Modelos e Metáforas - Associação Brasileira de Psiquiatria

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debates
Publicação destinada exclusivamente à classe médica
PSIQUIATRIA HOJE
Ano 2 . Nº6 . Nov/Dez de 2010
www.abp.org.br
Redes Neurais e
Psiquiatria
Modelos e Metáforas
Inspirados pela vida e motivados pela
coragem, transformamos histórias.
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Déficit de Atenção e Hiperatividade, já chegou
ao Brasil e em breve trará inovações para o
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Inspirados pela vida, motivados pela coragem.
Editorial
Opinião
Debates
Com esse número encerra-se o ciclo atual da Psiquiatria Hoje Debates.
Na primeira década do século 21, o que mais se ouviu nas assembleias gerais de delegados
da ABP foi a expressão ambivalente dos associados a respeito da Revista Brasileira de
Psiquiatria - RBP. De um lado, os renovados elogios pelo grau de excelência atingido pelo
órgão oficial da ABP e sua condição de liderança entre as publicações científicas sul-americanas. Na outra faixa, as repetidas reclamações sobre o fato de a ABP manter uma publicação em inglês que se dirige mais à pesquisa que a clínica. A RBP deve continuar na linha
ascendente que hoje trilha, nas suas várias possibilidades que proporciona para publicação.
Antônio Geraldo da Silva
Editor
Observava-se, então, um impasse de pronta solução. A diretoria da ABP viu-se entre dois
fogos intensos: manter o nível da RBP e, ao mesmo tempo, satisfazer as demandas dos
associados por uma publicação orientada para a prática clínica diária. O recurso dos suplementos da RBP, por monotemáticos, também não satisfazia a plenitude do desejado por
nossos associados, apesar da sua excelência.
Entre os compromissos assumidos por essa Diretoria consta o de prover a ABP com uma
publicação ágil, informativa, atualizada e totalmente dedicada ao dia a dia do psiquiatra.
Decidiu-se pelo mais óbvio e viável: transformar a PH Debates em uma revista científica.
O formato anterior da PH Debates, com entrevistas, opiniões e relatos elaborados por convite, pode ser diluído nos vários meios de divulgação da ABP (Jornal Psiquiatra Hoje, ABP
News, Clipping ABP e outros), sem que se perca o objetivo e a qualidade.
Dessa forma, a partir do próximo número, sejam bem-vindos à ‘Debates em Psiquiatria’,
publicação da ABP destinada aos associados e principalmente às suas contribuições.
João Romildo Bueno
Editor
‘Debates em Psiquiatria’ é uma revista clínica-científica que publicará artigos originais,
revisões, atualizações, conferências clínicas, relato de casos clínicos e resenhas bibliográficas.
Nas ‘Instruções aos Autores’, ficam definidas as exigências para aceitação de manuscrito, o
mecanismo de revisão por pareceristas (peer review), as normas quanto ao formato do artigo
e as regras para citações e referências bibliográfica.
Acreditamos ter satisfeito as demandas dos associados, a quem cabe doravante manter o
grau de excelência exigido e, acima de tudo, alimentar a ‘Debates em Psiquiatria’ com suas
contribuições, sejam artigos, críticas ou sugestões.
Com a palavra, os ASSOCIADOS.
debate
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Endereço: Av. Presidente Wilson, 164 - 9o andar
CEP: 20030-020, Cidade: Rio de Janeiro - RJ
e-mail: [email protected]
Diretoria Executiva:
Presidente
Antônio Geraldo da Silva
Vice-presidente
Itiro Shirakawa
1º Secretário
Luiz Illafont Coronel
2ª Secretária
Maurício Leão
1º Tesoureiro
João Romildo Bueno
2º Tesoureiro
Alfredo Minervino
Secretários Regionais:
Norte: Paulo Leão - PA
Nordeste: José Hamilton Maciel Silva Filho - SE
Centro-Oeste: Salomão Rodrigues Filho - GO
Sudeste: Marcos Alexandre Gebara Muraro - RJ
Sul: Cláudio Meneghello Martins - RS
Conselho Fiscal:
Titulares:
Emmanuel Fortes - AL
Francisco Assumpção Júnior - SP
Helio Lauar de Barros - MG
Suplentes:
Geder Ghros - SC
Fausto Amarante - ES
Sérgio Tamai - SP
Editores
Antônio Geraldo da Silva
João Romildo Bueno
Conselho Editorial
Claudio Lyra Bastos
Fernando Portela Câmara
Guilherme Luiz Lopes Wazen
Produção Editorial
Assessora Comunicação
www.assessoraonline.com.br
Jornalista responsável: Carolina Fagnani, Redação: Gustavo
Novo, Projeto gráfico: Angel Fragallo, Editoração e Capa: Bruno
Grigoleto
Impressão
Milograph Gráfica e Editora
Tiragem: 5.000 exemplares
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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da revista
WEB
índice
Ano 2 . Nº6 . Nov/Dez de 2010
Capa [especial]
Redes Neurais e
Psiquiatria
Modelos e Metáforas
Artigo
Claudio Lyra Bastos
O Erro Diagnóstico na Prática Psiquiátrica
pág.07
Artigo
Fernando Portela Câmara
Redes Neurais e Psiquiatria
pág.16
A tecnologia permite, entre outros ganhos mais importantes para a
medicina, que apreciemos imagens do corpo humano que se aproximam de verdadeiras obras de arte, pela beleza e harmonia. É o caso
da imagem escolhida para a capa desta edição da revista Psiquiatria
Hoje Debates, que ilustra o artigo de Fernando Portela Câmara sobre
Redes Neurais. Um deleite à parte para a leitura que se segue.
Artigo
Guilherme Luiz Lopes Wazen
Caos e Psiquiatria
pág.26
debate
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Claudio Lyra Bastos
Instituto Fluminense de Saúde Mental, Universidade Federal Fluminense,
Ministério Público do Rio de Janeiro
Artigo
O Erro Diagnóstico na Prática Psiquiátrica
O Erro Diagnóstico na
Prática Psiquiátrica
Errare Humanum Est
H
á algum tempo, um velho amigo e colega médico
pediu-me para ver a sua mãe, senhora de mais de noventa anos, para a qual haviam sido prescritos antidepressivos e ansiolíticos pelo geriatra. Ela era médica,
extremamente inteligente e ativa, e agora se mostrava
desanimada e recolhida. A entrevista logo mostrou que não havia
perda cognitiva significativa nem inibição afetiva. Seu discurso
era fluido, com discernimento e pragmatismo claros. O que transparecia era um esgotamento evidente da energia e da vitalidade.
Disse, então, ao meu amigo que a sua mãe não estava de forma
alguma deprimida, mas mostrava sinais de uma astenia com características orgânicas. Sugeri que se pesquisasse esta hipótese.
Foi encaminhada então a um novo clínico, que fez diversas investigações e acabou por achar um tumor hepático, do qual ela
infelizmente veio a falecer logo depois.
Em outra ocasião, um outro colega me pediu para ver a sua tia,
aparentemente vitimada por algum transtorno cognitivo. Quando
fui visitá-la, observei que ela parecia alerta mas não me acompanhava com o olhar. Disse-lhe: “A sua tia não está fazendo um
quadro demencial, ela está com alterações de atenção, provavelmente de origem metabólica.” Solicitei exames e logo verificamos
uma hiponatremia, de natureza medicamentosa.
Mais de uma vez recebi em consultório pessoas que me procuravam para tratar de uma suposta ansiedade, que o remédio não
resolvia. Mais de uma vez tive que dizer: “A senhora não está
ficando ansiosa, mas está com um quadro chamado acatisia, que
provavelmente está sendo causado pelo próprio antidepressivo
que lhe prescreveram. Aliás, não vejo razão alguma para que o
tome.” Assim, não era a ansiedade que estava causando a inquietude, mas a inquietude que estava causando a ansiedade. O
quadro inicial era apenas reativo, causado pelo isolamento e pela
falta de atividades e objetivos.
Distinguir bem os aspectos sensoperceptivos, cognitivos, afetivos
e volitivos de cada quadro, relacionando-os, é essencial. Certa vez
recebi um caso em que o paciente, já de certa idade, com um ar
rígido e pouco expressivo, apresentava queixas somáticas diversas
e relatava desânimo e insônia. Ele havia sido encaminhado por um
clínico que já havia prescrito anteriormente um antidepressivo, a
que o paciente atribuía expressiva melhora. Ao examiná-lo, percebi uma acentuada inibição psicomotora, muito desproporcional
à profundidade de sua depressão. Após conversar com os familiares, tomei conhecimento de que ele escondia certos sintomas,
como tremores, mantendo as mãos nos bolsos, e que seu estado
de ânimo na verdade sempre fora aquele, fechado, pessimista e
de pouca conversa. Acabei chegando ao diagnóstico de mal de
Parkinson pelo exame psíquico, sem nem mesmo um exame neurológico sumário, avaliando a qualidade da sua depressão – reativa,
na verdade – em contraste com a intensidade da sua sintomatologia psicomotora. O nexo entre a afetividade e a sua expressão
psicomotora era a chave do problema. Poderia até haver sido um
diagnóstico neurológico bastante óbvio, se ele não estivesse escondendo alguns sintomas. Devemos lembrar ainda que a melhora
com o antidepressivo certamente não se devia aos seus efeitos
terapêuticos, mas aos efeitos colaterais deste, a amitriptilina, um
AD de ação fortemente anticolinérgica. Para o mal de Parkinson
em fase inicial, tal ação pode ser bastante benéfica.
