O SR. SANDRO MABEL pronuncia o seguinte discurso: Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, mais uma vez as manchetes dos jornais estampam notícias alarmantes: “Cerrado perto do fim – Diagnóstico ambiental de Goiás revela: desmatamento pode levar a desaparecimento de cobertura vegetal natural do cerrado em 86 anos” (O Popular, 11 de setembro de 2003). Nobres Pares, os ecossistemas brasileiros têm castas distintas. Há os de primeira, e há os de segunda classe. Segundo o jornalista e ambientalista Washington Novaes, há os que se escrevem com a inicial maiúscula, como a Amazônia, a Mata Atlântica, o Pantanal Mato-Grossense, a Zona Costeira e a Serra do Mar – assim reconhecidos como patrimônio nacional pelo parágrafo 4º do art. 225 da Constituição Federal. E há aqueles de segunda classe, como o Cerrado e a Caatinga, que se escrevem com “c” minúsculo, como se fossem ecossistemas secundários. 2 Só que o Cerrado, Sras. e Srs., esse ecossistema tido e havido como de somenos importância, detém um terço da biodiversidade brasileira, 5% de todas as espécies existentes no Planeta e significativo grau de endemismo – ou seja, com espécies que só ali ocorrem –, sendo também o berço das águas das três principais bacias hidrográficas nacionais – Tocantins/Amazonas, Paraná e São Francisco. Com área original de cerca de dois milhões de quilômetros quadrados (25% do Brasil), o Cerrado ocorre em todas as cinco regiões brasileiras, embora predomine no Centro-Oeste, notadamente em meu Estado, Goiás. É o único bioma que tem contato com todos os outros ecossistemas brasileiros, permitindo um constante fluxo genético entre as espécies. Mas o que está acontecendo com o Cerrado, nobres Parlamentares? O que está acontecendo com a mais rica 3 de todas as savanas do mundo? O que está acontecendo com essa “paisagem triste, feia e inútil”, nos dizeres de alguns, composta de árvores de casca grossa, troncos retorcidos e folhas recobertas de pêlos? O Cerrado, Sras. e Srs., tem sido devastado, destruído, dizimado pelo desenvolvimento a qualquer preço das últimas quatro décadas, que vem provocando um rápido processo de degradação ambiental em toda a região. O desmatamento indiscriminado, a monocultura e a retirada diária de toneladas de árvores para lenha, entre outras atividades, têm levado à perda da biodiversidade e à degradação dos solos e dos recursos hídricos, entre outras. Estimativas apontam que hoje restam menos de 20% da vegetação original de Cerrado. A mola do processo de ocupação do Cerrado foi, sem dúvida, a soja. Costuma-se mesmo dizer que “de grão em grão o Cerrado perde espaço”. Por se tratar de uma 4 commodity com preços ditados pelo mercado internacional, a soja sofre diretamente os impactos do processo de globalização. Os sucessivos recordes anuais de produção de grãos no Brasil têm, sim, um custo ambiental e social. A reboque da soja e de outras culturas, a pecuária também avançou de forma significativa sobre as áreas nativas do Cerrado, promovendo grande devastação e gerando ameaça constante pelo uso indiscriminado de queimadas na formação de pastagens naturais. Essa forma de desenvolvimento, claramente insustentável dos pontos de vista ambiental e social, caracteriza-se pela concentração fundiária e de renda, além de ocasionar o êxodo rural e o inchaço das cidades. Por todos esses motivos, Sras. e Srs. Deputados, o Cerrado é hoje considerado uma das 25 áreas do mundo prioritárias para conservação, as chamadas hotspots, em razão de sua diversidade biológica e das pressões a que 5 está sujeito. Não é demais lembrar que só 3% de sua extensão original encontram-se protegidos em unidades de conservação e, o que é pior, todas elas com áreas inferiores a cem mil hectares, o que coloca em evidência o grau de fragmentação do ecossistema. Dentro desse contexto, fixar a data de 11 de setembro como o Dia do Cerrado ajuda, mas é muito pouco; incluir o ecossistema como patrimônio nacional em nossa Lei Maior também ajuda, mas ainda é muito pouco. É necessário formular políticas de conservação por via da implantação de áreas prioritárias para conservação e do incentivo ao desenvolvimento sustentável e à recuperação de áreas degradadas. A jornalista Ana Beatriz Magno, da equipe do Correio Braziliense, lembra que João Guimarães Rosa, diplomata de ofício, poeta do Cerrado por encantamento, traduziu os 6 caprichos de sua paisagem, que ora é vereda verdinha, ora é campo esturricado de seco, na seguinte frase: ‘‘Ele não revela seus mistérios à gente que não é cativa desse destinozinho de chão’’. Se não houver providências urgentes, nobres Pares, esses mistérios restarão cada vez mais insondáveis, mais impenetráveis, mais imperscrutáveis, como um retrato na parede ou nas páginas do “Grande Sertão e Veredas”. Era o que eu tinha a dizer. 2003_5277_Sandro Mabel_225