o crédito ao consumidor no governo lula

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CRÉDITO, ESTADO E DESENVOLVIMENTO: O
CRÉDITO AO CONSUMIDOR NO GOVERNO LULA
Tadeu Vaz Pinto Pereira
SANTO ANDRÉ
ANO
2014
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC
CRÉDITO, ESTADO E DESENVOLVIMENTO:
CRÉDITO AO CONSUMIDOR NO GOVERNO LULA
O
TADEU VAZ P PEREIRA
DISSERTAÇÃO
APRESENTADA
COMO
PARTE
DOS
REQUISITOS
PARA
A
OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM
CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS.
ORIENTADOR: PROFESSOR DR RAMON
GARCIA FERNANDEZ
COORIENTADOR:
PROFESSOR
DR
GIORGIO ROMANO SCHUTTE
SANTO ANDRÉ
ANO
2014
iii
“Não me cobrem coerência. Não
tenho compromisso com o erro”
Juscelino Kubitschek
"Só um economista imagina que um
problema de economia é
estritamente econômico."
Celso Furtado
“O Brasil não é para principiantes”
Tom Jobim
iv
AGRADECIMENTOS
A Deus pela oportunidade, sustentação e graça em poder seguir meus
estudos em nível de pós-graduação. Uma longa jornada de formação até aqui.
A amizade, carinho, e apoio de minha mãe. Pelos desabafos de
madrugada, por me ajudar a não desistir e sempre me incentivar na busca pelo
conhecimento e formação.
Minha dissertação não teria sido possível sem a ajuda e dedicação de
meu orientador, Professor Doutor Ramon Garcia Fernandez.
Sempre
atencioso, amigo, disponível para qualquer dúvida, e de muita e muita
humildade. O meu muito obrigado.
Ao meu coorientador, o Professor Dr Giorgio Romano Schutte, agradeço
pelas sugestões e orientações sempre pertinentes.
A UFABC em poder cursar um programa de mestrado tão diferente e tão
distinto como este. Pude experimentar e estudar tantos assuntos diferentes,
encontrar tanta gente de formação distinta e enriquecedora, que marcou muito
minha vida profissional. Interdisciplinaridade levada a sério e com muita
qualidade.
Aos meus queridos amigos de curso, especial Diego, pela amizade,
conversas nos corredores, trem / metrô e pelas “comilanças” regadas a boa
conversa durante todo o curso. Aos professores, sempre atenciosos e
dispostos, meu muito obrigado pela paciência e dedicação.
Aos meus amigos de longa data, me desculpem pela minha ausência
durante este mestrado. Obrigado em especial pela amizade do meu amigo
Mateus, pela força de minha tia Cecília sempre pronta a me ajudar e a “puxar
minha orelha”, a minha tão brava e amada irmã, e a todos aqueles que direta e
indiretamente me ajudaram a concluir este trabalho, meu muito obrigado.
v
RESUMO
O presente trabalho explora as transformações ocorridas durante os dois
mandatos do presidente Lula (2002-2010) no que tange ao papel do Estado e
seu papel na condução do desenvolvimento econômico.
Analisa as
características do denominado novo desenvolvimentismo, e elege o crédito
destinado ao consumidor como forma de analisar parte das características
destas transformações.
Observa-se a partir da eleição do presidente Lula um conjunto de
políticas e ações que visam uma retomada do papel do Estado na condução e
intervenção da economia. O governo atribuiu uma missão especial às
empresas e bancos públicos, passando estes a serem agentes principais na
condução e execução de políticas públicas do governo.
O mercado de crédito não ficou a margem destas mudanças, e observase neste período um aumento considerável na oferta de crédito, nos prazos,
custos e demais condições, conseguidos em grande parte através da
concorrência dos bancos públicos, e na atuação das autoridades monetárias na
queda da taxa básica de juros.
Governo consegue avanços importantes na área social através da
intensificação das políticas de transferência de renda, elevando milhões de
pessoas a classe média, e suas políticas anticíclicas permitiram o país sair da
crise de 2008 sem afetar o emprego e renda nacional.
Todavia, estas mudanças não permitiriam ao país a consolidação de um
crescimento econômico sustentado. O governo Lula se propôs em realizar
reformas pontuais e não estruturantes. Modificou onde foi permitido modificar,
através da sua ampla e irrestrita base governista, sem, contudo, conseguir
atuar em temas sensíveis como reforma agrária ou, política, tributária, dentre
outras. Parou nos grandes interesses e se acovardou diante das grandes
mudanças.
vi
ABSTRACT
This paper explores the transformations that occurred during the two terms of
President Lula (2002-2010) regarding the role of the state and its role in driving
economic development. Analyzes the characteristics of the new so-called
developmentalism, and elects the credit for the consumer as a way to analyze
the characteristics of these transformations.
It is observed from the election of President Lula a set of policies and actions
aimed at a resumption of the role of the state in managing the economy and
intervention. The government has allocated a special mission to companies and
public banks, passing these to be key players in driving and implementing
public policies of the government.
The credit market was not the scope of these changes, and it is observed in this
period a considerable increase in the supply of credit, in time, cost and other
conditions, achieved largely through competition of public banks, and the role of
the monetary authorities the fall of the prime rate.
Government manages to important advances in the social area through
intensification policies transfer income, raising millions to the middle class, and
their countercyclical policies allowed the country out of the 2008 crisis without
affecting the employment and national income.
However, these changes would not allow the country to consolidate a sustained
economic growth. The Lula government has proposed to hold off and not
structural reforms. Which was modified modify, through its broad and
unrestricted government base, without, however, can act on sensitive topics
such as agrarian reform, or policy, taxation, among others. He stopped in the
major interests and cower in the face of major changes.
vii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12
CAPÍTULO I - DO DESENVOLVIMENTISMO À PRIMAZIA DO MERCADO:
CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO BRASILEIRO ............................................................................ 15
PARTE I ........................................................................................................ 16
1.1 A MONTAGEM DO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO .................. 16
1.2. A VIRADA NACIONALISTA: O GOVERNO DE GETÚLIO VARGAS
(1930 – 1952) ............................................................................................ 20
1.3 - GOVERNO JK E O PLANO DE METAS ............................................... 25
1.4 - ANOS 1960: DA CRISE AO MILAGRE ................................................. 29
1.4.1. PANORAMA POLÍTICO ................................................................... 30
1.4.2. PANORAMA ECONÔMICO ............................................................. 30
1.5. O PAEG E OS GOVERNOS MILITARES .............................................. 32
1.5.1. POLÍTICAS CONJUNTURAIS DE COMBATE A INFLAÇÃO .......... 33
1.5.2. A REFORMA TRIBUTÁRIA ............................................................. 33
1.6. O MILAGRE ECONÔMICO .................................................................... 35
1.7. O II PND ................................................................................................. 38
1.7.1. O DESENVOLVIMENTO DO II PND ............................................... 40
PARTE II .......................................................................................................... 42
1.8. BRASIL E A DÉCADA DE 1980 ............................................................. 47
1.9 - PRIMAZIA DO MERCADO: UM ESTADO MAIS “ENXUTO”,
TENDÊNCIA A PRIVATIZAÇÃO E A BUSCA PELA ESTABILIZAÇÃO. ....... 49
1.10 - O GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO - FHC ............... 52
CAPÍTULO II - O GOVERNO LULA: O RETORNO DO
DESENVOLVIMENTISMO? ............................................................................. 58
2.1
- O NOVO DESENVOLVIMENTISMO................................................. 59
2.1- GOVERNO LULA – ALGUNS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES ... 67
2.3. A QUESTÃO SOCIAL ............................................................................ 76
CAPÍTULO III - MOEDA, CRÉDITO E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO ........................................................................................ 84
3.1. MOEDA E BRASIL ................................................................................. 84
3.2 .A CRISE DA DÍVIDA DA DÉCADA PERDIDA A LIBERALIZAÇÃO DOS
ANOS 1990 ................................................................................................... 90
1.3.
EVOLUÇÃO DO CRÉDITO DURANTE O GOVERNO LULA .............. 93
viii
CAPÍTULO IV – O CRÉDITO AO CONSUMIDOR NO GOVERNO LULA ...... 102
4.1. O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (SFN) ..................................... 102
4.2. MODALIDADES DE CRÉDITO – PESSOA FÍSICA (PF) ..................... 105
4.2.1. CRÉDITO DIRETO AO CONSUMIDOR – CDC............................. 105
4.2.2.
CHEQUE ESPECIAL .................................................................. 105
4.2.3.
CARTÃO DE CRÉDITO .............................................................. 106
4.2.4.
CRÉDITO IMOBILIÁRIO ............................................................. 106
4.2.5.
LEASING .................................................................................... 106
4.2.6.
CRÉDITO CONSIGNADO .......................................................... 107
4.2.7.
CONTRATO DE CRÉDITO PESSOAL ....................................... 107
4.3. O CRÉDITO AO CONSUMIDOR DURANTE O GOVERNO LULA
(2003-2010) ................................................................................................ 107
4.3.1. O CRÉDITO A PF .......................................................................... 108
4.4.
COMPROMETIMENTO DA RENDA E INADIMPLÊNCIA ................. 113
4.5.
CRÉDITO X ATIVIDADE ECONÔMICA ............................................ 116
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 119
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 124
9
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
TABELA
1
-
TAXA
DE
DESEMPREGO
NA
POPULAÇÃO
ECONOMICAMENTE ATIVA DURANTE A GRANDE DEPRESSÃO - PAÍSES
SELECIONADOS......................................................................................................... 16
TABELA 2 - TAXAS DE CRESCIMENTO DO PRODUTO E SETORES (1955 –
1961) .............................................................................................................................. 28
TABELA 3 - ALGUNS INDICADORES ECONÔMICOS - PLANO DE METAS
(1955-1961) .................................................................................................................. 28
TABELA 4 - PRODUTO E INFLAÇÃO: 1961-1965 ................................................ 29
TABELA 5 - PRODUTO E INFLAÇÃO (1964 – 1968) ........................................... 34
TABELA 6 - - PRODUTO – TAXAS DE CRESCIMENTO (%): 1968-1973 ........ 35
TABELA 7- PRODUTO – TAXAS DE CRESCIMENTO (%): 1968-1973 ........... 48
TABELA 8 - BALANÇO DE PAGAMENTOS BRASIL - ITENS SELECIONADOS
........................................................................................................................................ 54
TABELA 9 - QUADRO COMPARATIVO NOVO DESENVOLVIMENTISMO,
ANTIGO DESENVOLVIMENSTISMO E ORTODOXIA LIBERAL ....................... 61
TABELA 10 - INDICADORES ECONÔMICOS - ECONOMIA BRASILEIRA
(2003-2010) .................................................................................................................. 72
TABELA 11 - CRESCIMENTO DO PIB ENTRE 2003 A 2010 ............................. 73
TABELA 12 - PIB SETORIAL E TOTAL - TAXAS MÉDIAS DE CRESCIMENTO
........................................................................................................................................ 75
TABELA 13 - EXPORTAÇÕES SEGUNDO FATOR AGREGADO(%) .............. 76
TABELA 14 - BOLSA FAMÍLIA: CONTRIBUIÇÃO PARA A REDUÇÃO ............ 82
TABELA
15
-
RESULTADOS
BOLSA
FAMÍLIA
–
ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES ..................................................................................................... 83
TABELA 16 - TABELA VARIAÇÃO DO PIB E OPERAÇÕES DE CRÉDITO .... 90
TABELA
17
-
EVOLUÇÃO
DA
PARTICIPAÇÃO
DOS
SISTEMAS
FINANCEIROS PÚBLICO E PRIVADO NAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO DO
SISTEMA FINANCEIRO ............................................................................................. 91
TABELA 18 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO DO SISTEMA FINANCEIRA - % DO
PIB .................................................................................................................................. 93
10
TABELA 19 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO DO SISTEMA FINANCEIRO RECURSOS DIRECIONADOS (2003=100) ............................................................ 96
TABELA 20 -
ESTRUTURA DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO DAS
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS ................................................................................ 98
TABELA 21 - TAXA MÉDIA ANUAL DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO COM
RECURSOS LIVRES REFERENCIAIS PARA TAXA DE JUROS - % A.A. ..... 100
TABELA 22 - ESTRUTURA DO SFN ..................................................................... 104
TABELA 23 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO DO SISTEMA FINANCEIRO PESSOAS FÍSICAS .................................................................................................. 108
TABELA 24 - SALDO DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO RECURSOS LIVRES PESSOA FÍSICA (EM MILHÕES) ........................................................................... 109
TABELA 25 - TAXA MÉDIA DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO RECURSOS
LIVRES - PESSOA FÍSICA (% A.A.) ...................................................................... 109
TABELA 26 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO PF -LEASING (EM MILHÕES) .... 110
TABELA 27 - VOLUME ANUAL DE CRÉDITO COM RECURSOS LIVRES
CHEQUE ESPECIAL- PESSOAS FÍSICAS .......................................................... 110
TABELA 28 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO - CARTÃO DE CRÉDITO - PESSOA
FÍSICA ......................................................................................................................... 111
TABELA
29
-
CONCESSÕES
DAS
OPERAÇÕES
DE
CRÉDITO
-
FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO - PESSOA FÍSICA¹ ........................................ 111
TABELA 30 - SALDO DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO
- SETOR
HABITACIONAL - (MILHÕES)................................................................................. 112
TABELA 31 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO PF - CRÉDITO CONSIGNADO .. 112
TABELA 32 - - TIPO DE DÍVIDA POR RENDA FAMILIAR - DEZEMBRO DE
2010 ............................................................................................................................. 114
TABELA 33 - COMPROMETIMENTO DE RENDA DAS FAMÍLIAS COM
DÍVIDA COM O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - COM AJUSTE
SAZONAL - % ............................................................................................................ 115
TABELA 34 - COMPROMETIMENTO DA RENDA FAMILIAR COM DÍVIDAS
...................................................................................................................................... 115
TABELA 35 - RENDIMENTO, PRODUÇÃO E CONSUMO DAS FAMÍLIAS
(2002-2010 .................................................................................................................. 116
TABELA 36 - EXPANSÃO DO CONSUMO E VENDAS (2002=100)¹ .............. 117
11
LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS
GRAFICO 1 - EMPREGO E SALÁRIO MÍNIMO (2003-2010) ......................... 77
GRAFICO 2 - TAXA DE JUROS SELIC (META) ............................................ 98
GRAFICO 3 - ESTRUTURA DO SFN............................................................ 104
GRAFICO 4 - CRÉDITO HABITACIONAL X PREÇO DOS IMÓVEIS ........... 117
GRAFICO 5 - CRÉDITO PF X ECONOMIA REAL ........................................ 118
12
INTRODUÇÃO
A eleição do Presidente Lula permitiu pela primeira vez na história do
Brasil a chegada ao governo de um grupo político e social que há muito tempo
reivindicava o direito de comandar o país, defendendo uma agenda política
mais voltada à questão social. Suas propostas caracterizavam-se pela defesa
de um Estado muito mais atuante e mais corresponsável na busca do
desenvolvimento e na correção das desigualdades e injustiças sociais.
A chegada do Partido dos Trabalhadores à presidência pode ser
também compreendida pelo limite das políticas neoliberais implementadas
desde o início dos anos 1990; com efeito, havia uma percepção generalizada
de que o combate à inflação e o ajuste fiscal não foram suficientes para gerar
novos postos de trabalho nem para diminuir a histórica e crônica desigualdade
do processo de desenvolvimento brasileiro.
No fim da década de 1990 e no início da década de 2000, além do
acontecido no Brasil, o mundo também questionava os efeitos das políticas
neoliberais nos países em desenvolvimento, especialmente na América Latina;
nesta região observou-se, a partir da vitória do Presidente Hugo Chávez em
1998 na Venezuela, a eleição de presidentes com discurso mais à esquerda, e
que defendiam em suas plataformas políticas uma maior participação estatal e
políticas sociais mais agressivas.
Em todo o continente ficava cada vez mais claro que o neoliberalismo
não estava conseguindo satisfazer os anseios das massas, e que a sociedade
civil exigia por parte de seus governantes um novo modelo estatal, visando,
acima de tudo, políticas mais efetivas no combate ao subdesenvolvimento e à
desigualdade social.
Características de um Estado mais condutor do desenvolvimento foi
retomado, fazendo com que a questão nacional, muito criticada pelas políticas
neoliberais, fosse resgatada. Assim o Estado Nacional passou a retomar (em
certa medida) sua função como coordenador e fomentador do desenvolvimento
econômico e social.
Este processo pode ser melhor compreendido se considerarmos que
houve um fio condutor dado por uma nova perspectiva de políticas econômicas
13
e sociais orientando as mudanças, o que pode ser denominada como “novo
desenvolvimentismo”.
Esta
denominação
leva
implícita
uma
contraposição
com
o
desenvolvimentismo do pós-guerra, caracterizado pela forte intervenção estatal
na coordenação e na promoção do desenvolvimento econômico; este processo
foi conduzido por um Estado Nacional voltado à industrialização através da
adoção de políticas protecionistas que garantiam uma virtual reserva do
mercado interno para as empresas instaladas no país.
O Novo Desenvolvimentismo estaria caracterizado por uma maior
preocupação com as políticas sociais e com a participação popular através de
processos democráticos, enquanto que no plano estritamente econômico
estaria mais preocupado do que seu antecessor com a estabilidade
macroeconômica; ao mesmo tempo, promoveria uma política industrial
preocupada também com a questão da competitividade.
O objetivo deste trabalho é contribuir para entender as mudanças
ocorridas durante a primeira década deste século no que se refere às visões
sobre o papel do Estado na condução e na coordenação do desenvolvimento
econômico, bem como a sua atuação efetiva, focando a análise no estudo
dessas mudanças no que se refere às características e comportamento do
crédito destinado ao consumidor.
O trabalho foi dividido em quatro capítulos. No primeiro é realizado uma
breve síntese sobre o desenvolvimento econômico brasileiro dos anos 1930 até
a década de 1990. Este capítulo faz uma revisão da atuação do Estado, desde
uma fase mais desenvolvimentista, na qual ele assume o papel de condutor do
processo de desenvolvimento, até as mudanças que o Estado brasileiro passou
a ter após os anos 1980, período em que o Estado nacional-desenvolvimentista
passou a ser questionado, e no qual medidas mais liberais (voltados a uma
menor intervenção estatal na economia) foram defendidas e aplicadas.
O segundo capítulo busca fazer uma conceptualização do “Novo
Desenvolvimentismo”, trazendo a retomada da “questão nacional” no mundo
capitalista discutindo este novo tipo de ação estatal. O capítulo também faz
uma breve análise do Governo Lula, comparando e analisando algumas
questões e indicadores de seu governo.
14
Já o terceiro capítulo busca entender como se deu a evolução do crédito
na história recente do Brasil, passando pelo papel e importância do crédito na
economia, até os resultados e caraterísticas do mercado de crédito nos últimos
anos.
E por fim, no quarto capítulo, são apresentados os dados referentes ao
crédito ao consumidor no governo Lula, no que tange ao seu volume,
características, prazos e comportamento. Encerra-se a dissertação com um
breve capítulo de conclusões.
15
CAPÍTULO I - DO DESENVOLVIMENTISMO À PRIMAZIA DO
MERCADO:
CARACTERÍSTICAS
DO
PROCESSO
DE
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO
O Processo de Desenvolvimento Econômico Brasileiro tem suas
particulares e especifidades. Segundo Oliveira (2003), o Brasil se insere na
economia global na fase do Capitalismo Tardio, quando o capitalismo global
enfrenta a fase da concorrência monopolística e já está consolidado a nível
global.
O objetivo deste capítulo é trazer algumas características do
desenvolvimento econômico brasileiro a partir de 1930, quando se iniciou num
país
um
processo
claro
de
medidas
estatais
para
promoção
do
desenvolvimento econômico, características estas, em grande parte, tendo
como base as concepções do que se denomina como “desenvolvimentismo”
sobre o processo de desenvolvimento brasileiro.
O capítulo traz também o momento no qual o desenvolvimentismo é
colocado em xeque, e as relações e intervenções do Estado na economia são
reanalisados e realinhados, e a primazia do mercado se transformou em
corrente hegemônica de pensamento, com estratégias e políticas voltadas para
a globalização.
Sendo assim, este capítulo subdividido em duas partes: na parte I são
analisadas as características desde o Primeiro Governo Vargas, que
intensificou o processo de intervenção do Estado na economia brasileira até o
fim do II PND.
Já na Parte II, é analisado o momento no qual a intervenção do Estado
na economia é contestada, até as reformas de tendências neoliberalizantes dos
anos 1990, o que Bielschowsky (2011) afirma que “Este [momento], entretanto,
não consegue ser desenvolvimentismo”1.
1
Bielschowsky (2011):20.
16
PARTE I
1.1 A Montagem do Nacional-Desenvolvimentismo
A montagem do nacional-desenvolvimentismo brasileiro é fortemente
influenciada por uma corrente teórica conhecida como “desenvolvimentismo”.
Pedro Fonseca (2004) assina que essa ideologia foi criada como uma espécie
de
mistura
eclética
de
diferentes
escolas
teóricas:
o
nacionalismo,
protecionismo industrial, papelismo e o positivismo.
Esta ideologia ganha força após as consequências oriundas da crise de
1929, a maior do capitalismo até então. Impactou toda economia mundial, e
mudou
consideravelmente
o
papel
do
Estado
e
do
planejamento
governamental na condução do desenvolvimento econômico, e colocou em
xeque as teorias do liberalismo, utilizada como regra até então.
Durante este período, observou-se uma forte redução das atividades
econômicas por tudo mundo (com exceção da União Soviética que estava
sofrendo um processo político específico após a Revolução Russa de 1917). O
comércio mundial teve uma redução em 60% e os empréstimos pelo mundo
diminuíram em 90%.
Tabela 1 - TAXA DE DESEMPREGO NA POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA
DURANTE A GRANDE DEPRESSÃO - PAÍSES SELECIONADOS
PAÍS
TAXA DE DESEMPREGO
Inglaterra
22 %
1. Suécia
EUA
Alemanha
24 %
27 %
44 %2
Fonte: REGO e MARQUES, 2003.
Como afirma Hobsbawm, “(...) A Grande Depressão destruiu o
17
Liberalismo Econômico por meio século”3. Como forma de tentar superar as
consequências da Depressão, os Governos Nacionais intensificaram políticas
econômicas de caráter mais “intervencionista”, que na sua síntese, atribuía ao
Estado um importante papel na coordenação a promoção do desenvolvimento
econômico.
No Brasil não é diferente: a crise de 1929 impactou fortemente os
resultados financeiros do café no mercado internacional, nosso principal
produto vendido no mercado internacional, impactando fortemente a estrutura
da economia nacional.
A “escola do desenvolvimentismo” vem como uma das respostas das
economias periféricas para tentar implementar reformas que pudessem romper
com o subdesenvolvimento e a pobreza, logrado através do crescimento
econômico de suas economias.
Castelo (2012) comenta que o desenvolvimentismo foi elaborado e
discutido por importantes teóricos da realidade brasileira, de distintas filiações
políticas e ideológicas, que discutiam a formação econômica-social brasileira,
sua inserção na divisão internacional do trabalho, alianças políticas entre
classes e grupos sociais, educação, território, etc. Destaca-se neste contexto
Alberto Guerreiro, Caio Prado Jr, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Ignácio Rangel,
Josué de Castro, Milton Santos, dentre outros.
E o que defendiam os clássicos do nacional‑ desenvolvimentismo?
Em primeiro lugar, tinham como ponto de partida as questões
estruturais, levando em conta os múltiplos aspectos da realidade. [...]
Eles trabalharam a partir de uma perspectiva multidisciplinar,
explicitando suas concepções do mundo e seus propósitos
político‑ ideológicos. [...] Em termos gerais, eles partiram das
questões externas que envolvem o Brasil desde a sua fundação como
colônia. Historicamente, o processo da nossa formação
econômico‑ social é entendido como subordinado aos interesses das
nações colonialistas e imperialistas. [...]Defendiam reformas típicas
das revoluções democrático‑ burguesas, como a agrária, a tributária,
a consolidação de leis trabalhistas (especialmente dos trabalhadores
rurais), o direito ao sufrágio universal, a livre organização classista e
um conjunto de políticas econômicas para a geração de emprego e
aumento da massa salarial (Costa, 2012:620-22).
Segundo Silva (2010), o desenvolvimentismo apresenta diversos
elementos estruturantes, do ponto de vista ideológico, formativos da
interpretação/orientação
3
HOBSBWAM, E., 1995.
do
desenvolvimento.
Entre
estes
elementos
18
estruturantes, Silva destaca: i) análise do subdesenvolvimento, ii) a visão do
desenvolvimento
brasileiro,
iii)
o
problema
do
financiamento
do
desenvolvimento e iv) a questão distributiva.
O desenvolvimentismo foi amplamente difundido através de estudos e
pesquisas realizadas pela CEPAL - Comissão Econômica para América Latina
e Caribe, um escritório regional criado pela ONU após o fim da II Guerra
Mundial, com o objetivo de entender as especifidades do subdesenvolvimento
capitalista na América Latina.
Dentro das discussões e correntes teóricas deste órgão, desenvolve um
conceito de dicotomia entre Centro (representado pelos países desenvolvidos
que participaram da primeira e da segunda fase de propagação do capitalismo)
e Periferia (países que estavam se inserindo no capitalismo global).
A relação entre centro x periferia trazia importantes colaborações para o
entendimento das características do subdesenvolvimento destes países.
Segundo esta corrente, a dicotomia entre centro x periferia estava baseada na
deterioração dos termos de troca, onde os países do centro forneciam aos
países da periferia produtos industrializados, com maior valor agregado, e a
periferia, se inseria no capitalismo global como fornecedora de bens primários,
com menor valor agregado.
Porém, o mais importante desta escola estava no diagnóstico do
processo de subdesenvolvimento, o que para os países da periferia não era um
estágio ou uma etapa para que conseguissem atingir o desenvolvimento no
futuro, mas sim que esta organização da economia mundial perpetuaria as
desigualdades.
O subdesenvolvimento não constitui uma etapa necessária do
processo de formação das economias capitalistas. É, em si, uma
situação particular, resultante da expansão das economias
capitalistas com o fim de utilizar recursos naturais e mão de obra de
zonas de economia pré-capitalistas (Furtado, 1967:16)
Portanto, era necessário encontrar uma solução para que os países
periféricos conseguissem superar estes problemas e romperem com as
barreiras do subdesenvolvimento. Entre as ideias que prevaleceram, sem
dúvida, a mais importante, é o conceito de Processo de Substituição de
Importações (PSI).
19
O PSI sugere que os países periféricos devem internalizar os processos
industriais dentro de suas fronteiras, fazendo com que os ganhos oriundos do
processo de exportação dos bens primários pudessem ser usados na aquisição
de mercadorias produzidas localmente, permitindo assim com que o excedente
que antes era utilizado para adquirir produtos industrializadas via importação
fossem produzidos internamente, fortalecendo a economia nacional.
O PSI atribuía ao Estado um papel importante para a internalização da
indústria nos países periféricos, tendo este um papel de coordenador,
planejador e de até produtor de certos produtos que a iniciativa privada por si
só não teria condições de “sozinha” produzir; inviável economicamente para a
iniciativa privada.
Sendo assim, a presença do Estado era de suma importância para a
aplicação do PSI. O Estado atuaria nos pontos de estrangulamento, ou seja,
setores econômicos que não permitiam o desenvolvimento capitalista, como o
caso do setor de Bens Intermediários (BI), como a indústria siderúrgica,
combustíveis e etc, além dos investimentos em infraestrutura, de alto custo e
de lenta maturação econômica.
Além do mais, esperava-se que a atuação do Estado, investindo e
eliminando os pontos de estrangulamento, criaria por consequência os
chamados pontos de germinação, ou seja, setores, que seriam incentivados em
decorrência dos investimentos do Estado.
Em síntese, o PSI visava:

Deslocamento do Centro Dinâmico: internalizar a produção
industrial dentro do país, para evitar o descolamento do excedente
interno para fora das fronteiras nacionais.

Expansão do Mercado Interno: gera-se uma onda de investimentos
nos setores substituidores de importações, aumentando a renda
nacional.

Diminuição do Estrangulamento Externo: com a internalização da
produção, espera-se que a demanda por bens importados seja
diminuída, diminuindo assim a pressão no Balanço de Pagamentos.
Bielschowsky (2011) divide o período desenvolvimentista em dois ciclos
ideológicos: o primeiro foi de 1930 a 1964, no qual o desenvolvimentismo era o
20
projeto
de
industrialização
integral
como
via
de
superação
do
subdesenvolvimento, conduzido com exclusividade pelo Estado.
O segundo ciclo, de 1964 a 1980, é subdividido em dois momentos: de
1964-68, foi um período marcado pela busca de soluções e respostas na
tentativa
de
promover
políticas
econômicas
para
a
sustentabilidade
macroeconômica de então, para o qual se deu uma solução conservadora:
arrocho salarial e concentração de renda.
Segundo momento, entre os anos 1968 a 1980, inclui a etapa do auge
conhecido
como
“milagre
econômico”
(1968-1973),
um
modelo
de
desenvolvimento modelado na concentração de renda, e que não levava os
frutos do progresso técnico ao conjunto da população.
1.2. A virada nacionalista: o governo de Getúlio Vargas (1930 – 1952)
Nos primeiros anos do governo de Getúlio Vargas, verificou-se uma
continuidade nas medidas adotadas por governos anteriores, principalmente no
que se refere a política de valorização do café. Neste período o Governo
Vargas foi marcado por preocupações econômicas
voltadas para a
manutenção das contas públicas, ao controle monetário e na condução de um
câmbio favorável às exportações.
Segundo Celso Furtado (1991), em seu livro a “Formação Econômica do
Brasil”, estas políticas de valorização do café, vão permitir:

Existência de um câmbio favorável à exportação.

