não é de modo algum a natureza em que Feuerbach vive, é uma natureza que não existe mais em lugar nenhum (exceto talvez em algumas ilhas de coral australianas de origem recente)”. Milton Santos (1996) salienta não haver mais espaço natural, natureza intocada, questão levantada por Lefebvre (1991:30) ao alertar que se o espaço (social) é um produto (social) a primeira implicação disso seria a desaparição do espaço natural. Para Lefebvre o espaço natural, a natureza seria aquilo que escapa a racionalidade e é atingida através do imaginário (1969:65). Mas o que não escapa à racionalidade hoje? Mesmo as áreas mantidas como reserva de recursos naturais, “capital natural” não deixam de ser objeto da racionalidade ao se constituírem enquanto tal. Lipietz (1995:10) chama a atenção para o fato que “tudo que existe na Terra é atualmente influenciado pela atividade humana”. Um exemplo seriam os resultados de exames recentes de diferentes amostras de profundas camadas de gelo das calotas polares que indicam um decréscimo da poluição por chumbo, que no fim do século XIX era mais elevada devido à composição dos combustíveis utilizados... Então que espaço “natural” é este? Qual a natureza deste espaço “natural”? Como compreendê-lo? De modos a ter uma base de referência remetemo-nos, aqui, à argumentação de Lefebvre (1991:32) sobre a interação tripartite relacionada às três esferas da produção (social) do espaço e das relações sociais de produção: a reprodução da sociedade (da estrutura social, do cotidiano, da família), a reprodução da força de trabalho (de um contingente de trabalhadores necessários à reprodução dos meios de produção) e a reprodução dos meios de produção. Se cada sociedade – e, portanto, cada modo de produção, secreta o seu próprio espaço, decorre daí que cada sociedade elabora suas próprias práticas espaciais, representações do espaço e espaços de representação, por conseguinte cada sociedade, em cada momento histórico, terá diferentes concepções (representações) do espaço natural ou da natureza, e dos argumentos pelos quais esta “natureza” deveria ser preservada; seja enquanto representações hegemônicas, seja no imaginário da vida social e dos grupos contrahegemônicos. As quais manifestam-se de distintas maneiras: as primeiras, hegemônicas, ao nível do discurso ambiental e da preservação da natureza enquanto recurso e “capital natural” para as gerações futuras – ou seja, enquanto valor de troca, ou ainda expressas sob a forma de legislação com a proposição de normatizar e regular a relação homem natureza; as segundas situam-se no imaginário social e são fundadas na possibilidade da apropriação da natureza enquanto valor de uso, e por vezes em casos específicos fundamentam não só a relação homem-natureza necessária para a reprodução e sobrevivência de certos grupos sociais, mas são também elementos constituintes da identidade social destes grupos. O afã com que os interesses dominantes buscam modelar a defesa da natureza, com o apoio da indústria cultural e de comunicações, em que a imagem “politicamente correta“ e de legitimidade política muitas vezes está associada ao consumo “verde”, à sustentabilidade e às preocupações ecológicas. Neste sentido, no caso brasileiro, não podemos desprezar o papel da Rede Globo de Televisão. Embora a natureza não seja um produto do trabalho, se não há natureza natural, o espaço “natural” no presente de certa forma constitui uma dimensão do espaço social, e na medida em que admitimos que o espaço (social) é um produto (social), o espaço “natural” não deixa, também de ser um produto social particular, que está relacionado às três referidas esferas da (re)produção social do espaço. As quais, por sua vez, embasam os discursos e interesses sociais de cada modo de produção em relação ao espaço (social) – e neste contexto cabem ser analisados os discursos da preservação ambiental e da sustentabilidade do desenvolvimento urbano. Enquanto discursos que estão ligados a defesa de determinados interesses sociais, políticos e econômicos, como veremos a seguir. 