II SEMINÁRIO DE PRÁTICA DE PESQUISA EM PSICOLOGIA

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II SEMINÁRIO DE PRÁTICA DE PESQUISA EM PSICOLOGIA
Universidade Estadual de Maringá
28 a 30 de Novembro de 2012
PERFECCIONISMO À LUZ DA TRÍPLICE CONTINGÊNCIA: ESBOÇO DE UMA
ANÁLISE
Taisa Scarpin Guazi (Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Fundação
Araucária-UEM, PIBIC); Carolina Laurenti (Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de
Maringá).
contato: [email protected]
Palavras-chave: Perfeccionismo. Análise do Comportamento. Tríplice contingência.
Imersos em uma sociedade capitalista, individualista e competitiva, ser o melhor,
independentemente do contexto, parece não ser só um objetivo a ser atingido, mas também
uma necessidade que deve ser suprida para a manutenção de cada indivíduo no sistema.
Frases, tais como esta: “ou você se adapta ou você é tirado do sistema”, são frequentes entre
aqueles que estão inseridos no mercado de trabalho atual. A competitividade galopante, que se
apresenta inclusive na universidade com o produtivismo acadêmico, parece indicar a
perfeição como meio de se alcançar o sucesso em todas as esferas da vida.
Esse contexto oferece condições propícias para o desenvolvimento do que alguns
autores designam por perfeccionismo (ELLIOTT; MELTSNER, 1993; MAIA et al., 2006;
SOARES et al., 2003). Em princípio, o perfeccionismo pode ser caracterizado pela busca
incessante pela perfeição, a exemplo de pessoas extremamente responsáveis, pontuais,
detalhistas, autocríticas, exigentes, minuciosas, que se dedicam com afinco na realização das
mais diversas tarefas, refazendo várias vezes uma mesma atividade antes de considerá-la
terminada, dentre outras características. Com tantas qualidades, resta perguntar: onde está o
problema?
Na literatura de comentário, há estudos que defendem uma espécie de dégradé do
perfeccionismo, delimitando matizes que vão do perfeccionismo sadio ao perfeccionismo
patológico (ELLIOTT; MELTSNER, 1993; SOARES et al., 2003). Outros estudos ainda
circunscrevem o perfeccionismo no campo estritamente patológico, associando-o a diversas
psicopatologias como transtornos alimentares, depressão, comportamento suicida, e baixa
autoestima (MAIA et al., 2006). Nessa perspectiva, o perfeccionismo é considerado ou como
um fator de predisposição para o desenvolvimento de doenças, ou como um agravador e
mantenedor de quadros clínicos.
O comportamentalismo radical, contrariando essa abordagem patológica do
comportamento, nega a existência de um comportamento patológico per se. Todos os
comportamentos são explicados de acordo com o modelo de seleção pelas consequências,
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segundo o qual, variações que acontecem nas ações do indivíduo são selecionadas pelas
consequências que produzem. Em outras palavras, os comportamentos só são instalados e
mantidos (isto é, são selecionados) porque apresentam uma função para o indivíduo, no
sentido de terem produzido, na sua história de vida, consequências reforçadoras (MATOS,
1999). Dessa forma, comportamentos normais ou anormais só existem na medida em que são
julgados pela sociedade que os observa – os diversos comportamentos, sejam eles quais
forem, são instalados e mantidos pelos mesmos processos (ULLMANN; KRASNER, 1975).
Nessa perspectiva, o perfeccionismo não é entendido como uma patologia ou um fator
de predisposição para o desenvolvimento de “doenças”, mas como um padrão
comportamental (como qualquer outro) que foi instalado e mantido porque apresenta – para o
indivíduo perfeccionista – uma função. E é essa função que precisa ser identificada.
Ademais, tomando as características da sociedade contemporânea, o perfeccionismo
não seria um padrão comportamental desadaptativo, mas, ao contrário, denotaria uma extrema
adaptação às exigências do meio. Nesse sentido, a lógica que se apresenta é bastante
perversa: com suas exigências, a sociedade cria condições para a instalação e a manutenção
do padrão perfeccionista, e, quando esse padrão selecionado provoca prejuízos ao indivíduo, a
sociedade patologiza esse sujeito, responsabilizando-o por sua desadaptação. Mais do que
isso, esse desajuste é rotulado com classificações sancionadas pelos profissionais da área da
saúde, o que pode acabar enviesando a explicação do próprio fenômeno: o rótulo que antes
tinha o papel de descrever um dado padrão de comportamento passa a ter função explicativa.
