GÊNERO E SEXUALIDADE: O PAPEL DO PROFESSOR NA

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GÊNERO E SEXUALIDADE: O PAPEL DO PROFESSOR NA
DEFINIÇÃO DOS PAPÉIS SOCIAIS
Sinara Mota Neves
Universidade Federal do Ceará
[email protected]
Maristela Lage Alencar
Universidade Federal do Ceará
[email protected]
Andréia Serra Azul Da Fonseca
Universidade Federal do Ceará
[email protected]
Este trabalho objetiva investigar o grau de conhecimento docente sobre as relações de gênero e
sexualidade, com vistas à prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS no âmbito
escolar, prevista tanto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96), como pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). As discussões sobre a temática, no Brasil, datam da
década de 1980, derivadas do movimento feminista, com a busca de uma participação igualitária de
ambos os gêneros nos diversos papéis sociais. Ao passo que o sexo biológico de uma pessoa é
determinado pela herança genética, o gênero é culturalmente construído, com variação das funções
sociais conforme a sociedade e o período histórico. Com base nessa reflexão, foi realizada uma
pesquisa exploratória com vinte professores de uma escola da rede pública de ensino fundamental na
cidade de Fortaleza-Ceará-Brasil. Como instrumento de pesquisa, empregou-se a entrevista semiestruturada, efetuando-se a análise de conteúdo dos depoimentos. Os resultados indicaram nível de
conhecimento deficitário, com receio de abordar o assunto em sala de aula, pois os docentes haviam
sido vítimas de uma educação repressora sem espaço para a reflexão sobre as relações de gênero e
sexualidade.
Palavras-Chave: Educação. Gênero. Sexualidade
Introdução
Louro (1997) menciona que a característica fundamentalmente social e relacional do
conceito de gênero não deve levar a pensá-lo como referente à construção de papéis masculinos
e femininos. Para a autora, papéis seriam basicamente padrões ou regras arbitrárias que uma
sociedade estabelece para seus membros e que definem seus comportamentos, vestuário, modos
de se relacionar ou de se portar.
Pretende-se entender o gênero como constituinte da identidade dos sujeitos, deparandose, portanto, frente a outro conceito complexo, que pode ser formulado a partir de diferentes
perspectivas: o conceito de identidade. Identidades que se transformam, que não são fixas ou
permanentes, que podem inclusive ser contraditórias. Assim, o sentido de pertencimento a
diferentes grupos — étnicos, sexuais, de classe, de gênero — constitui o sujeito e pode levá-lo a
se perceber como se fosse empurrado em diferentes direções.
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Didaticamente, pode-se considerar que gênero é o conceito que se refere a um sistema
de papéis e relações entre homens e mulheres, determinado pelo contexto social, cultural,
político e econômico. Com efeito, enquanto o sexo biológico de uma pessoa é determinado pela
natureza biológica, o gênero é construído: difere de uma sociedade para outra e pode ser
alterado de acordo com a época. Em suma, falar em sexo implica referir os aspectos físicos e
biológicos de macho e fêmea, diferenças que estão presentes nos nossos corpos e que não
mudam radicalmente, mas apenas se desenvolvem de acordo com as etapas do crescimento
humano.
Nesse contexto, infere-se que as relações de gênero são criadas pelos seres humanos:
não se nasce, desse modo, com uma ou outra característica, mas se aprende a assumi-las no
decorrer da vida, através das experiências sociais. Essa aprendizagem constrói também
diferenças entre as pessoas e muitas desigualdades nas relações de gênero.
Constatam-se, assim, diferenças, distinções e desigualdades, inclusive na escola. Desde
seu início, a instituição escolar exerceu uma ação distintiva e se incumbiu de separar os
sujeitos – tornando aqueles que nela entravam distintos dos outros, os que nela não tinham
acesso (Louro, 1997, p.38). Nesse contexto, a escola legada pela sociedade ocidental moderna
começou por separar adultos de crianças, católicos de protestantes. Também se fez diferente
para os ricos e para os pobres. A escola delimita os espaços. Servindo-se de símbolos e códigos,
ela afirma o que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui (Louro, 1997, p.39).