Dificuldade
de
importar,
e
assim,
consequentemente,
estimular a
intensificação da Substituição de Importações.

Uma política monetária expansionista, para financiar o déficit público e
também a valorização do café.
De acordo com André Carraro e Pedro Fonseca (2005), o Governo
Vargas vai comandar no país a construção de um “Estado Inovador”, isto é, o
Governo Vargas adotou políticas visando realizar uma ruptura e passagem, do
modelo agroexportador, para a inserção do país no mundo industrial.
“(...) o Estado Nacional assumiu a responsabilidade de formar, dentro
do sistema existente, não só uma rede de órgãos com o objetivo de
acelerar o desenvolvimento econômico brasileiro, mas inclusive
tentando transformar-se num Estado empresário, inovador e, em
21
menor intensidade, banqueiro(...)”4
Os autores analisam que durante o primeiro governo de Vagas,
verificou-se o surgimento de instituições e agências reguladoras que tomaram
para si o papel de coordenação do desenvolvimento econômico do país.
Estas
instituições
que
permitiram
ao
Estado
Brasileiro
uma
modernização de sua economia, criando novas leis, novos órgãos, que
passaram agora a implementar políticas públicas voltadas para o planejamento
da produção e da distribuição.
Conforme afirmou o próprio Vargas:
Na época em que os fins sociais são preponderantemente
econômicos, em que se organiza de maneira científica a produção e o
pragmatismo industrial é elevado a limites extremos, assinala-se a
função do Estado, antes, e acima de tudo, como elemento
coordenador desses múltiplos esforços, devendo sofrer, por isso,
modificações decisivas (VARGAS, 1938, v.1, p. 192 in: CARRARO, A
e FONSECA, P, 2005:9).
Com isso, observa-se que o Estado está sim intervindo e coordenando
sua economia. Os aparelhos do Estado melhoraram sua eficiência, pois os
novos órgãos eram compostos por técnicos especializados, ganhando um
caráter mais impessoal e técnico, uma vez que estas ações coordenadas pelas
instituições criadas eram independentes, e seu caráter “técnico” lhe dava
sustentabilidade em suas ações.
Estavam acima de tudo ligados a uma ideia de “interesse nacional” na
coordenação e condução das políticas de desenvolvimento econômico no país.
Entre os órgãos criados ligados ao desenvolvimento industrial, que tinham
como objetivo de pensar a organização e o desenvolvimento da Indústria
Nacional.

Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1930.

Departamento Nacional do Trabalho, em 1931.

Conselho Federal do Comércio Exterior , em 1934.

O Plano Geral de Viação Nacional e Comissão Similares, em
1934.

4
Conselho Técnico de Economia e Finanças, em 1937.
CARRARO, A e FONSECA, P, 2005:9
22
Além destas instituições, verificamos a importância do surgimento de
instituições e órgãos do governo para o financiamento da produção. A criação
em 1937 da Carteira Agrícola do Banco do Brasil para financiar a compra de
máquinas e equipamentos agrícolas a juros baixos, foi um avanço considerável
da estratégia estatal para o fomento da agricultura.
Assim, verificamos que durante o primeiro Governo de Getúlio Vargas
(1930-1945) a existência de ações estatais claras voltadas para o
desenvolvimento industrial, com destacado papel do Estado voltado a
promoção e difusão do desenvolvimento econômico. Outro aspecto importante
do período é a o surgimento de um novo elo entre o Estado e o empresariado
nacional.
O segundo Governo de Getúlio Vargas (1950-1954) foi caracterizado por
forte intervenção estatal na economia. Durante a sua campanha política,
Vargas, como relata Rômulo Almeida, deixou claro sua “(...) plataforma que
sinteticamente poderia se denominar de emancipação política e progresso
social, trabalhismo e nacionalismo(...)”5
Vargas foi eleito com uma ampla margem de votos, mas, contudo, não
conseguiu maioria no Congresso Nacional para a aprovação de seus projetos.
O Congresso, como denuncia o próprio Almeida “(...) era tradicional, gente
oligárquica, gente que não desejava transformações; gente liberal em política
econômica (...)”6
No que se refere a análise da política econômica, no período se destaca
a criação da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos que tinha como grande
objetivo ajudar o Governo a criar políticas econômicas e desenvolver projetos
que pudessem ser candidatos ao financiamento junto ao governo dos EUA.
A Comissão trabalhou em projetos específicos, como o projeto da Usina
de Piloto no Rio Grande do Sul e na modernização do Porto de Santos. O
projeto nacionalista de Vargas era orientado pela Assessoria Econômica da
Presidência da República.
O único projeto de grande porte projetado pela comissão e que teve
consequências efetivas foi a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE) em 1952, devido à necessidade de se administrar um
5
6
ALMEIDA, R, 2004: 129.
ALMEIDA, R, 2004:130.
23
fundo de reaparelhamento econômico, para o financiamento de projetos de
infraestrutura de transporte e energia.
O projeto de energia ia de encontro com as bandeiras levantadas na
campanha de Vargas, uma vez que em sua visão a emancipação econômica
passava pela matriz energética.
Para atingir tal objetivo, Vargas criou a estatal Petrobrás, que tinha como
finalidade produzir e nacionalizar todo o refino e transporte de petróleo e
derivados. Outro aspecto delicado no período era a questão da energia elétrica,
pois o ramo estava na mão de duas grandes multinacionais, a canadense que
administrava o Grupo Light e o grupo Bond & Share, que administrava a
Companhia de Força e Luz (CPFL).
O grande problema destas empresas era que os seus investimentos em
ampliação de capacidade geradora e na melhoria na distribuição de energia
elétrica eram insuficientes para sustentar o crescimento do país desejado
naquele período. Estas empresas visavam apenas a atender a demanda
existente, até por meio de alguns racionamentos de energia esporádicos; as
empresas apenas respondiam, tardiamente, ao aumento de consumo de
eletricidade, ficavam ao “reboque”, não fazendo o “papel de locomotiva”, que
era necessário para o avanço da industrialização no país.
A justificativa que estas empresas apresentavam para não ampliação de
sua capacidade era que o Governo não autorizava o aumento de suas tarifas, e
isto não lhe dava condição para a acumulação de recursos para inversões no
aumento da capacidade e melhoria na produtividade. Almeida (2004) afirma
que o Governo, às vezes, tinha um comportamento de “pai para filho” com
essas empresas, conseguindo empréstimos junto a organismos internacionais
a baixo custo.
Partindo deste problema de investimentos e da necessidade de promover a
sonhada emancipação econômica, a necessidade da forte presença do Estado
e o controle público, faziam-se necessários e o Governo de Vargas criou um
programa de energia elétrica que visava:

Criação da Lei de Imposto Único de Eletricidade: meio que o governo
se utilizou para angariar recursos próprios para o investimento em
eletricidade.

Criação do Fundo Federal de Eletrificação: administrado pelo BNDE
24
para financiar inversões na Rede Elétrica.

Plano Nacional de Eletrificação: definiu a rede nacional de usinas e
linhas de transmissão e interconexão e prioridades.

Criação
da
ELETROBRÁS:
holding
nacional
de
eletricidade,
funcionando como uma agência de desenvolvimento e investimento no
setor elétrico.

Regime de Concessões e Tarifas: previa que concessões dos serviços
públicos fossem primordialmente explorados por empresas nacionais. O
projeto não chegou a ser apresentado no Congresso Nacional.
Assim, com ampliação do investimento público na geração de energia e nas
próprias concessionárias estrangeiras, o Estado aos poucos acabou se
tornando sócio majoritário dessas empresas estrangeiras, uma vez que as
mesmas não formavam capital novo, e com o passar do tempo, o capital estatal
se tornou maior que o estrangeiro, se tornando o Governo acionista majoritário
dessas empresas.
Já no que se refere a políticas para o fomento industrial, e principalmente
na consolidação do departamento de Bens Intermediários e Bens de Capital no
país (grande objetivo do Governo de Vargas), se destaca a criação da
Instrução 70 da Superintendência da Moeda e Crédito (SUMOC) que definia
múltiplas taxas de câmbio de acordo com o tipo de atividade econômica. Esta
medida foi importante para viabilizar a importação de bens de capital.
Furtado7 elencou as principais vantagens de uma política cambial com
taxas múltiplas:
 Encarecer o produto importado que pudesse competir com o
nacional.
 Subsidiar, pela taxa de câmbio mais baixa, a importação de Bens
de
Capital
e
insumos básicos
essenciais
ao
crescimento
econômico.
 Permitir maiores recursos para o Governo investir em infraestrutura
nacional.
O Governo Vargas, antes da Instrução 70 da SUMOC, havia promulgado
7
FURTADO, M, 2000: 178.
25
a Lei 1807 de janeiro de 1953 (Instrução 43 da SUMOC) que colocou um teto
remessa de lucros para o exterior, pois em apenas um ano (1952) as remessas
de lucros aumentaram 65% no ano. A nova lei limitou a 10% do capital
registrado e a 8% dos empréstimos obtidos no exterior.
Vale destacar também a criação da Comissão de Desenvolvimento
Industrial (CDI) no período, que tinha o trabalho de estudar e propor medidas
econômicas, financeiras e administrativas ligadas a Política Industrial.
O Projeto Nacionalista de Vargas tinha “muitos inimigos”. Com o passar
dos anos do mandato presidencial, aumentavam as divergências entre os
trabalhadores urbanos e burguesias nacionais, que em tese, sustentavam
politicamente o Governo de Vargas.
Os trabalhadores cada vez mais pressionavam o governo para participar
mais do ganho de produtividade de seu trabalho, em contrapartida a burguesia
nacional resistia em repassar esse “ganho” aos salários dos trabalhadores e,
apesar de ser beneficiada direta e indiretamente pelo Governo de Vargas, a
Burguesia
Nacional
também
reclamava
da
Instrução
70,
que
havia
desvalorizado o câmbio e consequentemente, aumentado o custo das
importações de Bens de Capital.
Neste mesmo período, a cultura cafeeira estava passando também por
uma crise, crise esta que foi creditada ao governo. A oposição, através do
Congresso, conseguiu o apoio dos agricultores contra o Governo Vargas, uma
vez que a oposição capitalizou os agricultores para amenizar a crise.
O desfecho da crise foi o suicídio de Vargas e o fim de um projeto
nacionalista para o Brasil. José Luiz Fiori8 compara que no Governo Vargas
houve o que Fiori chama de “prussianismo desfigurado”. Ou seja, o Governo
Vargas não conseguiu articular o Estado e a burguesia nacional e financeira
em prol da construção de uma sociedade industrial avançada.
1.3 - Governo JK e o Plano de Metas
Segundo Costa (2012), foi no Governo de Juscelino Kubitschek (JK) que
o nacional-desenvolvimentismo atingiu seu auge. Seu governo vai lançar o
8
FIORI, J. L. in: REGO, J. M.e MARQUES, R. M, 2003: 87.
26
Plano de Metas (1956 – 1961), um conjunto de medidas e prioridades que
deveriam ser tomadas para superar alguns pontos de estrangulamento na
economia e promover uma montagem de uma economia integrada,
aprofundando principalmente o setor de Bens de Consumo Duráveis (BCD).
O Plano de Metas foi montado pelos técnicos do grupo BNDE-CEPAL
que haviam identificado uma demanda de BCD reprimida na economia. O
crescimento deste setor gera um forte efeito positivo sobre outros setores,
promovendo um ótimo dinamismo econômico.
Os
técnicos
elegeram
5
setores
que
iriam
receber
pesados
investimentos:
1. Energia
2. Transportes
3. Alimentação
4. Indústria de Base
5. Educação
Vasconcellos (2002)9 divide o Plano de Metas em três pontos principais:
1. Investimentos estatais em infraestrutura, com destaques para os
setores de transporte e Energia Elétrica. No que cabe aos
transportes, vale destacar a mudança de prioridades, que, até o
Governo Vargas, centrava-se na ferrovia, e passou para o rodoviário,
que estava em consonância com o objetivo de introduzir o setor
automobilístico no país.
2. Estímulo ao aumento de produção de bens intermediários, como
aço, carvão, cimento, zinco e etc., que foram objetos de planos
específicos.
3. Incentivos à introdução dos setores de consumo duráveis e de
capital.
Para a execução do Plano, foi criado um esquema administrativo que
compreendia basicamente, como demonstra Furtado10:

9
10
Conselho Nacional de Desenvolvimento, com poderes para
VASCONCELLOS, 2002: 378-379.
FURTADO, M: 180.
27
formular e executar a política de desenvolvimento do país.

Grupos de Trabalho: estes grupos tinham como objetivo assessorar
o Conselho, e os grupos eram compostos por técnicos provenientes
da Comissão Mista Brasil e Estados Unidos, do grupo BNDE-CEPAL
e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Coube aos grupos estudar e
viabilizar projetos existentes, estabelecer metas quantitativas de
produção e elaborar normas reguladoras, visando à mobilização dos
recursos necessários a execução do Plano.

Grupos Executivos: órgãos instituídos por decretos, que tinham
autoridade para coordenar esforços no sentido da realização das
metas que envolvessem o setor privado.
Em síntese, o Plano de Metas previa a superação de “pontos de
estrangulamento”, dando condições para que a crescente indústria não
sofresse com a oferta reprimida, principalmente em Bens Intermediários e na
modernização do parque industrial através da importação de máquinas e
equipamentos e também na infraestrutura.
Outro aspecto levantado pelo Plano de Metas foi gerar os chamados
“Pontos de Germinação”, investimentos que por decorrência dos seus “efeitos
multiplicadores” criariam outros investimentos.
Lafer (1975) afirma que:
“(...) uma vez identificado os setores e, dentro dos setores, as metas
– através do emprego integrado dos conceitos de pontos de
crescimento, pontos de estrangulamento interno e externos,
interdependência dos setores e demanda derivada – o plano procurou
fixar para cada meta um objetivo (Lafer, C: 1975)
As metas foram estabelecidas, segundo Lafer (1975), através de
estudos de recentes demandas e de oferta de cada setor privilegiado pelo
Plano e projetou-se, com base neles, a provável demanda após a aplicação
dos investimentos.
O cumprimento das metas estabelecidas pelo Plano de Metas foi
satisfatório, e alguns setores foram até expandidas. O crescimento da
produção industrial foi além das expectativas, em destaque para a indústria de
material de transporte que cresceu 711%, materiais elétricos e de
comunicações 417%, têxtil 34%, alimentos 54% e bebidas 15%.
28
.0.
TABELA 2 - TAXAS DE CRESCIMENTO DO PRODUTO E SETORES (1955 – 1961)
ANO
PIB
INDÚSTRIA
AGRICULTURA
SERVIÇOS
1955
8,8
11,1
7,7
9,2
1956
2,9
5,5
- 2,4
0
1957
7,7
5,4
9,3
1,5
1958
10,8
16,8
2
10,6
1959
9,8
12,9
5,3
10,7
1960
9,4
10,6
4,9
9,1
1961
8,6
11,1
7,6
8,1
Fonte: IBGE in VASCONCELLOS (2002)
O grande problema do Plano foi o seu financiamento. Os gastos
públicos, na ausência de uma Reforma Fiscal que garantisse a arrecadação
condizente com os investimentos, precisaram ser financiados através de
emissão de moeda, o que gerou uma alta onda inflacionária no país.
A dívida externa também cresceu muito no período, uma vez que o saldo
negativo
nas
transações
correntes
aumentou
vertiginosamente,
como
demonstra a tabela 4 abaixo:
TABELA 3 - ALGUNS INDICADORES ECONÔMICOS - PLANO DE METAS (1955-1961)
VARIAÇÃO DO
SALDO EM
DÍVIDA
VERIAÇÃO
SALÁRIO
TRANSAÇÕES
EXTERMA
ANOS
INFLAÇÃO
DA BASE
MÍNIMO REAL
CORRENTES
TOTAL (US$
MONETÁRIA
(%)
(US$ MILHÕES)
MILHÕES)
1955
23
15,8
- 9,5
2
1.445
1956
21
19,3
- 1,3
57
1.580
1957
16,1
35,1
- 9,6
- 264
1.517
1958
14,8
18
14,5
- 248
2.044
1959
39,2
38,7
- 12,7
- 311
2.234
1960
29,5
40,2
19,4
- 478
2.372
1961
33,2
60,4
-- 14,7
- 222
2.835
Fonte: IBGE, in VASCONCELLOS (2002).
Contudo, o Plano de Metas foi um plano que colocou em xeque o
29
modelo de substituição de importações (PSI). Isto ocorre porque o plano vai
além da resposta a um problema de estrangulamento externo, pois a partir de
então a interação entre os diferentes setores e subsetores da economia
brasileira que passam a ditar o ritmo desta nova economia.
Outro fator de suma importância, que levanta Lafer (1975), é o papel da
pressão política que levou o Plano a ser proposto pelo então candidato a
presidência, Juscelino Kubitschek. Segundo o mesmo, a crescente urbanização
que o país vinha sofrendo (em 1950 a população urbana representava 36,2%
da população brasileira, e 10 anos depois, 1970, passa a representar 45,1%),
exigia por parte dos governantes um controle maior do planejamento e
crescente aumento do emprego urbano.
Costa (2012), ao comentar os efeitos das políticas econômicas
implementadas pelo Governo JK, afirma que:
Nesse período, o modelo desenvolvimentista aprofundou‑ se com a
implementação do capital financeiro no Brasil. O desembarque das
multinacionais durante o governo JK, que então investiram nos
setores de bens de consumo duráveis, e o início da construção do
setor de bens de capital e da indústria de base com vultosos aportes
estatais no governo Vargas, são constitutivos dessa fase do
desenvolvimento capitalista brasileiro (Costa, 2012:619).
1.4 - Anos 1960: da Crise ao Milagre
Após a aplicação do Plano de Metas e suas consequências como já
foram mencionadas anteriormente, com destaque para crescente escalada da
inflação, o Brasil, segundo Vasconcellos (2002), viveu sua primeira grande
crise econômica na fase industrial, com destaque para a crescente escalada da
inflação.
Durante a primeira metade da década de 1960, a taxa de crescimento do
produto brasileiro caiu vertiginosamente em relação ao período anterior, a taxa
de inflação disparou, e o crescimento industrial estava ficou muito aquém do
esperado, como demonstra a tabela 5 abaixo:
ANO
1961
TABELA 4 - PRODUTO E INFLAÇÃO: 1961-1965
CRESCIMENTO DO
CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO
PIB (%)
INDUSTRIAL (%)
8,6
11,1
TAXA DE
INFLAÇÃO (%)
33,2
1962
6,6
8,1
49,4
1963
0,6
-0,2
72,8
30
1964
3,4
5,0
91,8
1965
2,4
-4,7
65,7
Fonte: Abreu (1990)
Para explicar tal negativismo, esse fraco desempenho dos primeiros
anos da década de 1960, é necessário analisar o panorama político e
econômico do período.
1.4.1. Panorama Político
O início dos anos 1960 é marcado por uma grande instabilidade política.
Com eleição do presidente Jânio Quadros, tendo como vice um membro de
uma coligação rival, João Goulart (Jango), e com sua estranha renúncia após 8
meses de mandato presidencial, criou-se dentro do país uma grande incerteza
de sobre qual grupo viria exercer a liderança a política do Brasil.
O vice, João Goulart - Jango, ligado tradicionalmente a “políticas de
esquerda”, defendia, entre suas diversas propostas, uma melhor distribuição
de renda mais ampla e uma Reforma Agrária.
Vasconcellos (2002) comenta que a crise no período se deu, entre os
motivos, devido a uma “crise do populismo”; os interesses das classes urbanas
não eram mais incorporados pelo sistema político sem, contudo, se exageradas
do ponto de vista patronal.
A elite brasileira também se viu preocupada com a capacidade dos
governantes
conterem
estas
pressões
urbanas,
sem
precisar
mudar
consideravelmente a estrutura social do país. Devido a essa instabilidade
política, em março de 1964 ocorreu um golpe de Estado que instaurou um
regime militar no Brasil.
1.4.2. Panorama Econômico
Como já foi mencionado, o Plano de Metas criou as condições para uma
grande elevação na inflação, e o começo da década de 1960 foi marcado por
uma política restritiva por parte das autoridades: foram cortados gastos
públicos e reduzido o crédito disponível, com o intuito de controlar o aumento
generalizado dos preços.
31
Para explicar a queda no nível de crescimento e de investimentos do
período, alguns economistas apresentaram duas interpretações distintas: a
visão “estagnacionista” e a visão de “crise endógena” do capitalismo brasileiro.
Vasconcellos (2002) afirma que segundo a visão estagnacionista, o baixo
crescimento do PIB brasileiro era ocasionado principalmente pelo esgotamento
do Processo de Substituição de Importações (PSI), que segundo os teóricos
provocava:
a) diminuição do coeficiente de importação e diminuindo a amplitude das
substituições promovidas pelo modelo.
b) com o passar do tempo, as substituições exigem mais divisas para se
concretizar, sendo a falta de divisas um problema decorrente da
economia brasileira.
c) problema de demanda: os novos setores a serem criados pelo PSI
exigiam ganhos de escala, precisando de uma demanda expressiva para
que os investimentos se viabilizassem.
Os “estagnacionistas” também entendiam que o grande problema da
inflação era decorrente do PSI. Para eles, o modelo exigia uma política de
proteção às empresas que estavam no início de suas atividades, e que não
conseguiam produzir a preços competitivos em relação ao comércio
internacional, repassando seus custos para toda a economia brasileira; isso
explicaria, portanto, o alto índice de inflação do período.
Já outros teóricos que acreditavam que o país estava vivendo uma crise
endógena decorrente da própria evolução do capitalismo brasileiro, segundo
Vasconcellos (2002), após os anos 1950 o país já havia superado a fase a
Industrialização Restringida, e a queda do nível de investimento era explicada
pela necessidade de maturação do bloco de investimentos anteriores,
causando assim o baixo crescimento do início dos anos 60.
Estes teóricos acreditavam que para superação da crise era necessário que
o país realizasse reformas institucionais adequadas para garantir um
financiamento não inflacionário dos investimentos públicos; eles também
acreditavam que o problema da falta de demanda no país era ocasionado
principalmente por problemas estruturais crônicos, como o problema da
estrutura fundiária, por exemplo.
32
1.5. O PAEG e os Governos Militares
Segundo Vasconcellos (2002), após o Golpe, o primeiro presidente
militar, o General Castelo Branco, lançou o “Plano de Ação Econômica do
Governo (PAEG)” com o objetivo de acelerar o ritmo de desenvolvimento
econômico do país, conter o processo inflacionário e atenuar os desequilíbrios
regionais e setoriais do Brasil.
Após a implementação do Plano de Metas durante o Governo de JK,
esperava-se
que
a
maturidade
da
Economia
Brasileira
encontrasse
mecanismos endógenos para superação da crise e também que os
desequilíbrios setoriais presentes no processo de desenvolvimento brasileiro se
extinguissem durante o processo de industrialização.
Segundo Martone11, os problemas mais importantes eram:
A. O processo inflacionário crescente que acompanhou todo o
esforço de industrialização
B. O próprio sentido da industrialização, que se fez mediante
técnicas intensivas de capital e baixa absorção de mão-de-obra.
C. O aumento vertiginoso da participação do setor público na
economia;
D. A relativa estagnação do setor agrícola do ponto de vista da
produtividade.
O autor também coloca a preocupação do problema da absorção de
mão de obra que estava aquém do necessário, pois segundo o mesmo “(...) o
Brasil necessitava de um milhão e cem mil novos empregos por ano, a fim de
absorver a mão-de-obra que anualmente aflui ao mercado(...)”12
Portanto, era urgente encontrar um mecanismo que permitisse acelerar
o ritmo de desenvolvimento econômico do País, que havia sido interrompido
em 1962 e encontrar mecanismos para conter a constante elevação dos
11
Cf. Martone, C. L. “Análise do Plano de Ação Econômica do Governo, PAEG (1964-1966)”
in Mindlin Lafer, op. cit.,
12 MARTONE, 1975: 75
p. 69-89; p. 75-76.
33
preços. Para isso, foi elaborado pelos economistas Roberto Campos (19172001) e Otávio Gouvêa Bulhões (1906 – 1990) o PAEG, que se dividia em duas
linhas:
1.5.1. Políticas Conjunturais de combate a inflação
Medidas e ações para que o aumento generalizado dos preços cedesse. Os
autores do plano acreditavam que a inflação era decorrente de um grande
déficit público e da elevada propensão a consumir, mantidos através do que
consideravam arroubos populistas, que davam consideráveis reajustes reais à
massa salarial. Defendiam:

Redução do déficit público e da redução dos gastos públicos e da
ampliação da receita por meio de uma Reforma Tributária.

Restrição do crédito e do impulso monetário.

Contenção da demanda por Política Salarial e redução do salário real.
1.5.2. A Reforma Tributária
O PAEG previa uma ampla Reforma Tributária nos seguintes termos:

Introdução da correção monetária no sistema tributário, aumentando assim
a arrecadação real do setor público;

Alteração no formato do sistema Tributário, passando a se calcular os
impostos sobre o valor adicionado e não mais em cascata, como realizado até
então;

Criação
de
novos
impostos,
como
IPI
(Imposto
sobre
Produtos
Industrializados), ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias, depois virou
ICMS) e ISS (Imposto sobre Prestação de Serviços). Estes impostos
permitiram uma maior segmentação da tributação, rompendo assim com o
estímulo a verticalização da produção.

Redefinição do espaço tributário brasileiro entre as esferas: a união
passaria a recolher impostos únicos e os impostos sobre o comércio exterior;
os estados ficariam com o ICM e com o imposto sobre Transmissão, e os
34
municípios ficariam com o IPTU e o ISS. (Ver tabela 2.6).

Foram criados fundos de repasse federais para tentar diminuir a
desigualdade de renda na federação, principalmente nos estados da região
Norte e Nordeste do país.

Criação de fundos parafiscais como FGTS (Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço), PIS (Programa de Integração Social), que serviram de grandes
fontes de poupança compulsória para o Setor Público.
De acordo com Vasconcellos (2002), o principal objetivo do PAEG que
era conseguir que o crescimento do PIB Brasileiro se situasse na taxa média
de 6% a.a., o que não foi atingido.
0.
ANO
1964
TABELA 5 - PRODUTO E INFLAÇÃO (1964 – 1968)
PIB (%) PRODUÇÃO INDUSTRIAL (%) INFLAÇÃO (%)
3,4
5,0
91,8
1965
2,4
- 4,7
65,7
1966
6,7
11,7
41,3
1967
4,2
2,
30,4
1968
9,8
14,2
22,0
Fonte: IBGE.
As medidas de controle da demanda agregada com o intuito de segurar
a elevação dos preços fizeram com que os investidores privados ficassem
paralisados, uma vez que segundo Martone, um dos fatores que fazem o
agente investirem é
(...) expectativa de crescimento futuro da demanda: na medida que o
empresário preveja um aumento da demanda por seus produtos no
futuro, tratará de ampliar sua capacidade instalada para fazer face ao
incremento esperado em suas vendas (MARTONE, 1975: 87).
Outro fator que ainda prejudicava os novos investimentos era o aumento
radical da carga tributária, que tinha dois objetivos: angariar fundos para
financiar o déficit público e tirar renda disponível dos consumidores para frear a
demanda.
Contudo, o PAEG apesar de não ter atingido seu principal objetivo,
obteve alguns resultados duradouros, como destaca o diplomata Paulo Roberto
de Almeida.
Seus efeitos [medidas do PAEG] foram basicamente institucionais,
consistindo numa ampla reorganização da ação do Estado e
35
preparando-o para as próximas etapas de alto intervencionismo
governamental na economia – contra a própria filosofia econômica do
regime em vigor(ALMEIDA, 2008:20).
O autor destaca no seu artigo “A experiência Brasileira em planejamento
econômico: uma síntese histórica”13 que as ações do PAEG permitiram uma
importante reforma do Estado principalmente na área gerencial e orçamentária,
que fez com que o país conseguisse altas taxas de crescimento nos anos
seguintes.
1.6. O Milagre Econômico
O período chamado de “O Milagre Econômico Brasileiro” abrange os
anos de 1968 a 1973, quando a taxa de crescimento do PIB atingiu uma média
em torno de 10 % anuais.
Segundo Vasconcellos (2002), essa taxa alta (ver tabela 7) foi
decorrente da capacidade ociosa gerada no período anterior e também das
reformas institucionais que o governo realizou nos anos anteriores, como já
mencionado anteriormente.
TABELA 6 - - PRODUTO – TAXAS DE CRESCIMENTO (%): 1968-1973
ANO PIB INDÚSTRIA AGRICULTURA SERVIÇOS
1968 9,8
14,2
1,4
9,9
1969
9,5
11,2
6,0
9,5
1970
10,4
11,9
5,6
10,5
1971
11,3
11,9
10,2
11,5
1972
12,1
14,0
4,0
12,1
1973
14,0
16,6
0,0
13,4
Fonte: IBGE
As orientações das autoridades governamentais colocavam já em 1967
a retomada do crescimento econômico como o grande objetivo do país, como
destaca Vasconcellos (2002):
É importante salientar que o crescimento colocava também como
uma necessidade para legitimar a desordem econômica e políticoinstitucional e recolocar o país nos trilhos de desenvolvimento
(VASCONCELLOS, 2002:383).
13
Idem, ibidem.
36
O Ministro da Fazenda de então, Antônio Delfim Neto, considerava que o
problema da inflação brasileira não era de demanda, como os formuladores do
PAEG diagnosticaram, mas sim de custos. Nesse sentido, o governo tomou
medidas para fomentar a demanda, mas colocou simultaneamente na pauta
uma política de controle de preços..
Para isso, as autoridades criaram em 1968 o Conselho Interministerial
de Preços (CIP) que se tornou um braço importante para controlar a inflação.
Segundo Vasconcellos (2002) as principais fontes do crescimento no
Milagre foram:

Retomada do investimento público em infraestrutura: possibilitada
pela recuperação financeira do Setor Público, devido à Reforma Fiscal e
aos
mecanismos
de
endividamento
interno
(financiamento
não
inflacionário dos déficits);

Aumento do investimento em empresas estatais: com a política da
verdade tarifária associada à maior liberdade de atuação dessas
empresas, observou-se, no período, um aumento nos investimentos e o
processo de conglomeração dessas empresas, por meio da criação de
várias subsidiárias; a Petrobrás, e a Vale do Rio Doce, são exemplos
típicos desse processo. Nesse período surgiram 231 novas empresas
estatais;

Demanda por bens duráveis: ocorreu devido à grande expansão do
crédito ao consumidor pós-reforma financeira. Percebe-se que a opção
para ampliação do mercado consumidor se deu em grande medida pelo
endividamento
familiar.
Esse
setor
foi
líder
do
crescimento,
apresentando uma taxa média anual de 23,6% no período.

