III Congresso de Pesquisa e Extensão da FSG AS VIRTUDES

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III Congresso de Pesquisa e Extensão da FSG
I Salão de Extensão & I Mostra Científica
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ISSN 2318-8014
AS VIRTUDES INTELECTUAIS EM STO. TOMÁS DE AQUINO
CEZAR CAUDURO ROEDEL
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Resumo
O presente ensaio busca explorar, na obra de Sto. Tomás de
Aquino, mais precisamente na Suma Teológica, as virtudes
intelectuais (I-II q.57), onde o aquinate as divide em duas:
Palavras-chave:
Virtude. Tomás de Aquino. Virtude intelectual.
Virtude Moral. Prudência.
especulativas e práticas. Tomará relevo na Suma Teológica a
análise aprofundada do aquinate nas questões atinentes aos
hábitos e virtudes, bem como os vícios – estes últimos, os
quais não teceremos comentários visto nossa limitação
temática, qual seja, a virtude intelectual. Começarmos, no
entanto, por explorar o conceito tomasiano de hábito,
indispensável ao entendimento das virtudes, seja no plano
intelectual, como no plano moral. O hábito irá representar na
Suma, toda aquela disposição de “corpo e alma”, já tratada por
Aristóteles em seus Predicamentos. Partindo do conceito do
habitus, sem o qual o entendimento das virtudes e aqui
precisamente o da virtude intelectual, ficaria prejudicado, o
próximo passo do aquinate será em direção à discussão da
essência e do sujeito da virtude. Por fim traremos as
derradeiras questões trabalhadas pelo aquinate: I) a virtude
moral pode dar-se sem a virtude intelectual? e II) a virtude
intelectual pode dar-se sem a virtude moral? Também tomará
destaque a questão da prudência, virtude articulada tanto na
ordem prática, como na ordem das virtudes intelectuais e
morais – representando o “bem agir”.
Caxias do Sul – RS, de 15 a 17 de Setembro de 2015
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1 INTRODUÇÃO
Tomará relevo na Suma Teológica a análise aprofundada do aquinate nas questões
atinentes aos hábitos e virtudes1, bem como os vícios – estes últimos, os quais não teceremos
comentários visto nossa limitação temática, qual seja, a virtude intelectual. Começarmos, no
entanto, por explorar o conceito tomasiano de hábito, indispensável ao entendimento das
virtudes, seja no plano intelectual, como no plano moral. O hábito irá representar na Suma,
toda aquela disposição de “corpo e alma”, já tratada por Aristóteles em seus Predicamentos.
O hábito é a disposição humana, alicerçada em sua natureza peculiar, finalizada pelo “bem
agir.” Como preferia o Estagirita: “é, num homem completo, a disposição ao melhor. Destacase aqui o caráter não determinante do hábito, per se, ou seja, definidor de um único e
exclusivo “tipo de agir”, como bem pondera2 Albert Plé, na introdução do tomo I-II da ST3.
Partindo do conceito do habitus, sem o qual o entendimento das virtudes e aqui
precisamente o da virtude intelectual, ficaria prejudicado, o próximo passo do aquinate será
em direção à discussão da essência4 e do sujeito5 da virtude. Na primeira discussão, Tomás de
Aquino centrará sua atenção na índole boa ou má, da virtude, onde endereçará duas questões,
que a nosso ver, tornam-se de suma importância: I) quanto à essência6 da virtude, se os
hábitos sãos bons e II) sobre a definição de virtude – já partindo-se da concepção tomasiana
de hábito como virtude. Na segunda discussão, a do sujeito da virtude, onde indagará questões
relativas ao homem, sua potência da alma, o intelecto e etc...