Valendo-se da noção da tríplice contingência (contexto – ação – consequência), a
análise funcional do comportamento desloca o foco de investigação do indivíduo para as
relações nas quais ele está inserido, debruçando-se, especialmente, sobre as consequências
produzidas pela ação em pauta. Dessa forma, a Análise do Comportamento parece oferecer
alternativas à patologização da vida e à interpretação individualista do ser humano. Com essa
discussão no horizonte, o objetivo desta pesquisa foi interpretar o perfeccionismo à luz da
tríplice contingência, ou seja, buscou-se caracterizar as ações perfeccionistas e suas
consequências no contexto em que ocorrem, e ao longo da história de vida do indivíduo. Para
tanto, esta pesquisa, de caráter exploratório-qualitativo, partiu de uma hipótese preliminar
acerca do padrão perfeccionista. A hipótese foi esboçada com base no exame de textos da
literatura analítico-comportamental, que versavam sobre a problemática da autoestima,
sentimento de responsabilidade, sentimento de culpa, regras e auto-regras, controle aversivo,
dentre outros. Participaram da pesquisa três professores pesquisadores, bolsistas
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produtividade do CNPq, da Universidade Estadual de Maringá, que foram escolhidos
aleatoriamente por meio da análise de seus currículos Lattes. A participação desses
professores se deu por meio de uma entrevista semi-estruturada, que versava sobre a história
de vida acadêmica de cada um deles. A etapa de coleta de dados já foi finalizada, e a duração
total do conjunto de entrevistas é de aproximadamente quatro horas. Apesar de a análise
funcional dos dados ainda não ter sido realizada, é possível, mesmo que de modo incipiente,
traçar correlações entre os dados da entrevista e a hipótese inicial acerca da gênese e
manutenção do padrão perfeccionista.
Como já foi mencionado alhures, na literatura de comentário o perfeccionismo é
usualmente relacionado a diversas psicopatologias, o que encoraja a hipótese de que esse
padrão comportamental esteja sob controle predominantemente aversivo. Uma análise das
descrições do padrão perfeccionista sugere ainda que o entrelaçamento de contingências que
geram baixa autoestima e contingências que demandam extrema responsabilidade pode
explicar a instalação e a manutenção desse padrão comportamental. Isso se expressaria em um
indivíduo que, ao engajar-se com afinco em ações específicas (responsabilidade), obtendo
com isso reconhecimento social, manteria um padrão autoavaliativo de depreciação de si
(baixa autoestima). Como isso seria possível?
Guilhardi (2002) destaca que o desenvolvimento da autoestima está relacionado com
contingências de reforço positivo sociais, ou seja, depende, por exemplo, do reconhecimento
que os pais expressam aos seus filhos frente às ações deles, com destaque à pessoa e não ao
comportamento. Com uma autoestima bem desenvolvida, os indivíduos são capazes de
exercer auto-reconhecimento. A aparente dificuldade ou mesmo a inabilidade que o
perfeccionista apresenta em exercer auto-reconhecimento pode estar vinculada a uma história
de vida na qual o destaque era quase sempre voltado para as ações e não para a pessoa que
age. Caso a gratificação tenha acontecido sempre contingente a respostas específicas (estudar,
por exemplo), existe alta probabilidade de que relações de troca e não de afeto tenham sido
estabelecidas, – um amor condicionado a ações específicas – um pai que não me ama
incondicionalmente.
A intolerância do perfeccionista frente ao erro poderia ser explicada por um histórico
de punição em que a pessoa, e não comportamento, era destacada quando da ocorrência de um
comportamento “inadequado” (a classificação “inadequado” ou “adequado” não é baseada na
natureza do comportamento, mas refere-se à uma classificação arbitrária do agente
controlador, que, no caso, seriam os pais). Se, por um lado, o comportamento acertado era
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alvo de reconhecimento, por outro, a pessoa que errou era punida. O erro passa a ser
inaceitável quando significa um esmaecimento do amor desses pais que só amam o filho
quando ele acerta. Ora, se o acerto era condição para que esses pais expressassem amor deles
ao filho é claro que qualquer erro precisava ser evitado; por certo, esse filho esforçar-se-ia em
ser perfeito.
Segundo Guilhardi (2002), o sentimento de responsabilidade é produto de
contingências
coercitivas.
Uma
pessoa
extremamente
responsável
agiria
quase
exclusivamente sob controle aversivo, e teria, na gênese desse padrão comportamental,
sofrido a ausência de uma audiência significativa que intercedesse por ela frente à coerção, e a
falta de uma comunidade verbal alternativa que tornasse possível a discriminação dos
excessos de coerção. Possivelmente, na sua história de vida, o perfeccionista passou por
contingências que demandavam, desde muito cedo, uma responsabilidade extrema – seja pela
natureza do compromisso que tinha que assumir seja pelo grau de exigência envolvido na
execução da tarefa.
