Modalidade linguística e força argumentativa Helena Valentim ABSTRACT: In those discourse situations in which the enunciator wants to suggest more than to show a conviction, a sequence like Eu não acho que Portugal esteja preparado para responder a um sismo is preferring to Eu acho que Portugal não está preparado para responder a um sismo. It may be more delicate, more prudent and argumentatively more strategic. With this presentation, I pretend to describe enunciatively the difference between both types of construction, não achar que p e achar que não p. Even if the negation at the subordinate level or at the subordinante level is described syntactically and presents a pragmatic and argumentative configuration, it’s also important to focus on semantic features, in order to proceed to a more complete explanation of the observed data. For instance, we need to consider the type of the predicate, the modal value, the use of the indicative mood or of the conjunctive mood at the subordinate level. Consideremos, pois, os dois enunciados: (1) esteja preparado para responder a um Na sequência do sismo ocorrido sismo em Itália a 6 de Abril do ano corrente, (2) um responsável pela protecção civil portuguesa afirmava para uma esteja preparado Acho que Portugal não está preparado para responder a um reportagem do Público: Não acho que Portugal Não acho que Portugal sismo para responder a um sismo. Na hipótese de, Em Ratié (1991: 135), descreve-se em vez de ter afirmado isto, ter os enunciados de tipo ‘não pensar que afirmado Acho que Portugal não está p’ ou ‘não achar que p’ como preparado para responder a um sismo, “eufemísticos” ficaríamos um pouco mas alarmados. enunciador 5 uma afirma vez uma que o convicção, A através da negação do seu contrário. equivalência ou não- Digamos que, em termos de estratégia contradição lógica aqui identificada argumentativa, corresponde dissimulada esta se construção revela de a inicialmente extrema um facto definido clássico, como uma utilidade naquelas situações discursivas tendência registada em muitas línguas em que, por uma questão de precaução, de o verbo da matriz atrair a si a forma como é o caso, ou de delicadeza, o negativa que, sob o ponto de vista enunciador quer sugerir, mais do que lógico, pertence à subordinada (ver dizer de forma categórica, quer dar a Horn, 1975, 1978 e 1989). Objecto de entender, mais do que ostentar uma reflexão, primeiramente, de filósofos e convicção. o lógicos e, depois, de linguistas, este enunciador opta por uma construção fenómeno revelou-se, pois, um processo discursivamente prudente, uma vez que, sintáctico-semântico e pragmático com assim, não lhe poderá ser imputável a manifestação nas diferentes línguas e asserção de não-p, podendo, inclusive, extensivo a também distintas classes de em predicados. Por situações conseguinte, delicadas, refugiar-se hipocritamente por detrás do não dito e Assim, defender-se da acusação de alguma vez formalmente enquanto ter asserido não-p. sintáctica, este quando descrito característica fenómeno é Sob o ponto de vista lógico, estes comummente designado como “negação dois enunciados equivaler-se-ão, uma antecipada” pela gramática tradicional, vez que não se reconhece haver entre ou ambos uma contradição ao nível do (“NEG-raising”), sentido negação” ou “transporte da negação” construído. Efectivamente, como “subida da negação” “transferência da apesar de, no enunciado (1) o operador (“NEG-transportation” linguístico de negação se posicionar ao “NOT-transportation”) pela gramática nível da relação subordinada afectando transformacional. Dir-se-á, pois, que, de o verbo (‘não acho que p’), o valor de acordo com um critério sintáctico, em negação incide, sob o ponto de vista (1), lógico, sobre a relação predicativa transportada’, aquela que regista a subordinada. ‘subida’ ou ‘transporte’ do operador estamos linguístico de perante negação ou a da ‘forma frase subordinante para a subordinada e, em 6 (2), estamos perante a ‘forma não predicados compatíveis com o chamado transportada’. ‘transporte da negação’, por outro lado, verifica que os predicados compatíveis É sobretudo a partir da abordagem com lógico-filosófica proposta em Horn suordinada. Horn recupera, deste modo, sintáctica. o Pondo em causa o estatuto do às considerações of the complement, and this very complement mais fraca num enunciado como (1) Assim, segundo Horn, o princípio (1978), identificação da incerteza, que caracteriza os verbos das