Após abordar as proposições relativas à essência e ao sujeito da virtude,
encontraremos na Suma, a distinção das virtudes intelectuais, ou seja, o que difere as virtudes
intelectuais das virtudes morais e teologais. Notemos que aqui adentrar-se-á na tipologia das
virtudes intelectuais, qual seja, na seguinte divisão: a sabedoria, a ciência e o intelecto. Ainda
1
S.T. I-II q. 49 De Habitus In Generali, Quoad Eorum Substantiam
“Os habitus não podem qualificar disposições ligadas ao determinismo de um só e único tipo de agir. É por isso
que não pode existir habitus no mundo físico (e astral, segundo a cosmologia de Aristóteles), nem no dos
vegetais e dos animais, e portanto na vida vegetativa do homem, em suas necessidade de ar, de alimento etc. Só
existe habitus nas disposições naturais ao homem que, não sendo regradas ne varietur pelo instinto e por outros
determinismos, deixam aberta – a boa maneira de um agir adaptado ao concreto de um ato singular, e em
fidelidade á natureza humana no que ela tem de específico: a inteligência desejante, ou o desejo refletido, no
que Aristóteles garante ser o homem.” [grifo nosso]
3
Suma Teológica
4
S.T. I-II q. 55 De Virtutibus Quantum Ad Suas Essentias
5
S.T. I-II q. 56 De Subiecto Virtutis
2
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na questão 57, evidenciar-se-á a discussão acerca da prudência7 e sua peculiar relação com o
intelecto e a moral.
Por último, ao menos em nosso artigo, (já que selecionamos algumas questões do
vasto tratado das virtudes), mais precisamente na 588 é que o aquinate irá trabalhar com duas
questões, que somarão ainda mais em qualquer tentativa de ligar todas as questões anteriores
já trabalhadas, com a ciência epistemológica. Sto. Tomás irá indagar no artigo quarto e
quinto, respectivamente, da questão cinquenta e oito: I) a virtude moral pode existir sem a
virtude intelectual? e II) a virtude intelectual pode existir sem a virtude moral? Para o
tensionamento de ambas as questões surgirá outra de igual relevância – a prudência. A
prudência, nos parece, será um conector fundamental entre as virtudes morais e intelectuais, já
que, bem lembra Tomás de Aquino: “Gregório afirma que as outras virtudes simplesmente
não podem ser virtudes, se não realizarem com prudência o que desejam9”.
1.1 O HÁBITO, A ESSÊNCIA E O SUJEITO DA VIRTUDE
O aquinate irá endereçar na questão quarenta e nove, sobre os hábitos em geral, quatro
questões10. O hábito, ou habitus, aqui entendido é é a disposição humana, alicerçada em sua
natureza peculiar, finalizada pelo “bem agir”, como disséramos em nossas notas iniciais.
Trata-se de um fenômeno peculiar no homem, não podendo existir um “bem agir” único e
exclusivo, por isso a sua peculiaridade humana. Sendo esta disposição de um agir profícuo, o
hábito torna-se indissociável da virtude, esta última sempre dirigida à verdade. Assim, o bom
intelectual é aquele que possui disposição da alma para o bem agir. Sugestiva tornar-se-á a
passagem em que se relaciona o hábito com o intelecto, no artigo quarto da questão quarenta e
nove: “assim como a potência, também o hábito é próprio daquele ao qual pertence a ação.
Ora, conhecer e pensar é ato próprio do intelecto. Logo, também o hábito, pelo qual
pensamos, está propriamente no intelecto,” sentencia Sto. Tomás.
Na questão cinquenta e um, no seu artigo quarto emergirá um questionamento deveras
interessante acerca dos hábitos e o plano transcendental, pois assim veremos: existem nos
homens hábitos infundidos por Deus? Onde o aquinate responderá: “está no livro do
7
S.T. I-II q.57 a. 5 (pág. 124) “a prudência é a virtude mais necessária à vida humana, pois viver bem, consiste
em agir bem. Ora, para agir bem é preciso não só fazer alguma coisa, mas fazê-lo também do modo certo, ou
seja, por uma escolha correta e não por impulso ou paixão.”
