DO MITO À RAZÃO: O NASCIMENTO DA FILOSOFIA “Advento da

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DO MITO À RAZÃO: O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
“Advento da pólis, nascimento da filosofia: entre as duas ordens de fenômenos os
vínculos são demasiados estreitos para que o pensamento racional não apareça,
em suas origens, solidário das estruturas sociais e mentais próprias da cidade
grega”. (Jean-Pierre Vernant)
O pensamento filosófico-científico nasce na Grécia antiga, por volta do final do
século VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor
(particularmente as que formavam uma região denominada Jônia), na cidade de Mileto.
Tales de Mileto é considerado o primeiro filósofo da história.
A filosofia nasce, exatamente, operando uma transformação lenta e gradativa nas
explicações que eram dadas pelos antigos aos fenômenos e processos naturais. Os
povos antigos explicavam os seus fenômenos com base no pensamento mítico (Mitos).
Mito e Filosofia
As pessoas em geral procuram obter o conhecimento e a sabedoria das
coisas e, para tal, utilizam instrumentos. Por exemplo, um alpinista para chegar ao pico de
uma montanha utiliza equipamentos específicos. A/o filósofa/o – amante da sabedoria –
tem como instrumento a reflexão.
No início dos tempos os seres humanos começaram a refletir e
desenvolveram naturalmente a necessidade de explicar o mundo. Tanto sua capacidade
de raciocinar, quanto seu conhecimento dos fatos eram limitados e escassos,
apresentando, assim, explicações que não eram totalmente corretas. Estas explicações
repletas de fantasias e erros deram origem aos mitos. Estes explicavam o desconhecido
com base na experiência particular de cada comunidade.
Assim, segundo o antropólogo Lévi-Strauss, “mito é a explicação do mundo por
princípios simbólicos, muito próxima da religião”. As comunidades, no entanto,
comunicavam-se e perceberam – com o tempo - que estas explicações eram
contraditórias, pois para o mesmo problema (por exemplo, a seca) cada comunidade
inventava um mito que pretendia explicar o evento. A partir da constatação de que os
mitos não eram suficientes para responder às necessidades humanas de conhecimento,
surgiram as explicações filosóficas (por volta do século VII ou VI a.C.), que utilizavam a
capacidade de reflexão dos seres humanos com o objetivo de conhecer a verdade.
O que a diferencia dos mitos é seu objetivo de explicar logicamente e
racionalmente os fatos. Inicialmente, a filosofia referia-se a todas as áreas do
conhecimento humano, isto é, Matemática, Física, Biologia, Química, Geometria, etc. Seu
objetivo, com o passar dos séculos, foi restringido e se separou das demais ciências. A/o
filósofa/o diferencia-se, atualmente, da/o cientista, na maneira como se interessa pelos
problemas estudados. A/o cientista pretende explicar sistematicamente um fenômeno,
enquanto a/o filósofa/o se preocupa em entender: - O que é um fenômeno? Por que ele
existe? Procura as causas primeiras. Enquanto a/o cientista estuda as coisas que existem
no universo, a/o filósofa/o estuda o porquê das coisas estarem no universo e serem
o que são. A natural vontade dos seres humanos de conhecer a essência profunda das
coisas e descobrir o sentido da vida não preocupa a Ciência, mas sim, a Filosofia.
Cosmogonia e cosmologia
As cosmogonias são de certa forma, narrativas sobre as origens do mundo. Em geral elas
estão presentes nos mitos, isto quando não são a sua essência. Falam de união sexual
entre deuses, que geram o mundo, ou união sexual entre deuses e humanos, que em
geral criam situações complexas e dão o enredo a uma história que explica divisões,
guerras, ciúmes, paixões, disputas sobre a justiça, etc. As cosmologias já estão mais para
o campo do pensamento filosófico do que para o pensamento mitológico. Para vários
autores da história da filosofia, elas são a origem do pensamento filosófico, e outros, mais
propensos a verem continuidade do que rupturas na história do pensamento tendem a ver
as cosmologias como o início do pensamento científico. As cosmologias são teorias a
respeito da natureza do mundo. As cosmogonias são genealogias, diferentemente, as
cosmologias são conhecimento a respeito de elementos primordiais, mas naturais. O
pensamento cosmológico remete à phýsis, a palavra grega que tem a ver com o que é
eterno e de onde tudo surge,
nasce, brota. Trata-se de um elemento imperecível, que gera todos os outros elementos
naturais, que são perecíveis.