compatíveis com o ‘transporte da propriedades semânticas comuns aos negação’, está na base da definição predicados que registam este fenómeno. destes Para tal, este autor organiza em cinco compatíveis negação. Uma das cinco classes é a que expect, interrelacionando, alargada predicados predicados epistémicos e predicados deônticos), verifica Horn que é na zona intermédia de os predicados factivos estarem classe dos modal (dupla porque nela se integram, reckon Por um lado, Horn retoma o facto da e negação numa escala dupla de força (anticipate, guess)” (idem, ibidem: 187). excluídos escalares incompatíveis com o transporte da expressam opinião: “[OPINION] think, believe, imagine, como partir da distribuição dos predicados verifica registarem o transporte da verbos verbos intermédios. Por outras palavras, a classes semânticas os predicados que dos by (idem, 1975: 287). novidade no âmbito dos estudos sobre à presupposed be triggerable under these predicates” (2) (‘acho que não-p’). Com alguma procede-se is speaker’s of factive S’s, NR will never (‘não acho que p’) do que no enunciado Horn por the speaker’s uncertainty about the truth da negação em ambas as construções: em definido “[...] if NR [neg-raising] is triggered by de Bolinger a propósito da diferente força fenómeno, teórico incerteza” (“the uncertainty principle”): transformacional, Horn faz referência, logo, princípio Poutsma e Bolinger: o “princípio da transporte da negação enquanto regra suppose, negação’ coisas expresso ao nível da relação além do estabelecimento de uma regra classe da parte do sujeito em relação ao estado de explicação para este fenómeno que vá este ‘transporte exprimem um grau de incerteza por (1975 e 1978) que se procura uma desde o da de 7 escala que se posicionam os o a localização da relação subordinada em ‘transporte da negação’ (com valor relação à fonte ou sujeito modal. A escalar Nos negação ao nível da subordinante - na extremos da escala, posicionam-se os forma ‘não achar que p’, portanto (1) - predicados este não bloqueia a responsabilização da fenómeno (com valores fraco e forte em fonte modal em relação ao carácter termos de força modal). subjectivamente predicados compatíveis intermédio, com portanto). incompatíveis com relação também a pensar, crer, acreditar, predicativa <Portugal estar preparado para responder a um sismo> supor, considerar…) corresponder um que é negada, que é construída como valor escalar intermédio, que se pode equivalência não ocorre na subordinada. É sempre a proposta de Horn, é por a achar (mas a ou validável da relação predicativa que Por conseguinte, de acordo com a explicar validável subjectivamente não validável. ou não-contradição lógica atrás assinalada Em termos formais, a negação do entre (1) e (2). Assim se explicará valor epistémico do domínio do não- também o facto de, pelo contrário, certo é impossível. Todos os valores de quando ao verbo em causa corresponde modalidade epistémica do domínio do um valor escalar extremo, não se dar a não-certo são positivos, não podem ser mesma equivalência ou não-contradição negados. ‘Não achar que p’ (como ‘não lógica. crer que p’, ‘não julgar que p’) não é, aliás, rejeitar a hipótese de se ter uma Veja-se o caso dos enunciados opinião sobre p; exprime ainda uma que se seguem: atitude empenhada do sujeito que é (3) Não sabia que a Joana era construído como fonte modal em face professora da validabilidade ou não-validabilidade (4) Eu sabia que a Joana não era de p. A negação de achar (‘não achar professora que p’) não corresponde à ausência de uma convicção, mas sim à existência de Numa perspectiva enunciativa, a equivalência (ou uma convicção negativa. Do mesmo não-contradição) dois modo, a negação de crer (‘não creio enunciados (1) e (2) deve-se ao facto de que p’) não corresponde à ausência de a modalização negativa ao nível da crença, mas sim à existência de uma relação subordinante não comprometer crença negativa. lógica existente entre os 8 Pode, desta forma, explicar-se por Se a negação do valor epistémico que não há qualquer contradição lógica do domínio do não-certo é formalmente entre os enunciados (1) e (2). Em ambas impossível, já os valores modais de as a asserção estrita, positiva ou negativa, construção do mesmo valor modal: não podem combinar-se ou coexistir; tanto na construção ‘não acho que p’ ocorrem necessariamente em alternativa como na construção ‘acho que não-p’, (ver Campos, 1998a: 265). Isto é, se, se não-validação