8
S.T. I-II q.58 De Distinctione Virtutum Moralium Ab Intellectualibus
9
S.T. I-II q.58 a.4 (pág 135) Sed Contra
10
S.T. I-II q.49: “sobre os hábitos em geral, quatro coisas se devem examinar: 1. A própria substância do hábito;
2. O sujeito do hábito; 3. A causa da geração, do aumento e da corrupção dos hábitos e 4. Sua distinção.”
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Eclesiástico: o Senhor o encheu com o espírito da sabedoria e do intelecto. Ora, a sabedoria
e o intelecto são hábitos. Logo, alguns hábitos são infundidos por Deus no homem.” [grifo
nosso].
Tendo já trazido uma definição acerca do hábito e apontado o mesmo como a potência
do ato, bem como relacionando o hábito com a faculdade do intelecto e com a questão
transcendental, iremos observar uma discussão sobre o aumento ou a corrupção (diminuição)
dos hábitos.
Sobre o aumento, brotará na questão cinquenta e dois a seguinte indagação: podem os
hábitos aumentar? Do que o aquinate irá responder (sed contra): “a fé é um hábito e, no
entanto, aumenta, tanto que os discípulos dizem ao senhor, como está no Evangelho de
Lucas: “Senhor, aumenta em nós a fé.” Logo, os hábitos podem aumentar.
Sobre a diminuição, a indagação seguirá lógica idêntica, ou seja, surgirá o
questionamento: pode o hábito diminuir11? Do que o aquinate irá sentenciar de forma simples:
“por natureza, os contrários se dão no mesmo sujeito. Ora, o aumento e diminuição são
contrários. Logo, se o hábito pode aumentar, parece que também pode diminuir.”
Encerrará na questão cinquenta e quatro a extensa discussão na ST, acerca dos hábitos,
com o questionamento dos múltiplos hábitos na mesma potência. O aquinate irá ponderar
sobre esta tratativa, dizendo: o intelecto é uma só potência e, no entanto, nele estão os hábitos
de diversas ciências.” Assim, reiteramos, se os hábitos são algo em potência para alguma
ação, como por exemplo, para a natureza, decorre disso que podem ser de diversas ordens, ou
seja, existir em abundância em um único homem/sujeito. Respondida a questão da
possibilidade de múltiplos hábitos em uma única potência, surgirá, ainda, questão que
ponderamos seja de real interesse na composição deste ensaio, qual seja, sobre hábitos bons e
maus. Assim veremos na ST, quando o aquinate esboça, ainda dentro da questão cinquenta e
quatro, o seu artigo terceiro, onde indaga: distinguem-se os hábitos pelo bem e pelo mal? do
que prontamente irá revelar: “o hábito bom é contrário ao mau hábito, como a virtude é
contrária ao vício. Ora, os contrários são especificamente diferentes. Logo, os hábitos
diferem especificamente pelo bem e pelo mal.” Consideramos ainda, elucidativa a passagem,
onde se explora ainda mais a questão12.
11
Nos parece oportuna também a seguinte passagem (S.T. I-II q.53 a.2 – respondeo): “Do que foi dito antes,
fica claro que os hábitos de duas maneiras diminuem como também aumentam. E assim como aumentam pela
mesma causa que os gera, assim também diminuem pela mesma causa que os destrói, pois a diminuição de um
hábito é o caminho para sua destruição e, inversamente, a geração é uma base para seu crescimento.”
12
S.T. I-II q. 54 a.3 (respondeo): “Como já se afirmou, os hábitos distinguem-se especificamente não só pelos
objetos e princípios ativos, mas também em ordem à da natureza e isso pode acontecer de duas maneiras. A
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1.1.1 A essência da virtude
Do hábito, propriamente dito, Sto. Tomás passará a questão da essência da virtude13.
