Programa #10 (2ª série) Registo em 13.Out.08 – 11:00 PPA em 17.Out.08 – 12:00 ANTENA 1 – Estreia em 31.Out.08 – 17:12 1ª Repetição em 1.Nov.08 – A1 - 13:07 Autoria Adelino Gomes Com Viriato Teles Produção Anacleto Cruz Vozes de Isabel Bernardo e Alberto Ramos Gravação de Paula Guimarães GENÉRICO de Abertura Base Musical 1 00:25 Para manter durante as locuções Provedor – Osxe principaisxe locutoresxs da Rádio nacional inventaram uma nova sílaba nasxe palavrasxe terminadasxe em ‘ésse’. Esta frase, que acabei de ler desta forma, foi imaginada pelo ouvinte Hilário Sanches. Com ela quis castigar ele a maneira como cada vez mais os que vão aos microfones da RDP inventaram uma nova sílaba, nas palavras terminadas em “s”. IB – Escreve o ouvinte Hilário Sanches, um reformado de Alcabideche, referindo-se especificamente à Antena 1: AR – Os principais locutores da Rádio nacional inventaram uma nova sílaba nas palavras terminadas em “s”. Vou repetir o que acabei de dizer, dito por um locutor da Rádio nacional: Osxe principaisxe locuutoresxs da Rádio nacional inventaram uma nova sílaba nasxe palavrasxe terminadasxe em ‘ésse’. Não acha, Sr. Provedor que a boa divulgação da Língua Portuguesa deve começar em casa? Provedor – Acho, sim senhor. A questão que coloca tem toda a pertinência. A consoante ésse com o som de chee invade a nossa fala. Aqui e em todo o lado. Importa saber porquê, se isso é mau, em si, e se, sendo mau, é evitável. Questões que pus directamente à linguista, consultora do programa Cuidado com a Língua, na RTP Maria Regina de Matos Rocha, invocando como argumento desculpabilizador a ideia de que no século de Camões todos de algum modo falávamos axim... A – Maria Regina de Matos Rocha MR – O que se passa é o seguinte: as palavras terminadas em “ésse” podem estar ligadas a outras… Há três situações a considerar. Quando as palavras terminam em “s” e se lhe segue uma palavra começada por vogal, esse “s” transforma-se em “z”. Eu direi, por exemplo, az asas, oz homens… Portanto, o ésse… O ésse nunca tem pronúncia de “se”, da sibilante “se”, no final de palavra. No final de sílaba, ou no final de palavra, se se liga a outra palavra – na oralidade liga-se – se a outra palavra começar por vogal, ele transforma-se em “z”: az asas, oz homens. Mas se a palavra que se segue começar por consoante surda ou for final absoluto de palavra, portanto de frase, aí pronuncia-se geralmente um “xe”, mas um “xe” levezinho. Por exemplo, sei lá: “ox pássarox”, “ox tectox”, “ox campox”, “ax favax”, “ox 05:12 Maria Regina Matos Rocha Adelino Gomes TEXTO GRAFADO COM INTENÇÃO DE LEITURA RADIOFÓNICA. Programa #10 (2ª série) 2 sapatox”, “ox chuveirox”…Repare que este “os” e “chuveiros” eu não posso dizer “chuveiruss”, “oss chuveiross”… Pronuncia-se realmente como um “xe”. Claro que não é um “xe” como [em] “xarope”, porque não vai seguir-se uma sílaba completa, mas efectivamente o som é um som… AG – Então vamos lá ver se eu consigo dizer bem… MRMR – Mas ainda tenho uma outra terceira situação… AG – Mas esta era a situação que colocava o nosso ouvinte, não era? MRMR – Sim. AG – “Os principais locutores da Rádio nacional inventaram uma nova palavra nas palavras terminadas em “s”. Isto está bem dito? AM – Está, está. Porque não é um “xe”… Claro que se for um “xe” demasiado acentuado fica deselegante, não é? Mas efectivamente o som “s” de final de palavra é um som… Um“xe”. Um “xe” não articulado na sua totalidade, mas é um “xe”. AG – E a terceira hipótese? MR – A terceira é se a palavra que se segue começa por uma consoante sonora. Por exemplo: “Oj mejmos”. Aí já não é “xe” mas sim um som parecido com “je”: “Oj mej…” Repare, o som de “os” – porque vai começar uma palavra que começa por uma consoante sonora, que é o “m” – depois “mejmos”… Eu não digo “messmos”, nem “mexmos”, porque se lhe segue uma consoante sonora. A realização do “s” tem portanto três realizações: ou é um “z”, se a palavra seguinte começa por vogal; ou é um “x”, leve naturalmente, se é final de palavra absoluto, de frase, ou se a palavra seguinte começa por uma consoante surda; ou é um som semelhante a “j” se a palavra seguinte começa por uma consoante sonora – que são aquelas consoantes b, d, g, v, j, m, que são consoantes sonoras – e portanto esse “s” vai ter essa articulação próxima de j. AG – Oh, sra. Professora, não vale a pena portanto estarmos a invocar aquele argumento desculpabilizador, a ideia de que no século de Camões – e até antes, em Gil Vicente – todos de algum modo falávamos “axim”… MR – Não. Porque nessa altura havia várias formas