Cosmogonia
Narrativa da origem do kósmos através
das relações sexuais entre os deuses
ou os elementos naturais enquanto
forças vitais que engendram ou procriam
todos os seres.
Cosmologia
Explicação racional sobre a origem e
ordem do mundo natural ou natureza,
sobre as causas das transformações,
geração e perecimento de todos os
seres1.
Filosofia – definição.
É difícil dar-se uma definição genérica de filosofia, já que esta varia não só quanto a cada
filósofo ou corrente filosófica, mas também em relação a cada período histórico. Atribui-se
a Pitágoras a distinção entre a o saber, e a philosophia, que seria a "amizade ao saber", a
busca do saber. Com isso se estabeleceu, já desde sua origem, uma diferença de
natureza entre a ciência, enquanto saber específico, conhecimento sobre um domínio do
real, e a filosofia que teria um caráter mais geral, mais abstrato, mais reflexivo, no sentido
da busca dos princípios que tornam possível o próprio saber. No entanto, no
desenvolvimento da tradição filosófica "filosofia" foi freqüente-mente usado para designar
a totalidade do saber, a ciência em geral, sendo a metafísica a ciência dos primeiros
princípios, estabelecendo os fundamentos dos demais saberes.
Mito (gr. mythos: narrativa, lenda)
1. Narrativa lendária, pertencente à tradição cultural de um povo, que explica através do
apelo ao sobrenatural, ao divino e ao misterioso, a origem do universo, o funcionamento
da natureza e a origem e os valores básicos do próprio povo. Ex.: o mito de Ísis e Osíris, o
mito de
Prometeu etc.
O surgimento do pensamento filosófico científico na Grécia antiga (séc.Vl a.C.) é visto
como uma
ruptura com o pensamento mítico, já que a realidade passa a ser explicada a partir da
consideração da natureza pela própria, a qual pode ser conhecida racionalmente pelo
homem, podendo essa explicação ser objeto de crítica e reformulação; daí a oposição
tradicional entre mito e logos
2. Por extensão, crença não-justificada, comumente aceita e que, no entanto, pode e
deve ser questionada do ponto de vista filosófico. Ex.: o mito da neutralidade
científica, o mito do bom selvagem, o mito da superioridade da raça branca etc. A
1
CHAUÍ, Marilena. Op. Cit., p. 503.
critica ao mito, nesse sentido_ produziria uma desmistificação dessas crenças.
3. Discurso alegórico que visa transmitir uma doutrina através de uma representação
simbólica. Ex.: o mito ou alegoria da caverna e o mito do Sol, na República de
Platão.
2 – CAUSAS DA ORIGEM DA FILOSOFIA
Comentávamos, no tópico anterior, que tínhamos de explicar porque os gregos
começaram a explicar o mundo de uma forma diferente da explicação mitológica. Em
outros termos, o que tornou possível a passagem da cosmogonia à cosmologia?
Há causas para a origem da Filosofia e, agora, vamos analisar algumas delas. Perceba
como cada uma delas operou uma mudança significativa no modo de pensar do homem
na Antigüidade grega, permitindo a formação de coisas novas como a Filosofia, segundo
Jean-Pierre Vernant.
1) Navegações: uma parte considerável da vida dos gregos relacionava-se com o
mar, era de onde, por exemplo, conseguiam obter parte significativa de sua
alimentação. Vivendo muito no mar, os gregos não encontraram muitos dos
monstros marinhos narrados pela história oral e nem vivenciaram seres e histórias
narradas por poetas. Assim, as navegações contribuíram para o que Max Weber
chamou mais tarde de “desencantamento do mundo”. Fazia-se necessário um
saber que explicasse os fatos ocorridos na natureza que não recorresse a histórias
sobrenaturais.