Em outra ocasião, atendi uma paciente que me foi trazida após
meses em tratamento psiquiátrico, em função de não falar “coisa
com coisa”. Disse à família, após um exame simples e perfunctório: “Ela não está doida, está afásica.” Era um quadro típico de
afasia de Wernicke, diagnosticada erroneamente como esquizofrenia.
Casos assim não chegam a ser raridades; ao contrário, fazem parte da rotina dos consultórios. Grande parte das dificuldades na
prática psiquiátrica se deve a erros diagnósticos e avaliações inadequadas. Bom, pode-se dizer, mas qual o problema? Afinal, todo
mundo erra. Errare humanum est. A questão está na natureza do
erro. Não sendo um clínico suficientemente capacitado, eu poderia, num caso de abdome agudo, confundir uma apendicite com
um cisto de ovário ou uma colecistite. Ou, numa situação de dor
na perna, tomar uma ciática por uma artrose. Mas eu sei do que
se trata; apenas avaliei mal. E sei que, se chamar um especialista,
ele dificilmente errará. Já em muitos casos psiquiátricos, como os
que citei, isso não acontece. Os clínicos parecem não ter a menor
ideia do problema, e muitos especialistas erram da mesma forma.
Um outro exemplo, que chega a ter ares de um conto de Tchekov:
assisti, certa vez, em um congresso de psiquiatria, a uma apresentação em que se discutia o caso de uma paciente em que
altas doses de antidepressivos pareciam não obter os efeitos desejados, e diversas alternativas de combinações medicamentosas
eram propostas. Desenhou-se um gráfico cartesiano das crises,
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Artigo
O Erro Diagnóstico na Prática Psiquiátrica
o qual mostrava, a certa altura, um período de interrupção dos
medicamentos e também do próprio problema. En passant, o autor disse que aquele intervalo saudável representava uma viagem
turística que a paciente fizera – sozinha – às praias do nordeste.
Ao retornar (para o marido e para o terapeuta), o transtorno de
humor ressurgira imediatamente. Seria até cômico se não fosse
trágico; se um caso clínico – beirando o ridículo – como este
fosse uma questão de prova, qualquer estudante razoavelmente
informado imediatamente contestaria o diagnóstico e o tratamento. No entanto, naquele auditório de congresso, a despropositada discussão sobre as combinações de medicamentos e os níveis
plasmáticos de lítio prosseguiu calmamente, sem absolutamente
nenhum questionamento.
Em uma época em que a psicopatologia se viu relegada a um segundo plano, muitos estudantes de medicina aprenderam erroneamente que o diagnóstico psiquiátrico era feito por exclusão. Se
não for nada aparentemente orgânico, deve ser algo psiquiátrico,
e basta prescrever um desses novos antidepressivos cujas amostras grátis abarrotam as nossas gavetas. Os estudantes que se
dedicam à psiquiatria usam outros métodos, não menos ineficazes: consultam tabelas e classificam os doentes pelo somatório de
sintomas. Assim, um doente esquizofrênico é aquele que atende a
tantos critérios para esquizofrenia.
Recebo frequentemente no ambulatório pacientes já “diagnosticados” e muitas vezes já medicados apenas pelo fato de não haver
sido encontrada nenhuma causa aparente para as suas queixas.
Um trabalho publicado na revista “American Journal of Emergency
Medicine” (Reeves & Kimble, 2000; 4: 390-393) revelava que, de
64 casos de emergências clínicas erroneamente internadas em
unidades psiquiátricas, em todos eles (100%) houve falha no exame psíquico. O exame físico falho foi a segunda causa de erro,
com 43,8%. Uma observação mais ampla revela que o problema de
formação é mais genérico, e tem algo a ver com a burocratização
e a massificação do ensino e da assistência em toda a medicina.
As saladas de medicamentos que caracterizam a polifarmácia que
vemos aplicada a torto e a direito por aí, com as mais variadas
justificativas, não correspondem senão a essa ausência de direção
no diagnóstico.
O diagnóstico psiquiátrico vem sofrendo um claro processo de
deterioração ao longo dos últimos anos, juntamente com o enorme espaço ocupado pelos manuais estatísticos, códigos, tabelas,
escalas e protocolos. Este fenômeno parece ser mais específico
na psiquiatria, já que nenhum clínico ou cirurgião se preocupa
tanto com códigos de doenças, a não ser na hora de preencher
atestados e apresentar faturas.
Se os DSMs e os CIDs fossem apenas o que se propunham a ser,
ou seja, sistemas classificatórios estritamente destinados a fins
burocráticos e a facilitar a pesquisa quantitativa, proporcionando maior fidedignidade, até que seriam razoavelmente satisfatórios, apesar da pletora de itens. Não foi isso o que aconteceu, no
entanto. Os DSMs III e IV foram rapidamente transformados em
bíblias, elevados à categoria de verdadeiros manuais de psicopatologia, e deram origem a diversos textos do tipo “Psychiatry
for Dummies”. Até livros infantis com um personagem chamado
“Urso Bipolar” já existem. Apoiados na deterioração do papel do
médico e na decadência do ensino, os manuais passaram a servir
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hoje
aos propósitos políticos e econômicos do mundo globalizado e
massificado que os criou.
Como disse o grande pioneiro da neurologia inglesa do século
XIX, John Hughlings Jackson, a clínica exige mais do que seguir
protocolos ou computar listas de sintomas:
“Alguém que tenha aprendido adequadamente os sintomas da hemorragia cerebral, da uremia etc. achará os problemas virados ao
contrário quando chegar ao leito do doente. Os diversos tipos de
casos parecem-se muito à beira do leito. A questão aí não é, por
exemplo, ‘Dê-me os sintomas da hemorragia cerebral, da uremia,
etc.’ ... A questão ao leito é ‘Aqui está um homem numa crise - o
que há com ele?’ ... pois ao leito, um médico tem que ser original,
tem que pensar por si mesmo.”
Psiquiatria fenomenológica
e cães medrosos
Dizem, por vezes, alguns colegas psiquiatras que a psicopatologia não é mais ensinada, que ninguém mais descreve bem um
caso clínico e que isso deve ser atribuído à pressa e à correria
com que levamos as nossas vidas hoje em dia. Tabelas e códigos
substituem belas peças de observação clínica e literatura psicopatológica. Esse lamento saudoso pelos bons tempos que não
voltam mais embute uma ideia extremamente deletéria, além de
falsa: a de que não há outra maneira, que é inevitável que checklists substituam a descrição fenomenológica, que seria quase um
diletantismo intelectualizado e anacrônico.
O propósito deste texto é frisar que não é assim, até mesmo porque não é esse o problema que nos aflige. Em nada nos interessam
as vocações beletristas de nossos psiquiatras; pouco nos importa
a qualidade literária dos seus exames psíquicos e menos ainda a
qualidade filosófica de suas observações. O que queremos é estritamente a qualidade técnica dos seus diagnósticos, para que
possam subsidiar estratégias terapêuticas racionais e coerentes.
O problema com a qualidade técnica reside no fato de que esta
não se adquire através de protocolos e cartilhas, assim como não
decorre do estudo das Humanidades.
Na verdade, até mesmo um simples tratador de animais pode mostrar mais qualidade fenomenológica em sua abordagem do que
grande parte dos psiquiatras. Quando vemos na televisão um programa como “The Dog Whisperer” (O Encantador de Cães), em
que César Millan desvenda e resolve os mais diversos problemas
comportamentais dos cães e seus donos, desponta aos nossos
olhos a absurda situação da psiquiatria atual. Ele entra na casa
das pessoas e – antes de querer resolver o problema ou enquadrar
o cão num diagnóstico – faz a observação do phainomenon em
que se constitui a relação entre o cão e os donos da casa. Ele não
traz soluções prontas, mas se coloca como uma antena que recebe
e sintoniza todas as mensagens afetivas no ambiente. Procura ver
toda a situação como o animal a vê: “Quem lidera esta alcateia?
Qual o meu papel aqui?” Ao mesmo tempo, ele percebe como
as pessoas da casa tratam o cão; geralmente a partir dos seus
próprios desejos e conflitos, sem nada entender do que se passa
entre o animal e a família.
Claudio Lyra Bastos
Instituto Fluminense de Saúde Mental, Universidade Federal Fluminense,
Ministério Público do Rio de Janeiro
“Veja, César, o meu cão é extremamente agressivo; olhe só como
ele rosna e mostra os dentes.”
“Não, minha senhora. O seu cão não é nada agressivo. O que ele
se mostra mesmo é medroso. Ele fica apavorado com estranhos.”
A prática de Millan torna evidente que nenhum modelo prévio dá
conta da rede relacional que se forma em cada dupla cachorro-dono, que tem que ser compreendida fenomenologicamente, caso a
caso e in loco. Em contraste, vemos muitos psiquiatras insistindo
desesperadamente em preencher itens em tabelas e fazer listas de
sintomas para verificar se atendem a tantos ou quantos critérios
no CID ou DSM, independentemente de particularidades e circunstâncias, aprisionando suas mentes em cartilhas e catecismos.