por um lado, ‘não achar que p’ é ainda subordinada. uma convicção, por outro, ‘não saber Achar, na forma positiva (‘achar que que p’ está longe de constituir um saber. p’), é marcador de uma operação de Tomando como exemplo o enunciado ponderação de uma das zonas do (3): construções constrói subjectiva da está em uma relação causa domínio nocional (I) sem que se dê a (3) Não sabia que a Joana era eliminação da zona alternativa (E). Deste modo, negar, de professora maneira A negação ao nível dos verbos explícita, o carácter validável da relação que marcam a construção de uma subordinada (p) (‘não achar que p’) é asserção forte, como saber, implica uma viabilizar que, por inferência, se opte recusa ou a impossibilidade por parte do pelo complementar linguístico de p, isto sujeito enunciador de distinguir um é, por não-p, ou ~p (ver Ratié, 1991). valor (p ou p’), ou seja, de assumir a O valor de modalidade epistémica validação ou a não-validação da relação de que achar, nos enunciados em predicativa do complemento. Daí que a análise, é marcador constitui, por negação conseguinte, um dado fundamental para predicativa subordinante e não se possa uma explicação, no quadro da Teoria dizer haver uma equivalência semântica Formal Enunciativa, da forma como entre (3) e (4)1: incida sobre a relação este verbo (mas também pensar, julgar, acreditar, crer, supor) se comporta com modalidade 1 Constate-se, aliás, o facto de a negação de um negativa quando integrado numa relação verbo que marca a construção de uma asserção forte a construção de uma nos remeter para um sentido susceptível de ser de subordinação. expresso por um verbo totalmente diferente: por exemplo ‘não saber que p’ é parafraseável por ‘ignorar que p’. 9 Entre (1) e (2), reconhecem-se diferentes Impõe-se uma mesma ordem de “efeitos de sentido”. Conforme atrás dizíamos, negar, de considerações quando, pelo tipo de maneira explícita, a convicção de p complementação em causa, se constrói (‘não achar que p’) é viabilizar que, por uma interrogativa indirecta, seja ela inferência, se opte pelo complementar parcial ou, como ilustra o enunciado linguístico de p, isto é, por não-p (3’), total: (‘achar que não-p’). Quando, como no (3’) Não sabia se a Joana era enunciado (1), se nega implicitamente a professora assertabilidade de p, dá-se a entender a Simplesmente, interrogativa assertibilidade de não-p. Neste caso, o indirecta total ‘não saber se p’ está sujeito sugere, mais do que constrói, a subjacente uma operação de percurso não pela classe fechada dos valores de que predicativa. Negar a convicção de que se é marcador: p ou p’, validação ou não Portugal validação da relação predicativa. Assim, responder a um sismo é implicitamente a interrogativa indirecta total comporta afirmar a convicção inversa, isto é, a uma o convicção de que Portugal não está enunciador num lugar neutro, com preparado para responder a um sismo. ambos os valores em aberto (ver Se o sujeito modal não acha que p, Culioli, 1986: 8). existem fortes probabilidades de que bifurcação, à posicionando-se validabilidade está da relação preparado para ache que não-p. Como, pelo menos A não contradição existente entre parece-nos explicitamente, nada mais é dito, cabe, incontestável sob o ponto de vista portanto, ao co-enunciador inferir que, lógico. Isso mesmo fica demonstrado se o sujeito modal ‘não acha que p’, por, enunciativamente, se construir um então ‘acha que não-p’. Ao recusar-se a mesmo valor modal epistémico: um construir a validação de p, o sujeito valor de não-validação subjectiva da modal deixa antever a possibilidade relação predicativa subordinada. Mas logicamente entendida de assumir a como não-validação estes enunciados explicar enunciativamente a de p. Assim, num diferença em termos de força da enunciado como (1), está construída, negação, menor no enunciado (1) e enquanto potencialidade, uma inferência maior no enunciado (2)? que remete, naturalmente, para a construção do complementar linguístico 10 já que a negação apresenta, de forma forma ‘não achar que p’, o sujeito se implícita, o complementar linguístico compromete num grau maior com a como asserível. não-validação da relação predicativa. O No enunciado (1), a valor força relação da por mais próximo da asserção estrita. sujeito se responsabiliza directa e subjectiva é, da não-validação da relação predicativa, (2) porque, neste último enunciado, o pela construído conseguinte, mais próximo da assunção assertiva é menor do