2) Calendário e moeda. Viver podendo pensar o tempo abstratamente e
quantificando valores para realizar trocas não é algo que sempre ocorreu na
história da humanidade. Quando os gregos passaram utilizar
o calendário e a moeda, introduzida
pelos fenícios, conseguiram abstrair
valores
como símbolo para
as coisas, fazendo avançar a
capacidade de matematizar e de
representação. Tudo isso favoreceu
1
/6 de Stater de prata do rei Croesus, cunhado em
um desenvolvimento mental muito
561/546 a.C., em Sardes, na Lídia
significativo
e
com
grande
capacidade de abstração.
3) Escrita. Outro fator que
potencializou em grande medida o poder de abstração do homem grego foi
transcrever a palavra e o pensamento com símbolos: eis o alfabeto. A escrita
permite o pensamento mais aguçado sobre algo quando ficamos lendo e
analisando alguma coisa, como, por exemplo, uma lei. Ao ser fixada, a lei fica
exposta como um bem comum de toda a cidade, um saber que não é secreto como
um saber vinculado ao exercício de um sacerdote, mas propriamente público, além
de estabelecer uma nova noção na atividade jurídica, a saber, uma verdade
objetiva.
4) Política. Esta é a principal causa para a origem da Filosofia, já que, até agora,
vimos somente a contribuição das técnicas para isso; porém, havia mais recursos
técnicos no Oriente que na Grécia, e a Filosofia é uma invenção genuinamente
grega, além do Oriente não ter se libertado dos mitos. Note que a palavra política é
formada pelo termo grego polis, cujo significado é cidade, cidade-estado, conjunto
de cidadãos que vivem em um mesmo lugar e uma mesma lei. E o mais
importante: são os cidadãos que faziam suas próprias leis mediante uma
assembléia. Esta prática teve início com os guerreiros que, juntos, discutiam o
melhor modo de vencer ao inimigo, cada um dos guerreiros tinha o direito de falar,
bastando para isso ir ao centro do círculo formado na assembléia; ao final da
guerra, outras assembléias eram feitas para dividir o que foi ganho. Isto é, ocorre a
prática do diálogo para a decisão, dando a todos o direito de falar e a condição de
serem iguais uns aos outros e à lei partilhada entre eles. Aquele que conseguir
convencer a maioria de que sua proposta é a que aproxima-se mais da verdade de
como vencer aos inimigos, receberá maior número de votos. Ora, é esta a prática
que o filósofo
adotou mais tarde: escrevendo ou
discursando, tornava pública suas idéias
por
considerá-las
verdadeiras,
por
pretender encontrar a harmonia perdida do
debate
entre
opiniões
divergentes.
Debater, trocar opiniões, argumentar, eis a
prática democrática, eis a prática filosófica.
A Filosofia nasce como uma filha da polis,
como uma filha da democracia.
Eis o que Jean Pierre Vernant chamou
de um “universo espiritual da polis”2: tratase de um lugar com proeminência da
palavra - a palavra aberta a todos e com
igualdade no seu uso era o modo de fazer política; com publicidade - separação entre
questões privadas e questões públicas, estabelecendo práticas abertas e democráticas
em oposição aos processos secretos; com isonomia – todos eram iguais no exercício do
poder e diante das leis que criaram. Além disso, este novo universo espiritual esteve
acompanhado e propiciou uma “mutação mental”3 nos homens: agora era possível
explicar o mundo abstratamente excluindo o sobrenatural.
Este novo “universo espiritual da polis” foi determinante para a origem da Filosofia. O
que falta sabermos, agora, é porque só algumas pessoas tornaram-se filósofos, e não
todas.