Nas minhas aulas, menciono sempre o Manual Merck de Veterinária, um livro de referência geral, para consulta rápida, onde
estão descritos treze tipos diferentes de agressão nos cães, a
saber: agressão por dominância, por medo, por comida, por dor,
idiopática, maternal, entre animais, possessiva, por brincadeira,
predatória, protetora, redirigida e territorial. Ou seja, os veterinários sabem que, para se estudar a agressividade do cão, é preciso
primeiro compreender o seu sentido. Muitos dos nossos psiquiatras parecem achar que não.
A formação de um psiquiatra – como a de qualquer outro médico –
envolve pelo menos uma década, começando pelo mais difícil dos
exames vestibulares, uma carga horária muito mais extensa que a
de qualquer outro curso superior, internato, residência, especialização, trabalho intenso, responsabilidade pesada. No entanto
vemos hoje em dia médicos sendo equiparados, quando não dirigidos, conduzidos e supervisionados por profissionais com uma
formação muitíssimo menos significativa, quando não precária.
Sem dúvida, existe algo errado com a nossa formação atual, ainda
mais especialmente na psiquiatria.
A abordagem
fenomenológica em
neurologia e psiquiatria
A abordagem fenomenológica não é uma escola, nem uma corrente, nem uma teoria, nem um sistema explicativo, mas apenas uma
atitude frente ao fenômeno humano. Assim, preparar os iniciantes
para a compreensão do homem como um todo, privilegiando a
abordagem clínica sobre todos os arcabouços teóricos pode ajudá-los a se tornarem bons psiquiatras sem que tenham antes que
formar-se em literatura ou filosofia. É muito mais uma questão de
atitude frente à clínica do que da formulação de frases bem feitas
ou elegantes elucubrações metafísicas.
Disse o psiquiatra francês Georges Lantéri-Laura que, se existe
uma psiquiatria fenomenológica, esta não seria uma psiquiatria
submetida à autoridade superior da fenomenologia, como numa
revelação, já que a fenomenologia nada revela e não exerce qualquer autoridade. O que existe é uma atitude fenomenológica, que
pode ser adotada em diversos domínios, tanto na filosofia, quanto
na psiquiatria, na linguística, nas ciências econômicas etc. A psi-
quiatria fenomenológica não consiste numa psiquiatria que procura aplicar ao seu domínio os resultados generais adquiridos por
alguma ciência fenomenológica, mas numa psiquiatria edificada
na atitude fenomenológica.
Esta qualidade fenomenológica já se achava nos estudos de primatas como os de W. Köhler, com os chimpanzés, e mais tarde
com os de Jane Goodall, que os acompanhou por 30 anos em
Gombe, Tanzânia. Foi isso que permitiu a observação do insight
cognitivo dos primatas e dos primórdios da formação de cultura
nas sociedades animais complexas.
De acordo com as constatações de P. Berner (1993), reduzir o método clínico a uma abordagem simplesmente semiológica elimina
uma enorme quantidade de informação obtida através da atividade clínica perceptiva, ou seja, tudo aquilo que não é estritamente
patológico na vida social e cultural do paciente é desprezado.
Ressalta que já Falret, em 1864, havia destacado a importância da
distinção entre sintomatologia superficial e profunda, e que Bleuler e Hoche frisaram que sintomas superficiais podem ter causas
diversas e são, em conseqüência disto, altamente inespecíficos.
Afirma Berner:
“As classificações modernas acabaram por produzir detalhadas
divisões na sintomatologia superficial, uma abordagem que Jaspers (1913) já havia denunciado que nos desviaria do caminho.
... Além disso, dado o limitado número e a falta de especificidade
das terapias e formas de cuidar dos pacientes, dificilmente parece necessário apoiar-se em classificações baseadas em critérios
operacionais. A abordagem tradicional, que consiste em esboçar
exemplos típicos que destacam os pontos fundamentais e que determinam as atribuições de cada categoria, pode ser suficiente para
a prática clínica.”
No prefácio do livro Method in Madness, que trata dos aspectos
cognitivos e neuropsicológicos de casos psiquiátricos, os autores
dizem que, entre os seus propósitos, está o de “... trazer à vida a
essência e o caráter da experiência e o comportamento do paciente, tantas vezes perdida nas “descrições acadêmicas” em terceira
pessoa.” Assim, procuram descrever a “... a experiência do paciente real lutando para dar sentido às consequências da doença”.
A reinclusão da consciência – e da intencionalidade (já que toda
consciência é consciência de algo) – no pensamento científico é
atualmente uma necessidade incontestável. Mas quando neurologistas como António Damásio (2000) propõem-se a fundamentar
uma neurobiologia da consciência, baseiam-se sempre em casos
específicos, não em escalas.
Kurt Goldstein, Aleksandr Luria e Oliver Sacks descreveram seus
casos clínicos neurológicos como Weltanschauungen particulares,
como formas diferentes de sentir e viver, e não como meras deficiências sensoperceptivas, motoras ou integrativas. No seu próprio
campo específico da neurologia, Goldstein (1942, p.69) já havia
demonstrado, em seus estudos de pacientes com lesões cerebrais
ocasionadas na guerra, que o comportamento do doente não se podia explicar nem pela soma de sintomas isolados nem pela constatação de um distúrbio básico original: “… muitos sintomas são expressões da alteração que o paciente como um todo sofre em função
da doença e também expressão da personalidade alterada ao lidar
com o problema e com as demandas que não pode mais satisfazer.”
debate
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Claudio Lyra Bastos
Instituto Fluminense de Saúde Mental, Universidade Federal Fluminense,
Ministério Público do Rio de Janeiro
Artigo
O Erro Diagnóstico na Prática Psiquiátrica
Esta mesma forma fenomenológica de comprender as anormalidades neuropsicológicas e as alterações decorrentes das lesões
cerebrais orientaram o trabalho de A. Luria, que em seu livro “The
Mind of a Mnemonist”, uma obra-prima de estudo de caso clínico,
observou: “Os conceitos básicos da psicologia clássica propõem
uma precisa separação entre teorias sobre funções psíquicas específicas e teorias da estrutura da personalidade, sendo a implicação,
aparentemente, que as características individuais da personalidade
em pouco dependem da natureza dessas funções; que um indivíduo
que demonstra notáveis peculiaridades de memória no laboratório
pode não ser na vida diária diferente de qualquer outro. Mas é isto
verdade? Será razoável pensar que a existência de uma memória figurativa extraordinariamente desenvolvida, de sinestesia, não teria
qualquer efeito na estrutura da personalidade individual? Poderia
uma pessoa que “vê” tudo; que não pode entender uma coisa a
menos que uma impressão dela “escape” através de todos os seus
órgãos dos sentidos; que precisa sentir um número de telefone
na ponta de sua língua antes de poder lembrá-lo -- poderia ela
desenvolver-se como as outras? Poder-se-ia dizer dele que as suas
experiências de ir à escola, fazer amigos, escolher uma carreira foram muito semelhantes às das outras pessoas; mas o seu mundo interno, sua história de vida desenvolveram-se como as dos outros?”
Concluindo
Uma entrevista psiquiátrica nunca pode ser impessoal; envolve sempre um relacionamento, um contato interpessoal, sendo,
portanto carregada de subjetividade. O que a experiência clínica
demonstra diariamente é que o importante não é lutarmos contra
essa subjetividade, mas aprendermos a usá-la bem, porque é o
nosso principal instrumento de investigação.
O diagnóstico psicopatológico fenomenológico é sempre global
(holístico, como dizia o neurologista Kurt Goldstein), ou seja,
envolve o total da personalidade e suas circunstâncias. Apesar
de importante, a sintomatologia é secundária, uma vez que os
mesmos quadros podem surgir com sintomas diferentes, enquanto
quadros diferentes muitas vezes compartilham dos mesmos sintomas. Além disso, os sintomas secundários, em geral, destacam-se
mais que os fundamentais. Por essa razão, é absolutamente necessária a compreensão das relações de sentido que faz o quadro
clínico com a personalidade do paciente, assim como de seu meio
familiar e cultural, para que se possa obter um diagnóstico psicopatológico realmente válido na clínica.
De acordo com Parnas e Bovet, a epistemologia objetivista vem
sofrendo uma crescente crítica de diversos campos científicos. Os
modelos alternativos nos campos da neurociência (seleção neuronal), da inteligência artificial (conexionismo) e da psicologia do
desenvolvimento (biodinâmica do desenvolvimento) convergem
na compreensão dos organismos como sistemas auto-organizados.
A distinção entre mente e corpo ou entre ambiente e organismo
é uma questão de perspectiva observacional. Estes modelos das
ciências empíricas são compatíveis com os princípios fundamentais da fenomenologia, com consequências para a pesquisa em
psicopatologia, uma vez que os sintomas não podem ser vistos
como manifestações desconectadas das disfunções cerebrais.
Dizia Husserl que o naturalismo e o psicologismo empiricistas,
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hoje
ao procurarem reduzir o psíquico – que é um fenômeno, não uma
coisa – ao físico, eram enganos teóricos, por negarem a própria
possibilidade de conhecimento (vemos isso nos debates atuais
sobre a possibilidade de os computadores terem algum conhecimento real, uma verdadeira “inteligência artificial”). A consciência – que não é uma substância, mas uma atividade, que visa algo
(intencionalidade) – ultrapassa o nível empírico, como condição a
priori da possibilidade de conhecimento, transcendendo-o.