No Brasil, a instituição escolar foi, predominantemente, masculina e religiosa. Os
jesuítas, que pretendiam a colonização dos índios, investiram, de fato, na formação dos
meninos, jovens e brancos dos setores dominantes. As primeiras escolas brasileiras regidas por
esses missionários constituíram um espaço marcadamente masculino, voltado para a formação
de um católico exemplar. É importante salientar que o modelo de ensino da congregação dos
jesuítas permaneceu no país por longo tempo, mesmo depois de serem oficialmente expulsos
por Pombal, no final do século XVIII.
Analisando a História, um dos fenômenos de gênero observáveis consistiu na evolução
da feminização do magistério, que se baseou em dois momentos: a urbanização e os estudos na
área da Psicologia. Verificou-se que o magistério público primário mantinha maioria feminina
já no final do século passado. No Projeto de Lei 1830, com a criação das Escolas Normais, em
São Paulo, era notória a preferência dada às mulheres. Seu acesso efetivo à Escola Normal deuse entre 1875 e 1880, com a criação de uma seção feminina (Louro,1997).
A maternidade e os valores advindos do universo doméstico fundamentaram padrões
básicos de comportamento que reforçaram a docência como uma ocupação feminina. Além
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disso, o afeto e outras características da identidade feminina puderam ser, em alguns momentos,
identificados com valores, abnegação e sacrifício (Vianna, 1994).
Percebe-se que a análise qualitativa da educação com base nas relações de gênero
auxilia a estabelecer um distanciamento crítico que permite enxergar, para além das visões
dominantes, as relações entre homens e mulheres e os significados do masculino e do feminino
em nossa sociedade. De início, pode-se afirmar que não se trata de novidade pensar a
sexualidade na escola, como atestam alguns fatos e datas significativas que constam no histórico
da educação sexual em outros países.
Embora pouco se saiba sobre a história da entrada da sexualidade na escola, na França,
a partir da segunda metade do século XVIII, a chamada educação sexual começou a preocupar
os educadores, coincidindo com o desenvolvimento de noções relativas à repressão das
manifestações da sexualidade infantil. Nesse momento, portanto, o objetivo maior era o
combate à masturbação, tendo como inspiração as idéias de Rousseau, para quem a ignorância
era a melhor garantia da manutenção da pureza infantil. Na medida em que não se podia
assegurar a ignorância absoluta, a informação dirigida e repressiva era o menor dos males,
preservando, assim, a criança dos perigos da sexualidade. De fato, instalava-se, na França, nesse
período, uma educação verdadeiramente anti-sexual (Sayão,1997).
No final do século XIX, retomou-se a abordagem da sexualidade nas escolas, agora
regida pela preocupação com as doenças venéreas e aumento de abortos clandestinos. No início
do século XX, ocorreram também iniciativas favoráveis à educação sexual, devido à ligação
entre o instinto sexual e a reprodução humana. No ano de 1920, foi promulgada, na França, uma
lei que proibia o aborto e a propaganda anticoncepcional. No período do pós-guerra, retornaram
os estudos e propostas para a introdução da educação sexual nas escolas, e, em 1973, decidiu-se
oficialmente inseri-la nos currículos escolares.
No Brasil, no início do século XIX, mediante a influência das correntes médicohigienistas vigentes na Europa, surgiram as primeiras idéias sobre educação sexual, que
apregoavam o combate à masturbação e às doenças venéreas, visando também à preparação da
mulher para o exercício do papel de esposa e mãe (Sayão,1997).
Em 1968, a deputada Júlia Steimbruck, no Rio de Janeiro, apresentou um projeto de lei
que propunha a introdução obrigatória da educação sexual em todas as escolas do país. Em
novembro de 1970 - esse projeto, oriundo de deputados, intelectuais e educadores - foi
repudiado por parecer contrário apresentado pela Comissão Nacional de Moral e Civismo, que,
no mesmo ano, pronunciou-se radicalmente contra a educação sexual nas escolas. Uma frase
famosa desse parecer, ao defender as supostas inocência, pureza e castidade das crianças dizia:
não se abre a força um botão de rosa, sobretudo com as mãos sujas (Sayão, 1997, p.38).