O padrão perfeccionista também parece ser predominantemente governado por regras.
Segundo Albuquerque (2001), o operante de seguir regras é instalado e mantido por meio de
reforçamento social. Castanheira (2001) destaca que o comportamento de seguir regras
resume anos de experiência direta – com economia de tempo, custo e sofrimento. Ademais
“as regras evitam erros e consequências aversivas” (CASTANHEIRA, 2001, p. 42), o que
faria menção à importância de seguir regras para o perfeccionista. O conceito de auto-regras
está relacionado com auto-verbalizações produzidas pelo próprio sujeito que as seguirá, e são
elaboradas com base em acontecimentos passados (CASTANHEIRA, 2001). Cabe ressaltar,
que as auto-regras não explicam o padrão perfeccionista, mas precisam ser explicadas. Dado
uma história de vida, com reforço contingente a respostas específicas, como parece ser o caso
do indivíduo perfeccionista, é possível que certas auto-regras como “não posso errar”,
“preciso ser o melhor”, “preciso melhorar meu desempenho” tenham sido elaboradas. A autoregra de ouro do perfeccionista se resume no seguinte: “nas mais diversas situações, preciso
ser perfeito, para então ser aceito”. A busca incessante por perfeição estaria vinculada às
relações de troca estabelecidas – o indivíduo aprendeu que só será aceito e amado quando
acertar. Convém destacar, ainda, que o comportamento governado por regras “é emitido de
forma mais mecânica, estereotipada e rígida” (CASTANHEIRA, 2001, p. 42).
As questões supracitadas referentes a uma interpretação analítico-comportamental
preliminar do perfeccionismo estão, de certa forma, circunscritas à gênese desse padrão
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comportamental. Levantando algumas hipóteses acerca da manutenção do padrão
perfeccionista, cabe resgatar a questão inicial sobre as exigências do capitalismo e do atual
mercado de trabalho. Com baixa autoestima, extremamente responsável e intolerante ao erro,
o perfeccionista atende de forma ampla uma sociedade que prima pela produtividade de seus
membros. Uma sociedade que precisa de pessoas responsáveis, minuciosas, atentas, pontuais,
exigentes, que se dedicam com afinco à realização de uma tarefa – o perfeccionista parece ser
um perfeito encaixe no sistema. Longe de querer esgotar o debate acerca do perfeccionismo,
este trabalho pretende fomentar novos estudos e discussões sobre o tema. A Análise do
Comportamento, com seu corpus teórico, indica caminhos alternativos à interpretação
psicológica do perfeccionismo, oferecendo, concomitantemente, uma reflexão ética e política
dessa problemática.
Referências
ALBUQUERQUE, L. C. de. Definições de regras. GUILHARDI, H. J. (Org.). Sobre
Comportamento e Cognição: expondo a variabilidade. Santo André: ESETec Editores
Associados, 2001. p. 132- 140.
CASTANHEIRA, S. dos. S. Regras e aprendizagem por contingência: sempre e em todo o
lugar. In: GUILHARDI, H. J. (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: expondo a
variabilidade. Santo André: ESETec Editores Associados, 2001. p. 36-46.
ELLIOTT, M.; MELTSNER, S. Perfeccionistas: como aprender a conviver com as
imperfeições do mundo real. Tradução de Ricardo Gouveia. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 272.
GUILHARDI, H. J. Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade. In: BRANDÃO, M. Z. da
S.; CONTE, F. C. de S.; MEZZAROBA, S. A. B. (Orgs.). Comportamento humano – Tudo
(ou quase tudo) que você precisa saber para viver melhor. Santo André: ESETec Editores
Associados, 2002.
MAIA, B. R. et al. Perfeccionismo e perturbações do espectro obsessivo-compulsivo –
Resultado preliminares. Psiquiatria Clínica, v. 17, n. 1, p. 63-69, 2006.
MATOS, M. A. Análise funcional do comportamento. Revista Estudos de Psicologia, v. 16,
n. 3, p. 8-18, 1999.
SOARES, M. J. et al. Escala multidimensional de perfeccionismo: adaptação à população
portuguesa. Revista Portuguesa de Psicossomática, v. 5, n. 1, p. 46-55, 2003.
ULLMANN, L.; KRASNER, L. A Psychological approach to abnormal behavior. 24. ed.
New Jersey: Prentice-Hall, 1975. [Tradução resumida de Maura Alves Nunes Gongora, não
publicada].
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