Como esclarece Searle (1997), a subjetividade é fundamental para
o conhecimento da mente como o seu fundamento ontológico,
mas não epistêmico. Por essa razão, a objetividade científica não
precisa ser substituída pelo “subjetivismo” do qual os cientificistas manifestam tanto pavor. A subjetividade está ontologicamente presente em todo o conhecimento. Tudo o que é observado
na natureza precisa ter, por definição, algum aspecto subjetivo,
que é deixado de lado na redução epistêmica, voltada para o estudo científico. Assim a luz pode ser reduzida (epistemicamente)
a certa faixa de radiação eletromagnética, mas não deixa de ser
percebida como luz pela consciência observante. Já essa própria
consciência não pode ser ela mesma reduzida, sob a pena de não
sobrar nada. Dentro do pragmatismo americano, essa linha de
argumentação se opõe ao mecanicismo e guarda estreita relação
com o pensamento fenomenológico, especialmente o de MerleauPonty.
A entrevista é uma arte, mais do que uma técnica, no sentido em
que exige do profissional um preparo para que possa ser usado
como “instrumento” de si mesmo. Isso não significa que não possa ser ensinada e aprendida, mas sim que exige algo além do que
é dado em aula ou do que se lê nos livros. É o elemento básico
da prática clínica, que não deve ser vista como um complemento
ao estudo teórico, mas como parte intrínseca dele mesmo. Contrariando a ordem lógica do processo pedagógico, na acumulação
do conhecimento médico, são a patologia e terapêutica que nos
ensinam sobre a normalidade fisiológica.
Reiteramos que a abordagem fenomenológica não é uma corrente,
já que não dispõe de nenhuma teoria sobre o funcionamento da
mente, mas sim uma atitude, baseada na constatação de que o
homem é essencialmente relacional e o único instrumento adequado para avaliar a sua intencionalidade é um outro ser humano. Assim, disposição do entrevistador deve ser eminentemente compreensiva e não determinista, buscando uma apreensão
existencial das vivências do paciente em si mesmo, numa visão
globalizante. Intencionalidade não se refere ao aspecto volitivo,
mas significa que todo fenômeno mental tem um objeto. Toda
consciência é consciência de algo. Este aspecto caracteriza os
fenômenos mentais, por oposição aos fenômenos físicos. Assim,
o mundo interno e o externo constituem um todo inseparável.
Abordagens exclusivamente voltadas para o mundo interno (introspecção, interpretação) ou para o mundo externo (observação
comportamental) são necessariamente falhas ou incompletas.
O ser humano é uma criatura essencialmente relacional e, sob certo prisma, a psicopatologia pode ser vista como o estudo das formas disfuncionais de relação humana. Assim, o objetivo do exame
é compreender que tipo de vínculos interpessoais o examinando
estabelece em sua existência. O próprio entrevistador é o seu
melhor instrumento de avaliação, e nada pode substituí-lo. Nin-
Claudio Lyra Bastos
Instituto Fluminense de Saúde Mental, Universidade Federal Fluminense,
Ministério Público do Rio de Janeiro
guém, por mais capacitado que seja, pode se propor a adivinhar o
que se passa na mente de outra pessoa. Por outro lado, a observação psicopatológica não deve se assemelhar a uma investigação
detetivesca. O que o observador pode, sim, é compreender de que
forma a relação estabelecida com o entrevistado afeta os seus
próprios sentimentos, a sua própria personalidade. Olhando para
dentro, mais que para fora, torna-se possível vislumbrar algo do
mundo vivencial do paciente.
Um residente de psiquiatria, ao tentar aplicar rigorosamente uma
escala de avaliação objetiva, percebendo que seu paciente frequentemente responde de forma diferente à mesma questão, feita
novamente, pode tentar descobrir qual é a resposta “certa”. Mas
se ele for curioso, pode também começar a testar o teste, e a se
interrogar sobre a validade dele. Verá, então, que basta colocar a
questão de outra maneira, usar outro tom de voz, e as respostas
mudam. Se perguntar tudo de forma sempre igual, mecanicamente, com todos os pacientes, pode até haver certa uniformidade,
mas qual o sentido dessas respostas? Este é o ponto-chave em
que os problemas fundamentais da fenomenologia psiquiátrica
começam a fazer sentido para o médico clínico, que atende gente
todo o dia.
Não é novidade que os sintomas secundários, mais superficiais,
são os mais evidentes. Além disso, tudo aquilo que vai de encontro às normas sociais tende a ser valorizado no sentido patológico. Por razões como estas, a psicopatologia não é, nem
jamais poderá ser, uma semiologia no sentido médico da palavra. Os sintomas só adquirem sentido quando contextualizados
na personalidade. Deste modo, uma lista de mais três centenas
de doenças psiquiátricas, como o DSM IV, não pode ter qualquer
sentido clínico, pois está claramente confundindo as diferenças
individuais e sociais com as manifestações clínicas em si mesmas,
que, sendo limitantes, são também limitadas. Correlacionar tais
listas de sintomas com supostas alterações de neurotransmissores
– que nunca se sabe se são causa ou efeito – e um localizacionismo cerebral primário, esperando chegar assim às “verdadeiras
causas” dos distúrbios psiquiátricos, é de uma ingenuidade que
beira o ridículo.
Nos exemplos colocados no início deste texto, fui chamado para
avaliar pessoas idosas “deprimidas”, mas me vi frente a quadros
de natureza obviamente orgânica, simplesmente porque os médicos que viram o caso anteriormente não sabiam diferenciar alterações do humor, da cognição ou do estado de consciência. De que
adianta aplicar protocolos ou escalas se não se conhece o próprio
objeto da medida?
A psiquiatria é essencialmente prática, aristotélica. A teoria psiquiátrica é orientada para a aplicação e prática, numa eterna
dialética do geral e do particular. Voltando a Parnas, a fenomenologia enfatiza o papel do corpo na constituição da intersubjetividade, ou seja, a apreensão do interior de outros estados
mentais. Nós experimentamos similitude entre, por um lado, a
nossa própria expressividade corporal como sendo associada com
determinados estados cognitivos e emocionais, e, por outro lado,
a expressividade corporal dos outros, como significando seus estados mentais internos. Este é um processo não inferencial que
Merleau-Ponty chamou de “transferência do esquema corporal”,
um entrelaçamento de motilidade (ação, execução e intenção),
experiência, expressão e percepção, que surge muito cedo no desenvolvimento infantil.
Assim, já em 1945, Merleau-Ponty não fugia à discussão no próprio nível psicofisiológico, aplicando a este uma perspectiva fenomenológica. Aliás, recentemente, foi o background fenomenológico do neurofisiologista Vittorio Gallese que ajudou o famoso
cientista G. Rizzolatti e seus colegas da Universidade de Parma a
descobrir os neurônios-espelho, uma ideia antevista por MerleauPonty. A sua atitude filosófica foi o elemento paradigmático que
lhes permitiu entender como a percepção e a ação forma um processo unificado no cérebro (Iacoboni, 2009).
Concluímos frisando que o problema com esta psiquiatria pretensamente “objetiva” de tabelas e protocolos não é o fato dela ser
mecânica, seca ou literariamente empobrecida, mas sim o dela
produzir doenças iatrogênicas, em função de ser falha, ineficaz e
induzir ao erro, objetivamente falando. Dados objetivos simples
como alterações da consciência e da atenção, não podem ser verificados “objetivamente”. O que se torna objetivo é o resultado,
a conclusão, e não o processo em si. O objetivismo nada tem a
ver com a objetividade, assim como a ciência nada tem a ver com
o cientificismo.
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debate
hoje | 15
Fernando Portela Câmara
Prof. Associado da UFRJ, IMPPG | Coordenador do Depto de Informática
da ABP e do Depto. de Neurociência Computacional da APERJ
Artigo
Redes Neurais e Psiquiatria
Redes Neurais e Psiquiatria
Modelos e Metáforas
N
o final do século XIX, Ramon y Cajal (1894) propôs a
teoria de que a aprendizagem resultava da formação de
novas conexões sinápticas. Ele observou que a aprendizagem não aumentava o número de neurônios, mas o
número de conexões entre eles, e percebeu que o mesmo ato biológico que cria estas redes cognitivas é o mesmo ato
psicológico que sustenta o processo de formação de memória, ou
seja, aprendizagem e memória são faces da mesma moeda. Posteriormente, Lorente de Nó mostrou que essas conexões formadas
durante a aprendizagem eram mediadas por milhares de botões sinápticos (fenômeno que hoje chamamos plasticidade neuronal). Ele
mostrou também que essas redes podiam se manter ativas mesmo
que a fonte do estímulo seja removida, ao descobrir os neurônios
internunciais (ou interneurônios), cuja função é a de retroalimentar
a excitação em um circuito neural. Deste modo, a ideia seminal
de Ramon y Cajal abriu caminho para o que hoje se confirmou: a
aprendizagem é uma propriedade de redes neurais, um conjunto de
neurônios seletivamente conectados e ativados em conjunto, cuja
distribuição de sinapses forma um campo virtual de armazenamento
de memória.