Nesta questão o aquinate irá discorrer relação derradeira, ou seja, do hábito e da virtude, pois
indagará: a virtude humana é um hábito? Ora, vimos que o hábito é a disposição de algo para
o bem agir, para o ato. Se para o aquinate a virtude representa certa perfeição da potência,
parece-nos que a virtude é um hábito. Pois como afirma Sto. Tomás: “assevera o filósofo que
a ciência e a virtude são hábitos”, complementando: “A virtude designa certa perfeição da
potência. Mas a perfeição de uma coisa é considerada, principalmente, em ordem ao seu fim.
Ora, o fim da potência é o ato. Portanto a potência será perfeita na medida em que é
determinada por seu ato.” Assim, Sto. Tomás conclui que a virtude é um hábito. Se os
hábitos, como referenciamos anteriormente podem ser considerados com bons ou maus, teria
a virtude classificação idêntica aos hábitos: já que toda virtude é um hábito? Para tanto, o
aquinate trará uma ponderação muito interessante, dizendo “[...] a virtude implica a perfeição
da potência. Por isso, segundo o Livro I do Céu: “a virtude de uma coisa se determina em
relação com o ponto máximo que essa coisa pode atingir.” Ora, o ponto máximo que uma
potência pode atingir tem que ser bom, pois todo o mal importa defeito[...]” Dessa relevante
passagem é que podemos chegar a conclusão de que não há virtude má, pois não pode haver
defeito naquilo que é perfeito.
1.1.2 O sujeito da virtude
Seguindo sua disposição analítica, Sto. Tomás passará a analisar o sujeito da virtude14,
ou mais precisamente, a que tipo de potência está sujeita a virtude, daí surgirá a potência da
alma, como claramente irá discorrer: “a virtude é o último grau de potência”, como se diz no
livro I do Céu. Ora, o que é último numa coisa, existe nela. Logo, a virtude está numa
potência da alma.” Para provar que a virtude é o último grau da potência, selecionamos esta
primeira, conforme a harmonia ou desarmonia com a natureza. E assim se distinguem especificamente o bom
hábito e o mau, pois chama-se bom o hábito que dispõe a atos convenientes à natureza do agente e mau, o que
dispõe a atos não convenientes com essa natureza, como os atos das virtudes convêm à natureza humana quando
conformes à razão, ao passo que os atos viciosos, sendo contra a razão, estão em desarmonia com essa natureza.
Por onde fica manifesto que a diferença específica dos hábitos é pelo bem e pelo mal.” [grifo nosso].
13
S.T. I-II q.55 De Virtutibus, Quantum Ad Suas Essentias
14
S.T. I-II q.56 De Subiecto Virtutis
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intrigante passagem15. Outra investigação que toma relevo na sistematização tomasiana, ainda
dentro da problemática do sujeito é a relação do intelecto com a virtude. Seria o intelecto
sujeito da virtude? onde o aquinate responderá: “A virtude é um hábito pelo qual se age bem.
Ora, de duas maneiras um hábito se orienta para o ato bom: primeiramente, enquanto, por
esse hábito, se adquire a prática dos atos bons, como o hábito da gramática nos dá a prática
de falar certamente [...] Em segundo lugar, um hábito não só dá a prática de agir, mais anda
faz com que se use retamente essa prática, como a justiça não só nos faz dispostos às ações
justas, mas também nos faz agir justamente.”
1.1.3 Virtudes intelectuais especulativas e práticas
No plano da distinção das virtudes, cabe ressaltarmos a divisão que faz o aquinate.
Existem as virtudes intelectuais, morais e teologais – todas distintas entre si. Na questão
cinquenta e sete é que o aquinate fará as distinções cabíveis, além de fornecer as três virtudes
intelectuais especulativas, a saber: a sabedoria, a ciência e o intelecto. Mas, ainda antes de
entrar nessas questões, propriamente ditas, Doutor Angélico trará à lume o que denominara
como hábitos intelectuais especulativos, no sentido de responder se os mesmos podem ser
considerados como virtudes16. Assim dirá: “Só os hábitos especulativos tratam do necessário
que não pode existir de outro modo. Ora, o filósofo afirma certas virtudes intelectuais na
parte da alma que considera o necessário que não pode existir de outro modo. Logo, os
hábitos intelectuais são virtudes.”