2) os interesses envolvidos hoje na preservação e conservação da natureza Enquanto fonte, recurso e ponto comum de partida do espaço (social) o, assim chamado, espaço natural (a “natureza”) converteu-se em objeto de uma obsessão: todos desejam “salvar” ou preservar a natureza, desde organismos não governamentais até instituições de porte internacional sem tradição neste campo como o Banco Mundial. Importa, portanto, diferenciar os diferentes matizes e interesses relacionados à preservação da “natureza” – e buscar clarificar as concepções de natureza a que se referem – ou seja, qual seria a natureza da natureza a ser preservada. O espaço “natural”, ao ser submetido às exigências da sociedade neocapitalista, como vimos, é subjugado e aniquilado enquanto tal e reaparece reorganizado seja enquanto “reserva de valor” – “capital natural” (reservas florestais e parques nacionais) seja enquanto espaço de consumo e lazer. A “natureza” enquanto espaço de consumo e lazer, aparece mais claramente como produto social, conforme é produzida e oferecida como simulacro e espaço “nãocontaminado” a ser consumido em parques temáticos que buscam recriá-la sem os riscos que “the real thing” – a natureza selvagem – oferece,.Uma vez que a, assim chamada, “natureza selvagem” intocada pelo homem apenas vive em nossa imaginação ela nos é ofertada como uma fonte de resgate (controlada) de experiências selvagens e aventuras. O espaço “natural” aparece, também, como pano de fundo, decoração, paisagem ou mais do que isso, persiste em todas as partes e cada detalhe e objeto natural são valorizados ao conquistarem um peso simbólico. Neste contexto temos a desnaturalização da natureza. A fetichização do espaço natural muitas vezes conduz a um furor de preservar a “natureza intocada” pelo homem, ainda que este faça parte de seu nicho ecológico - expresso em uma legislação excludente pautada em uma (pré-) concepção oficial do que seria o “espaço natural” representada por uma legislação ambiental que privilegia certas práticas espaciais em detrimento de outras. Não se pode dizer que esta representação do “espaço natural” coincida com a percepção e vivência dos diferentes grupos sociais em relação a ele, e portanto tal concepção não necessariamente contempla as práticas espaciais de grupos sociais que interagem com este “espaço natural”. A visão preservacionista do “espaço natural” privilegia a não-contaminação da “natureza” pelo homem. 3) a ambigüidade do termo sustentabilidade Muitos termos adotados no debate ambiental contemporâneo aparentemente incorporam valores capitalistas sem sabê-lo. Comecemos pelo termo sustentabilidade, a idéia em si não é nova, podemos localizar suas raízes na economia. De fato a possibilidade de o crescimento econômico prolongar-se temporalmente pode ser encontrada nos escritos de David Ricardo (1817), e posteriormente, a sustentabilidade do desenvolvimento, entendida enquanto sustentação do sistema capitalista de produção, ocupou o cerne das preocupações de Marx e Schumpeter, bem como dos seguidores de Keynes. (PEDRÃO, 2002, p.28). Os discursos e idéias da sustentabilidade trazem em si “representações, idéias e valores distintos que remetem mais aos efeitos práticos desejáveis e à busca de legitimidade política do que à construção de um conceito explicativo” (ACSELRAD, 1999, p. 80). A argumentação da sustentabilidade, assim, contribui para articular diferentes discursos em torno de uma estratégia comum – em particular estratégias voltadas para o desenvolvimento urbano com a preocupação ambiental e sustentável. Concordamos com Acselrad que a associação da noção de “sustentabilidade” à possibilidade de haver uma “forma social de apropriação e uso do meio ambiente dada pela própria natureza das formações biofísicas significa ignorar a diversidade de formas sociais” (1999:87) Ou seja, isto significa não aceitar que haja apenas uma forma adequada de uso “sustentável”, e que esta sustentabilidade é forjada sobre interesses específicos relacionados à apropriação material dos recursos naturais e do território. De fato o termo sustentabilidade significa coisas completamente diferentes para diferentes pessoas, mas “é muito difícil ser a favor de práticas ‘insustentáveis’ assim o termo cola como um reforço positivo de políticas e política conferindo-lhes a aura de serem ambientalmente sensíveis” (HARVEY, 1996:148). Pode-se dizer, assim, que como a natureza, a idéia de sustentabilidade, é socialmente criada e integra o corpo de representações hegemônicas do espaço na contemporaneidade. Enfim, a própria idéia de sustentabilidade não é produto de um campo específico do conhecimento. De certa forma os discursos sobre a preservação ambiental e a natureza tem sua origem em agendas políticas concretas de diferentes grupos sociais e econômicos. Ora deste ponto de vista parece-nos, possível afirmar que por mais que não queiram parecer os discursos sobre a natureza, e mesmo as matrizes discursivas assinaladas por Acselrad (1999) apesar de serem proposições ecológicas não deixam de ter um caráter social, político e geográfico – na medida em que conjugam interesses geograficamente localizados. É interessante notar que a idéia de sustentabilidade, usualmente, tende a ser acompanhada pelo discurso da escassez. 