Por exemplo, Yi Zuo e colaboradores (2009) mostraram que novas conexões entre neurônios começam a se formar logo após o
aprendizado de uma nova tarefa. Os neurônios piramidais do córtex
motor recebem sinais de outras regiões do cérebro envolvidas na
memória motora e nos movimentos dos músculos através de espinhas dendríticas. Esses autores verificaram que o crescimento de
novas espinhas dendríticas durante um novo aprendizado motor,
era seguido pela eliminação seletiva de espinhas pré-existentes.
Portanto, ocorre um processo de remodelagem por meio do qual
as sinapses que se formam durante o aprendizado se consolidam,
enquanto outras se perdem pela falta de uso. A aprendizagem motora tende a ser muito estável, por isso não esquecemos a andar
de bicicleta após aprendermos. Claro está que o entendimento de
como se formam memórias de longo prazo trará um grande progresso no tratamento de pacientes na recuperação habilidades motoras
perdidas após acidentes ou um AVC.
Donald O. Hebb resumiu seus trabalhos sobre a base neuronal da
aprendizagem e a contribuição de autores anteriores em um memorável livro, ainda hoje bastante consultado (Hebb, 1949). Este
livro foi e ainda é considerado, junto com A Origem das Espécies,
de Darwin, como um dos dois mais importantes livros em Biologia.
Hebb partiu da comprovação das observações de Lashley que, em
1929, concluiu que o substrato da memória e aprendizagem deveria
estar amplamente distribuído no cérebro, e não localizado, como
se pensava. Em seus estudos sobre a aprendizagem neuronal, Hebb
chegou a conclusões importantes, organizadas em três postulados
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hoje
neurobiológicos, que formam os princípios do conexionismo (resumidos na figura 1):
1 – Princípio de formação das conexões neurais. “Quando um axônio
da célula A está próximo o bastante para excitar B, e repetidamente
ou persistentemente a estimula, algum processo de crescimento ou
alguma mudança metabólica ocorre em uma ou ambas as células,
tal que a eficiência de A, como uma célula que excita B, aumenta”
(Hebb, 1949). As Ciências Cognitivas e a Neurociência Computacional referem-se a este princípio como “regra de Hebb”, “sinapse
de Hebb” ou “plasticidade sináptica”, que ficou demonstrado com
a descoberta da potenciação de longo prazo (Bliss & Lømo, 1973)
e do fenômeno kindling (Goddard et al, 1969; Goddard, 1980). A
partir deste princípio, Trappenberg (2002) derivou um algoritmo
de aprendizagem em que se ajustam os pesos das conexões em
modelos de redes neurais artificiais (regra de Hebb), emulando a
plasticidade sináptica (figura 2).
2 – Princípio das redes neurais. A base cerebral para as representações mentais são grupos de neurônios (cell-assembly) auto-organizados (redes neurais) que tendem a disparar ao mesmo tempo
(ativação conjunta) devido à aprendizagem Hebbiana. O disparo
de neurônios em uma rede pode persistir após o evento gatilho, e
esta persistência é uma forma de memória. Alguns consideram esta
proposta como a mais importante contribuição de Hebb.
3 – Principio da sequência de fase. “O pensamento é gerado pela
ativação sequencial de conjuntos de redes neurais (cell assemblies)”. Nas palavas de Hebb (1949): “Toda estimulação particular,
frequentemente repetida, levará a um lento desenvolvimento de
uma rede neural (cell assembly), uma estrutura difusa que compreende células no córtex e diencéfalo (e talvez na ganglia basal do
cérebro), capaz de atuar brevemente como um sistema fechado, favorecendo o disparo de outros sistemas semelhantes e comumente
tendo uma facilitação motora específica. Uma série de tais eventos
constitui uma “sequência de fase”, base do processo do pensamento. Cada ação de uma congregação deve ser despertada por uma
congregação precedente, por um evento sensorial, ou – o que é
mais comum – ambos. A facilitação de uma destas atividades para
a próxima é o protótipo da ‘atenção’. A teoria é, evidentemente,
uma forma de conexionismo… apesar dela não lidar com conexões
diretas ente vias aferentes e eferentes, e não é uma psicologia
estímulo-resposta (S-R), se R significar resposta muscular... A teoria não considera que apenas um neurônio ou via neural sejam
essenciais para um hábito qualquer ou uma percepção”.
Estes três postulados capturam os processos básicos sobre como o
sistema nervoso organiza o comportamento. Posteriormente, esses
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Redes Neurais e Psiquiatria
postulados foram verificados em muitos experimentos, por exemplo, nos experimentos de desenvolvimento da percepção (Hunt,
1979), privação sensorial (Zubek, 1969), auto-estimulação (Olds &
Milner, 1954), imagens fixas na retina (Pritchard, Heron, & Hebb,
1960), modificação sináptica (Goddard, 1980), aprendizagem natural (McKelvie, 1987).
A demonstração de que aprendizagem e memória é um mesmo fenômeno emergente de redes neurais, codificadas numa distribuição de
sinapses que são ativadas conjuntamente quando parte desta rede
é estimulada, deu origem a uma escola conexionista com importantes contribuições para as ciências cognitivas e psicopatologia.
O termo conexionismo refere-se às conexões ou sinapses como o
substrato da aprendizagem e memória, e também dos estados mentais. A célula neuronal não armazena símbolos como informações,
eles estão fragmentados em bits de informação distribuídos nas sinapses (conexões) da rede, onde são simultaneamente processados
em paralelo reconstruindo virtual e estatisticamente a memória. Em
função disto, o conexionismo foi anteriormente conhecido como
processamento paralelo distribuído.
O conexionismo é um paradigma porque oferece uma solução para a
eterna discussão entre os mentalistas, que defendem que o entendimento da mente não está ligado ao conhecimento do cérebro, e
dos nervistas, que defendem ser a mente um produto da fisiologia
cerebral. O conexionismo demonstra que os processos e estados
mentais podem refletir uma propriedade emergente das conexões
sinápticas, e que isto pode ser reproduzido em seus aspectos mais
gerais em estruturas conectivas artificiais. Ideias pré-conexionistas
já eram encontradas nos trabalhos do famoso neurologista John
Hughlings Jackson, que em 1869 propôs que o cérebro funcionava
como um sistema distribuído em diferentes níveis; William James
(Princípios de Psicologia, 1878); Herbert Spencer (Princípios de
Psicologia, 1872); e Sigmund Freud (Projeto para uma Psicologia
Científica, 1893).
Modelo conexionistas
Tendo compreendido os princípios do conexionismo, podemos entender muitos fenômenos psicopatológicos a partir de modelos
conexionistas e suas modificações. O paralelismo entre conexionismo, um modelo computacional, e organização celular do cérebro,
envolve certo grau de realismo biológico, embora isto não seja
necessário para aos modelos conexionistas. É precisamente este
aspecto computacional que unifica, sob a linguagem conexionista,
os campos da inteligência artificial, ciência cognitiva, psicologia,
neurociências, filosofia da mente e psiquiatria.
Os modelos conexionistas se desenvolveram a partir de redes neurais artificiais. Essas redes têm hoje larga aplicação em reconhecimento de padrões, classificações, regressões, etc. Elas são formadas
por unidades elementares processadoras e conexões ajustáveis, que
emulam neurônios e sinapses, respectivamente. Informações sobre essas redes e suas propriedades podem ser obtidas em Câmara
(2004, 2005, 2006, 2009). Entretanto, as unidades de processamento e a forma das conexões podem variar de modelo a modelo,
seja como neurônios e sinapses, seja como palavras e similaridades
semânticas, porém o modelo mais comumente utilizado o das redes
neurais artificiais, sendo bem menos usados os modelos baseados
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hoje
em gramática recursiva.
Um elemento importante nos modelos conexionistas de rede neural
é o de ativação, um valor que cada unidade processadora possui e
que representa a probabilidade dela gerar um “potencial de ação”
ao receber um sinal de entrada, que é propagado para as demais
unidades. O outro elemento importante são os pesos ou forças das
conexões que são ajustados durante um aprendizado, repetindo a
tarefa até realizarem com eficiência a função para a qual foram
treinadas, por exemplo, reconhecimento de padrões. Estes ajustes
são feitos à medida que o erro do resultado é conhecido, e assim
sucessivamente até o desvio entre erro e acerto ser mínimo. Isto
emula a plasticidade sináptica do sistema nervoso. As redes neurais aprendem pela experiência, ou seja, pela repetição, tentativa
e erro.