Tal passagem da obra do aquinate merece uma pequena reflexão; quando o mesmo
divindade as virtudes na clássica forma já informada, devemos considerar a divisão das
virtudes intelectuais em duas ordens: a especulativa e a prática. A especulativa é aquela
disposta a especular, ou melhor, inclinar o intelecto à verdade universal. A virtude intelectual
prática dirige o intelecto ao reto juízo, acerca de questões em particular. Enquanto a primeira
esta dividida entre a sabedoria, a ciência e o intelecto; a segunda está entre a arte e a
15
S.T. I-II q.56 a.1 (respondeo) “Pode-se provar por três razões que a virtude pertence à potência da alma.
Primeiro pela própria razão de virtude, que implica perfeição de uma potência e perfeição existe naquilo de que é
perfeição – Em segundo lugar, pelo fato de a virtude ser um hábito ativo, como ante se mostrou, e toda a ação
procede da alma, por meio de alguma potência. – E, finalmente, pelo fato de a virtude ser uma disposição para o
ótimo e o ótimo é o fim que, por sua vez, é ou uma ação de uma coisa ou o resultado obtido pela ação procedente
da potência. Logo, a virtude humana está na potencia da alma como em seu sujeito.”
16
S.T. I-II q.57 a.1 Utrum Habitus Intellectuales Speculativi sint Virtutes
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prudência. A segunda representa a ação, o reto fazer, enquanto a primeira, à intelecção,
especulação – ou ao pensamento.
O intelecto ou inteligência é aquela voltada aos primeiros princípios. A ciência seria o
que se pode considerar como um hábito mental inclinado à verdade. A sabedoria seria a
capacidade da ordenação de várias ciências para um fim último. Como bem afirmara Doutor
Angélico: “[...] é pela virtude intelectual especulativa que o intelecto especulativo se
aperfeiçoa na consideração da verdade, já que esta é a sua ação boa. Ora, a verdade pode
ser considerada de dois modos: ou por si mesma, ou por meio de outra verdade.”
Já nas virtudes intelectuais de ordem prática, a arte representa a virtude de bem
realizar as obras, no geral – enquanto a prudência representa
a reta razão no agir, ou recta ratio agibilium.
1.1.3.1 A prudência
Um destaque que irá surgir nas reflexões tomasianas na questão cinquenta e sete é a
virtude da prudência. Tal virtude, representada pelo “reto agir”, será indispensável, nos
parece, para o desempenho das virtudes intelectuais. Uma passagem em que fica claro o
posicionamento do aquinate, é a que segue: “[...] a arte é a razão é a razão reta das coisas
factíveis, enquanto que a prudência é a razão reta do nosso agir. O primeiro como se diz no
livro IX da Metafísica, é um ato que passa para uma matéria exterior, como construir, cortar
e outros, enquanto o segundo é um ato que fica no próprio agente, como ver, querer e
semelhantes”.
Ainda irá esclarecer o quão importante é a prudência para o desígnio humano: “A
prudência é a virtude mais necessária à vida humana, pois viver bem consiste em agir bem.
Ora, para agir bem é preciso não só fazer alguma coisa, mas fazê-lo também do modo certo,
ou seja, por uma escolha correta e não por impulso ou paixão.”