de articular o “s”. Por exemplo, eu estava a dizer-lhe aquela forma de articular o “s” no final de palavra: se eu dissesse “oss livross”, hoje não se diz. No momento actual, no que diz respeito ao “s”, ele só tem estas três realizações. Claro que tem a realização de “c” mesmo, se for, sei lá, por exemplo, a palavra “saco”, o “s” inicial tem o valor de “c”: “saco”. Mas quando o “s” é em final de sílaba, nunca tem essa articulação de “c” como “saco”. AG – E aquele problema, que esse é que é o verdadeiro “axim” que é assim: axim… MR – Não, isso aí é uma realização regional. As realizações regionais não são incorrectas, são regionais. AG – Aceitam-se. MR – São regionais, ou seja, são marcas. E não podemos nunca dizer, porque efectivamente são marcas de TEXTO GRAFADO COM INTENÇÃO DE LEITURA RADIOFÓNICA Programa #10 (2ª série) 3 realizações. Naturalmente que, na rádio, espera-se que seja utilizado o português-padrão na oralidade, porque é esse o referente… AG – Que é o de Coimbra, o de Lisboa? MR – Costuma considerar-se o de Coimbra. E depois há quem considere que é uma zona entre Coimbra e Lisboa. Mas como sabe o falar de Lisboa tem algumas marcas, que o de Coimbra não tem. Como, sei lá… AG – O “coâlho”. MR – O “coâlho”, esse “a”, que é “coelho”, não é? Ou o “tiu”, o “riu” e o “friu”, em que se faz uma ditongação que em Coimbra não se faz, que é o “tio” e o “rio” e o “frio”. É diferente dizer, sei lá, “tiu” ou “friu”, do que “frio” e “tio”. E “rio” do verbo rir é diferente de “rio Tejo”. E em Lisboa, por exemplo, há essa… Mas não estou de maneira nenhuma aqui… Fica-me mal, porque eu sou de Coimbra, não é? Mas estou a dizer que, não importa do que é, interessa é efectivamente que seja um referente. E acho que efectivamente a rádio, a Antena 1, é um referente a nível da forma como os locutores falam. Base Musical 2 Para manter durante a locução IB – Linguista Maria Regina de Matos Rocha, co-autora com José Mário Costa do livro Cuidado com a Língua, nome do programa que regressou com nova série ao prime-time da televisão pública. ZAP IB – Um ouvinte que se identifica como Nuno Abreu designa-a como “praga peçonhenta”- Escreveu ele, numa mensagem a que pôs o título: “Conferir o quê, Senhor Provedor?” AR – “É uma praga peçonhenta que já ouvi também noutras rádios. Mas na rádio pública eles dizem: “Vamos conferir o tempo”, “conferir a actualidade”, conferir a Bolsa”, etc. E não há ninguém que lhes explique que o verbo conferir não serve para aquelas situações? Por seu prestígio e por respeito pelos seus ouvintes, pare com essa asneira. Vá a qualquer dicionário de Português (recomendo-lhe o Houaiss e o Carolina Michaellis, mas a Porto Editora também serve) ou, mais depressa, leia o ciberduvidas.sapo.pt, na internet”. TEXTO GRAFADO COM INTENÇÃO DE LEITURA RADIOFÓNICA Programa #10 (2ª série) 4 Provedor – O Provedor achou desnecessária no caso concreto a sugestão de consulta dos três dicionários referidos, pois não tem ideia de alguma vez ter usado o verbo em causa “conferindo-lhe” aquele sentido… E já tinha lido a resposta do Ciberdúvidas, instrumento esclarecedor a que recorre muitas vezes e cuja consulta recomenda aos ouvintes. Eis o que o artigo do Ciberdúvidas, de autoria da linguista Edite Prada, diz: IB – “Embora conferir possa significar conversar, discutir, não é adequado, em Língua Portuguesa, atribuir-lhe o sentido «conferir uma notícia», a menos que o jornalista pretenda cotejar a informação que possui com outras fontes para verificar a sua correcção. Como, pelo contexto indicado, não é nesse sentido que o verbo é utilizado, seria bom que os profissionais da rádio substituíssem o verbo. Como forma de encontrar alternativas, exponho, deliberadamente, a metodologia a seguir: conferir, conferir, conferir. Ver nos dicionários o que querem, realmente, dizer as palavras com que nos cruzamos.” Base Musical 3 Para manter durante a locução Provedor – Logo na ocasião, prometi ao ouvinte que iria referir-me ao problema numa edição futura deste programa. E disselhe que tentaria nessa altura ouvir o jornalista que introduziu a fórmula em Portugal – Francisco Sena Santos, dado que tinha curiosidade em ouvir-lhe os argumentos, pois trata-se de um profissional – um comunicador de excepção na área do jornalismo radiofónico - que não fala por falar. Sena Santos – afastado dos microfones há tempo demasiado para o gosto dos inúmeros admiradores das suas capacidades jornalísticas, preferiu não aceitar o convite, o que compreendo. Chamo a atenção para esta pequena nuance, presente no parecer da linguista