O termo conexionismo veio substituir a expressão processamento paralelo distribuído (PPD), que enfatizava a natureza paralela
(isto é, em rede) do processamento neural e a natureza distribuída
das representações neurais. O processamento em rede evoluiu do
trabalho seminal de McCulloch e Pitts (1943), que mostraram que
dois neurônios conectados podiam processar sentenças lógicas. O
protótipo das primeiras redes neurais artificiais foi um simulador
de retina formado por unidades denominadas “perceptrons”, mas
este projeto foi inviabilizado quando se descobriu que os perceptrons eram incapazes de processar funções lógicas do tipo disjunção exclusiva. Contudo, o PDP Research Group, liderado por James
L. McClelland e David E. Rumelhart, demonstrou que redes neurais
contendo camadas intermediárias de neurônios entre as camadas de
entrada e saída eram capazes de processar esta lógica e mais ainda
um vasto conjunto de funções (McClelland et al, 1986; Rumelhart
et al, 1986a). Este grupo estabeleceu o arcabouço matemático que
permitiu aos pesquisadores operar modelos de PPD, e seu caráter inevitavelmente reducionista focaliza os processos cognitivos
emergentes de disparos neurais e comunicação (sinapses) entre
unidades neuronais. Um modelo alternativo ao PDP foi proposto na
década de 1960 pelo linguista Sydney Lamb, que desenvolveu as
chamadas redes relacionais para explicar a formação das representações simbólicas na linguagem.
Redundância de redes
neurais
A distribuição da informação e o processamento em paralelo fazem
com que a rede não perca informação mesmo que parte dela seja
danificada. Isto explica porque perdemos muitos neurônios ao envelhecermos, mas não afetamos a capacidade cognitiva. No caso de
perdas excessivas, há prejuízo da memória e habilidades adquiridas,
mas o sistema pode recuperar boa parte do que perdeu mediante
um novo treinamento não tão extenso quanto original. Isto nos
mostra que nos casos iniciais de demência ou de prejuízo cognitivo
por acidente ou AVC, o exercitamento da memória e das habilidades
podem trazer resultados positivos.
Como o cérebro humano, as redes neurais artificiais são muito
adaptativas, revelando sua “plasticidade”. Isto pode ser compreendido a partir da seguinte experiência: uma rede de 10 neurônios
é treinada para desempenhar uma determinada tarefa. Em seguida,
Fernando Portela Câmara
Prof. Associado da UFRJ, IMPPG | Coordenador do Depto de Informática
da ABP e do Depto. de Neurociência Computacional da APERJ
elimina-se um dos neurônios, restando nove na rede. Esta, agora,
pode ou não experimentar um déficit funcional. Neste último caso
a rede só precisará ser re-treinada e isto consome um tempo bem
menor que o originalmente gasto para treiná-la. No exemplo de
rede em questão, com dez unidades, esta recuperação é possível
até o oitavo neurônio ser removido.
Rede neural canônica
Muitas redes podem ser conceitualizadas considerando cada unidade como uma hipótese (input) e cada conexão como um compromisso entre hipóteses (Rumelhart et al, 1986b). Uma variação da
regra de Hebb estabelece que, se as características A e B ocorrem
com frequência, então a conexão entre as duas será positiva; por
outro lado, se A exclui B ou vice-versa, então a conexão será negativa (Figura 3). Quando esta rede passa a funcionar, ele refaz suas
conexões atingindo um estado local ótimo, ou seja, a condição na
qual a maior parte possível dos compromissos é satisfeita. Este
estado constitui a memória da rede.
Esta dinâmica pode ser visualizada como uma paisagem fluida em
que morros aparecem e desaparecem à medida que os inputs vão
sendo processados, até aparecer um pico máximo que representa o
máximo de satisfação de compromisso (conectividade de hipóteses), que é o ajustamento da rede para aquele input (dizemos que
o sistema escala o morro mais alto da paisagem). Isto prossegue
para cada input e a paisagem final será definida por um conjunto
de máximos na paisagem interpretativa. Os picos serão as melhores
interpretações possíveis, a extensão dos vales ao redor de um pico
é a probabilidade de achar este pico, e a altura do pico é o grau de
compromisso da rede para este pico particular.
Este modelo conceitual nos ajuda a compreender os constructos
cognitivos conhecidos como “esquemas”, definidos como protótipos de abstrações desenvolvidos a partir de experiências passadas que guiam a organização de novas informações. Os esquemas
permitem um rápido processamento de informação, mas também
podem levar a equívocos típicos. Da mesma forma, uma rede neural
treinada movimenta-se rapidamente para uma paisagem previamente adquirida, permitindo um rápido processamento da informação,
porém isto pode resultar em certas distorções, isto é, alguns poucos inputs podem gerar ambiguidade na resposta, embora a maioria
funcione precisamente e sem ambiguidade.
Consideremos, por exemplo, uma mulher que sofreu abuso sexual
na infância e desenvolveu um esquema de desconfiança diante de
figuras de autoridade, ou em perceber situações neutras como ameaçadoras. O paralelismo com a rede neural nos dá um modelo de explicação de como esses vieses são construídos, sem ter de lidar com
regras cognitivas complicadas. Os modelos convencionais de esquemas são “top-down”, isto é, pressupõem um mecanismo cognitivo
que controla os diversos setores da vida consciente; já os modelos
de redes neurais são “bottom-up”, isto é, os fenômenos emergem
espontaneamente da interação entre as partes do sistema. O modelo de redes neurais possibilita incorporar informações biológicas do
sistema nervoso que ajudam a racionalizar, por exemplo, o uso de
esquemas terapêuticos e a lidar com situações típicas tais como os
transtornos de personalidade de forma mais pragmática.
Disfunções de redes e
psicopatologia
A sobrecarga de informação leva uma rede neural a exibir padrões
de alucinações. Isto acontece quando reduzimos o tamanho de uma
rede neural e sua capacidade de armazenamento simulando o processo de poda neuronal (Hoffman, 1992): a sobrecarga de memória
causa distorções dos contornos de energia do sistema, tal que as
gestalts antes configuradas passam a apresentar distorções, e o
conteúdo de informação armazenada se altera e deforma. Isto se
deve à formação de novo picos, que Hoffman (1992, 2001) denominou de “parasitas”, formados pela fusão de picos preexistentes
na paisagem computacional, afetando os compromissos. Esses parasitas atraem quase todos os inputs que entram na rede e servem como modelo para as alucinações de vozes e outros sintomas
maiores da esquizofrenia. Eles criam uma espécie de buraco negro
que distorce o curso do pensamento, atraindo para si os inputs e,
assim, distorcendo o processamento da informação que leva ao ato
cognitivo.
Outro processo importante nas redes que pode nos ajudar a entender certos aspectos da neuroquímica da aprendizagem é o do
super-treinamento da rede. Durante a fase de aprendizagem de uma
rede neural a generalização da ativação não deve ir até o fim, pois a
rede não conseguiria distinguir os diferentes padrões, generalizado
todos a um só resultado (dizemos que uma rede nesse estado está
“super-treinada”). Este processo nos permite inferir sobre o processo da aprendizagem e memória cerebral. Já algum tempo sabe-se
que a acetilcolina (Ac) participa deste processo. Este neurotransmissor é produzido por um pequeno número de células agrupadas
no núcleo basal de Meynert, e daí ele se espalha por quase todo o
cérebro através de finas fibras que alcançam o córtex.
Na doença de Alzheimer, a acetilcolina cerebral diminui, o que aumenta a excitabilidade das vias glutamaérgicas. Sabemos que a Ac
previne a avalanche de modificações sinápticas, e como ela diminui, a excitação cortical (vias glutamaérgicas) predomina e isto
leva a duas consequências. A primeira é o aumento da excitabilidade (normalmente freada pela Ac), isto é, de ativação neuronal na
presença de qualquer input. Deste modo, qualquer aprendizagem
nova leva a mudanças desejadas e indesejadas nas sinapses, interferindo na eficiência da aprendizagem. A segunda decorre desta
excitabilidade aumentada que é tóxica para os próprios neurônios
glutamaérgicos, levando à sua destruição, especialmente na região
do hipocampo, o principal foco das lesões no Alzheimer. Estes são
alguns dos aspectos psicopatológicos que o modelo conexionista
permite abordar de forma produtiva. Mais informações pode ser
obtidas em Câmara (2005, 2006, 2009).
Epílogo
A mudança de um modelo predominantemente psicodinâmico para
um modelo cognitivista de abordagem neurocomputacional, trouxe
importantes avanços na compreensão e racionalização do tratamento de muitos transtornos mentais. Isto não significa reduzir
a psicopatologia a computação paralela distribuída, mas em estabelecer marcos conceituais que facilitam descobertas e insights
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Fernando Portela Câmara
Prof. Associado da UFRJ, IMPPG | Coordenador do Depto de Informática
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Redes Neurais e Psiquiatria
importantes sobre processos e desenvolvimentos anormais da mente. A funcionalidade dos modelos conexionistas nos permite ainda
inferir proveitosamente nas situações em que a experimentação
apresenta aspectos éticos inaceitáveis ou expõe o paciente a riscos
desnecessários. Portanto, o conexionismo, seja através de redes
neurais artificiais, canônicas, recursivas ou probabilísticas, revitaliza a psicopatologia e faz avançar a psiquiatria.
Figura 1 – (A) Ilustração da regra de Hebb. O neurônio A quando
estimulado dispara o neurônio B e a repetição deste processo reforça a conexão entre eles criando uma via neural; (B) Ilustração
de uma rede neural formada a partir de conexões preferenciais
mediante a regra de Hebb. Em vermelho os neurônios que são
ativados conjuntamente e que formam uma rede; (C) Ilustração
de uma sequência de fases. Redes neurais se ativam seqüencialmente para gerar um ato psíquico e estão espalhadas por diversas
regiões do cérebro.