4) o caráter da escassez dos recursos naturais Para os economistas clássicos, em particular para Malthus (1978), os limites naturais para o desenvolvimento do capitalismo, a persistência da pobreza e origem das crises estariam relacionados diretamente à escassez de recursos naturais frente às leis naturais de população e a concomitante geração de uma superpopulação. Marx escapa da armadilha da superpopulação malthusiana ao apontar que a formação de uma população excedente não se constitui em um obstáculo, como propõe Malthus (1978), mas pelo contrário a produção de uma população excedente, enquanto exército industrial de reserva, é intrínseca à lógica do capitalismo enquanto meio de regulação dos salários e base para o próprio desenvolvimento e expansão do modo de produção (vide MARX, 1975 – Livro I:730-751). No entanto, ainda hoje algumas correntes defensoras da preservação ambiental e do desenvolvimento sustentável apresentam ponderações de caráter neo-malthusiano em que o elemento chave para a sustentabilidade seria o controle populacional, como a matriz discursiva da escala que, segundo Acselrad (1999:79) “procura impor um limite quantitativo ao crescimento econômico e à pressão que ele exerce sobre os ‘recursos ambientais’”. O poder do homem para dominar a natureza, para Marx, residiria no desenvolvimento das forças produtivas, principalmente ao assinalar que “o reino da liberdade começa onde o trabalho deixa de ser determinado por necessidade e por utilidade exteriormente imposta; por natureza, situa-se além da esfera da produção material propriamente dita” (MARX, 1975 - Livro III: 942) para que isto ocorra “a condição fundamental desse desenvolvimento humano é a redução da jornada de trabalho” (idem), que só é alcançado na medida em que o homem cria novos meios de se apropriar da natureza. Hoje, o desenvolvimento das forças produtivas estaria mais do que nunca relacionado à produção de conhecimento em interação com seus outros fatores constituintes - à medida que entendemos que as forças produtivas são constituídas por meios de produção, força de trabalho, matérias primas e tecnologia temos que: 1) o desenvolvimento de novos meios de produção (máquinas e ferramentas) está intrinsecamente ligado à produção de conhecimento; 2) o desenvolvimento da força de trabalho está relacionado às transformações no processo de trabalho que muitas vezes dependem de inovações técnicas e 3) o aproveitamento dos recursos naturais e matérias primas está diretamente relacionado ao avanço tecnológico o qual, por sua vez, 4) depende da produção de conhecimento e do avanço científico. Não se trata, de cair em um determinismo tecnológico, mas de enfatizar a primazia da produção do conhecimento nos tempos atuais para o avanço do desenvolvimento das forças produtivas. A história da humanidade, per se, mostra em atos corriqueiros de nosso cotidiano a mutabilidade de apropriação de diversos recursos naturais e aproveitamento de fontes energéticas – vai longe o tempo em que os homens viajavam em navios movidos apenas pela força do vento, viviam à luz de lamparinas de óleo de baleia, cozinhavam em fogões a lenha e viajavam em lombo de burros. Com os motores híbridos e de hidrogênio em algumas décadas o petróleo tornar-se-á um combustível obsoleto como se tornou a lenha para mover as máquinas a vapor. O papel da produção do conhecimento e do desenvolvimento do meio técnico-científico desempenham aí um papel relevante, como esquecer do primeiro computador com oito bits de memória que ocupava uma sala de 40 metros quadrados em engrenagens e circuitos de válvulas. Hoje em um microchip de um centímetro quadrado concentram-se processadores ultra velozes que permitem cada vez uma maior miniaturização, o que nos faz lembrar da asserção de Marx de que a humanidade somente se propõe problemas que pode resolver. Se o desenvolvimento das forças produtivas não está limitado, como vimos pela escassez de recursos naturais, em que sentido eles seriam escassos, então? Parece-nos que esta escassez é relativa a um determinado momento, a um estágio de desenvolvimento das forças produtivas, ou seja a uma etapa do desenvolvimento da produção