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De fato, somente a partir de 1975, ressurgiu o interesse pela educação sexual,
provavelmente devido às grandes mudanças observadas nos jovens do pós-68, bem como às
influências dos movimentos feministas e das políticas de controle da natalidade. Na década de
1980, várias iniciativas foram executadas no que diz respeito à divulgação de discussões sobre a
sexualidade: congressos e encontros profissionais foram realizados com a participação de
educadores, médicos e cientistas sociais. Esse movimento contribuiu para intensificar o debate
sobre a inclusão de educação/orientação sexual no currículo escolar, uma vez que o surgimento
da AIDS e o aumento da gravidez indesejada entre os adolescentes favoreciam o espaço para a
temática da sexualidade.
Por volta de 1989, a Secretaria Municipal de São Paulo decidiu implantar a orientação
sexual, inicialmente, nas escolas de 1º Grau, e, em seguida, nas classes de Educação Infantil
(Sayão, 1997). O aspecto inovador, nessa iniciativa, foi a cuidadosa formação de professores,
que passavam por curso inicial e acompanhamento continuado com supervisão semanal, sob a
responsabilidade do Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS). Foi a partir
dessas experiências que várias Secretarias Municipais de Educação resolveram também
implantar no currículo de suas escolas a temática orientação sexual.
Em 1996, foi aprovada a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
através da lei federal nº 9394/96, que estabelecia o papel do poder público com a educação,
especialmente no Ensino Fundamental. Essa lei consolidava um ensino que deveria garantir aos
indivíduos uma formação comum indispensável ao exercício da cidadania, instrumentalizandoos para o futuro, quer no âmbito da aprendizagem, quer no do trabalho.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a educação sexual
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), divulgados em 1997, foram elaborados
pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação e do Desporto, com a
participação de muitos educadores brasileiros, especialistas da Educação e de outras áreas e
instituições governamentais e não-governamentais.
Em seu documento introdutório, o Ensino Fundamental deveria estar estruturado em
ciclos, pois, dessa forma, seria possível evitar:
(...) as freqüentes rupturas ou excessiva fragmentação do percurso
escolar, assegurando a continuidade do processo educativo ao
permitir que os professores adaptem a ação pedagógica aos
diferentes níveis de aprendizagem dos alunos, sem no entanto perder
a noção das exigências de aprendizagem referentes ao período em
questão (Brasil,1997).
2114
Nos PCNs, o Ensino Fundamental foi estruturado em áreas de conhecimento, por
defenderem os seus colaboradores que os alunos das séries iniciais não aprendem conteúdos
estritamente disciplinares, mas, sim, um conjunto de conhecimentos, passíveis de serem
ensinados e aprendidos por alunos (Brasil,1997). Linguagens e Códigos, Ciências Humanas e
Ciências da Natureza e Matemática foram os conhecimentos enunciados.
Notadamente, foi apresentado, no documento, uma série de temas atuais comumente
não contemplados nas áreas tradicionais do currículo, mas que deveriam ser abordados como
forma de contribuir para a formação de cidadãos capazes de intervir criticamente na sociedade
em que vivem. Meio Ambiente, Saúde, Orientação Sexual, Ética, Pluralidade Cultural e
Estudos Econômicos são temáticas que deveriam estar presentes transversalmente no currículo
do Ensino Fundamental.
Como as idéias veiculadas nos PCNs estão de acordo, de certo modo, com os
paradigmas contemporâneos da Epistemologia da Ciência e da Educação, haveria a necessidade
de uma grande mudança nas mentalidades dos atores que iriam sistematizar e operacionalizar as
suas orientações em suas práxis. Os primeiros passos para essa mudança seriam, de acordo com
fundamentos da abordagem construtivista, conhecer e analisar as idéias e as práticas das pessoas
que influem na educação dos jovens referentes a estes temas atuais e socialmente relevantes.
A orientação sexual na escola
A sexualidade, sempre presente, ativa e encoberta, também vem sofrendo
transformações constantes, com modificações na maneiras de pensar, sentir e agir. Fagundes
(1993) considera a sexualidade como um atributo inerente à pessoa humana, manifestando-se
independentemente de qualquer ensinamento, ocupando o seu espaço como forma de expressão
individual, reconhecida como necessidade intrínseca do ser humano. Para Mota (1996), a
sexualidade tem se caracterizado, historicamente, por seu aspecto tanto natural e positivo na
vida, como pela repressão que provoca, uma negatividade. Pode-se percebê-la, assim, como um
aspecto que transcende o biológico, tornando-se parte integrante da vida, relacionada ao
desenvolvimento da personalidade, às relações interpessoais e à estrutura social.