Filosofia e a vida política
A medida que a sociedade se torna mais complexa esse sistema vai falindo e um
novo se torna necessário. A chave da mudança social grega foi a “invenção” da pólis. A
filosofia é, então, filha da pólis e da democratização política. Apenas dentro da cidade
que se afirma a humanidade do ser humano – Aristóteles vai posteriormente afirmar (veja
o quadro ao baixo) que o ser humano é um animal político, querendo com isso dizer que
a organização social humana faz parte da natureza (no sentido de a caracterísitica que
se destaca, a essência) do ser humano. A cultura clássica elabora uma imagem do
homem na qual são postos em relevo dois traços fundamentais: o homem como animal
que fala e discorre (zôom logikón) e o homem como animal político (zôom politikón).
Estes dois traços estão em estreita relação, pois só enquanto dotado do logos o homem
é capaz de entrar em relação consensual com seu semelhante e instituir a comunidade
política. E a vida política, vida humana por excelência segundo a concepção clássica, se
2
3
VERNANT, Jean-Pierre. As Origens do Pensamento Grego. Tradução de Ísis Borges B. da Fonseca, Rio de Janeiro,
11 edição, 2000, p. 41.
______. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de Psicologia Histórica, p. 453.
exerce pela livre submissão ao logos codificado em leis justas. Por outro lado, essas
duas características fundamentais do homem se manifestam em atividades dotadas de
finalidades específicas, a atividade da contemplação (theoria) e a atividade do agir moral
e político (praxis).
3- Mito e Filosofia: Ruptura ou Continuidade?
Falamos sobre a passagem do mito para o logos. Porém, não podemos afirmar que
há uma ruptura intensa entre mito e filosofia, porque o mito não é completamente antiracional. Através do mito, homens e mulheres buscavam o que a filosofia e, mais
tardiamente, a ciência buscaria: a explicação dos fenômenos naturais. O mito geria tanto
a religiosidade quanto a justiça, os trabalhos, a medicina, a cosmologia.
Aedos e Rapsodos (poetas gregos) contavam os mitos (tradição oral), eram tidos
como homens especiais porque tinham a capacidade dada pelos deuses, de passar o
mito à população. Os deuses escolhiam aquele homem que tinha a capacidade de se
lembrar, e mais, de interpretar o mito, de forma a torna-lo acessível aos demais.
Uma das características da mitologia grega era a crença em deuses
antropomórficos: porque uma ligação tão estreita entre seres humanos e seres divinos?
Para tornar o mito mais entendível, mas acessivel; porém, é essa característica que
tornará o mito incompatível com a tentativa de pensar o mundo racionalmente.
A noção de cosmos, enquanto universo ordenado, é a condição de possibilidade do
pensamento filosófico: somente porque o universo tem uma ordem é que podemos
conhecê-lo, uma vez que nossa mente não consegue captar o que é aleatório ou caótico
e desordenado. Imagine você tentar descrever uma coisa que muda de forma a cada
instante... não é possível (ou ao menos é muito difícil!). Só porque o mundo é
permanente, estável e regido por leis universais que podemos falar sobre ele, e mais:
elaborar crenças verdadeiras, conhecimento seguro.
Porém apesar da noção de cosmos ser tradicional no mundo grego ela era posta
em risco pela também tradicional crença em muitos deuses com vontades e caprichos
muito próximos aos dos humanos (e tão imperfeitos e sujeitos a paixões quanto nós!). Se
os mais diversos deuses pudessem intervir na ordem do universo, transformariam a
permanência em mudança, a ordem em desordem, o cosmos em caos. Para garantir uma
imagem de mundo que corroborasse a ideia de leis universais, os filósofos tiveram que
abandonar qualquer crença em intervenção divina no cosmos e insistir que a ordenação
do universo é interna a ele (e independente das divindades).
3 – CAUSA DO FILOSOFAR
O contexto social e histórico que permitiu às pessoas a invenção da Filosofia nós já
analisamos. Mas o que falta verificar é o que motivava alguns a filosofarem. Já na
Antigüidade, Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) pensara a respeito:
“A admiração sempre foi, antes como agora, a causa pela qual
os homens começaram a filosofar: a princípio, surpreendiam-se
com as dificuldades mais comuns; depois, avançando passo a
passo, tentavam explicar fenômenos maiores, como, por
exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e,
finalmente, a formação do universo. Procurar uma explicação e
admirar-se é reconhecer-se ignorante”.
