Avaliação do tratamento cirúrgico da cifose

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artigo original / original article
Avaliação do tratamento cirúrgico da cifose congênita
na mielomeningocele com o uso da via posterior pela
técnica de Dunn-McCarthy modificada
Study of surgical treatment of congenital kyphosis in
myelomeningocele by posterior approach with the modified
Dunn-McCarthy technique
Evaluación del tratamiento quirúrgico de la cifosis congénita
en el mielomeningocele con el uso de la vía posterior por la
técnica de Dunn-McCarthy modificada
Ricardo Correa da Costa Dias1
Ivan Guidolin Veiga2
Wagner Pasqualini3
Marcus Alexandre Mello Santos4
Élcio Landim5
Paulo Tadeu Maia Cavali6
Resumo
Objetivo: avaliar resultados do tratamento da cifose lombar congênita
em portadores de Mielomeningocele
submetidos à instrumentação e artrodese
da coluna vertebral. Métodos: realizamos um estudo retrospectivo incluindo
12 pacientes com média de idade de
oito anos, tratados cirurgicamente por
via posterior exclusiva, e fixação pela
técnica de Dunn-McCarthy modificada,
sendo que, em oito pacientes, utilizamos
parafuso pedicular e em quatro fios de
Luque. O segmento médio foi de 26
meses (9 a 45 meses). Foram avaliados
os potenciais de correção, de perda
da correção e percentuais de fusão.
Resultados: A cifose inicial média de
116° (60° a 170°) obteve correção média
para 9,1° (-63° a 95°) na radiografia
ABSTRACT
Objective: to report the results in
the treatment of congenital lombar
kyphosis related to myelomeningocele
with posterior spinal instrumentation
and fusion. Methods: data analysis of
12 patients, with mean age of 8 years
old treated by posterior approach and
internal fixation with a Dunn-McCarthy
procedure. Eight patients had implanted
pedicular screws and in four were used
sublaminar wires like Luque´s technique.
The mean follow-up was about 26
months (9 to 45 months). Deformity
improvement and its loosening and
fusion rate were studied. Results: initial
kyphosis mean was 116° (60° to 170°)
turning into 9,1° (-63° to 95°) at final
outpatient visit. Pedicular screw fixation
got total deformity correction and solid
RESUMEN
Objetivo: evaluar los resultados del
tratamiento de la cifosis lumbar congénita
en portadores de Mielomeningocele,
sometidos a la instrumentación y artrodesis de la columna vertebral. Métodos:
realizamos un estudio retrospectivo
incluyendo 12 pacientes con un promedio de edad de 8 años, tratados
quirúrgicamente por la vía posterior
exclusiva y fijación por la técnica de
Dunn-McCarthy modificada, siendo
que en 8 pacientes utilizamos tornillo
pedicular y en 4, hilos de Luque. El
seguimiento promedio fue de 26 meses
(9 a 45 meses). Fueron evaluados los
potenciales de corrección, de pérdida
de la corrección ý porcentajes de fusión.
Resultados: la cifosis inicial promedio
de 116° (60° a 170°) obtuvo corrección
Trabalho realizado na Associação de Assistência a Criança Deficiente – AACD - São Paulo (SP), Brasil.
Assistente do Grupo de Coluna de Botucatu; Médico Cirurgião de Coluna do Hospital Estadual de Bauru ( SP), Brasil.
Cirurgião de Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – Campinas (SP), Brasil.
Cirurgião de Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – Campinas (SP), Brasil.
4
Cirurgião de Coluna do Grupo de Escoliose da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD – São Paulo (SP), Brasil.
5
Professor do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – Campinas (SP), Brasil; Chefe do Grupo de
Escoliose da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD – São Paulo (SP), Brasil.
6
Cirurgião de Coluna do Grupo de Escoliose da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD – São Paulo (SP), Brasil e do Departamento de Ortopedia
e Traumatologia da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – Campinas (SP), Brasil.
1
2
3
Recebido: 11/03/2007 Aprovado: 24/10/2007
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obtida na última consulta. Obtivemos
melhores resultados nos casos onde
utilizamos parafuso pediculares os quais
demonstraram um alto potencial de
correção e 100% de fusão. A taxa global
de complicações foi de 46%; entretanto
a morbidade cirúrgica foi muito baixa.