do conhecimento. Harvey oferece-nos uma definição relacional do termo recursos naturais enquanto uma: “estimativa cultural, técnica e econômica dos elementos e processos na natureza que podem ser aplicados para satisfazer objetivos e metas sociais através de práticas materiais específicas” (HARVEY, 1996:147). Ora uma estimativa, qualquer que seja, está referenciada no estágio do conhecimento e na capacidade de entendimento e comunicação que variam histórica e geograficamente. Por conseguinte, conclui que “a longa história do próprio capitalismo mostra que as estimativas técnicas e econômicas podem mudar rapidamente e a adição da dimensão cultural possibilita uma maior fluidez e variabilidade da definição” (idem). Concordamos, assim com Harvey que admitir a escassez na natureza e a existência de limites naturais “universais”, portanto, significa ignorar como a escassez e estes limites são socialmente produzidos para atender certos objetivos sociais – objetivos estes que dependem muitas vezes de quem define os desejos sociais institucional e politicamente. Por outra parte para que este ou aquele recurso seja considerado esgotável, por vezes, também depende dos interesses em jogo, das alianças existentes ao nível da divisão internacional do trabalho e do estágio de desenvolvimento das forças produtivas. Não vai longe o tempo em que se previam sociedades catastróficas de um futuro desolado dado o fim das reservas de petróleo. Hoje com os carros movidos à base de motores híbridos a esgotabilidade do petróleo foi afastada e obrigou as montadoras a investirem no desenvolvimento de novos protótipos híbridos e a hidrogênio a partir do lançamento do Prius4, desenvolvido pela Toyota. Devemos ressaltar, no entanto, que não se trata de dizer que em um momento específico o capitalismo não pode ser confrontado com uma situação de escassez e superpopulação de sua própria lavra, todavia atribuir esta situação de escassez à natureza e não às formas de dominação e apropriação desta é ocultar a dimensão geopolítica do problema, uma vez que os recursos são desigualmente distribuídos sobre o globo e disputados por diferentes grupos sociais com interesses muitas vezes conflitantes. 5) o caráter geopolítico da apropriação e gestão dos recursos naturais Atualmente a preservação ambiental e o planejamento apresentam discursos diferenciados , que estão ligados a interesses distintos. Portanto, não podemos lidar com a questão ambiental como se esta se resumisse à preservação de florestas e de nichos ecológicos. De fato este é um problema geopolítico que envolve diversos e diferentes interesses, poderes e escalas de ação bem como distintos discursos que envolvem a questão da sustentabilidade, em que as perspectivas do valor de uso da natureza e sua apropriação social entram em confronto com sua mercantilização enquanto “capital natural” ou reservas de recursos naturais. Na contemporaneidade, após o relatório Bruntland, a questão ambiental assumiu um papel estratégico para o desenvolvimento econômico e social para os países de capitalismo tardio e não-industrializados, principalmente depois do protocolo de Kyoto, com a abstenção dos Estados Unidos, maior responsável pelas emissões poluentes do planeta. A preservação dos recursos naturais converteu-se em uma questão premente na geopolítica mundial, ainda mais se considerarmos que as reservas naturais inexploradas tendem a diminuir drasticamente nos últimos anos, restando-nos a Antártida, o fundo dos mares e a Amazônia. A água desponta como o fator essencial para a geopolítica dos recursos naturais – neste sentido já se encontram em curso nas mais diversas partes do planeta, conflitos, lutas e disputas territoriais relacionadas ao controle das reservas hídricas, além das disputas por petróleo, gás natural e outras. A título de exemplo merecem menção entre os diversos conflitos armados e disputas territoriais com base na utilização da água e dos recursos naturais, os conflitos ao longo do Rio Jordão na Palestina, as disputas pelo acesso ao mar entre Rússia e Japão, por petróleo entre russos e chechenos, por terras aráveis e água em várias partes do continente africano – como é o caso das disputas territoriais na Etiópia, Eritréia, Somália entre outros, ou o caso da Cachemira celeiro agrícola disputado pela Índia e Paquistão, desde a sua constituição em estados nacionais, em 1948, e recentemente pela China, entre outros. Além disso, no berço da civilização, em plena Mesopotâmia, entre os mananciais do Tigre