Wendson Dantas de Araújo Medeiros, Marcos Antônio Leite do

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VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
MARMITAS DO RIO CARNAÚBA: PATRIMÓNIO GEOMORFOLÓGICO DO
ACARI-RN (NORDESTE DO BRASIL)
Wendson Dantas de Araújo Medeiros, Universidade de Coimbra/Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte
[email protected]
Marcos Antonio Leite do Nascimento, Universidade Federal do Rio Grande do Norte
[email protected]
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a temática envolvendo a geodiversidade, a geoconservação e o
geoturismo tem sido alvo de atenção de geocientistas em todo o mundo e vem
crescendo, particularmente, entre os geógrafos físicos. Nesse sentido, vários trabalhos
têm sido realizados com intenção de identificar, valorar, divulgar e proteger formas e
estruturas exuberantes que representem elementos interpretativos da evolução
natural do planeta e que tenham importância científica, didático-paisagística, ecológica
ou turística.
É nesse contexto que se insere o presente artigo, que tem por objetivo apresentar
as Marmitas do rio Carnaúba, património geomorfológico do município de Acari, Rio
Grande do Norte (NE do Brasil), como um importante elemento da geodiversidade
daquele município com forte vocação geoturística.
Marmitas correspondem a buracos de dimensões e formas variadas, encontrados
em rochas diversas, que foram esculpidas pelo movimento turbilhonar das águas,
geralmente, de um rio, riacho ou corredeira. Suas formas e profundidades variam em
função da litologia (resistência da rocha à erosão), da força das águas e do material
sedimentar transportado por esta, e do tempo. São também conhecidas pelo termo
Marmitas de Gigante ou Caldeirões. São formações comuns que ocorrem com
frequência ao longo de leitos rochosos de rios e riachos.
Embora não se trate de uma formação única e rara, as Marmitas do rio Carnaúba
apresentam particularidades e singularidades em função de suas características
litológicas, geomorfológicas e arqueológicas que permitem interpretar a história
evolutiva do local e de toda a Região Seridó, quer do ponto de vista natural ou da
ocupação humana pretérita.
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Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
Além disso, o conjunto paisagístico do local constitui um belo cenário que, somado
à possibilidade de interpretar a sua evolução, potencializam-nas para o
desenvolvimento do geoturismo.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os procedimentos metodológicos que nortearam a realização deste estudo estão
divididos em duas fases, sendo uma notadamente de campo e outra desenvolvida em
gabinete.
Na fase de campo, foram realizadas observações in loco com intuito de identificar
elementos que permitissem caracterizar os processos relacionados à evolução do sítio.
Como suporte, foram utilizados equipamentos de GPS, para georreferenciamento do
sítio, e fita métrica para precisar as dimensões das marmitas.
Os dados coletados em campo foram tratados em gabinete, onde com apoio de
material bibliográfico e cartográfico, pode-se realizar o enquadramento teórico do
processo evolutivo das marmitas.
LOCALIZAÇÃO E BREVE CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
O município de Acari está localizado na Região Seridó do Estado do Rio Grande do
Norte, em pleno sertão do Nordeste brasileiro, onde ocorre um clima semiárido
quente e seco caracterizado por duas estações bem definidas: seca e chuvosa.
A estação seca é pronunciada e prolonga-se pela maior parte do ano, e o período
chuvoso concentra-se entre os meses de fevereiro a abril, com chuvas escassas e mal
distribuídas. As médias pluviométricas variam entre 250 a 500 mm anuais e as médias
térmicas giram em torno de 28°C, com um período de insolação superior a 3.000 h/ano
(SEPLAN & IICA 2000).
Do ponto de vista da geologia regional, está inserida na Província Borborema
(Almeida et al. 1967) e na Faixa de Dobramentos Seridó (Jardim de Sá 1994). Ocorrem
aí rochas de idades diversas, desde o Arqueano (Complexo gnáissico-migmatítico) até
o cenozóico.