Construção civil: cresceu à taxa média de 15% a.a. por força do
aumento dos investimentos públicos nessa área e pela maior demanda
por habitação provocada pela expansão do crédito do SFH.
 Crescimento das Exportações: verificou-se no período um
crescimento de 2,5 vezes no valor das exportações (volume e termos de
troca), graças ao crescimento do comércio mundial e à melhora nos
termos de troca, bem como às alterações promovidas na política externa
37
do país e aos incentivos fiscais; isso permitiu uma ampliação
significativa da capacidade de importar da economia.
José Serra, no seu artigo “Ciclos e Mudanças estruturais na economia
Brasileira no pós-guerra”14, salienta que o rápido crescimento verificado no
período deveu-se principalmente a uma acentuada abertura estrutural ao
exterior: o coeficiente de importações subiu de 5,4% do PIB para 8,6%, e as
exportações mais do que dobraram, devido principalmente ao abundante fluxo
de financiamento externo.
Outro fator para a recuperação que José Serra (1998) destaca motivos foi o
dinamismo da demanda por bens de consumo duráveis. Esse aumento refletiu,
segundo o autor:

a maior concentração pessoal da renda, que permitiu aumentar o
poder de compra dos grupos de renda média-alta;

a elevação da margem de endividamento das famílias, facilitada pelo
desenvolvimento da intermediação financeira na compra de bens de
consumo.
No Milagre Econômico foi também grande o aumento da concentração
de renda. Entre as causas, como expõe Vasconcellos (2002), devemos
destacar a forma como o Milagre se dava, uma vez que ao estar baseado no
crescimento da indústria de bens de consumo duráveis, necessitava de uma
classe social com uma renda mais elevada para consumir e demandar seus
produtos.
Também houve um aumento na demanda de profissionais qualificados,e
portanto os salários destes aumentaram acima da média, uma vez que a oferta
destes quadros à época era baixa.
Ao comentar o período, Prado (2011) afirma que o governo militar deu
continuidade em vários aspectos à agenda desenvolvimentista, fortalecendo a
capacidade de intervenção do Estado.
A nova administração ignorou as questões sociais do país, mas,
tomou medidas necessárias à continuidade do crescimento brasileiro.
A política de estabilização não foi radical, preferiu-se buscar uma
redução progressiva da inflação. A reforma fiscal, aumentou a
14
SERRA, J: 1998.
38
capacidade do Estado intervir na economia, sendo um dos elementos
fundamentais para o período de crescimento acelerado na década de
1970. Por outro lado, coerentemente com as ideias dos setores que
apoiavam a ditadura militar, saíram de pauta preocupações com
justiça social, com problemas como acesso à terra e/ou distribuição
de renda (Prado, 2011:29).
1.7. O II PND
Segundo Anita Kon (1999) o II Plano Nacional de Desenvolvimento foi
importante, uma vez que ele “(...) consagrou a forma pelo qual o Governo
Brasileiro de então enfrentou a crise mundial deflagrada pelo rompimento de
Bretton Woods e pelo Primeiro Choque do Petróleo”15
A década de 1970 enfrentou sérias mudanças estruturais na economia
mundial, tais como o rompimento do acordo de Bretton Woods (que
resumidamente, estabelecia entre outras coisas um câmbio fixo para as
transações internacionais) e como o aumento do preço do petróleo (quando a
OPEP16 aumentou o preço do barril que era de US$ 2,90 para US$ 11,90 em
apenas três meses durante o ano de 1973).
Tais acontecimentos demandaram do Governo Brasileiro medidas
urgentes para que o crescimento se mantivesse a níveis aceitáveis. O
significativo crescimento ocorrido ao longo do Milagre fez com que toda a
capacidade ociosa da economia fosse ocupada, o que por consequência,
pressionava a elevação dos preços pelo lado da oferta, e também pressionava
em muito o Balanço de Pagamentos, uma vez que para manter este
crescimento era necessária a importação de máquinas, equipamentos e
insumos, somando-se ainda com a elevação do preço do barril do petróleo.
O contexto político interno também não era muito favorável aos militares.
A sociedade civil já demonstrava a insustentabilidade do Regime Militar e
exigia políticas para promover a distribuição de renda e a abertura política para
o retorno da democracia.
Para enfrentar a crise econômica o governo tinha dois caminhos: o
primeiro, adotar uma política econômica de ajustamento, ou seja, medidas
restritivas para frear a demanda e assim, no longo prazo, diminuir os
desequilíbrios, e segundo, uma política econômica de financiamento, ou seja,
15
16
KON, 1999:68
OPEP: Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
39
medidas que promovessem a procura de recursos para a manutenção do
crescimento econômico.
As autoridades optaram primeiramente pelos caminhos do ajustamento
defendido pelo então Ministro da Fazenda Mario H. Simonsen que buscava um
controle da demanda através de um controle rígido da liquidez.
As medidas restritivas não foram levadas à frente devido a turbulências
internas, como a quebra do Banco Halles e a grande derrota do partido da
situação (ARENA) nas eleições para o congresso em 1974, que inviabilizaram
a política proposta pela Fazenda.
Assim, as autoridades abandonaram as medidas de controle da
demanda e criaram o II PND, optando por uma saída desenvolvimentista como
resposta à crise.
O Plano, em síntese, tinha como objetivo:

Alterar profundamente a estrutura produtiva brasileira, e a longo prazo,
diminuir a necessidade a necessidade de importação (diminuir a
vulnerabilidade externa).

Diminuir a pressão no Balanço de Pagamentos.

Manter o crescimento em torno de 12% a.a.

Procurar um crescimento baseado na expansão dos setores de bens de
produção e de insumos17, mediante garantias de demanda, incentivos
fiscais e creditícios, reserva de mercado e política de preços.

Promover a desconcentração industrial através da distribuição espacial
dos principais projetos18.

Aumento na produção de insumos básicos: metais não-ferrosos,
exploração de minérios, petroquímica, fertilizantes e defensivos agrícolas,
papel e celulose;

17
Investimento em infraestrutura e energia: ampliação da prospecção e
O II PND previa o fortalecimento dos setores de Bens de Capital e de insumos, ou seja,
acreditava-se com o fortalecimento destes setores a economia, enfim, chegaria a sua
maturidade. O II PND foi diferente dos planos anteriores, uma vez que até aquele momento os
planos que surgiram foram aqueles que previam o fortalecimento do setor de Bens de
Consumo Duráveis.
18 Entre as medidas para promover a desconcentração industrial, destaca-se a construção da
maior siderúrgica em Itaqui (MA), a prospecção do petróleo passaria para a plataforma
litorânea do Nordeste, os investimentos os investimentos para a produção de soda de cloro
seriam localizados em Alagoas, a petroquímica na Bahia e no Rio Grande do Sul, os
fertilizantes potássicos em Sergipe, o fosfato em Minas Gerais, o carvão em Santa Catarina,
por exemplo.
40
produção de petróleo, investimentos em energia nuclear, ampliação da
capacidade hidrelétrica (Itaipu) e substituição dos derivados de petróleo por
energia elétrica e pelo álcool (Proálcool), expansão das ferrovias e a
utilização de carvão.
O II PND previa o amadurecimento completo da economia brasileira, uma
vez que se considerava que o Setor de Bens de Capital era incompleto no país
e para que a matriz industrial brasileira se completasse, seria necessário um
grande fluxo de investimentos no desenvolvimento desse setor.
O Plano também, segundo Anita Kon (1999), era um retorno ao discurso
nacional-desenvolvimentista dos anos 1950, uma vez que previa “(...) que a
autonomia nacional deveria passar pela internacionalização de toda a base
técnica de produção(...)”19. Ou seja, o II PND trazia novamente à tona o
discurso da substituição das importações como motor do crescimento nacional.
1.7.1. O Desenvolvimento do II PND
Para executar os objetivos do II PND, foi criado o “Conselho de
Desenvolvimento Econômico (CDE)” que foi responsável pelo gerenciamento
do Plano.
Segundo Vasconcellos (2002):
(...) lógica do modelo estava em que, conforme as empresas estatais
avançassem, seus projetos de investimento no setor de insumos
gerariam demanda derivada que estimularia o setor privado a investir
no setor de Bens de Capital.
Assim, criava-se, portanto o que Kon (1999) chama de tripé para a
execução do PND: setor público, setor privado nacional e capital externo.
1.7.1.1. Setor Público
Caberia ao Setor Público a liderar a execução do Plano. Atuaria nas
áreas onde o Setor Privado não poderia atuar, com destaque para os projetos
de infraestrutura e para as empresas estatais que atuariam na produção de
19
KON, A, 1999:73.
41
Bens Intermediários, que exigem grandes aportes de recursos financeiros.
De acordo com Kon (1999), o investimento do setor público
isoladamente correspondeu a 12% ou 13% do PIB entre 1974-1978, sendo
responsável por mais da metade de todos os investimentos do II PND.
1.7.1.2. Setor Privado
As empresas privadas atuariam no atendimento à “demanda derivada”
gerada pelos investimentos do Setor Público. Para isso, foram criadas linhas de
financiamentos subsidiados, como o FINAME (Financiamento de Máquinas e
Equipamentos do BNDE), ancorados nos fundos parafiscais PIS/PASEP.
O Governo ainda concedeu aos investidores privados crédito do IPI
sobre compra de equipamentos, possibilidade de depreciação acelerada,
isenção de imposto de importação, formas de reserva de mercado para novos
empreendimentos e uma garantia de política de preços.
1.7.1.3. Capital Externo
Existia no período uma grande soma de recursos disponíveis para
captação, o que Vasconcellos (2002) denomina de processo de reciclagem dos
petrodólares. De acordo com o autor, os países pertencentes à OPEP estavam
com um grande superávit em suas contas externas, e como os países centrais
estavam em recessão, estes dólares se encaminhavam aos países em
desenvolvimento, com grande margem de lucratividade.
1.7.2. O II PND: Balanço Final
Segundo Kon (1999), não se pode desconsiderar os avanços que o II
PND trouxe para a economia brasileira, principalmente no que se refere à
substituição de importações e ao aumento das exportações.
A indústria cresceu na média 35% no período, destacando-se os setores
metalúrgico (cresceu 45%), de material elétrico (49%), papel e papelão (50%) e
químico (48%). Mesmo setores que cresceram abaixo da média atingiram
valores expressivos, como o setor têxtil (cresceu 26%), o de alimentos (18%) e
42
o de material de transporte (28%). Como observa Vasconcellos (2002),
“Observa-se, um redirecionamento na atividade industrial, agora para o setor
de insumos e de máquinas e equipamentos”20
Entre os setores que tiveram maiores êxitos no Plano, destacam-se os
setores de fertilizantes, cimento e papel e a produção de soda cáustica, cloro,
etano, amônia e celulose.
O grande problema do II PND, segundo Kon (1999), é que se verificou
no período um aumento vertiginoso da dívida externa, sendo suas
consequências também visíveis nas contas fiscais.
O grande problema que se colocou para a economia brasileira
durante os anos posteriores foi que a responsabilidade final pelo
enorme volume de transferências de recursos ao exterior cabia ao
setor público, estabelecendo-se um imbricamento perverso entre a
dívida externa e interna (KON, 1999:97).
O Estado assumiu para si o ônus da execução do II PND, sendo que um
dos fatores que mais deixaram consequências para os anos posteriores foi a
estatização da dívida. Uma resolução do Banco Central previa que os
tomadores de empréstimos em moeda estrangeira poderiam saldar suas
dívidas antes dos vencimentos das mesmas, fazendo com que o Estado
ficasse responsável pelo risco cambial daí por diante. Assim, o setor privado,
que era responsável por 80% da dívida externa total em 1974, passou a deter
menos da metade dela cinco anos depois. Os problemas associados ao
aumento da dívida externa durante o II PND se refletiriam durante muito tempo
na economia brasileira;
o Estado perderia sua capacidade de intervenção,
especialmente a de fazer investimentos, principalmente após os anos 1980.
Contudo, apesar do seu gigantismo, o II PND merece destaque, pois
como afirma Matos (2002), o II PND “(...) foi importante para estimular de forma
definitiva a implantação da indústria de bens de capital no Brasil.” 21 E assim
como completa Giambiagi (2000), o II PND foi a mais bem sucedida
intervenção do Estado brasileiro na condução do desenvolvimento econômico
PARTE II
A partir da década de 1980 foi se configurando a visão de que seria
20
21
VASCONCELLOS, 2002:403
MATOS, 2002:53.
43
necessário ter um novo tipo de Estado, mais enxuto e mais voltado à
coordenação e regulação das políticas e do desenvolvimento, em detrimento a
um tipo de Estado mais “interventor” no processo de desenvolvimento
econômico, observado de 1930 até então.
Segundo Bielschowsky (2011), durante a década de 1980 o Estado se
fragilizou devido à gigantesca crise financeira no período. De acordo com o
autor:
Os anos 1980 foram caracterizados pelo baixo crescimento da
economia, pelo enfraquecimento do Estado e, ao mesmo tempo, pelo
início da entrada do pensamento neoliberal no Brasil. O pensamento
desenvolvimentista foi inibido pela instabilidade macroeconômica. No
período
de
hiperinflação,
as
estratégias
nacionais
de
desenvolvimento não tinham difusão, já que o alvo principal passou a
ser o controle da inflação (Bielschowsky, 2011:20)
Giambiagi (2000) analisa que em nenhum momento o Estado brasileiro
tinha o interesse de ocupar o espaço do setor privado, mas sim de consolidar o
sistema capitalista no país. De acordo com o mesmo autor, a intervenção
estatal na economia brasileira era inevitável, tendo em vista:

A existência de um setor privado relativamente pequeno.

Os desafios colocados pela necessidade de enfrentar as crises
econômicas internacionais

O
desejo
de
controlar
a
participação
do
capital
estrangeiro,
principalmente nos setores de utilidade pública e recursos naturais.

O objetivo de promover a industrialização rápida de um país atrasado.
Conforme afirma Giambiagi (2000), o
(...) Estado Desenvolvimentista no Brasil não apenas assumiu o papel
de planejador do processo de industrialização, como também investiu
diretamente em setores estratégicos para o desenvolvimento
brasileiro, com destaque para a infraestrutura, principalmente,
estradas, energia e telecomunicações (Giambiagi, 2000:86) .
O surgimento de empresas estatais no Brasil aconteceu devido a
incapacidade ou desinteresse do setor privado em investir em setores
estratégicos que exigiam grandes aportes financeiros.
A atuação do Estado como “condutor” do processo de desenvolvimento
industrial no país e sua forte ação permitiram que os planos econômicos
implementados até o final dos anos de 1970 eliminassem em grande parte os
44
pontos de estrangulamento garantindo a conclusão do “processo de
substituição de importações”.
Contudo, com o começo dos anos de 1980 o Estado começou a perder
fôlego. Problemas de financiamento do Setor Público, somados ainda a
sucessivos choques externos e uma falta de uma hegemonia política interna
que cada vez mais contestava a ditatura implantada, fez com que o papel de
agente fomentador do desenvolvimento econômico se enfraquecesse.
Segundo Carneiro (2005), a política e ações macroeconômicas a partir
do final da década de 1970 foram cada vez mais direcionadas pelo combate à
inflação e pela procura do controle da dívida pública, lograda através da política
monetária, cambial e fiscal restritiva; as políticas de desenvolvimento
implantadas resumiram-se a reformas relativas à regulação da relação EstadoMercado, com significativa perda de participação do Estado na economia.
Como observa Pochmann (2009):”(...) na ausência de um projeto de
desenvolvimento social, o ciclo da financeirização da riqueza saiu fortalecido,
tendo como principal sustentáculo do seu financiamento e legitimação política
do próprio Estado”22.
Nos anos 1980, o Brasil vivia um momento de transição, pois estava em
curso o processo da Abertura Política que deveria ser “lenta, gradual e segura”
segundo seu idealizador, o presidente Gel. Ernesto Geisel. Afonso(1989)
afirma que nesse período resultou evidente a dificuldade de se estabelecer
uma aliança social e política capaz de responder a crise, redirecionando o
desenvolvimento do país.
Segundo Matos (2002), a partir dos anos 1980 foi dificultada a realização
de uma aliança política que pudesse elaborar planos de desenvolvimento
devido às divergências sobre a transição institucional. Com efeito, em todo
processo de planejamento econômico são realizados “ajustes” e são eleitas
“prioridades”, e segundo Matos (2002), as condições políticas e sociais dos
anos de 1980 não permitiam tais processos.
Entre os fatores que geraram esta “incapacidade”, encontra-se o
rompimento do padrão de financiamento do Setor Público que se verificou nos
anos de 1970. Entre os principais fatores responsáveis por esta ruptura
22
Pochmann, 2009:58
45
destacam-se os amplos incentivos e subsídios ao setor privado que o Governo
concedeu (principalmente devido à marcha forçada23 induzida pelo II PND),
bem como uma política de preços e tarifas públicas que, adotada com o intuito
de frear a subida generalizada de preços, ocasionava significativos prejuízos às
empresas estatais.
Carneiro (2005) observa que a partir do final dos anos 1970 e início dos
anos 1980, profundas transformações estruturais ocorreram na economia
internacional, observando-se uma crescente liberalização financeira e cambial
que ocasionou uma mudança significativa nos padrões de concorrência
intercapitalista; isso provocou um aumento nos fluxos de comércio internacional
e no Investimento Direto Estrangeiro – IDE.
O
autor
salienta
também
um
aumento
significativo
das
desregulamentações dos fluxos financeiros, comerciais e produtivos, que na
periferia (como no caso do Brasil) traduziu na abertura comercial e financeira,
acompanhada com uma ampla desregulamentação do IDE.
Ocorreu no período um significativo aumento nos juros internacionais
devido a uma nova postura assumida pelas autoridades dos EUA. Eles
perceberam que desde o fim do acordo de Bretton Woods, sua moeda (o
dólar), vinha perdendo fortemente seu valor real em relação com outras
moedas estrangeiras, devido à adoção do câmbio flutuante.
Para tentar reverter esta tendência, em 1979 o FED24 adotou uma
política monetária restritiva com intuito de frear a tendência de perda real do
dólar. O FED restringiu o crédito e dificultou o financiamento do Tesouro
Americano, forçando o ajustamento da economia.
Em 1980 assumiu a presidência dos EUA Ronald Reagan, que
apresentou uma nova política econômica ao país, baseada na teoria da “supply
side economics”, que recomendava uma forte redução do tamanho e atuação
do Estado.
Esta teoria recomendava uma grande reforma nas políticas sociais e
trabalhistas, pois os encargos decorrentes delas, segundo os formuladores
desta visão, fazem com que aumente a carga fiscal sobre as empresas. Por
sua vez, estas, supostas vítimas de um Estado sanguessuga, ficariam
23
24
Ver CASTRO, A. B. de e SOUZA, F. (1985)
FED: Banco Central Americano.
46
impossibilitadas de realizarem novos investimentos; e, sem investimentos, a
economia não cresce e o país corre o risco de ficar estagnado ou em recessão.
Esta política previa ainda uma grande reforma nos encargos sociais e
trabalhistas, pois estes encargos, segundo os formuladores desta política,
fazem com que aumente o custo sobre as empresas, e estas, “vítimas” de um
Estado “sanguessuga”, ficam engessadas de realizarem novos investimentos e,
sem investimentos, a economia não cresce e o país corre o risco de ficar
estagnado ou em recessão.
Tal política restritiva fez com que a situação fiscal estadunidense
piorasse ainda mais, fazendo com que suas autoridades recorressem ao
mercado de crédito internacional para financiar seu déficit fiscal, aumentando
violentamente a taxa de juros básica americana.
Com tal elevação, os EUA se tornaram o grande absorvedor da liquidez
mundial, prejudicando em muito a capacidade dos países em desenvolvimento
para captarem recursos para o financiamento de seus déficits.
Como os EUA possuem a moeda internacional e são a maior economia
do planeta, seu mercado de títulos públicos é considerado o de menor risco e
mais atrativo. Como este mercado aumentou consideravelmente sua
remuneração (aumentando os juros dos títulos), os países em desenvolvimento
precisavam oferecer uma remuneração maior que a americana para captarem
recursos, aumentando consideravelmente os juros de seus títulos acima dos
juros americanos, o que fez com que suas dívidas externas aumentassem
vertiginosamente.
Em 1982 aconteceu uma série de problemas nos mercados financeiros
internacionais que provocaram o rompimento quase completo do fluxo de
recursos externos voluntários aos países em desenvolvimento, levando
inclusive à insolvência polonesa e argentina e a moratória mexicana.
Este novo cenário econômico mundial fez com que se invertesse a
tendência dos anos 1970 onde o endividamento externo era visto como
maneira de se superar os constrangimentos externos e os países em
desenvolvimento começam uma tendência forte de superávits comerciais para
poder fazer frente aos serviços da dívida externa.
47
1.8. Brasil e a Década de 1980
O Brasil, que também vinha recorrendo ao sistema financeiro
internacional para a rolagem da sua dívida, principalmente através de suas
estatais, se viu obrigado a realizar mudanças para poder se adequar ao novo
contexto internacional.
Foi necessário
gerar saldos favoráveis no balanço comercial, sob
orientação e tutela do FMI. A nova política baseava-se, segundo Vasconcellos
(2002):

Na contenção da demanda agregada por meio de redução do déficit
público, com contenção dos gastos, principalmente investimentos; houve
aumento na taxa de juros interna e restrição do crédito, redução do
salário real mediante critérios de subindexação dos salários contidos na
política salarial, e do desemprego gerado pelo quadro recessivo;

Em tornar a estrutura de preços relativos favorável ao setor externo.
Nesse sentido, houve uma forte desvalorização real do cruzeiro, levando
à elevação da relação câmbio/salário, e á elevação do preço dos
derivados de petróleo; isso tudo significou um estímulo à competitividade
da indústria brasileira, por meio da contenção de alguns preços públicos
e de subsídios e incentivos a exportação.
O resultado desta política de ajustamento fez com que a década de 1980
fosse marcada por uma profunda recessão em 1981 e 1983 e um baixo
crescimento em 1982, somando-se ainda ao problema da inflação devido a um
choque de oferta interna.
48
TABELA 7- PRODUTO – TAXAS DE CRESCIMENTO (%): 1968-1973
ANO
PIB
INDÚSTRIA
AGRICULTURA
SERVIÇOS
IGP-DI (%)
1980
100,00
100,00
100,00
100,00
110,2
1981
95,75
91,17
107,98
97,51
95,2
1982
96,63
91,30
107,75
99,57
99,7
1983
93,81
85,91
107,27
99,06
211,0
1984
98,90
91,38
110,07
104,37
223,8
1985
106,75
99,08
120,59
11,66
235,1
1986
114,81
110,73
110,92
120,73
65,0
1987
118,99
111,90
127,53
124,78
415,0
1988
118,92
109,00
128,60
127,67
1.037,6
1989
122,73
112,15
132,27
132,30
1.782,9
1990
117,51
103,20
127,35
131,35
1.476,6
1991
118,93
103,20
130,05
134,06
480,2
1992
117,86
99,38
136,94
133,92
1.158,0
1993
123,75
108,33
134,34
138,61
2.708,6
FONTE: Vasconcellos, 2002: 411
Como demonstra a tabela 8, a década de 1980 ficou marcada como
sendo a da “década perdida” pelo seu fraco desempenho econômico. Observe
os índices comparativos: colocando como fator 100 o ano de 1980, percebe-se
que o produto gerado pela economia brasileira entre 1981 e 1984 foi menor
que o de 1980. Foi registrado, porém, um significativo crescimento entre 1984 e
1987, ficando o PIB praticamente estagnado a partir dai até 1992 inclusive.
No que se refere aos setores da economia, destaca-se a péssima
desempenho da indústria, que novamente colocando 1980 como fator 100,
permanece a década de 1980 estagnada com níveis de produção inferiores ao
ano de 1980, com uma ligeira recuperação a partir de 1986.
Entre as possíveis explicações para esta elevação generalizada dos
preços, destaca-se o aumento da taxa de juros interna na tentativa de conter a
demanda agregada, comportamento este que provocou uma queda da
arrecadação, aumentando consideravelmente a dívida interna e prejudicando
ainda mais uma ação consolidada do Estado.
O
resultado
todo
desta
crise,
somando-se
a
retração
das
estrangulamento externo, inflação fora do controle e falta de uma hegemonia
que indicasse um “caminho” a ser seguido, fez com que muitos passassem a
49
defender um padrão diferente para a intervenção do Estado brasileiro na
economia.
1.9 - Primazia do Mercado: um Estado mais “enxuto”, tendência a
privatização e a busca pela estabilização.
O mundo já colocava em xeque a atuação do Estado keynesianodesenvolvimentista que prevaleceu até a década de 1970. A crescente
deterioração das contas públicas colocava para as autoridades dos países a
necessidade de uma nova forma de atuação deste Estado visto como gigante,
que não conseguia mais atender as crescentes pressões da sociedade em
suas demandas sociais.
A Inglaterra de Margareth Thatcher inaugurou a tendência dos países
capitalistas em promover a privatização de suas empresas e de assumir esse
papel modernizador da intervenção estatal. Os países capitalistas passaram
neste período pelo renascimento das políticas liberais, quando o Estado passa
a ter seu papel mais de regulador que de condutor do desenvolvimento
econômico.
Como observa Carneiro (2005):
(...) a política macroeconômica foi sendo progressivamente
direcionada para a obtenção de estabilidade, tanto da inflação quanto
da dívida externa (...) sob égide da ideologia liberal (...) renunciou-se
ao caráter anticíclico dessas políticas na era keynesiana (Carneiro,
2005: 1).
Carneiro (2005) divide estas mudanças estruturais em dois momentos: o
primeiro, conhecido como desmonte do nacional-desenvolvimentismo, entre os
anos de 1990 e 1998, acabando com o caráter regulatório e intervencionista do
Estado, e no segundo momento em reformas microeconômicas para criar um
contexto mais favorável ao funcionamento do livre mercado.
O rompimento do padrão de financiamento demandava uma ação rápida do
Estado na tentativa de reverter o grande déficit público. Uma medida crucial
utilizada pelo Estado para conseguir maiores recursos foi a privatização. No
Brasil a privatização foi realizada em três fases:

Privatização durante os anos de 1980: neste período não foi
privatizada nenhuma empresa estatal de grande porte; só aconteceu no
50
período a reprivatizarão das empresas que haviam passado para o
controle do Estado via BNDES devido ao não pagamento dos
empréstimos e / ou dívidas.

Privatização dos anos 1990 a 1995: diferentemente da primeira fase,
neste
momento
começaram
a
ser
privatizadas
empresas
tradicionalmente estatais. Foi lançado também o Plano Nacional de
Desestatização (PND) pelo presidente Collor que indicava a nova
estratégia geral do Governo. Giambiagi (2000), contemplava as
chamadas
reformas
de
mercado
(abertura
comercial,
desregulamentação da economia, redução do tamanho do Estado). Na
segunda fase privilegiou-se a privatização não de empresas isoladas,
mas sim se setores, como siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes.
Entre os exemplos de empresas tradicionalmente estatais e de grande
aporte financeiro que foi privatizada no período, destaca-se a Usiminas,
cuja venda representou duas vezes o total arrecadado na venda de 40
empresas durante a década de 1980.