De acordo com Conceição (1998), a escola é uma instituição inserida no contexto
social, portanto, fundamentada em regras e indivíduos pertencentes à mesma sociedade que a
família, fornecendo e reforçando a educação repressora e anti-sexual. À vista disso, será
necessária uma preparação exaustiva, para que essa escola possa cumprir os objetivos propostos
pela educação sexual.
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No Brasil, a educação sexual vivenciou e ainda parece encontrar muitas dificuldades na
sua implantação e continuidade, ainda que seja reconhecida, compreendida e evidenciada, com
vários avanços e realizações significativas. A partir de 1980, a demanda por trabalhos na área da
sexualidade nas escolas aumentou devido à preocupação dos educadores com o grande
crescimento da gravidez indesejada entre adolescentes e risco de contaminação pelo HIV (vírus
da AIDS) entre os jovens (Brasil, 1997).
As manifestações de sexualidade afloram em todas as faixas etárias. Ignorar, ocultar ou
reprimir são as respostas mais habituais dadas pelos profissionais da escola. Essas práticas se
fundamentam na idéia de que o tema deveria ser tratado exclusivamente pela família, que, de
fato, realiza a educação sexual de suas crianças e jovens, mesmo quando não abordam o assunto
abertamente. O comportamento dos pais, na relação com os filhos, no tipo de cuidados
recomendados, nas expressões, gestos e proibições que estabelecem, são carregados de
determinados valores associados à sexualidade, que a criança apreende (Brasil,1997).
Caso a escola deseje obter uma visão integrada das experiências vividas pelos alunos,
buscando desenvolver o ser total, torna-se necessário que reconheça seu importante papel:
formação de uma sexualidade associada à vida, à saúde, ao equilíbrio, ao prazer e ao bem-estar,
integrando as diversas dimensões do ser humano. O trabalho sistematizado de orientação sexual
dentro da escola articula-se, portanto, com a promoção da saúde das crianças e dos adolescentes,
implementando ações preventivas para DST/AIDS .
A partir das diretrizes aventadas nos PCNs, cabe refletir a respeito de algumas questões,
inclusive os possíveis entraves da implantação da Orientação Sexual no Ensino Fundamental. A
princípio, sabe-se que a escola, da mesma forma que a família, é um meio permeado por uma
ideologia de dominação e submissão. Pode-se afirmar que, muitas vezes, a escola se constitui
um meio repressor da sexualidade, porque (des) significa o corpo, visto que a aprendizagem
escolar envolve o trabalho de conhecimentos preestabelecidos. Essa imposição do saber
desconsidera o conhecimento que a criança já possui e traz para a escola, reprimindo o desejo e
a possibilidade de troca e comunicação (Brasil,1997).
A Orientação Sexual oferecida nas instituições escolares deve contribuir para o
preenchimento de lacunas nas informações que a criança apresenta, proporcionando
informações atualizadas do ponto de vista científico, ensejando oportunidades de formar opinião
a respeito do que lhe é apresentado pela família, mídia e escola, discutindo diferentes tabus,
preconceitos, crenças e atitudes existentes na sociedade, além de desenvolver atitudes coerentes
com seus valores. Sendo assim, para trabalhar a partir dessa nova proposta, torna-se
imprescindível que a escola e o professor adotem um posicionamento horizontal, de troca e
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questionamento mútuo, para construir conhecimentos conjuntamente, numa relação de
igualdade e respeito. Importa verificar, também, como a família — uma das instituições
responsáveis pela educação sexual dos jovens — está lidando com a sexualidade de seus
adolescentes e percebendo a movimentação de algumas escolas em trabalhar com essa temática
(Brasil,1997;Conceição,1998).
Sabe-se que, nos dias atuais, algumas famílias não apresentam condições de conduzir,
sozinhas e de forma satisfatória, a orientação sexual de seus filhos. Os pais também não podem
transferir toda a responsabilidade dessa educação para a escola: no entanto, podem e devem
participar e questionar se a escola e o professor estão preparados para a tarefa. Pode-se
acrescentar que o papel da escola na formação do homem é pequeno quando comparado àquele
exercido pela família, todavia pode ser bastante significativo, caso desenvolva programas bem
dirigidos (Conceição, 1988).