ARISTÓTELES. Metafísica, 982 b13.
Para filosofar, segundo Aristóteles, é preciso estar
admirado com algo. Basta isso, não há Filosofia sem
curiosidade, sem admiração; do contrário, se estamos
acostumados com algo e não pensamos sobre ele,
não há Filosofia. Olhe para sua própria vida e perceba
que quando você tinha menos idade, mais você se
admirava com as coisas e mais queria saber porque
eram daquela forma, como funcionavam. Porém, na
medida que você cresceu e acostumou-se com as
coisas, deixando de se admirar com elas, deixou
também de lado a atitude filosófica. Filósofos são
aqueles que jamais perdem a admiração sobre os
grandes ou pequenos segredos do mundo, que
passam a vida toda sem deixar se acostumar com as
coisas. E mais: veja como termina a citação acima –
quando procuramos uma explicação sobre algo
encontramo-nos “ignorantes”, descobrimos que não
sabemos e que sempre há algo a descobrir. A Filosofia
é, sem dúvida nenhuma, uma aventura.
OS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS
Os pensadores pré-socráticos viveram no "mundo grego", mas nem todos antes de
Sócrates. Alguns sim, outros não. Eles viveram entre o século sete e o meio do século
quarto A.C. Sócrates nasceu em 470 e morreu em 399 A.C. (todas as datas, antes de
Cristo, são, na sua maioria, estimativas). Uma boa parte desses pensadores foram, antes
de tudo, cosmólogos. E vários deles trabalharam em um sentido reducionista, isto é,
tentaram encontrar uma substância única, ou força exclusiva, ou
princípio básico capaz de ser apresentado como o elemento efetivamente real e
primordial do cosmos. A filosofia dos Pré-socráticos (Filósofos da Natureza) voltava o seu
pensamento para a origem (racional) do mundo, do cosmos. Ou seja, estes filósofos
dedicavam-se às investigações cosmológicas, buscando a arché (o princípio fundamental
de todas as coisas).
PORQUE PRÉ-SOCRÁTICOS?
Provavelmente vocês já sabem que os filósofos pré-socráticos foram aqueles filósofos que
nasceram antes de Sócrates. Mas isso não basta. É necessário saber minimamente quem foi
Sócrates e o motivo pelo qual foi tão importante que criou uma divisão na filosofia: antes de
Sócrates / depois de Sócrates.
Os primeiros filósofos (entre o século VII e V a.C.) investigavam dois problemas a respeito da
natureza: em primeiro lugar, investigavam a constituição fundamental das coisas; em segundo
lugar, investigavam como a natureza havia surgido.
Sócrates (que viveu no século V, que é considerado o século de ouro da Grécia e,
especialmente, de Atenas, sua cidade) é um filósofo muito importante porque ele percebeu que,
antes de investigar a natureza, era necessário investigar o próprio ser humano afinal, a natureza
só é investigada porque há alguém para investigá-la, e parece sensato estudar este alguém
antes de partir para a investigação das coisas externas.
A maior preocupação de Sócrates era, de fato, mostrar que o auto-conhecimento é o que há de
mais importante na vida de uma pessoa. E o primeiro conhecimento deve ser a consciência da
própria ignorância. É por isso que Sócrates profere sua mais célebre frase: só sei que nada sei .
Reconhecendo sua falta de sabedoria, Sócrates podia dedicar-se a tentar obtê-la; e o desejo de
obter a sabedoria que reconhece não possuir faz dele, paradoxalmente, o homem mais sábio.
A filosofia posterior a Sócrates, incluindo a filosofia praticada em nosso tempo, é socrática
porque, à semelhança do filósofo de Atenas, não se contenta em investigar as coisas como elas
são (como faziam os filósofos antes dele, os pré- socráticos ), mas procura compreender como
nós entendemos as coisas do modo que as entendemos. Além disso, Sócrates foi um dos
primeiros a compreender a importância da discussão quando se pretende chegar à verdade e
toda a filosofia subseqüente aproveitará o método dialético na busca pelo conhecimento. A partir
de Sócrates, fica claro que o conhecimento filosófico não é produto do acordo, mas da polêmica
dialogada entre iguais.