A partir de 1995: marcada pela Lei de Concessões, que concedeu o
direito de terceiros de explorar serviços públicos, foi diferente das
demais fases de privatização pela magnitude de receitas envolvidas,
principalmente pela venda de empresas na área de telecomunicações e
energia elétrica. Foi o momento das “mega privatizações” e como afirma
Giambiagi (2000) a venda das “jóias da coroa” do Tesouro Nacional.
O processo de privatização, principalmente após os anos de 1990, com
o lançamento do PND, reconfigura um novo tipo de atuação do Estado na
economia. Segundo Giambiagi (2000):
(...) a ideia era que o Estado deveria retirar-se de setores nos quais o
setor privado estivesse apto a operar. A ação direta do Estado
deveria concentrar-se nas atividades tipicamente púbicas, como
educação, saúde, justiça, segurança e regulamentação (Giambiagi,
2000:190).
As mudanças deveriam ocorrer também no aspecto institucional do
Estado, ou seja, na maneira de como o Estado deveria se organizar neste novo
papel.
Segundo Paula (2007), a necessidade de se realizar uma nova reforma
51
administrativa se dava por causas de três importantes crises que abalaram
profundamente a legitimidade e governabilidade do Estado: crise fiscal, crise no
modo de intervenção e crise de sua forma burocrática de administração.
Surgiu neste contexto um novo modelo de gestão do Estado em
ascensão, a escola da Administração Pública Gerencial. Em suma, ela previa
uma gestão voltada para os resultados, isto é, uma gestão cujo principal
objetivo seria proporcionar ao cidadão/usuário os melhores serviços e políticas
públicas voltadas as suas necessidades, geridas por características até então
observadas unicamente na iniciativa privada.
Portanto, o enfoque seria o gerencial, e a ideia geral desta nova
concepção de Estado seria o da descentralização das ações públicas e da
delegação de deveres, fazendo que o Estado seja responsável pela
coordenação e regulação dos serviços e produtos públicos.
Assim, esse “novo desenho” do Estado previa uma série de novas e
importantes concepções de como esse Estado deveria funcionar; os setores
em que o Estado deveria atuar diretamente.
O projeto de Reforma Administrativa defendia que o Estado deveria
atuar diretamente no setor estratégico, ou seja, no núcleo no qual são definidas
as leis e as políticas públicas, bem como no cumprimento das mesmas.
Integram este setor as forças armadas; as polícias; as agências arrecadadoras
de impostos; as agências reguladoras; as agências de financiamento, fomento
e controle de serviços sociais e da seguridade social.
A Reforma Administrativa previa a necessidade de delegar a execução
de atividades não exclusivas do Estado, tais como educação, saúde, cultura,
dentre outras, que poderiam ser oferecidas pelo setor público não-estatal e
também pela iniciativa privada, e pela sociedade civil organizada. Entretanto,
cabia ao Estado financiar e fomentar tais serviços não-exclusivos de sua área
de atuação.
É esse consenso sobre o interesse público que permite a emergência,
neste último quartel do século XX, de um novo direito de cidadania, os “direitos
republicanos”: o direito que cada cidadão tem de que o patrimônio público seja
de fato utiliza-lo de forma pública. Carneiro (2005) resume bem as
consequências deste “novo” modelo de Estado:
Não é demais reafirmar que o projeto teria uma dimensão essencial:
52
a integração comandada pelo mercado e o redesenho do papel do
Estado dando-lhe como prioridade a promoção da estabilidade e a
facilitação do funcionamento dos mercados. Estavam pois excluídas
as políticas de natureza discricionária tais como a regulação dos
fluxos de capitais, direcionamento do IDE, escolha de setores
industriais prioritários ou seja, aquelas políticas de natureza seletiva,
relativa a setores, grupos ou processos (Carneiro, 2005:3).
Cano (2007) destaca as seguintes políticas e reformas que permitiram o
funcionamento deste novo modelo de Estado:

Ampla liberdade para o capital financeiro se apropriar de elevados ganhos
setoriais e regionais de toda a ordem;

Reformas dos sistemas financeiros nacionais para permitir a liberalização e
a alta velocidade do movimento de capitais exigidos na esfera global;

Abertura comercial e de serviços; isto veio acompanhado pela valorização
cambial, que ocasionou um aumento vertiginoso das importações e dos
gastos internacionais o que contribuiu ainda mais para enfraquecer o capital
nacional;

Flexibilização das relações capital-trabalho;

Reformas previdenciárias, para permitir um novo mercado para o capital
privado através dos serviços de previdência privada, para abrir fundos para
garantir o pagamento dos juros da dívida pública, além da diminuição dos
gastos do governo;

Reforma do Estado Nacional, para desmantelar suas estruturas, com a
diminuição e extinção de órgãos e instituições, privatização de empresas
públicas e etc.
1.10 - O Governo Fernando Henrique Cardoso - FHC
Foi durante os dois mandatos do governo FHC, que as reformas de
tendência de cunho mais liberais foram implementadas no país. Giambiagi
(2005) elenca, em ordem de importância, as reformas e medidas implantadas
no período do FHC. Entre elas:
I.
Privatizações;
II.
Fim dos monopólios estatais nos setores de petróleo e
telecomunicações;
III.
Mudança no tratamento do capital estrangeiro;
53
IV.
Saneamento do sistema financeiro;
V.
Reforma parcial da Previdência Social;
VI.
Renegociação das dívidas dos estados da Federação;
VII.
Aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal;
VIII.
Ajuste Fiscal a partir de 1999;
IX.
Criação de uma série de agências reguladoras de serviços de
utilidade pública;
X.
Estabelecimento do sistema de metas de inflação como modelo
de política monetária;
Uma reforma que não foi implementada em sua gestão, mas foi de suma
importância para o período, foi o Plano Real, iniciado no Governo Itamar
Franco (1993-1994).
Com objetivo de frear o problema de inflação, os formuladores do plano
diagnosticaram o problema da inflação brasileira como sendo em grande parte
inercial, e propuseram a substituição da moeda existente por uma nova, o real.
Esperavam os formuladores do plano que essa substituição fosse algo tão
tranquilo que parecesse quase natural.
Vasconcellos (2002) afirma que o Plano Real dividiu o ataque ao
processo inflacionário em três fases:
I.
Ajuste Fiscal;
II.
Indexação completa da economia com a introdução da Unidade
Real de Valor (URV);
III.
Reforma monetária através da transformação da URV em reais;
Os efeitos das medidas acima apontados foram num primeiro momento
positivas, obtendo uma espetacular queda da inflação num período muito curto;
mais difícil foi perceber que o plano embutia também um custo muito alto: o
aumento vertiginoso da dívida pública interna e externa e forte consequência
na estrutura produtiva nacional.
A abertura comercial, o câmbio valorizado e a enxurrada de
importações destruíram importantes elos de várias cadeias produtivas,
potenciando ainda mais a destruição de empregos.
54
TABELA 8 - BALANÇO DE PAGAMENTOS BRASIL - ITENS SELECIONADOS
ITENS
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Balança
Comercial
10.466
(3.466)
(5.599)
(6.753)
(6.575)
(1.199)
(698)
2.650
13.121
Exportações
43.545
46.506
47.747
52.994
51.140
48.011
55.086
58.223
60.362
Importações
33.079
49.972
53.346
59.747
57.714
49.210
55.783
55.572
47.240
Balança de
Serviços e
Rendas
(14.692)
(18.541)
(20.350)
(25.522)
(28.299)
(25.825)
(25.048)
(27.503)
(23.148)
Serviços
(5.657)
(7.483)
(8.681)
(10.646)
(10.111)
(6.977)
(7.162)
(7.759)
(4.957)
Rendas
(9.035)
(11.058)
(11.668)
(14.876)
(18.189)
(18.848)
(17.886)
(19.743)
(18.191)
(1.811)
(18.384)
(23.502)
(30.452)
(33.416)
(25.335)
(24.225)
(23.215)
(7.637)
8.692
29.095
33.968
25.800
29.702
17.319
19.326
27.052
8.004
1.460
3.309
11.261
17.877
26.002
26.888
30.498
24.715
14.108
50.642
9.217
21.619
12.616
18.125
3.802
6.955
77
(5.119)
(27)
18
(38)
(253)
(460)
(88)
(197)
(471)
(356)
43.557
16.200
673
(4.833)
(14.285)
(13.620)
(18.202)
2.767
(1.062)
7.215
12.919
8.666
(7.907)
(7.970)
(7.822)
(2.262)
3.307
302
38.806
51.840
60.110
52.173
44.556
36.342
33.011
35.866
37.823
Saldo de
Transações
Correntes
Conta Capital
e Financeira
Investimentos
Diretos
Investimentos
em Carteira
Derivativos
Outros
Investimentos
Resultado da
BP
Reservas
Internacionais
Fonte: Vasconcellos (2002):458
Segundo Cano (2008), no período entre 1989 a 2004, o PIB se expandiu
na média de 2,4% ao ano, e a relação de investimento / PIB que no final da
década de 1970 era de aproximadamente 25%, caiu para 18%. Ao mesmo
tempo, as importações dispararam, aumentando 203% entre 1989 a 2001,
enquanto as exportações só expandiram 69% no mesmo período.
Entre as mudanças estruturais na economia nacional, houve um
aumento na participação da agricultura e da extração mineral no total produzido
pelo país e forte queda na participação da indústria de transformação na
economia.
A necessidade de poder conter a enxurrada de dólares para fora do país
fez com que o governo aumentasse a taxa de juros básica para atrair capital
estrangeiro, o que fez com que os juros pagos pelo Estado passassem a
equivaler cerca de 8 a 9% do PIB, segundo Cano (2007).
De acordo com o mesmo autor, o aumento da dívida pública (tanto
interna quanto externa), somada â necessidade de crescentes superávits
primários para pagar os serviços da dívida, imobilizaram a capacidade do
Estado em atender a população com serviços públicos, provocando a
precarização em serviços como educação e saúde, por exemplo
55
Entretanto, Giambiagi (2005) avalia que no final da gestão de FHC, seu
governo deixou como saldo positivo:
I.
Um tripé de políticas – metas de inflação, cambio flutuante e
austeridade fiscal;
II.
Um
elenco
bastante
robusto
de
mudanças
estruturais
importantes, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma reforma
parcial na Previdência Social, ajuste fiscal nos estados, o fim dos
monopólios estatais nos setores de petróleo e telecomunicações,
reinserção do Brasil no mundo através de obtenção de fluxos de
investimento direto estrangeiro, certa autonomia por parte do
Banco Central;
Segundo Giambiagi (2005), as reformas (consideradas pelo autor como
essenciais e de suma importância) não foram avaliadas corretamente pelo
aumento constante no endividamento público em relação ao PIB, e pelo grande
déficit em transações correntes. Isso tudo acarretou que a análise cética por
parte dos investidores colocasse em xeque a capacidade de pagamento do
Estado brasileiro; foi importante também um contexto externo negativo,
destacando-se a grande crise na Argentina e os ataques terroristas em Nova
York.
Contudo, entendemos que essa análise não destaca que a abertura
comercial e a entrada de investimento estrangeiro direto não se traduziram em
crescimento econômico através da formação de capital fixo, como era
esperado; ao contrário, sua consequência foi a transferência de propriedade de
ativos que estavam em mãos do poder público e privado nacional para o setor
privado internacional.
Assim o Estado, que antes destas medidas liberalizantes tinha
condições de exercer um papel mais ativo na economia, com um projeto a ser
desenvolvido e seguido, passou apenas a ser um espectador do processo de
desenvolvimento.
Cabe mencionar que, apesar de outras mudanças na política econômica
nos governos seguintes, estas medidas deixariam marcas duradouras. Como
afirma Pochmann (2009), o país “(...) demonstrou nas últimas duas décadas
56
enorme incapacidade de combater o câncer da financeirização da riqueza que
asfixia a produção e o trabalho desde a década de 1990”.
Esta dificuldade prejudica a capacidade do país em ingressar na nova
onda do desenvolvimento, que permite aos países em desenvolvimento
(categoria esta que o Brasil faz parte) atingir crescimentos em torno dos 5-7%,
comenta Pochmann (2009).
O mesmo autor ainda afirma que o ajuste fiscal realizado entre 1994 a
2002, promoveu o “desajuste social”. Entre as consequências, Pochmann
(2009) observa que o salário mínimo perdeu 50,9% de seu valor de compra no
período, enquanto que o volume de desempregados cresceu 5 vezes no
mesmo período.
Os impactos negativos ocorridos no período também são mencionados
por Cano (2005), que comenta que entre 1991 e 2000, segundo o DIEESE, a
taxa de desemprego aberto na Região Metropolitana de São Paulo, saltou de
7,9% para 11,0% e a do desemprego oculto, de 3,8% para 6,6%, pulando
portanto os totais de 11,7% para 17,6%.
O autor também comenta a queda no rendimento médio anual do total
dos trabalhadores assalariados do setor privado, a qual caiu 26,2% nesse
período, enquanto que ados trabalhadores com carteira assinada caiu 25,3%.
(...) a política neoliberal, iniciada por Collor em 1990 e aprofundada
por Fernando Henrique Cardoso e mais tarde por Lula, conseguiu
ainda mais diminuir a taxa anual de crescimento do PIB. A enxurrada
de importações, as privatizações e os juros elevados completam o
quadro para que o investimento privado se mantivesse baixo. A
profunda deterioração das finanças públicas e a elevada carga de
juros no orçamento deprimiram, por sua vez, o investimento público
(Cano, 2005:210).
Pochmann (2009) observa que a perda da dinâmica na economia
brasileira veio acompanhado de enormes prejuízos de cunho social, como
problemas estruturais na universalização das políticas de saúde, educação,
habitação, saneamento básico, cultura, transporte, trabalho, dentre outras.
O autor comenta, baseando-se no livro “Agenda não liberal da inclusão
social no Brasil”25 , que a dívida social26 no Brasil atingiu no ano de 2004 a
somatória de R$ 7,2 trilhões.
25
Ver POCHMANN, M. (Org.) ; BARBOSA, A. (Org.) ; SILVA, Ronnie (Org.) ; PEREIRA, M. A.
(Org.) ; PONTE, V. (Org.) . Atlas de Exclusão Social - Agenda não Liberal da Inclusão Social. 1. ed. São
Paulo: Cortez, 2005. v. 5. 168 p.
57
A piora nos índices sociais e o crescimento da pobreza também são
comentadas por Graziano (2001):
(...) [a pobreza] cresceu significativamente no período pós-real
(1995/99) a uma taxa pouco menor que a do crescimento
demográfico do período (população brasileira cresceu a uma taxa de
1,4% a.a. nesse período). Mas o mais surpreendente ainda, é que
esse crescimento se deu fundamentalmente nas regiões
metropolitanas, onde o número de pessoas pobres cresceu a uma
taxa de 5% ao ano no período considerado (Gráfico 4). (...) as causas
do crescimento da pobreza nas áreas metropolitanas após o Plano
Real à deterioração no mercado de trabalho e ao crescimento do
desemprego, uma vez que a maioria das áreas periféricas das
regiões metropolitanas são “cidades dormitórios” (Graziano, J:20121).
Vasconcellos (2002) observa que, apesar da recuperação do setor
externo, e apesar de o país não dispor mais da trava cambial do primeiro
mandato, não foi possível apresentar índices satisfatórios de crescimento no
final do segundo mandato do presidente Cardoso.
Apesar de ter uma política monetária comprometida com a
estabilidade dos preços, o mandato de Fernando Henrique Cardoso
se encerrou com a inflação em profunda aceleração. Mesmo
adotando o tripé que é considerado o mais adequado em termos de
política econômica – metas de inflação, superávit primário e taxa de
cambio flutuante. É nesse quadro de instabilidade econômica que se
fez a transição do Governo FHC para o Governo Lula (Vasconcellos,
2002: 489-90).
A estabilidade sonhada não trouxe os resultados esperados, tampouco
este novo modelo de Estado apresentou respostas eficientes para enfrentar os
profundos problemas estruturais do país, como a desigualdade social e o
desemprego.
Por dívida social Pochmann (2009) se refere o que considera como “atraso nacional relativo aos oito
principais complexos sociais”: educação, saúde, infraestrutura e habitação, cultura, informática, pobreza,
previdência social, emprego e reforma agrária.
26
58
CAPÍTULO II - O GOVERNO
DESENVOLVIMENTISMO?
LULA:
O
RETORNO
DO
A eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva representou um novo
paradigma para a história recente do país: não representou apenas a eleição
de um líder sindical proveniente das camadas populares, mas sim a ascensão
ao poder de um partido que durante anos evocou as necessidades de haver
reformas políticas, econômicas e sociais profundas para que o Brasil
alcançasse o desenvolvimento econômico com justiça social.
O presidente Lula foi eleito através de uma coalizão que concentrava,
além da oposição originariamente de esquerda, membros da elite industrial que
havia sofrido fortemente com a abertura e com a desregulamentação da
economia brasileira ao longo da década de 199027.
Cardoso (2011) destaca que o caso brasileiro não fugiu a regra do que
aconteceu em toda a América Latina:
A primeira década do século XXI deixou evidentes as fraquezas do
modelo de desenvolvimento liberal em proporcionar prosperidade
econômica e equalização social no Brasil e na América Latina. (...)
este modelo foi perdendo legitimidade, o que contribuiu, sobretudo a
partir de 2002, para vitórias eleitorais de muitos governantes latinoamericanos que adotaram, em maior ou menor grau, proposições de
políticas do tipo nacional-popular ou neodesenvolvimentistas, que
haviam sido menosprezadas ao longo de praticamente 30 anos
(Cardoso, 2011:487).
Esta observação também é realizada por Moyo e Yeros (2011) que
comentam que a tendência da financeirização da economia mundial a partir da
década de 1980, juntamente com as deliberações do Consenso de
Washington,
foram nocivas para economia dos países periféricos, fazendo
com que tais políticas neoliberais fossem amplamente contestadas, e que a
questão nacional, isto é, o papel das nações no seu processo de
desenvolvimento, fosse retomada.
The new Washington Consensus set as its main objective to create
the conditions for parasitic capitalism to penetrate the peripheries of
27
Cabe mencionar que a coalização que saiu vitoriosa em 2002 (PT, PL, PC do B, PMN e PCB) além de
abraçar partidos de orientação tidas de “esquerda”, tinha um outro grande destaque: o PL (Partido
Liberal), que indicou o então candidato a vice-presidência, o tradicional industrial de Minas Gerais, Jose
Alencar.
59
the system. And even though new industrial centres sprouted in Asia,
stagnation and regression took over much of the global South, while
financial crises swept across both to throw ‘developing’ and ‘emerging’
economies into disarray. (...)At the turn of the century, these
contradictions would mature: fundamentalism would strike
indiscriminately at the symbols of financial and military power within
the United States, and social movements would launch an
‘International’ of their own, the World Social Forum, and in some
cases go further to radicalise states. We are now on the cusp of
historical change. (...) The Washington Consensus has suffered
setbacks within the West, evident in the serial interventions in the
economy and nationalisations. Furthermore, despite the continued
imposition of neoliberal demand, important steps are being taken in
the South to reorganise the centre-periphery relationship (MOYO, S. e
YEROS,2011: 15).
Sendo assim, com esta nova tendência nacional, com esta retomada do
Estado Nacional no seu papel de condutor do seu desenvolvimento econômico
e
social,
surgiu
o
que
alguns
autores
concebem
como
Novo
Desenvolvimentismo ou neodesenvolvimentismo.
2.1 - O Novo Desenvolvimentismo
Carneiro (2013) observa que o novo desenvolvimentismo surge como
um contraponto as medidas neoliberais e esta corrente critica fortemente uma
política macroeconômica consubstanciada em altas taxas de juros e moeda
apreciada,
destacando
sua
incompatibilidade
com
o
crescimento
e
desenvolvimento econômico.
O Novo Desenvolvimentismo, segundo análise de Carneiro (2013),
critica o “velho” desenvolvimentismo no que se refere a sua ênfase excessiva
no seu intervencionismo estatal e na política industrial.
Considerando que a industrialização já estivesse num alto grau de
maturação, o mais importante para que a economia se desenvolvesse seria
garantir preços macroeconômicos adequados, com destaque para a taxa de
câmbio competitiva. “Em síntese, o desenvolvimento econômico seria
conseguido pelo manejo apropriado dos preços relativos – juros, câmbio e
salários – por parte do Estado. O mercado faria o resto”, concluiu Carneiro,
2013:18.
No que tange ao
intervencionismo
investimento em
forma, também
papel do Estado, postula-se que a postura de maior
por meio da mobilização da poupança e do
setores pesados estaria ultrapassada. Da mesma
estaria superada a política industrial ativa. O
60
essencial seria o caráter regulador do Estado e a gestão
macroeconômica com o correto estabelecimento dos preços
macroeconômicos – juros e câmbio (Carneiro, 2013:20).
De acordo com Bresser-Pereira (2012), este novo modelo de Estado se
baseia nas ideias keneysianas da primeira metade do século XX, contudo, se
diferencia no que se refere na capacidade deste Estado promover suas
economias para participar da concorrência do capitalismo global, baseado nas
boas experiências vivenciadas pelos países asiáticos.
Este novo modelo de Estado é democrático, deve ser social e inclusivo,
bem como apresenta importantes avanços no que o autor denomina como
macroeconomia do desenvolvimento.
O Estado novo-desenvolvimentista é uma forma de Estado adaptado
ao capitalismo global, a um estágio do capitalismo onde a competição
econômica entre as nações é fundamental. (...) O papel do Estado,
nesse caso, é criar oportunidades de investimento, investir ele
mesmo quando necessário e regular os mercados, os financeiros em
particular, para assegurar o crescimento com estabilidade de preços
e a estabilidade financeira (Bresser-Pereira, 2012:823).
Bresser-Pereira
é
um
dos
pioneiros
em
conceber
este
novo
desenvolvimentismo diferente daquele aplicado no século XX, contrapondo-o
tanto ao consenso de Washington quanto ao antigo desenvolvimentismo.
Em 2010 é lançado o um documento a respeito das “Dez Teses sobre o
Novo Desenvolvimentismo”,28 assinado por 80 dos principais economistas do
desenvolvimento no mundo.
O novo desenvolvimentismo, segundo Bresser-Pereira (2012) tornou-se,
uma estratégia alternativa ao consenso de Washington e ao antigo
desenvolvimentismo. Segue abaixo quadro comparativo que realiza uma breve
comparação entre o novo, velho desenvolvimentismo e ortodoxia liberal, tendo
como base Bresser-Pereira (2012).
Ver “Dez Teses sobre o Novo Desenvolvimentismo”. Acessado em 01/10/2013. Disponível em
<http://www.tenthesesonnewdevelopmentalism.org/theses_portuguese.asp>
28
61
TABELA 9 - QUADRO COMPARATIVO NOVO DESENVOLVIMENTISMO, ANTIGO
DESENVOLVIMENSTISMO E ORTODOXIA LIBERAL
ITENS
ANTIGO
NOVO
ORTODOXIA
DESENVOLVIMENTISMO
DESENVOLVIMENTISMO
NEOLIBERAL
O
desenvolvimentismo
Era aplicado aos países
ESCOPO
novo
aplica-se
que estavam começando
renda
sua revolução industrial.
a
média
países
de
que
já
completaram
sua
revolução capitalista
O
ESTADO NA
PRODUÇÃO
ao
Estado
papel
importante
um
um papel ativo do Estado
na
aos setores monopolistas
produção.
ou
pretende
ser
aplicável a todos
os
tipos
de
países..
novo
desenvolvimentismo limita
atribuía
A ortodoxia liberal
quase
monopolistas,
(infraestrutura, mineração
A ortodoxia liberal
não
lhe
atribui
papel algum nesta
questão.
e serviços públicos).
A ortodoxia liberal
limita o papel do
FUNÇÃO
ESTRATÉGIC
A DO
ESTADO
Atribuem um papel estratégico ao Estado na definição,
em conjunto com a sociedade, de uma estratégia
desenvolvimentista nacional e, em sua implementação.
Estado a garantir
os
direitos
de
propriedade e os
contratos e a de
defesa
da
concorrência.
O
novo
desenvolvimentis
PLANEJAME
NTO
O antigo desenvolvimentismo
atribuía um papel fundamental
ao planejamento econômico.
A ortodoxia liberal
rejeita-o
mo
divide
economia
a
em
setor competitivo
e
em
setor
monopolista
O antigo, o novo desenvolvimentismo e a ortodoxia liberal recomendam
déficits orçamentários limitados para os momentos de crise. Os três
RESPONSAB
ILIDADE
FISCAL.
defendem,
portanto,
a
responsabilidade
fiscal,
mas,
enquanto
os
desenvolvimentistas estão sempre ameaçados por uma visão vulgar do
keynesianismo que recomenda o aumento da despesa pública para quase
todas as dificuldades, a ortodoxia liberal está ameaçada por uma visão
também vulgar, a qual recomenda corte da despesa pública como uma
espécie de panaceia.
62
O
TAXA DE
O antigo desenvolvimentismo
JUROS E
dava pouca atenção à taxa de
TAXA DE
juros e à taxa de câmbio e
CÂMBIO.
enfatizava a política industrial
novo
A
ortodoxia
desenvolvimentismo
liberal
também
afirma que, nos países
não
em desenvolvimento, a
atenção a esses
taxa de juros tende a
preços
ser muito alta e a taxa
macroeconômicos
de câmbio, cíclica e
porque
cronicamente
determinados pelo
sobrevalorizada
mercado.
O
DOENÇA
HOLANDESA
.
presta
são
novo
O antigo desenvolvimentismo
desenvolvimentismo,
tinha uma intuição da doença
por sua vez, define com
holandesa
e
procurava
clareza
neutralizá-la
por
meio
holandesa,
de
.
a
doença
vendo-a
regimes de taxa de câmbio
como
uma
múltiplo, ou combinação de
sobreapreciação
tarifas de importação.
permanente da taxa de
A ortodoxia liberal
a ignora.
câmbio
Supõe
O antigo desenvolvimentismo
não acredita na possibilidade
WAGE-LED X
de
EXPORT-LED
desenvolvimento
(
países
bens
em
exportarem
manufaturados
-
defendia a substituição de
importações
estar
a
Ignora a
estratégia
de
discussão e
substituição
de
afirma que a lei
importações
esgotada
das vantagens
há muito para países de
comparativas do
renda média e que o
comércio
coeficiente
de
internacional
importações deve ser
determinará o
razoavelmente
constante.
modelo de
crescimento.
O mercado, se funciona
bem, tende a levar a
TAXA DE
CÂMBIO
COMPETITIV
A.
Não
prestava
atenção
à
necessidade de uma taxa de
câmbio
competitiva
estava
voltado
mercado interno.
porque
para
o
taxa de câmbio para o
Supõe que a taxa
equilíbrio corrente mas,
de câmbio
quando há doença
determinada pelo
holandesa, a verdadeira
mercado é
taxa de câmbio de
normalmente
equilíbrio, a taxa
competitiva.
competitiva, é a de
“equilíbrio industrial”
63
O
INFLAÇÃO
novo
desenvolvimentismo
Não vê razão para
concorda
os
com
visão
países
em
a teoria da inflação estrutural,
neoliberal, e se o país
desenvolvimento
baseada
já é um país de renda
apresentarem
oferta e aceitava uma inflação
média,
taxas de inflação
de até 20% ao ano.
caso, os gargalos de
acima
abastecimento
padrões
em
gargalos
de
pois,
deixaram
neste
já
de
ser
dos
internacionais.
relevantes.
Supõe que a indústria
Defendia tarifas alfandegárias
PROTEÇÃO
altas e taxas de câmbio
X TAXA DE
múltiplas a fim de proteger as
CÂMBIO.
indústrias que assumiam
serem “indústrias nascentes”.
de
transformação
de
países de renda média
não é mais infante e
Rejeita
não vê razão para a
tipo de proteção.
proteção,
mas
qualquer
exige
uma taxa de câmbio
competitiva.
O
RESTRIÇÃO
EXTERNA E
POUPANÇA
EXTERNA.
Acreditava na existência de
uma restrição estrutural
novo
apoia
tal
tese,
desenvolvimentismo
porque
afirma que o problema
interessa, por um
das elasticidades nunca
lado,
foi fundamental e perde
déficit em conta-
importância à medida
corrente
crônico,
que o país passa a
portanto
câmbio
exportar
cronicamente
produtos
que
haja
externa para o crescimento
manufaturados:
econômico – uma escassez
restrição ou escassez
por
permanente
crônica de dólares só
que os países em
existe porque a taxa de
desenvolvimento
câmbio
sejam financiados
tende
a
a
a
ser
cronicamente
sobreapreciado e,
por
outro
lado,
meio
sobreapreciada
nos
empréstimos
países
em
investimentos
desenvolvimento.
diretos.
de
e
64
O
novo
desenvolvimentismo
rejeita
TAXA DE
Aceitava o regime de taxa de
CÂMBIO
câmbio
FIXA OU
Bretton Woods e defendido
FLUTUANTE
fixa
definido
em
por Keynes.
a
rígida
A ortodoxia liberal
alternativa “fix or float”,
pede o free float
recomenda a compra e
que,
venda de reservas, os
supostamente,
controles de capital e,
acabaria com
para
possibilidade
neutralizar
a
doença holandesa, um
a
de
crises financeiras.
imposto variável sobre
as exportações.
O
novo
desenvolvimentismo
DESENVOLVI
MENTO
SOCIAL
O antigo desenvolvimentismo
geralmente
era geralmente parte de uma
implementado
estratégia de desenvolvimento
novas democracias e
de um regime autoritário que
pretende ser também
estava envolvido na revolução
um desenvolvimentismo
nacional e industrial do país.
“social”
Defendia
desenvolvimentismo
uma
melhor
é
em
–
distribuição de renda, mas não
que
tinha uma política de bem-
preocupado
estar social.
distribuição
um
também
está
com
a
A ortodoxia liberal
está
apenas
preocupada
com
o livre comércio
supondo
que
o
mercado
cuidará
do resto.
mais
igualitária de benefícios
na sociedade.
Para Mercadante (2010a), o Novo Desenvolvimentismo é alicerçado na
participação popular, na ampliação do mercado interno de consumo de massa
e na inclusão social.
Segundo Araújo (2006) foi no que se refere a noção de Estado que o
novo
desenvolvimentismo
se
diferencia
em
relação
ao
antigo
desenvolvimentismo. De acordo com autor, o papel importante das empresas
estatais (como Petrobrás, Infraero, Caixa Econômica, etc) foram chaves para o
sucesso das políticas públicas do governo novo desenvolvimentistas.
Para justificar sua tese, Araújo (2006) confirma a existência de duas
tendências distintas no que se refere ao papel das empresas estatais: num
primeiro momento (1995-2002) verificou-se uma significativa redução do
65
número de empresas estatais e, consequentemente, da quantidade de
empregados e do volume de dispêndio global.
Num segundo momento (2003-2010) foi marcada pelo crescimento do
número de empresas estatais, ampliando assim sua força de trabalho, bem
como seus gastos totais, o que teve papel fundamental para minorar os efeitos
da crise internacional recente no Brasil.
Além das estatais, destaque-se também a discussão a respeito da
atuação dos bancos públicos federais no sistema econômico,
sobretudo para manutenção do ciclo de crescimento (...) a função de
direcionamento de crédito para setores econômicos, tais como o
industrial, o rural e o imobiliário, bem como para as diversas regiões
do país. (...) Ao lado, por sua vez, das estatais e dos bancos
públicos, os fundos de pensão e públicos são considerados,
importantes instrumentos governamentais à disposição potencial do
Estado para fins de planejamento. No caso dos fundos públicos do
governo federal, ressalte-se a discussão a respeito dos instrumentos
que o Estado brasileiro dispõe para realizar determinadas políticas
públicas (Cardoso, 2011: 506)
Outra característica que merece importante destaque, comentada por
Mercadante (2010a), é a mudança na inserção externa do Brasil no contexto
mundial, o que o autor classifica como “soberana”.
Segundo o mesmo autor, a inserção externa do país concebida no
governo FHC (orientada pelos ditames liberais e na crença do livre mercado)
fez com que o Brasil perdesse importância relativa no comércio global, a
redução do protagonismo regional e internacional do país. (...) tal política
enfraquecia a capacidade do Estado Nacional de formular e implementar
diretrizes e ações destinadas à conformação de um novo ciclo de
desenvolvimento e de um maior protagonismo internacional do Brasil
(Mercadante, 2010b:32)
Mercadante (2010a) afirma que no governo Lula este ciclo foi rompido,
com o aumento substancial dos parceiros comerciais do Brasil no mundo,
permitindo que o país apresentasse sucessíveis superávits comerciais, além do
crescimento mundial e do aumento das commodities. Ele ainda não se resume
a questão comercial, mas ainda afirma um outro papel importante que o Brasil
apresentou no governo Lula, de ser um dos porta-vozes dos países
emergentes e de incentivar e fomentar a Relação SUL-SUL.
Já no que se refere a análise dos fundos públicos como instrumentos de
planejamento e execução do desenvolvimento não são triviais, como
66
demonstra Cardoso (2011). Para ele, os fundos permitem alocação de recursos
para o planejamento de longo prazo e execução de políticas públicas em prol
do investimento produtivo e, possivelmente, do desenvolvimento nacional.
(...) a necessidade de aprofundamento das análises e dos estudos a
respeito do papel que tais fundos desempenham no sistema
econômico e dos impactos das políticas públicas viabilizados por
eles. Tarefa esta que se mostra não trivial, haja vista os diferentes
setores econômicos e sociais que são – ou poderiam ser –
beneficiados por este tipo de política, tanto de forma direta quanto
indireta. Em especial, o montante e o perfil dos recursos financeiros
mobilizáveis pelos fundos públicos mostram-se instrumentos de
políticas públicas não desprezíveis, no âmbito estatal brasileiro, para
a montagem de arquiteturas de gestão e financiamento direto do
desenvolvimento, talvez mais atuantes e adequadas do que aquelas
atualmente vigentes, ainda mais quando se leva em conta as ainda
perversas condições de vida de grande parte da população brasileira
(Cardoso, 2011: 506)
Para Cardoso (2011) o Governo Lula utilizou recursos provenientes de
fundos públicos para a alocação de recursos e financiamento (principalmente
de longo prazo) de programas e ações de seu governo; ou seja, para o autor, o
governo Lula utilizou como ferramenta (ou melhor, financiamento) os recursos
provenientes dos fundos públicos para executar seus projetos e ações de
governo.
Contudo, há críticas em relação ao novo desenvolvimentismo. De acordo
com Gonçalves (2012), esta nova concepção de Estado defendida não passa
de uma falsa inflexão do processo de desenvolvimento econômico, e as
mudanças que o Brasil vivenciou durante o governo Lula são apenas “mote de
campanha” de seu governo; apenas se diferenciam do fraco desempenho da
economia nos anos do governo FHC, analisa Gonçalves (2012).
Gonçalves (2012) comenta ainda a criação de uma espécie de
“desenvolvimentismo às avessas”, destacando a ausência de transformações
estruturais que podem caracterizar um processo de transformação baseada no
desenvolvimentismo.
Durante
o
governo
Lula
os
eixos
estruturantes
do
nacional‑ desenvolvimentismo foram invertidos. O que se constata
claramente é desindustrialização, dessubstituição de importações;
reprimarização das exportações, maior dependência tecnológica,
maior desnacionalização, perda de competitividade internacional,
crescente vulnerabilidade externa estrutural em função do aumento
do passivo externo financeiro, maior concentração de capital; e
crescente dominação financeira, que expressa a subordinação da
política de desenvolvimento à política monetária focada no controle
da inflação (Gonçalves,2012:638).
67
O autor ainda concebe este novo modelo de Estado muito distinto do
original
nacional-desenvolvimentista
e
ainda
concebe
que
o
novo
desenvolvimentismo tem uma espécie de “liberalismo enraizado”; e que vai ao
encontro de muitas medidas defendidas pelo Consenso de Washington, além
de incorporar elementos que estão presentes numa concepção liberal de
desenvolvimento,
como
um
crescimento
liderado
pelas
exportações
(export‑ led growth) e ênfase na estabilidade macroeconômica.
A crítica dos novos desenvolvimentistas ao “tridente satânico”
(superávit primário, juros, altos e câmbio flutuante) não os impedem
de defender equilíbrio fiscal e taxa de câmbio competitiva, que são
diretrizes básicas do Consenso de Washington. O mesmo ocorre com
a liberalização comercial e produtiva (investimento estrangeiro direto).
O novo desenvolvimentismo aproxima‑ se também do Pós‑ Consenso
de Washington ao enfatizar reformas centradas na correção de falhas
de governo e de mercado (Gonçalves, 2012:664).
2.1- Governo Lula – Alguns Resultados e Considerações
Conforme demonstrado anteriormente neste trabalho, o Governo Lula
evocou para si o “Novo Desenvolvimentismo”, isto é, um “novo conceito de
Estado”, onde este é alicerçado no aumento do mercado de consumo de
massa, participação e inclusão social (Ver Mercadante, 2010b).
Contudo, de acordo com Cano (2012), Giambiagi (2011), Vasconcellos
(2008), Leite (2012), Schincariol (2012), dentre outros, o Governo Lula nos
seus dois mandatos pode ser dividido em dois momentos: primeiro, com o
Ministro Antônio Palocci no comando do Ministério da Fazenda, onde se
observou uma certa continuidade nas ações e nos programas ainda
implantados no governo anterior (tendência na continuidade de políticas
neoliberais); num segundo momento, com Guido Mantega a frente Ministério da
Fazenda, com medidas e ações com tendência a um Estado mais
“intervencionista” na economia, promovendo um menor superávit primário e
defendendo uma taxa básica de juros menor, por exemplo.
Apesar de o Governo Lula ter sido historicamente ligado às bandeiras do
Partido dos Trabalhadores, que, em suma, contestava há décadas questões
ligadas principalmente a maneira como o Estado deve se comportar em relação
68
ao pagamento de sua dívida externa, mercado de juros e etc, já no ano de
2002 o então candidato a presidente Lula fez questão de afirmar que não iria
fazer nenhuma mudança de rota que pusesse em risco a estabilidade
econômica do país.
De fato, a escolha de Henrique Meirelles, ex- presidente do Banco de
Boston e deputado federal eleito pelo PSDB, para a presidência do Banco
Central e a nomeação de Antônio Palocci, ex-prefeito de Ribeirão Preto, para o
Ministério da Fazenda, reforça a decisão de atuar com firmeza no combate à
inflação e o rigor no ajuste fiscal.
Para Giambiagi (2011), o Governo Lula “rompeu com a ruptura”29, e a
mudança do PT foi de caminho para “politicas de centro”. O autor relaciona três
importantes documentos lançados pelo PT que confirmam esta tese:
1. Carta ao Povo Brasileiro: lançada em junho de 2002, confirma o proposito
do futuro Governo Lula em preservar o superávit primário;
2. Plano de Governo: a campanha do candidato a presidência Lula,
apresentou um documento final muito mais moderado, defendendo alguns
pontos que viam ao encontro do mercado, tais como compromisso de
pagamento da dívida externa e superávit primário;
3. Nota sobre o Acordo com o FMI: lançado em agosto de 2002, este
documento confirmava a disposição do então candidato à presidência em
assumir e respeitar o acordo com o FMI realizado no final do governo
anterior;
Giambiagi (2011) ainda relaciona as seguintes ações que representaram
uma mudança clara em relação as bandeiras históricas defendidas pelo PT, e
que permitiram, segundo o autor, uma menor desconfiança por parte do
mercado internacional ao novo governo.