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Figura 2 – Ilustração básica do fenômeno de potenciação de
longo prazo. (A) Um potencial de ação chega à sinapse, mas
apenas despolariza a membrana pós-sináptica sem disparo; (B)
Um estímulo de maior frequência despolariza a membrana póssináptica com intensidade suficiente para um potencial de ação
e o neurônio dispara; (C) o neurônio agora é estimulado com um
simples estimulo, como em A, e agora ele dispara. A membrana
pós-sináptica ficou potencializada e continuará assim por longo
tempo. Este é o fundamento biológico da regra de Hebb.
Figura 3 – Esquema conceitual de uma rede neural canônica.
A rede é representada como um espaço de interpretações que
conecta hipóteses (ou argumentos) sobre o dados (inputs) do
ambiente, e então conecta aquelas que se mostraram mais apropriadas (representadas por traços de ligação) à adaptação (ou
resposta, output) no ambiente. O símbolo Wij representa o valor
heurístico (“peso” ou “força sináptica”) da relação entre as hipóteses i e j.
ANUNCIE NO JORNAL
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[email protected]
Artigo
Caos e Psiquiatria
Caos e Psiquiatria
Necessidade de um novo modelo para o
adoecimento mental
P
or volta de 1925, Ludwig von Bertalanffy, não satisfeito
com a abordagem mecanicista da Biologia, propôs uma
concepção organicista (“biologia organísmica”) com ênfase na consideração do organismo como um conjunto ou
sistema. Os sistemas biológicos, sejam células, organismos ou populações, apresentam a característica comum de serem
formados de muitas partes em contínua interação. É fundamental
que essas partes trabalhem conjuntamente, de modo a produzirem
comportamentos coerentes, mas esses comportamentos não são deduzidos dos comportamentos das partes do organismo. Em terminologia dinâmica, um organismo é um sistema não-linear, assim como
a quase totalidade dos sistemas existentes. A dinâmica não linear
dos sistemas complexos é o que John Gleick (1990) popularizou
como o nome de Teoria do Caos, que estuda o comportamento aparentemente aleatório, ou seja, imprevisível e instável, de sistemas
que, apesar disto, são determinísticos, isto é, regidos por leis físicas.
As leis da física, em sua formulação tradicional, descrevem um
mundo idealizado, reversível e estável, e não o mundo instável e
evolutivo em que vivemos. Ilya Prigogine deixa claro em seu livro
“O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza” que “...esse
ponto de vista força-nos a reconsiderar a validade das leis fundamentais, clássicas e quânticas. Em primeiro lugar, nossa recusa da
banalização da irreversibilidade funda-se no fato de que, mesmo
na física, a irreversibilidade não pode mais ser associada a um aumento da desordem. Longe do equilíbrio, o papel construtivo da
irreversibilidade torna-se ainda mais impressionante... é graças aos
processos irreversíveis associados à flecha do tempo que a natureza
realiza suas estruturas mais delicadas e mais complexas. A vida só é
possível longe do equilíbrio.” (Prigogine, 1996). Assim, a dinâmica
da vida deixa seus rastros através do comportamento imprevisível,
complexo, não linear, dentro dos limites do caos.
O uso transdisciplinar da dinâmica não linear e da teoria da complexidade abriu uma nova perspectiva de análise em medicina. Uma das
contribuições deste ramo novo da ciência à medicina foi o conceito
de enfermidade dinâmica (Mackey e Milton, 1987; Goldberger, 1990,
1991). Esses e outros autores demonstraram objetivamente como a
fisiologia de determinados processos pode se modificar dinamicamente levando a doenças graves (Pezard et al, 1996; Schiff et al., 1994;
Yeragani et al., 2002; Paulus e Braff, 2002; Câmara, 2008). Também
é possível estabelecer modelos razoáveis para doenças mentais, onde
falta a demonstração de alterações materiais ou marcadores biológicos, e cuja complexidade fisiológica do cérebro não nos permite ainda obter um conhecimento suficiente para inferir sobre mecanismos.
Entretanto, tais modelos nos permitem insights teóricos e práticos
sobre origem e tratamento destas doenças (Câmara, 2008).
26 | debate
hoje
Os anos 1990 foram especialmente férteis para a psiquiatria, pois
a incorporação de paradigmas da dinâmica não linear (Freeman,
1992; Mandell e Selz, 1992) modificou, de modo ainda não totalmente percebido pela maioria dos psiquiatras, o paradigma da
fisiologia das sinapses para a fisiologia das vias implicadas nos sintomas, atual enfoque das pesquisas psicofarmacológicas (Câmara,
2008). Para entendermos melhor essa dinâmica, precisamos explicitar o conceito de sistema. É conhecido que os sistemas podem
ser classificados em abertos, fechados e isolados, entendendo-se
por sistema aberto aquele que troca matéria e energia com o meio
ambiente através da fronteira que o delimita. Os sistemas abertos, como regra geral, são parte de sistemas maiores estando em
íntimo contato com esse sistema maior. Fechado é o sistema que
troca apenas energia, mantendo a matéria constante. Os sistemas
fechados tipicamente também são parte de sistemas maiores, mas
sem íntimo contato com estes. Por fim, isolado é o sistema que não
troca nem matéria nem energia com o ambiente. Embora possam
ser parte de sistemas maiores, eles não se comunicam com o exterior de modo algum. Também podemos falar em sistemas simples
ou complexos, onde os sistemas simples seriam aqueles regidos por
comportamento linear gerando, consequentemente, ordem de nível
simples. Os sistemas complexos seriam aqueles regidos por comportamento não linear. A interação de sistemas complexos criaria
o ambiente da Complexidade, cujo comportamento seria explicado
pela Teoria do Caos. A maioria dos sistemas existentes na natureza
é do tipo dinâmico (muda ao longo do tempo), com elevado componente determinístico de caráter não-linear e com dependência
sensível das condições iniciais. Isto é Caos!
O organismo humano, indubitavelmente, é um sistema com todas
as características acima mencionadas. Embora essa mudança de
paradigma venha mostrando sua emergência, grande parte das pesquisas em Psiquiatria ainda se prendem ao modelo reducionista e
fragmentado, concentrado preferencialmente em uma abordagem
linear na qual os fenômenos quase sempre são tratados de forma estática (análise em um determinado ponto, transversal) e os
efeitos são considerados diretamente proporcionais à causa, sendo
pouco valorizado o comportamento dinâmico e não linear. Assim,
apenas reafirmamos a famosa Navalha de Occam, onde “as melhores
teorias são as mais simples” ou “a natureza é econômica… sempre
quando houver dois caminhos que levam à verdade, vale o mais
simples.”. Mas, nas situações clínicas, encontramos uma assombrosa variabilidade nas condições finais, com sensível dependência da
condição inicial. Assim, pequenas disfunções em órgãos isolados
levam paulatinamente a certos graus de disfunção à distância que
progressivamente vão se associando e, de acordo com variáveis dependentes ou não de cada indivíduo, culminam às vezes em situa-
Guilherme Luiz Lopes Wazen
Preceptor do ambulatório de Transtornos do Humor, Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica, Faculdade de Medicina
de São José do Rio Preto (FAMERP). Membro do NUTECC (Núcleo Transdisciplinar para Estudo do Caos e da Complexidade)
ções catastróficas como a morte. Isto explicaria porque os clínicos
estão cada vez mais cientes da crescente onda de interesse a respeito da dinâmica não-linear. A psiquiatria ainda não conseguiu se
desconectar da atomização e da causalidade linear do adoecer psíquico para o cérebro, mantendo sua posição como sistema fechado.
Kendler nos alerta especificamente sobre esse ponto: “Transtornos
psiquiátricos são, pela sua natureza, fenômenos complexos em
diferentes níveis. Nós precisamos manter nossas cabeças abertas
sobre a sua imensa complexidade e perceber, com humildade, que a
sua plena compreensão irá requerer a integração rigorosa de múltiplas disciplinas e perspectivas” (Kendler KS, 2005).
Podemos expandir nossa visão de dinâmica não linear dentro da
psiquiatria para as mais diversas condições clínicas. Trago como
exemplos a questão dos Transtornos do Humor em seu diagnóstico
e curso clínico, assim como o comportamento cardíaco dos pacientes sob essa condição. Apesar da distinção dos quadros unipolares
e bipolares pelo DSM-IV-TR e pela CID-10 em entidades distintas,
a discussão entre os partidários de um e de outro modelo tem sido
reativada, na medida em que o conceito do espectro bipolar vem se
ampliando (Del-Porto et al, 2009). Assim como, no âmbito classificatório desta enfermidade, a busca pela sua etiopatogenia ainda
é palco de grandes debates. Estudos têm demonstrado que a regulação do humor envolve a interação de múltiplos sistemas e que a
maioria das drogas efetivas provavelmente não atua isoladamente
sobre um sistema particular de neurotransmissão, mas modula o
balanço funcional entre os diversos sistemas interagentes (Chen
et al, 1999). Interações complexas entre sistemas neurais semiindependentes, funcionando harmonicamente, são necessárias para
a manutenção do apetite, do sono, da estabilização do peso e do
interesse na atividade sexual, funções neurovegetativas geralmente
alteradas nos transtornos de humor (Davidson, 2002). Apesar deste
enfoque dinâmico e complexo, a busca por uma explicação nas doenças médicas ainda é o da causa específica, estabelecidos a partir
dos experimentos de Pasteur (teoria dos germes) e Virchow (teoria
das lesões) no séc. XIX (Câmara, 2008).