Pré-socráticos - Definição
Termo que designa, na história da filosofia, os primeiros filósofos gregos anteriores a
Sócrates, também denominados “físicos” por se ocuparem com o conhecimento do mundo
natural (physis). Tales de Mileto (640-c. 548 a.C.) é considerado, já por Aristóteles, como
o "primeiro filósofo", devido à sua busca de um primeiro princípio natural que explicasse a
origem de todas as coisas.
Os primeiros filósofos gregos tentaram entender o mundo com o uso da razão, sem
recorrer à religião, à revelação, à autoridade ou à tradição. Além disso, também eram
professores que ensinavam seus discípulos a usar a razão e a pensar por si mesmos.
Eles os encorajavam a discutir, argumentar, debater e propor ideias próprias.
COMO OS FILÓSOFOS ENTENDEM A NATUREZA?
A natureza é o conjunto de tudo que existe. E como algo existente, todas as coisas que a
compõem se fazem cognoscíveis, isto é, podem ser conhecidas por todos. Por isso, por dar-se
a conhecer, é que qualquer pessoa que deseje pode contemplá-la, conhecê-la e interpretá-la.
Partindo dessa compreensão, para ter acesso à natureza não é necessário intermediários,
cada pessoa pode livre e individualmente conhecer tudo que faz parte da natureza.
Na Antiguidade os seres humanos olhavam os fenômenos naturais como ameaça ou vingança
divina e, muitas vezes, necessitavam da intermediação de autoridades religiosas para bem
compreender o significado dessas ações da natureza. Essa dependência da interpretação
religiosa inibia nas pessoas a capacidade de ver as coisas como elas mesmas são, sem
mediação de intérpretes.
Com o despertar do conhecimento filosófico, a natureza deixa de ser vista pelo olhar das
crenças e das interpretações culturais e passa a ser vista puramente como fenômeno natural.
Com a filosofia, a natureza é percebida como autônoma, dotada de regras próprias,
totalmente independente do olhar humano. Nos dias atuais, é o próprio ser humano que
procura se adaptar às regras naturais e descrevê-la tal qual observa. Esse é o papel
desempenhado pelos diversos ramos da Ciência, seja humana, da saúde, tecnológica etc.
A leitura, interpretação e discussão da filosofia dos pré-socráticos envolve, para nós, uma
grande dificuldade. Suas obras se perderam na Antigüidade, e só as conhecemos por
meios indiretos. Em alguns casos é possível até que não tenha havido obra escrita, já que
a tradição filosófica grega em seus primórdios valorizava mais a linguagem falada do que
a escrita. A filosofia era vista essencialmente como discussão, debate, e não como texto
escrito. Platão, por exemplo, faz Sócrates se manifestar nesse sentido no Fédon. Em
muitos casos, certamente houve uma obra escrita, que conhecemos em parte, como p.ex.
O Poema de Parmênides e o tratado Da natureza de Heráclito. Como dissemos,
entretanto, essas obras não sobreviveram integralmente; trata-se apenas de fragmentos
permitindo no máximo uma reconstrução do pensamento desses filósofos. São duas as
principais fontes de que dispomos para o conhecimento dos filósofos pré-socráticos: a
doxografia e os fragmentos. A doxografia consiste em sínteses do pensamento desses
filósofos e comentários a eles, geralmente breves, por autores de períodos posteriores,
indo basicamente de Aristóteles (3 84-323 a.C.) a Simplício (séc.VI). Os fragmentos são
citações de passagens dos próprios filósofos pré-socráticos encontradas também em
obras posteriores. A diferença principal entre ambos é a seguinte: enquanto o fragmento
nos dá as próprias palavras do pensador, a doxografia apresenta seu pensamento nas
palavras de outro.