Conclusão: a técnica descrita se mostrou
eficiente no tratamento das deformidades
com um alto potencial de correção, alto
percentual de fusão e baixo potencial de
perda de correção. Todas as complicações
foram de fácil resolução.
fusion in all cases. The complication
rate was 46%; however, surgical related
morbidity was very low. Conclusion:
the technique brought good results in
deformity improvement with high fusion
rates and few complications.
promedio para 9.1° (-63° a 95°) en
la radiografía hecha en la última
consulta. Obtuvimos mejores resultados
en los casos donde utilizamos tornillo
pedicular, los cuales demostraron un
alto potencial de corrección y 100% de
fusión. La tasa global de complicaciones
fue de 46%; sin embargo la morbilidad
quirúrgica fue muy baja. Conclusión:
la técnica descrita se mostró eficiente
en el tratamiento de las deformidades
con un alto potencial de corrección, alto
porcentual de fusión y bajo potencial
de pérdida de corrección. Todas las
complicaciones fueron fácilmente
resultas.
DESCRITORES: Meningomielocele;
Cifose/congênito; Fusão
vertebral/métodos; Fusão
vertebral/instrumentação;
Resultado de tratamento
KEYWORDS: Meningomyelocele;
kyphosis/ congenital; Spinal
fusion/methods; Spinal fusion/
instrumentation; Treatment
outcome
DESCRIPTORES: Meningomielocele;
Cifosis/congénito; Fusión
vertebral/métodos; Fusión
vertebral/instrumentación;
Resultado del tratamiento
INTRODUÇÃO
O tratamento da deformidade cifótica em pacientes
portadores de mielomeningocele é um desafio para os
cirurgiões do mundo todo. Isto se deve às dificuldades
técnicas e ao alto risco de complicações. Menos comum
que a escoliose, a incidência de cifose congênita associada
à disrrafismos da coluna vertebral varia de 8 a 21% e
esta deformidade é geralmente rígida e progressiva1-5. O
tratamento conservador não impede a progressão da curva,
ficando restrito à adaptação da cadeira de rodas com uma
abertura no encosto exatamente na região do ápice da
cifose aliviando a pressão local (Figura 1). A utilização de
coletes é menos efetiva e muitas vezes intolerável devido à
ausência de sensibilidade que facilita a formação de lesões
de pele nos pontos de apoio da órtese2, 6.
As escaras no ápice da deformidade causam grande
sofrimento aos pacientes. O desequilíbrio do balanço
sagital do tronco que apresenta seu centro de gravidade
alterado é um inconveniente para a utilização da cadeira
de rodas e, além disso, provoca dificuldade no livre
movimento dos membros superiores, já que os mesmos são
utilizados como apoio para se manter na posição sentada3-7.
Tais fatores causam uma piora do quadro psicológico do
paciente, pois impedem uma maior integração social.
A alteração respiratória ocorre por uma diminuição
do volume abdominal realizando pressão das vísceras
abdominais contra o diafragma8. Além disso, a flexão
exagerada do tronco pode ainda gerar dificuldade na
drenagem urinária pelos ureteres e o intertrigo formado
na região abdominal é um problema para realização de
ureterostomia, vesicostomia e ileostomia. O tratamento
cirúrgico é, portanto, um meio eficaz para melhorar a
qualidade de vida destes pacientes1, e pode ser realizado
por via posterior exclusiva ou por dupla via, a anterior
mais a posterior, os defensores desta última afirmam que
ela confere um maior potencial de fusão em relação à via
posterior exclusiva, apesar de impor riscos adicionais ao
paciente.
O objetivo deste trabalho é avaliar a correção
cirúrgica da cifose congênita em pacientes portadores de
mielomeningocele, utilizando-se exclusivamente da via
posterior e realizando a ressecção de uma ou mais vértebras
do ápice da deformidade associada à instrumentação rígida.
Figura 1
Cadeira de rodas
adaptada para
portadores de cifose
lombar congênita
Fonte: AACD
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Dias RCC, Veiga IG, Pasqualini W, Santos MAM, Landim E, Cavali PTM
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MÉTODOS
No período entre março de 2002 e janeiro de 2006, doze
pacientes portadores de cifose congênita rígida associada
à mielomeningocele foram submetidos ao tratamento
cirúrgico pela técnica de Dunn McCarthy9 modificada no
Hospital Abreu Sodré, sede da Associação de Assistência a
Criança Deficiente (AACD) em São Paulo. Numa revisão
retrospectiva, os autores efetuaram uma avaliação completa
que abrange o prontuário hospitalar, a evolução clínica,
a descrição cirúrgica, as radiografias, o exame físico, o
questionário ambulatorial e as fotografias.