Usamos sistemas classificatórios baseados em condições lineares,
mas já foi demonstrado que o aparecimento dos sintomas segue
um padrão não linear (Pincus, 2003). Dessa forma, avaliar as flutuações do humor através das medidas não lineares nos leva a um
salto qualitativo muito maior em relação a cada paciente que tratamos. Quem nunca se deparou com pacientes bipolares que ciclam
o humor de forma “incompreensível”, mesmo sob o uso correto das
medicações? E quando um de nossos pacientes responde clinicamente bem ao lítio, enquanto o outro, com o mesmo diagnóstico,
ao ácido valpróico? Assim, o uso das ferramentas não lineares nos
facilitaria desenhar de forma mais realista o padrão de funcionamento de cada paciente, assim como prever uma melhor resposta
para a medicação “X” ou “Y”.(Kathendral et al, 2007; Pincus, 2003).
Os defensores de uma mudança de paradigma para as futuras versões do DSM e da CID acreditam que a descoberta de marcadores
biológicos e do funcionamento cerebral “seria apenas questão de
tempo”. No entanto, há razões para ceticismo. Lesões no sistema
nervoso central (ex. tumor) podem produzir os mais variados sintomas psiquiátricos. A doença de Huntington apresenta-se com sintomas psicóticos em alguns indivíduos, mas em sua grande maioria
apenas com distúrbios do movimento e, eventualmente, quadro
demencial. A complexidade do cérebro humano e as variações da
relação de cada estrutura e função demonstram que a relação entre
processos biológicos básicos e sinais e sintomas psiquiátricos vão
muito além da causalidade linear. Somente uma abordagem longe
desta simplicidade e que consiga expandir nossos conceitos etiológicos para modelos desordenados e irregulares é que poderá fornecer um caminho mais seguro para nossos diagnósticos (Kendler
e First, 2010). Precisamos visualizar o adoecer psíquico de forma
não linear, o sistema nervoso como um sistema aberto e complexo,
totalmente dependente das condições iniciais. A teoria do Caos nos
oferece isso.
Sobre a questão da ciclicidade do humor, Kraepelin foi de encontro
às definições de caos na classificação da doença maníaco-depressiva dizendo “Eu acho que estou convencido disso... esforços por
uma classificação da doença terão que destrinchar a irregularidade
desta própria. O tipo, a duração e os intervalos das crises para
cada caso variam, de forma que sempre devemos considerar novas
formas para cada caso.”; e mais adiante: “...nenhum limite definitivo pode ser traçado entre as formas rigorosamente periódicas e
aquelas com um curso irregular. Com especial significado é o fato
que a periodicidade existe em muitos casos em apenas um determinado momento do curso da doença... ”O paradigma predominante
de organização conceitual dos fenômenos afetivos em termos de
periodicidade não consegue captar este curso clínico flutuante e
irregular. Novamente, o uso das ferramentas do caos mostram-se
como ótimas opções para quantificar tal situação. (Woyshville et
al, 1999)
Inúmeras são as pesquisas integrando fatores psicossociais e biológicos no estudo da fisiopatologia dos transtornos do humor (Akiskal
e McKinney, 1973). Recentemente tem se demonstrado que o estresse precoce pode levar a alterações do eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal, sendo estas alterações primárias consideradas como fator de risco para a ocorrência de quadros depressivos na vida adulta
(Mello et al, 2003). Eventos estressores podem levar a alterações
da vida diária, consideradas como importantes pistas para a sincronização dos ritmos biológicos. A perda destas pistas pode alterar
os ritmos sociais, consequentemente, os ritmos biológicos que, por
sua vez, podem desencadear episódios afetivos em indivíduos vulneráveis (Meyer e Maier, 2006). Temos aqui um exemplo claro de
flutuação do sistema, de característica probabilística e irreversível.
A fenomenologia dos quadros do humor apresentam ainda como
característica fundamental as relações entre características da
personalidade e sintomas afetivos. A personalidade pode ser vista
como resultado da interação entre experiências vitais, ambiente
familiar e temperamento (Clonninger et al, 1998). Não obstante
a essas pesquisas, diversas medidas psicofisiológicas mostram-se
úteis como indicadores de um estado afetivo. Existe, de fato, evidências sugerindo o envolvimento do sistema nervoso autonômico
nos transtornos do humor, e uma forma de computar o balanço
autonômico é através da análise da variabilidade da frequência cardíaca (VFC) (Todder et al, 2005). Mas por que esta predileção pelo
coração? A medida da VFC tem sido associada a uma variada gama
de processos, incluindo a atenção e regulação afetiva, assim como
o comportamento social (Thayer e Brosschot, 2005; Porges, 2007).
Pesquisas prévias indicam que a exposição a estressores moderados, falta de previsibilidade ambiental e social em ratos levam a
mudanças de comportamento, da frequência de batimento cardíaco
basal e a distúrbios do ritmo cardíaco, reatividade cardiovascular
exagerada a estressores novos e ao rompimento do equilíbrio autonômico (Porges, 2007). A função cardiovascular é determinada
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Guilherme Luiz Lopes Wazen
Preceptor do ambulatório de Transtornos do Humor, Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica, Faculdade de Medicina
de São José do Rio Preto (FAMERP). Membro do NUTECC (Núcleo Transdisciplinar para Estudo do Caos e da Complexidade)
Artigo
Caos e Psiquiatria
por vários fatores do sistema nervoso central e periférico, incluindo
o equilíbrio das influências simpáticas e parassimpáticas, e estas
funções do sistema nervoso autonômico podem variar entre as espécies (Grippo et al, 2007).
Neste caso, observamos que o tônus autonômico auxilia o organismo a enfrentar o desafio de um ambiente em constante mutação.
De uma perspectiva sistêmica, processos de inibição simpática ou
parassimpática podem ser vistos como circuitos de feedback negativo que permitam a interrupção do comportamento em curso e redistribuição de recursos para outras tarefas. Quando os mecanismos
de feedback negativo estão comprometidos, loops de feedback positivo podem se desenvolver como resultado do descontrole inibitório. Estes circuitos positivos podem ter consequências desastrosas,
promovendo a hipervigilância, perseverança e ativação contínua
deste sistema, limitando, assim, a disponibilidade de recursos para
outros processos. Tal estado do organismo pode fornecer um substrato patogênico crônico de processos psicológicos e emocionais,
com impacto negativo à saúde. Mais uma vez notamos o caráter flutuante, obrigando o sistema nervoso central a ajustar-se compensatoriamente. Estas zonas de flutuação podem distorcer, irreversivelmente, o funcionamento cerebral, aumentar sua vulnerabilidade
para novas recorrências e limitar a resposta terapêutica. Através
da observação do comportamento cardíaco por meio de métodos
não lineares, já foi encontrada uma relação entre a presença do
Transtorno Depressivo Maior e um aumento da atividade simpática como disfunção autonômica (Koschke et al, 2009) (Nashoni et
al, 2004). Tal comportamento com diminuição da complexidade se
assemelhou ao de pacientes cardíacos transplantados (Nahshoni et
al, 2004). Mesmo usando-se somente técnicas lineares, em pacientes com Trantorno Depressivo Maior também foi demonstrado um
decréscimo nos parâmetros da variabilidade da frequência cardíaca
, sugerindo uma redução da atividade cardiovagal e/ou um aumento da atividade cardiovascular simpática (Angelink et al, 2002).
Uma análise em pacientes eutímicos com Transtorno Bipolar do
Humor também demonstrou uma diminuição significativa da variabilidade da frequência cardíaca, independentemente do tratamento
farmacológico empregado (Cohen et al, 2003). Assim, o desbalanço
autonômico, representado pela hiperatividade simpática dos circuitos neurais, que estão normalmente sob controle inibitório tônico
vagal através do córtex pré-frontal, podem nos delinear por novos
insights sobre os mecanismos fisiopatológicos dos transtornos do
humor (Thayer e Brosschot, 2005). Apesar de alguns estudos de
grande importância existentes na literatura, a grande maioria usou
análises de caráter linear, com enfoque apenas nos episódios depressivos. Assim, estudos prospectivos de alterações cardiovasculares em pacientes tanto em mania quanto em depressão, ou seja,
abordando ambos os modelos unipolares e bipolares, tornam-se de
grande importância (Voss et al, 2006), principalmente quando avaliados por meio das medidas não lineares (Kemp et al, 2010).
Reforçando o que foi dito, fica demonstrado que o organismo humano deve comportar-se como um sistema não-linear e, sendo assim, deve obedecer à teoria do Caos. Torna-se, portanto, de extrema
importância avaliar a relação entre o comportamento cardíaco e as
manifestações psicopatológicas dos transtornos do humor dentro
do contexto não linear organísmico, elucidar o comportamento autonômico em pacientes com transtorno do humor. A busca por um
“marcador biológico” sempre se mostrou tentadora, mas, na maioria das vezes, cega. Somente através de uma concepção sistêmica
30 | debate
hoje
não linear poderemos inferir sobre a dinâmica da patogênese dos
transtornos mentais.
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