Edite Prada, no Ciberdúvidas. IB – «Embora conferir possa significar conversar, discutir, não é adequado, em Língua Portuguesa, atribuir-lhe o sentido “conferir uma notícia”, a menos que o jornalista pretenda cotejar a informação que possui com outras fontes para verificar a sua correcção». Provedor – Ora, é precisamente isto que um jornal radiofónico tem por fim principal: sintetizar as informações da actualidade relevante, comparando, contrastando, reunindo, verificando, “cotejando” dados disponíveis. Sena Santos usava as expressões nesse sentido de tentar verificar e sequenciar as diferentes parcelas de uma história. TEXTO GRAFADO COM INTENÇÃO DE LEITURA RADIOFÓNICA Programa #10 (2ª série) 5 Talvez não estejamos perante a fórmula mais correcta para anunciar que se vai dar notícia do tempo, da actualidade, das cotações da bolsa. Contudo, e salvo melhor opinião, acho que não estamos perante erro grave. E muito menos uma “praga”. O uso do verbo, de resto, já f oi mais frequente na RDP e na rádio portuguesa em geral. Separador + Base musical 4 Manter durante as locuções IB – O Provedor quer referir-se ainda à parte final da mensagem do ouvinte, em que este pede: AR – “Para seu prestígio e por respeito pelos seus ouvintes, páre com essa asneira” Provedor – Infelizmente (ou será que é felizmente?) não está nas mãos do Provedor “parar” com esta ou com outras asneiras. Mas apenas exercer influência (pública, através deste programa; e privada, através de notas internas e de contactos) no sentido de verberar erros e alterar usos e comportamentos. Separador + Base musical 5 Manter durante a locução Provedor – Nem sempre as questões são claras em matéria de língua. Trago-vos um exemplo de um género que agora se vai multiplicar com a aproximação de eleições: as concordâncias em valores percentuais. Ouçamos estas percentagens, transmitidas num noticiário de 10 de Outubro, a propósito de um estudo sobre cuidados paliativos em Portugal: B – RM Jornal das 19 horas, dia 9/10/2008 Base Musical 6 00:25 Arquivo Para manter durante a locução Provedor – Dois em cada três portugueses não sabe o que são cuidados paliativos? 38 por cento diz que sim. 15 por cento tem uma ideia e 47 por cento francamente diz que não sabe? 65 por cento responde? 26 por cento diz?!.... Alguém se atreveria a dizer numa frase corrente, por exemplo, que “dois portugueses concorda” e que “três portugueses diz”? Pusemos estas dúvidas ao consultor do Ciberdúvidas Carlos Rocha: TEXTO GRAFADO COM INTENÇÃO DE LEITURA RADIOFÓNICA Programa #10 (2ª série) 6 C – Carlos Rocha Carlos Rocha – Ora bem: é plural. Em todos esses casos que apontou, a concordância do verbo deve ser feita no plural. Porquê? Porque se a percentagem for superior a 1, ou seja, se falarmos de 2 por cento, o verbo, em princípio, fará a concordância com a expressão introduzida pelo valor da percentagem. No entanto, a concordância com estes casos de percentagem não é assim tão clara… Adelino Gomes – Aliás, há mesmo posições diferentes, por exemplo no Ciberdúvidas, não é? CR – Ligeiramente diferentes, mas eu penso que tem de ser ter é cuidado quanto à interpretação das expressões. E é isso que eu gostava de explicar. Ora bem, eu há pouco disse que a concordância do verbo em princípio far-se-á com o numeral que aí ocorre, nessa expressão nominal… AG – Ou seja, para sermos claros: no caso concreto deveria ser “43 por cento dos portugueses não sabem o que são cuidados paliativos, 38 por cento dizem que sim”… 02:09 Carlos Rocha Adelino Gomes CR – Exactamente, no plural. No entanto, há excepções: se a expressão que determina a percentagem estiver no plural, sim, é certo que o verbo vai também para o plural, aí não há qualquer problema. Agora, o uso do Português que está, aliás, consagrado, que é feito por alguns gramáticos e está descrito por linguistas, é diferente em relação à expressão que determina a percentagem. Ou seja: se a percentagem é seguida por um complemento introduzido pela preposição de – “43 por cento dos portugueses” – então o verbo vai para o plural: “43 por cento dos portugueses afirmaram”; mas se percentagem é seguida por uma expressão no singular, “43 opor cento da população”, então eu vou dizer “43 por cento da população afirmou, ou respondeu”. Base Musical 7 Para manter durante a locução Provedor – Carlos Rocha, editor executivo do Ciberdúvidas e a recomendação para a utilização do plural ou do singular, conforme o sujeito o exija. 2 © Adelino Gomes, 2008 GENÉRICO Final 00:25 Duração final – 15’30” TEXTO GRAFADO COM INTENÇÃO DE LEITURA RADIOFÓNICA