Dentre os pacientes avaliados nove eram do sexo
masculino e três do sexo feminino, com média de idade de oito
anos (6 a 12 anos) no dia do ato cirúrgico. Nenhum paciente
apresentava função motora abaixo do nível torácico sendo
o grupo formado exclusivamente por não deambuladores.
Todos receberam tratamento neurocirúrgico com fechamento da bolsa de mielomeningocele imediatamente após
o nascimento. Todos os pacientes com indicação cirúrgica
foram submetidos a uma criteriosa investigação préoperatória que inclui teste de alergia ao látex, por meio do
antígeno do látex k82 usado para detectar anticorpos IgE
específicos pelo método enzimaimunofluorimétrico, exame
de urina tipo I e urocultura. Do sangue, foram analisados
uréia, creatinina, glicemia de jejum, hemograma completo,
sódio, potássio e coagulograma. Todos os pacientes fizeram
radiografia de tórax póstero-anterior. Após a coleta dos
exames, todos foram submetidos à avaliação pré-operatória
por médico pediatra.
Por critério da instituição, foram efetuados estes
procedimentos apenas em pacientes com peso superior
a 20 kg e estado nutricional adequado. Este cuidado
encontra justificativa nos grandes volumes de sangramento
pertinentes a este porte de cirurgia.
Por motivos de preservação parcial do desenvolvimento
pulmonar, a idade mínima preconizada para o procedimento
foi de cinco anos.
Foram avaliadas as radiografias laterais e ânteroposteriores obtidas sempre na posição sentada e numa
segunda sessão com tração no pré-operatório, e apenas
lateral e antero-posterior no pós-operatório imediato e
na última visita do paciente ao consultório. Em todas as
incidências, foi realizada a medida da cifose pelo método
de Cobb, de modo a quantificar em graus positivos para
cifose e negativos para lordose.
TÉCNICA CIRÚRGICA
A abordagem, sempre por via posterior, foi realizada no
sentido longitudinal da região torácica até o nível de S2,
com pequenos desvios na região da cicatriz do fechamento
da mielomeningocele evitando-se as regiões de pele
menos vascularizadas. Iniciando-se de uma região normal
continuamos aprofundando a incisão até a dura-máter com
cuidado adicional para prevenir lesões do saco dural ou
fistula liquórica.
Em seguida, rebatemos o saco dural não funcional,
ligando e seccionando as raízes e seus respectivos vasos,
proximais a região foraminal, expondo o canal vertebral
desde a vértebra apical a ser removida até o nível de S2
(Figura 2). A discectomia é realizada pela mesma via
posterior nos espaços intervertebrais desde o ápice da curva
até L5-S1, preservando os discos acima da deformidade, e
consequentemente o crescimento do segmento torácico.
A vertebrectomia consiste da ressecção de uma a quatro
vértebras no ápice da deformidade com preservação do
ligamento longitudinal anterior, sendo que, quanto maior
for a rigidez e o grau de cifose, maior o número de vértebras
a serem ressecadas. Deve ser utilizado instrumental
adequado a fim de minimizar o risco de lesão de estruturas
nobres adjacentes ao corpo vertebral, tais como a aorta e as
artérias ilíacas.
A instrumentação com duas hastes de 5mm moldadas
em “S” distal (Figura 3), tem por finalidade obter uma
alavanca. Para isso, introduzimos a porção terminal da
haste no forâmen de S1 e seguimos com a fixação das
vértebras de distal para proximal reduzindo a deformidade
cifótica como numa manobra de “Cantilever”. Neste
passo, a moldagem é realizada antes do início da cirurgia
com base em uma radiografia em perfil, ganhando tempo
cirúrgico e evitando um maior sangramento. Efetuamos a
instrumentação com amarria sublaminar associada a duas
hastes de aço pela técnica de Luque ou a instrumentação
com parafusos pediculares de titânio fixados a duas hastes
de titânio (SpineCall II, Spinestahl Co®, Rio Claro, São
Paulo, BR).