A sexualidade na adolescência começa a ser vista, hoje, menos como problema social e
mais como um tema de direito à educação sexual, de usufruto de seus direitos reprodutivos. Sem
esse enfoque, corre-se o risco de serem adotadas posições normativas da sexualidade e
reprodução dos jovens, impondo-lhes modelos de informações e comportamentos que, além de
não atenderem às suas necessidades reais, poderão ferir algumas de suas prerrogativas básicas.
A sociedade, por sua vez, tem respondido de maneira insatisfatória às necessidades e direitos
dos adolescentes sobre sexualidade, reprodução e prevenção das DST/AIDS, excluindo da lista
outros direitos sociais básicos, como educação, saúde, lazer, cultura, esportes, moradia e direito
ao trabalho (Ceará, 1998).
De modo semelhante, não é facilitado, aos jovens, o acesso a informações sobre
sexualidade em geral, serviços de boa qualidade para aconselhamento e fornecimento de
métodos anticoncepcionais e preservativos para a prevenção das DST/AIDS, conscientização
dos seus direitos, responsabilidades e participação ativa em processos relacionados à sua vida
particular ou social. É fundamental que a família e os educadores ofereçam orientação para que
os adolescentes desenvolvam boa auto-estima, saibam fazer escolhas, posicionem-se de forma
pessoal frente às situações, responsabilizando-se por suas decisões (Ceará,1998).
Entende-se que o adolescente constitui um educador em potencial, uma vez que se
mostra notória sua influência junto ao grupo de semelhantes a que pertence. Assim, a
apresentação de informações corretas, claras e compreensíveis, bem como uma reflexão crítica
sobre seu impacto na vida sexual, auxilia o adolescente a disseminá-las de maneira mais rápida
e com maior credibilidade junto aos seus pares, dada a necessidade de aceitação do adolescente
por seu grupo. Serra & Cannon (1999) corroboram a idéia do potencial de desenvolvimento a
partir das características antropológicas do jovem. Salientamos, ainda, a necessidade de recorrer
2117
às forças internas, buscando estratégias educativas que proporcionem ao indivíduo,
especialmente o adolescente, a construção de espaços onde seja sujeito de sua história e, assim,
agente das próprias mudanças.
Método
O desenvolvimento da investigação científica concentrou-se na realização de um estudo
envolvendo abordagens qualitativas e quantitativas em diferentes momentos da pesquisa. Nessa
perspectiva, a pesquisa descritiva exploratória foi o método utilizado na busca de compreender o
conhecimento dos professores acerca do trabalho sobre gênero e sexualidade. Para Lakatos
(2000), esse método tem por objetivo descrever amplamente determinado fenômeno, além de
fornecer descrições tanto quantitativas quanto qualitativas, possibilitando, assim, o exame de
fatos e fenômenos que se desejam estudar, com importante papel nos processos observacionais,
no contexto da descoberta e contato mais direto com a realidade.
O estudo foi realizado em uma escola de Ensino Fundamental localizada bairro do
Pirambu, próximo à praia Leste-Oeste, no município de Fortaleza-Ceará-Brasil. O bairro onde
se encontra localizada a escola é de classe baixa, com reduzidas opções de lazer. Os moradores,
em sua maioria, residem em barracos montados em terrenos invadidos ou em casas construídas
em regime de mutirão.
Amostra
A amostra foi intencional, constituída por um grupo de 26 professores de ambos os
sexos, 22 do gênero feminino e 04 do gênero masculino, com faixas etárias entre 30 e 50 anos,
lecionando nos turnos da manhã e tarde, no sistema de telensino e ciclos de aprendizagem modalidade que agrupa alunos por faixa etária durante dois anos, equivalente ao sistema de
seriação - que demonstraram interesse em participar da pesquisa.