O termo doxografia (do grego doxai = opinião e com a tradução para o latim: testimonia)
passou a designar uma coleção de escritos de um determinado autor, citados, mencionados
ou resumidos por autores posteriores. É muito grande o número de autores e obras gregas
conhecidas apenas através desses testemunhos.
Assim, temos um fragmento quando, por exemplo, Aristóteles diz (Metafísica, i, 4):
“Parmênides afirma: “antes de todos os deuses, criou o Amor”, uma referência direta às
palavras de Parmênides. E temos uma referência doxográfica quando o mesmo
Aristóteles (id. 1, 3) diz: “Assim parece ter se exprimido Tales acerca da causa primeira [a
água]”, relatando pensamento de Tales. Ambas as fontes, entretanto, são precárias,
imprecisas e incompletas. Pois mesmo os fragmentos, embora contendo as palavras do
filósofo, apresentam apenas uma pequena passagem da obra originária, e portanto, já
refletem uma seleção de quem faz a citação.
Não se pode deixar de examinar, ainda que brevemente, o pensamento dos présocráticos. Ainda que só nos restem fragmentos de suas ideias, elas são surpreendentes.
E não só por constituírem uma grande novidade para a época em que elas foram
formuladas, mas também porque muitas delas ou conservam grande atualidade ou
encontraram ressonância em filósofos de milênios posteriores, inclusive nossos
contemporâneos.
Tales e Anaximandro
Para começar, pode-se mencionar Tales, da cidade de Mileto, na Ásia Menor (atual
Turquia). As datas de seu nascimento e morte são ignoradas, mas sabe-se que ele atuou
na década de 580 a.C. Tales de Mileto se perguntou: "De que é feito o mundo?". Chegou
à conclusão de que ele era feito de um único elemento: a água. Afinal, todas as coisas
precisam de água para viver, é a chuva que faz as plantas brotarem da terra e toda
porção de terra termina na água.
Note a força das palavras atribuídas a Tales: a água, ou o úmido, é o princípio de
todas as coisas. Há alguns motivos que levaram Tales a pensar que o princípio de todas
as coisas fosse a água: a) na própria mitologia grega, há a idéia de que o rio Oceano
estava envolta do mundo e o formou; b) a passagem da água de um estado a outro pôde
fazer Tales pensar que ela está por trás de todas as coisas; c) segundo Simplício, Tales
teria observado que os seres vivos são úmidos e, ao morrerem, secam; d) na sua viagem
pelo Egito, Tales observou que, após a cheia, as plantas apareciam; e) restos de animais
marinhos encontrados em regiões montanhosas da época, reforçaram a idéia em Tales de
que, um dia, tudo era água.
Certas ou erradas, as idéias de Tales expressavam um novo modo de explicar o
mundo: a água como princípio de tudo funciona como um deus (theos- a palavra deus, na
época de Tales, podia ser usada com um sentido não-religioso, significando uma espécie
de princípio ativo presentes nas coisas4), um princípio vital e que se movimenta,
provocando mudança (kínesis) nas coisas. Assim, ao surgirem da água, as coisas não
podem surgir do nada e nem retornar a ele, mas apenas da e para a água. A grande
questão é resolver como que, a partir da água, todo o resto foi formado?
Por isso, lembre-se, o pensamento de Tales é uma cosmologia, explicando o mundo
4
BURNET, John. O despertar da Filosofia grega. Tradução de Mauro Gama, São Paulo: Editora Siciliano, 1994, p.
24.
racionalmente a partir das observações sobre ele.
Um discípulo de Tales, nascido na mesma cidade, Anaximandro (610 a.C.-546 a.C)
desenvolveu outro raciocínio. Se a Terra fosse sustentada pela água, esta, por sua vez,
deveria ser sustentada por outra coisa e assim sucessivamente, até o infinito. Disso,
Anaximandro concluiu que a Terra não era sustentada por nada, mas um objeto sólido
que flutuava no espaço e se mantinha em sua posição graças a sua equidistância em
relação a tudo mais.
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