Figura 2
Saco dural rebatido,
superiormente
Fonte: AACD
Figura 3
Haste moldada
em “S” distal,
introduzida no 1°
forâmen sacro,
nas posições
de perfil e
antero-posterior,
respectivamente
Fonte: AACD
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Avaliação do tratamento cirúrgico da cifose congênita na mielomeningocele com o uso da via posterior pela técnica de Dunn-McCarthy modificada
A amarrilha sublaminar foi realizada da maneira
clássica na região proximal à espinha bífida onde as
vértebras possuem lâminas normais e quando possível
também distal (Figura 4). Os parafusos pediculares foram
introduzidos desde a coluna torácica normal até as vértebras
que apresentam espinha bífida nas quais introduzimos os
parafusos com uma inclinação exageradamente medial
devido a grande displasia de seus pedículos e à visualização
direta de todo saco dural, corpo vertebral e discos (Figura 5).
Os “clamps” que ligam os parafusos pediculares a haste
na região torácica são de diâmetro discretamente maior
a fim de funcionarem como um sistema que permite o
crescimento vertebral neste segmento.
Figura 4
Cifose Lombar pré-operatória e com
instrumentação de Luque Dunn
Fonte: AACD
Figura 5
Instrumentação pela técnica de Dunn McCarthy
modificada com a utilização de parafuso pedicular
Fonte: AACD
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A decorticação foi realizada de maneira criteriosa envolvendo a lâmina e apófises articulares no segmento normal e
os processos transversos e apófises articulares remanescentes
nas vértebras com espinha bífida promovendo assim um
leito ósseo com um maior potencial de consolidação para
o enxerto ósseo autólogo associado ao enxerto artificial.
A colocação do enxerto também foi feita nos espaços
onde os discos foram retirados, realizando uma artrodese
intersomática desde o ápice da vertebrectomia até o espaço
intervertebral de L5-S1.
Para se obter uma maior estabilização do sistema dois
dispositivos de travamento transversais foram colocados
nas extremidades da montagem, evitando a rotação das
hastes principalmente na região distal onde podem gerar
lesão das estruturas intrapélvicas. Para se obter melhor
análise dos dados, a casuística foi dividida em dois grupos:
Grupo A, formado por pacientes tratados com fios de Luque
e Grupo B, formado por pacientes tratados com parafuso
pedicular.
Os parâmetros avaliados neste trabalho foram os
índices de complicações, os potenciais de correção, de
perda de correção, percentual de fusão, o grau de satisfação
da família e do paciente além da melhora funcional obtida.
Tais parâmetros foram avaliados com base na medida
dos ângulos de cifose e exame físico onde avaliamos a
capacidade funcional do paciente com relação ao livre
movimento dos membros superiores e capacidade de
sentar-se adequadamente. Um questionário contendo as
opções: insatisfeito, pouco satisfeito, satisfeito ou muito
satisfeito foi aplicado ao familiar que acompanha o paciente
no consultório e ao próprio paciente.
RESULTADOS
Os 12 pacientes relatados, com média de idade de oito anos,
obtiveram segmento médio de 26 meses (9 a 45 meses).
A cifose média pré-operatória de 116° (60° a 170°) foi
corrigida em média para 9,1° (-63° a 95°) como é possível
ser observado nas radiografias da última consulta (Tabelas
1 e 2). A correção média foi de 106,9° comparando o préoperatório com o resultado final, e a perda de correção
média de 1,3° comparando o pré-operatório imediato com
a última visita do paciente (Tabela 3). A taxa global de
complicações foi de 46%, com 33% de infecções, sendo
dois casos de infecção superficial e um caso de infecção
profunda e 8,3% de pseudartrose que ocorreu em um único
paciente. O paciente nº. 7 apresentou infecção profunda
que culminou na retirada do implante após um ano, este
fato determinou nova intervenção cirúrgica com rotação de
retalho músculo-cutâneo pelo cirurgião plástico, curativo
e antibiótico-terapia. As infecções superficiais foram
observadas nos paciente nº. 2 e 3 e a necrose de pele ocorreu
no paciente nº. 1, estas complicações foram solucionadas
em curto espaço de tempo, por meio de curativo diário.
Nas lesões de pele com mais de 0cm de profundidade
os curativos foram realizados com fitas de alginato de
cálcio, nos casos mais superficiais com pouca secreção
preconizamos placa de hidrocolóide, sendo efetuada a
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troca do curativo a cada 72 horas. O desbridamento das
lesões foi efetuado com soro fisiológico a 0,9% levemente
aquecido lançado sob pressão com seringa de 60 ml e
agulha 40x12. O hematoma ocorrido no paciente nº. 4
foi drenado precocemente e o paciente evoluiu bem sem
apresentar nenhuma nova queixa durante seu seguimento.