Instrumentos
Com o intuito de examinar com mais profundidade a dinâmica da escola, durante um
período de 20 dias, visitou-se a escola numa freqüência de duas vezes por semana, nos turnos da
manhã e tarde, em horário pré-determinado para observações nas salas de aula, durante o
recreio, na sala dos professores e no pátio de recreação, com os alunos. As observações
realizadas geraram um diário de campo que permitiu conhecer especialmente o cotidiano dos
2118
professores em sala, o comportamento dos alunos durante as aulas e a qualidade da interação
entre os membros da comunidade escolar. Paralelamente às observações, foi realizada com os
professores envolvidos na investigação a aplicação de questionários com questões fechadas e
abertas sobre os conhecimentos e práticas relacionadas ao trabalho sobre gênero e sexualidade
na escola.
Resultados
Os dados quantitativos foram analisados com auxílio do programa estatístico Statistical
Package For The Social Sciences – SPSS, versão 8.0 para Windows. Os resultados dos
questionários e observação em sala de aula possibilitaram o reconhecimento de similaridades
com os trabalhos de Sayão e Aquino (1997), ao relatarem que, embora a incorporação do eixo
biológico da sexualidade esteja presente na escola desde o Ensino Fundamental, os professores
mostram-se desconfortáveis em abordar essa temática. Argumentam, principalmente, as reações
esboçadas pelos educandos a essas aulas, fruto de seus valores, conflitos e dúvidas, como
também a própria concepção docente relativa à vivência da sexualidade, com a inclusão de
mitos, tabus e preconceitos dos próprios educadores. Juntamente a essas dificuldades, o código
lingüístico, bem como as normas e regras do espaço escolar, na maioria das vezes, não possui
uma proposta clara de educação sexual.
Analisando as abordagens que os professores utilizaram para relatar o tema, percebeu-se
que o medo de falar sobre o assunto ainda esteve muito freqüente no discurso dos docentes. No
que diz respeito à sexualidade, pôde-se observar que a maioria dos participantes (57.69%)
considerou ser uma necessidade humana básica na busca de prazer e 30.76% não sabiam o
significado de sexualidade. Sobre DSTs, 100% dos professores afirmaram tratar-se de agravos
de transmissão sexual; já em relação à AIDS, 23% da amostra informaram ser transmitida por
mosquito.
Coletaram-se, igualmente, informações sobre conhecimentos e práticas pessoais e
profissionais referentes a gênero, sexualidade e saúde reprodutiva, bem como informações
relacionadas à vivência sexual dos entrevistados. A maioria dos entrevistados foi constituída
por mulheres, com faixa etária entre 30 e 40 anos, casadas, com mais de dois filhos, nível de
escolaridade superior e pós-graduação (especialização), residentes em casa própria, com
telefone fixo, possuidoras de telefone celular e automóvel, plano de saúde particular, com renda
pessoal de 2 a 7 salários mínimos e renda familiar maior que 7 salários mínimos. Logo,
verificou-se o predomínio do gênero feminino no âmbito escolar, especialmente no Ensino
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Fundamental, conforme o pensamento de Vianna & Aquino (1997), acerca da presença de
mulheres no ensino público como majoritária, nacional e internacionalmente.
De acordo com os dados dos questionários, observou-se que 92,6% dos professores
iniciara sua vida sexual em faixa etária superior a 16 anos, sendo o primeiro parceiro o
namorado. Uma parcela significativa (46,2%) informou ter sido orientada sobre sexualidade e
anticoncepção antes do início da vida sexual.
Cerca de 63% dos entrevistados mencionaram que a família deveria ser responsável pela
orientação sexual de seus filhos: logo, a função da escola seria apenas complementar, pois sua
formação inicial não os qualificava para esse trabalho.
Conclusão
Para um efetivo trabalho de educação sexual, é preciso que o educador mantenha-se
disponível, independentemente de sua área de atuação, estabeleça uma relação efetiva de
confiança, assumindo uma posição horizontal de diálogo, compreenda seus limites de trabalho
no sentido de orientar e auxiliar os adolescentes na construção de seus valores, enfatizando a
promoção de condutas saudáveis, sabendo, contudo, respeitá-los com prudência e coerência,
ciente de que não pode gerenciar a vida do outro, apenas auxiliá-lo em sua elaboração.
No que se refere à educação sexual, contemplando as diferenças de gênero, salienta-se,
como afirma Basso, Huino & Luna (1991), que a compreensão da influência cultural é essencial
para que se possa entender que essas diferenças, se não forem avaliadas, transformar-se-ão em
desigualdades de gênero passíveis de gerar restrições e limitações entre os adolescentes, de
forma a dificultar a transmissão de informações e a aquisição de comportamentos saudáveis.