Nomeação do ex-presidente mundial do Bank Boston Henrique Meirelles
para o Banco Central e manutenção de toda diretoria o Banco Central
anterior;

Anuncio Metas de Inflação para 2003 e 2004, de 8,5% e 5,5%
respectivamente;
29
Giambiagi, 2011:197.
69

Aumento da meta do superávit primário, passando de 3,75% para 4,25% do
PIB em 2003;

Ordenou cortes do gasto público para viabilizar o objetivo fiscal;
De acordo com Leite (2012) o governo propôs importantes avanços na
área microeconômica nesta primeira fase do governo. Estas propostas
ganharam destaque, uma vez que, devido à luta contra a inflação, a política
econômica dos governos anteriores estava focada essencialmente em
questões macroeconômicas.
Segundo o autor, a agenda microeconômica, elaborada pela equipe
comandada pelo Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda,
Marcos Lisboa, previu diferentes medidas, dentre elas podemos destacar:

a instituição de operações de crédito consignado em folha de
pagamento;

a definição de patrimônio de afetação (somente o patrimônio da
empresa
responde
por
suas
dívidas,
impedindo
que
empreendimentos imobiliários, por exemplo, fossem bloqueados
em caso de falência da construtora ou incorporadora);

a facilitação do mecanismo de alienação fiduciária de imóveis e
veículos;

a separação do valor incontroverso, do valor reclamado na
justiça, o que permite que somente seja questionada a parte
controversa e liberada a parte incontroversa;

a instituição do sistema de informação de crédito do Banco
Central, que ajuda na simetria de informações sobre o histórico
dos tomadores de crédito;

o fim da cumulatividade do PIS/PASEP e do Cofins;

as alíquotas decrescentes de Imposto de Renda nas aplicações
de longo prazo;

o incentivo ao microcrédito;

a nova Lei de Falência, que busca a recuperação da empresa
falida ao invés de sua liquidação;
70

a Lei das Parcerias Público-Privadas, que permite a participação
da iniciativa privada nos investimentos públicos;

a abertura do mercado de resseguros;

a instituição de instrumentos de crédito e securitização do
mercado
imobiliário,
que
permite
alongar
os
prazos
de
financiamento e facilitar o acesso a fontes de recursos para
investimentos de longo prazo.
Giambiagi
(2011)
comenta
que,
entre
as
reformas
estruturais
introduzidas pelo Governo Lula indicavam uma forte continuidade com o
Governo anterior (FHC). Entre essas propostas, o autor destaca:

O envio ao Congresso uma proposta de reforma tributária;

Em paralelo ao projeto anterior, uma proposta de reforma da
Previdência Social;
A reforma tributária enviado pelo Governo ao legislativo visava quatro
objetivos:
i.
Uniformizar a legislação de ICMS;
ii.
Prorrogar a desvinculação de Receitas da União (DRU);
iii.
Renovar a CPMF visando evitar a queda na receita do Estado no
ano de 2004;
iv.
Transformar a COFINS em um tributo baseado no valor
adicionado, não mais “em cascata”;
Já na reforma proposta para a Previdência Social, ela basicamente se
concentrou no regime dos servidores públicos, incluindo:
i.
Taxação a servidores inativos;
ii.
Aplicação de um redutor para os novos pedidos de benefícios;
iii.
Fixação de idade mínima para aposentadoria, sendo de 60 anos
para homens e 55 anos para mulheres;
iv.
Definição do mesmo teto de benefícios do INSS para beneficio
dos novos entrantes, com a possibilidade da criação de fundos de
pensão com intuito de complementar o beneficio;
71
Segundo Giambiagi (2011), Carneiro (2009) e Schincariol (2012) o Brasil
nos anos do Governo Lula se beneficiou fortemente com os bons resultados da
economia global.
De acordo com Carneiro (2009) e Schincariol (2012) o Brasil, assim
como os demais países emergentes, manteve um crescimento de quase 5%
a.a. entre os anos de 2004-2008, devido em grande parte do crescimento da
demanda de commodities dos países asiáticos, que demandaram produtos
primários para manter seu crescimento econômico, sendo o Brasil um dos
grandes beneficiados.
Teixeira (2012) analisa que os resultados no que se refere a expansão
do produto foram muito maiores nos dois mandatos do Governo Lula que do
seu antecessor: “Entre 2003 e 2010, o Brasil atravessou o maior ciclo de
crescimento das últimas três décadas. O PIB cresceu 4,1% ao ano, quase o
dobro do observado entre 1980 e 2002 - 2,4% ao ano”(Teixeira, 2012:923).
Cano (2010), assim como Giambiagi (2011), observam que durante os
primeiros anos do Governo Lula o que foi verificado foi uma continuidade do
Governo anterior, em relação a políticas de manutenção do superávit primário,
metas
de
inflação
com
câmbio
flutuante,
superávit
fiscal,
visando
principalmente o controle inflacionário e ajuste fiscal.
Giambiagi (2011) analisa que durante os primeiros anos do Governo
Lula, apesar de grande resistência por parte de seus correligionários, a política
fiscal do Governo foi muito mais contracionista que no Governo anterior. “Em
que pese a obtenção de superávits primários relativamente robustos, o rigor da
política monetária se traduziu em despesas expressivas com o pagamento de
juros, num primeiro momento” (Giambiagi, 2011: 214).
Contudo, o autor observa uma mudança significativa no rumo da política
econômica após a substituição do Ministro Palocci pelo professor Guido
Mantega. Entre as mudanças ocorridas em sua gestão, Giambiagi (2011)
destaca que:

Aumento do gasto público no pagamento de servidores no segundo
mandato do Governo Lula;

Afrouxamento no superávit primário;
72

Divergências claras entre as medidas adotadas pelo Banco Central e
as defendidas pelo Ministério da Fazenda acerca da condução da
política monetária;

Aumento substancial da importância e do papel do BNDES na
economia;
TABELA 10 - INDICADORES ECONÔMICOS - ECONOMIA BRASILEIRA (2003-2010)
TAXA DE
DIVIDA
TAXA
DIVIDA
VARIAÇÃO
TAXA
CÂMBIO
GOVERNO
ANO
SELIC
INTERNA
COTAÇÃO
PIB
MEDIA
FEDERAL
REAL
(% PIB)
R$/US$
(em reais)
(% PIB)
2003
1,1
12,9
3,1
43,7
24,7
-18,2
2004
5,7
8,0
2,9
42,7
24,6
-8,1
2005
3,2
12,6
2,4
45,2
28,7
-11,8
2006
4,0
11,6
2,2
48,4
33,0
-8,7
2007
6,1
7,1
1,9
53,0
38,7
-17,2
2008
5,2
6,2
1,8
49,5
35,8
31,9
2009
-0,6
5,4
2,0
52,0
39,2
-25,5
2010
7,5
3,6
1,8
50,0
37,8
-4,3
Fonte: Giambiagi (2011) - Apêndice Estatístico (Dados Selecionados)
Teixeira (2012) observa uma mudança do crescimento econômico no
último ano do primeiro mandato do Governo Lula (2006), verificado no restante
do seu mandato:
A partir de 2006 (último ano do primeiro governo Lula) e ao longo do
segundo mandato de Lula, irá somar-se aos fatores externos a
importante expansão do mercado interno, decorrente de certa
flexibilização da orientação contracionista da política econômica.
Essa flexibilização, associada às benesses externas, criou uma
expansão econômica sustentada pelos investimentos e consumo das
famílias (crescimento médio entre 2007 e 2010 de 10,5% e de 5,8%,
respectivamente) que parece ter criado a partir de 2006 um consumo
de massas o qual articula crescimento e distribuição de renda
(Teixeira, 2012:926).
O autor ainda observa que a implementação de políticas anticíclicas em
decorrência da crise econômica global iniciada em 2008, com aumento
significativo no crédito disponível. Neste período, o mercado interno foi
estimulado: crédito expandiu-se de 26,1% do PIB para 45,2% do PIB; foram
adotadas também outras medidas de desoneração fiscal, objetivando incentivo
a produção e consumo de massa e diminuição da taxa de juros SELIC a partir
73
de janeiro de 2009 que passou de 13,75% a.a. para 8,75% a.a. em junho de
2009.
Vasconcellos (2002) analisa que a expansão do consumo das famílias
no Governo Lula, pode ser explicada por dois motivos: uma forte expansão das
transferências às pessoas por meio de programas assistenciais e uma forte
expansão do crédito para pessoa física.
TABELA 11 - CRESCIMENTO DO PIB ENTRE 2003 A 2010
VARIÁVEL
2003-2006 2007-2010 2003-2010
CONSUMO TOTAL
3,0
5,3
4,1
CONSUMO DO GOVERNO
2,5
3,9
3,2
CONSUMO DAS FAMÍLIAS
3,2
5,7
4,4
FBCF
4,3
9,0
6,6
EXPORTAÇÕES
10,0
1,7
5,8
IMPORTAÇÕES
9,7
13,6
11,6
PIB
3,5
4,5
4,0
FONTE: GIAMBIAGI, 2011: 223
Entre as medidas lançadas pelo Governo Federal para combater os
efeitos da crise econômica, e ainda tentar resolver os problemas de
infraestrutura no país, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), um plano
de investimentos para o período 2007-2010. O PAC contou com um orçamento
de R$ 504 bilhões, sendo R$ 275 bilhões para a área de infraestrutura
energética, R$171 bilhões para a área de infraestrutura social e urbana e R$ 58
bilhões para a infraestrutura logística.
De acordo com próprios dados do Governo, publicados no “Balanço 4
anos” do PAC30, os resultados positivos do PAC permitiram uma melhor
expansão do crescimento da economia entre 2007-2010 (4,5% a.a.), dobrando
a taxa de investimento do Setor Público (passa de 1,6% para 3,27% do PIB),
além do impacto positivo no saldo líquido de geração de empregos acumulado
no período do PAC: 8,2 milhões. A taxa de desemprego de outubro de 2010 foi
a menor observada em toda série histórica do IBGE até esse momento: 6,1%.
30
COMITE GESTOR DO PAC. Balanço 4 Anos 2007 a 2010. Brasília, 2010. Disponível em <
http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/6c57986d15d0f160bc09ac0bfd602e74.pdf>
Acessado
em
15/09/2013.
74
As observações realizadas por Vasconcellos (2002) e Teixeira (2012)
são confirmadas pelos dados apresentados por Giambiagi (2011), que mostra
um considerável avanço no gasto de Famílias em relação ao PIB entre os anos
de 2007 a 2010, além de também ser observável um aumento considerável do
gasto do Governo no mesmo período, que cresceu a uma taxa de 6,4% a.a.
entre os anos de 2005-2010, muito abaixo do crescimento verificado entre os
anos de 2003-2004, onde o aumento foi apenas de 2,2% a.a.
Giambiagi (2011) destaca a existência de um aumento considerável nos
gastos do governo, fortemente baseada nas transferências diretas a indivíduos
(aposentadorias, aumentos reais do salário mínimo, seguro desemprego e
Bolsa Família), e analisa que implicou num importante impacto no aumento do
consumo.
De acordo com Secretaria de Assuntos Estratégicos (2012), nos últimos
10 anos, 35 milhões de pessoas entraram na classe média, parcela da
população que passou de 38% da população, em 2002, para 53%, em 2012,
somando hoje mais de 100 milhões de brasileiros.
Segunda a pasta, quatro fatores foram determinantes para ascensão da
classe média no período:

DEMOGRAFIA: observou-se no período de 2002 a 2012 um
envelhecimento da população, fazendo com que o número de pessoas
dependentes (isto é, aqueles que não estão aptos a trabalhar e a gerar
renda) diminuísse, ou seja, a renda per capita cresceu à medida que se
reduz a razão de dependência demográfica das famílias. Este fator
contribuiu com menos de 20% do crescimento na renda da classe
média.

TRANSFERÊNCIAS:
trata-se
da
ampliação
dos
programas
de
transferência de renda (Programa Bolsa Família) e da consolidação de
outras transferências, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC)
e a previdência rural. Segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos,
30% da ascensão da classe média decorreram da expansão das
transferências governamentais.

ACESSO AO TRABALHO: mais de ¾ da renda das famílias que
compõem a classe média ainda provê do trabalho. No período de 2002 a
2012 a porcentagem dos adultos na classe média que se encontravam
75
ocupados (taxa de ocupação) cresceu ligeiramente, passando de 60%
para 64%, fazendo com que o acesso ao trabalho contribuísse com
pouco mais de 10% da ascensão da classe média.

GANHOS DE PRODUTIVIDADE: a renda do trabalho tem dois
determinantes imediatos: o acesso e a produtividade. Segundo
Secretaria de Assuntos Estratégicos (2012), na última década, a
remuneração média dos trabalhadores ocupados que pertencem à atual
classe média cresceu 1,7% ao ano, permitindo assim que o fator
“Ganhos de Produtividade” representasse 40% do crescimento ocorrido
na renda da classe média e são, assim, o determinante imediato mais
importante para o aumento da renda da classe média brasileira.
TABELA 12 - PIB SETORIAL E TOTAL - TAXAS MÉDIAS DE CRESCIMENTO
PERÍODO
1989-2001
2001-2006
2007
2008
2009
2010
2006-2010
PIB TOTAL
2.2
3.0
6.0
5.2
-0.3
7,5
4,6
PIB AGRICOLA
3.8
3.9
4.8
6.3.
-3.1
6.3
3.5
PIB INDUSTRIAL
1,4
3,2
5,3
4.1
-5.6
10.4
3.4
PIB SERVIÇOS
Fonte: Cano, 2012: 7
2,4
3,2
6,1,
4,9
2,1
5,5
4,6
Cano (2012) reforça o conceito de que o consumo interno foi aquecida
devido a intensificação das políticas de transferência de renda e também da
concessão de crédito destinado a pessoa física.
(...) foram as decisões de expandir o financiamento público ao
investimento (público e privado) e o terceiro decorre da grande
expansão gerada pelo setor exportador, em que pese que as
importações, a partir de 2005, cresceram mais que as exportações.
Foram esses fatores que permitiram um avanço maior na renda e no
emprego, expandindo a demanda de consumo e o investimento
(Cano, 2012:6).
Contudo Cano (2012), assim como Schincariol (2012), consideram que
apesar da expansão do crédito, e da queda considerável na taxa SELIC, a
tendência de desindustrialização foi observada em todo o período.
De acordo com ambos os autores, apesar da considerável melhoria do
crescimento econômico, no ganho real do salário mínimo, e expansão do
mercado de trabalho, as politicas adotadas não conseguiram promover
mudanças estruturais na economia brasileira.
76
Cano (2012) analisa que não adianta que o governo realize uma série de
desonerações fiscais, e que incentive o crédito, sem ter “cuidados” e atenção
referente a sua política macroeconômica. O autor comenta que com uma taxa
de juros não competitiva, com uma política cambial valorizada, com alto nível
de abertura da economia, não há política industrial que possa reverter a
tendência da desindustrialização.
TABELA 13 - EXPORTAÇÕES SEGUNDO FATOR AGREGADO(%)
ANO
BÁSICOS
SEMIMANUFATURADOS
MANUFATURADOS
1964
85.4
8.0
6.2
1980
42.2
11.7
44.8
1985
33.3
10.8
54,9
1990
27.8
16.2
54,2
1995
22.9
20.8
56.2
2000
23,4
15,8
60,7
2006
29,9
14,5
55,6
2007
32,8
13,9
53,5
2008
37,9
13,8
48,1
2009
41,4
13,7
45
2010
45,5
14,3
40,2
Fonte: Cano, 2012:12
Cano (2012) e Schincariol (2012) observam uma tendência verificada na
economia do país, que se refere ao fato das commodities terem grande peso
sua pauta de exportação, e uma perda considerável na participação dos
produtos industrializados.
Ou seja, os autores analisam que apesar da melhoria do crescimento
econômico, políticas de expansão do crédito, aumenta da demanda interna, a
estrutura da economia não melhorou, ou pior, retrocedeu no que se refere a
perda do setor industrial na participação de todo o PIB nacional.
2.3. A Questão Social
Segundo Fagnani (2011), em um relatório da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), foi ressaltado que jamais
se viu pobreza e a desigualdade caírem tão depressa como no Brasil. Entre os
77
fatores para tal, o mesmo documento, destaca a importância do crescimento
econômico e do Programa Bolsa Família.
De acordo com Mercadante (2010b), “A população em condição de
pobreza diminuiu em mais de 30%, passando, como proporção da população
total, de 32,6%, em 2002, para 21,4%, em 2009” (Mercadante, 2010b:166).
Segundo descrição do próprio Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS), o Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de
renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em
todo o país, e está baseada na garantia de renda, inclusão produtiva e no
acesso aos serviços públicos.
Kerstenetzky (2009) destaca os avanços obtidos no combate da
desigualdade social no Brasil. Ela afirma que ao analisar os indicadores do
índice Gini, entre os anos de 2001 a 2006, o índice que girava em torno de 0,6,
passou para 0,56, uma variação negativa de 6% no período.
Para a autora, o motivo de redução é baseado em dois pontos: (I) numa
política de valorização do salário mínimo; (II) efetivação dos programas sociais
de transferência de renda, em destaque, o Bolsa Família.
No que se refere a questão da criação de novos postos de trabalho,
durante os dois mandatos do Governo Lula, o aumento na geração de novos
postos de trabalho foi de 139%, o ganho do salário mínimo real cresceu 60%
no mesmo período, conforme demonstrado no gráfico abaixo.
GRÁFICO 1 - EMPREGO E SALÁRIO MÍNIMO REAL (2003-2010)
160%
140%
139%
120%
100%
Emprego
80%
60%
60%
40%
20%
0%
Fonte: IPEADATA
Figura 1 - EMPREGO E SALÁRIO MÍNIMO (2003-2010)
Salário Mínimo Real
78
Fagnani (2011) também concorda com o importante papel da geração de
postos de trabalho como fator preponderante para redução da desigualdade, e
comenta que, em termos reais, o salário mínimo dobrou entre os anos de 2001
a 2011. O autor confirma ainda que a sinergia entre crescimento econômico e
aumento dos gastos sociais foi essencial para a redução da desigualdade
social:
O ciclo de crescimento aliviou os indicadores macroeconômicos.
A
arrecadação de impostos cresceu e a dívida pública líquida declinou
(de 60% para 40% em relação ao PIB). Da mesma forma, as fontes
de financiamento das políticas sociais - ancoradas na folha de salário
do trabalho formal - foram impulsionadas. A Previdência Urbana
voltou a ser superavitária - o que não ocorria desde 1996. Esse
cenário abriu espaços para o crescimento do gasto social federal que
duplicou, em termos reais, entre 2000 e 2009; em proporção do PIB,
passou de 12,5% para 15,8%; o gasto per capita cresceu de R$
1600,00 para R$ 2.800,00 (Fagnani, 2011:06).
No que tange as questões relacionadas ao mercado de trabalho, Krein
(2012) observa que durante os dois mandatos do Governo Lula, o que se
verificou foram movimentos contraditórios: enquanto se observava alguns
avanços na regulamentação do mercado de trabalho, observa-se também
movimentos em favor da flexibilização do mesmo, tendência esta iniciada ainda
no governo anterior.
(...) há movimentos contraditórios que mostram possibilidades de
algum avanço na regulação pública trabalhista, mas continua
havendo um movimento que tende a aprofundar a flexibilização do
trabalho. Insere-se a lógica determinada pelas mudanças mais
estruturais de um capitalismo globalizado e financeirizado, tendendo
a fragilizar a regulação pública e fortalecer soluções autônomas, com
aumento do poder discricionário dos empregadores em determinar as
condições de uso e remuneração do trabalho. A flexibilização avança
com a terceirização, a subcontratação, a contratação como pessoa
jurídica, a permanência de alta ilegalidade, informalidade e
rotatividade (Krein, 2012:15).
Para o autor, entre as medidas que indicavam tendência a flexibilização
do mercado de trabalho:

CRÉDITO CONSIGNADO: Autoriza a concessão de empréstimos, pelos
bancos, a empregados e aposentados, mediante o desconto salarial a ser
processado pelo empregador ou Previdência Social. A inovação afronta o
princípio da intangibilidade salarial.
79

LEI DO PRIMEIRO EMPREGO: Concede incentivos fiscais para as
empresas que contratam jovens, permitindo a contratação de jovens por
prazo determinado, desde que por um período mínimo de 12 meses.
Recomenda que as empresas devem evitar a substituição de trabalhadores.
Limita a 20% do seu quadro de pessoal os contratados pelo programa;

REFORMA PREVIDENCIÁRIA: Extingue o regime de previdência pública
para os servidores públicos admitidos a partir da publicação da EC, com o
fim da integralidade e da paridade, fixação do limite a ser percebido a título
de proventos de aposentadoria, de acordo com o teto do regime geral do
INSS, e determinação de que fossem instituídos os fundos de pensão.
Também taxou os inativos, aumentou o limite de idade e fixou condições
mais duras para o servidor alcançar a aposentadoria;

NOVA LEI DE FALÊNCIAS E DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL: A CLT
estabelece que, na falência, a totalidade dos salários e indenizações
devidos aos trabalhadores seriam créditos privilegiados; mas a nova lei
reduz o limite de preferência do crédito trabalhista para o valor de 150
salários mínimos. Ao contrário do que ocorria no regime anterior, com a
nova lei, no caso de recuperação judicial da firma, os empregados deixam
de receber seus créditos trabalhistas durante um ano e passam a discutir
sua forma de pagamento com os demais credores, em Assembleia Geral; e,
na venda dos ativos da sociedade falida, não há mais a sucessão
trabalhista, de modo que a empresa arrematante não está obrigada nem a
permanecer com os empregados nem a pagar a dívida trabalhista.