As principais unidades geomorfológicas de grande extensão que ocorrem na Região
Seridó e mais marcantes no município são os contrafortes do Planalto da Borborema e
terrenos rebaixados da Depressão Sertaneja. Destacam-se como pontos notáveis do
relevo as serras do Pai Pedro (Gargalheiras), do Bico da Arara, da Caiçarinha e da Lagoa
Seca. A ocorrência destas serras ao redor da cidade é responsável pelo facto desta ser
conhecida como a terra das cordilheiras.
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A hidrologia é marcada por rios e riachos intermitentes, açudes para
armazenamento de água e pelos aquíferos cristalino e aluvião. Entre os rios, destacamse o Acauã e o Carnaúba, objecto desse estudo.
No que respeita à biota, a vegetação dominante é a Caatinga, marcada por uma
fisionomia singular a apresentar-se exuberante, durante a estação chuvosa, e rala e
seca, no período desfavorável. Contudo, tendo em vista a exploração humana com as
actividades primárias (agricultura e pecuária), desde o século XVIII, da mineração, a
partir de meados do século XX e, actualmente, da actividade ceramista, esta vegetação
encontra-se bastante degradada. Isto, aliado aos solos rasos dominantes e ao clima
semi-árido rigoroso, contribui para um processo de desertificação intenso,
considerado dos mais graves no sertão do Seridó.
Em consequência, a fauna que antigamente era abundante hoje se encontra
bastante reduzida, com várias espécies extintas ou em vias de extinção, como onças,
gatos-maracajá, tamanduás entre outros. Ocorrem, ainda, com frequência, raposas,
gatos-do-mato e uma avifauna exuberante, principalmente, nas proximidades dos
cursos d’água.
MARMITAS DO RIO CARNAÚBA: SINOPSE EVOLUTIVA
As Marmitas do rio Carnaúba integram o património geomorfológico do sítio
geológico-geomorfológico-arqueológico Barra da Carnaúba (Medeiros 2003). Dista
cerca de 13 km do centro da cidade de Acari e tem sua área de ocorrência delimitada
pelas coordenadas UTM 9.285 kmN e 750 kmE e 9.281,1 kmN e 755 kmE (figura 1).
A litologia do sítio é caracterizada por afloramentos de rochas granitóides
associadas à intrusão do Maciço Acari, de idade neoproterozóica (550-680 Ma), com
predomínio dos granitos porfiríticos assemelhados ao tipo Itaporanga ou dente de
cavalo. Estas rochas obedecem a um forte controle estrutural de direção
predominante N-NE, que condiciona, também, a evolução do relevo.
O modelado local é constituído por serrotes de altitudes modestas (250 a 434
metros) que se apresentam sob a forma de domos cristalinos bastante dissecados pela
drenagem do rio Carnaúba. Este processo de dissecação aliado às condições litológicoestruturais propiciou a origem de marmitas de tamanhos e formas diversas.
Tais marmitas têm sua origem e evolução relacionadas a uma série de eventos ao
longo do tempo geológico e às condições litológicas, estruturais e topográficas da
região. Dentre os principais eventos, podem ser considerados os processos de
aplainamento do relevo nordestino oriundos da pediplanação sertaneja, ocorrida ao
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Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
longo do Cretáceo (Ross 1996) e pós-Cretáceo (Ab’Saber 2003); as mudanças
climáticas de um ambiente mais húmido e chuvoso para um ambiente mais seco,
próximo das condições atuais, ao longo do Pleistoceno (Ximenes 2008); bem como, um
contínuo processo de soerguimento lento da crosta associados a processos erosivos.
Figura 1 - Localização do sítio geomorfológico Marmitas do rio Carnaúba.
Lima (2008) ao estudar a história do intemperismo na região Seridó identificou que
os principais processos erosivos datam do Cretáceo superior (70 Ma), com destaque
para os processos de dissecação do relevo, enquanto que o intemperismo, passa a
atuar dominantemente na esculturação do modelado, a partir do Oligoceno,
estendendo-se até o Pleistoceno (31 Ma).