que no enunciado explicitamente modal O modo conjuntivo marca que a não-validação relação predicativa predicativa não é subordinada. No primeiro enunciado, a validável/não-validada em Sit0, sendo força assertiva é menor, pois é de forma construída indirecta e implícita - isto é, sugerindo - validável/não-validável noutra situação que o sujeito assume a não-validação de enunciação. No enunciado (1) (‘não subjectiva da relação predicativa, ao acho que p’), o modo conjuntivo marca negar explicitamente o seu contrário. precisamente que o sujeito modal não se como Na construção ‘não achar que p’ compromete com a não-validação da (1), o grau de convicção menos forte relação predicativa. O facto de o verbo que à ao nível da subordinada ocorrer no não-validação de p é associável ao valor conjuntivo explicar-se-á em virtude de o marcado modo sentido negativo da orientação do da relação conhecimento ser compatível com uma em esteja relação predicativa não asserida, isto é, preparado). Dir-se-á que o uso do não construída como não-validada, mas conjuntivo distanciação sim como não-validável numa situação necessária quando ao sujeito interessa de enunciação distinta da situação de expressar dúvidas sobre, neste caso, a enunciação em curso. o sujeito pelo conjuntivo subordinada evidencia emprego ao nível (esteja, marca face do a validação da relação predicativa. É, aliás, um fenómeno comum a construção constância do emprego do conjuntivo e ‘achar que não p’ (2), o modo a não alternância quanto ao modo do indicativo que caracteriza o verbo da verbo da relação subordinada, quando subordinada (está, em está preparado) se afecta a relação subordinante de uma marca modalidade Inversamente, na precisamente que, verifica comparativamente com o que se dá na 11 no negativa (conforme enunciado 1). se A generalidade dos conjuntivo estudos apresenta sobre o valor mais próximo da não-validação da o relação predicativa pelo sujeito modal. emprego dependente deste modo (isto é, num contexto de subordinação) podendo decorrer das como Conclusão restrições inerentes ao predicado da relação O facto de o fenómeno do imbricante (verbal, como os casos em ‘transporte da negação’ ser partilhado análise, ou adjectival), mas também com outros verbos assertivos fracos (ou, como podendo ser condicionado pela na terminologia de Horn, com verbos introdução de uma modalidade negativa com valor escalar intermédio), cujo em estruturas subordinadas que têm, semantismo marca uma determinada como é o caso, um determinado tipo de modalização da relação predicativa que predicado ocorre na subordinada – como julgar, ao nível da relação pensar, subordinada. transcategoriais. sujeito modal está mais convicto do apresente impõe-se, simultaneamente, que, para se do modo indicativo. No enunciado (2), proceder à explicação dos fenómenos o sentido positivo da orientação do observados, se contemplem, de modo achar particular, factores de ordem semântica, (‘acho que não-p’) é compatível com o como seja o tipo de predicado em emprego do modo indicativo ao nível da ocorrência, o valor modal construído e o relação subordinada, pois o modo marca a construção emprego ora do modo conjuntivo ora do da modo indicativo ao nível da relação relação predicativa na situação de enunciação em curso, contornos pragmático-argumentativos relevantes, como marca de actualização, o emprego indicativo a preste a uma descrição sintáctica e de distanciação. Temos, pelo contrário, por embora ou ao nível da relação subordinante se relação predicativa, não temos, neste veiculado Assim, negação ao nível da relação subordinada carácter, neste caso, não-validável da conhecimento -, o recurso a uma descrição e explicação em comparação com (1), ou seja, que o marcas supor exclusivamente sintáctica, sendo preciso a negação apresenta uma força maior, quaisquer crer, confirma que a sua natureza não é Já no enunciado (2), uma vez que enunciado, acreditar, subordinada. mais Está, pois, em causa a forma concretamente, a construção de um como se combinam o valor modal 12 epistémico do domínio do não-certo, T 5, Paris: Éditions Ophrys, pp. marcado por achar (e julgar, pensar, 129-152. acreditar, crer, supor), e o valor modal, VALENTIM, H. T. (2005) Um Estudo de natureza igualmente epistémica, de Semântico-Enunciativo de negação. Predicados Subjectivos do Português. Dissertação de Doutoramento Referências Bibliográficas FCSH-UNL. CAMPOS, M. H. C. 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