SUPER SIMPLES: As micro e pequenas empresas ficam dispensadas de:
fixar quadro de Trabalho em suas dependências; de anotar as férias dos
empregados no livro ou ficha de registros; de matricular aprendizes nos
cursos de Serviços Nacionais de Aprendizagem; da posse do Livro de
Inspeção do Trabalho; de comunicar a entidade fiscalizadora quanto à
concessão de férias coletivas. Perante a Justiça do Trabalho, o empregador
poderá fazer-se substituir por representante legal;

NOVA REGULAÇÃO PARA O TRABALHO EM ATIVIDADES DE CUNHO
INTELECTUAL: Estabelece que, mesmo apresentando todos os elementos
que delineiam um assalariado, a pessoa física que
presta
serviços
80
intelectuais pode ser materialmente concebida como uma pessoa jurídica.
Passa-se, assim, do campo das regras trabalhistas para o das civis e
comerciais. Tanto para o empreendimento tomador quanto para o prestador
de serviços há redução dos tributos, mas o último deixa de contar com os
direitos laborais.

EMPREGADOS DOMÉSTICOS: Garante a estabilidade provisória à
empregada grávida, férias anuais remuneradas de 30 dias e a vedação a
descontos por fornecimento de alimentação, vestuário ou higiene aos
empregados
domésticos. Entretanto, o presidente vetou a obrigatoriedade
do FGTS, a multa rescisória de 40%, o salário família e o seguro
esemprego, com o argumento de que poderia contribuir para o aumento da
informalidade e o desemprego. Com isso, o veto do presidente impediu a
equiparação integral com os direitos dos trabalhadores amparados pela
CLT.

INTERVALO
INTERJORNADA:
Autoriza
a
redução
do
intervalo
intrajornada por meio de negociação coletiva de trabalho, dando prevalência
ao negociado sobre o legislado.

TRABALHO DOS COMERCIÁRIOS AOS DOMINGOS: Ratifica o trabalho
aos domingos para os comerciários. Mas colocou dois limites: a permissão
de trabalho em feriados e domingos nas atividades do comércio passa por
convenção coletiva, desde que observada a legislação municipal; e a
garantia de folga de 2 domingos no mês;

CONTRATO DE TRABALHADOR RURAL POR PEQUENO PRAZO:
Autoriza a contratação de empregados rurais sem registro na Carteira de
Trabalho, para serviços de curta duração (até 2 meses). Os direitos
trabalhistas serão pagos diretamente ao trabalhador, mediante adição à
remuneração acordada;
Krein (2012) afirma que apesar de que o governo liderado por
representante de um partido tido como “Partido dos Trabalhadores”, e
promoveu uma série de políticas (resumidamente acima descritas) visando a
flexibilização do mercado de trabalho.
Contudo, Krein (2012) analisa que a “(...) a flexibilização, no governo
Lula, não é pensada como uma medida geral, mas sim para públicos
81
específicos (pessoa jurídica, micro e pequenas empresas, jovens” (Krein,
2012:12).
Entretanto, o mesmo autor comenta os avanços que o mesmo governo
obteve na regulamentação do mercado de trabalho, entre elas, destaca:

RETIRADA DO SENADO DO PROJETO LEI (PLC 134/01): Retirado do
projeto de lei que previa a prevalência do negociado sobre o legislado.
Projeto aprovado na Câmara dos deputados e estava em regime de
urgência no Senado Federal. 0 projeto permitia que a legislação trabalhista
pudesse ser alterada pela vontade autônoma das partes;

ADOÇÃO DE UMA POLÍTICA DE SALÁRIO MÍNIMO (2005): A política de
valorização do salário mínimo prevê um reajuste de acordo com o INPC do
ano anterior acrescido de um aumento real correspondente à variação do
PIB de 2 anos anteriores. A política está sendo aplicada, mas ainda não foi
aprovada no Congresso Nacional;

ESTÁGIO: Regulamentação do estágio, buscando criar algumas regras
para a sua adoção, tais como o limite de jornada de 6 horas diárias e o
pagamento de férias;

VETO À EMENDA 3 DA SUPER RECEITA: Veto presidencial á "Emenda 3
da Super Receita, que proibia o auditor fiscal multar as empresas que
estabeleciam uma relação de emprego disfarçada. Na prática estimular a
propagação da contratação como PJ (Pessoa Jurídica), que burla a
legislação do trabalho.

SEGURO DESEMPREGO: Ampliação das parcelas de seguro desemprego
para 7 meses aos setores mais atingidos pela crise econômica de
2008/2009;

PAGAMENTO
DA
LICENÇA
MATERNIDADE:
Cancelamento
das
alterações da licença maternidade feitas em 1999, que estabeleciam o
pagamento do salário maternidade diretamente pelo INSS e não mais pelo
empregador;

PERÍODO DE EXPERIÊNCIA: Proíbe que o período de experiência exigido
seja maior de 6 meses;
82

MICROEMPREENDEDOR
INDIVIDUAL
(MEI):
Reduz
o
valor
da
contribuição previdenciária do autônomo ou do microempreendedor
individual.
Já no que se refere ao programa Bolsa Família, Kerstenetzky (2009)
comenta alguns condicionantes desta política pública que contribuíram para
uma significativa queda na desigualdade social. Para autora, ao obrigar que o
beneficiário do programa tenha que levar seu filho à escola, que tenha uma
obrigatoriedade de frequência mínima a serviço de saúde pré-definidos (por
exemplo, obrigatoriedade em se deixar em dia a vacinação da criança). “A ideia
é que essas condicionalidades possibilitariam o acesso às portas de saída, ao
menos para as gerações futuras”, comenta a autora (Kerstenetzky, 2009:3)
TABELA 14 - BOLSA FAMÍLIA: CONTRIBUIÇÃO PARA A REDUÇÃO
DA DESIGUALDADE E DA POBREZA
QUEDA NA DESIGUALDADE (1995-2004)
21%
QUEDA NA POBREZA
12%
GASTOS EM ALIMENTOS, EDUCAÇÃO E VESTUÁRIO
19%
INFANTIL DE FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS
GASTOS EM SAÚDE E VESTUÁRIO DE ADULTOS
Aumento
FREQUÊNCIA À ESCOLA
Aumento
PROGRESSÃO NO FLUXO ESCOLAR
Mais Lenta
VACINAÇÃO INFANTIL
Sem Impacto Significativo
Queda apenas entre as crianças
SUBNUTRIÇÃO INFANTIL CRÔNICA
de 6 a 11 meses de idade.
SUBNUTRIÇÃO INFANTIL AGUDA
apenas entre as crianças de até 5
meses de idade.
PARTICIPAÇÃO DE ADULTOS NA FORÇA DE
TRABALHO
Aumento
Fonte: Kerstenetzky, 2009:3
De acordo com a tabela acima, ao se analisar o impacto do Programa
Bolsa Família em alguns indicadores sociais, observa-se um papel significativo
do programa na queda da pobreza, desigualdade social, aumento dos gastos
de alimentação e produtos de higiene, dentre outros.
Na área social, o governo Lula unificou os programas de proteção social,
do governo anterior, em torno do programa Bolsa-Família. O novo programa foi
expandido, em termos de cobertura e de valores unitários. Até o final do
governo, a Bolsa Família atendia a 10 milhões de famílias e tinha um
orçamento anual de R$ 8 bilhões. A magnitude do programa trouxe importante
83
contribuição para o crescimento do mercado consumidor do interior do país,
principalmente na região Nordeste.
De acordo com Rego (2013) um aspecto importante deve ser analisado
ao se considerar os resultados do Bolsa-Família: seu papel libertador, isto é, o
impacto que o acesso a recursos permitiu que populações oprimidas nos mais
remotos rincões do Brasil como o Vale do Jequitinhonha (MG), o sertão
alagoano, o interior do Maranhão, Piauí e Pernambuco.
Rego (2013), que entre 2006 a 2010 entrevistou beneficiários dos
programas, analisa que o simples fato de garantia a uma determinada renda
por mês, uma regularidade de renda, permitiu aos beneficiários uma maior
dignidade, segurança maior e respeitabilidade.
Houve também um impacto econômico e comercial muito grande, pois
esses
novos
consumidores
são
reconhecidamente
bons
pagadores,
respeitando compromissos assumidos, além disso, o simples fato de colocar
dinheiro na mão do beneficiário, permitiu que muitos aprendessem a gerir seus
recursos e realizarem seu planejamento financeiro.
TABELA 15 - RESULTADOS BOLSA FAMÍLIA – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
SUPERAÇÃO
DA EXTREMA
36 milhões de pessoas deixaram suas condições de extrema pobreza;
POBREZA
EFEITOS NA
EDUCAÇÃO
De acordo com dados do Censo Escolar, os alunos assistidos pelo Bolsa
Família apresentam uma taxa menor de abandono escolar e melhor índice
de aprovação escolar.
De acordo com estudos publicados na revista britânica The Lancet,
MORTALIDADE
observou-se uma queda de 19,4% na mortalidade infantil de beneficiários do
INFANTIL
programa. Houve queda de 46,3% da mortalidade infantil por diarreia e
58,2% por desnutrição.
TRABALHO
Segundo dados do MDS, 70% dos beneficiários do programa trabalham.
VIDA DIGNA
Com assistência técnica, produtores aumentaram produtividade, produção e
NO CAMPO
renda, permitindo sua permanência no campo.
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social
Rego (2013) comenta que, devido a complexidade e o gigantismo da
desigualdade econômica no Brasil ser enorme, o programa permitiu o início de
uma democratização real, da democratização da democracia brasileira.
84
CAPÍTULO III - MOEDA, CRÉDITO E DESENVOLVIMENTO NO
BRASIL CONTEMPORÂNEO
A
importância
do
crédito
e
do
mercado
monetário
para
o
desenvolvimento capitalista é algo inegável: desde a origem do capitalismo
originário na Inglaterra, o papel dos bancos comerciais e do crédito foi de
fundamental importância para o desenvolvimento da acumulação de capital.
Oliveira (2003) cita a importância da criação do Banco da Inglaterra no
século XVII, uma vez que o banco oficial subordinou o capital a juros ante as
atividades capitalistas, e seu caráter oficial garantiu estabilidade ao sistema de
crédito daquele país, e consequentemente, favoreceu o desenvolvimento e a
inversão em novos negócios, principalmente na indústria nascente.
Os bancos puderam assim mobilizar capitais do comércio e mesmo
da agricultura, e fornecer à indústria os recursos de que necessitava.
Dessa forma, o crédito bancário potenciava a oferta de capital
dinheiro, e, apesar de os bancos operarem com empréstimos
vencíveis a curto prazo, por meio de sucessivas renovações, esses
empréstimos na verdade funcionavam como operações de longo
prazo, garantindo não somente o capital de giro da indústria, como
também o capital fixo (Oliveira, 2003:55).
O autor ainda comenta a importância do papel dos bancos comerciais
em concentrar capital e destiná-los a outros investimentos que eram
indispensáveis para o desenvolvimento do capital industrial, como os
investimentos em infraestrutura, por exemplo.
Segundo Schumpeter (1982), os bancos tem um papel fundamental ao
permitir a realocação dos recursos reais necessários no processo de
crescimento. Studart (2003) comenta que já partir dos anos 1960, John Gurley
e Edward Shaw, já haviam mostrado que o desenvolvimento financeiro permitia
uma melhor alocação da poupança, permitindo assim mais recursos
disponíveis para o investimento, e consequentemente, mais recursos
disponíveis para financiar o crescimento econômico.
3.1. Moeda e Brasil
No Brasil este processo não é diferente. De acordo com Costa (2008), a
moeda faz parte da “soberania nacional” assim quanto o Estado deter o
85
“monopólio da violência”. Para o autor, a história dos bancos no Brasil se
confunde com a sua própria história monetária do país.
Costa (2008) divide história bancária brasileira em estágios, sendo que o
primeiro vai de 1808 a 1921, que consiste na primeira fundação do Banco do
Brasil ainda no período da colônia, até sua transformação efetiva em uma
espécie de “semi-autoridade monetária”, já na sua segunda fundação em 1905.
A economia brasileira oscilou entre a moeda mercadoria (ouro) – ou
papel-moeda conversível com estritas regras de reserva aurífera – e
as diversas tentativas estatais de emissão de uma moeda fiduciária,
para cobrir déficits. A rigor não se pode falar nem em um
subdesenvolvido sistema bancário, pois os poucos bancos existentes
em praças locais emprestavam praticamente seus recursos próprios,
através do padrão legal de pagamentos. Em tal economia, a
quantidade de moeda, quando lastreada, era determinada fora do
setor bancário por fluxos de comércio externo, investimentos
estrangeiros ou mesmo a produção de ouro (Costa, 2011:137).
Já o segundo estágio do desenvolvimento bancário brasileiro ocorre
quando se criam condições institucionais mínimas para criação da moeda
bancária e consequentemente, o descolamento da fração bancária da classe
dominante.
(...) os fatos que mais marcaram a história bancária brasileira, entre
1930 e 1945, foram: a socialização das perdas bancárias, devido à
crise de 1929; a imposição da reserva de mercado, no varejo
bancário, em favor dos bancos brasileiros; a legislação liberal propícia
a fundações de bancos; e o início do uso de bancos públicos
(federais e estaduais) para uma atuação desenvolvimentista (Costa,
2011:138).
Contudo, o mesmo autor destaca que foi entre os anos de 1945 e 1964
que ocorreu a consolidação do mercado bancário no país, o que denomina
como terceiro estágio. Foi neste período que foi introduzida a exigência de
reservas bancárias fracionárias sobre os depósitos, o uso das ordens de
transferências de depósitos passaram a ser um meio mais comum de troca, e
os cheques começaram a ter maior aceitação pela rede comercial; assim a
rede bancária foi se expandindo em nível nacional.
Em 1952 foi criado o BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico com o objetivo de permitir condições favoráveis ao financiamento
de longo prazo destinado a produção.
86
Maria
da
Conceição
Tavares
(1972)
comenta
que
a
rápida
transformação da estrutura da economia brasileira a partir de 1930 criou
necessidades de financiamento na economia urbano-industrial que não podiam
ser atendidas pelo sistema financeiro nacional existente então.
Studart (2005) afirma que até os anos de 1940 o crédito no setor era
predominantemente agrícola, voltado à exportação de commodities. Costa
(2008) observa que até a inauguração do BNDE as empresas apenas tinham a
sua disposição duas alternativas de financiamento de longo prazo: o
autofinanciamento via capitalização interna das empresas e o financiamento
externo, seja pelo uso de recursos públicos.
A reforma do Sistema Financeiro Nacional que entre os anos de 1945 e
1964 também teve como objetivo desenvolver o sistema financeiro nacional e
adequar as necessidades de financiamento da economia brasileira, após a
consolidação do setor de bens de consumo duráveis.
Problemas como a Lei da Usura, que desestimulavam a poupança, por
exemplo, somado ainda com o fato que a Fazenda Pública apresentava perdas
reais de ganho, uma vez que a elevada da inflação corroía sua arrecadação e
por consequência, lhe impedia retomar o financiamento dos investimentos para
retomar o crescimento, exigia por parte dos governantes do país uma Reforma
Monetária abrangente e rápida.
Acreditava-se que com um sistema financeiro moderno e consolidado,
permitiria destinação dos lucros dos setores mais desenvolvidos, uma vez que
os setores com capacidade ociosa, mas superavitários, poderiam transferir
capitais para os setores com potencial de expansão, mas deficitários.
A reforma do sistema financeiro nacional baseou-se em quatro medidas:
1.
Instituição da correção monetária e criação da ORTN
(Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional)
Devido a uma inflação constante, era necessário encontrar meios
institucionais para conviver com ela e diminuir assim seus impactos negativos
sobre a estrutura econômica do país. Um dos mecanismos institucionais
encontrados pelas autoridades foi a criação da Correção Monetária,
mecanismo que corrigia determinado valor monetário em relação a perda do
seu poder de compra real, corroído pela inflação de determinado período.
87
Com a introdução da Correção Monetária, a Lei da Usura tornou-se sem
sentido, e permitiu a existência de juros reais positivos que ampliava a
capacidade de poupança dos agentes e consequentemente, ampliava a
capacidade doméstica de financiar novos investimentos.
Foram criados também as ORTN’s, um mecanismo de financiamento do
Estado, uma vez que este título público garantia ao seu comprador a
manutenção real do valor investido.
A variação das ORTN indicava o índice oficial de correção monetária.
Com isso, permitia ao Estado “arrecadar” recursos para conter seu elevado
déficit e criava um novo mecanismo para conter a emissão monetária. As
ORTN’s foi um novo instrumento eficiente da política monetária brasileira para
se auto-financiar e controlar a emissão de moeda.
2.
Criação do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco
Central do Brasil (BACEN).
A criação da CMN tinha como objetivo primordial que a execução das
Políticas Monetárias do país fossem conduzidas de maneira técnica e
independente. A CMN tinha como meta principal ser um órgão normativo da
política monetária e estabelecer e regulamentar regras a serem atingidas e
executadas.
O BACEN fez passou a ser o agente executor da Política Monetária
Brasileira, e sua criação fez com que se tornasse um agente fiscalizador e
controlador do Sistema Financeiro Nacional.
Segundo Vasconcellos (2002), a execução de uma política monetária
“técnica e independente” era prejudicada, uma vez que a subordinação do
BACEN ao CMN permitia uma ingerência política na atuação do órgão. A
permanência de certos “instrumentos monetários” na mão do Banco do Brasil
permitiiu que este banco não perdesse sua autoridade monetária, podendo
sem maiores problemas expandir seus limites de operação de crédito, pois
possuía uma linha direta de financiamento junto ao BACEN.
O autor também chama atenção para o fato de que o Orçamento
Monetário, que deveria ser uma peça para juntar as autoridades monetárias
(BACEN e Banco do Brasil) passou a receber vários gastos de origem fiscal,
como a criação de vários fundos e programas, como PROAGRO, PROEX,
FUNRURAL e etc.
88
O BACEN,
(...) que deveria ser o órgão de controle monetário transformava-se
também em banco de fomento, criando-se um entrelaçamento entre
as contas monetárias e fiscais, de tal modo que o Orçamento Fiscal
poderia parecer equilibrado, enquanto todo o rombo se colocava no
Orçamento Monetário (VASCONCELLOS, 2002:381).
3.
Criação do SFH (Sistema Financeiro da Habitação) e do BNH
(Banco Nacional de Habitação)
A criação do SFH tinha como objetivo de encontrar medidas que
acabassem com o problema crônico de déficit habitacional no país, déficit este
causado pela dificuldade de encontrar mecanismos eficazes para o
financiamento e para construção civil de moradias para baixa renda.
O papel do BNH neste caso era de atuar como “banco dos bancos” do
Sistema Habitacional, com função de fiscalizar e regulamentar a atuação de
agentes do sistema e dar liquidez aos mesmos. Os recursos utilizados para
financiar o Sistema Habitacional eram os fundos recém criados, como o FGTS,
PIS e Letras Imobiliárias.
4.
Reforma no Mercado de Capitais
Inspirada no Mercado de Capitais Americano, estas reforma consistia na
“segmentação” e da definição clara dos papéis que cada agente assumiria no
Mercado de Capitais Brasileiro. A reforma consistia nas seguintes definições:
A. Bancos Comerciais: responsáveis pela captação dos depósitos
à vista, tinham como tarefa atuar no mercado de crédito de curto
prazo, com base na captação dos depósitos à vista.
B. Financeiras:
atuariam
no
financiamento
de
crédito
ao
consumidor, por meio da venda de Letras de Câmbio (LTN).
C. Bancos de Investimento: sua função seria ofertar de médio e
longo prazo, mediante a captação de recursos de depósitos a
prazo e repasses de Recursos Externos.
D. Bancos
de
Desenvolvimento:
exclusivamente
estatais,
deveriam financiar operações especiais de fomento pelo repasse
de fundos fiscais e de recursos captados no exterior.
89
No que se refere a avaliação da reforma financeira realizada, Studart
(2003) analisa que ela foi importante, contudo, seus resultados ficaram muito
aquém do que foi planejado. Entre os problemas, autor destaca:

Concentração do mercado bancário: apesar da reforma ter buscado
um modelo mais competitivo, o que se verificou foi um elevado grau de
concentração
do
setor
financeiro,
sob
hegemonia
dos
bancos
comerciais. Dada a pouca diferenciação dos mercados e nichos de cada
modalidade de instituição financeira, os bancos comerciais pressionaram
uma maior flexibilização do mercado financeiro brasileiro, fazendo assim
com que o setor bancário nacional fosse fortemente concentrado.

Captação dos Recursos: fonte básica de captação dos bancos de
investimento seria a emissão de títulos de prazo superior a um ano, com
correção monetária, no mercado interno e também junto aos bancos
estrangeiros. Contudo, devido a pressões do mercado interno, os
recursos que deveriam ser destinados ao crédito de longo prazo, foi
destinado ao crédito de curto prazo;