Pode-se destacar, por exemplo, o rejuvenescimento da drenagem ocorrida no
Pleistoceno, em razão de condições climáticas de maior humidade e pluviosidade. Isto,
associado aos desníveis topográficos acentuados, conferiu uma maior energia
hidráulica e, consequentemente, maior poder erosivo aos rios e intensificação do
processo de dissecação do relevo.
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No caso específico do rio Carnaúba, o movimento turbilhonar das águas do rio em
contato com as rochas granitóides provocou o desgaste destas. A existência de
diáclases e falhas de direção preferencial N-NE facilitou e acentuou a infiltração da
água, intensificando a atuação do intemperismo químico e físico.
Somam-se a isso os seixos carregados pela drenagem, os quais potencializavam o
atrito com a rocha e, por conseguinte, facilitavam o trabalho de desgaste. Material de
origem na Serra de Santana (Formação Serra de Martins), cobertura sedimentar de
idade quaternária, estes seixos são comumente encontrados no fundo de algumas
marmitas, constituindo um verdadeiro registo de todo esse processo evolutivo.
Como resultado, foram esculpidas marmitas de dimensões e formas variadas,
algumas com profundidades superiores a 4 metros (figura 2), dando um aspecto
esburacado ao leito do rio que faz lembrar a paisagem lunar, produzindo um cenário
de beleza rústica e paisagística que por si, possui forte apelo turístico.
Figura 2 - Marmitas do rio Carnaúba.
Algumas dessas marmitas possuem, também, forte importância cultural, uma vez
que abrigam gravuras rupestres da tradição Itaquatiara, povo nômade que habitou a
região há 2.500 anos antes do presentes (Martin 1999).
Dentre as várias teorias sobre a interpretação destas gravuras, uma delas parece ser
bem plausível e está associada ao culto das águas, facto que faz com que esses registos
sejam encontrados sempre próximos a leitos de rios ou em áreas de armazenamento
de água, como as marmitas, por exemplo. Isto é concebível, visto que naquele tempo
já dominava o clima semiárido, e a água armazenada permitia a sobrevivência desse
povo nômade, seja com o seu consumo directo, seja pelo facto de constituir um
atractivo para os animais, a favorecer-lhe a caça nas proximidades do rio.
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Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo
Toda a história evolutiva e o carácter preservado destas marmitas demonstram o
seu valor científico, didáctico-paisagístico, educacional e geoturístico, e reforça a sua
condição de património a ser valorizado e preservado para as presentes e futuras
gerações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As marmitas do rio Carnaúba são elementos da geodiversidade do município de
Acari que, por suas características intrínsecas, constituem um importante património
geomorfológico e merecem ser objecto de proteção, nos moldes da geoconservação,
para as presente e futuras gerações.
Apesar de toda a sua importância histórica, natural e cultural, este sítio é pouco
conhecido por parte da população e, consequentemente, pouco valorizado. Apenas a
população mais idosa, com maior vínculo com o meio rural, faz referência ao sítio
como um legado importante. Contudo, não há qualquer tipo de proteção por parte do
poder público que venha a garantir a proteção desse legado.
Aliado a isso, o facto de estar numa área onde a mineração ainda é considerada
uma alternativa econômica, e onde a exploração de granitos para ornamentação tem
crescido nas últimas décadas, este sítio apresenta-se vulnerável, tendo em vista que,
uma vez deteriorado, não é possível se recuperar.
Assim, sugere-se a adopção de medidas que promovam a sua preservação, tais
como:
Enquadramento da área como um monumento natural
geomorfológico, de acordo com a Lei nº 9.985/2000 que estabelece as
diretrizes relativas ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza;
Elaboração de plano de manejo da área visando a regulamentação do
uso do solo, incluindo aí a visitação turística e geoturística;
Capacitação da comunidade local quanto à história evolutiva do sítio
e necessidade de sua protecção, bem como no que concerne à sua
participação na actividade turística e geoturística;
Afixação de placas e paineis informativos acerca do processo de
evolução das marmitas e sobre as medidas de conservação.
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BIBLIOGRAFIA
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Disponível em: http://www.unb.br/ig/sigep/sitio014/sitio014.pdf.
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