Obtivemos um percentual de fusão de 100% e correção média
de 118° nos pacientes do grupo A formado por pacientes tratados
com parafuso pedicular, enquanto que no grupo B tratados com
fios de Luque, o percentual de fusão foi de 75%, e a correção de
88,7°. A diferença de perda de correção entre os grupos foi de
1,1° no grupo A e 1,7° no B (Tabela 3). Todos os pacientes e
seus familiares, após o questionário, consideraram-se muito
satisfeitos com os resultados obtidos. Durante o exame
físico, ficou constatado que todos os pacientes apresentavam
plena condição de se manter na posição sentada de forma
independente e manipular objetos com as mãos sem a
necessidade de utilizar os membros superiores como apoio.
TABELA 1 – Características dos pacientes e tempo de seguimento
Nº. do paciente/
Idade
Ápice da
Cifose
Cifose
sexo
(anos)
curva
inicial
pós-operatório
Cifose final
Seguimento
(meses)
imediato
01/ M
11
L3
135°
-63°
-63°
9
02/ M
7
L2
140°
10°
10°
15
03/ M
7
L2/L3
109°
0°
0°
13
04/ M
12
L3
105°
18°
18°
28
05/ F
6
L3
114°
-10°
-16°
42
06/ F
8
L2
135°
12°
14°
18
07/ M
9
L2
135°
88°
95°
12
08/ M
10
L2
60°
2°
15°
44
09/M
9
L1
92°
23°
23°
45
10/M
7
L2
170°
5°
5°
36
11/M
6
L3
90°
5°
5°
12
12/F
6
L2
108°
4°
4°
40
Fonte: Hospital Abreu Sodré (AACD)
TABELA 2 – Valor dos ângulos de cifose pré-operatório, pós-operatório, correção obtida e perda
de correção, relacionados ao tipo de instrumental e suas complicações
Nº. do
Cifose
Cifose pós-
Cifose
Correção no
Perda de
paciente
inicial
operatório
final
pós-operatório
correção
imediato
Instrumentação
Complicações
imediato
1
135°
-63°
-63°
198°
0
pedicular
Necrose de pele
2
140°
10°
10°
130°
0
pedicular
Infecção superficial
3
109°
0°
0°
109°
0
pedicular
Infecção superficial
4
105°
18°
18°
87°
0
pedicular
Hematoma
5
114°
-10°
-16°
124°
- 6°
Luque
-
6
135°
12°
14°
123°
2°
pedicular
-
7
135°
88°
95°
47°
7°
pedicular
Infecção profunda
8
60°
2°
15°
58°
13°
Luque
Pseudartrose
9
92°
23°
23°
69°
0
Luque
-
10
170°
5°
5°
165°
0
pedicular
-
11
90°
5°
5°
85°
0
pedicular
-
12
108°
4°
4°
104°
0
Luque
-
Fonte: Hospital Abreu Sodré (AACD)
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Avaliação do tratamento cirúrgico da cifose congênita na mielomeningocele com o uso da via posterior pela técnica de Dunn-McCarthy modificada
Tabela 3 – Correlação entre os tipos de
instrumentação utilizados e seus resultados
Grupo
Instrumentação
Percentual de
A
B
A+B
Parafuso
Fios de
-
pedicular
Luque
100%
75%
118°
88,7°
106,9°
1,1°
1,7°
1,3°
8
4
12
91,7%
fusão
Potencial médio
de correção
Perda de correção
Número de
pacientes
Fonte: Hospital Abreu Sodré (AACD)
DISCUSSÃO
A mielomeningocele é uma doença congênita desenvolvida
entre os 24º e 28º dias de gestação e está associada a uma
vasta gama de complicações como, por exemplo, a alergia
ao látex, a hidrocefalia, deformidades da coluna vertebral,
deformidades dos membros inferiores, comprometimento de
marcha, escaras de decúbito, doenças do aparelho urinário
e estresse psicológico. Por este motivo, seu tratamento
deve ser realizado de forma mais adequada em centros
especializados, onde uma equipe multidisciplinar treinada
por profissionais experientes esteja sempre à disposição para
atender todas as necessidades de seus portadores.
Odent et al. demonstraram um estudo no qual realizaram
a dupla via em nove pacientes, num segmento médio de 34
meses sem nenhum caso de pseudartrose, porém, observaram
complicações como, bursite asséptica, fistula liquórica, lesão
de dura máter, complicação cardíaca, necrose de pele e fistula
siringo-pleural5. Estas complicações geraram a necessidade
de pelo menos quatro re-intervenções cirúrgicas, sendo a
maioria delas relacionadas a abordagem por via anterior.