O mercado de capitais: a reforma promovida não foi suficiente devido à
falta de investidores institucionais e a insistência do governo em basear
este mercado de capitais em “pequenos poupadores”. Sendo assim,
devido a incapacidade do mercado para captar recursos e destina-los ao
crédito de longo prazo, fez com que o governo retomasse seu papel no
fornecimento de crédito, criando no período de 1968 a 1974 oito bancos
de investimento. “Era o Estado sendo novamente chamado como
financiador direto do desenvolvimento doméstico”31.
Saes (2001) ao analisar os resultados obtidos na reforma financeira,
afirma que:
A reforma bancária de 1964 e a do mercado de capitais em 1965
procuraram responder a esses diagnósticos [de um sistema financeiro
inadequado ao momento do desenvolvimento econômico]. A
supressão da lei da usura e a instituição da correção monetária
permitiriam remunerar as aplicações com juros reais positivos
(estimulando a “poupança” ou, mais propriamente, viabilizando a
mobilização da poupança financeira). A definição de segmentos
especializados no sistema financeiro (bancos comerciais, bancos de
investimento, financeiras, sociedades de crédito imobiliário,
31
Studart (2003):341.
90
seguradoras, corretoras e distribuidoras, além do Banco Central e dos
bancos de desenvolvimento) daria condições adequadas para
atender às diferentes necessidades de financiamento (desde o crédito
comercial de curto prazo até os financiamentos para infraestrutura
com longos prazos de maturação). É inegável que a correção
monetária criou instrumentos financeiros que atraíram aplicadores,
principalmente em direção a títulos do governo (como as ORTNs) e
do sistema financeiro da habitação (como as cadernetas de
poupança), que viabilizaram o financiamento do governo e de certos
segmentos da construção civil (SAES, 2001:68).
3.2 .A Crise da Dívida da Década Perdida a Liberalização dos Anos 1990
Segundo Vasconcellos (2002), a década de 1980 não apresentava um
cenário econômico favorável: havia dificuldades de captar recursos externos
provocado por dois choques de petróleo e pelo aumento dos juros do governo
americano entre os anos de 1979-82 (ver capítulo I).
Studart (2003) analisa que a administração macroeconômica do período
passou a ser um contínuo desafio para as autoridades monetárias e politicas,
uma vez que o governo obrigou a União e as empresas estatais a absorver a
dívida privada. “Dado o crescimento acelerado da dívida pública, e como a
crise leva a uma perda significativa de receitas fiscais, terminou-se por
acentuar a deterioração financeira do setor público”32.
Saes (2001) ao analisar o período comenta que a década de 1980 foi
caracterizada pelo aumento do que denomina como “ciranda financeira”: o
crescimento da dívida pública com o pagamento de taxas de juros elevadas
numa década marcada pela recessão.
TABELA 16 - TABELA VARIAÇÃO DO PIB E OPERAÇÕES DE CRÉDITO
ANO
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
32
Studart (2003: )342.
VAR. REAL ANUAL PIB
-0,06%
3,16%
4,35%
1,03%
-0,54%
4,92%
5,85%
4,22%
2,66%
3,27%
CRÉDITO/PIB
31,84%
24,12%
24,12%
24,09%
28,56%
29,00%
36,60%
32,06%
28,83%
26,81%
91
1998
1999
Fonte: BACEN
0,13%
0,79%
27,94%
24,87%
No que se refere ao crédito voltado para financiar a produção, Studart
(2003) comenta que no período as operações de crédito de longo prazo foram
drasticamente afetadas, devido principalmente a um ambiente altamente
inflacionário e às políticas econômicas do período visando sua correção.
Já na década de 1990, Saes (2001) afirma que no período o setor
financeiro passou por profundas reformas e transformações. Entre elas, a
privatização de vários bancos públicos, a limitação de acesso a fundos estatais
de financiamento, e a crises econômicas internacionais da década levaram
muitas instituições financeiras nacionais à insolvência, e os bancos
estrangeiros ganharam e expandiram sua participação em todo território
nacional, conforme demonstra tabela abaixo.
TABELA 17 - EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS SISTEMAS FINANCEIROS PÚBLICO E
PRIVADO NAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO DO SISTEMA FINANCEIRO
ANO
SETOR PÚBLICO
SETOR PRIVADO
1994
58%
42%
1995
56%
44%
1996
56%
44%
1997
56%
44%
1998
53%
47%
1999
52%
48%
2000
49%
51%
2001
38%
62%
2002
37%
63%
FONTE: COSTA, 2011:56
Studart (2003) afirma que a década foi marcada pelo aumento da
liquidez dos mercados financeiros internacionais e dos fluxos de capital. Um
novo modelo foi adotado, pautado por uma maior abertura de capital,
liberalização doméstica e profundas transformações nos aparelhos de Estado,
visando uma menor participação estatal na seara econômica (ver capítulo I).
Camargo (2009) comenta que a partir da década de 1990, as
autoridades monetárias se basearam nos princípios defendidos pelo “Consenso
de Washington”, ou seja, um conjunto de políticas que visam uma maior
92
abertura comercial e financeira, com uma menor participação do Estado na
economia.
Um exemplo dessa influência foi a Resolução do Conselho Monetário
Nacional no 1.832, de 31 de maio de 1991, que regulamentou os investimentos
estrangeiros em títulos e valores mobiliários nas companhias abertas
brasileiras, aumentando consideravelmente o ingresso de recursos externos.
Devido a estas reformas “liberalizantes”, foi autorizado na reforma
bancária de 1998, que as instituições financeiras realizassem entre si uma
pessoa jurídica única, formando um banco múltiplo, e também as regras para
formação e criação de novos bancos foi flexibilizada.
Camargo (2009) afirma que uma maior presença de bancos estrangeiros
foi fundamental para trazer mais solidez para o sistema financeiro brasileiro.
Contudo, sua presença foi decepcionante no que se referem questões de
eficiência, gerenciamento, capacidade de emprestar, diversificação e sistemas
de controles de riscos.
A expectativa de redução dos spreads e dos juros ativos, com
consequente ampliação do crédito, também não foi observada. Os
bancos estrangeiros têm atuado de forma semelhante aos bancos
nacionais, com relação à intermediação financeira e à preferência por
operações de tesouraria, sendo ainda mais dependentes das
aplicações financeiras e em títulos da dívida pública – principalmente
a indexada ao câmbio, da qual são os principais compradores (
Camargo, 2009:49)
Studart (2003) avalia que as reformas liberalizantes foram importantes,
porém, seus resultados foram muito aquém: nem a oferta privada de crédito se
ampliou, nem as condições de crédito (no que tange aos prazos e seus custos)
melhoraram como esperado. Costa (2008) é mais incisivo ao comentar a oferta
de crédito no período, e observa que:
Em todo o Governo FHC, a evolução real do crédito foi medíocre. O
crédito permanecia praticamente estagnado, desde dezembro de
2000. Com a reestruturação patrimonial dos bancos públicos federais,
em maio de 2001, o saldo de empréstimos caiu em termos nominais.
Não recuperaram suas participações no mercado de crédito até o
final do governo. Parte dos recursos direcionados a setores
prioritários foi assumida pelo Tesouro Nacional como composta de
“esqueletos” (Costa, 2011:146).
Zerbini e Rocha (2004) comentam que durante o mandato do governo
FHC os recursos dos bancos foram direcionados principalmente para a
aquisição de títulos públicos federais, devido à boa lucratividade e o baixo
93
risco, além do alto índice de inadimplência verificado nos primeiros anos do
Plano Real causado por uma política monetária muito restritiva. “Dada a pouca
experiência com concessão de crédito, diante do aumento da inadimplência, os
bancos preferiram comprar títulos públicos que apresentavam uma relação
risco-retorno mais atraente” 33.
Costa (2008) ainda alerta para o crédito destinado ao setor habitacional
se encontrava estagnado, desde a restruturação patrimonial da Caixa
Econômica Federal, e o crédito agrícola disponibilizado pelo Banco do Brasil
apresentava um desempenho muito sofrível.
TABELA 18 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO DO SISTEMA FINANCEIRA - % DO PIB
INDUS
TRIAL
DEZ/95
(A)
TOTAL
AO
SETOR
PÚBLICO
4,8
7,6
6,4
3,1
4,2
2,2
DEZ/96
5,1
6,8
5,5
2,2
3,2
DEZ/97
6,1
6,8
5,2
2,3
DEZ/98
2,1
7,3
5,4
DEZ/99
1,5
7,2
DEZ/00
1,3
DEZ/01
DEZ/02
DATA
(B) SETOR PRIVADO
TOT
AL
TOTAL
CRÉDITO
(A) +(B)
3,8
27,3
32,1
2,7
3,3
23,7
28,8
3,0
3,7
3,2
24,1
30,2
2,5
2,6
3,7
4,4
25,8
27,9
4,6
2,2
2,5
3,6
3,3
23,4
24,9
6,9
4,5
2,3
2,6
5,1
3,7
25,1
26,4
0,7
7,2
1,8
2,0
2,7
5,9
4,4
23,9
24,6
0,7
6,6
1,4
2,0
2,3
5,1
3,9
21,3
22,0
HABITA
SETOR
CIONAIS
RURAL
SETOR
PESSO SER
COMERCIA
AS
VIÇ
L
FÍSICAS OS
FONTE: BACEN
Conforme demonstra a tabela acima, a diminuição do crédito em relação
a sua participação no PIB foi sofrível durante todo mandato do presidente FHC.
O crédito total da economia passa de 32,1% no ano de 1995 para 22% em
2002, com destaque para a queda no crédito disponível para habitação (passou
de 6,4% para 1,4% do PIB).
1.3.
Evolução do Crédito durante o Governo Lula
Paula et al (2013) informam que a relação crédito / PIB caiu
vertiginosamente durante 1995 e 2002: de 35% em junho de 1994 para 22%
33
Zerbini e Rocha, 2004:88.
94
em outubro de 2002. “Observou-se no período supracitado uma involução do
desenvolvimento financeiro da economia brasileira, em parte associada
também à instabilidade macroeconômica do período”34.
De acordo com dados disponibilizados por Costa (2008), o Brasil
apresentava uma considerável desvantagem em relação a quantidade de
crédito disponível / PIB em relação a outros países: Estados Unidos (160%),
Japão (143%), Europa (130%), países asiáticos emergentes (73%), Europa
emergente (51%), América Latina (39%) e Chile (60%).
Camargo (2009) observa que durante os anos de 1990, os bancos
públicos foram perdendo espaço para o setor privado, e algumas instituições
financeiras públicas foram privatizadas, enquanto outras perderam importância
ou foram reestruturadas, visando à futura privatização.
Segundo Camargo (2009) os principais bancos públicos federais (Banco
do Brasil – BB e Caixa Econômica Federal – CEF) concentraram suas ações
na operação de títulos públicos, e as operações de crédito comercial foram
deixadas em segundo plano.
Camargo (2009) cita uma pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) em meados de abril de 2009, observando que a
redução dos bancos públicos, a partir de 1996, levou à concentração do
sistema financeiro, à menor oferta de serviços bancários à população de baixa
renda e à manutenção de ambiente favorável à cobrança de altos juros.
Costa (2008) traz números que indicam uma considerável redução na
série de recursos direcionados durante a década de 1990, isto é, aqueles
recursos destinados a financiar setores específicos da economia (habitação,
crédito rural e etc) com taxas mais atrativas em comparação com as praticadas
pelo mercado em geral.
Houve, em junho de 2001, uma queda muito significativa na série do
crédito com recursos direcionados – aquele cuja taxa de juros média
ponderada (pelas participações relativas do crédito habitacional, rural
e de infraestrutura) – atingiu 12,5% a.a. contra os 44% a.a. do crédito
com recursos livres. Em maio daquele ano, o saldo do crédito
direcionado para habitação era de R$ 47,5 bilhões; um mês após,
passou a ser contabilizado apenas R$ 19,5 bilhões, ou seja, retirouse da série histórica acumulada cerca de R$ 28 bilhões. No total
geral, considerando também a retirada de saldo no crédito rural
concedido pelo Banco do Brasil, o saldo das operações de crédito
34
Paula, 2013:474.
95
caiu R$ 37,5 bilhões, o que representava uma queda de 11% em
relação ao saldo anterior de R$ 340 bilhões (Costa, 2008:152).
Paula el al (2013) observa-se uma reversão da participação dos bancos
públicos que a partir de 2003 passaram a ter uma presença mais relevante no
total de crédito disponibilizado pelo Sistema Financeiro Nacional.
Entre janeiro de 2003 e fevereiro de 2010, as operações totais de
crédito do sistema financeiro público subiram 415,5% contra um
aumento de 348,1% do sistema financeiro privado; quanto ao crédito
ao setor industrial, houve elevação de 297,3% do crédito público
contra 240,5% do privado; o volume de crédito público ao setor rural é
35% superior ao concedido pelo privado; somente no que se refere às
operações às pessoas físicas e rurais, a expansão do cré- dito do
setor privado supera a performance de crescimento do crédito público
(Paula, 2013:475).
Camargo (2008) observa que durante o mandato do Governo Lula, os
bancos públicos passaram a ter um papel muito mais ativo na execução das
políticas públicas de governo, tornando-os principais agentes de execução da
sua política de governo.
Analisa também que os bancos públicos passaram a atuar em nichos e
em regiões e segmentos menos interessantes aos bancos privados. “Assim,
esses bancos recuperaram seu papel de fomentar o desenvolvimento
econômico e social brasileiro, ofertando crédito e serviços financeiros em
melhores condições para toda a população”35.
Entre os exemplos, pode-se citar a forte atuação do Banco do Brasil no
crédito agrícola (setor que não traz muito atratividade ao setor bancário
privado). Já para a Caixa, foi atribuída a responsabilidade de ampliar a oferta
de recursos para os segmentos de habitação, saneamento básico e micro e
pequenas empresas, além do mercado imobiliário, em que a Caixa já era líder,
e que também não era muito atrativo para os bancos privados, devido ao alto
risco e às altas taxas de inadimplência. “Como resultado, em 2008 a carteira de
crédito dos bancos públicos foi a que mais cresceu. De março de 2008 a março
de 2009, esse crescimento foi de 37,1%, contra uma expansão de 19,1% das
instituições privadas nacionais e de 17,8% das instituições estrangeiras”36.
Camargo (2009) observa que a consolidação da presença de bancos
públicos no sistema financeiro se dá também pela ampliação da rede bancária,
35
36
Camargo, 2011:87.
Camargo, 2011:88.
96
alcançando lugares mais distantes e economicamente inviáveis, além do o
atendimento da população de menor renda e e a oferta de financiamento de
longo prazo – em que o BNDES é quase exclusivo.
TABELA 19 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO DO SISTEMA FINANCEIRO - RECURSOS
DIRECIONADOS (2003=100)
2003
100,00
100,00
BNDESTOTAL
100,00
2004
104,50
120,30
112,70
113,40
113,40
2005
113,20
137,10
122,00
126,70
123,60
2006
137,30
161,50
137,10
151,00
138,40
2007
169,30
194,20
155,30
183,30
156,70
2008
220,90
240,20
191,60
231,80
192,90
2009
313,50
262,90
254,90
285,00
255,70
2010
472,30
272,80
341,80
359,70
341,90
ANO HABITACIONAL RURAL
P
FÍSICAS
100,00
P
JURÍDICAS
100,00
FONTE: BACEN
Este comportamento é verificado quando se analisa o volume de crédito
direcionado pelo sistema financeiro. No período de 2003 a 2010, o total de
crédito direcionado disponibilizado pelo BNDES aumento aproximadamente
241%, o de crédito habitacional 372% e o de Pessoas Físicas expandiu 260%,
segundo dados disponibilizados pelo BACEN.
No que se refere a ampliação do crédito imobiliário, Costa (2008)
destaca que durante o período ocorreram avanços institucionais, como um
novo direcionamento dos recursos antes vinculados ao FCVS (Fundo de
Compensação das Variações Salariais), lei do patrimônio de afetação, regra do
valor incontroverso, estabelecimento de vantagens tributárias, etc. “A Caixa
lançou novos produtos, reduziu taxas de juros, aumentou prazos, aperfeiçoou
sistemas de risco e simplificou processos de contratação, realizando também
vários “feirões da casa própria”. Tudo isso representou forte estímulo ao
crédito”37, destaca Costa (2008).
Como agente do governo federal, observa-se o aumento significativo da
CEF como concedente de convênios realizados entre a esfera federal e
municipal. De 2002 a 2010, último ano de mandato do Governo Lula, “Caixa
Econômica Federal - Programas Sociais” expandiu aproximadamente 418% o
37
Costa, 2011:153.
97
volume conveniado no período, segundo dados disponibilizados pelo Portal da
Transparência do Governo Federal.
Esta maior oferta de crédito a partir de 2003, segundo Costa (2008). Foi
influenciado tanto por mudanças institucionais quanto por fatores econômicos.
Quanto às alterações institucionais, destaque-se para a Lei 10.820 de
17/12/2003 que regulamentou os empréstimos consignados em folha de
pagamento, ampliando o acesso dos trabalhadores a um crédito mais “barato”
e também de menor risco para o credor. Em relação aos fatores econômicos,
Costa (2008) observa que a consolidação de um cenário favorável, projetando
uma maior estabilidade de preços e com uma maior perspectiva de
crescimento econômico. “Este quadro elevou a confiança dos agentes
econômicos, fator fundamental para o aprofundamento do mercado de
crédito”38, analisa Costa (2008).
Já Camargo (2011) analisa que a ampliação do crédito foi possibilitado
pelo bom desempenho da economia, pelas condições positivas de renda e
emprego, pela redução das taxas de juros e pela ampliação dos prazos de
amortização.
Os bancos públicos, principalmente a CEF e o Banco do Brasil, também
passaram a investir, recentemente, em segmentos em que os bancos privados
eram mais atuantes, com ações visando ampliar o número de correntistas, tais
como o financiamento de veículos e a parceria com importantes redes
varejistas visando financiamento de eletrodomésticos. “A principal importância
dos bancos públicos, hoje em dia, está na execução de políticas
governamentais e na promoção da concorrência no setor”39, analisa Camargo
(2009).
38
39
Costa, 2011:151.
Camargo, 2011:88
98
TABELA 20 - ESTRUTURA DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO DAS INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS
ANO
PÚBLICO
CONTROLE PRIVADO
NACIONAL
CONTROLE
ESTRANGEIRO
TOTAL
2003
37,1%
39,2%
23,8%
100,0%
2004
37,2%
39,9%
22,9%
100,0%
2005
35,9%
40,9%
23,2%
100,0%
2006
35,3%
41,7%
23,0%
100,0%
2007
34,4%
43,2%
22,3%
100,0%
2008
34,0%
44,7%
21,3%
100,0%
2009
39,5%
41,3%
19,3%
100,0%
2010
42,2%
40,2%
17,6%
100,0%
Fonte: BACEN
Interessante observar que até 2008 os bancos comerciais de controle
privado nacional foram os que mais cresceram, tendência esta invertida a partir
de 2009, quando os bancos públicos passaram a expandir suas operações,
devido em grande parte, a executar políticas contra cíclica do governo.
De acordo com dados disponibilizados pelo BACEN, o setor público
retoma a liderança nas operações de crédito. No ano de 2003, o setor público
era responsável por aproximadamente 37% do crédito disponibilizado,
passando para 42% no ano de 2010, assumindo a liderança que antes estava
sob controle do setor financeiro privado, conforme tabela 3.6.
GRÁFICO 2 - TAXA DE JUROS SELIC (META)
30,0
% a.a.
25,0
20,0
Meta Selic
15,0
10,0
5,0
0,0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Figura 2 - TAXA DE JUROS SELIC (META)
99
No que se refere à evolução da taxa básica de juros, observa-se a partir
de 2002 uma queda considerável na sua taxa, atingindo seu menor valor em
meados de 2009.
Costa (2009) elenca uma série de fatores que explicam esta queda da
taxa básica de juros, entre elas uma diminuição na relação dívida pública / PIB:
no final de 2002 chegou a aproximadamente a 61,7% do PIB, passando para
aproximadamente 40%, segundo dados apresentados pelo mesmo autor.
Para Camargo (2009), os bancos públicos tiveram um papel essencial
na redução das taxas de juros e das tarifas bancárias, além de ampliar a
liquidez no sistema financeiro nacional, por meio da aquisição de instituições
privadas, possibilitada pela Medida Provisória 443.
O custo de crédito se torna mais atrativo para todos os setores, com
grande destaque para o crédito destinado à Pessoa Física (PF). O spread
bancário geral da economia que em 2002 era de aproximadamente 40 p.p. cai
para 28,8 p.p., sendo o do destinado a PF o mais significativo: sai de 51 p.p.
para 29 p.p. no mesmo período, conforme tabela 3.7.
Costa (2008) destaca a considerável queda na taxa de juros dos
empréstimos no período, chegando menor valor da série histórica iniciada em
junho de 2000: 33,8% a.a. em dezembro de 2007, o que representava uma
queda de 15 pontos percentuais em relação a setembro de 2005. Esta queda
na taxa de juros do crédito, é explicada, em grande parte, pela queda da taxa
básica de juros, conforme já mencionado anteriormente.
A queda de juros é verificada também quando se analisa a taxa média
de juros aplicada a Pessoa Física (PF) e a Pessoa Jurídica (PJ). No ano de
2002 à taxa média aplicada a PF era de 74,8% a.a. e para PJ 29%, passando
para 40,7% a.a. e 27,6% respectivamente. A taxa média de juros geral passa
de aproximadamente 48% para 35% no ano de 2010, como observado na
tabela 3.8.
100
TABELA 21 - TAXA MÉDIA ANUAL DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO COM RECURSOS
LIVRES REFERENCIAIS PARA TAXA DE JUROS - % A.A.
ANO
GERAL
PESSOA FÍSICA
PESSOA JURÍDICA
2002
47,8
74,8
29
2003
53,4
77,8
35,8
2004
44,7
62,9
30,2
2005
47,1
61,4
32,9
2006
43,2
55,7
28,9
2007
36,7
47,7
24,1
2008
39,6
51,4
27,8
2009
37,3
46,8
27,7
2010
34,9
40,7
27,6
Fonte: BACEN
Além disso, é observado no período também uma diminuição
considerável do prazo das operações de crédito. Em dezembro de 2003, o
prazo médio era de aproximadamente 170 dias para créditos tomados por PJ,
passando para 78,2 dias em junho de 2008. No mesmo período, o prazo médio
de crédito disponível para PF passou de 296 para 466 dias. Considerando
tanto o crédito para PJ quanto para PF, o prazo médio aumentou 70%,
segundo dados disponibilizados pelo BACEN.
Paula (2013) define o período de 2003 a 2008 como sendo o de boom
do crédito. Para o mesmo, o crescimento do crédito no período se caracterizou
pela absorção do crédito pelo setor privado, a liderança do segmento de crédito
com recursos livres, e, um dinamismo maior dos bancos privados nacionais em
relação aos demais bancos (públicos e estrangeiros).
Sendo assim, é notável que durante o governo Lula, a intervenção do
setor público no mercado de crédito pós 2009 foi de suma importância para
ampliação da oferta de crédito, melhoria nas condições de prazo e nos seus
custos (diminuição do spread e da taxa média de juros aplicada).
O governo agiu intensivamente e coordenadamente no sistema
financeiro através dos bancos públicos e na concessão de recursos
direcionados. “Assim, esses bancos recuperaram seu papel de fomentar o
desenvolvimento econômico e social brasileiro, ofertando crédito e serviços
101
financeiros em melhores condições para toda a população”40, analisa Camargo
(2011).
O Estado retoma a liderança no setor financeiro de crédito, alocando os
recursos de acordo com suas políticas de governo, além de fazer com o setor
privado reduzisse sua a taxa de juros para poder competir com as taxas dos
bancos públicos, bem como ampliar seus prazos, decorrente principalmente da
concorrência dos bancos públicos.
40
Camargo, 2011:87.
102
CAPÍTULO IV – O CRÉDITO AO CONSUMIDOR NO GOVERNO
LULA
Após analisar as mudanças ocorridas no conceito de Estado e nas
políticas públicas implementadas durante o mandato do Governo presidente
Lula (ver capítulo II), e depois de observar as mudanças ocorridas nos bancos
e na conjuntura financeira / bancária ocorridas nos últimos 20 anos (ver
capítulo III), o objetivo desta parte do trabalho é apresentar os resultados e o
comportamento do crédito destinado às a Pessoas Físicas (PF) durante o
mandato do Governo Lula (2002-2010) nesse período.
Para melhor compreensão e análise dos resultados, este capítulo foi
dividido da seguinte mineira: primeiro, é descrito, resumidamente, a estrutura
do Sistema Financeiro Nacional e as características dos tipos de modalidade
de crédito destinado a PF.
Em seguida, são apresentados os resultados obtidos nas distintas
modalidades de crédito, bem como são analisados o comprometimento da
renda familiar com as dívidas incorridas e a inadimplência do crédito obtido.
Por fim, é apresentado o resultado do consumo e da produção durante o
período, analisando brevemente o resultado e sua relação com a evolução do
comportamento das variáveis da produção e do consumo
4.1. O Sistema Financeiro Nacional (SFN)
Conforme descrito anteriormente neste trabalho, o crédito tem um
importante papel na economia, atuando principalmente na alocação do capital.
De acordo com Tavares (2014), o mercado de crédito tem como objetivo
disponibilizar recursos aos agentes econômicos (pessoas físicas e / ou
jurídicas)
nas
suas
necessidades
de
consumo,
operacionais
e
de
investimentos. Para Tsuru (2012), o crédito tem como uma das suas principais
funções a de potencializar a demanda agregada, financiando o consumo.
Segundo Vasconcellos (2000), que apresenta a visão convencional do
papel do sistema financeiro, o Sistema Financeiro Nacional (SFN), atua
transferindo recursos de setores / agentes superavitários, e destinando em
forma de crédito recursos para outro setor / agente que demanda recursos
103
41
De acordo com Tavares (2014), o SFN foi regulamentado pela Lei 4.595
de 31 de dezembro de 1964, conhecida como “Lei da Reforma Bancária”. Já o
mercado de capitais foi regulamentado pela Lei 4.728 de 14 de julho de 1965.
De acordo com Rodrigues (2011), o SFN atua nos seguintes mercados:

MONETÁRIO: mercado onde são realizadas as operações de curto
prazo. Inclui as instituições financeiras e as operações realizadas na
Bolsa de Valores;

CRÉDITO: atende as necessidades de curto, médio e longo prazo,
decorrente de operações de crédito disponibilizadas para as Pessoas
Físicas e Jurídicas;

CAPITAIS: atende as necessidades de médio a longo prazo,
principalmente de recursos destinados a investimentos. Por exemplo,
operações de abertura de capital e emissão de ações pela bolsa de
valores.