e do Eufrates, temos a a incursão e ocupação anglo-americana no Iraque – que trata-se não só de um assalto às fontes de petróleo mas da possibilidade de controle da água – o que implica, em última instância, em um alerta aos países com fartos recursos naturais, pois há outros países com muito maior risco em termos do terrorismo internacional do que o Iraque, porém estes países não possuem uma riqueza que permita financiar a sua reconstrução pelos americanos... como seriam o caso da Líbia e Iemen entre outros – reputados internacionalmente como campos de treinamento de terroristas e mercenários... Ponderações Finais Torna-se patente, portanto, que as concepções e representações vigentes em diferentes momentos históricos e em diferentes lugares sobre ambiente, recursos naturais, natureza e escassez não são em absoluto neutras e inócuas, como possam parecer a uma primeira vista. O perigo das idéias de escassez e superpopulação é que onde quer que se defina a escassez será estabelecido um nível ótimo de população e de aproveitamento dos recursos naturais em nome da humanidade, da civilização, ou mesmo das gerações futuras, quando não algum tipo de repressão (HARVEY, 1996:148). Em nome das gerações futuras e de um futuro comum o Banco Mundial preserva o nicho ecológico dos tigres de Bengala em um remoto vale da Índia, enquanto que a população que aí sobrevive tem como uma única fonte de abastecimento energético, para cozinhar e iluminar suas casas, assim como seus antepassados, ”bosta de vaca” seca – por não haverem aceitado a construção de uma usina nuclear e haverem optado por formas mais limpas de energia. De fato concordamos com Harvey (1996:148) quando salienta que “todo o debate sobre ecoescassez, limites naturais, superpopulação, e sustentabilidade é um debate sobre a preservação de uma ordem social particular mais do que um debate sobre a preservação da natureza per se”. Enfim, parece-nos necessário reconhecer que os discursos da questão ambiental e da preservação e/ou conservação da natureza podem contribuir para acentuar e fortalecer sistemas dominantes de poder e proteger uma visão hegemônica da alocação racional de recursos naturais para a acumulação de capital (HARVEY, 1996:174), bem como base para a conscientização política e organização social. Tudo o que dizemos e fazemos está imbuído de uma concepção de natureza. Como vimos desde os movimentos sociais até o Banco Mundial comungam hoje da “paixão” pela preservação e/ou conservação da natureza. Nenhum partido político ou grupo de esquerda jamais conseguiu tal comunhão. Um olhar mais atento, todavia, permite-nos afirmar que a questão ambiental converteu-se em mais uma dimensão social da arena (OFFE, 1991) de enfrentamento entre distintos grupos sociais e políticos no capitalismo contemporâneo. Neste sentido a controvérsia ambiental, não é um espaço neutro e desinteressado, mas sim uma dimensão a mais nas arenas de enfrentamento entre capital e trabalho, entre produção e reprodução, entre a dominação e apropriação do espaço social, entre a coisificação, mercantilização e fetichização da natureza – a sua representação hegemônica (rede Globo) e sua apropriação social enquanto valor de uso e meio de liberação social. Referências Bibliográficas ACSELRAD, H. (1999) “Discursos da sustentabilidade urbana”. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. ANPUR, nº1, maio 1999. HARVEY, D. (1996) Justice, Nature & the Geography of Difference. Oxford UK: Blackwell IANNI, O. (1977) Estado e Planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2o ed. LEFEBVRE, H. (1991) The Production of Space. London, Blackwell [1974] LEFEBVRE, H. (1969) O Direito à Cidade. São Paulo: Documentos. LIPIETZ, A. (1995) Green Hopes – the future of political ecology. Cambridge: Polity Press. MALTHUS, T.R. (1978) “Of the general checks to population, and the mode of their operation”. in BLUNDEN,J. et alii (ed.) Fundamentals of Human Geography: a reader. London: Harper & Row – The Open University Press. MARX, K. (1975) O Capital. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, Livros I e III. MARX, K. & ENGELS, F. (1976) The German Ideology. Moscow. Progress. OFFE, C. (1991) “Algumas considerações do Estado social moderno. In idem: Trabalho e sociedade. Vol II.Rio de Janeiro: tempo Brasileiro. PEDRÃO, F. (2002) “A sustentabilidade social e ambiental”. Revista de Desenvolvimento Econômico. Salvador – Ano IV nº, julho de 2002 SANTOS, M. (1996) A Natureza do Espaço. São Paulo: Hucitec.