Em nossa casuística, dos 12 pacientes analisados apenas
um foi submetido a novo tratamento cirúrgico devido à
infecção profunda. Odent et al. obtiveram potencial médio
de correção de 95°, em nosso estudo obtivemos 106,9°.
Autores relataram três casos de anafilaxia ao látex10 em
um trabalho relacionado à mielomeningocele. No hospital
Abreu Sodré, sede da AACD, um trabalho com 187
pacientes portadores de mielomeningocele mostrou um
índice de 29,5% de alérgicos ao látex11. Todos os pacientes
citados neste trabalho foram submetidos ao teste que, se
positivos, determinava o preparo do centro cirúrgico para
realização da cirurgia em ambiente 100% látex-free.
Os pacientes portadores de rigidez do quadril não são
candidatos a este procedimento cirúrgico, isto porque,
a contratura em flexão não permite o posicionamento
adequado do paciente na mesa de cirurgia e a contratura
em extensão não permite que o paciente mantenha-se na
posição sentada no pós-operatório imediato, que é um
dos principais objetivos deste tratamento. Portanto, a
rigidez do quadril deve ser tratada antes do procedimento
151
cirúrgico corretivo da coluna. Outro ponto a ser observado
é a presença de infecção urinária e o estado clínico geral
do paciente que podem ser também motivos de contraindicação para a realização da cirurgia.
Apenas um caso perdeu mais de 10° de correção
comparando a radiografia do pós-operatório imediato
com a radiografia controle com um ano de pós-operatório
configurando pseudartrose. Entretanto, não foi necessário
nenhum procedimento adicional em seus três anos e seis
meses de seguimento já que a deformidade vem sendo
mantida estável em 15° de cifose nos últimos dois anos e
seis meses, e tanto o paciente como os seus familiares estão
muito satisfeitos com o resultado do procedimento. Banta
relatou 54 pacientes operados por dupla via no tratamento
de deformidades da coluna associadas à mielomeningocele
e obteve nove casos de pseudartrose12.
A infecção é uma complicação bastante preocupante,
isto porque, se não for devidamente tratada no momento
adequado pode levar à morte. Em 2000, foi publicado um
trabalho multicêntrico no qual foram avaliadas as infecções
profundas em portadores de escoliose neuromuscular, incluindo portadores de mielomeningocele. Neste estudo,
concluiu-se que os pacientes com retardo mental profundo e
aqueles que receberam enxerto artificial estão mais sujeitos à
infecção e conseqüentemente à pseudartrose13. Nosso índice
de infecção e lesões de pele em geral foi de 33%, ficando
abaixo dos índices observados na literatura. Na série de Hull
et al. tais complicações chegaram a 45%14.
A via de acesso anterior exclusiva está contra-indicada
neste procedimento, já que a cifose máxima permitida
para tal procedimento é de 30°15, ficando em discussão
apenas duas possibilidades, na primeira uma via posterior
exclusiva, na segunda, a combinação das vias anterior e
posterior. Após a introdução dos parafusos pediculares
em 1991 o índice de pseudo-artrose vem diminuindo16
e com os novos avanços, uma maior confiança poderá
ser depositada nos implantes a fim de seguir a tendência
mundial de realizar cirurgias cada vez menos invasivas e
menos associadas à co-morbidades e mortalidade.
Em nosso estudo, utilizando parafuso pedicular pela via
de acesso posterior exclusiva, com os ótimos resultados
obtidos, principalmente quanto ao percentual médio de
fusão (100%), e desprezível perda de correção média, (1,1°),
observamos que o risco cirúrgico pode ser minimizado
evitando-se a realização da via de acesso anterior.
CONCLUSÃO
A técnica de Dunn McCarthy9 modificada e executada
em associação ao parafuso pedicular é uma opção
segura e eficaz no tratamento da cifose lombar congênita
associada à mielomeningocele, o que demonstra um
alto percentual de fusão e excelente potencial de
correção, com perda de correção baixa e clinicamente
insignificante. Apenas um paciente necessitou de reintervenção cirúrgica, demonstrando que a via posterior
exclusiva tem baixa morbidade e é suficiente para a
realização da técnica em estudo.
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Correspondência
Ricardo Corrêa da Costa Dias
Rua Rio Branco, nº 15-45
Bauru (SP), Brasil
CEP: 17015-311
Tel: +55 14 3226-4666
E-mail: [email protected]
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