CAMBIAL: atende a necessidades de moeda estrangeira no país, por
parte de importadores / exportadores, agências de viagens e demais
instituições financeiras.
Tavares (2012) observa que o SFN é composto por órgãos normativos,
entidades supervisoras e operadores. Os normativos são instituições que tem
como função a edição de regras e normas. Já as entidades supervisoras
fiscalizam as operações do sistema financeiro, e os operadores são instituições
que executam as instituições de intermediação financeiros.
41
Tavares, 2014:89.
104
Figura 3 - Estrutura do SFN
TABELA 22 - ESTRUTURA DO SFN
CONSELHO
MONETÁRIO
NACIONAL (CMN)
Principal órgão do SFN, ele é responsável por todas as diretrizes
a serem aplicadas em todo o sistema. Formula toda a política
cambial e monetária.
COMITÊ DE POLÍTICA
MONETÁRIA (COPOM)
Órgão auxiliar do CMN na manutenção da política monetária.
Define, dentre outras coisas, a taxa básica de juros (SELIC).
Órgão executor público do SFN. Fiscaliza as instituições
financeiras, fazendo valer as regras definidas pelo CMN, além de
controlar o fluxo de capital estrangeiro no país. É responsável
ainda pela execução da política monetária.
BANCO CENTRAL DO
BRASIL (BACEN)
COMISSÃO DE
VALORES
MOBILIÁRIOS (CVM)
Órgão responsável pela fiscalização, normatização e controle do
mercado de capitais no Brasil.
BANCO NACIONAL DE
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO E SOCIAL
(BNDES)
Principal banco de desenvolvimento e incentivo à capacidade
produtiva no Brasil, tem como função básica a disponibilização de
linhas de crédito mais baratas do mercado, seja direcionando
recursos a setores prioritários ou em programas especiais de
desenvolvimento.
Fonte: Tavares, 2012:38
105
4.2. Modalidades de Crédito – Pessoa Física (PF)
De acordo com Tsuru (2012), as modalidades de crédito para pessoa
física vão desde simples venda com anotação de caderneta até as mais
complexas operações do sistema financeiro, utilizando-se das mais complexas
técnicas e serviços financeiros.
Tsuru (2012) e Tavares (2014) elencam as seguintes modalidades de
crédito à PF:
4.2.1. Crédito Direto ao Consumidor – CDC
Disponibilizada em grande parte através das lojas de varejo, que
vendem suas mercadorias ao consumidor e parcelam suas compras através de
prestações fixas e concessivas.
Apesar de ocorrer geralmente no interior das lojas, esta modalidade de
crédito é intermediada através de financeiras ou banco na modalidade de
crédito ao consumidor. A garantia é o bem financiado e o risco do crédito fica
por conta da financeira ou banco intermediador. A operação é sujeita ao
recolhimento de IOF, e o prazo de pagamento varia entre 3 a 48 meses.
4.2.2. Cheque Especial
Disponibilizado pelo banco comercial no qual o cliente PF possui sua
conta corrente, é uma modalidade de crédito rotativo para necessidades
temporárias, geralmente menor que um mês. O limite fixo fica à disposição do
correntista, que pode utiliza-lo automaticamente e, caso o utilize, paga uma
taxa pré-fixada correspondente aos dias utilizados. A garantia consiste apenas
nos termos previstos na abertura da conta.
106
4.2.3. Cartão de Crédito
Modalidade de crédito rotativo para financiamento de compras de bens e
serviços, e para saques em caixas eletrônicos até o limite estipulado. As taxas
são prefixadas, e o cliente pode parcelar o pagamento do valor devido. O
cliente pode também financiar parte da fatura de compras realizada, pagando
uma taxa de juros pré-fixadas em contrato. A garantia consiste apenas nos
termos previstos na abertura da linha de crédito, e atualmente o BACEN exige
que o cliente pague pelo menos 20% do valor da fatura mensal do cartão de
crédito.
4.2.4. Crédito Imobiliário
Consiste
em
recursos
destinados
geralmente
para
compra
de
residências, por meio de repasses do Governo Federal, utilizando créditos do
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, FAT – Fundo de Amparo ao
Trabalhador, PIS / PASEP – Programa de Incentivos Sociais. Garantia do
crédito é o imóvel financiado, e necessita da autorização do cônjuge.
4.2.5. Leasing
Entendida como uma alternativa ao CDC, utilizada mais frequentemente
para financiamento de veículos, o leasing é uma operação de crédito em que
as companhias de crédito adquirem o bem (automóvel, por exemplo) e alugam
para uma PF.
No final do contrato, a PF pode adquirir o bem através de um valor
residual, que varia de acordo com cada contrato. Atualmente é possível adquirir
vários equipamentos por leasing (computadores, equipamentos para saúde,
etc.).
107
4.2.6. Crédito Consignado
Modalidade de crédito destinado à PF, tem como característica principal
o fato que o valor das parcelas devidos são descontadas automaticamente na
fonte de renda do devedor (salário).
Possui uma taxa de juros mais atrativa, uma vez que o risco de
inadimplência é menor, e tem como uma das regras que o valor da parcela da
dívida não pode ultrapassar 30% da renda do tomador do crédito. Foi
regulamentado no Brasil pela Lei 10.820 de 17 de dezembro de 2003.
4.2.7. Contrato de Crédito Pessoal
Modalidade de crédito destinado a PF, não possui destinação específica,
podendo ser utilizado para os mais diversos fins. A análise de crédito é
realizada pelas instituições financeiras, e o saldo devedor é amortizado em
parcelas que incluem o valor principal e os encargos. Podem se exigir
garantias, como alienação de bens de bens patrimoniais.
4.3.
O Crédito ao Consumidor durante o Governo Lula (2003-2010)
Conforme já mencionado anteriormente neste trabalho (ver capítulo II),
observa-se durante o governo Lula um aumento significativo na quantidade de
recursos destinados ao crédito, uma redução das taxas de juros praticadas,
bem como uma ampliação do prazo nas operações de financiamento.
Observa-se, ainda, uma considerável mudança no papel das instituições
financeiras públicas, que além de fornecer crédito mais atrativo no mercado,
interveriam de maneira significativa no mercado de crédito, assumido um papel
importante de agentes na execução de políticas públicas definidas pelo
Governo Federal.
Sendo assim, o objetivo desta parte do trabalho é expor os resultados
das modalidades de crédito ao consumidor no período, observando o
comportamento de cada modalidade de crédito destinado á pessoa física, bem
como suas consequências positivas e negativas: o seu impacto no mercado
consumidor, bem como o endividamento das famílias.
108
4.3.1. O Crédito a PF
De acordo com a tabela 4.2 abaixo, o total de crédito disponibilizado à
PF entre 2002 a 2010 (recursos direcionados e livres) aumentou 290% no
período. A relação crédito PF / PIB quase que triplicou, passando de 5,1% em
2002 para 14,7% em 2009 (último dado disponível).
TABELA 23 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO DO SISTEMA FINANCEIRO - PESSOAS FÍSICAS
DEZ/ANO
% DO PIB TOTAL PF
PRAZO
MÉDIO
(DIAS)
TAXA DE
JUROS
(%A.A.)
INADIMPLÊNCIA - %
15 A 90
DIAS
ACIMA DE
90 DIAS
2002
5,1
100
284,1
74,8
6,84
7,78
2003
5,7
108
257,9
77,8
6,54
7,26
2004
6,7
123
250,9
62,9
5,7
6,13
2005
8,8
142
272,5
61,4
6,19
6,74
2006
9,7
168
306,3
55,7
6,18
7,57
2007
11,2
210
373,8
47,7
5,97
7,01
2008
12,6
283
444,9
51,4
6,62
7,91
2009
14,7
321
477,2
46,8
5,52
7,71
2010
n.d.
390
526,6
40,7
5,29
5,68
Fonte: BACEN
Observa-se também no período analisado que o prazo médio de
empréstimos a PF aumentou aproximadamente 85%, de 284 para 526 dias, a
taxa de juros aplicada para empréstimos a PF caiu quase pela metade,
passando de aproximadamente 75% a.a. em 2002 para 40% em 2010, uma
queda de 45,5% no período.
De acordo com dados disponibilizados pelo BACEN, e apresentados na
tabela 4.3, o volume de crédito pessoal disponibilizado pelas instituições
financeiras entre 2002 à 2010 expandiu aproximadamente 47,7%, e a taxa
média de juros desta modalidade passou de 91% a.a. em dezembro de 2002
para 44,11% em dezembro de 2010.
109
TABELA 24 - SALDO DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO RECURSOS LIVRES - PESSOA
FÍSICA (EM MILHÕES)
ANO
CRÉDITO PESSOAL¹
FINANCIAMENTO
VEÍCULOS
BENS DIVERSOS
2002
31.616,19
100,0%
34.681,19
100,0%
5.895,89
100,0%
2003
35.925,07
113,6%
35.328,02
101,9%
6.295,66
106,8%
2004
28.764,68
91,0%
41.677,40
120,2%
7.910,53
134,2%
2005
32.880,98
104,0%
52.507,07
151,4%
10.596,96
179,7%
2006
31.883,99
100,8%
63.753,99
183,8%
10.826,66
183,6%
2007
34.848,78
110,2%
78.347,04
225,9%
11.981,43
203,2%
2008
44.528,34
140,8%
74.844,27
215,8%
10.532,79
178,6%
2009
46.698,07
147,7%
81.746,72
235,7%
8.361,99
141,8%
2010
55.166,89
174,5%
115.338,67
332,6%
8.517,98
144,5%
¹ Exclui Crédito Consignado
Fonte: BACEN
No que se refere aos recursos destinados ao financiamento de veículos
a PF (CDC) o volume de crédito expandiu 232,6% no mesmo período, e a taxa
média de juros anuais caiu de 35,05% de dezembro de 2002 para 25% a.a. em
dezembro de 2010, conforme mostra tabela 4.4.
Já o volume de crédito destinado ao financiamento de outros bens a PF
viu sua expansão crescer aproximadamente 44% no mesmo período, e a taxa
de juros média aplicada caiu de 58,8% a.a. em dezembro de 2002, para 26,5%
a.a. em dezembro de 2010.
TABELA 25 - TAXA MÉDIA DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO RECURSOS LIVRES PESSOA FÍSICA (% A.A.)
FINANCIAMENTO
ANO
CRÉDITO PESSOAL¹
2002
91,84
100,0%
55,53
100,0%
80,71
100,0%
2003
80,32
87,5%
36,85
66,4%
71,54
88,6%
2004
68,37
74,4%
35,63
64,2%
66,92
82,9%
2005
67,28
73,3%
34,8
62,7%
65,2
80,8%
2006
57,18
62,3%
32,32
58,2%
60,98
75,6%
2007
45,8
49,9%
28,76
51,8%
56,53
70,0%
2008
60,44
65,8%
36,51
65,7%
73,79
91,4%
2009
44,35
48,3%
25,37
45,7%
54,83
67,9%
2010
44,11
48,0%
25,19
45,4%
47,91
59,4%
¹ Exclui Crédito Consignado
Fonte: BACEN
VEÍCULOS
BENS
110
O crescimento de crédito na modalidade leasing destinado a PF,
utilizado para financiamento de bens (em grande parte de automóveis)
apresentou um crescimento exponencial de aproximadamente 1899% de 2003
a 2010, conforme demonstrado pela tabela 4.5 abaixo.
TABELA 26 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO PF -LEASING (EM MILHÕES)
TABELA 4.5 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO PF -LEASING (EM MILHÕES)
ANO
SALDO
2003
1.956,8
100,0%
2004
4.715,7
241,0%
2005
8.730,0
446,1%
2006
13.938,4
712,3%
2007
28.976,9
1480,8%
2008
51.491,4
2631,4%
2009
55.025,8
2812,0%
2010
39.125,9
1999,5%
Fonte: BACEN
No que tange ao volume de crédito na modalidade Cheque Especial
destinado à PF, observa-se no período de 2002 a 2010 uma expansão de
aproximadamente 90,3%, e a taxa média anual de juros aplicada nesta
modalidade apresentou uma tendência de queda contínua de 2002 a 2007,
passando de proximamente 163% a.a. para 138%, e a partir de 2008 obsevouse a taxa de juros subir para 174% a.a. em 2008, cair para 159% em 2009, e
atingir um índice mais alto em 2010, atingindo uma taxa de 170,7% a.a.
TABELA 27 - VOLUME ANUAL DE CRÉDITO COM RECURSOS LIVRES CHEQUE
ESPECIAL- PESSOAS FÍSICAS
ANO
VOLUME (EM
MILHÕES)
PRAZO
MÉDIODIAS
INADIMPLÊNCIA
ACIMA DE 90 DIAS - %
TAXA MÉDIA
DE JUROS % A.A.
2002
8.545
100,0%
20
8,38
163,93
2003
8.919
104,4%
21
7,97
144,63
2004
9.800
114,7%
20
6,05
143,97
2005
10.974
128,4%
21
7,6
147,45
2006
11.760
137,6%
21
10,6
142,04
2007
12.985
152,0%
21
10,58
138,05
2008
16.040
187,7%
21
10,65
174,9
2009
15.787
184,8%
22
12,8
159,08
2010
16.262
190,3%
22
10,1
170,71
Fonte: BACEN
111
Na modalidade de crédito cartão de crédito destinado à PF, observa-se
entre os anos de 2002 a 2010, um aumento de aproximadamente 502% no
volume de crédito disponibilizado para esta modalidade, tendo a concessão de
crédito expandido no período em 773%, conforme demonstra a tabela 4.6.
TABELA 28 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO - CARTÃO DE CRÉDITO - PESSOA FÍSICA
VOLUME (EM
MILHÕES)
ANO
PRAZO MÉDIO DIAS
CONCESSÕES
INADIMPLÊNCIA - %
15 A 90
ACIMA DE 90
DIAS
DIAS
10,34
16,42
2002
4.838,6
100,0%
23.789.658
100%
30,83
2003
6.474,9
133,8%
33.059.044
139%
30,47
8,82
15,31
2004
8.207,3
169,6%
41.991.678
177%
26,03
10,64
19,73
2005
11.259,5
232,7%
66.550.599
280%
24,68
14,31
22,95
2006
13.418,4
277,3%
88.465.207
372%
33,28
12,12
24,09
2007
17.150,3
354,4%
98.254.640
413%
29,84
12,14
24,93
2008
22.088,2
456,5%
127.759.623 537%
32,34
12,68
27,34
2009
25.668,9
530,5%
158.874.883 668%
33,61
11,22
26,72
2010
29.170,3
602,9%
207.709.700 873%
33,02
12,3
24,23
FONTE: BACEN
Já na modalidade disponibilizado para financiamento imobiliário,
observa-se no período uma expansão no saldo de operações de crédito nesta
modalidade crescer no período de 2002 a 2010, aproximadamente 388%, e a
concessão de crédito viu uma expansão de 2859%! O prazo médio também
aumentou consideravelmente, passando de 1.633,1 dias (4,5 anos) em 2002,
para 4.298 dias (11,8 anos) em 2010, uma expansão do prazo médio em
aproximadamente 163% no período analisado.
TABELA 29 - CONCESSÕES DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO - FINANCIAMENTO
IMOBILIÁRIO - PESSOA FÍSICA¹
CONCESSÕES U.M.C. (MIL) ¹
PRAZO
MÉDIO
(DIAS)
INADIMPLÊNCIA - %
15 A 90
ACIMA DE
DIAS
90 DIAS
7,99
6,71
ANO
SALDO (MILHÕES)
2002
252.805,45
100,0%
157.920
100,0%
1.633,10
2003
260.728,48
103,1%
149.811
94,9%
1.525,29
5,25
5,61
2004
269.948,51
106,8%
204.870
129,7%
1.260,98
5,28
6,43
2005
290.361,56
114,9%
235.090
148,9%
1.317,46
4,21
5,84
2006
354.010,70
140,0%
605.851
383,6%
1.562,20
3,9
5,13
2007
435.078,87
172,1% 1.449.088
917,6%
2.199,34
2,78
2,87
2008
570.088,13
225,5% 1.999.902
1266,4%
2.712,03
2,88
3,28
2009
807.143,64
319,3% 2.190.291
1387,0%
3.238,56
2,95
3,04
2010 1.234.489,54 488,3% 4.674.029
2959,7%
4.298,02
2,42
2,06
¹ O valor refere-se ao volume total de crédito do referido ano
Fonte: BACEN
112
Outra característica consiste na concentração dos bancos públicos na
concessão de crédito nesta modalidade, conforme verificado na tabela 4.8. Em
2002, as instituições financeiras públicas eram responsáveis por 72% do
crédito imobiliário, passando para 84% em 2010, representando uma expansão
de aproximadamente 472% no período, enquanto o setor privado expandiu
176% na mesma modalidade.
TABELA 30 - SALDO DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO - SETOR HABITACIONAL (MILHÕES)
ANO
EVOLUÇÃO
ESTRUTURA
PÚBLICO
PRIVADO
TOTAL
PÚBLICO PRIVADO TOTAL
2002
100%
100%
100%
72%
28%
100%
2003
108%
91%
103%
75%
25%
100%
2004
114%
90%
107%
76%
24%
100%
2005
125%
89%
115%
78%
22%
100%
2006
158%
95%
140%
81%
19%
100%
2007
196%
112%
172%
82%
18%
100%
2008
254%
152%
226%
81%
19%
100%
2009
368%
195%
319%
83%
17%
100%
2010
572%
276%
488%
84%
16%
100%
Fonte: BACEN
Na modalidade de crédito consignado, criado a partir de 2004, na qual a
instituição financeira desconta o valor devido diretamente na fonte pagadora do
trabalhador diminuindo assim, portanto, o risco de inadimplência, o volume de
crédito nesta modalidade expandiu aproximadamente 706% de 2004 a 2010, e
a taxa de juros média aplicada passou de 38,9% a.a. em 2004 para 27,7% a.a.
em 2010, representando uma queda de aproximadamente 29,8% na
modalidade.
TABELA 31 - OPERAÇÕES DE CRÉDITO PF - CRÉDITO CONSIGNADO
ANO VOLUME (EM MILHÕES) TAXA MÉDIA (%a.a.)
2004
17.151,0
100,0% 38,9
100,0%
2005
31.704,0
184,9% 36,4
93,6%
2006
48.148,5
280,7% 33,3
85,6%
2007
64.685,5
377,2%
28,1
72,2%
2008
78.889,7
460,0%
30,8
79,2%
2009
107.883,4
629,0%
27,2
69,9%
2010
138.239,6
806,0%
27,7
71,2%
Fonte: BACEN
113
4.4.
Comprometimento da Renda e Inadimplência
De acordo com dados disponibilizados pelo BACEN, ao se analisar toda
modalidade de crédito disponibilizado à PF, a inadimplência de vencimento
acima de 90 dias diminuiu: em dezembro 2002 representava aproximadamente
7,78% do total destinado a PF, passando para 5,68% em dezembro de 2010.
Observa-se uma queda da inadimplência no financiamento imobiliário, no
mesmo período, passando de 6,71% para 2,06%, respectivamente.
Contudo, esta tendência de queda não é verificada em toda modalidade
de crédito. No cartão de crédito PF, em 2002 a porcentagem de contratos
inadimplentes acima de 90 dias representava 16,42% do total, passando para
24,23% em dezembro de 2010.
A modalidade de cartão de crédito, segundo Sbicca et al (2012),
apresentou uma considerável expansão, principalmente quando se analisa o
nível de renda dos usuários:
Ao passo em que o percentual de usuários de cartão de crédito
elevou-se de 59,9% para 64,4% na faixa de renda mais elevada (5%
finais da distribuição nacional), todas as faixas até a metade da
distribuição tiveram crescimento próximo de, ou superior a, 100% em
percentual de usuários. O cartão de crédito foi a modalidade com
maior crescimento no período, atingindo 26,8% de penetração média
no Brasil (Sbicca et al , 2012:11).
Esses autores comentam ainda um fenômeno conhecido como “Periferia
Jovem”, caracterizado por jovens trabalhadores oriundos de classe de baixa
renda, com pouca qualificação escolar, e por estudantes oriundos de escolas
de periferia e famílias que recebem alguma assistência social por parte do
Estado.
Eles afirmam que grande parte do lucro do cartão de crédito vem
justamente da receita proveniente do financiamento das faturas do cartão de
crédito: “Entre 2003 e 2007, as receitas com o crédito rotativo e multa devido à
inadimplência cresceram em média 19,5% ao ano, com participação 60% maior
em relação ao total no último ano citado”42, comentam Sbicca et al (2012).
42
Sbicca (2012):12.
114
Os dados apresentados por Sbicca et al (2012) encontram consonância
com os resultados de pesquisa realizada pela Federação do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FECOMERCIO), intitulada
“Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor - PEIC” que tem
como objetivo diagnosticar o nível de endividamento e inadimplência do
consumidor.
De acordo com a pesquisa, em dezembro de 2010, ao se analisar as
dívidas e seu comprometimento familiar, o cartão de crédito representava
aproximadamente 68,9% das dívidas contraídas pelas famílias, conforme
demonstra a tabela 4.11.
TABELA 32 - - TIPO DE DÍVIDA POR RENDA FAMILIAR - DEZEMBRO DE 2010
TIPO DE DÍVIDA
TOTAL
RENDA FAMILIAR MENSAL
ATÉ 10 SM MAIS DE 10 SM
CARTÃO DE CRÉDITO
68,9%
68,9%
69,0%
CHEQUE ESPECIAL
7,7%
7,0%
12,9%
CHEQUE PRÉ-DATADO
4,5%
4,8%
2,6%
CRÉDITO CONSIGNADO
2,3%
2,2%
3,4%
CRÉDITO PESSOAL
9,8%
9,3%
13,8%
CARNÊS
24,8%
25,8%
17,2%
FINANCIAMENTO DE CARRO
8,8%
6,7%
24,1%
FINANCIAMENTO DE CASA
2,6%
2,2%
6,0%
OUTRAS DÍVIDAS
1,5%
1,6%
0,9%
NÃO SABE
0,0%
0,0%
0,0%
NÃO RESPONDEU
0,4%
0,3%
0,9%
FONTE: FECOMERCIO
No que se refere ao comprometimento da renda das famílias com o
serviço da dívida, observa-se no período entre dezembro de 2005 a dezembro
de 2010 um pequeno crescimento no comprometimento da renda, passando de
17,25% (primeiro dado disponível) em dezembro de 2005, para 19,43% em
dezembro de 2010, conforme tabela 4.11.
115
TABELA 33 - COMPROMETIMENTO DE RENDA DAS FAMÍLIAS COM DÍVIDA COM O
SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - COM AJUSTE SAZONAL - %
DATA
AMORTIZAÇ
ÃO DA
DÍVIDA
JUROS DA
DÍVIDA
SERVIÇO DA
DÍVIDA
DEZ/05
11,83
5,42
17,25
SERVIÇO DA
DÍVIDA EXCETO
CRÉDITO
HABITACIONAL
16,88
DEZ/06
12,28
6,06
18,34
17,91
DEZ/07
11,57
6,03
17,6
17,13
DEZ/08
11,55
7,05
18,6
18,04
DEZ/09
12,18
7,37
19,55
18,84
DEZ/10
12,31
7,12
19,43
18,54
Fonte: BACEN
Os dados disponibilizados pelo BACEN vão ao encontro com os
resultados publicados pela pesquisa PEIC/ FECOMERCIO, que em dezembro
de 2004 (2004 foi o primeiro ano da pesquisa) o percentual de famílias
endividadas era de 69,7%, com contas em atraso 22,1%, e o total de famílias
que declaravam que não teriam condições para arcar com as dívidas
representavam 4,5% do total entrevistado. Em 2010, as mesmas variáveis
caíram para 45,7%, 13,2% e 4,3%, respectivamente (ver tabela 4.12).
TABELA 34 - COMPROMETIMENTO DA RENDA FAMILIAR COM DÍVIDAS
PERCENTUAL DE FAMÍLIAS
ENDIVIDADAS
MÊS
DEZ-04
DEZ-05
DEZ-06
DEZ-07
DEZ-08
DEZ-09
DEZ-10
69,7%
60,8%
61,2%
48,4%
49,6%
47,7%
45,7%
FONTE: FECOMERCIO
CONTAS EM
ATRASO
22,1%
26,2%
26,2%
17,4%
15,0%
19,7%
13,2%
NÃO TERÃO
CONDIÇÕES
DE PAGAR
4,5%
4,9%
8,6%
3,8%
4,2%
6,4%
4,3%
Na pesquisa “Índice de Expectativas das Famílias (IEF)” volume 1
publicado pelo IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada), traz que em
dezembro de 2010, 45% das famílias entrevistadas afirmaram não ter dívidas, e
que aproximadamente 20% das famílias possuem alguma conta atrasada.
Contudo, de acordo com a pesquisa, 60% dessas famílias creem que
116
conseguirão quitar essas contas total ou parcialmente no mês seguinte.
4.5.
Crédito x Atividade Econômica
Conforme mencionado anteriormente neste trabalho (ver capítulo II),
durante os dois mandatos do governo Lula o aumento da produtividade,
transferências de renda e outras ações de estímulo a economia e programas
de transferências de renda, tais como a implementação do PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento) e subsídios a setores considerados estratégicos,
fez com que impactasse consideravelmente o setor real da economia.
TABELA 35 - RENDIMENTO, PRODUÇÃO E CONSUMO DAS FAMÍLIAS (2002-2010
MERCADO DE
TRABALHO
FORMAL
100,0
PIB
RENDIMENTO
MÉDIO
2002
SALÁRIO
MÍNIMO
REAL
100,0
100,0
100,0
CONSUMO
FINAL FAMILIAS
100,0
2003
100,7
84,7
101,1
90,8
100,7
2004
104,4
199,8
106,9
94,2
107,8
2005
111,7
164,5
110,3
96,1
111,5
2006
127,4
161,2
114,7
103,5
117,1
2007
135,1
212,1
121,7
110,5
124,8
2008
139,3
190,5
127,9
115,7
128,1
2009
149,3
130,5
127,5
114,7
137,8
2010
157,3
280,3
137,1
121,3
147,9
ANO
Fonte: IPEADATA
Considerando a variação real do PIB (excluindo a inflação) entre os anos
de 2002 a 2010 expandiu 37,1%, o rendimento médio do pessoal ocupado
21,3%, o número de postos formais de trabalho 180,3%, conforme tabela 4.13.
Ao se analisar o resultado em setores específicos, observa-se um
crescimento considerável na produção de veículos que entre os anos de 2002
a 2010 expandiu aproximadamente 80%, móveis e eletrodomésticos 157%,
mercados e hipermercados 49% no mesmo período (ver tabela 4.14).
117
TABELA 36 - EXPANSÃO DO CONSUMO E VENDAS (2002=100)¹
VAREJO
AMPLIAD
O
MATERIAIS
MÓVEIS E
DE
ELETRODOM
CONSTRUÇÃ
ÉSTICOS
O
100,0
N.D.
ANO
VEÍCULOS
SUPER
MERCA
DOS
2002
100,0
100,0
n.d.
2003
100,2
95,5
100,0
99,1
100,0
100
2004
123,0
102,6
111,1
125,3
113,3
107,2
2005
136,3
104,8
114,5
145,4
118,2
113,66
2006
139,7
112,9
121,9
160,3
128,7
117,95
2007
165,6
120,6
138,4
185,0
147,7
128,51
2008
175,8
127,0
152,1
212,9
174,3
145,63
2009
181,5
137,2
162,5
217,4
178,3
162,77
2010
188,4
149,1
182,3
257,2
215,0
182,1
FARMÁCIA E
COSMÉTICOS
N.D.
¹ Obs: quando não disponível, o ano de referência passa ser o seguinte.
FONTE: IPEADATA
Além dos setores acima citados, observa-se também uma relação quase
direta entre valor dos imóveis x crédito imobiliário. De acordo com o IVG-R
(Índice de Valores de Garantia de Imóveis Residenciais Financiados), índice
criado pelo BACEN com o objetivo de medir a valorização dos imóveis, entre os
anos de 2002 a 2010, o valor dos imóveis expandiu aproximadamente 258%,
enquanto o crédito destinado à PF para financiamento dos imóveis residenciais
no mesmo período cresceu 388%43 (ver gráfico 1)
GRÁFICO 4 - CRÉDITO HABITACIONAL X PREÇO
DOS IMÓVEIS
600,0%
500,0%
400,0%
300,0%
200,0%
100,0%
0,0%
IVG-R
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
CRÉDITO
HABITACIONAL
Figura 4 - CRÉDITO HABITACIONAL X PREÇO DOS IMÓVEIS
Ao analisar o consumo das famílias e seu impacto no crescimento do
PIB, segundo dados disponibilizados pelo IPEDATA44, no ano de 2002 o
43
44
Este índice já é deflacionado pelo IPCA, índice de inflação oficial utilizado pelo governo.
Ver “Contribuição do consumo final das familias no crescimento do PIB” – IPEADATA.
118
consumo das famílias contribuiu 1,22% para o crescimento do PIB naquele
ano. Em 2010, esta contribuição passa para 4,24%, confirmando assim o
avanço e consumo interno ocorrido na economia brasileira neste período.
Contudo, ao se comparar a evolução o crescimento do setor real da
economia, com a expansão do crédito destinado a PF, observa-se que este
cresceu a taxas muito mais elevadas que a expansão da economia real,
conforme bem demonstra o gráfico 2.
450,0
400,0
350,0
300,0
250,0
200,0
150,0
100,0
50,0
0,0
PIB
RENDIMENTO
MÉDIO
CONSUMO FINAL FAMILIAS
CRÉDITO PF
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
CRESCIMENTO
GRÁFICO 2 - CRÉDITO PF X ECONOMIA REAL
Figura 5 - CRÉDITO PF X ECONOMIA REAL
Enquanto se observa que a variação do PIB, Consumo Final das
Famílias e o Rendimento Médio se comportam quase igualmente, com as
linhas do gráfico quase sobrepostas uma sobre as outras, o crédito
disponibilizado a PF se destoa deste grupo, apresentando um crescimento
muito além daquele verificado no setor real da economia doméstica.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Qual papel cabe ao Estado? Qual seu tamanho ideal? Quais as medidas
podem ser tomadas para que o desenvolvimento aconteça e a desigualdade
atinja seu menor nível possível numa economia capitalista?
Acredito que estas perguntas há muito tempo vem sendo formuladas e
respondidas em todo o mundo, e no Brasil não é diferente. O país, na sua curta
história, seguiu diversos caminhos, que foram tomados com o intuito de que o
Brasil atingisse o seu pleno desenvolvimento, e deixasse de ser o país do
futuro (o “longo amanhecer” ao qual Celso Furtado tanto se referia) para ser o
país do presente;esses caminhos foram seguido tanto com a presença de um
Estado na condução do seu desenvolvimento quanto sem ela.
Na primeira metade do século XX, após o capitalismo mundial sofrer sua
principal crise, e o liberalismo auto-regulador ser colocado em xeque (ver
capítulo I) foram implementadas no país um conjunto de medidas e de ações
inspiradas na perspectiva desenvolvimentista.
Conforme mencionado no capítulo I desta dissertação, esta corrente
teórica inspirou e deu sustentação, em certo modo, para um conjunto de
medidas e ações, lideradas pelo Estado, com o objetivo de reverter o
subdesenvolvimento e promover o desenvolvimento econômico.
O caminho do crescimento passava pela industrialização. Sendo assim,
observa-se na primeira metade do século XX o surgimento de um Estado
inovador e empresário
O Estado Brasileiro tomou para si o papel de coordenação do
desenvolvimento econômico do país, criando órgãos técnicos para deliberar e
propor políticas de fomento, como o Conselho Federal do Comércio Exterior
(1931) e o Conselho Técnico de Economia e Finanças (1937), por exemplo.
O Estado brasileiro no período tinha um projeto a ser seguido. Várias
ações no decorrer do primeiro e segundo governos de Getúlio Vargas foram se
consolidando, visando a modificação da estrutura econômica do país. O país
conseguiu diminuir sua dependência externa nos Bens Intermediários, com a
criação da PETROBRÁS, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Cia
Nacional de Álcalis, por exemplo.
120
No que se refere ao financiamento de obras de desenvolvimento, criouse o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento), para financiar obras
importantes
na
perspectiva
desenvolvimentista;
posteriormente,
esta
experiência permitiu o surgimento de outras instituições de financiamento de
desenvolvimento regional (como o caso do Banco do Nordeste), além de
carteiras específicas em bancos estatais para financiar certos segmentos. No
caso da agricultura, já existia uma experiência prévia, a Carteira Agrícola do
Banco do Brasil em 1937.
Já o governo de Juscelino Kubitscheck
através de seu “Plano de
Metas”, definiu uma série de prioridades e medidas que deveriam ser tomadas
para superar alguns pontos de estrangulamento da malha produtiva e promover
uma economia nacional mais integrada, o que foi posteriormente intensificado
com a implementação do II PND, que em suma, promoveu o desenvolvimento
da indústria de bens de capital no Brasil, internacionalizando boa parte da base
técnica de produção.
Contudo, a partir dos anos de 1980, esta intervenção deliberada do
Estado na economia começou a perder fôlego. Ante essa situação, e dada a
crise de financiamento que fragilizava a ação estatal, a ideologia neoliberal
ganhou força, e paulatinamente foi sendo aceita a crença de que a ausência de
intervenção econômica era o melhor caminho para o desenvolvimento
econômico.
Por todo o mundo, inclusive no Brasil, o processo de privatização de
empresas estatais e a desregulamentação dos investimentos externos e dos
mercados de capitais foram ganhando espaço e, como denuncia Carneiro
(2005), aos poucos, todo o arcabouço que permitiu estruturar o “nacionaldesenvolvimentismo” foi sendo desmontado.
Diversas reformas aconteceram a partir do final da década de 1990,
como o Plano Nacional de Privatização, a abertura externa, os esforços para
controlar a dívida pública, e a busca incessante pelo Superávit Primário das
contas públicas com o objetivo de pagar os juros da dívida.
Como observa Pochmann (2009), neste período prevaleceu o “ajuste
fiscal e desajuste social”, onde o rendimento proveniente do sistema produtivo
é deslocado para o pagamento da dívida externa, além do considerável
aumento real da carga tributária em torno de 10%:
121
A partir dos anos 1980, com toda a turbulência interna e externa,
observamos um Estado desacreditado e falido, que ia perdendo sua
capacidade de intervenção na economia.
A eleição do Governo Lula representou um paradigma na história
recente do Brasil, onde pela “primeira vez na história deste país”, um
trabalhador oriundo da classe baixa, nordestino retirante, conseguiu ser eleito
Presidente da República.
Como comentado anteriormente neste trabalho, a eleição de Lula e do
Partido dos Trabalhadores (PT) na liderança do Poder Executivo Federal,
representou uma insatisfação como modelo anterior de desenvolvimento
baseado no liberalismo econômico e no mercado como principal responsável
por alocar recursos e por decidir o que deve ser priorizado.
A frustração provocada pelos resultados econômicos e sociais
insatisfatórios, fruto em grande parte das medidas mais liberalizantes, fez com
que o papel do Estado como condutor do desenvolvimento econômico fosse
retomado.
Diante disso, volta-se a um modelo semelhante ao desenvolvimentismo
implantado no século XX, contudo, mais adaptado a atual conjuntura
econômica
mundial
e
aos
seus
desafios.Surge
assim
o
neodesenvolvimentismo, ou Novo Desenvolvimentismo. Para os adeptos desta
corrente, o que cabe ao Estado é promover políticas e ações que busquem a
garantia de preços macroeconômicos adequados, com destaque para a taxa de
câmbio competitiva, permitindo boas condições para que suas economias
possam participar da concorrência do capitalismo global, inspirado nas boas
experiências vivenciadas pelos países asiáticos. Prevê ainda um Estado
voltado mais à inclusão social e também ao respeito e promoção de práticas
democráticas.
O papel de destaque das empresas estatais é retomado, uma vez que
empresas como Petrobrás, Infraero, Caixa Econômica, são chaves para o
sucesso das políticas públicas do governo, seja agindo como agente
interventor direto na economia, ou mesmo como agente executor de políticas
públicas.
Durante os dois mandatos do Governo Lula (2003 a 2010), ganham
destaque na análise seus programas sociais, os que permitiram que uma
122
grande massa da população brasileira ingressasse na classe média. Esse
resultado foi conseguido em grande parte através de uma política de
valorização do salário mínimo e pela significativa ampliação da cobertura dos
programas sociais de transferência de renda, em destaque, o Bolsa Família.
O governou estimulou a queda da taxa básica de juros SELIC, e essa
folga fiscal viabilizou uma série de investimentos. Os bancos públicos tiveram
um papel essencial na redução das taxas de juros e das tarifas bancárias, além
de ampliar a liquidez no sistema financeiro nacional, por meio da aquisição de
instituições privadas e fusões com outros bancos públicos.
Os bancos públicos foram também os principais responsáveis pela maior
oferta de crédito na economia: sua participação pulou de 22% do PIB em 2002
para aproximadamente 45% do PIB em 2010. O custo de crédito tornou-se
mais atrativo para todos os setores, com grande destaque para o crédito
destinado à Pessoa Física (PF). O crédito disponível para esta modalidade
saltou de aproximadamente 5% do PIB em 2002 para 14% em 2010.
Observa-se ainda aumento dos prazos dos financiamentos, queda
significativa nas taxas de juros aplicadas, aumento dos recursos direcionados
para financiamento de imóveis e máquinas, tudo isso graças a uma forte
atuação dos bancos públicos que diminuíram as taxas de juros através da
concorrência bancária.
Diante disso, é inegável que o Governo Lula reanimou instrumentos de
intervenção estatal na economia. Os bancos públicos foram mais atuantes, o
governo atuou na queda dos juros da economia, e promoveu ações e
programas de políticas anticíclicas que deram um folego na economia
enquanto o mundo capitalista vivia sua pior crise pós 1929.
As características do ambiente macroeconômico nunca estiveram tão
perto daquilo que é considerado desejável pelo novo desenvolvimentistas , com
exceção do cambio que se manteve apreciado em grande parte dos dois
períodos de governo, com exceção do início do primeiro mandato. E talvez aí
esteja o grande calcanhar de Aquiles do novo desenvolvimentismo e do
governo Lula: aceitar o jogo.
O novo desenvolvimentismo, conforme já descrito anteriormente, aceita
jogar o jogo do capitalismo mundial. Ou seja, defende políticas e programas
123
que tem como objetivo de “permitir” que a economia brasileira participe da
melhor maneira do mercado global.
E aí esteja o mais perverso deste jogo: a economia brasileira, como
acontece desde a colônia, se insere muito bem na economia global como
fornecedor de bens primários, e obteve excelentes resultados nas suas
exportações principalmente durante o primeiro mandato do governo Lula.,
conforme mencionado por autores neste trabalho. Grande parte do câmbio
apreciado durante o período do mandato se deu, em certa parte, pela entrada
de moeda estrangeira decorrente da exportação de commodities.
O governo Lula se propõe em realizar reformas pontuais e não
estruturantes. Modifica onde foi permitido modificar, através da sua ampla e
irrestrita base governista, sem, contudo, conseguir atuar em temas sensíveis
como reforma agrária, política, tributária, dentre outras.
O mandato do presidente Lula reformou até o limite que sua base de
sustentação lhe permitiu, não mais que isto. Parou nos grandes interesses e se
acovardou das grandes mudanças.
Enquanto
o
dito
velho
desenvolvimentismo
defendia
reformas
estruturantes em toda economia, principalmente no incentivo e promoção em
setores dinâmicos (que na época passava pela indústria), o governo Lula
apesar dos grandes e consideráveis avanços, não conseguiu que suas
reformas conseguissem criar um cenário macroeconômico favorável ao
crescimento sustentado e uma melhor participação da economia brasileira na
economia mundial além das commodities.
A culpa não é totalmente do governo, uma vez que não cabe ao Estado
todas as ações e programas. O governo não pode tudo. Na democracia, as
correlações de forças e o jogo de interesses atuam diretamente na alocação de
recursos e eleição de prioridades, e reformas que causam significativas
mudanças são muito difíceis de concretizarem.
Enfim, o governo Lula representa o limite das reformas. Isto é, o limite
das reformas pontuais. O desenvolvimento demanda reforma mais amplas e
profundas; demanda um pacto político em favor de um projeto nacional mais
vanguardista e que objetive transformações profundas na estrutura econômica
e social do país.
124
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