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1.2 A DISTINÇÃO ENTRE VIRTUDES MORAIS E INTELECTUAIS
Começará o aquinate perguntando: a virtude moral distingue-se da intelectual17?, do
que prontamente responderá: “Assim, pois, para agir bem é necessário que não só a razão
esteja bem disposta pelo hábito da virtude intelectual, mas que a potência apetitiva também o
esteja pelo hábito da virtude moral. Portanto, tal como o apetite se distingue da razão, assim
também a virtude moral se distingue da intelectual.” Para o Doutor Angélico, toda a virtude
humana seria moral ou intelectual. Se a virtude fosse capaz de aperfeiçoar o intelecto
especulativo ou prático, seria uma virtude intelectual e se fosse capaz de aperfeiçoar a
potência apetitiva, seria moral – de onde se conclui que todas as virtudes são intelectuais ou
morais. A única virtude capaz de conjugar nela mesmo o caráter intelectual e moral é a
prudência, que como já observamos trata-se de um conector entre dois tipos de virtudes
distintas.
Na sequência de seu raciocínio, Tomás de Aquino irá levantar duas questões, que
acreditamos, servem de interessante apoio à ciência epistemológica, assim, comecemos pela
primeira: a virtude moral pode existir sem a virtude intelectual?, do que responderá o
aquinate: “Gregório afirma que as outras virtudes simplesmente não podem ser virtudes, se
não realizarem com prudência o que desejam. Ora, a prudência é virtude intelectual, como
acima foi dito. Logo, as virtudes morais não podem existir sem as intelectuais.” Ainda
complementa, de forma assertiva: “Em verdade, a virtude moral pode existir sem certas
virtudes intelectuais, como a sabedoria, a ciência e a arte. Não, porém, sem o intelecto e a
prudência. Sem a prudência, não pode haver, realmente, virtude moral, já que esta é um
hábito eletivo, isto é, que faz escolhas certas [...] por consequência também não pode haver
virtude moral sem o intelecto.”
A segunda questão que brotará, dando seguimento ao raciocínio tomasiano, será: a
virtude intelectual pode existir sem a virtude moral? Cuja resposta, em tom simples e
categórico nos enunciará que: “fazer o mal voluntariamente é algo oposto à virtude moral,
mas não se opõe àquele que pode existir sem a virtude moral. Ora, o que voluntariamente
peca se opõe à prudência, como está no livro VI da Ética. Logo, a prudência não pode existir
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S.T. I-II q.58 a.2 Utrum virtus moralis distinguatur ab intellectuali
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sem a virtude moral. [...] outras virtudes morais, que não a prudência, podem existir sem a
virtude moral.”
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos depreender deste profundo exame das virtudes intelectuais, questões
pertinentes ao campo da epistemologia das virtudes – na esteira da obra tomasiana, em
particular a erigida na Suma teológica, questões relevantes e com argumentação sólida. Em
nossa visão, dos pontos supramencionados no trabalho, podemos considerar que:
I.
O hábito é uma disposição da alma, finalizada pelo “bem agir”.
II.
Não há “bem agir” único, por isso o mesmo é de peculiaridade humana e não da
natureza.
III.
Existem hábitos bons e maus. A virtude sempre é boa pois representa a perfeição
da potência.
IV.
A virtude pode ser considerada um hábito.
V.
A virtude é o último grau da potencia humana. Não existe portanto virtude má, já
que não pode haver defeito ou corrupção na perfeição.
VI.
Os hábitos especulativos diferenciam-se dos hábitos práticos, no campo das
virtudes intelectuais.
VII.
Os primeiros estão no próprio agente, no ser humano e representam o “bem agir”.
VIII.
Os segundos são externos e representam o “bem fazer”.
IX.
As virtudes intelectuais dividem-se em duas ordens: as especulativas e as práticas.
X.
As especulativas são: ciência, sabedoria e intelecto.
XI.
As práticas são: a arte e a prudência.
XII.
A prudência é um poderoso elo entre a virtude intelectual e a virtude moral.
XIII.
Não pode haver virtude moral sem a virtude intelectual.
XIV. Não pode haver virtude intelectual sem a virtude moral.
XV.
Somente outras virtudes morais, que não a prudência, podem viver sem as virtudes
intelectuais.
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BIBLIOGRAFIA
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. 2 Edição. São Paulo: Loyola, 2010. (I-II Questões 49114).
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