Assim, defende-se que a incorporação da discussão sobre as relações de gênero, no que
concerne à educação sexual na escola, faz-se necessária na abordagem do prazer e do cuidado
implicados na vida sexual ativa.
Cumpre ressaltar a importância do modelo pedagógico interacionista e político-social,
considerando que o objetivo maior da nova LDB consiste na formação do indivíduo autônomo,
solidário, competente, crítico e participativo. Assim sendo, concorda-se com Costa (1999), que
entende ser fundamental a incorporação do conceito de protagonismo juvenil, propiciando, ao
adolescente, a aquisição e ampliação de seu repertório interativo, a fim de que lhe seja possível
a vivência das ações de educação sexual.
Concorda-se com Pinto (1997), citado por Aquino (1997): para ensinar ao adolescente, é
preciso subjetivar o conhecimento, vinculando-o à vida cotidiana do aprendiz. Assim, é
2120
necessária a compreensão de que a vivência sexual dos professores não deverá ser negada, ao
contrário, poderá servir de anteparo prático para os conhecimentos teóricos a serem desvelados
em parceria com os adolescentes e, destarte, poderá possibilitar ao educando o encontro com seu
núcleo de permanência e estabilidade; enfim, ele poderá construir identidade a partir de seus
valores e história de vida, sem padecer de imposições de valores e sentimentos dos educadores.
Acreditamos que a compreensão sobre sexualidade relaciona-se a fatores sociais,
afetivos, emocionais, que se trata de um fenômeno historicamente construído, moldado pela
conjuntura em que se encontra. Diante dos questionários, observamos que muitos professores
ainda demonstram medo ou receio de abordar o tema. Sayão in Aquino (1997) menciona que
compreender que o corpo e sua fisiologia constitui apenas suporte para o exercício da
sexualidade e que o grande acontecimento dessa vivência é a busca do encontro consigo e com
os outros de maneira responsável e prazerosa.
Os resultados da pesquisa indicaram que os educadores se revelam conscientes de que a
adolescência é um período com intensas modificações biológicas, psicológicas e sociais, que
promovem conflitos, anseios e desejos conseqüentes; segundo a compreensão dos docentes, a
descoberta da sexualidade, nessa fase, atua como agente catalisador de conflitos. Embora
vivenciem essa realidade em seu cotidiano e percebam-se como agentes potenciais de
informação, relataram dificuldades em abordar o tema educação sexual em sala de aula e,
quando o abordam, conduzem-se de forma demasiado teórica. Nas visitas à escola, observou-se
que, nos momentos em que surgiam discussões sobre educação sexual, o assunto era
desenvolvido em monólogo, permeado por crendices, tabus, valores pessoais e preconceitos.
A responsabilidade da educação sexual não se circunscreve aos docentes, abrangendo,
da mesma maneira, a família e a sociedade, que, de modo geral, negligenciam seu papel na
construção da identidade dos adolescentes. Convém assinalar que muitos dos posicionamentos
relativos à sexualidade parecem ser gerados por desconhecimento ou informações insuficientes.
A temática se mostra polêmica, culturalmente negada, causadora de desconforto no diálogo
inclusive entre parceiros sexuais.
Faz-se necessária uma reflexão aprofundada e sistemática, em todos os níveis do espaço
escolar, para que haja incorporação gradativa, esclarecedora, devendo ser permitida e respeitada
a escolha de cada um dos atores envolvidos, professores, alunos e pais. A sexualidade deve ser
vista, por docentes e discentes, como algo mais amplo do que conhecimentos anatômicos e
fisiológicos, com riscos de DST/AIDS e gravidez indesejada. É imprescindível que seja
incorporada uma visão positiva da sexualidade, que comporte todos os fatores citados, mas,
2121
principalmente, que envolva e efetue a compreensão de que sexualidade supõe amor e desamor,
prazer e desprazer, limites e responsabilidades.
Depreende-se, portanto, que a educação sexual na escola deve fomentar reflexões, como
também a tomada de consciência de si e do outro, reconhecendo como lícito o direito à busca e
vivência da sexualidade e do prazer, de forma responsável e orientada, a fim de que esses jovens
possam buscar melhores condições para exercer a cidadania.
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